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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
NÚMERO 19
Abril – 2006
Comissão Executiva
Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara
Profa. Dra. Eliane Teresinha Peres
Consultores Ad-hoc
Dra Giana Lange do Amaral
Dr. José Fernando Kielling
Dr. Jorge Luis da Cunha
Dra. Beatriz Daudt Fischer
Imagem da capa
Johannes Verneer. Mulher em Azul - 1662. Rijksmuseum, Amsterdã.
História da Educação
Número avulso: R$ 15,00
Single Number: U$ 10,00 (postage included).
CDD: 370-5
Sumário
Apresentação ............................................................................................ 5
Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma disciplina escolar:
a História ensinada no século XVI
Annie Bruter; Tradução de Maria Helena Camara Bastos ...................... 7
Igreja, religião e ensino elementar antes das leis de laicização
européias: um reexame crítico de suas relações
Pierre Caspard; Tradução de Maria Helena Camara Bastos................. 23
Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896-1934): hegemonia
política na construção da universidade
Marília Costa Morosini; Maria Estela Dal Pai Franco ......................... 39
Educação, Religião e República: repercussões dos debates entre
Católicos e Republicanos no Triângulo Mineiro-MG (1892-1931)
Carlos Henrique de Carvalho; Wenceslau Gonçalves Neto ................... 59
Leituras de anarquistas brasileiros na primeira década do século XX
Dagoberto Buim Arena........................................................................ 89
Caubóis e Caipiras. Os land grant colleges e a Escola Superior de
Agricultura de Viçosa
Maria das Graças M. Ribeiro ............................................................ 105
A fotografia e a pesquisa em História da Educação: elementos para a
construção de uma metodologia
Elisa dos Santos Vanti ....................................................................... 121
O conceito "Exclusão" na literatura educacional brasileira: os
primeiros 25 an os (1974-1999)
Avelino da Rosa Oliveira ................................................................... 131
Resenha ................................................................................................ 161
Alfabetto: Autobiografia Escolar de Frei Betto
Gilse H. M. Fortes............................................................................. 163
Parte II.................................................................................................. 167
Apresentação ........................................................................................ 169
A disciplina História da Educação na formação de professores:
desafios contemporâneos
Clarice Nunes ................................................................................... 173
A Disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1942-2002)
Maria Helena Camara Bastos; Fernanda de Bastani Busnello;
Elizandra Ambrosio Lemos ................................................................ 181
Aspectos da trajetória da disciplina História da Educação no curso de
Pedagogia do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria:
temas clássicos e ordem cronológica
Claudemir de Quadros ...................................................................... 213
A disciplina de História da Educação na Faculdade e no Centro
Universitário La Salle
Miguel Alfredo Orth .......................................................................... 229
O Ensino de História da Educação na UNIJUI
Anna Rosa Fontella Santiago............................................................. 243
A História da Educação no curso de pedagogia da Universidade de
Passo Fundo: aportes na história recente em busca de novas
perspectivas
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani .................................................. 253
Historia da Educação e a formação do professor na UNISINOS
Flávia Obino Corrêa Werle; Berenice Corsetti ................................... 263
Apontamentos sobre a disciplina História da Educação na
Universidade da Região da Campanha – URCAMP (1959-2001)
Regina Quintanilha Azevedo; Clarisse Ismério; Marilene Vaz
Silveira ............................................................................................. 275
O ensino de História da Educação na História da Faculdade de
Educação da UFRGS: primeiras aproximações
Maria Stephanou............................................................................... 293
História da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade
Federal de Pelotas
Elomar Tambara ............................................................................... 301
Orientações aos colaboradores............................................................... 309
4
Apresentação
A comissão executiva
Resumo
Partindo de uma breve análise das condições, nas quais se estabeleceram as visões
(divergentes) do surgimento da disciplina escolar « história », em curso hoje na historiografia
francesa, este artigo propõe-se recolocar a questão na longa duração, remontando os colégios
de humanidades do Antigo Regime, mostrando que a própria noção de «disciplina escolar »
não é pertinente para descrever seu ensino, analisando certas transformações (sócio-políticas,
técnicas, culturais...) que conduziram a constituição da história como matéria autônoma de
ensino para as elites no fim do século XVII.
Palavras-chave: História; Ensino; Século XVII.
Resumée
Partant d’une brève analyse des conditions dans lesquelles se sont mises en place les visions
(divergentes) de l’apparition de la discipline scolaire « histoire » qui ont cours aujourd’hui dans
l’historiographie française, cet article se propose de replacer la question dans la longue durée
en remontant aux collèges d’humanités de l’Ancien Régime et en montrant que la notion même
de « discipline scolaire » n’est pas pertinente pour décrire leur enseignement, puis en survolant
certaines des transformations (socio-politiques, techniques, culturelles…) qui ont abouti à la
constitution de l’histoire en matière autonome d’enseignement pour les élites à la fin du XVIIe
siècle.
Mots-clés: Histoire; enseignement; XVIIe siècle.
1
Título em francês: “Un exemple de recherche sur l’histoire d’une discipline scolaire: l’histoire
enseignee au XVIIe siècle”. Especialmente escrito para ser publicado no Brasil.
2
Gabriel Compayré, Histoire critique des doctrines de l’éducation en France depuis le XVIe
siècle, Paris, Hachette, 1879, 2 vol. in-8°.
3
Émile Durkheim, L’Évolution pédagogique en France (avec une introduction de M.
Halbwachs), Paris, Presses universitaires de France, 1938, 2e éd. 1969, 403 p. (curso sobre
história do ensino na França proferido por Durkheim na Sorbonne em 1904-1905 e reprisado
nos anos seguintes até a guerra).
4
É a tese defendida pelos historiadores das grandes ordens dedicadas ao ensino Oratorianos ou
Companhia de Jesus: Paul Lallemand, Histoire de l’éducation dans l’ancien Oratoire de
France, 1888, réimp. Genève, Slatkine – Megariotis Reprints, 1976, 474 p.; François de
Dainville, La Naissance de l’humanisme moderne, 1940, réimp. Genève, Slatkine Reprints,
8
originários da Revolução Francesa (escolas centrais, liceus). Semelhante
questão, sobre a qual muito se escreveu, não podia chegar a nenhuma
conclusão. Os materiais disponíveis são de fato interpretados de diversas
maneiras: se definirmos o ensino de história que se tem provando que a
história está presente, e mesmo superabundante, nos colégios do Antigo
Regime, se definirmos essa disciplina como conjunto de conteúdos, eles
demonstram ao contrário, que ela não existia se tivermos uma concepção
administrativa da disciplina escolar como entidade regida por disposições
regulamentares (um programa, exames, horários, etc.). Um outro fator de
incerteza para a interpretação da documentação: durante muito tempo,
houve a falta de atenção às especificidades dos colégios do Antigo Regime,
como se esses fossem, conforme a uma norma geral, semelhante àquela que,
pouco a pouco, se impôs nos estabelecimentos públicos do século XIX.
Enquanto em alguns colégios, justapunham-se uma estrutura propriamente
escolar; isto é, um conjunto de classes que correspondiam às normas de um
plano de estudos, e um pensionato que funciona de maneira bem mais
flexível, vindo de encontro aos desejos das famílias; completando-se, assim,
a formação dada nas classes através de ensinos especiais5. Ora, no quadro
desses ensinos, de certa forma particulares, se desenvolveu uma pedagogia
da história prenúncios da de hoje.
Na história do ensino na França, portanto, a renovação da
problemática que aconteceu no fim do século XX – outra época de
perturbações profundas do sistema educativo francês – transformou os
termos da questão de duas maneiras diferentes. De uma lado, foi colocado o
problema do papel social desempenhado pelos estabelecimentos escolares
(seguindo o exemplo da sociologia crítica da educação, que se desenvolve
nos anos 1960), diversos estudos revelaram a coexistência, por muito tempo
ocultada, de diferentes tipos de educação em certos estabelecimentos do
Antigo Regime, em particular nos que reuniam um colégio de prestígio e
um pensionato aristocrático6 - como La Flèche e Louis-le-Grand no que diz
respeito aos estabelecimentos jesuíticos, Juilly e Vendôme para os que eram
9
mantidos pelos oratorianos. Por outro lado, alguns trabalhos levantaram o
problema da historicidade das próprias disciplinas. Redefinindo-as como
produções coletivas das instituições de ensino (e não mais como reflexo
simplificado de conhecimentos), André Chervel pode assim mostrar, em um
artigo pioneiro7, que a própria noção de disciplina escolar é uma noção
recente, que apareceu precisamente ao mesmo tempo em que as reformas de
ensino que foram implementadas na virada do século XIX-XX. Essa
reformulação permitiu relançar a questão da história do ensino histórico em
novos termos e perguntar não somente em que momento apareceu um
ensino de história semelhante ao de hoje, mas também em que consistiam a
história e seu ensino antes desse momento.
Essa questão foi objeto de uma pesquisa empreendida, em
primeiro lugar, no contexto de uma tese de didática da história8, retomada
em uma jornada de estudos sobre o ensino das humanidades clássicas,
organizada por André Chervel e Marie-Madeleine Compère no Service
d’histoire de l’éducation do INRP 9 -esse estudo resultou em uma obra sobre
a história ensinada no século XVII10. Embasada em materiais diversos,
compreende tanto os planos de estudos em vigor e os exemplos de “lições-
modelos” propostos aos professores na época, quanto tratados sobre a
educação e os resumos de história utilizados para fins pedagógicos
(condição atestada por testemunhos da época e a confusão seguidamente
feita entre os resumos do Antigo Regime e os “manuais” de hoje era de
natureza a deturpar a interpretação do material documental). O campo
geográfico abarcado é a França, não por desinteresse pela comparação nesse
domínio, mas porque as fontes mais facilmente acessíveis, no contexto de
uma pesquisa necessariamente limitada no tempo, são as fontes francesas.
Sem retroceder ao aspecto historiográfico da questão, tentaremos
resumir aqui os principais resultados dessa pesquisa, centrando-nos em dois
pontos: o caráter “não-disciplinar” do ensino dos colégios do Antigo
Regime e a maneira pela qual a história era ali tratada; a evolução dos
“usos” da história no século XVII e, conseqüentemente, o aparecimento de
7
André Chervel, « L’histoire des disciplines scolaires: réflexions sur un domaine de
recherche », Histoire de l’éducation n° 38, Paris, INRP, mai 1988, pp. 59 – 119; repris in
André Chervel, La Culture scolaire, Paris, Belin, 1998, pp. 9 – 56.
8
Annie Bruter, Les Paradigmes pédagogiques. Recherches sur l’enseignement de l’histoire au
XVIIe siècle (1600 – 1680), Université Paris VII, décembre 1993, 426 p.
9
Uma parte das comunicações apresentadas durante essa jornada foram publicadas no número
temático Les Humanités classiques, Histoire de l’éducation n° 74, Paris, INRP, mai 1997, 253
p.
10
Annie Bruter, L’Histoire enseignée au Grand Siècle. Naissance d’une pédagogie, Paris,
Belin, 1997, 237 p.
10
novas práticas de ensino dessa matéria. Em síntese, se tentará construir um
ensaio para contribuir a uma reflexão sobre o processo de longa duração –
ou seja, a constituição de um campo de saber em disciplina escolar.
11
Cf. Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée…, op. cit.
12
Sobre essa questão, ver Marc Fumaroli, L’Âge de l’éloquence. Rhétorique et « res literaria »
de la Renaissance au seuil de l’époque classique, Genève, Droz, 1980, 882 p.
11
pregadores, e às necessidades dos príncipes para os quais se recrutava o
aparelho administrativo, necessitando de homens aptos a manejar a
linguagem. Esse programa de estudos foi apoiado pelas autoridades da
época, laico e eclesiástico, e adotada pelos indivíduos ou grupos que
aspiravam fazer carreira, na Igreja ou no Estado.
Constatamos que o nosso regime epistemológico é muito
estranho, busca suas raízes na Antigüidade, que sustenta tal concepção de
ensino – a qual recorria, explicitamente a dois grandes professores antigos,
Cícero e Quintiliano. Fundada sobre o primado da língua (instrumento de
poder e meio de comunicação entre Deus e os homens) e sobre o respeito da
escrita (pelo qual as palavras inaugurais, as da Revelação, foram
transmitidas desde a criação do mundo), essa epistemologia considera o
saber como um dado a ser decifrado, o acesso ao conhecimento como um
ato de leitura13. Por isso, a necessidade dessa etapa preliminar para chegar
ao conhecimento que era o estudo das línguas e dos textos antigos: o ensino
das humanidades.
Por sua pretensão integradora – formar o vir bonus dicendi
peritus, homem de bem que sabe falar – assim como pelo lugar central que
dava aos textos, tal ensino só podia ser “não-disciplinar”. A explicação dos
textos antigos, ponto de partida das aprendizagens, necessitava realmente
recorrer a conhecimentos de ordem muito diversas – gramaticais e
filológicos, mas também geográficos, históricos, etinológicos, até mesmo
botânicos, zoológicos ou mineralógicos – ao mesmo tempo que a
capacidade de ressaltar as sentenças e máximas de ordem retórica, moral ou
política que devem enriquecer o discurso do orador: tudo isso era
considerado como conhecido pelo regente único de cada classe.
Reciprocamente, as produções dos alunos chamados a reutilizar o
vocabulário, as expressões, os conhecimentos de belos pensamentos
descobertos nos autores estudados, deviam testemunhar sua amplitude a
incorporar palavras e idéias em um conjunto textual harmonioso.
A prioridade dada à finalidade retórica do ensino não significa,
no entanto, que o ensino humanístico não se preocupa em transmitir
conhecimentos (esse objetivo está explicitamente inscrito, por exemplo, em
certas versões do mais célebre dos planos de estudo da época, o Ratio
studiorum jesuíta14): também não se pode falar ou escrever sem conteúdo.
13
Sobre a longa duração dessa concepção de acesso ao conhecimento como lectio, ver Eugenio
Garin, trad. française L’Éducation de l’homme moderne. La pédagogie de la Renaissance,
1400 – 1600, rééd. Paris, Fayard, 1995, coll. « Pluriel », pp. 66 – 70.
14
A versão definitiva da Ratio studiorum jesuíta, a de 1599, foi recentemente objeto de uma
reedição acompanhada duma tradução francesa: Ratio studiorum. Plan raisonné et institution
des études dans la Compagnie de Jésus, Paris, Belin, 1997, 314 p. Fazemos aqui referência às
12
Mas esses conhecimentos, não sendo estudados por eles mesmos, não eram
objeto de uma exposição sistemática, salvo a título recreativo, no contexto
do que se chamava então o erudito (um espaço de tempo voluntariamente
deixado ao regente para repousar e fazer com que os alunos descansem da
austera disciplina da explicação de textos)15: eram dados à medida da leitura
dos textos, em função dos conteúdos a serem explicados. É assim que
conhecimentos que dizem respeito, para nós, à história – o desenrolar de
certos acontecimentos, a descrição das instituições ou dos costumes de uma
certa época – podiam ser apresentados no momento da explicação de uma
poesia ou de uma obra oratória de Cícero... Inversamente, a leitura dos
historiadores antigos, que faziam parte dos programas das classes (na classe
de humanidades, principalmente, mas também em outras classes)
oportunizavam não tanto o estudo dos acontecimentos mas o dos
procedimentos de escrita próprios ao historiador: mais que a própria história
tratava-se conforme as finalidades gerais - as do ensino das humanidades,
de aprender como escrever.
Quanto aos conhecimentos necessários à compreensão das obras
históricas estudadas, tendo em vista o conteúdo militar-político das obras
dos historiadores antigos, consistiam principalmente em conhecimentos
geográficos que permitiam ter uma idéia do teatro das operações e seguir o
desenrolar dos combates descritos. A cronologia era considerada como um
acessório do estudo desses textos históricos - a linguagem da época
costumava unir à cronologia a geografia sob a expressão “os dois olhos da
história”. A ciência cronológica era de toda maneira, na época em que
foram criadas as instituições de educação humanistas (isto é, no século
XVI), um campo de pesquisa extremamente “preciso”, exigindo uma vasta
cultura filológica e científica, que não devia ser exposta em classe16. Ainda
não se dispunha, mesmo se desejassem ardentemente conhecimentos que
permitissem reconstituir a sucessão dos acontecimentos relacionados pelos
textos antigos. O único meio de datação, pouco preciso, de que dispunham
os regentes humanistas era efetivamente a filologia, na medida em que essa
procede por comparação entre os diversos estágios de uma língua (o latim,
13
nesse caso) no curso de sua evolução17 - o que reconduz outra vez à
necessidade de um domínio tão aprofundado quanto possível dos textos
escritos nessa língua.
Imaginamos, portanto, a impossibilidade, em um tal contexto de
um “curso” de história que consistiria em uma apresentação seguida dos
acontecimentos – do mesmo modo que um “ curso” de qualquer matéria que
fosse, na medida em que se estudasse em prioridade textos. Daí a
proposição de ver no ensino das humanidades, um ensino por definição
“não-disciplinar”; e isso não devido a uma incapacidade dos regentes da
época em criar um outro, mas em virtude dos princípios que tinham
presidido a sua organização. Foi assim que as instâncias dirigentes da
Companhia de Jesus refutaram a proposição feita por muitos de seus
membros de criar um curso de história, conforme o modelo praticado por
seus rivais protestantes; não porque elas recusassem a história em si, mas
porque romperiam com o respeito aos textos antigos, base de sua
pedagogia18.
Também vemos que o material documentário utilizado em tal
ensino oferece amplitude à interpretação, já que seus conteúdos, na medida
em que dizem respeito quase que exclusivamente às realidades tratados
pelos textos antigos, são exclusivamente históricos: trata-se de palavras, de
fatos, de pensamentos vindos da Antigüidade. Entretanto, essas palavras,
fatos e pensamentos não chegam aos alunos de maneira ordenada pois os
textos são escolhidos em função de seu grau de dificuldade lingüística, não
obedecendo à ordem cronológica. Assim, não podemos pretender que os
alunos dos colégios do Antigo Regime saiam totalmente despojados de
conhecimentos históricos: eles tinham, ao contrário, um conhecimento da
Antigüidade bem mais profundo que os alunos e mesmo os professores
atuais de história. Mas esse saber histórico era desordenado e, sobretudo,
lacunar, porque ignorava quase tudo o que chamamos hoje de Idade Média -
sem falar da época em que viviam os alunos.
Esse fato pode escandalizarnos? Isso não teria mais sentido senão
o de se indignar com teorias científicas que estiveram em voga antes das
nossas. A história, para os regentes dos colégios humanistas, não era um
conjunto de conhecimentos, o produto de uma pesquisa fundada sobre uma
17
Ver Donald R. Kelley, Foundations of Modern Historical Scholarship. Language, Law and
History in the French Renaissance, New York/London, Columbia University Press, 1970, 321
p.
18
Cf. François de Dainville, « L’enseignement de l’histoire et de la géographie… », art. cit.;
para uma discussão da tese sustentada nesse artigo, ver Annie Bruter, « Entre rhétorique et
politique: l’histoire dans les collèges jésuites au XVIIe siècle » in Les Humanités classiques,
Histoire de l’éducation n° 74, op. cit., pp. 59 – 88.
14
metodologia regrada: a palavra não designava um domínio particular do
saber – todo o saber, na época, era tido como vindo do passado, portanto
como história – mas um ramo da retórica, definido por um modo específico
de escrita, o modo narrativo. Só eram, conseqüentemente, considerados
como historiadores aqueles que soubessem usar esse modo com talento, em
bom latim ou em bom grego – o que desqualificava os cronistas
medievais19. Não se tratava, então, na época de “ensinar história” segundo o
sentido atual do termo: conforme as concepções pedagógicas e científicas
da época, os alunos deviam ler os historiadores antigos, pois se procurava
na leitura elementos para ensinar a arte de escrever, graças à qual a França
disporia um dia, ao menos esperavam, de historiadores dignos desse nome
que ela ainda não tinha...
19
Ver Arnaldo Momigliano, « Ancient History and the Antiquarian », 1950, trad. française
« L’histoire ancienne et l’Antiquaire » dans Arnaldo Momigliano, Problèmes d’historiographie
ancienne et moderne, Paris, Gallimard, 1983, pp. 244 – 293.
