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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA


ELITES POLÍTICAS E SOCIAIS

MARTA MARIA REYNOLDS SERUYA


ENSAIO CRÍTICO-ANALÍTICO DA OBRA “A LOTARIA SOLAR”
DE PHILIP K. DICK

ABSTRACT:

Ao longo do ensaio que se segue realizar-se-á uma análise qualitativa da obra “A Lotaria Solar” de Philip K.
Dick. Este trabalho pretende estudar a sociedade e personagens presentes na obra de Philip K. Dick, determinando
se existem ou não elites, qual a sua evolução ao longo da obra e a interacção entre elas. Este ensaio analisará ainda
as semelhanças entre a sociedade retratada na obra e a sociedade actual. Em suma, o artigo pretende responder à
seguinte pergunta: Quais as elites presentes na obra, como interagem e em que medida é que a realidade retratada
pelo autor se assemelha à sociedade actual?

PALAVRAS-CHAVE: SORTEIO, ELITES, TECNOCRACIA, DESIGUALDADE, PERDA DE VALORES

INTRODUÇÃO

O presente ensaio é o resultado de um trabalho proposto pela professora Sandra Balão no âmbito da
disciplina Elites Políticas e Sociais e é realizado com base na obra de Philip K. Dick “A Lotaria Solar”. Numa primeira
instância a motivação para realizar o trabalho era diminuta uma vez que a obra a ser estudada era ficção científica,
uma área à qual nunca havia sido dedicado interesse. No entanto, após a leitura de alguns capítulos, a tarefa tornou-
se mais interessante dada a clara natureza sociopolítica da história escrita por Philip K. Dick. O trabalho de imediato
adquiriu uma nova perspectiva e, actualmente, a motivação para realizar o seguinte ensaio reside no desafio que é
analisar as personagens e a sociedade da obra de Philip K. Dick, estabelecendo em simultâneo uma comparação com
a actualidade sociopolítica portuguesa.
Importa estudar “A Lotaria Solar” pois esta obra assume-se indubitavelmente como uma grande análise do
ser humano enquanto animal racional e sociopolítico. Esta obra assume uma grande importância no âmbito da

1
ciência política, e mais importantemente das elites políticas, dado não só a sua natureza sociopolítica mas também a
interacção que se verifica, ao longo da obra, entre as diversas facções da sociedade. Importa ainda sublinhar que a
análise desta obra revela-se pertinente devido à sociedade na qual se desenrola a acção do livro, uma sociedade
tecnocrática, desumanizada e sem valores que muito se assemelha ao mundo actual.
Exposto isto, o ensaio que se segue tem por objectivo fundamental estudar as personagens, a interacção e
rotação das elites, a sociedade e o sistema de sorteio elaborado por Philip K. Dick. Para levar a cabo este estudo será
utilizada a teoria das elites de Vilfredo Pareto para classificar as diferentes elites presentes na obra. Após a
pretendida análise, estabelecer-se-á então um breve estudo comparativo da dita sociedade com as sociedades
contemporâneas.

METODOLOGIA

O presente artigo tem por base uma análise qualitativa documental fundamentada em três obras, na obra de
Phillip K. Dick “A Lotaria Solar”, no livro do professor António Marques Bessa “Quem Governa? – Uma Análise
Histórico-Política do Tema da Elite” e no livro do professor António Sousa Lara “Ciência Política – Estudo da Ordem e
da Subversão”. A análise do artigo que se segue fundamenta-se ainda em anotações das aulas leccionadas pela
professora Sandra Balão.
O presente ensaio foi elaborado através da leitura do livro “A Lotaria Solar” e posteriormente, utilizando os
livros dos professores António Marques Bessa e António Sousa Lara mencionados anteriormente e as anotações das
aulas dadas pela professora Sandra Balão, realizou-se então a análise da obra numa perspectiva sociopolítica.
No decorrer da análise da referida obra foi, naturalmente, conjecturada uma hipótese que suportasse a
pergunta de partida. Importa, antes de mais, explicitar a importância da formulação de hipóteses num estudo
qualitativo. “A hipótese, em história, baseia-se sobre o nexo existente entre um facto conhecido e outro ou outros
desconhecidos, mas cujo conhecimento se procura. Esta relação pode ser tríplice: i) De causa para efeito (…) ii) De
efeito para causa (…) iii) Por analogia (…)”1. Desta maneira, no presente trabalho, a formulação de hipóteses revela-
se fundamental no sentido em que se pretende estabelecer uma análise comparativa entre dois factores: a
sociedade retratada na obra de Philip K. Dick e a sociedade actual. O artigo que se segue procura então verificar a
veracidade da seguinte hipótese:

