A águia e os cordeiros
Estive pensando em escrever
uma fábula, mas estou tão sem
inspiração. Queria fazer uma
fábula onde os personagens
fossem uma águia e alguns
cordeiros no campo.
Na fábula que ainda não
escrevi, a águia estaria
sobrevoando pastos e abismos,
como em Nietzsche, e o rebanho
de ovelhas balindo, reclamando,
reagindo ao que a águia faz,
certo de que ela é má e pode
atacá-lo.
No entanto, para compor a
fábula-crônica eu precisaria
estar um pouco mais lúdica do
que estou. Um certo lirismo
infantil deveria tomar conta da
escrita para que a fábula se
tornasse o que ela é. A questão
é que não sou muito chegada ao
"Que os cordeiros guardem rancor das grandes aves de rapina do ressentimento que nutre pela
é algo que não se pode estranhar: só que não há nisso motivo
algum para levar a mal que estas lhes arrebatemos
atitude afirmativa da águia.
cordeirinhos. E quando os cordeirinhos dizem entre si: 'essas Para dar um valor para si, ser
aves de rapina são malvadas'; e quem é o menos possível uma representante do bem, o cordeiro
ave de rapina, antes porém sua antítese, um cordeirinho, não precisa negar a atitude do outro,
deveria ser bom?; nada há aqui que objetar a esse modo de
caracterizando-a como má.
estabelecer um ideal, exceto que as aves de rapina olharão
talvez para baixo com um pouco de zombaria e dirão talvez:
'não estamos zangadas, em absoluto, com esses bons cordeiros, Muito do que se faz na escrita
inclusive os amamos: nada há de mais saboroso que um tenro crítica é uma atitude reativa do
cordeiro'". Nietzsche, em Genealogia da Moral, de 1887. tipo cordeirinho. Céus, quantas
vezes não estou aqui negando o
gênero, ele quase sempre de ser moralista e/ou prescritiva, O forte, a águia, faz o que quer outro para afirmar minha
implica um desfecho coisa da qual estou querendo fazer, o que considera bom, ele própria bondade? Oxalá me
moralizante. afastar-me cada vez mais. simplesmente afirma o que faz. livre disso logo. Não quero balir
O fraco, no caso, o cordeiro, ou invés de escrever.
No entanto, ao planejar O que eu queria mesmo abordar não age a partir de si, mas a
escrever sobre a águia, à la com essa fábula-crônica é a partir da ação do outro, a Combinemos assim, prezado
Nietzsche, uma personagem questão da negação e da águia. Ele reage à atitude dela. leitor, toda vez que a cronista
solitária, corajosa, com visão afirmação. Por isso, recorrer ao desavisada começar a reagir ao
ampla e movimentos precisos; e filósofo do martelo, visto que ele Em termos de valor, o bem, para invés de agir, faça um
sobre os cordeiros, grupais, nos apresenta, na figura da o forte, é aquilo que ele faz. Já aviãozinho dessa crônica e
assustados, negativos, sempre à águia e do cordeiro, a atitude do para o fraco, o bem é a negação mande-a pelos ares. Quem sabe
espera da ação do outro para forte e do fraco em relação à da atitude do outro. Ou seja, o não aprendo logo a ser águia.
reagir, acabo correndo o risco constituição do bem e do mal. bem do cordeiro surge a partir www.ninaveiga.com.br