20
Myriam Yardeni, La Conscience nationale en France pendant les guerres de religion (1559
– 1598), Louvain/Paris, Nauwelaerts/Béatrice-Nauwelaerts, 1971, 392 p.
21
Ver Roger Chartier, « Trajectoires et tensions culturelles de l’Ancien Régime » in André
Burguière et Jacques Revel (dir.), Histoire de la France. Les formes de la culture, Paris,
Éditions du Seuil, 1993, pp. 307 – 392.
15
como critério de ortodoxia confessional22, leva a acentuar fins
moralizadores da educação, em que o aprofundamento do esforço de
aculturação religiosa iniciado no século precedente, no âmbito da rivalidade
entre Reforma e Contra-Reforma23, induz o recurso à narração histórica
como meio de fazer interiorizar, desde a infância, as verdades e os valores
transmitidos pelo catecismo24. No plano cultural, enfim, o progresso da
produção impressa a coloca à disposição de um público cada vez mais
vasto, que se estende, a partir dali, além do círculo dos “doutos” para os
quais a leitura era uma atividade quase profissional25: o uso de uma
literatura mais mundana, mais atraente e de mais fácil acesso que a
literatura latina e grega, ao mesmo tempo que uma especialização acrescida
de gêneros.
Ora, todos esses fatores se encontram com uma outra mutação,
dependendo ela do plano científico. O saber fundamental da época, do
nosso ponto de vista, é a elaboração de uma linha de tempo única sobre a
qual se ordenam os fatos até então dispersos, conhecidos através dos textos
antigos e medievais26. É essa aquisição da ciência “cronológica” da
Renascença, que os resumos de história - que parecem cada vez mais
numerosos durante o século, em latim27 e em francês28 - pretendem
vulgarizar. A utilização dessa linha de tempo dá aos estudos históricos um
novo modo de apreensão dos fatos (por ordem de sucessão cronológica e
22
Michel de Certeau, « L’inversion du pensable. L’histoire religieuse du XVIIe siècle » (1969)
et « La formalité des pratiques. Du système religieux à l’éthique des Lumières (XVIIe –
XVIIIe) » (1973), artigos retomados em Michel de Certeau, L’Écriture de l’histoire, Paris,
Gallimard, 1975, pp. 131 – 152 et 153 – 212.
23
Jean-Claude Dhôtel, Les Origines du catéchisme moderne d’après les premiers manuels
imprimés en France, Paris, Aubier, 1967, 472 p.
24
Claude Fleury, Catéchisme historique, Paris, Vve G. Clouzier, 1683, 2 vol. in-12, t. I: Petit
Catéchisme; Fénelon, De l’Éducation des filles, 1687 (a edição consultada é a de Paris, P.
Aubouin, 1696, in-12, 272 p.).
25
Ver Henri-Jean Martin, Livre, pouvoirs et société à Paris au XVIIe siècle (1598 – 1701),
1969, rééd. Genève, Droz, 1999, 2 vol., 1091 p.
26
Anthony Grafton, Joseph Scaliger…, op. cit.; D.J. Wilcox, The Measure of Time Past.
Prenewtonian Chronologies and the Rhetoric of Relative Time, Chicago/London, The
University of Chicago Press, 1987.
27
Só mencionaremos aqui os dois mais célebres entre cuja utilização com fins pedagógicos é
atestada, que são também os mais antigos: l’Epitomae historiarum libri X do jesuíta Torsellini,
que apareceu pela primeira vez em Roma em 1598, que podemos consultar na edição de Lyon,
J. Cardon e P. Cavellat, 1620, in-12, p. lim., 640 p. e index; e o Rationarium temporum… de P.
Denis Petau, Paris, S. Cramoisy, 1633, 2 t. en 1 vol. in-12.
28
Há desde o início a coexistência de duas séries de resumos de história, uma em latim, outra
em francês. O estudo de suas relações e a maneira em que o francês se impôs através das
edições sucessivas ainda está a ser feito.
16
não mais por contiguidade, temática ou geográfica). Fornece, pelas
referências temporais que estabelece, um instrumento de aprendizagem que
faltava até então (as datas...). Coloca, assim, mais claramente em evidência
as lacunas na exposição dos acontecimentos, incitando completá-las;
contribuiu, desse modo, para transformar a noção do tempo, dando uma
visão linear... todas coisas que, sem atacar, destroem profundamente o
respeito sempre proclamado dos historiadores da Antigüidade.
Assim, vemos manifestar-se ao longo do século, através da
literatura de vulgarização histórica e dos projetos ou tratados sobre a
educação, aspirações a um outro tipo de relação com o passado que não seja
o do ensino humanista: uma relação mais natural, mais direta, que contorna
o obstáculo da aprendizagem das línguas antigas e exige o acesso a um
passado mais próximo e mais acessível. A tradução dos autores antigos, se
não for novidade, conhece então outra idade do ouro: os “belos infiéis”29
colocam esses autores ao alcance dos leitores (e das leitoras) que não foram
obrigados às disciplinas austeras de aprendizagens humanistas. A oferta de
obras históricas se diversifica: produções humanistas, que continuam sua
carreira florescente, compêndios de história e histórias mais ou menos
romanescas30, destinados a um público maior e menos informado.
Paralelamente, se afirma cada vez mais explicitamente a
necessidade de conhecer a história de seu país em um movimento, aliás não
isento de contradições – as mesmas que vimos surgir no fim do século
XVII, a respeito da educação do príncipe cristão, apresentada como modelo
a ser seguido mas reservado ao poder e aos que são destinados por natureza;
isto é, por seu nascimento31. Ora, a história mantinha nesse modelo um
lugar central, como complemento indispensável das matérias “teóricas”
necessárias à formação principesca que eram a moral e a política: era a
história que estava destinada a fornecer os exemplos, ilustrando os preceitos
abstratos que constituíam essas ciências. Essa história necessária aos
príncipes englobava-se bem à história antiga, não se isolava: devia fornecer
aos futuros governantes modelos mais próximos deles do que os heróis da
29
Roger Zuber, Les « Belles infidèles » et la formation du goût classique, 1968, rééd. Paris,
Albin Michel, 1995, coll. « Bibliothèque de l’Évolution de l’humanité », 521 p.
30
Sobre a “fusão” entre história e romance na segunda metade do século XVII, ver Bernard
Magné, Crise de la littérature française sous Louis XIV: Humanisme et nationalisme, Lille,
Atelier de reproduction des thèses Lille III, 1976, 2 vol., 1026 p., multigr.
31
Annie Bruter, « Des arcana imperii à l’éducation du citoyen: le modèle de l’éducation
historique au XVIIIe siècle », apresentado no colóquio organizado pela Société française
d’étude du dix-huitième siècle et la Société italienne d’étude du dix-huitième siècle, com
l’UMR LIRE (CNRS n° 5611 – Université Stendhal – Grenoble I), « L’Institution du Prince au
XVIIIe siècle », Grenoble, 14 – 16 octobre 1999, a ser publicado nas Atas do colóquio.
17
Antigüidade, bem como conhecimentos positivos (militares, genealógicos,
diplomáticos, econômicos, etc.) sobre os assuntos do reino, isto é, sobre o
presente ou o passado próximo. Uma nova pedagogia da história surge,
assim, conjugando a aprendizagem da cronologia com o curso dialogado no
qual o aluno escuta e discute o relato dos acontecimentos, que deverão ser
em seguida redigidos: tal é, ao menos, a pedagogia descrita pelos
preceptores dos príncipes no fim do século XVII32. Quanto aos primeiros
“manuais escolares” de história, não provêm da educação principesca33, mas
das pensões aristocráticas onde se ministravam os cursos particulares de
história pelos “chambristes”34.
Os preceptores dos príncipes não publicam suas obras sem
fornecer uma advertência sobre a inconveniência que teria para as “pessoas
comuns” pretender o mesmo saber que os príncipes. Concede-se ao homem
comum somente um “uso moral” da história destinada a ensinar os
malefícios das paixões: o “uso político” desta é reservado aos príncipes e
aos “Grandes”35. Compreendemos, vendo a história assim colocada como
disciplina central da educação ao mesmo tempo que subtraída ao comum
dos mortais, o seu estatuto marginal, inacessível no último século do Antigo
Regime. Era objeto de um ensino, sobre o qual encontramos vestígios
através de resumos explicitamente destinados à juventude36, de exercícios
32
Charles-Bénigne Bossuet, « De l’instruction du Dauphin, Lettre au pape Innocent XI »
(1679) dans Œuvres complètes, Bar-le-Duc, par des prêtres de l’Immaculée Conception de St-
Dizier, 1863, t. XII; Claude Fleury, Traité du choix et de la méthode des études, Paris, P.
Auboin, P. Émery et C. Clousier, 1686, in-12, 365 p.; Géraud de Cordemoy, « De la nécessité
de l’Histoire, de son usage, & de la manière dont il faut mêler les autres sciences, en la faisant
lire à un Prince » dans Divers traités de métaphysique, d’histoire et de politique, Paris, Vve de
J.-B. Coignard, 1691, in-12, VI-292 p
33
É, por exemplo, o caso, citando somente o mais célebre, de Instruction sur l’Histoire de
France & Romaine par demande & réponses, Avec une explication succincte des
Métamorphoses d’Ovide, & un Recueil de belles Sentences tirées de plusieurs bons Auteurs,
Paris, A. Pralard, 1687, in-12, em que o autor, Le Ragois, era preceptor do Duque de Maine.
34
Faltando lugar para uma bibliografia completa, mencionaremos: Nouveaux Élémens
d’histoire et de géographie à l’usage des pensionnaires du Collège de Louis le Grand du
jésuite Buffier, 2ème éd. Paris, M. Bordelet, 1731, 2 partes em 1 vol. in-12. Os resumos do
Padre Berthault, regente à Juilly: Florus Francicus, Paris, J. Libert, 1630, in-24, 279 p.; Florus
Gallicus, Paris, J. Libert, 1632, in-24, 324 p.; Florus Gaulois ou l’abrégé des guerres de
France, t. I, Paris, J. Libert, 1634, in-8°, 298 p., são talvez oriundos dos cursos desse
pensionato que a tradição historiográfica considera como o primeiro a ter ministrado o ensino
de história, mas a prova da utilização desses resumos para fins pedagógicos não existe.
35
Annie Bruter, « La “confiscation” de l’histoire: l’éclatement des usages de l’histoire au
XVIIe siècle » in Henri Moniot et Maciej Serwanski, L’Histoire et ses fonctions. Une pensée et
des pratiques au présent, Paris/Montréal, L’Harmattan, 2000, pp. 27 – 46.
36
Os resumos da época precedente visavem um público bem mais definido.
18
públicos 37, até mesmo de redações dos alunos38. Mas, excetuando as
instituições inovadoras que foram as pensões particulares e as escolas
militares, esse ensino não foi, em geral, integrado ao currículo escolar - a
história continuava sendo um tipo de matéria facultativa sob a
responsabilidade das famílias. Explica-se, assim, a insistência em reclamar
sua introdução nos colégios no século XVIII39, quando há provas da
existência de seu ensino na época; mas é o estatuto desse ensino que
persiste impreciso, por causa de seu caráter marginal, não-normatizado.
Somos levados, assim, a distinguir duas coisas normalmente
confundidas no discurso sobre a educação (pelo fato de seguirem agora
juntas, a saber, pedagogia e escolarização - chamamos aqui pedagogia toda
tentativa intencional de transmissão de um saber). Se a história do ensino
histórico mostra que houve a invenção de uma pedagogia da história, com
seus procedimentos e seu material específico na segunda metade do século
XVII, mostra também que essa invenção se fez fora do âmbito propriamente
escolar: é no espaço mais flexível da educação principesca ou do pensionato
aristocrático que se elaboraram métodos e instrumentos de uma instrução
histórica autônoma, independente da leitura dos historiadores antigos,
procedendo a uma apresentação contínua dos acontecimentos - da criação
do mundo até a época contemporânea.
O estudo das resistências à integração dessa história autônoma ao
currículo escolar, e os fatores que terminaram impondo-a junto das
humanidades clássicas, ultrapassaria muito os limites temporais desse
artigo, pois levaria ao debate sobre a educação do século XVIII e a
Revolução, sobre os liceus do século XIX. Contentar-nos-emos em assinalar
que a introdução da história no ensino dos liceus e colégios do Império e da
Restauração (mencionada nos programas desde 180240, a história é dotada
de um horário específico e de um programa embrionário em 181441, de
professores “especiais”, em certos liceus, pelo menos a partir de 181842) não
37
Ver por exemplo Pierre Jean de Berulle répondra sur l’histoire chronologique de l’Église…
Au Collège de Louis le Grand, le Vendredi 8 avril 1707, à quatre heures après midi, Arch. S.J.
Vanves, É Pa 30 – 7.
38
O curso de Bossuet sobre Charles IX redigido para o príncipe herdeiro foi publicado por
Régine Pouzet sob o título Charles IX, récit d’histoire, Clermont-Ferrand, Adosa, 1993.
39
Ver, por exemplo, o artigo « Collèges » da Enciclopédia, no qual D’Alembert se queixa « do
pouco caso dado ao estudo da História nos colégios », Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné
des Arts, des Sciences et des Métiers, t. III, Paris, 1753.
40
Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie dans l’enseignement secondaire. Textes
officiels. T. 1: 1795 – 1914, Paris, INRP, 2000, textes 4, 5, 6, pp. 95 – 96.
41
Ibid., texte 12, pp. 101 – 103.
42
Ibid.,texte 15, pp. 109 – 110.
19
poderia ser feita tão rapidamente, se os professores não dispusessem de um
mínimo de material pedagógico já elaborado. Ora, uma parte pelo menos
desse material pedagógico, remonta aos preceptores dos príncipes do fim do
século XVII, como Fleury ou Le Ragois, cujas obras conhecem, ao longo do
século XIX, uma carreira que só se extinguiu com as reformas
republicanas43.
***
43
Ver Martin Lyons, Le Triomphe du livre. Une histoire sociologique de la lecture dans la
France du XIXe siècle, Paris, Promodis, 1987, pp. 85 – 104.
44
« L’histoire des disciplines scolaires… », art. cit., pp. 30 – 31.
45
Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie…, op. cit., pp. 75 – 84.
46
De uma abundante bibliografia, destacarei aqui somente dois artigos que fizeram sucesso:
Jacques et Mona Ozouf, « Le thème du patriotisme dans les manuels primaires », 1962,
republicado em Mona Ozouf, L’École de la France, Paris, Gallimard, 1984, pp. 185 – 213;
Pierre Nora, « Lavisse, instituteur national. Le “Petit Lavisse”, évangile de la République », in
Pierre Nora (éd.), Les Lieux de mémoire. I – La République, rééd. Paris, Gallimard, 1997, coll.
« Quarto », pp. 239 – 275.
20
tentou-se mostrar. Entraram, de fato, em jogo diversos fatores - cada um
com seu ritmo próprio de evolução. Os objetivos da educação, por exemplo,
mudam no decorrer do tempo: se ficaram, durante o período considerado
aqui, dominados pela finalidade retórica, pudemos vê-los enfraquecer de
uma maneira que acentuou o alcance moralizante da leitura dos
historiadores antigos para todos os alunos; ao passo que era confiscado o
“uso político” da história, decretado monopólio dos príncipes na época do
absolutismo triunfante. Mas, bem antes dessa etapa, ocorrem outras
transformações pelas quais se cortou em profundidade a relação com o
passado, isto é, com o ensino humanista: transformações técnicas,
econômicas e sociais, progresso da escrita e da imprensa, desenvolvimento
dos aparelhos administrativos, ampliação do público de leitores,
transformações científicas, metodológicas e pedagógicas levadas, no que diz
respeito à história, à elaboração de uma cronologia unificada, à renovação
do modo de leitura dos historiadores e à experimentação de novos métodos
de ensino.
Sobre essa complexidade gostaríamos de insistir para finalizar, a
fim de lutar contra o risco de uma leitura evolucionista, vendo na pesquisa
aqui apresentada uma tentativa a mais para conferir uma “origem” ao ensino
da história atual. É, ao contrário, a inter-relação constante que pensamos
poder revelar entre expectativas e ambições culturais e sociais, concepções
e meios científicos, técnicos ou pedagógicas, que faz da história das
disciplinas escolares um campo de pesquisa tão vasto quanto apaixonante
para explorar, nessa época de mudanças de nossa sociedade que questiona
cada dia mais os sistemas educativos que herdamos do passado.
21
.
Igreja, religião e ensino elementar antes das leis de
laicização européias: um reexame crítico de suas
relações1
Pierre Caspard
Tradução de Maria Helena Camara Bastos
Resumo
Este artigo propõe um reexame do lugar ocupado pela religião no ensino elementar na época
moderna, no seu conteúdo, no seu controle, nas suas grandes finalidades e nos seus objetivos
pedagógicos concretos. A reflexão diz respeito a um caso específico: o das escolas de vilas de
um cantão suíço, francofone e de religião reformada (calvinista), estudadas do século XVI ao
século XIX. Mostra uma grande imbricação dos aspectos religiosos e laicos nesse ensino e um
crescimento muito antigo da importância dos segundos, bem antes das leis de laicização da
metade do século XIX, que terão, sobretudo, por objetivo a fundação da República baseada em
uma noção ampla de cidadania. Essa conclusão poderia se estender de forma mais extensiva,
apesar de certas especificidades, aos países católicos ou luteranos da Europa moderna.
Palavras-chave: Religião, Laicidade, Suíça, Estado, Igreja, Época Moderna, Pedagogia cristã,
Aprendizagens elementares, Racionalismo, Humanismo
Resume
Cet article propose un réexamen de la place tenue par la religion dans l’enseignement
élémentaire à l’époque moderne, dans son contenu, son contrôle, ses grandes finalités et ses
objectifs pédagogiques concrets. La réflexion porte sur un cas précis: celui des écoles
villageoises d’un canton suisse, francophone et de religion réformée (calviniste), étudiées du
XVIe au XIXe siècle. Elle montre une imbrication forte des aspects religieux et laïcs dans cet
enseignement et un accroissement très ancien de l’importance des seconds, bien avant les lois
de laïcisation du milieu du XIXe siècle, qui auront surtout pour but de fonder la République sur
une notion de citoyenneté élargie. Cette conclusion pourrait largement s’étendre, malgré
certaines spécificités, aux pays catholiques ou luthériens de l’Europe moderne.
Mots clés: Religion – Laïcité – Suisse – Etat – Eglise – Epoque moderne – Pédagogie
chrétienne – Apprentissages élémentaires – Rationalisme – Humanisme.
1
Título original “Eglise, religion et enseignement elémentaire avant les lois de laïcisation
européennes: un réexamen critique de leurs rapports”. Autorizado especialmente pelo autor
para publicação nesta revista.
2
Furet F., Ozouf J.: Lire et écrire. L’alphabétisation des Français de Calvin à Jules Ferry. Paris
1977, 2 vol.
3
Bulletin officiel des délibérations du Grand Conseil, 21 novembre 1849. Em sua ação como
Diretor da Educação Pública, A. Humbert testemunha um espírito infinitivamente mais
pragmático e matizado que possa supor o manequeísmo de seu discurso.
4
Por exemplo: “Os alunos são habituados a repetir, copiar e recitar sem nenhum raciocínio”.
Schwitzguébel-Leroy A.: Le système scolaire neuchâtelois vers la fin de l’Ancien Régime. In:
Histoire de l’université de Neuchâtel, t.1 Hauterive, 1988, pp. 40-41; ou ainda para a Suíça em
seu conjunto: Capitani F. de: “A Igreja vê no ensino elementar o melhor meio de manter a
ortodoxia na população […]. Aprendem de memória, a compreensão dos textos é secundária”.
In: Nouvelle histoire de la Suisse et des Suisses, t.2. Lausanne 1983, p. 145. O estudo citado de
A. Schwitzguébel-Leroy oferece uma excelente apresentação do sistema escolar de Neuchâtel
24
mostrar que o papel da religião no ensino, antes de sua laicização por via
legislativa, é objeto de uma tríplice distorção na memória e na história da
educação. Essas distorções superestimaram o papel da instituição religiosa
na impulsão e no controle do ensino, como na definição de seu conteúdo.