• Apesar da obra “A Lotaria Solar” de Philip K. Dick ser efectivamente ficção científica, a sociedade retratada
por esta assemelha-se, num sentido estritamente sociopolítico, às sociedades do século XXI.

Para verificar a hipótese formulada, realizar-se-á uma análise das elites presentes na obra, mais
concretamente uma análise da sua interacção e de toda a conjuntura que as envolve. Para efectuar este estudo
realizar-se-á, em primeiro lugar, um breve resumo da obra. Em seguida, recorrendo à teoria das elites de Vilfredo

1
Rego, A. da Silva – Lições de Metodologia e Crítica Históricas
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Pareto, classificar-se-á as elites e massas presentes na obra e após esta classificação, analisar-se-á então a interacção
entre as diversas facções. Somente após esta cuidada análise se poderá realizar um estudo comparativo entre a
sociedade retratada por Philip K. Dick e as sociedades contemporâneas.
O artigo será desta maneira, realizado com base numa análise documental e qualitativa, procurando verificar
a hipótese e consequentemente responder à pergunta de partida.

RESUMO DA OBRA

A obra de Philip K. Dick tem lugar no ano de 2203 no planeta Terra, que se assume como o planeta chefe do
universo, sendo que há habitantes em alguns outros planetas. O enredo da obra remete-nos desde logo para a
personagem de Ted Benteley, um homem cuja vida se desenvolve em busca de um sentido para a sua vida. No ínicio
do livro Ted Benteley é despedido do seu trabalho no laboratório Oiseau-Lyre e dirige-se para Batávia, onde se
encontra a sede do Directorado (instituição incumbida de governar todo o sistema solar, liderada pelo interrogador
chefe). Ted passa a noite a trabalhar e a preparar-se para a sua entrevista de trabalho no directorado, onde
ambiciona vir a fazer parte do corpo chefiado pelo interrogador chefe.
Ao chegar ao edifício principal do directorado e após uma breve entrevista com dois membros do corpo do
directorado – Peter Wakeman e Eleanor Stevens - Benteley presta juramento ao interrogador chefe, Reese Verrick,
tornando-se parte da sua equipa. Somente após prestar o juramento é que o informam de que Reese Verrick já não
é o interrogador chefe pois houve uma rotação da garrafa2 que sorteou outro indivíduo para de agora em diante
chefiar o directorado.
Nesta linha surge Leon Cartwright, um membro da sociedade Preston3 que, sorteado pela garrafa, é agora o
novo interrogador chefe de Batávia. Na altura em que é nomeado para interrogador chefe, Cartwright está a
trabalhar num projecto da sociedade Preston, um projecto no qual pretendem enviar uma nave para o espaço para
investigar a existência de um novo planeta onde os desclassificados4 possam viver: o disco flamejante.
Após o lançamento da nave Leon Cartwright toma posse do directorado oficialmente, tendo no seu corpo os
sondadores Peter Wakeman e Schaeffer (membros do antigo corpo do interrogador chefe Verrick). Os sondadores
são membros do corpo do directorado que se encontram encarregues de proteger o interrogador chefe, estes
membros possuem o dom da telepatia e é através deste dom que eles protegem o seu chefe no jogo M – O
Minimax5. Leon Cartwright assume desde logo uma postura amedrontada, aterrorizado pela ideia de que um
homem, algures na terra está encarregue de o matar.

