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PROGRAMA ARQUEOLÓGICO PURI-COROADO:

ELEMENTOS PARA UMA TIPOLOGIA DE SUAS FONTES HISTÓRICAS1

Vlademir José LUFT2


Márcia Sueli AMANTINO3
Jackeline de MACEDO4

O Programa Arqueológico Puri-Coroado tem como objeto de estudo os grupos

indígenas Puri e Coroado, do grupo lingüístico Puri, conforme informação apresentada

por Nimuendaju, e que teriam habitado, de acordo com as referências históricas, o Norte

do Estado do Rio de Janeiro, o Sul do Estado do Espírito Santo, o Nordeste do Estado de

São Paulo e o Sudeste do Estado de Minas Gerais. O projeto tem como objetivos gerais,

localizar, identificar e analisar, histórica e arqueologicamente, através das fontes escritas,

orais e culturais, estes dois grupos indígenas.

Tomando como ponto de partida o elemento indígena, em função de acreditarmos

que a arqueologia deve identificar, quando possível, a sociedade indígena com o qual está

trabalhando, e entendendo ser necessário seguí-la, no tempo e no espaço para identificar

como, historicamente, esteve organizada, é que escolhemos os grupos Puri e Coroado

como nosso objeto de estudo. De forma geral, estes dois grupos são muito pouco

conhecidos e raramente têm servido de objeto de trabalho a pesquisadores de outras áreas.

Metodologicamente, o Programa está elaborado em termos da análise de um

processo, que é histórico, e que merece, portanto, uma análise que tenha preocupações

com a história dos grupos em questão, em todos os seus sentidos e não apenas no sentido

técnico. Desta forma, é importante o uso do maior número de tipos de fontes possíveis,

que possam fazer referência ao tema. Neste sentido, estamos trabalhando, neste

1 - publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, número 12, Curitiba - PR, 1997, pp. 91-95.
2 - Professor e pesquisador da Universidade Estácio de Sá, Coordenador do Programa Arqueológico Puri-Coroado, Doutorando em História Social do IFCS/UFRJ.
3 - Professora, Mestre em Historia, Pesquisadora do Programa Arqueológico Puri-Coroado.
4 - Bacharelanda em Arqueologia, estagiária do Programa Arqueológico Puri-Coroado, bolsista da Iniciação Científica da PRPqPg/UNESA.
momento, com três tipos específicos de fontes: a fonte escrita, nosso ponto de partida

para a obtenção de informações que dêem conta de sua origem, sua localização, sua

dispersão, etc.; a fonte oral, que servirá para confirmar e identificar, ou não, as

informações obtidas junto às fontes escritas; e a fonte cultural, na qual estarão

representados os restos materiais daquele local identificado como sítio arqueológico.

Nosso ponto de partida, como mencionamos acima, são as fontes escritas, obtidas

em todas as referências documentais possíveis, primárias ou secundárias, que digam

respeito aos Puri e Coroado, para sabermos, da melhor forma, suas origens, localização,

dispersão, etc..

Nosso referencial a respeito deles, Puri e Coroado, são as obras de Curt

Nimuendaju, " ... o mais profundo conhecedor dos aborígenes do Brasil em seu tempo."

(Correa Filho,1987, p. 9). Dentre elas, o "mapa etno-histórico" é nossa obra de

referência, como tem sido para uma série de estudos sobre indígenas no Brasil. Além

disso, as obras, bem como todas as informações e referências de Wilhelm Ludwig

Eschwege, Manoel Aires de Casal, Maximilian Wied, Simão de Vasconcelos, Gabriel

Soares de Souza, Nelson de Senna, Pero Magalhães Gandavo, Alberto Lamego, Augusto

de Carvalho, Guido Marlière, Alberto Noronha de Torrezão e Pizarro, são de extrema

necessidade e valia. Ressalvamos que esta relação de autores não representa a totalidade

de autores que tratam do assunto, nem o esgotam. Ela é usada apenas como ponto de

partida para nosso trabalho.

Devido ao pouco conhecimento e as poucas referências sobre Puri e Coroado, não

é possível encontrar, em uma única biblioteca ou arquivo, todas as informações

necessárias. Assim, trabalhamos, principalmente na primeira etapa do projeto, em vários

locais como a Biblioteca Nacional, a Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, a Biblioteca do Museu do Índio, a Biblioteca do Museu Nacional, a Biblioteca


do Real Gabinete Português de Leitura e o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, e a

Biblioteca do Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte.