Menosprezam os princípios e os objetivos da pedagogia adotados nas
escolas elementares. Subestimam, enfim, as profundas transformações
ocorridas bem acima das leis escolares que balizaram o século XIX. Esse
reexame será operado o mais próximo possível do terreno escolar, pela
análise do funcionamento efetivo das escolas e do papel dos principais
protagonistas do ensino dispensado durante três séculos. A questão das
relações entre sagrado e secular poderá assim aparecer de uma maneira
diferente da sua quando abordada unicamente no terreno dos princípios, das
doutrinas e das idéias, onde os protagonistas da história se situam o mais
frequëntemente para justificar sua ação.
nos anos de 1830-1840, incluindo desenvolvimentos sobre as posições oficiais da Classe dos
Pastores concernente ao ensino.
5
Em uma abundante bibliografia, uma das obras de referência em língua francesa é: Chartier
R., Compère M.M, Julia D.: L’éducation en France, du XVI e au XVIIIe siècle. Paris 1976, bem
como o capítulo consagrado por D. Julia à “Une catéchisation de masse” in: Becchi E., Julia D.
(Dirs): Histoire de l’enfance en Occident de l’Antiquité au XVIIe siècle, Paris 1998.
6
Boyve J.: Annales historiques du comté de Neuchâtel et Valangin, Berne et Neuchâtel 1854-
1859, Vol. 2, p. 123-124.
25
aproximada de 16 ou 17 anos7, em Neuchâtel, sem o domínio da leitura de
textos tão difíceis quanto o Antigo e o Novo Testamento. Os primeiros
casos confirmados de recusa ostensiva contrária à admissão de crianças por
causa do iletrismo, por parte de um pastor, não são encontrados senão no
início do século XVIII, multiplicando-se posteriormente8. Isso conduz, não
à diminuição da importância dos ideais educativos formulados de início,
mas à obrigação de compreender o ritmo e as modalidades com que foram
concretamente atingidos.
Deste ponto de vista, convém questionar inicialmente o papel da
Igreja de Neauchâtel como instituição. Sua história é bem conhecida,
marcada por alguns tempos fortes como a ação de Guilhaume Farel,
companheiro próximo de Calvino, a de Jean-Frédéric Ostervald, teólogo
reputado em toda a Europa no século XVIII, depois, mais anedóticos, mas
fortemente mediatizadas, as altercações de Jean-Jacques Rousseau com a
Venerável Classe dos Pastores9. Em um principado que, da Idade Média a
1848, teve uma grande independência, ao mesmo tempo em relação aos
seus príncipes (franceses ou prussianos) e em relação a Confederação
helvética, a Classe dos Pastores, cujo decano é um primus inter pares,
desempenhou um papel de corporação que defendia os interesses materiais e
morais de seus membros, face ao Estado e às comunas, tentados a ignorar
seus direitos e prerrogativas ou usurpá-los. Também defendeu uma certa
ortodoxia doutrinal, regulou a formação, o recrutamento e a carreira de seus
membros, unificou a liturgia, resolveu ou deu um parecer sobre as questões
pastorais relativas às paróquias e manteve, enfim, relações intelectuais com
outras Igrejas protestantes, especialmente as de Genebra, Berna, Bâle
(Suíça) e Montbéliard (França).
No domínio escolar, a intervenção a mais recorrente da Classe
dos Pastores diz respeito ao controle que exerce, ou pretende exercer, sobre
a nomeação dos regentes. Mas, enquanto que, nos primeiros tempos da
Reforma, esses eram muitas vezes eles próprios pastores ou diáconos, a
função foi totalmente laicizada durante o século XVII, o poder de nomeação
7
Caspard P.: Examen de soi-même, examen public, examen d’Etat. De l’admission à la Sainte-
Cène aux certificats de fin d’études, XVIe-XIXe siècles. In: Histoire de l’éducation, mai 2002,
p. 17-74.
8
Em 1731, o pastor de Verrières escreve “que não depende de mim não receber as crianças
para comungar enquanto não souberem ler”, e só aceita efetivamente algumas
condicionalmente. Cf. Caspard P., art.cit, p. 56.
9
Robert, M., Hammann G.: L’Eglise dans la société d’Ancien Régime. In: Histoire du Pays de
Neuchâtel Hauterive 1991, t. 2. De la Réforme à 1815, p. 271-315. Hammann G.: Eglises et
communautés religieuses. In: Histoire du Pays de Neuchâtel Hauterive 1993, t. 3 De 1815 à nos
jours, p. 219-255.
26
voltou às comunas que pagavam seus salários. A aprovação da Classe era
igualmente necessária, em razão das funções da Igreja que eram exercidas,
aliás, pelos regentes (ler a Bíblia e dirigir o canto no templo, recitar as
preces em certas circunstâncias). Mas as comunas sustentavam que, para a
regência da escola stricto sensu, elas tinham liberdade total para recrutar ou
para demitir quem desejassem. Casos de conflito chegavam de tempos em
tempos à Classe, que apelava eventualmente ao Conselho de Estado de
Neuchâtel, cujos pareceres iam preferencialmente no sentido do direito das
comunas10.
Isso não impedia as autoridades comunais de trabalhar, na grande
maioria dos casos, em harmonia com o pastor do lugar, o consultor das
questões escolares e associando às visitas anuais à sua escola onde
desempenhava seguidamente o papel de examinador. Mas, diferentemente
dos países católicos ou luteranos, a Classe não exercia, como instituição,
nenhuma autoridade hierárquica sobre o andamento das escolas,
principalmente não tinha nenhum direito de visita, de inspeção nem mesmo
de simples informação.
É, portanto, o contexto das comunas e das paróquias, campo de
ação dos pastores, que aparece como o mais pertinente para uma análise do
papel desempenhado pela Igreja no desenvolvimento da instrução
elementar. Desse ponto de vista, a Reforma efetivamente marcou uma
ruptura que, em diversos aspectos, teve incidências maiores na educação.
A primeira foi, a partir de então, a profunda inserção dos pastores
em seu meio. Antes da Reforma, os padres de Neuchâtel estavam
seguidamente ausentes e, em muitos casos, não havia nem mesmo vigário
para atender sua paróquia11. Eles dependiam de uma autoridade hierárquica
distante, os bispos de Lausanne ou de Besançon, que visitavam raramente
sua diocese. A Reforma mudou essa situação. A partir de agora, o pastor
reside na sua paróquia, de onde só pode ausentar-se excepcionalmente ou
por motivo justificável. Ele é apoiado por um Conselho dos Anciãos, eleito
pelos paroquianos, e não há mais superior hierárquico, exceto a autoridade
coletiva da Classe, da qual é membro. A antiga função do clérigo de ensinar
se encontra pois assegurada por uma maior interação com a população; essa
interação funcionando, é essencial sublinhar, em um duplo sentido. O
pastor, apoiado nos Anciãos, pode promover de forma mais eficaz a
instrução na sua paróquia12. Mas, inversamente, os paroquianos podem
10
Archives de l’Etat de Neuchâtel (AEN): Actes de la Classe, XVIIe-XIXe siècles.
11
Quadroni, D.: L’Eglise dans la société médiévale. In: Histoire du Pays de Neuchâtel
Hauterive 1989, t. 1 De la préhistoire au Moyen Age, p. 243-262.
12
No exemplo citado na nota 8, o pastor tem o cuidado de precisar que suas exigências
“receberam o consentimento dos Anciãos, de forma unânime”.
27
exigir que ele não perca seu interesse por essa função, que não é
necessariamente considerada por cada pastor como a mais gratificante, se
comparada à prédica, ao acolhimento dos pensionistas ou às atividades
literárias, teológicas, científicas ou corporativas nas quais não é raro se
investirem.
Desde o fim do século XVII, temos o exemplo de muitas
paróquias que cobram dos seus pastores suas tarefas de instrução,
dispensando-os de alguns sermões anuais em benefício de horas de
catecismo suplementares, contabilizando com desconfiança as que são
realmente efetuadas, para ver se o cômputo é bom, ou solicitando lhes
lembrar, com mais firmeza, as suas obrigações educativas às famílias
obstinadas13. No final do século XVIII, os pastores dedicam assim,
anualmente, mais de uma centena de horas ao catecismo e à preparação de
catecúmenos à confirmação, bem mais que a predicação no templo.
Uma segunda ruptura induzida pela Reforma concerne ao
estatuto matrimonial dos padres. Que não sejam mais obrigados ao celibato
ou a uma concubinagem vergonhosa diz respeito à educação de várias
maneiras. O fato dos pastores terem, a partir de agora, o encargo de uma
família, às vezes numerosa, incita-os, para atendê-la, a exercer atividades
complementares a suas funções pastorais, visto que a secularização dos bens
da Igreja amputou as rendas atribuídas às paróquias. Segundo o pastor
Frène, que escreveu, no fim do século XVIII, que ele não era pastor “senão
durante um quarto do meu tempo”14, proporção sem dúvida próxima a de
muitos outros pastores que deixaram ou não testemunhos de seu emprego de
tempo. Ora, a principal dessas atividades complementares é o ensino dado
de forma privada, através de lições particulares, de acolhimento de
pensionistas, até mesmo a organização de verdadeiros pensionatos. Esse
ensino excede em muito o da religião ou do catecismo, para abordar um
grande leque de matérias profanas. A atividade de ensinar pode, aliás, ser
exercida de forma bem mais eficaz pois as esposas dos pastores, e até
mesmo uma ou outra de suas filhas, podiam ajudá-los, segundo uma prática
realmente corrente na época moderna, incluindo aqui os regentes
encarregados do ensino comunal15.
Embora, antigamente presente nas polêmicas anticatólicas,
podemos reconhecer também uma parte de verdade na idéia segundo a qual
13
Caspard P.: art.cit.
14
Frêne T.-R.: Journal de ma vie. Ed. par A. Bandelier, Porrentruy et Bienne 1993.
15
É, por exemplo, o caso de um dos primeiros grandes pensionatos, fundado pelo pastor de
Montmollin após a década de 1740. Sobre o papel das esposas de regentes, ver: Caspard P.: La
maîtresse cachée. Aux origines de l’institutrice publique, 1650-1850. In: Annales Pestalozzi, 3,
à paraître.
28
ser casado e chefe de família dá aos pastores uma sensibilidade mais fina às
questões educativas, e uma maior familiaridade com a experiência de seus
paroquianos nesse domínio, particularmente no que se refere à educação das
meninas. Deste ponto de vista, não se constata em Neuchâtel nenhum traço
de neurose sexual tão presente nos discursos – senão nas práticas – católicas
em matéria de co-educação dos sexos, o que manifestadamente contribuiu a
dar às meninas um nível de instrução não muito distante daquele conferido
aos meninos, até mesmo superior em certas áreas16.
Em última análise, a participação dos pastores na função de
professores é múltipla. Na própria idéia dos reformadores – Lutero,
Calvino, Farel – a escola elementar não era senão uma instituição educativa
entre outras, mas particularmente destinada às crianças cujos pais não
tinham competência ou tempo necessário para instruí-las eles mesmos, a
primeira dessas condições agindo menos devido ao elevado nível de
instrução da população. De fato, o dispositivo da instrução oferecido às
famílias, mesmo modestas, não cessou de ampliar-se com o tempo. No
século XVIII, compreendia, ao lado da escola e da igreja, diversas formas
de pensão familiar, em Neuchâtel mesmo ou no exterior, lições e cursos
particulares sobre diversas matérias e, enfim, práticas de autodidática ou de
instrução familiar e doméstica17.
Em um dispositivo tão variado, a ação do pastor era ela mesma
multiforme. A catequese era seu campo reservado, mas a leitura
(comentada) da Bíblia, as orações, o canto dos salmos, a prolongavam até a
escola e a família. Inversamente, o pastor participava de diversas maneiras
do ensino das matérias profanas, com suas próprias crianças, seus
pensionistas, ministrando aulas particulares ou pela sua competência na
escola pública do lugar. Daí essa grande imbricação de ensino profano e
religioso dado pelo pastor ou marcados por sua intervenção. Da Reforma às
leis de laicização, um dos seus símbolos foi o exame condicionando a
admissão dos alunos à ratificação da promessa de batismo e comunhão.
Esse exame verificava tudo ao mesmo tempo, a instrução religiosa das
crianças e um certo número de competências intelectuais: ler, compreender,
memorizar, reformular, induzir e deduzir... As próprias modalidades do
16
Assim, em 1853, entre 10.600 meninos e meninas, o desempenho das meninas é um pouco
melhor em leitura e em escrita, muito melhor em ortografia, em resumos de leitura e em
composição francesa. Fonte: AEN, D.I.P. Rapport du Département de l’Instruction publique,
1853.
17
Caspard P.: Pourquoi on a envie d’apprendre. L’autodidaxie ordinaire à Neuchâtel, XVI e-
XIXe siècles, in: Histoire de l’éducation, mai 1996, p. 65-110; Id: Les changes linguistiques
d’adolescents. Une pratique éducative, XVIIe-XIXe siècles. In: Revue historique neuchâteloise,
janvier 2000, p. 5-85.
29
exame não colocavam em confronto dois atores, mas três: o pastor que
examina os catecúmenos no templo, as crianças que eram examinadas, mas
também os paroquianos, vindos em massa para avaliar, ao mesmo tempo, as
performances dos jovens da vila no momento em que eles se preparavam
para tornarem-se “adultos”, e a maneira com que o pastor desempenhava
sua missão de instrução. Esta convergência de finalidades, laicas e sacras,
em um exame que era um rito de passagem social, abrindo-se para um
sacramento maior da religião cristã, leva a interrogar mais detalhadamente o
ensino dispensado nas escolas elementares.
a) Os conteúdos
18
Visão levada aos extremos limites quando explica a presença do cálculo no currículo pelo
fato de que “todo bom cristão reformado deve conhecer os rudimentos para administrar seus
bens conforme os mandamentos de Deus”...! Hammann G., L’Eglise…, art.cit., p. 227.
19
Caspard P.: Une source de l’histoire du temps scolaire à l’époque moderne: les règlements
d’écoles. In: Compère M.M. (Dir.): Histoire du temps scolaire en Europe. Paris 1997, p. 241-
254.
30
espaço da religião, que pouco contestadas, do que em razão de seu alto nível
de instrução, e que o torna um especialista apreciado e dedicado.
Mas avaliar a parte do conteúdo religioso nos programas é mais
complexo do que parece. Se considerarmos os diferentes ramos de ensino
apresentados, total ou em parte, no currículo das escolas comunais, na
primeira metade do século XIX20, é possível distinguir entre eles três
grupos, desse ponto de vista. Inicialmente, aparece o que a lei de março de
1850 chama de “ensino religioso propriamente dito”, isto é, as verdades da
fé, tais como contidas e apresentadas nos diferentes catecismos em uso, de
livre escolha de cada paróquia. A partir dos anos 1730, é o catecismo de J.
F. Ostervald que será o mais divulgado, sem ser no entanto o único21. A
religião está igualmente presente em um conjunto de outras aprendizagens,
as quais fornecem tudo ou parte da matéria e do conteúdo. É o caso da
leitura feita das Passagens extraídas do Novo Testamento22, o texto integral
do Antigo e sobretudo do Novo Testamento; da recitação, dita também
memorização ou “decorada”, em que o Catecismo e as Passagens serão
solicitadas até a metade do século XIX, até mesmo depois; do canto, em que
os Salmos de Davi e os Cânticos fornecem o essencial da matéria; da
história sagrada, eventualmente acompanhada da geografia sagrada (da
Palestina). Os exercícios de escrita e de cópia, enfim, dizem respeito
seguidamente a textos piedosos ou morais. Ao contrário, a religião está
totalmente ausente de uma terceira categoria de ensinos: o cálculo, a
aritmética, a ortografia, a gramática, o desenho, o alemão, a escrituração
comercial, os trabalhos de agulha para as moças, a história e a geografia do
cantão, da Suíça, da Europa (que pode, entretanto, incluir a história da
Reforma) e do mundo, bem como a composição francesa, cujos assunto são
sempre profanos, as vezes morais, mas sem abordar as questões de fé ou de
dogma.
Esse currículo só é ensinado de forma completa nas vilas
maiores, nas outras se restringem às matérias principais. Mas o movimento
geral de enriquecimento do currículo elementar desde a Reforma é de fato
destacável: enquanto no século XVI, ele ainda se centra na religião, na
20
Caspard P., Examen…, art.cit., p. 28: Tableau de l’enseignement religieux dans le
curriculum des écoles communales, 1601-1828.
21
Barthel P.: Jean-Frédéric Ostervald l’Européen, 1663-1747. Novateur neuchâtelois. Genève
2001.
22
Ostervald J.F.: Recueil des passages du Nouveau Testament. Qui servent à établir les vérités
et les devoirs de la religion chrétienne. Neuchâtel 1734. Essa pequena obra tão famosa e
divulgada que jamais foi chamada de outra maneira que sob o nome de Passagens.
31
leitura e no canto23; a partir do século XVII, acrescenta-se a escrita, a
aritmética e a ortografia; depois, durante o século XVIII, a gramática, a
geografia, a história, a análise gramatical e o desenho, e enfim, na primeira
metade do século XIX, as outras matérias listadas acima. A lei de março de
1850, que impõe pela primeira vez um programa obrigatório de instrução
elementar a todas as comunas do país, repetirá essa lista, acrescentando a
instrução cívica, e reduzindo pois o ensino religioso “propriamente dito”,
confiado ao único pastor, sem que possa ser imposto aos professores
elementares24. Essa última medida suscitou naturalmente a oposição de uma
parte da Classe dos Pastores, mas admitia-se que resultava de um processo
de marginalização do ensino religioso no currículo da escola elementar,
resultado natural de seu contínuo enriquecimento há três séculos.
23
Cf. o regulamento da escola de Saint-Blaise en 1619, publicado em Caspard P.: Une
source…, art.cit., p. 250-252.
24
Segundo a lei de março de 1850; a de junho de 1861 a reintroduz nos programas, mas torna-
se facultativa após a lei de 1872.
25
AEN, D.I.P. 1, Rapports sur l’éducation publique de 1844 et 1845.
32
servirá”26, o que não representa senão uma expressão do ideal humanista e
enciclopédico da Renascença. No primeiro lugar desses conhecimentos
úteis vem certamente a leitura, mas está longe de ser considerada somente
como uma ferramenta que dá acesso a um conhecimento pessoal das
Escrituras; ela abre também, e indissociavelmente, a todas as “ciências e
conhecimentos” úteis ao homem em sua vida social, portanto à própria
sociedade. A conjunção dessas duas finalidades explica que o
enriquecimento do currículo das escolas elementares, do século XVI ao
século XIX, não suscitou antagonismos maiores entre seus componentes
laicos e religiosos. A religião, aliás, ali conservou seu lugar, de maneira
absoluta, senão relativa.
26
Farel G.: Sommaire et brève déclaration, 1534. Réed. Neuchâtel, 1980.
27
Calvin J.: Le catéchisme de l’Eglise de Genève, 1542.
28
Vuilleumier H.: Notice historique sur les catéchismes qui ont été en usage dans l’Eglise du
pays de Vaud depuis le temps de la Réformation, Lausanne 1888.
29
Ostervald S.F.: Cours élémentaire de géographie ancienne et moderne et de sphère, par
demandes et réponses. Neuchâtel, 1ère éd: 1757, 10e éd: 1800.
30
Calvin J.: Deux congrégations et exposition du catéchisme, Genève 1563, réed. Paris, 1964.
33
aprendam e cantem os Salmos que traduziu com inteligência, “como
homens”, e não somente de memória, “como pássaros”31. Tais testemunhos
são inúmeros, podem até mesmo serem encontrados em escritos de
modestos habitantes de vilas que lembram de forma sábia, em 1802: “Por
que aprendemos? Não é para reter palavras, é para melhor compreender”32.
Essa exigência de compreensão se encontra tanto nas matérias
profanas quanto nas religiosas, o exercício do “julgamento” e da
“inteligência” são enaltecidos de forma similar em todo o ensino elementar.
A pedagogia das Luzes, que tende privilegiar o ensino “por princípios” em
relação ao ensino “por rotina” acentua ainda essa exigência, favorecendo a
invenção de procedimentos ou de exercícios identificados com uma
aprendizagem mais dedutiva: a popularidade da gramática testemunha isso e
sua introdução massiva nas escolas das vilas de Neuchâtel onde, desde o
início do século XIX, está presente em quase metade dos programas33.