2
A rotação da garrafa é o meio de eleger o chefe do directorado e funciona como um sorteio, sendo que neste sorteio se
incluem apenas indivíduos classificados
3
Sociedade que se dedica à investigação e consequente planeamento e prática das pesquisas deixadas por John Preston
4
Esta expressão remete para a estratificação da população da sociedade de Philip K. Dick, na qual a população se divide entre
indivíduos classificados e indivíduos desclassificados. Somente os indivíduos classificados são considerados capazes para efeitos
da rotação da garrafa.
5
O Minimax é o jogo estratégico segundo o qual o interrogador chefe encontra-se na mira de um assassino seleccionado pela
Convenção do desafio. Caso o interrogador chefe seja morto há uma nova rotação da garrafa. Este jogo é o jogo que
3
Reese Verrick, que ainda detém vários aliados e seguidores, organiza a convenção do desafio para
seleccionarem alguém para assassinar o novo interrogador chefe. É neste momento que surge Keith Pellig,
seleccionado para levar a bom porto essa tarefa. Na festa da convenção, acompanhado de Eleanor Stevens (ex-
sondadora de Verrick que perdeu o seu dom por abandonar o corpo e por se manter fiel a Verrick) Ted Benteley
bebe e acaba por discutir com Herb Moore (técnico e braço direito de Verrick), os dois discutem acerca de toda a
teoria do Minimax e finda a festa Ted passa a noite com Eleanor. Ao acordar na manhã seguinte estremunhado Ted
descobre, ao olhar-se ao espelho, que está num corpo que não o seu. Numa corrida desbravada acaba por encontrar
Verrick e perceber que se encontra no corpo de Keith Pellig, pouco antes de desmaiar. Ao acordar, Eleanor e Herb
Moore contam-lhe o plano elaborado por Moore para enganar os sondadores e assassinar Cartwright: Keith Pellig
nada mais é que um robô, um corpo sintético que é ocupado por outras pessoas à vez; desta maneira os sondadores
nunca poderão ter registo permanente dos pensamentos e objectivos do assassino.
Uma comitiva do directorado, que inclui o interrogador chefe, a sua sobrinha Rita O’Neill e Peter Wakeman
parte, nesta altura, para a Lua de modo a proteger Leon Cartwright do assassino. Chegado a Batávia, Pellig consegue
confundir a equipa de sondadores e, apercebendo-se da ausência de Cartwright, parte em direcção à Lua (é neste
momento que os sondadores se apercebem de que Pellig não é humano).
Por esta altura, a nave da sociedade Preston já se encontra muito longe da Terra quando são assomados por
uma grave voz a dar-lhes indicações de como chegarem ao disco flamejante, voz esta que eles reconhecem como a
voz de John Preston, que supostamente estaria morto.
As notícias de que Pellig está a caminho da Lua e de que é um corpo sintético chegam à cúpula onde se
encontra o interrogador chefe e todos se preparam para lutar contra o assassino. Pellig chega então à Lua, Wakeman
que já havia saído da cúpula para detectar qualquer movimento estranho, dá conta de Pellig e ao sondá-lo apercebe-
se de que o corpo sintético está ocupado por Herb Moore e de quais são os planos que este tem para matar
Cartwright. Ao aperceber-se de que está a ser sondado Herb Moore troca com Ted Benteley que ao ser sondado por
Wakeman, este apercebe-se de que Ted nada sabe acerca dos verdadeiros planos de Moore e Verrick. Quando
Wakeman alerta Ted para isso, Benteley verifica que o corpo vem equipado com uma bomba destinada a matar não
só Cartwright como Ted. Revoltado, Ted começa a voar com a nave “Pellig” para longe da cúpula quando volta a ser
substituído por Herb Moore.
De volta às instalações em Farben Benteley solta-se do equipamento que o liga ao corpo de Pellig e dirige-se
à cabine onde está o corpo de Moore, matando-o sem hesitação. Moore vê-se assim preso para sempre ao corpo de
Keith Pellig. No espaço, Herb Moore redirecciona o corpo de Pellig em direcção à cúpula, uma vez lá chegado mata
Peter Wakeman e só então se apercebe de que Benteley matou o seu corpo em Farben. Desorientado, o corpo
sintético de Pellig voa para longe da lua em direcção à nave de John Preston.
Ted Benteley foge das instalações de Reese Verrick em Farben, abandonando em simultâneo o juramento
feito a Verrick. Numa nave do directorado encaminha-se para a lua onde se encontra com Cartwright, explicando-lhe
a situação este propõe-lhe que ele preste um juramento posicional ao cargo de interrogador chefe. Ted informa-o de