Por sua vez, as fontes orais, de uso corriqueiro em Arqueologia, na localização de

sítios arqueológicos, é usada na medida em que estão sendo obtidas informações sobre os

Puri e os Coroado, confirmadas, ou não, pela população local. Normalmente o

Arqueólogo, quando em campo, busca os sítios arqueológicos a partir de informações

obtidas com a população local. É dessa forma que a grande maioria das descobertas de

sítios arqueológicos têm sido feitas.

Como se pode notar, embora os fins sejam os mesmos, o sítio arqueológico, os

meios de trabalho e a sistemática de obtenção das informações são distintas. Via de

regra, o arqueólogo escolhe uma determinada área e parte para ela com a finalidade de

encontrar sítios arqueológicos para trabalhar, utilizando-se da informação oral local como

meio para atingir esse objetivo, não importando o(s) grupo(s) ali representado(s).

Nós por sua vez, nos propomos a trabalhar com um dado grupo, que habitou um

certo espaço, em um determinado momento de tempo. Os meios para chegarmos a isso

serão as fontes escritas, orais e culturais. Assim, de forma geral, a informação oral é o

melhor meio para se encontrar o sítio arqueológico. Em nosso caso, ela está direcionada

pelo objeto da pesquisa e pela fonte escrita, que nos fala de alguém, de um dado tempo,

em um determinado local.

O terceiro tipo de fonte, a cultural, nada mais é que os restos, culturais, daquela

sociedade representada naquele sítio arqueológico específico. Esses restos, que

representam a cultura material, somente poderão ser alcançados através do instrumental

técnico da Arqueologia, principalmente a escavação.

Nesse ponto, uma proposta de trabalho. Pensamos que ao fazer Arqueologia,

estamos fazendo, ou recuperando, a história de uma sociedade, de um tempo e/ou de um


espaço, através dos documentos ali deixados. É a nossa história, a história de nossos

antepassados.

O Arqueólogo, como o historiador, trabalha com documentos. Distintos é

verdade, mas documentos. Documentos que necessitam ser descobertos, lidos,

interpretados, relacionados, publicados ... Imaginemos a Biblioteca do Vaticano ou a

Torre do Tombo. Qual a quantidade de documentos existentes, ainda por serem

descobertos, lidos, interpretados e publicados ? Da mesma forma, o sítio arqueológico é

para o arqueólogo um grande arquivo, uma grande biblioteca, com uma série de

documentos e informações sobre uma sociedade, sobre um tempo, sobre um espaço.

Ter como objeto de estudo os grupos indígenas brasileiros requer um acentuado

grau de paciência e de perseverança. Suas fontes, como já dissemos, são escassas, de

difícil localização e, quando não, de acesso. Isto, em se tratando dos grupos considerados

"grandes". Quando o objeto de estudo refere-se, como em nosso caso, a grupos

pequenos, de língua isolada, pouco conhecidos, ou reconhecidos, e muitas vezes

confundidos com outros grupos, a situação pode ser muito mais difícil.

O Programa Arqueológico Puri-Coroado, que tem por objeto de estudo a análise

arqueológica e histórica das sociedades Puri e Coroado, tem a necessidade de buscar

fontes dos mais diversos tipos, e, geralmente, de caráter bastante geral, sempre no sentido

de suprir as enormes lacunas existentes no conhecimento sobre estes dois grupos.

O que há em comum entre todos estes tipos de fontes é o fato de propiciarem,

quando analisados em conjunto, uma visão mais abrangente do tema em estudo, ou seja,

das sociedade com que trabalhamos.

Os três tipos de fontes com que estamos trabalhando, e relacionamos aqui, depois

de definidas e delimitadas, podem ser divididas, em termos ocorrência, em dois tipos: pela

autoria - viajantes, cronistas, religiosos, historiadores e pesquisadores em geral e por


documentos produzidos pelo estado - e pela forma - cartas, relatórios, decretos, ofícios,

instruções, mapas, plantas, cartas topográficas, livros, informações orais e material

cultural, entre outras. É importante lembrar que estes dois tipos podem estar presente em

qualquer dos tipos de fontes, escrita, oral ou cultural.

Os principais documentos que nos informam sobre os grupos indígenas, e não

poderia ser diferente com os grupos Puri e Coroado, são os relatos de "viajantes" e

"cronistas" que passaram pelo território nacional desde o século XVI até o XIX.

Contudo, este grupo de documentos apresenta, em maior ou menor escala,

problemas de ordem prática, como por exemplo, o elevado etnocentrismo e o pouco, ou

nenhum, conhecimento sobre as diversas tribos que pretendiam descrever e analisar.