A importância dada a essa pedagogia da compreensão pode ser
sistematicamente avaliada através do balanço da visita de inspeção a que se
submete o conjunto de escolas de Neuchâtel – em torno de 250 – no final do
ano escolar de 1850-51; isto é, o último que viu essas escolas funcionarem,
no essencial, segundo as modalidades do “Antigo regime escolar”, como
começou-se então a denominá-lo34. Os relatórios dos comissários do
governo enviados para prestar contas ao Departamento de Educação
pública, não podem ser julgados excessivamente indulgentes com o Antigo
Regime, pois seus autores foram todos escolhidos entre os simpatizantes da
República. Eles dão uma imagem interessante dos princípios pedagógicos
aplicados pelos regentes e dos objetivos que os comissários julgam
atingidos, ou não, em cada uma das matérias ensinadas, sejam elas profanas
ou religiosas.
O critério que a maioria dos relatórios coloca em destaque é a
maneira pela qual os alunos testemunham sua inteligência, seu julgamento,
sua capacidade de raciocinar, seja quando do exame ou dos seus trabalhos
ao longo do ano, que mostram aos examinadores no dia de visita. Isso é
válido para a grande maioria das matérias ensinadas e examinadas: leitura,
gramática, análise, aritmética, geografia, história, recitação, composição
francesa. Em todas essas matérias, incluindo a história sagrada e a recitação,
31
Cité dans Caspard P.: Examen…, art.cit., p. 27.
32
Ibid, p. 44.
33
Caspard P.: L’orthographe et la dictée: problèmes de périodisation d’un apprentissage, XVII e
- XIXe siècles. In: Le Cartable de Clio, Lausanne 2004, p. 255-264.
34
AEN, DIP 25 IX à XIII: Rapports des commissaires du gouvernement sur les visites des
écoles en 1851.
34
quando dizem respeito aos textos religiosos, se reencontra a oposição entre
a memorização e a verdadeira compreensão, a primeira sendo totalmente
estigmatizada quando não acompanhada da segunda. Só escapam a esse
critério a escrita, os trabalhos de agulha, o desenho e o canto, que são
julgados a partir das qualidades de cuidado, de elegância ou de exatidão,
cujos autores testemunham.
Ao contrário, o critério de compreensão vale também para as
provas de religião, quando essa matéria consta do exame35. São desprezadas
pelos comissários, as respostas dadas de cor, sem julgamento, o espetáculo
lamentável “dos alunos que recitam sua religião como papagaios, que
demonstram nada compreender”, dando assim a impressão que, para o
pastor que os instruiu e os interroga, a religião é “simplesmente uma
questão de memória, e não de ciência”. Esse último termo mostra que, para
os comissários, a religião não é uma matéria totalmente à parte, que deve
ser ensinada exigindo da criança o mesmo exercício de julgamento e de
reflexão das demais matérias profanas e, isso, mesmo se envolver
“sentimento, coração, convicção”, qualidades igualmente apreciadas nas
respostas dos alunos.
Resumindo, podemos dizer que os comissários estão satisfeitos
com a pedagogia cujos efeitos observam nas escolas, sendo que em torno da
metade dessas são julgadas sob esse ponto de vista de boas a excelentes, as
outras estão divididas igualmente entre médias ou medíocres, e fracas ou
nulas36. Sua satisfação é menor para o exame da religião do que para as
outras matérias, mas transparece freqüentemente, como julga este
comissário “interessante ouvir as crianças deduzirem com muita
propriedade as conseqüências práticas que se pode tirar de um grande
número de fatos contados no Livro Divino”.
***
35
A lei de março de 1850 prevê que um exame e um relatório especial sejam feitos pelos
pastores e enviados ao DEP, mas as práticas são ainda hesitantes, e a prova de religião continua
muitas vezes a figurar no exame geral.
36
Caspard P.: Etude à paraître.
35
uma evolução anterior; o secretário da Classe reconhecia, alguns anos antes,
que não resultava de um grande propósito, mas de uma infinidade de
vontades particulares”37. Sob o mesmo impulso, o currículo continua a se
enriquecer, suscitando em 1854 a criação oficial de um ensino primário
superior ou secundário moderno, já existente de fato, ao passo que a
multiplicação e a diversificação dos exercícios escolares contribuíam bem
mais à atividade reflexiva dos alunos.
A ruptura a mais significativa visada pela política de
modernização da escola residiu fundamentalmente na vontade dos
republicanos em resolver o problema político criado pela evolução
demográfica e sociocultural do país38. A partir do século XVIII, aumentou
em todo o cantão a presença de minorias religiosas, católicas, judaicas,
dissidentes. Ao contrário, as corporações comunais, que tinham se fechado
no século XVI, pretendiam conservar a total direção de suas escolas, porém,
muitas delas agora eram freqüentadas por uma maioria de crianças de
origem simples, de confissões diversas, e privadas dos direitos cívicos. Os
republicanos se propuseram então como objetivo minorar ou suprimir o
papel dos corpos intermediários (Igrejas, comunas) para privilegiar o debate
de dois atores: o Estado e o cidadão39.
No ensino, a Pátria – com seus dois níveis, o cantão de Neuchâtel
e a Confederação Helvética – torna-se assim a nova figura do coletivo, que
cada cidadão devia conhecer e amar, e especialmente o futuro cidadão: o
Aluno, figura também nova da criança escolarizada. É por isso que foi
introduzido o ensino da instrução cívica, acrescido do da história e da
geografia do cantão e da Confederação; enquanto que os novos livros de
leitura ofereciam paisagens, riquezas e heróis do país para serem admirados,
e que os cantos populares ou patrióticos (como Ranz des vaches, cantado
em dialeto) permitiam aos alunos manifestar o entusiasmo que lhes
inspiravam. Em um contexto europeu de aumento dos nacionalismos, a
laicização da escola de Neuchâtel se caracteriza menos como uma vitória
frontal sobre a religião ou a Igreja nacional, do que como o adiantamento,
37
AEN, Actes de la Classe, Rapport du 18 février 1846.
38
Caspard P.: “Reflektieren Spiegel? Bausteine zu einer vergleichenden Betrachtung der
unentgeltlichen und entkonfessionalisiert en Pflichtschule in Frankreich und in der Schweiz”
in: Criblez L., Hofstetter R., Magnin C. (Dir.): Eine Schule für die Demokratie. Berne, P. Lang,
1999, p. 433-454.
39
Sobre os problemas institucionais e políticos analisados em longa duração como em curta
duração nos anos fundadores da República, ver dois números especiais da Revue historique
neuchâteloise: Des chartes de franchise à la nouvelle constitution: une histoire des institutions
neuchâteloises, juillet 2002, et Révolution neuchâteloise, 1848-1998, juillet 1998, ainsi que
Christ T., Riard S.: Du réduit communal à l’espace national. Le statut des étrangers dans le
canton de Neuchâtel, 1750-1914. Hauterive 2000.
36
aliás parcial e negociado, de muitas autoridades locais e fragmentadas,
buscando uma autoridade central única, isto é, como um alargamento das
formas antigas do laos40.
40
Laos = Povo (Nota da tradutora)
37
.
Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896-1934):
hegemonia política na construção da universidade *
Marília Costa Morosini
Maria Estela Dal Pai Franco
Resumo
O texto resgata a trajetória da Escola de Engenharia de Porto Alegre (E.E.) em seus primórdios
- 1896-1922 - e como Universidade Técnica (U.T.) - 1922-1934. A análise qualifica a E.E.
como uma instituição científica ímpar para a época pela sua hegemonia com o Estado do Rio
Grande do Sul e pela sua face universitária com aproximações à idéia de universidade
moderna, cujas funções privilegiam a pesquisa. Foram utilizados princípios de análise de
conteúdo sobre fontes de informação normativas, de ocorrências, livros, revistas e jornais.
Palavras-chave: Escola de Engenharia de Porto Alegre; história da educação.
Abstract
The paper presents the historical path of the Porto Alegre School of Engineering (E.E.) in its
early times - 1896- 1922 – and as Technical University (T.U.) – 1922 – 1934. The analysis
characterizes the School of Engineering as a peculiar scientific institution, to its time, for its
political hegemony with the State of Rio Grande do Sul and for its university feature,
connected to the idea of modern university, whose functions focuses on research. Various
documents were analyzed: legislative, factual, books, periodicals and newspapers.
Key-words: Porto Alegre School of Engineering; history of education.
40
no Partido Republicano Riograndense (PRR), sob novo grupo de atores
políticos. O PRR aproximou-se do
[...] moderno Príncipe (Partido Político) que deve e não pode deixar
de ser o propagandista e o organizador de uma reforma intelectual e
moral, o que significa criar o terreno para o desenvolvimento ulterior
da vontade coletiva - deve estar ligado a um programa de reforma
econômica; (GRAMSCI, l984, p.13).
41
As características anteriormente apontadas da Escola de
Engenharia de Porto Alegre levam-nos a concordar com Gramsci (1985,
p.136), pois
Não é aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência de
formar homens superiores que dá a marca social de um tipo de
escola. A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem
um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nesses grupos uma
determinada função tradicional diretiva ou instrumental.
42
Institutos: Astronômico e Meteorológico, Eletrotécnico e Agronômico e
Veterinário; de 1911 a 1917, segue-se uma nova fase de consolidação; a
quarta fase, de 1917 a 1921, é a fase de extensão do ensino técnico
profissional elementar e médio, das áreas industrial e agrícola, fundando
neste período, em pontos estratégicos no interior do Estado, 3 escolas
industriais elementares, dotadas de patronatos; 4 estações de Agricultura e
Criação, com os respectivos patronatos; 3 estações de Zootecnia, dispondo
cada uma de patronato e 39 estações de Meteorologia. Foram criados, ainda,
em 1920 o Departamento de Saúde, o Curso de Química Industrial, o
Departamento Comercial, Industrial e Financeiro (CIF) e o Ensino
Ambulante. Cabe destacar os seguintes aspectos: 1) estratificação do ensino
em vários níveis, visando a infra-estrutura que serviria de base à
comunicação do conhecimento tecnológico; 2) interiorização do ensino,
pela criação de instituições de ensino teórico-prático, em pontos estratégicos
e em cidades do interior do Estado (Caxias do Sul, Rio Grande, Santa
Maria, Bento Gonçalves, Cachoeira do Sul, Santa Rosa, Bagé, Alegrete,
Júlio de Castilhos); 3)Seleção e promoção de talentos oriundos da camada
social de poucos recursos econômicos, através da criação de seções de
patronato e da possibilidade de ascensão vertical no sistema de ensino.
43
químicos industriais. (1922)
Seção de Estudos e Serviços de Seção de Estudos e Serviços
ZOOTECNIA (1909) Zootecnia, de Ensino Médio e de Zootecnia, de Ensino
Secundário cujo objetivo era Médio e Secundário de
preparar capatazes rurais. Agricultura e Veterinária cujo
(1922) objetivo era preparar técnicos
rurais. (1929)
ESTAÇÃO ZOO- Seção de Ensino Primário de Seção de Ensino Primário de
TÉCNICA (1922). Agricultura e Zootecnia que Agricultura e Zootecnia que
PINHEIRO MACHADO objetivava preparar operários e objetivava preparar operários
(1929) capatazes rurais. (1922) rurais. (1929)
Seção de Ensino e Química
QUíMICA Analítica e Industrial que
INDUSTRIAL(1927) objetivava preparar químicos
analistas e industriais, estudos
e trabalhos sobre indústrias
químicas. (1929)
EDUCAÇÃO Seção de Ensino e Serviço do
DOMÉSTICA E RURAL Lar Doméstico e Rural que
(1929) objetivava preparar condutoras
do trabalho doméstico e rural.
(1929)
Fonte: Escola de Engenharia. Estatutos: Porto Alegre: Officinas Graphicas da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, 1922, 1929.
Na Escola de Engenharia:
Construíram um sistema de ensino superior iluminado por
parâmetros universais pois para os professores da Escola a
concepção de curso era o do ensino vigente no mundo, porque eles
estudaram nas universidades alemãs e americanas mandaram para lá
nossos técnicos para estudar o ensino nesses países. (SOARES,
1986, p.22).
44
zootécnicos buscando a correlação entre alimentação e estado físico de
animais.
A fim de atender as funções descritas, a E.E. executa, a partir de
1911, uma política de atração de professores estrangeiros para trabalharem
na Escola. Nesse ano, é registrada a presença de 13 professores especialistas
estrangeiros no Instituto de Agronomia e Veterinária e mais sete em outros
institutos. A grande maioria destes eram europeus. Em 1913, são registrados
30 professores estrangeiros presentes na Escola. Ao iniciar a 1ª Guerra
Mundial este intercâmbio é interrompido (E.E., RELATÓRIO DO
DIRETOR, 1918: VII, VIII).
Aspectos como os mencionados mostram que a E.E., desde os
seus primórdios, assumiu a orientação de atender diversas áreas de
conhecimento ligadas ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e se
aproximou da concepção de universidade moderna pela sua estruturação,
formato e funções. Os Estatutos de 1922 e relatórios da época qualificam-na
como Universidade Técnica:
A Escola de Engenharia de Porto Alegre é uma Universidade
Técnica. Seu fim é propagar no Rio Grande do Sul e no Brasil a
mais moderna e eficiente educação técnica, profissional e industrial,
baseada em uma real educação primária e preparatória. O seu
programa conduz o indivíduo do mais modesto ao mais elevado grau
de ensino técnico" (E.E. ESTATUTOS, 1922, ART. 1º).
1
Nos documentos consultados (Atas do Conselho Universitário, Congregação, Conselho de
Administração, Relatórios, entre outros) até 1931, prevaleceu referência à Escola de
Engenharia e não à Universidade Técnica. A estruturação, no entanto, se aproximava dos
moldes universitários até mesmo pela instituição do Conselho Universitário, a partir de 1922,
órgão normativo e articulador das várias unidades.
45
dirigentes e professores trabalharem sem receio. (E.E., ATAS DA
CONGREGAÇÃO DO INSTITUTO DE ENGENHARIA 1929-
1934:12-133).
46
3. influência exógena sobre a E.E. A influência francesa, atuante
na sociedade brasileira na década de 20, repercutiu na
estruturação e na ação da E.E. Mas não se pode omitir a
influência alemã, manifestada, inclusive, no termo
"Universidade Técnica".
4. (o mais incisivo) autonomia e poder conferidos à E.E., na
medida em que era braço hegemônico do Estado-RS. Tal
poder legitima-lhe a introdução do nome U.T. nos estatutos
centralizadores, mas, ao mesmo tempo, a sua dependência ao
Estado-União, faz com que continue a denominar-se como
Escola até o reconhecimento formal, em 1931.
2
Em 1920, foram contratados 7 professores e técnicos estrangeiros. Foram também enviados
professores e formandos para cursos nos Estados Unidos e Europa, especialmente Alemanha.
"Excelente tem sido, entre nós, o resultado apresentado, por este modo de preparar
competências" (Relatório do Presidente da E.E. ao Conselho Universitário, 1922: XII).
Em1922, havia onze alunos diplomados se aperfeiçoando fora do país e 28 profissionais
estrangeiros atuando na administração e no ensino técnico, com tal importância reconhecida
"Não só para o ensino como para as investigações das riquezas do nosso país e para prática
da administração" (Relatório de Presidente da E.E. ao Conselho Universitário, 1922: XI).
Ressaltam-se características que poderiam ser precursoras do Programa Institucional de
Capacitação Docente (PICD), da CAPES.
47
seus institutos a E.E. possibilitava o desenvolvimento de funções de ensino,
pesquisa e extensão.
Em relação ao segundo aspecto, que denota aproximação com a
concepção de departamento, hoje vigente, observa-se que as "secções" de
ensino tinham relativa autonomia, atuando como verdadeiras faculdades,
uma vez que possuíam para cada "secção" um corpo docente, elaboravam
seus critérios de seleção para docentes e discentes. Cada "secção"
organizava sua receita e despesa para entrar no orçamento da Universidade
e era administrada por um Diretor nomeado pelo Presidente da Escola (E.E.,
ESTATUTOS DE 1929, ART. 96).
O terceiro aspecto, a não duplicação de meios, guarda
aproximação com o princípio que hoje rege a concepção de departamento
sendo sinalizado na assertiva de que, Os professores do Instituto são
nomeados pelo presidente da Escola, mediante concurso, quando não forem
técnicos ou chefes de serviço em exercício na Escola, ou professores de
outros institutos. (E.E., REGULAMENTO DO INSTITUTO MONTAURY,
1923, ART.88). Tal aspecto aliado ao que se observa em relatórios dos
Institutos ao Conselho Universitário, indicam a presença do princípio da
não duplicação de meios. Um mesmo docente seria responsável por dada
área do conhecimento socializada entre os vários institutos que a incluíam
no seu currículo.
O quarto ponto tangencial com a universidade moderna é o
funcionamento semestral de alguns cursos, se bem que distanciados da
concepção de crédito, hoje amplamente difundida.
Ao discutir os pontos tangenciais com a universidade moderna,
uma prática vigente merece uma menção especial: todos os diretores de
departamentos enviavam um relatório minucioso ao Presidente da Escola,
anualmente. Também procediam, assim, Institutos e Estabelecimentos. Tais
trabalhos eram congregados num relatório do Presidente, apresentado ao
Conselho Universitário.
O qualificativo de "Universidade Técnica" para a E.E. poderia ser
identificado com a matriz profissional de organização universitária que
expressa a função do ensino para formação profissional. Mas ele é, também
acompanhado pelo qualificativo da busca de conhecimento, que expressa a
função de pesquisa e de extensão, pela socialização do conhecimento para
comunidades extra-universitárias.
A Escola de Engenharia é reconhecida pelos Governos Federal e
Estadual pela sua competência no ensino. Este reconhecimento é observado
quando procuram premiá-la através de recursos e de manifestações públicas
quanto à competência e pela inserção de representantes em órgãos
educacionais decisórios superiores da União. A premiação por meio de
48
recursos ocorre através do Decreto Legislativo nº. 4384, de 8 de dezembro
de 1921, quando o Governo estabelece um prêmio para a Escola pelos
serviços prestados nos seus vinte e cinco anos de atividades, mas também
visando estimular a expansão de suas atividades. A premiação através de
reconhecimento público pode ser observada no relato da Ata nº. 46, da
Sessão do Conselho de Administração, de 31/10/25.
Na Ata nº. 49, da Sessão do Conselho de Administração, de
30/1/26, encontram-se os indicativos da premiação através da inserção nos
órgãos decisórios. O Presidente comunica que, devido ao bom desempenho
da E.E. na realização dos exames preparatórios, estão reservados à Escola
dois lugares no Conselho Superior de Ensino: um destina-se ao vice-
presidente eleito da Escola; o outro será preenchido por eleição.
Aliado ao reconhecimento pelo ensino ministrado na E.E., cabe
mencionar a variedade e amplitude de cursos nela oferecidos, que
abarcavam desde o ensino fundamental até o ensino superior. Além dos
institutos citados no quadro 1, a E.E. agregava a Escola Industrial
Elementar (1925:82A). Mais tarde, em 1929, a criação do Instituto de
Educação Doméstica reitera a preocupação. (GODOY, 2000)
Resumindo, pode-se dizer que a aproximação da idéia de
universidade através do ensino se revela pela diversidade de cursos
oferecidos nos diferentes institutos mesmo que fossem direcionados às áreas
técnicas e não humanistas. Pesa, também, a competência da Escola
construída no entrelaçamento das diversas aproximações analisadas, pois
interferem nas relações com o Estado-União. As premiações através de
recursos e de reconhecimento público assim o atestam. Não se pode omitir,
também, a significativa contribuição da E.E., na formação de pessoal, para a
comunidade riograndense, que, desde sua fundação até 1929, teve 25936
alunos matriculados e 1033 formandos, nos diversos níveis e modalidades
oferecidos na instituição.
A segunda das atividades da E.E. que a aproxima da idéia de
universidade pelo conhecimento é a pesquisa. É interessante se registrar que
a preocupação com a pesquisa perpassa mais de uma unidade da U.T. Está
presente no Laboratório Carlos Chagas que integrava o Instituto Borges de
Medeiros, bem como nos Institutos Experimental de Agricultura e
Astronômico-Meteorológico.