proporciona a rotação das elites na sociedade de Philip K. Dick, sendo que a garrafa pode rodar a qualquer momento, sem aviso
prévio.
4
que isso não será possível porque Ted não é detentor da sua carteira. Cartwright prontifica-se de imediato a vender-
lhe uma carteira e logo após a venda Benteley presta então juramento posicional ao interrogador chefe.
Reese Verrick chega à Lua acompanhado de Eleanor Stevens para matar Ted por este o ter atraiçoado. Leon
Cartwright defende Benteley dizendo que quem faltou ao juramento foi Verrick por ter colocado Benteley, um
servidor classificado, em perigo de vida sem o conhecimento deste. Leon Cartwright e o ex-interrogador chefe
acordam em chamar o juiz Felix Waring para resolver o assunto.
Quando o juiz Waring chega à cúpula há uma primeira reunião onde as duas partes expõem os seus
argumentos e pontos de vista, fazem então uma pausa para o juiz deliberar sobre o assunto. Ao longo da pausa
durante a qual esperam ela decisão do juiz, Verrick mata Eleanor Stevens por esta também o ter atraiçoado, faltando
ao juramento. Reúnem-se pela segunda vez e o juiz decide a favor de Benteley. Verrick decide então propor um
acordo a Cartwright: que este lhe dê a sua carteira e consequentemente o seu cargo de interrogador chefe
juntamente com o poder sob Benteley, e em troca Verrick compromete-se a não matar Cartwright.
Os sondadores confirmam que estas são de facto as verdadeiras intenções de Verrick e Cartwright acorda
realizar a troca. Após a troca Cartwright mata Verrick, perdendo simultaneamente a sua classificação, as suas
carteiras e a possibilidade de alguma vez mais se vir a tornar interrogador chefe.
Após a reunião e durante as celebrações da morte de Verrick e da nova paz instaurada, Leon Cartwright
informa Benteley de que este será o próximo interrogador chefe pois Cartwright, quando era técnico de manutenção
da maquinaria da garrafa, adulterou o funcionamento da máquina para que esta seleccionasse carteiras específicas,
sendo que a de Ted Benteley será a próxima.
O livro termina com a nave da sociedade Preston a aterrar no que acham ser o disco flamejante e com os
seus ocupantes, entre eles Konklin e Mary, a descobrirem que não se trata do disco flamejante mas um farol no qual
encontram um holograma de John Preston que afinal sempre está morto e a proclamar os seus mais fervorosos
ideais “Não é um instinto brutal que nos mantém inquietos e insatisfeitos. Eu digo-vos de que se trata: é o objectivo
último do homem, a necessidade de crescer e avançar…”.