Estes problemas são ainda mais sérios na medida em que recuamos no tempo, uma vez

que as obras não devem ser totalmente confiáveis, devido principalmente às inúmeras

falhas nas descrições.

Todavia, ainda que apresentando problemas, estas obras, se lidas com um olhar

crítico e atento, permite atingir, ainda que de forma frágil, o universo destes grupos, ou

seja, suas características físicas, culturais, religiosas, políticas e econômicas. Além disso,

permite-nos também um contato com o meio ambiente que os cercavam, propiciando

assim, subsídios para as análises de paleoambiente, de paleoflora e de paleofauna.

O terceiro tipo de documento remete-nos às questões oficiais do aparelho de

Estado, ou seja, os documentos produzidos pelo "Estado". Estão incluídos neste item:

os relatórios, ofícios, instruções, cartas, decretos, mapas, plantas e cartas topográficas,

entre outras formas de documentos, dos Presidentes de Província, Diretores Gerais de

Índios e dos "desbravadores", que o faziam em nome do Estado.

Este grupo de documentos possuí em comum o fato de estarem ligados,

diretamente, aos interesses do Estado, ou seja, em todos eles há uma preocupação de


situar, claramente, o comportamento do índio em suas regiões: se estão pacificados, ou

não; que tipos de problemas estão provocando; se há condições de aldeá-los, ou não;

enfim, questões ligadas diretamente à idéia de ordem e de modernização das áreas.

Além dessas idéias básicas, há que ressaltar também uma preocupação geral com

respeito à terra. As tribos indígenas são, assim como os quilombolas, elementos que

atrapalhavam o avanço das fronteiras agrícolas. Por isso, no caso dos indígenas, há uma

preocupação em aldeá-los, seja em suas terras ou não, de forma pacifica ou não, mas com

o objetivo de que possam não apenas servirem de mão-de-obra, mas também de liberar

mais terras para os grandes proprietários.

Devido a este caráter de informação ao "Estado" sobre as condições da região, no

que diz respeito à seus habitantes primitivos, estes documentos não possuem um

detalhamento maior sobre os aspectos sociais, culturais, econômicos, religiosos e físicos

dos grupos indígenas envolvidos. Na maior parte das vezes, apenas é informada sua

localização e o estado em que se encontram, ou seja, se estão aldeados, se são pacíficos,

se são arredios, etc..

Dos documentos que podemos identificar e relacionar dentro deste tipo de

ocorrência, destacam-se:

1- Os documentos produzidos pelos Presidentes de Províncias, que são de geração

constante e portanto, podem nos fornecer dados qualitativos e quantitativos de

grande valia, na medida em que percebe-se as mudanças no tratamento dispensado

aos indígenas de acordo com as variações da política nacional.

2- Os documentos produzidos pelos Diretores Gerais de Índios, através dos quais

percebe-se que a grande preocupação, não apenas do Diretor Geral de Índios, mas

principalmente das autoridades regionais e nacionais, é a busca de soluções no


sentido de fazer com que o índio não atrapalhe o "Estado" na busca de novas

fronteiras e ainda sirva de mão-de-obra na implementação deste objetivo.

3- Os documentos produzidos pelos "desbravadores", que têm uma preocupação

muito clara: conhecer para melhor explorar. Para tanto, é necessário percorrer

grandes extensões do território nacional, tendo contato com o maior número

possível e os mais variados tipos de tribos indígenas. São nestes contatos que se

passa a conhecer um pouco de suas culturas. Logo, seus relatórios são um

manancial excelente para sabermos como vivem, onde vivem, como pensam, em

que acreditam, enfim, conhecermos a vida destes grupos.

O quarto tipo de documento, são os que dizem respeito à "Igreja". De uma certa

forma, dependendo do tipo de documento em análise, poder-se-ia associá-lo ao grupo

anterior, ou seja, documentos produzidos pelo Estado, pois ambos nos remetem à visões

oficiais, de um lado, a do Estado, e de outro, a da Igreja. Apesar disso, este tipo de

documento possuí uma característica que o faz diferente do anterior: a preocupação em

conhecer, e reconhecer, os grupos indígenas com os quais estão tratando.

Para que pudesse haver um efetivo controle sobre os indígenas, era necessário,

antes de mais nada, que os mesmos fossem conhecidos, e reconhecidos, pelos religiosos.

Daí, decorre a preocupação em descrever seus aspectos culturais, políticos, religiosos,

econômicos, físicos, artísticos, etc.. Mas isto não significa dizer que esta preocupação

fosse com vistas à manutenção destes aspectos. Muito pelo contrário, o interesse era

conhecer para transformar.