A título de exemplificação, cabe explicitar atividades
desenvolvidas no Instituto Borges de Medeiros, através do Laboratório
Carlos Chagas. O referido Instituto era considerado como um verdadeiro
Instituto de ensino e pesquisa, desenvolvendo trabalhos em diferentes áreas
agropecuárias. Realizava diagnósticos de moléstias infecciosas de animais,
preparava vacinas e respectivas instruções de aplicações, estudava parasitas
49
buscando o tratamento tanto para animais como para plantas, aprofundava o
conhecimento de processos fermentativos para indústrias de lacticínios e de
vinhos, desenvolvia processos biológicos de melhoria do solo. As
experiências agrícolas eram registradas em planilhas, publicadas em
relatórios, nos quais a identificação de canteiros, a cultura antecedente e os
processos de adubação estavam explicitados; também eram registradas as
datas da semeadura e da colheita com os respectivos índices de produção
total e por hectare, por tipo de semente, entre outros (Relatório do Instituto
de Zootecnia da EE, 1923).
A preocupação da E.E. com a construção do conhecimento e com
sua disseminação manifestava-se, respectivamente, na exigência de trabalho
final que o aluno defendia perante uma comissão e na publicação dos
conhecimentos produzidos na mencionada Revista EGATEA, coletânea de
estudos originais, de pesquisas e observações valiosas, que muito
contribuem para solução dos problemas da ciência, da arte e da produção
brasileira e rio-grandense de modo principal. (E.E., RELATÓRIO, 1923).
A face universitária da E.E. se manifestou, também, através da
socialização do conhecimento com inúmeras atividades de extensão
realizadas, refletindo preocupação com o desenvolvimento econômico do
Estado, com a ascensão cultural da população, com nítida visão antecipativa
da vinculação entre cultura e o patamar científico-tecnológico de uma
sociedade. É depreendido a partir do Serviço Ambulante da E.E., do
oferecimento de cursos noturnos e dos estudos orientados para o
desenvolvimento agropecuário e agroindustrial.
4 Escola de Engenharia:
hegemonia política e construção da Universidade
50
proposta social coesa baseada nos princípios comteanos e na prática da
leitura de Júlio de Castilhos sobre o positivismo.
Não basta a tomada do poder (função de força) para completar a
função hegemônica. É necessária uma revolução social e moral permanente
(MACCIOCCHI, 1977) apoiada numa complexa rede com funções
educativas e ideológicas. Neste contexto, a E.E., no período estudado,
contribuiu para a hegemonia do Estado positivista gaúcho através da
manutenção do poder do grupo castilhista (corporificado politicamente no
PRR - Partido Republicano Riograndense), pela criação de condições de
consenso e capacitação da classe dirigente que objetivava a consolidação do
modo de produção capitalista no Estado.
A E.E., como construtora da hegemonia do grupo positivista no
poder, apresenta uma concordância doutrinária que a torna parte ideológica
e instrumental do Estado. A unidade de princípios entre o PRR e a Escola,
os constantes elogios da Escola aos membros do governo gaúcho, a
sustentação financeira da Escola pelo Estado e a presença de figuras
proeminentes ocupando posições concomitantemente no setor educacional e
no setor legislativo e/ou executivo assim o atestam.
51
Godoy (1909)
Juvenal Octaviano . Vice-Presidente do Estado (1907- . Professor - Conselho Escolar
Müller 1908)
Fontes: Escola de Engenharia de Porto Alegre. Atas do Conselho Escolar. Porto Alegre:
1908-1922. Manuscrito. Escola de Engenharia de Porto Alegre. Estatutos. Porto Alegre:1896,
1898, 1912, 1917. RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa. “Annaes” - 1935. Porto
Alegre: Imprensa Official, 1936.
52
que se entende a nostalgia de Soares (1971) ao afirmar que depois que os
remanescentes da Escola de Engenharia de Porto Alegre passaram a
integrar a Universidade Porto Alegre, a unidade de comando não mais se
restabeleceu (SOARES, 1971, p.23). No interior desta nova universidade a
E.E. deveria encontrar sua via revitalizadora. Ao mesmo tempo em que a
U.T. fenecia, estavam sendo criadas condições para a emergência da UPA.
Referências
53
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República dos Estados Unidos do Brazil de 1901. Rio de Janeiro: 1902. p. 1
– 51.
_____. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. In: COLLECÇÃO de Leis
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_____. Decreto nº 8659, de 5 de abril de 1911. In: COLLECÇÃO das Leis
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_____. Decreto nº 11530, de 18 de março de 1915. In: COLLECÇÃO das
Leis dos Estados Unidos do Brasil de 1915. Rio de Janeiro: 1917. p. 1107 –
1123.
_____. Decreto nº 16782A, de 13 de janeiro de 1925. (Reforma Jão Luiz
Alves conhecida por Lei Rocha Vaz). In: NÓBREGA, Vandick L. da.
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v. 3, t.1, p. 75 a 116.
_____. Decreto nº 19850, de 11 de abril de 1931. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil. Brasília: 15 abr. 1931 ª p. 5.799.
_____. Decreto nº 19851, de 11 de abril de 1931. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil. Brasília: 15 abr. 1931 b. p. 5.800.
_____. Decreto nº19852, de 11 de abril de 1931. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil. Brasília: 15 abr. 1931 c. p. 5.809.
_____. Decreto-Lei nº 464 de 11 de fevereiro de 1969. Diário Oficial da
República Federativa de Brasil. Brasília: 12 de fevereiro de 1969. p. 1.409.
_____. Lei de 3 de outubro de 1832. In: COLLECÇÂO das Leis do Império
do Brazil de 1832. Rio de Janeiro de 1874. p. 87 – 94.
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DINIZ, Pery Pinto et al. A Revolução de 30 e a criação da Universidade de
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de Instrução ou Technico. Porto Alegre: 1922-29. Manuscrito.
_____. Actas do Conselho Escolar. Porto Alegre: 1908-1922. Manuscrito.
54
_____. Atas de Congregação do Instituto da Escola de engenharia de Porto
Alegre de 1935 – 40. Porto Alegre: 1935-40. 30 f. Manuscrito.
_____. Atas de Congregação do Instituto de Engenharia de 1929-34. Porto
Alegre: 1929-34. 74 f. Manuscrito.
_____. Departamento Central. Porto Alegre. 1933.
_____. Estatutos. Porto Alegre: 1896. 25 p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Typ. a vapor de Franco & Irmão, 1898. 24
p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Officinas Graphicas de Instituto de Electro-
Technica da Escola de Engenharia, 1912. 23 p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Officinas Graphicas de Instituto de Electro-
Technica da Escola de Engenharia, 1917. 36 p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Officinas Graphicas da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, 1922. 50 p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Officinas Graphicas da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, 1929, 55 p.
_____. Regimento da Escola de Engenharia. Porto Alegre: Officinas
Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, 1923. 13 p.
_____. Regimento do Conselho Escolar. Porto Alegre: Officinas Graphicas
de Instituto de Electro-Technica da Escola de Engenharia, 1920. 15 p.
_____. Regimento do Conselho Universitário. Porto Alegre: Officinas
Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, 1922, 19 p.
_____. Regulamento de Escola de Engenharia. Porto Alegre: Officinas
Graphicas de Instituto de Electro-Technica da Escola de Engenharia, 1913.
23 p.
_____. Regulamento do Instituto de Engenharia. Porto Alegre: Officinas
Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, 1923, 26 p.
_____. Regulamento do Instituto de Engenharia: secção do ensino de
engenharia civil da Escola de Engenharia de Porto Alegre. Porto Alegre:
Officinas Graphicas de Instituto de Electro-Technica da Escola de
Engenharia, 1917. 31 p.
_____. Relatório ao Conselho Universitário. Porto Alegre: Officinas
Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, não paginado.
55
_____. Relatório do Diretor ao Conselho Universitário. Porto Alegre: 1913,
1927, 1929. não paginado.
FRANCO, Maria Esthela Dal Pai Franco; MOROSINI, Marília, Costa.
Universidade técnica: cultura institucional antecipativa na Escola de
Engenharia de Porto Alegre (1922-1934). Porto Alegre: GEU/UFRGS,
1993. 47p. (Relatório de Pesquisa)
GODOY, Letícia Azambuja. O Instituto de Economia Doméstica e Rural da
Escola de Engenharia de Porto Alegre: uma escola-lar (1920-1934). 2000.
Dissertação (Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000.
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_____. Os intelectuais e a organização da cultura. 5. ed. Rio de Janeiro:
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GRAWITZ, Madeleine. Méthodes des sciences sociales. 7. ed. Paris:
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STEPHANOU, Maria. Forjando Novos Trabalhadores: a Experiência do
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Dissertação (Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1990.
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Engenharia. Comemoração de 75º aniversário da Escola de Engenharia
(1896-1971). Porto Alegre: UFRGS, 1971. 425p.
VIANA. Luiz Duarte. Escola de Engenharia de Porto Alegre. Porto Alegre:
GEU/UFRGS, 4 de ago.1992. Entrevista à Franco, M. E.
56
Maria Estela Dal Pai Franco é doutora Ciências Humanas e professora titular na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Colaboraram os bolsistas
FAPERGS/CNPq: A. L. Simioni, A. L. da Silva, L. F. Beneduzi e M. L. Palhares
57
.
Educação, Religião e República: repercussões dos
debates entre Católicos e Republicanos no Triângulo
Mineiro-MG (1892-1931)
Carlos Henrique de Carvalho
Wenceslau Gonçalves Neto
Resumo
Abstract
This is a study who objectives to identify the singularities found in the debates between
Catholics and Republicans in Brazil, more specifically in Triângulo Mineiro`s area, from 1892
to 1931, using the newspapers as the documental sources for this investigation. We try to
comprehend the relations from local to national for a complete historical panoramic, not just
about conflicts but also realizing the educational ideas and dimension considered by both
groups.
Key-words: Education, Press, Republic, Catholic Church e Liberalism.
1
CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar. A configuração do Grupo Escolar Júlio
Bueno Brandão no contexto republicano (Uberabinha-MG 1911 – 1930). Uberlândia, UFU,
2002 (Dissertação); GATTI, Giseli Cristina do Vale e INÁCIO FILHO, Geraldo. História e
Representações sociais da Escola Estadual de Uberlândia (1929-1950). Educação e Filosofia.
Uberlândia: EDUFU, Vol 18, Número Especial – Maio de 2004, pp. 69-104.
2
OLIVEIRA, Sirlene de Castro. Embates entre o ensino religioso e o ensino laico na imprensa
de Uberaba – MG (1924-1934). Uberlândia: UFU (Dissertação de Mestrado), 2002.
60
ascensão escolar. E os ideais liberais da escola ‘redentora’,
promotora de progresso individual e social, móvel do
desenvolvimento econômico, acabaram por se traduzir na acanhada
defesa da ampliação do sistema tradicional que produzia elites
3
dominantes .
3
Capitalismo e Escola no Brasil: A Constituição do Liberalismo em Ideologia Educacional e
as Reformas do Ensino (1931-1961). São Paulo: Papirus, 1990, p. 61.
4
O Estado, para os católicos, está para a pessoa e não a pessoa para o Estado. A razão de ser do
Estado é a de vir ao encontro das necessidades do individuo e da família, por si só insuficientes
para atender todas as solicitações do Bem Comum. Nesse sentido, deve-se submeter a Igreja,
pois os interesses da ordem espiritual superam os da ordem temporal. Para este grupo, mesmo
que a religião católica não seja a oficial do Estado, ela se constitui na religião nacional, em
razão do Brasil ter nascido, crescido e educado sob a égide do cristianismo. Cf. ATHAYDE,
Tristão. Debates pedagógicos. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1931.
61
5
sua expansão.
5
ATHAYDE, Tristão. Debates pedagógicos. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1931, p.19.
6
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1976, p.
106.
7
Cf. CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998 e CARVALHO, Carlos Henrique e
CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar. O positivismo e o pensamento educacional de
Durkheim. Educação e Filosofia. Uberlândia: Vol. 14, nº27/28 jan/jun e jul/dez 2000, pp-81-
90.
8
Cf. PAIN, Antônio. O liberalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.
9
Cf. PAIM, Antônio (org). Plataforma política do Positivismo ilustrado. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1981; CARDOSO, Vicente Licínio. À margem da História da
República. Tomos I e II. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.
10
Cf. CURY, Carlos R. Jamil. Ideologia e Educação Brasileira: Católicos e Liberais. São
Paulo: Cortez/Autores Associados, 1984.
62
católicos e, republicanos, devido ao contexto aqui tratado; tem na imprensa
da cidade de Uberabinha o lugar privilegiado para procurar entender as
dimensões de como esses conflitos ideológicos se configuraram através das
propostas educacionais que foram publicizadas por meio dos jornais. Isto
porque conseguiam velar estas suas posições, ao passarem a idéia de que
eram defensores da verdade, ideal supremo das luzes11. A imprensa12 se
colocava fora do poder político, mas de forma aparente, para se colocar
enquanto intérprete do povo, da sua opinião. A República era recuperada
pela imprensa como o espaço da visibilidade, da transparência, da verdade.
Ela mantinha seus olhos voltados para o povo e cobrava este mesmo
posicionamento do governo e dos governantes, que eram tidos como
aqueles que não queriam enxergar.
11
CAPELATO, Maria Helena, Imprensa, uma mercadoria política. História e Perspectiva.
Uberlândia: nº 4, jan/jun, 1991, p. 132.
12
VIDAL, Diana Gonçalves & CAMARGO, Marilena Jorge Guedes de. "A imprensa periódica
especializada e a pesquisa histórica: estudos sobre o Boletim de Educação Pública e a Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília: v.73,
nº 175, p. 408. CATANI, Denice Bárbara. Informação, Disciplina e Celebração: os Anuários
do Ensino do Estado de São Paulo. Texto apresentado na XVI Reunião Anual da ANPED,
Caxambú, MG, 1993. Publicado na Revista da Faculdade de Educação, v. 21, n. 2, jul./dez.
1995, p. 9-30; Educadores à meia-luz: um estudo sobre a Revista de Ensino da Associação
Beneficente do Professorado Público de São Paulo – 1902-1919. São Paulo: FEUSP, 1989, tese
de doutorado; A imprensa pedagógica periódica e a constituição do campo educacional
paulista. SBPC/Anais, 1992; A imprensa periódica educacional: as revistas de ensino e o
estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Uberlândia, MG, 10(20):115-130,
jul./dez. 1996; CATANI, Denice Barbara e BASTOS, Maria Helena Câmara (Org.). Educação
em Revista: A imprensa periódica e a História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1997.
ARAUJO, José Carlos Souza, et alii. Educação, Imprensa e Sociedade no Triângulo Mineiro: a
revista A Escola (1920-1921). História da Educação, Pelotas, RS, 2(3):59-94, abril 1998.
BASTOS, Maria Helena Câmara. O novo e o nacional em revista: a Revista do Ensino do Rio
Grande do Sul (1939-1942). São Paulo: FEUSP, 1994, tese de doutoramento; As revistas
pedagógicas e a atualização do professor: a Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1951-
1952). In. CATANI, Denice Bárbara e BASTOS, Maria Helena Câmara (Org.), 1997;
Apêndice- “A imprensa periódica educacional no Brasil: de 1808 a 1944". In: Educação em
Revista. A imprensa periódica e a História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1997.
NÓVOA, Antônio. A imprensa de educação e ensino – repertório analítico (séculos XIX e
XX). Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1993; A imprensa de educação e ensino:
concepção e organização do repertório português. In: Denice Barbara e BASTOS, Maria
Helena Câmara (Org.), 1997; GANDINI, Raquel. Intelectuais, Estado e Educação: Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, 1944-1952. Campinas: Unicamp, 1995. GONÇALVES
NETO, Wenceslau et alii. Educação e Imprensa: análise de jornais de Uberlândia, MG, nas
primeiras décadas do século XX. Revista de Educação Pública, 1997, Cuiabá, nº 6. NÓVOA,
Antonio "A Imprensa de Educação e Ensino: concepção e organização do repertório
português". In: (Org.) Denice CATANI et alli. Educação em Revista- A Imprensa Períodica e a
História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1997, p.31.
63
De acordo com Capelato13, os “jornalistas” da época tinham uma
missão pedagógica: ensinar os cidadãos a atuar politicamente, e, ao mesmo
tempo, impedir que se rebelassem. Ou seja, tinham uma dupla função:
criticar e controlar os abusos do poder, cego, de um lado e segurar as
“massas” revoltadas de outro lado. Daí considerarem-se superiores. Sua
missão educadora e política, neste sentido, seria conscientizar, disciplinar,
transformar o povo bronco em cidadãos conscientes e ordeiros14.
Exatamente por esta riqueza implícita aos conteúdos informacionais, é que
os periódicos locais foram privilegiados durante o desenvolvimento desse
trabalho.
Quanto à opção por uma história local e regional15 isto não quer
significar um menosprezo ou uma oposição à história geral. A idéia de se
trabalhar com uma imprensa local, praticamente inexplorada enquanto fonte
histórica, apenas nos faz pressupor novas interpretações. Ou seja, nos
depararmos com determinados artigos, inéditos, que nos obrigaram a
questioná-los também de forma mais profunda. Entender como a educação
era pensada, as preocupações que se tinha sobre ela, quem levantava
problemas a ela relacionados, quais saídas eram propostas, do quê ou de
quem dependia colocar em prática esta ou aquela solução, e isto tudo em
13
Cf. CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo:
Contexto/EDUSP, 2ª edição: 1994.
14
CAPELATO, Maria Helena. Op. cit., p. 134.
15
No século XX, a historiografia francesa rompe com a tradição positivista do século XIX,
considerando que as realidades criadas pelas experiências da atividade humana não podem ser
somente analisadas a partir de seus aspectos globalizantes, mas, também, dentro das suas
particularidades e singularidades sociais, objetivando conhecer, não só o projeto vitorioso, bem
como outros projetos que não conseguiram se sobressair no espaço social. Inicia-se um
processo de renovação das análises históricas, com a escola dos ANNALES. Criada em 1929,
pelos historiadores Lucien Febvre e Marc Bloch, ela possibilitou a abertura de novas fronteiras
interpretativas, pois ampliou o campo das fontes documentais, não aceitando apenas, como
documento, os escritos oficiais, como propugnava a tradição positivista. Em suma, “esta
escola, critica severa de idéias, tradicionais e preconceitos elitistas, chamou a atenção para
novos grupos sociais e propiciou oportunas associações interdiciplinares entre historiadores e
estudiosos de Economia, Sociologia, Psicologia, Biologia e Demografia”. Assim, em função
desse novo referencial, multiplicam-se estudos relacionados à História local, que passam a ser
objeto “de monografias sobre regiões especificas podem nos conduzir muito mais longe;
podem servir para destruir muitas das concepções gerais que em tempos passados apareceram
tão vigorosas”. Cf. GOUBERT, Pierre. “História Local”. História e Perspectiva. Uberlândia:
nº 6, EDUFU, 1992, pp-51-52. Cf. também SILVA, Marcos da. “A história e seus limites”.
História e Perspectiva. Uberlândia: nº 6, EDUFU, 1992, pp-59-65, onde autor faz uma fecunda
discussão sobre a importâncias e as limitações da História local e regional, destacando que é a
partir desses espaços que “ocorrem experiências vivências pelos grupos dominantes,
englobando paisagens, relações pessoais, memória familiar e de grupos de convívio em etapas
etárias, condição sexual, profissão, escolaridade, tradições e práticas associativas, dentre
outras possibilidades”. pp-60-61.
64
localidades que tinham pouca importância (se formos pensar no âmbito
nacional) naquele contexto; as respostas para estas perguntas e outras ainda,
se somadas, desvelaram um outro Brasil, uma outra Minas Gerais, um outro
Triangulo Mineiro e outra Uberaba e Uberabinha, estas também estavam
amalgamadas por conflitos ideológicos entre católicos e republicanos que
repercutiam como uma verdadeira caixa de ressonância, daquilo que
grassava no contexto dos grandes centros urbanos do país.