ANÁLISE DAS PERSONAGENS E ELITES PRESENTES NA OBRA

Em primeiro lugar importa caracterizar a teoria das elites de Vilfredo Pareto. Vilfredo Pareto concebeu uma
teoria na qual sintetizava a estratificação da população, nesta teoria Pareto distinguiu três estratos de população
concretos: a elite governante, a elite não governante e as massas. Na teoria desenvolvida por Pareto, este adiantou
ainda que, a circulação entre a elite governante e a elite não governante variava entre duas elites: a elite das raposas
e a elite dos leões.
A distinção entre elite governante e elite não governante fala por si, a elite governante é aquele estrato da
população que governa, isto é, aquela que se dedica, essencialmente, ao exercício do poder. A elite não governante,
por outro lado, é o estrato da população que não ocupa o poder mas que pode eventualmente vir a ocupá-lo. Por

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fim temos o último estrato, as massas. Neste estrato insere-se a população que não desempenham qualquer poder
político e que somente através da cooptação da elite é que a poderão integrar.
Ainda na teoria de Pareto, este fez a distinção entre elite dos leões e a elite das raposas. A elite dos leões,
como o próprio nome o indica, é uma elite autoritária que governa pela força. Por outro lado, a elite das raposas é
uma elite que não faz uso nem da força nem da autoridade para governar à elite dos leões, por governar por via da
negociação.
Na sociedade concebida por Philip K. Dick a população divide-se, em primeiro lugar, entre classificados
(elites) e não classificados (massas). Numa segunda instância pode-se dividir as elites presentes na obra entre elites
governantes e elites não governantes. Neste panorama temos o interrogador chefe Leon Cartwright e Reese Verrick
como elites governantes e o resto dos classificados, nomeadamente Eleanor Stevens, Peter Wakeman, Rita O’Neill,
Herb Moore, Al e Laura Davis e Ted Benteley como elites não governantes.
Leon Cartwright é ao longo do livro o interrogador chefe, o que significa que está encarregue de liderar e
chefiar todo o sistema solar. Leon Cartwright tem como seus servidores directos todo o corpo de sondadores,
incluindo Peter Wakeman e Schaeffer e ainda, mais para o final da obra, Ted Benteley assume-se como um servidor
directo de Cartwright. Importa ainda sublinhar que, ao longo da obra Cartwright destaca-se como uma elite de
raposa, isto é, uma elite que governa por via da razão e da negociação. Esta característica de Cartwright é vísivel pela
maneira como ele lida com os seus servidores e em alturas como a reunião com o juiz Waring a propósito da alegada
infracção de Ted Benteley.
Reese Verrick caracteriza-se como uma elite governante pois apesar de ao longo da obra não exercer
nenhum domínio formal, é claramente líder de um pequeno número de personagens, como por exemplo Eleanor
Stevens, Herb Moore, Al e Laura Davis e Ted Benteley. Por oposição a Cartwright, Verrick assume-se ao longo do
livro como uma elite de leão que domina e lidera pela autoridade e pela força. Estas características desta elite
destacam-se em alturas como a morte de Eleanor Stevens e pela maneira como trata todos os seus servidores.
Importa ainda destacar o facto de que no final do livro há uma reviravolta e que Ted Benteley, outrora uma
elite não governante se assume daí em diante como uma elite governante pois será o novo interrogador chefe. Dada
a personalidade utópica e romântica que assume ao longo da obra é possível concluir que Benteley se assumirá
como uma elite de raposa que governa pela via da razão e da negociação.

ANÁLISE DA SOCIEDADE DE PHILIP K. DICK

A sociedade de “A Lotaria Solar” é regida por um interrogador chefe nomeado pelo sistema da garrafa que
se assemelha sobejamente ao sistema de sorteio6, dentro do directorado os titulares dos diferentes cargos são
seleccionados por cooptação, ou seja, são seleccionados por titulares de cargos diferentes dentro do próprio órgão