Estas descrições, em alguns casos feitas de forma minuciosa, são essenciais para a

identificação, em campo, dos vestígios materiais de um ou de outro grupo indígena, na

medida em que se preocupam em descrevê-los de acordo com suas especificidades,


propiciando-nos assim, a possibilidade de identificarmos a que sociedade pertenceu

aquele artefato.

O quinto tipo de fonte útil ao trabalho do arqueólogo, remete-nos às referências

bibliográficas secundárias, normalmente de "historiadores" e/ou de "pesquisadores em

geral", que de uma maneira ou de outra, tratam de questões indígenas, em nosso caso,

mais especificamente, dos Puri e dos Coroado. É uma lista de referências bibliográficas

extensa mas que de maneira geral, pouca preocupação teve com as sociedades indígenas.

Logo, o trabalho de leitura e de análise, é demorado e requer o confronto constante com

os dados e referências já disponíveis nas demais fontes.

Em alguns casos, estas referências podem, ainda, ser primárias. Como exemplo,

podemos citar uma entrevista, escrita ou gravada, ou mesmo as cadernetas de campo de

pesquisadores como antropólogos, geógrafos, arqueólogos, sociólogos, etc.. Nela é

comum se encontrar, entre outras coisas, anotações, descrições, desenhos e croquis.

Ao sexto tipo de documentos pertencem as declarações dadas pela população local

que, de uma maneira ou outra, têm os Puri e os Coroado como sociedades próximas. A

forma deste documento é a entrevista, tornada documento pelos métodos da História Oral.

Podemos dizer que algumas regiões são conhecidas por terem abrigado alguns grupos

indígenas. Por conta disto, seus moradores mantêm viva na memória local, as estórias a

respeito destas ocupações e de suas ligações com os descendentes destes grupos. Em

entrevistas, muitas vezes declaram serem conhecedores dos locais onde pode-se encontrar

os restos indígenas - fornos, cemitérios, material cerâmico, material lítico, etc. - que

comprovem suas afirmações.

O sétimo tipo de documentos remete-nos diretamente aos vestígios produzidos por

estas mesmas sociedades. Trata-se de sua cultura material e do uso que fizeram da

mesma. Esta fonte somente será manuzeada e utilizada em uma etapa posterior, a partir
do momento que se iniciar os trabalhos de campo, escavações, e quando a maioria das

outras já tiverem fornecido dados suficientes e necessários para permitir escavações

seguras e análises pertinentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 - CORREA FILHO, Virgílio. Curt Nimuendaju. In: Mapa etno-histórico de Curt


Nimuendaju, Rio de Janeiro, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
1987.

2 - LUFT, Vlademir José. Arqueologia Puri-Coroado. In: Io Encontro Nacional de Pós-


graduandos em História, Associação Nacional de Professores universitário de História,
Niterói, 1995.

3 - LUFT, Vlademir José. Arqueologia e História: algumas considerações a respeito da


aplicação dos métodos da história oral na identificação de sítios arqueológicos. In: VIII
Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Porto Alegre, 1995.

4 - LUFT, Vlademir José; AMANTINO, Márcia Sueli & ALBERTINI, Alfredo Ignácio
Minetti. O Programa Arqueológico Puri-Coroado. In: VIII Reunião Científica da
Sociedade de Arqueologia Brasileira, Porto Alegre, 1995.

5 - NIMUNENDAJU, Curt. Mapa etno-histórico, Rio de Janeiro,Fundação Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística, 1987.

CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE OCORRÊNCIAS


DAS FONTES HISTÓRICAS DO
PROGRAMA ARQUEOLÓGICO PURI-COROADO

1 Autoria
1.1 Cronista
1.2 Viajante
1.3 Estado
1.3.1 Presidente de Província
1.3.2 Diretor Geral de Índios
1.3.3 "desbravadores"
1.4 Igreja
1.5 Historiador
1.6 Pesquisador em geral
1.7 Grupo indígena # Sociedade

2 Forma
2.01 Carta
2.02 Relatório
2.03 Decreto
2.04 Ofício
2.05 Instrução
2.06 Mapa
2.07 Planta
2.08 Carta Topográfica
2.09 Livro
2.10 Entrevista
2.10.01 oral (gravada)
2.10.02 escrita
2.11 Cultura Material
2.11.01 Pedra
2.11.02 Cerâmica
2.11.03 Osso
2.11.04 Malacológico
2.11.05 Metal
2.12 Fala e Discurso
2.13 Caderneta de Campo
2.14 Foto

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