São novos sujeitos e novas problemas que, por sua vez, vão
compor outros caminhos para se entender a História da Educação no Brasil.
Trata-se de desnudar outras experiências e outras visões que também não
deverão servir simplesmente para compartimentar a história, mas sim
acrescentar outros elementos à sua compreensão. A educação torna-se tema
geral, inclusive na Primeira República, mas que pôde ser tratado a nível
local, justamente para mostrar a presença das peculiaridades entre os
debates que envolveram católicos e republicanos no interior do Brasil, como
ainda suas diferenças, suas individualidades e, por que não, para promover
comparações com outras localidades, com outras regiões.
Sobre a importância dos jornais locais John Wirth os caracteriza
da seguinte forma:
A imprensa local foi outro marco do regionalismo mineiro. De
maneira geral, um jornal de cidade pequena continha notícias
políticas e anúncios comerciais numa edição semanal de menos de
500 cópias. Geralmente pertencia ao chefe político do local, cujo
domínio era disputado por um chefe rival com sua própria imprensa.
Fica evidente que os jornais desempenharam uma função primordial
na política local. Como foro para o debate verbal, a imprensa deu às
celebridades locais um meio de sustentar a violência em nível
menor, sem tiroteios ou assassinatos (...) os números de jornais
(quase sempre efêmeros) dedicados à literatura e ao humor estavam
em segundo lugar dentre as publicações de interesses especializado,
depois da imprensa religiosa. A imprensa foi um pilar para a
política, comércio e cultura no centro de gravidade do estado, a nível
16
local.
16
WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na Federação Brasileira. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1982, p. 131.
65
A imprensa como fonte de pesquisa
17
CAMARGO, Ana Maria de Almeida. A imprensa periódica como objeto de instrumento de
trabalho: catálogo da hemeroteca Júlio de Mesquita do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo, 1975.(Dissertação).
18
Conferir, por exemplo, Arnaldo D. Contier, Imprensa e Ideologia em São Paulo, 1822-1842:
Matizes do Vocabulário Político e Social, Petrópolis, Vozes, 1979; Maria Rosa Duarte de
Oliveira, João Goulart na Imprensa: de Personalidade a Personagem, São Paulo, Annablume,
1993; Maria Helena R. Capelato & Maria Lígia Prado, O Bravo Matutino (Imprensa e
ideologia no jornal “O Estado de São Paulo”). São Paulo, Alfa-Ômega, 1980; abordando a
realidade mineira, cf., por exemplo, Maria Céres P. S. Castro et alii. Folhas do Tempo:
Imprensa e Cotidiano em Belo Horizonte, 1895-1926. Belo Horizonte: UFMG, 1997;
Wenceslau Gonçalves Neto e Henrique Carvalho Lobato, "Modernização da Agricultura e
Imprensa: Uberlândia, MG, 1966-1971", Anais, Vol. 1, III Congresso Brasileiro de História
Econômica, Niterói, ABPHE/UFF, outubro 1996, pp. 76-93.
66
aproximações, mas as que mais têm se destacado são aquelas que tratam
especificamente das publicações voltadas diretamente para as questões
educacionais. Este veio tem se mostrado excepcional para o aprofundamento de
questões relativas à prática docente, aos métodos e técnicas utilizados nas escolas
em épocas distintas, a nuances da organização dos profissionais da educação, e
também em momentos mais recentes retrata em parte os debates em torno das
laicização do ensino e da reação de grupos ligados ao pensamento católico. Por
outro lado, esses periódicos retratam, principalmente, o trabalho docente e vão além
da interpretação da lei, da crítica ou defesa de políticas governamentais, da presença
ou omissão do Estado. Denice Barbara Catani sintetiza muito bem o alcance do
estudo da imprensa especializada:
De fato, as revistas especializadas em educação, no Brasil e em
outros países, de modo geral, constituem uma instância privilegiada
para a apreensão dos modos de funcionamento do campo
educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho
pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino
específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as
reivindicações da categoria do magistério e outros temas que
emergem do espaço profissional. Por outro lado, acompanhar o
aparecimento e o ciclo de vida dessas revistas permite conhecer as
lutas por legitimidade, que se travam no campo educacional. É
possível analisar a participação dos agentes produtores do periódico
na organização do sistema de ensino e na elaboração dos discursos
que visam a instaurar as práticas exemplares19.
19
“A Imprensa Periódica Educacional: As Revistas de Ensino e o Estudo do Campo
Educacional”, op. Cit., p. 117.
67
associações, instituições, etc.) 20.
20
“A Imprensa de Educação e Ensino: Concepção e Organização do Repertório Português”. In:
Denice Barbara Catani e Maria Helena Camara Bastos, op. Cit., p. 13.
21
Cf. CARVALHO, Carlos Henrique de, GONÇALVES NETO, Wenceslau e ARAUJO, José
Carlos Souza. Discutindo a História da Educação: a imprensa enquanto objeto de análise
histórica (Uberlândia-MG, 1930/1950) ARAUJO, José Carlos Souza e GATTI JUNIOR, Décio
(orgs) Novos temas em história da educação brasileira: instituições escolares e educação na
imprensa Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia – MG EDUFU, 2002 pp: 67-89;
GONÇALVES NETO, Wenceslau e CARVALHO, Carlos Henrique de. O nascimento da
educação republicana: princípios educacionais nos regulamentos de Minas Gerais e Uberabinha
(MG) no final do século XIX. GATTI JÚNIOR, Décio e INÁCIO FILHO, Geraldo (orgs).
História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações.
Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia – MG EDUFU, 2005 pp: 263-294.
68
educativas, das relações político-educacionais, das transformações sócio-
culturais e da conformação/alteração das representações sociais aqui
existentes, entre outros elementos possíveis de análise.
22
WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil. São Paulo: Ática,
1997.
23
DURKHEIM, Émile. A Evolução Pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
24
SUANO, Helenir. A Educação nas Constituições Brasileiras. FISCHMAN, Roseli. (Coord.)
Escola Brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987.
25
Segundo Saviani, uma preocupação com a questão da educação a nível nacional, só veio a
acontecer após a Revolução de 1930. Cf. SAVIANI, Dermeval. Educação no Brasil:
Concepção e Desafios para o Século XXI. HISTEDBR on-line, Campinas, n.3, jul. 2001.
Disponível em <http://www.unicamp.br/~histedbr/indexhisted.html>. Acesso em 19 fev. 2002.
69
Cada Estado, ao por em prática as reformas do ensino, seguiam
uma orientação que não condizia com a original. Daí não se conseguir
visualizar um só sistema nacional de educação26. Haviam vários. No
entanto, não se pode considerar esta descentralização de poderes, a
responsável nem pela falta de um plano nacional de ensino, nem pelos
problemas inerentes ao sistema escolar. Na verdade, houveram diversos
outros fatores que contribuíram para tal situação na 1ª República. Por outro
lado, afirmar que uma centralização do poder resolveria tais problemas,
também não teria fundamento.
Uma outra questão em voga, devido o advento da República, era
a separação entre Estado e Igreja. A laicidade do ensino público foi
estabelecida em detrimento do ensino confessional, mantendo-se assim até a
Constituição de 1934. Ou seja, a partir da proclamação da República, o
ensino tende a perder a influência religiosa. Segundo Capelato, a liberdade
de pensamento reivindicada nas escolas, significava a não introdução do
ensino religioso27. Se a idéia era configurar uma nova mentalidade,
moderna, por isso mesmo laica e fundamentada na razão, a influência da
religião deveria ser combatida, pois ligava-se ao tradicional, ao que se
estava querendo suprimir. Justificava-se a superação do “velho”
(concepções e dogmas propugnados e perpetuados pela Igreja Católica),
com as perspectivas otimistas que o “novo” prometia (uma nova realidade
social, cuja âncora seria uma educação de bases científicas e filosóficas). Já
para Werebe, “embora o estabelecimento da laicidade da escola pública
representasse, até certo ponto, um golpe para a Igreja, na realidade a
orientação católica de todo o ensino manteve-se nas suas concepções e
objetivos”28. Essas questões podem, também, serem encontradas nos jornais
da então Uberabinha republicana, refletindo não apenas a profusão desse
debate, mas a preocupação de alguns setores locais de estarem participando
dessas discussões que ocorriam em âmbito nacional. Prova disso são os
artigos publicados pelos jornais O Progresso e A Tribuna, como os que se
seguem:
(...) Si a civilisação fez o desenvolvimento da sciência, das bellas
artes e da literatura, é porque não pode haver civilisação sem o
conhecimento do justo, do agradável e do necessário. E como pode o
homem pensar sobre o que lhe importa de mais necessário a
26
SUANO, Helenir. A Educação nas Constituições Brasileiras. FISCHMAN, Roseli. (Coord.)
Escola Brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987, p.172-173.
27
Cf. JACOMELI, Mara Regina Martins e XAVIER, Maria Elisabeth. A consolidação do
liberalismo e a construção da ideologia educacional liberal no Brasil. LOMBARDI, José
Claudinei (org). Temas de pesquisa em educação. Campinas (SP): Autores Associados, 2003.
28
WEREBE, Maria José Garcia. Op. cit., p.40.
70
conhecer? Como discernir os direitos e os deveres do indivíduo, da
família, da sociedade religiosa e da sociedade civil? Como observar
as regras do honesto, do justo, do bem e cumprir os seus deveres
para com Deus, para com os seus semelhantes e para consigo?
Jamais poderá ser bom cidadão, jamais poderá amar a sua pátria o
homem ignorante, razão por que affirmo que sem instrucção não
29
pode haver civilisação, não pode haver progresso.(...)
(...) A religião, a pátria e a família reclamam a instrucção da nossa
mocidade que, uma vez instruida é como uma nau embandeirada
prestes a fazer vella em mar bonançoso, onde encontraremos as
bazes do direito social, o princípio de auctoridade, a constituição da
30
família e o amor da pátria tendo por guia a religião.(...)
29
P.M. A Instrucção da Mocidade. O Progresso. Uberabinha, p.3, n.4, 20 set. 1908.
30
P.M. A Instrucção da Mocidade. O Progresso. Uberabinha. p.1-2, n.6, 09 out. 1909.
71
31
tantos males que nos tem perseguido!...
31
X. Restauração do Ensino Catholico nas Escholas. O Progresso.Uberabinha. p.1, n.10, 12
jun. 1910.
32
ESCOLA, Mestre. Consequência Logica. O Progresso.Uberabinha p.2, 12 out. 1912.
72
33
UNIÃO, único jornal catholico da capital de Nossa Patria; (...)
33
ESCOLA, Mestre. Que bonita educação! Que bello procedimento! O Progresso. Uberabinha
p.1, n.15, 31 out. 1914.
34
CARVALHO, Carlos Henrique. República e Imprensa: As influências do Positivismo na
concepção de Educação do professor Honorio Guimarães (Uberabinha-MG 1905-1922).
Uberlândia: EDUFU: 2004.
35
GUIMARAES, Honorio. Discurso com que Honorio Guimarães, secretario e membro da
Commissão de Bases do Congresso dos professores reunido pela segunda vez em Belo
Horizonte refutava os argumentos do congressista José Polycarpo de Figueiredo, sobre o
ensino religioso nas escolas. O Progresso. Uberabinha, p.1-2, n.172, 28 jan. 1911.
73
jovens apreciavam: a música. O professor, então, para ser exemplar de uma
boa conduta, deveria abnegar de certos prazeres. Semelhante ao sacerdócio
de que vai se falar mais adiante.
Neste importante estabelecimento realizou-se (...) a festa de
encerramento do presente ano lectivo, tendo sido feita a entrega dos
diplomas a 34 alumnos que terminaram o curso primario.(...)
S. exc. revm. como zeloso pastor desta diocese, lamentou
sinceramente a ausência da imagem de Jesus Christo no salão do
Grupo Escolar, não comprehendendo porque se persistisse na
continuação dessa lacuna em desaccordo com as ideas dos
brasileiros, lacuna essa todavia amparada pela constituição da
36
Republica.
36
Grupo Escolar: A festa de domingo – os discursos, a nossa impressão, outras notas. Lavoura
e Commercio. Uberaba, n. 1519, ano 15, 17 dez. 1913, p.1.
37
CHAVES, João Augusto. Externato Chaves. Gazeta de Ueraba, Uberaba, ano 31, n.3.500,
20 mar. 1909.
74
catholico, do protestante, do espírita, do atheu, do positivista, e
mantem o ensino publico com o respeito a liberdade de cada um,
nacional, ou estrangeiro, que aqui vive a Liberdade, igualdade e
38
fraternidade, sob o lemma sublime e santo de Ordem o Progresso.
38
GUIMARAES, Honório. O Progresso, n. 173, anno IV, 4 fev. 1911, pp.1-2. Tratou-se de um
discurso em que Honório Guimarães, secretário e membro da Comissão do Congresso dos
Professores, reunidos em Belo Horizonte, refutava os argumentos do congressista José
Polycarpo de Figueiredo, sobre o ensino religioso nas escolas.
39
P.M. A Instrucção da Mocidade. A Tribuna. Uberabinha. p.1-2, n.6, 09 out. 1920.
40
Ensino Primário. A Tribuna. Uberabinha, p.1, n.11, 27 jan. 1923.
75
para ter lugar o cumprimento de uma obrigação que a lei impõe.
41
Cumpri-la é mais facil do que pedir por favor.
Considerações Finais
41
A Obrigatoriedade do Ensino. O Progresso. Uberabinha, p.1, n.77, 14 mar. 1909.
76
Portanto, os artigos publicados pelos jornais expressão um difícil
equilíbrio entre a força da tradição, que transforma toda ação educacional
em uma secular obra de apostolado, e a viabilidade do moderno, no caso a
República, concebida como elemento mobilizador de novas potencialidades
no campo educacional.
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Carlos Henrique de Carvalho é doutor em História pela Universidade de São Paulo
(USP), Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Uberlândia. Email: carloshcarvalho06@yahoo.com.br ou chc@ufu.br.
88
Leituras de anarquistas brasileiros na primeira década
do século XX
Dagoberto Buim Arena
Resumo
Abstract
In Rio de Janeiro, in 1906 the anarchistic- syndicalists created the Brazilian Worker
Confederation and the journal A Voz do Trabalhador which was published from July 1st., 1908
until December, 9th. 1909 and between January 1st., 1913 and June 8th., 1915. The investigation
which is presented in this summary contains the references to the objects of reading and the
recommendations contained in the journal in its first period. The remarks related to the reading
and their registered objects according to the edition in chronological order certify that the
materials for reading and the reading produced by the workers, happened due to the necessity
created in the social relations which were born in the confrontation between Capital and Work.
Key-words: anarchistic-syndicalists’s reading; anarchistich-syndicalists’s journals;
anarchistic-syndicalists’s education
90
O movimento anarco-sindicalista no Brasil
91
Confederação Operária Brasileira, recém-fundada, aponta, entre outras
finalidades, a de
estudar e propagar os meios de emancipação do proletariado e
defender em público as reivindicações econômicas dos trabalhadores,
servindo-se para isso de todos os meios de propaganda conhecidos,
nomeadamente de um jornal que se intitulará A Voz do Trabalhador (A
Voz..., 01set. 1913, n. 38, p. 1).
A propaganda necessária para a expansão do movimento e da
criação das condições para rebeliões exigia criação e circulação de jornais,
panfletos, revistas e livros, portanto, todos os meios de propaganda
conhecidos. Deste modo, a leitura desses materiais vincular-se-ia ao
segundo princípio defendido pelo movimento: a propaganda, e, articulada a
ela, a educação.
92
classes aconteceram nas ruas e nas fábricas desse século, durante os
processos revolucionários e, como afirma Foucambert (2004, p.6)
Uma escola só pode exercer o papel que se espera dela, como
instrumento de libertação, ao romper com o modelo que se
desenvolveu explicitamente na Europa no final do século XIX para
encerrar a era das revoluções e para concluir a domesticação de seu
proletariado, modelo que ela impôs ao mundo através do
empreendimento colonial e depois adotado pelas burguesias
nacionais ao longo de seu processo de autonomia.
A Propaganda e a leitura
93
atividades educacionais realizavam-se, muitas vezes, nos locais em que
funcionavam Centro de Estudos Sociais que tinham como objetivo
fundamental a difusão do movimento e de seus princípios por meio das
manifestações artísticas musicais, teatrais e literárias, principalmente.
Nesses locais, além das programações, havia mesas de leitura à disposição
dos operários até às 22 horas. Aos domingos, aconteciam as Sessões de
Propaganda Científica. (KASSICK; KASSICK, 2005).
Essas sessões e todas as demais atividades de propaganda tinham
o objetivo de satisfazer o princípio da ação direta constituída por
atividades de propaganda e educação, destinadas a despertar nas
massas a consciência das contradições sociais a que estão
submetidas, fazendo com o que desejo e a consciência da
necessidade da revolução surja em cada um dos indivíduos. Pode-se
dizer que a principal fonte da ação direta foi a da propaganda,
através dos jornais e revistas, assim como da literatura e do teatro
(GALLO, 2005, p. 2).
94
promover a instrução da categoria, e, para evitar o contra-ataque da
burguesia, anunciavam a existência de
uma sociedade onde todos podem se reunir e combinarem os
melhores meios para combater o mal a tempo, trocarem idéias e
executá-las. Qualquer sócio que desejar instruir-se tem aulas
noturnas para si e seus filhos, e uma regular biblioteca à sua
disposição (A VOZ..., 01 jul. 1908, ano I, n. 1, coluna 4, p. 3).
95
(A VOZ..., 01 ago. 1908, ano I, n. 3, coluna 2, p. 4).
96
do Sindicalismo, de Emilio Pauget; A Peste Religiosa, por João Most; O
Comunismo Anárquico, de Piotr Kropotkin (1842-1921); O Sorteio Militar,
por César Mendes. 2. Revistas: 2.1.Educação – La Scuola Laica, de
Francisco Ferrer; 3. Folheto: A Jornada de 8 horas – Folheto editado pela
Luta Proletária; 4. Jornais e revistas com periodicidade variada, de diversos
países: do Brasil: La Lotta Operária; A Terra Livre; La Bataglia (São
Paulo); A Luta (Porto Alegre), da Argentina: La Protesta (Buenos Aires); do
Peru:Los Parias; El Hambriento; do Uruguay: La Emancipación; La acción
obrera; Despertar (Montevideo); do Paraguay: La Rebeldia; Despertar
(Assunción) e de muitos outros de paises europeus e da América do Norte.
(A VOZ..., 22 nov. 1908, ano I, n. 5, colunas 3-5, p. 4).
O processo de edição e troca de livros, revistas e jornais entre
países da Europa, América do Norte e América do Sul, em língua vernácula
de cada país, permitia a orientação geral para todos os trabalhadores, sem
que houvesse obstáculos criados pela falta de domínio da língua do país que
recebia os imigrantes europeus. Os livros eram, quase todos, de autoria de
expoentes do anarquismo internacional, com exceção de A Mãe, de Gorki
(1868-1936), recomendado pelo teor revolucionário, enfatizado pelo
anúncio: “Recomendamos a leitura deste extraordinário romance no qual
Gorki pinta magistrais cenas da vida dos revolucionários russos” (A VOZ...,
22 nov. 1908, ano I, n. 5, coluna 4, p. 4).
Na edição n. 6, de 29.11.1908, outros livros eram anunciados,
além dos jornais, revistas e livros anteriormente apontados: de Elisée Reclus
(1830-1905), El Hombre y la Tierra, fascículos semanais de 32 páginas
com gravuras; de Francisco Ferrer, L´Ecole Renovée, com os seguintes
comentários, em francês: Revue pour l´élaboration d´um plan d´éducation
moderne. Extension internationale de L ´École Moderne de Barcelone; do
holandês Cristhian Cornelissen (1864-), A Caminho da Sociedade Nova –
interessante obra que devem ler todos os operários que desejarem instruir-
se na questão social; de Paulo Eltzbaeher, As Doutrinas Anarquistas –
interessante e utilíssima obra para todas as pessoas que se preocupam o
estudo da questão social. Nela o autor expõe as doutrinas dos mais
salientes representantes do anarquismo: Willian Godwin, Proudhon, Max
Stirner, M. Bakunin, P. Kropotkin, Benjamin Tucker e L. Tolstoi (A VOZ...,
29 nov. 1908, ano I, n. 6, colunas 1- 4, p. 6).