6
Forma de selecção de governantes que não requer a manifestação da vontade dos governados e assoa-se à ideia de rotação do
exercício de cargos públicos. É um método de atribuição de autoridade política não sujeito à influência humana, pressupõe uma
imparcialidade dos resultados e a anulação das divisões e competições da via eleitoral.
6
(directorado). Daqui decorre a ideia de que esta fórmula de criar governos origina instituições fechadas e pouco
expostas às influências do ambiente político exterior.
A sociedade de Philip K. Dick assume-se ainda como uma tecnocracia onde há uma enorme perda de valores
e morais por parte da população que a constitui. A sociedade retratada na obra só se interessa pelo poder e
influência que podem exercer no sistema, sem se preocuparem com as consequências que as suas acções têm na
vida dos outros.
O esquema elaborado por Herb Moore e levado a cabo por toda a equipa de Reese Verrick demonstra ainda
uma corrupção do sistema. A forma de conquista de poder da sociedade de Philip K. Dick pressupõe, em teoria, uma
anulação da competitividade e da influência humana nos processos de decisão, mas como é possível verificar ao
longo da obra este sistema é corrompido pelo jogo do Minimax, que vem transformar este sistema num jogo de
probabilidades e estatística.
Exposto isto é possível concluir que a sociedade de “A Lotaria Solar” retrata uma distopia tecnocrata,
corrompida, a destituída de quaisquer valores ou sentimentos humanos.

CONCLUSÕES

Após realizada a análise da obra é agora possível verificar a veracidade da seguinte hipótese:

• Apesar da obra “A Lotaria Solar” de Philip K. Dick ser efectivamente ficção científica, a sociedade
retratada por esta assemelha-se, num sentido estritamente sociopolítico, às sociedades do século XXI.

Esta hipótese é verdadeira no âmbito da obra de Philip K. Dick. Tal como na obra, actualmente vivemos
numa sociedade que enfrenta uma grave crise de valores, uma sociedade onde a grande maioria da população se
preocupa tão-somente com o dinheiro que tem na conta e com a influência e poder que detém na sociedade.
A sociedade tecnocrata retratada no livro de Philip K. Dick vai de encontro à sociedade de consumo com que
nos deparamos na actualidade. Tudo isto está interligado, a perda de valores, a tecnocracia e a sociedade de
consumo. Por exemplo, há famílias que não tem dinheiro para ter uma casa ou para comer mas que têm dinheiro
para comprar os telemóveis de última geração. A grande maioria da população portuguesa do século XXI não se
preocupa com os valores morais e de família pelos quais outrora nos regíamos. Estamos não só a viver uma crise
económica e política mas mais importantemente uma crise de valores.
Outro ponto comum entre a sociedade de Philip K. Dick e a sociedade actual é o sistema de governo
corrompido que favorece os grandes. No caso de “A Lotaria Solar” a garrafa favorece um sistema fechado, onde
apenas classificados podem vir a ser interrogadores chefe, e onde para se ser titular de um cargo do directorado só
por via da cooptação. Desta maneira, o sistema de governo da sociedade de Philip K. Dick favorece um sistema
fechado com pouca ou nenhuma influência do ambiente político externo ao directorado. As democracias

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contemporâneas seguem esta linha de raciocínio ainda que de uma maneira ligeiramente diferente. Isto é, as
democracias do século XXI favorecem os grandes partidos sendo que os pequenos partidos dificilmente conseguem
chegar ao poder.
Exposto isto é possível concluir que a sociedade retratada na obra de Philip K. Dick, apesar de ficção
científica se assemelha, numa grande escala, às sociedades do século XXI. Em ambas se verifica, indubitavelmente,
um sistema de governo corrompido, uma tecnocracia e mais importantemente uma crise de valores. Os seres
humanos do livro “A Lotaria Solar” tal como actualmente, assumem-se como verdadeiros animais desprovidos de
sentimentos, valores e morais.

BIBLIOGRAFIA

• BESSA, António Marques, Quem Governa? – Uma Análise Histórico-Política do Tema da Elite, ISCSP-UTL, Lisboa,
1993.
• DICK, Philip K., A Lotaria Solar, Publicações Europa-América, Portugal, 1995
• LARA, António Sousa, Ciência Política – Estudo da Ordem e da Subversão, ISCSP-UTL, Lisboa, 2007

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