Os panfletos e folhetos, materiais de impressão e de circulação
rápidas eram os mais difundidos porque atendiam às demandas conforme os
acontecimentos políticos, sociais ou sindicais, mas todas as obras – livros,
revistas, jornais ou panfletos recomendados para a leitura - tinham objetivo
definido de instruir o trabalhador, criar as condições para seu
desenvolvimento intelectual com o intuito de preparar a rebelião. Trata-se
97
de uma manifestação esclarecedora a respeito da leitura como necessidade,
associada ao prazer de conhecer os pensamentos de natureza científica, na
área das ciências humanas, mas não apenas ao prazer do deleite literário. A
esse respeito, um anúncio, na mesma edição, apontava: Livros em Espanhol.
Antonio Domingues tem sempre um variado sortimento de livros de
Sociologia, Literatura, Ciência e Arte, folhetos e jornais de propaganda (A
VOZ..., 29 nov. 1908, ano I, n. 6, coluna 1, p. 6).
No início de 1909, o governo brasileiro mobilizava a população
masculina para o recrutamento militar obrigatório, alimentado pelo boato de
que um confronto armado estava prestes a ser deflagrado entre Brasil e
Argentina. O movimento anarco-sindicalista, por sua parte, desencadeava
ações antimilitaristas, com distribuição de panfletos, como esta em
Campinas:
A Liga Operária de Campinas fez espalhar profusamente em toda a
cidade uma manifesto intitulado Guerra à Guerra onde reproduzia as
resoluções tomadas pela Confederação Operária Brasileira
exortando também a todos os operários a manifestarem-se contra a
guerra e sua causa mais direta: o militarismo. Transcreveu também,
em castelhano, aquele impresso que a União Geral de los
Trabajadores da Argentina fez distribuir na Republica do Prata. [...]
Na Escola Social, mantida pela Liga Operária de Campinas, deu-se
feriado aos alunos, aproveitando-se a ocasião para o professor fazer
uma alocução aos meninos sobre os motivos do feriado e sobre a
guerra [...] (A VOZ..., 13.jan.1909, ano I, n. 8, coluna 3, p. 2).
98
operários as obras de propaganda e de conhecimento úteis, editadas em
português, facilitando a sua aquisição pelo menor preço possível.” (A
VOZ..., 08 jul.1909,n.14, coluna 2. p. 4). Além de divulgar, o grupo editaria
folhetos, entre os quais Entre Camponeses, de Enrico Malatesta (1853-
1932), famoso militante e intelectual anarquista italiano (A VOZ...,
08.jul.1909, n. 14, coluna 2, p. 4). Nessa mesma página anunciavam um
folheto de 32 páginas chamado Tributo de Sangue, de Carlos Dias,
considerado propaganda anti-militarista, e uma revista, considerada Revista
Popular de Orientação Racional, com o nome de Amanhã, editada em
Lisboa, com sede na rua dos Mouros.A edição de n. 15 voltava a anunciar
jornais e revistas internacionais, com a inclusão de títulos novos, entre eles,
O Construtor Civil de Matosinhos e O Povo de Aveiro; ambos de Portugal;
vários de Buenos Aires, na Argentina; e da Espanha, La Voz del Pueblo, de
Tarrasa, Barcelona e Al Paso, de Sevilha (A VOZ..., 22 jul. 1909, ano I, n.
15, colunas 1-2, p. 4).
Um dado intrigante é a recomendação para leitura do jornal O
Clarim da Luz, órgão do Centro Espírita Caridade e Luz, Sorocaba, Estado
de S. Paulo. Declaradamente, os anarquistas eram contra o Estado, Deus e a
Religião, sobretudo, contra a Igreja Católica e seus procedimentos
seculares. Ao divulgar, no entanto, uma obra espírita, os militantes
acompanhavam uma conduta que esteve sempre presente nos movimentos
de esquerda no Brasil, vinculados ao partido comunista, ou seja, a de contar
entre seus militantes, de adeptos da doutrina dos Espíritos organizada pelo
pedagogo francês Allan Kardec (1804-1869). Duas hipóteses podem
explicar esse vínculo. A primeira, pela oposição que o espiritismo poderia
fazer ao movimento clerical; e a segunda, por não considerar o aspecto
religioso no conjunto da doutrina espírita, mas apenas o aspecto científico e
o filosófico, com raízes socráticas e platônicas.
A edição n. 17 destacava a criação de uma publicação chamada
Liberdade, cujo primeiro número traria artigos sobre as idéias anarquistas,
poesia e arte: O método Anarquista, de Manoel Moscoso; O Cavador,
poesia de Luiz Cebola; A Arte e o Povo, de Manuel Ugarte; Os condenados,
de Manoel Moscoso; Sobre Educação Integral, de Deolinda Lopes Vieira;
Morte de Deus e do Diabo, poesia de Gomes Leal e Constatações Tristes,
de Ivan (A VOZ..., 30 ago. 1909, ano II, n. 17, coluna 1, p. 4).
A União dos Alfaiates anunciava, em setembro de 1909, sua nova
sede e seus planos de funcionamento, entre eles o de abrir as aulas de corte,
aulas primárias e sala de leitura e o de editar o jornal O Alfaiate,
considerado como um dos principais meios para a propaganda. (A VOZ...,
30 set. 1909, ano II, n. 18, coluna 1-2, p. 4).
99
A edição seguinte trazia na primeira página, extenso artigo,
intitulado A Reação Espanhola: o jesuitismo a renascer, sobre a prisão e o
fuzilamento de Ferrer. Registrava o articulista que
[...] mais de 4.000 pessoas percorreram as ruas levando à frente uma
bandeira negra e a seguir-se o retrato de Ferrer, noutra mais atrás ia
o retrato de Afonso XIII, em grande uniforme manchado de sangue
e, ainda, noutra tela se via o rei assassino descabelado e Maura,
ambos degolados e todos salpicados de sangue [...] (SANTOS, R.,
1909, colunas 1-2, p. 1).
100
sabemos que Rossoni foi expulso por querer ensinar, na escola de
Água Branca, pelos métodos racionais. É a clericalhada a canalha
governante que querem implantar o reino das trevas na classe
operária. Mas não nos desanimará; no Brasil há muitos Rossonis que
decerto não conseguirão expulsar. O progresso caminha! (A VOZ...,
09 dez. 1909, n. 21, coluna 2, p. 4).
Conclusão
101
precedido pelo da educação e pelo da propaganda, no interior dos quais se
abrigava a leitura.
Referências
102
<http://www.insurgentes.vilabol.uol.com.br/contribuicao.htm >. Acesso em:
26 fev. 2005.
SANTOS, R. A reação espanhola:o jesuitismo a renascer. A Voz do
Trabalhador. 30.out.1909, ano II, n. 19.
103
.
Caubóis e Caipiras. Os land grant colleges e a Escola
Superior de Agricultura de Viçosa
Maria das Graças M. Ribeiro
Resumo
Abstract
The paper presents a comparative study between the land-grant colleges and the Escola
Superior de Agricultura de Viçosa (ESAV). It intends to examine the way this school has
adopted the land-grant college model which is considered the basis of the modern mass higher
education in United States. The study concludes that the process of assimilation was completed
at the end of 1940s, when agreements of technical assistance were signed with American
organisms. These agreements have contributed for ESAV to become into a rural university and
later they involved the institution with United States Agency for International Development’s
programs in Brazil.
Key-words: Compared Education; Agricultural Colleges; Higher Education.
106
Os land-grant colleges
1 Para alguns autores (Bowman, 1962; Kerr,1967), o Senador Morril, que deu nome à lei, ao
mesmo tempo em que se preocupava com a distribuição de terras públicas para grupos privados
e com a deterioração do solo nas fazendas norte-americanas, também considerava necessário
um novo tipo de educação mais adequada às necessidades do homem do campo. Para Cowley
& Williams (1991), no entanto, a idéia de Morril foi originalmente mais voltada para liberar as
terras federais para a especulação do que para promover educação.
107
Referindo-se à Lei Morril, o grande educador brasileiro Anísio
Teixeira (1998, p.57), afirmaria que “nenhum outro ato seria de maior
alcance para a educação superior na jovem república”.
De todo modo, como afirma Bowman (1962, p.526), "[...]
quando o Morril Act passou não ficou claro de todo o que exatamente os
colleges deveriam ser e fazer". Para a autora, embora não estivessem
evidentes, então, certas características básicas destas instituições, passados
os anos, elas podem ser identificadas: a pesquisa aplicada e a difusão da
escolarização e do conhecimento. Além destas, o conceito de
undifferentiated American. Foi isto, segundo Bowman (1962), que fez o
sistema de educação superior americano único no mundo.
Bowman (1962) também chama atenção para a contribuição dos
land-grant colleges no que diz respeito ao ensino superior para mulheres.
Ainda no século XIX, estes colleges rompiam a “barreira do sexo”,
proporcionando um tipo específico de educação prática para as mesmas
dando origem assim aos cursos de economia doméstica.
A ESAV
108
Para o funcionamento dos seus cursos superiores, a ESAV
contava, em 1931, com quinze departamentos: Agronomia; Anatomia;
Cirurgia Veterinária; Clínica Veterinária; Economia e Legislação Rural;
Engenharia Rural; Fisiologia; Fitopatologia; Horticultura e Pomicultura;
Matemática e Contabilidade Agrícola; Microbiologia e Parasitologia;
Química; Silvicultura; Solos e Adubos; Zootecnia.
No final da década de 1930, novos departamentos foram criados,
destacando-se os de Genética, Experimentação e Biometria e o
Departamento de Educação Rural.
Foi também na década de 1930 que teve início a prática da
pesquisa na ESAV, sendo a atividade coordenada por professores
catedráticos. Em 1939, foi lançada a revista Ceres, primeira de caráter
científico editada pela instituição.
Além destas atividades, a Escola desenvolveu um trabalho de
assistência sistemática junto aos agricultores da Zona da Mata mineira, o
que acabou por projetá-la para além das fronteiras de Minas Gerais.
A partir de meados dos anos 1930, no entanto, a ESAV começou
a viver uma fase de profundas dificuldades. Com pagamentos atrasados em
até seis meses, alguns professores pediam demissão. Além disso, eram
grandes as dificuldades para a aquisição de material e para manter o
funcionamento regular da Escola.
Não obstante tais dificuldades, a Escola obteve o reconhecimento
oficial do governo federal em 1935. No ano seguinte, todavia, o governo
estadual cassou a sua autonomia, suprimindo seu órgão máximo – a Junta
Administrativa – e nomeando um coronel para a sua direção.
Segundo relatos memoriais de ex-alunos e ex-professores, havia
neste período muitos boatos afirmando que a Escola seria desativada, dando
lugar a um quartel de polícia. Para completar, em 1942, a Escola de
Veterinária era subtraída da ESAV, sendo transferida para Belo Horizonte.
Segundo estes relatos, foi um elemento decisivo para tirar a
instituição daquela crise o impulso oferecido por entidades norte-
americanas que com ela firmaram, a partir de meados dos anos 1940, alguns
acordos de cooperação.
Desse modo, em 1948, quando a ESAV foi transformada em
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), pela lei n.272,
os problemas pareciam estar superados.
109
Pontos de comparação
110
praticamente inexistente nos Estados Unidos. Na verdade, desde as
primeiras décadas do século XIX, pequenos e médios fazendeiros
manifestavam insatisfação com a falta de apoio para a agricultura. Eles
acreditavam ser a educação uma das possíveis soluções para o problema,
reivindicando, então, a criação de escolas agrícolas com ensinamentos
práticos.
Quando a Lei Morril foi editada, as terras dos fazendeiros
enfrentavam um processo crescente de deterioração do solo por falta de
conhecimentos sobre conservação. Não obstante a produção agrícola se
expandisse, ela perdia importância para a manufatura, que, já a partir da
década de 1860, conquistava a liderança entre as atividades econômicas do
país. Neste contexto e impulsionado pela emergência de um sistema
nacional de ferrovia, foi se formando um mercado nacional estruturado.
Graças à edição do Morril Act, em 1862, e à criação do United States
Department of Agriculture, no mesmo ano, as angústias dos fazendeiros
foram, em grande medida, atenuadas, tendo a área cultivada se ampliado e a
agricultura experimentado o início de sua mecanização.
O contexto de criação da ESAV, num certo aspecto, foi um tanto
quanto diferente. Nas primeiras décadas do século XX, também não se tinha
propriamente universidades no Brasil; porém desde o final do século
anterior, foram surgindo escolas superiores isoladas de formação
profissional. No caso do ensino agronômico, a primeira escola superior
voltada para o mesmo foi a Escola Superior de Agronomia de Cruz das
Almas na Bahia (1875), aparecendo, logo depois, a Escola Superior de
Agronomia de Pelotas (1883) e várias outras em seguida. Só no estado de
Minas Gerais, na década de 1920, havia três escolas superiores agrícolas –
Escola Superior de Agricultura de Lavras, Escola de Agronomia e Medicina
Veterinária de Belo Horizonte, Escola de Agronomia e Pecuária de Passa
Quatro – e, ainda, duas escolas superiores de veterinária.
O cenário, neste aspecto, era pois bem diferente daquele em que
se deu o aparecimento dos land-grant colleges. No entanto, a situação da
economia mineira, basicamente agrícola, era preocupante no início dos anos
1920. Esta situação se agravava na Zona da Mata, voltada
predominantemente para a cafeicultura, particularmente na região de
Viçosa, a qual, juntamente com as cidades vizinhas, era constituída por
pequenas e médias propriedades dedicadas ao cultivo do café. A criação da
ESAV parece ter vindo no sentido de evitar a catástrofe que se anunciava
para a economia da região.
Num discurso proferido em 1929, Bernardes afirmava ter criado
a Escola com o intuito
[...] de abolir o empirismo agrícola, a que tantos mineiros
111
consagravam suas energias, no amanho diuturno da terra como na
creação e pastoreio dos seus rebanhos.” e manifestava a sua
satisfação ao vê-la “despertando novos estímulos nas gerações,
empenhadas, agora numa actividade racional e scientífica, que há de
2
conduzil-as a maior e mais facil prosperidade.
2
Discurso proferido em 29/03/1929. Ver Universidade Federal de Viçosa. UFV 70 anos. A
trajetória da Escola de Viçosa. Viçosa: Imprensa Universitária, 1996.
3
Ver Cowley & Williams, 1990, p.121.
112
pelo diretor da Escola, sendo subordinada à Secretaria de Agricultura do
estado. Em dezembro de 1931, no entanto, o governo de Minas Gerais
aprovou um novo regulamento para a ESAV. Este dava autonomia
administrativa e financeira à Escola e constituía uma Junta Administrativa,
que passava a se constituir como órgão máximo de poder, a qual era
diretamente subordinada ao governo do estado.
A Junta Administrativa era constituída de nove membros, com
mandato de três anos, renovada anualmente em 1/3. As nomeações eram
feitas pelo governo do estado, recaindo em agricultores que não exercessem
posição pública ou eletiva e de preferência em representantes das diversas
zonas do estado de Minas Gerais. O representante da Zona da Mata deveria
residir em município diverso ao da sede do estabelecimento.
Compuseram a Junta Administrativa, inicialmente, cinco
agricultores de cinco municípios de Minas Gerais: Cataguazes, Ponte Nova,
Juiz de Fora, Casca e Curvelo. Deixaram de participar de sua composição
em razão de não comparecerem para a posse em seus cargos os
representantes dos municípios de Patos, Itajubá e Uberaba.
Todos os indícios são de que na prática as decisões relativas a
qualquer mudança significativa na vida da instituição acabaram
acontecendo por iniciativa do governo estadual sem que atritos tenham se
deflagrado entre a Junta Administrativa e o mesmo.
Em 1931, quando a Junta Administrativa foi criada, ganhou força
na ESAV a figura do Departamento. Muito embora já houvesse referências
ao mesmo no regulamento de 1926, é a partir de 1931, que o Departamento
passa a ser enfatizado como unidade a partir da qual são organizadas as
atividades de ensino e de pesquisa na Escola.
Vejamos as similaridades entre os land-grant colleges e a ESAV
quanto à organização destas atividades.
A noção de prática era a base da educação desenvolvida nos
land-grant colleges, os quais tiveram inicialmente como característica
central a promoção de um ensino voltado para a "aquisição das artes e
habilidades necessárias para ser fazendeiros, mecânicos, engenheiros, e
professores de escolas” (Barrow, 1990, p.92).
Mesmo assim foram muitas as dificuldades nos land-grant
colleges quando tiveram início os seus primeiros cursos. Além do baixo
nível do conhecimento científico sobre os problemas da terra, a
precariedade das condições para que as aulas fossem ministradas era tanta
que os professores tinham que recorrer ao máximo de criatividade para
suprir as deficiências. Comentado o fato, Bowman (1962) cita o caso de
Isaac Roberts que para realizar suas aulas de veterinária sobre dentição de
113
cavalos, desenterrava animais mortos e os virava no sentido do vento para
que ele e seus estudantes pudessem suportar o odor.
À medida em que as instituições foram se consolidando, apareceu
a “filosofia do land-grant college”. Tratava-se assim de “ensinar aos
fazendeiros mais do que como cuidar da fazenda [...]” (Barrow, 1990,
p.92).
Em alguns land-grant colleges, os “cientistas agrários”
enfrentavam, como observa Barrow (1990, p.93), os interesses das pequenas
empresas denunciando-as pela produção de alimentos contaminados ou
adulterados em suas medidas e pesos. No entanto, quando houve o
enfraquecimento do poder agrário e a abertura dos governing boards para a
participação dos businessmen, estes apontaram para uma racionalização
institucional dos colleges e para o ideal corporativo, o que gerou inúmeros
atritos com o pessoal docente. Os land-grant colleges foram então acusados
“de não contribuir para uma divisão socialmente eficiente do trabalho ao
oferecer instrução em artes liberais e humanidades [...]” e se viram
excluídos de recursos provenientes de instituições filantrópicas de suporte
ao ensino superior (Barrow, 1990, p.93).
Com a vitória dos businessmen, os currículos dos land-grant
colleges passaram a comportar somente aquelas disciplinas estritamente
voltadas para a formação de homens para a agricultura e a educação para as
artes mecânicas, definida como formação educacional ampla, cujo mais alto
nível constitui os estudos para a formação de engenheiros. Além disso,
havia as disciplinas para a formação de veterinários e, mais tarde, para a
formação de economistas domésticas. Esta ênfase nos estudos voltados
estritamente para as questões do meio rural foi, no período, tão forte que,
como resultado, algumas instituições eram chamadas popularmente como
“cow colleges”.
O ensino na ESAV, como foi mencionado no início deste
trabalho, estava organizado, até 1947, em três níveis. O curso elementar,
com duração de apenas um ano, era destinado à formação de agricultores e
capatazes rurais, tendo um caráter basicamente prático. Esse curso atendia
filhos de agricultores que não tinham oportunidade de receber uma
instrução mais completa. De todo modo, os candidatos ao mesmo deveriam
submeter-se a um exame de admissão na própria Escola, constando este de
uma prova de caligrafia, uma prova de leitura, além de prova de escrita e
aritmética. O curso médio, com duração de dois anos, era destinado à
formação de técnicos agrícolas e administradores rurais, atendendo filhos de
fazendeiros ou agricultores que não tinham oportunidade de freqüentar o
curso ginasial. Para admissão ao mesmo, o candidato deveria apresentar
atestado de aprovação final em grupo escolar reconhecido oficialmente ou
114
submeter-se a exame de admissão na ESAV, do qual constavam provas
escritas de português, de aritmética e de noções de geometria e desenho,
além de prova oral sobre noções de geografia, história do Brasil e educação
moral e cívica. Os cursos superiores tinham duração de quatro anos
destinavam-se à formação de profissionais de agronomia e veterinária. Para
admissão, o candidato deveria apresentar certificado de aprovação em
estabelecimento ginasial equiparado ao Colégio Pedro II. Os cursos de
especialização tinham duração de dois anos, destinando-se a formar
especialistas em agronomia ou em veterinária, os quais recebiam o título de
Doutor em Agronomia ou Doutor em Veterinária.
Em todos os casos, era enfatizado o caráter “teórico-prático e
não livresco” do ensino na ESAV, não havendo nenhuma evidência de
vestígios da chamada “filosofia dos land-grant colleges” na nossa
instituição.
No que se refere ao currículo, as disciplinas também eram
estritamente limitadas àquelas que parecem minimamente necessárias à
formação de agrônomos e veterinários.
A ESAV teve como equivalente à educação para as artes
mecânicas o Departamento de Engenharia Rural, cujas disciplinas eram
Mecânica Agrícola, Topografia, Motores e Máquinas Agrícolas, Hidráulica
Agrícola, Estradas de Rodagem, Construções Rurais, Desenho a Mão Livre,
Geométrico, Topográfico e Arquitetura Rural.
Retomando a experiência dos land-grant colleges, no que se
refere à pesquisa, ela foi originalmente resultado da “pressão para construir
algo para ensinar” (Bowman, 1962, p.527).
Na verdade, até a Segunda Guerra Mundial, as pesquisas
desenvolvidas se restringiam a pesquisas aplicadas desenvolvidas em
estações experimentais tendo em vista a solução de problemas locais.
Quando chegou a Guerra, os land-grant colleges foram induzidos
a cooperar em projetos bélicos, tendo alguns desenvolvido pesquisa com o
uso de isotopos radioativos para avaliar reações químicas. Neste período,
desenvolveram pesquisas sobre métodos de conservação de estoques de
alimentos para que estes não perdessem suas propriedades nutritivas.
Destacaram-se aí as pesquisas que resultaram na criação do milho híbrido e
na descoberta de estreptomicina.
Depois disso, colocaram-se preocupações mais amplas em termos
de pesquisa, principalmente quanto a pesquisa básica.
Na ESAV, a pesquisa, exclusivamente aplicada, também esteve
voltada para a busca de soluções para problemas imediatos da região da
Zona da Mata mineira. Ela foi organizada inicialmente com base nos
Departamentos existentes, os quais deveriam realizar “experiências sobre
115
plantas e animais, estudos e pesquisas originais com o fim de se
descobrirem verdades básicas úteis a agricultura e a pecuária do Estado e
se produzirem novas espécies e variedades, com valor econômico”,
conforme o decreto n.7323 de 1931.
Neste contexto, foram realizadas experiências para o combate à
saúva, para o combate a pragas em plantas como o feijão, o algodão, e,
ainda, experiências com o álcool motor.
Em 1932, foi feita na Escola a proposta de criação de um
Conselho Experimental de Agricultura. De todo modo, somente em 1938 foi
criada uma Estação Experimental. Pouco antes disso, já vinham se
desenvolvendo experiências para a hibridação do milho.
Assim como os land-grant colleges, que tinham em vista, desde a
sua fundação, a produção de conhecimento que tivesse aplicação prática na
vida das pessoas em geral, desde cedo, a ESAV tratou de organizar
atividades extra muros que envolviam cursos de curta duração e visitas para
demonstração nas fazendas vizinhas. Nos land-grant colleges, desde o
início, a solicitação por esses serviços foi se avolumando, levando alguns
professores a produzirem artigos para jornais e boletins e a freqüentarem
com regularidade encontros com os fazendeiros. Logo muitos colleges
começaram a organizar cursos fora do campus e a estruturar seus
departamento de extensão. Desse modo, logo estabeleceu-se nos land-grant
colleges a tripla função de ensino, pesquisa e extensão.
Na verdade, a prática extensionista iniciou-se, nos Estado
Unidos, através das associações agrícolas, fundadas por fazendeiros que
tinham a finalidade de discutir e buscar soluções para os problemas
relativos à comercialização e ao aumento da produtividade de suas culturas
e da pecuária. Nestas associações eram realizadas palestras, reuniões, feiras
e concursos, visando um contato mais estreito entre os chamados farmers.
Logo foram criados Conselhos de Agricultura, os quais, junto com as
associações, promoviam conferências públicas e cursos de curta duração
conjugados aos trabalhos desenvolvidos nos land-grant colleges. Assim, em
1914, quando o governo norte-americano editou o Smith Lever Act, a
extensão agrícola já estava em marcha. De todo modo, sem as estações
experimentais, criadas a partir de então, a história da extensão teria sido no
máximo uma mera sombra do que se conheceu no século XX. (Bowman,
1962, p.537).
Vale notar que quando da inauguração da ESAV, não havia
associações locais de agricultores estruturadas como aquelas dos Estados
Unidos. Deste modo, o trabalho de difusão das atividades feito pela
instituição teve grande repercussão, ensejando solicitações por consultas
técnicas e por cursos de breve duração. Era comum a correspondência de
116
fazendeiros, os quais enviavam cartas à Escola, pedindo informações sobre
o combate a determinadas pragas, o uso de adubos químicos e indicação de
melhores espécies vegetais para determinadas regiões. Também eram
comuns as cartas solicitando catálogos de exposições realizadas pela
instituição e os pedidos de compra de determinados produtos.
As constantes visitas de pequenos e médios proprietários rurais à
Escola para cursos de breve duração acabou dando origem, em 1929, à
Semana do Fazendeiro, evento que, ao modo das Farmer’s Weeks, criadas
nos land-grant colleges por volta de 1914, reunia nos campus os
agricultores e suas famílias.
A Semana do Fazendeiro se inscreveu definitivamente no
calendário da ESAV, perpetuando-se pela Universidade Federal de Viçosa
que a realiza anualmente. Sua finalidade original era a propaganda do
trabalho agrícola da Escola, vindo o agricultor receber ensinamentos nas
suas estações experimentais. A Semana do Fazendeiro é considerada um
marco nas origens da extensão rural no Brasil.
Como os colleges, a ESAV organizou um departamento
específico para coordenar todas as suas atividades de extensão – o
Departamento de Educação Rural, criado em 1939.
A despeito do pioneirismo da ESAV quanto à extensão rural
como prática de extensão universitária no Brasil, somente em 1948, ao
transformar-se em UREMG, foi aprovado o Regimento do seu Serviço de
Extensão. Junto com ele se constituía também o Serviço de Experimentação
e Pesquisa. Estes, juntamente com a Escola de Especialização; a antiga
Escola Superior de Agricultura; a Escola Superior de Veterinária, que era
devolvida de Belo Horizonte para Viçosa, e a então recém criada Escola
Superior de Economia Doméstica passavam a constituir as unidades básicas
da instituição.
Assim estruturada, a UREMG contava com um “Fundo
Universitário” para a garantia do seu funcionamento, o qual era constituído
de apólices estaduais inalienáveis, “cujos juros rendam a importância de
doze milhões de cruzeiros”, de duzentos e cinqüenta mil hectares de terras
devolutas, de bens até então sob jurisdição da ESAV e de doações,
subvenções e legados, conforme a lei n. 272 de 1948 responsável pela
criação da Universidade Rural.
Considerações Finais
117
mais progressista e democrática contida na chamada “filosofia dos land-
grant colleges”, depurada daquelas instituições após a vitória dos
businessmen sobre os fazendeiros. Desse modo, apesar das dificuldades
enfrentadas, os conflitos em que esteve envolvida a ESAV foram de outra
natureza. Com o afastamento do Prof. Rolfs da direção da Escola em 1929,
seu sucessor, o Prof. Bello Lisboa, que passou a dirigi-la até 1936, atraiu
para si a antipatia não só do próprio Rolfs, que tornou-se consultor técnico
da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, à qual a Escola estava então
subordinada, mas também dos estudantes, cuja insatisfação com o mesmo
resultou numa greve que teria motivado a sua demissão. Cabe lembrar que
foi sob a direção de Lisboa que a Escola esteve ameaçada de desativação.
A transformação da ESAV em UREMG parece concluir o ciclo
de absorção do modelo. Três elementos são elucidativos: a criação do
Fundo Universitário, a criação do curso superior de economia doméstica e a
institucionalização do trabalho de extensão rural. No caso daquele Fundo,
parecia constituir-se um patrimônio que desde a origem os land-grant
colleges garantiram com a Lei Morril. Sobre o curso de economia
doméstica, ele foi fundamental nos colleges, tendo papel dos mais
importantes na extensão rural. No nosso caso, a atuação das economistas
domésticas na extensão rural foi decisiva para a sua consolidação. A
extensão universitária no Brasil, tratando-se de extensão rural, teve seu
marco com os trabalhos da ESAV, mas foi com a institucionalização do
Serviço de Extensão que ela adquiriu reconhecimento nacional, tornando-se
uma referência.
Vale notar que a superação da crise da ESAV se fez, em grande
parte, com o apoio de entidades norte-americanas com as quais foram
estabelecidos convênios de cooperação. Estes resultaram numa série de
programas, que além de gestar o curso de economia doméstica, implicaram
a consolidação da extensão rural de nossa instituição, a qual acabou por
estas razões, entre outras, por ser escolhida, nos anos 1960, como um dos
locus principais dos trabalhos da United States Agency for International
Development (Usaid) na área educacional no Brasil.
Referências
118
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no século XX. Viçosa: Editora UFV, 2000.
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TEIXEIRA, Anísio. A universidade de ontem e de hoje. Organização e
Introdução, Clarisse Nunes. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998.
119
Maria das Graças M. Ribeiro é Professora Adjunta da Universidade
Federal de Viçosa. Socióloga e Doutora em Educação: História e Filosofia
(PUC/SP). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Educação Pública: História
e Política. E-mail: mgrib@uol.com.br. Endereço para contacto: Av. P.H.
Rolfs, n.265 apt. 404. Viçosa-MG - Cep.36570-000
120
A fotografia e a pesquisa em História da Educação:
elementos para a construção de uma metodologia
Elisa dos Santos Vanti
Resumo:
O artigo busca levantar questões sobre a análise da fotografia e sua contribuição para a
metodologia de pesquisa em História da Educação, incluindo informações acerca da História
da Fotografia, dos processos fotográficos e dos elementos de análise que devem ser observados
tanto na fotografia objeto como na fotografia impressa em jornais ou revistas.
Palavras-chave: História da Educação; História Da Fotografia; Metodologia da Pesquisa.
Abstract:
The article searchs to raise questions on a study of the photography and its contribution for the
methodology of research in History of Education, including informations concerning the
History of the Photography, its processes and the elements of studies that they must in such a
way be observed in the photography object as in the printed photography in newspapers or
magazines.
Key-words: History of the Education; History of the Photography; Methodology of Research.
122
É exatamente nesta terceira perspectiva que a análise
iconográfica da fotografia deste ensaio parte, ou seja, partindo-se da
denúncia da fotografia como produto ideológico e cultural liberta-se dessa
perspectiva ao transcender a análise puramente simbólica buscando os
sentidos e os efeitos de sentidos causados no próprio pesquisador.
Parece irrefutável que exista uma aproximação estreita entre a
fotografia e a História, já afirma Barthes (1984, p.13): “o que a fotografia
reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que
nunca mais poderá repetir-se existencialmente”. As imagens perpetuadas
pela fotografia documentam por si só, a história. Toda a fotografia já é
passado, pois, todo o momento vivido, congelado pela imagem fotográfica,
é irreversível. A fotografia revela apenas o mundo físico do acontecimento,
as emoções vividas pelo sujeitos retratados são invisíveis. São emoções que
o leitor-analista não apenas sente, mas, imagina, sonha, e, portanto, as vê
em um certo sentido. Além disso,
É indiscutível a importância da fotografia como marca cultural de
uma época, não só pelo passado ao qual nos remete, mas também, e
principalmente, pelo passado que traz à tona. Um passado que
revela, através do olhar individual que envolve a escolha
efetivamente realizada; e outro, coletivo, que remete o sujeito à sua
época. A fotografia assim compreendida, deixa de ser uma imagem
retida no tempo para se tornar uma mensagem que se processa
através do tempo, tanto como imagem/documento quanto
imagem/monumento. (CARDOSO, 1997, p. 406)
123
revelação, tiragem...), escolhas que têm conseqüências significativas sobre
essa produção e reprodução da realidade. Tais ajustes visam focalizar o
objeto sob diferentes atributos: luminosidade mais nítida, contornos mais ou
menos desfocados e contrastes modificados, por exemplo.
Um outro dispositivo de fabricação da realidade fotográfica que
se poderia citar é o próprio enquadramento, ou seja, a escolha daquilo que
estará dentro ou fora do campo da imagem a ser capturado, o ângulo de
observação, a posição dos sujeitos dentro desse campo, etc. Podemos ir
além, para questionar a relação do fotógrafo com os sujeitos a serem
fotografados: se os sujeitos também têm gerência sobre essa fabricação (se
eles tem ou não poder de escolha de ângulos, posições, etc), se a fotografia
é ou não tirada com a permissão dos sujeitos que a compõem, entre outras
relações.
Essa realidade (fabricada) é percebida e traduzida pelo Spectador
da imagem fotográfica de acordo com seu conhecimento de mundo, por sua
história de vida, pelo seu filtro cultural, pelos seus óculos sócio-históricos.
A imagem, o referente é, então, resignificada (Blikstein, 1985).
No entanto, como acontece no caso dos enunciados gráficos, a
forma de resignificar do simples leitor-observador é, essencialmente,
diferente a do leitor-analista. Supõe-se que o leitor-analista, por sua entrega
aos aportes teóricos, vai além do imaginário coletivo e ideológico que está
presente na construção da realidade fotográfica e através de seu imaginário
individual redimensiona as possibilidades de interpretação da imagem
fotográfica, ou seja, o Spectrum da fotografia (Barthes, 1984).
Na busca de estratégias de interpretação encontra-se a análise
iconográfica que exige uma incursão em profundidade na cena representada,
mas que se situa ao nível da descrição e como um meio caminho na busca
das significações da imagem. Porém, ver, conhecer e constatar não é
suficiente. Num plano pós-iconográfico, busca-se a interpretação
iconológica centrada no indivíduo enquanto intérprete de sua própria
história.
Concordando com Barros (1992) existem dois níveis distintos de
significações, um visível e outro dimensionável. O leitor-analista tem o
compromisso de ir além do visível ampliando-o, buscando o que não está
explícito ou não tão aparente, e sim o que a imagem oculta. Mas também,
lembra Barthes (1984), da afinidade especial que desenvolvemos por
algumas fotografias, afinidade essa que vai além do medíocre gostar e não
gostar (Studium - Barthes, 1984), mas que, de alguma forma marcam,
ferem, dilaceram, abrem uma brecha, imagens que saltam da fotografia, que
pungem. A esse sentimento incomum gerado a partir do Spectador diante do
Spectrum, Barthes chamou de Punctum. Assim que, a sensibilização do
124
olhar e, mais ainda, a entrega emotiva, constituem esse redimensionamento
da imagem e essa busca de outras interpretações. É Semian (1998, p. 12)
que afirma que Barthes escolheu o caminho da infância, caminho um tanto
selvagem da percepção e da imaginação erenunciando ao pensamento
domesticado, renunciava a este império dos signos para suas interpretações
semiológicas da imagem fotográfica.
A fotografia, uma técnica de registro de imagem através da
impressão da luz que contém em si diversos dispositivos de representação
cultural, de configurações de atividades sociais, de construção de objetos e
de conceitos e de produção de subjetividade, é, concordando com Barros
(1992), estética de uma ética. Portanto, a utilização da fotografia na
pesquisa historiográfica deve superar o viés de pura ilustração ou
confirmação de um realismo que, ideologicamente, acredita-se que ela
contém. A fotografia na pesquisa historiográfica deve ser entendida como
documento-monumento e tratada como tal, com componentes que devem
ser desconstruídos, desmontados qualitativamente, procurando nessa outra
aplicação da fotografia, o que Berger (1980) chamou de terceira utilização
da fotografia, que prevê uma maior amplitude de associações e
desdobramentos de um acontecimento retratado, imortalizado por essas
lentes da memória.
Uma descrição escrita minuciosa dos componentes da fotografia,
seu exame com lupa ou ampliação digitalizada do material, e o estudo
cuidadoso e planejado que permita muitos retornos ao material para deter-se
em impressões passageiras e obscuras a fim de esclarecê-las e aprofundá-
las, ajudam na interpretação das imagens.
Uma análise comparativa de fotografias de tempos diferentes,
sobre a mesma temática, buscando regularidades (permanências),
descontinuidades, contradições (mudanças e transições), além de deixar-se
mergulhar afetivamente em seus componentes semióticos são o coroamento
desse processo.
Afirma Pavão (1997) que é possível definir-se períodos na
evolução das técnicas de captação da imagem que contam a própria História
da Fotografia. Entendendo por processo fotográfico o conjunto de
procedimentos e processos químicos e fotoquímicos que conduzem à
obtenção de uma fotografia, o autor entende que cada fotografia foi
produzida por um processo fotográfico, que é possível identificar e que
determina a sua estrutura e materiais componentes. Nos primeiros tempos
da fotografia, todo o processo era realizado pelo fotógrafo, no seu estúdio e
em casa, a partir de materiais simples como papel, vidro e sais de prata.
Com a industrialização, a produção das fotografias passou gradualmente
para empresas de produção e de foto-acabamento, os fotógrafos passaram a
125
usufruir materiais mais elaborados, ficando apenas com s tarefas de expor,
revelar e imprimir.
Na segunda metade do século XIX, com a separação das famílias
devido a imigração, o Daguerreótipo pode favorecer um sentimento de
proximidade entre os membros separados geograficamente, os retratos de
família começaram a serem procurados por aqueles que podiam pagar por
eles. Daguerreótipo ou Dagueorretipia era um processo inventado pelo
francês Daguerre, onde as fotografias eram tiradas em lâminas de cobre
revestidas de prata que produzia fotografias de alta qualidade que não
podiam ser reproduzidas a não ser refotografando-as. O processo
fotográfico era dispendioso e sua técnica era pouco acessível à população,
estava mais imitada ao conhecimento do retratista.
O processo fotográfico utilizado pelos retratistas dessa época, que
levava os modelos a permanecerem na pose escolhida por um longo período
de tempo, contrastava com o propósito da fotografia. Isto é, a fotografia
queria causar um efeito de sentido do perpetuar a imagem do instantâneo,
do imediato, enquanto que a imagem do modelo e do cenário que a
fotografia representava eram artificialmente arranjados em uma cena,
fazendo-se que se oscilasse tão ambiguamente entre a execução do processo
de daguerreotipia e a representação no produto final da fotografia.Alguns
processos fotográficos foram tão importantes que, durante algum tempo,
foram mais usados do que qualquer outro, dominando completamente a
produção fotográfica. A história da fotografia pode ser dividida, por razões
de estudo e de método, em grandes períodos consoante a técnica fotográfica
dominante. Esses períodos são os seguintes:
• Período da daguerreotipia - de 1839 a 1855
• Período dos negativos de colódio húmido sobre o vidro e das
provas de albumina de 1855 a 1880
• Período dos negativos em gelatina e brometo de prata sobre
vidro e das provas em papel da fabricação industrial (de
gelatina ou colódio) - de 1880 a 1910
• Período dos negativos em película e das provas em papel de
revelação de 1910 a 1970
• Período da fotografia a cor cromogênea de 1970 a 1990
• Período da fotografia digital - de 1990 até os dias de hoje
A fotografia, ainda no século XIX, igualmente, desenvolveu sua
utilização na publicidade. Desde 1850, ela iniciou a ser usada para vender
126
produtos, procurando apresentar uma imagem persuasiva do artigo
anunciado instigando a uma necessidade premente de compra.
No entanto, foi também nas últimas décadas do século XIX, que
a máquina fotográfica foi sendo utilizada como instrumento de crítica e
reforma social. As guerras foram sendo retratadas pelas máquinas
fotográficas dos oitocentistas. Haviam fotógrafos na guerra civil americana
(1861 - 1865) e na guerra da Criméia (1855). Essas imagens foram
publicadas em jornais e revistas acompanhando a evolução tecnológica da
imprensa. Esse emprego da fotografia foi anunciado na imprensa pelotense
na seguinte nota:
Novas applicações da photographia - os correspondentes dos jornais
illustrados de Londres e dos estados unidos estão-se servindo da
photographia para enviar aos seus jornaes reproduções palpitantes
dos principaies episodeos das batalhas. Quando se deu a ultima
insurreição dos índios canadeanos, o capitão Peters, montado no seu
cavalo, e servindo-se de uma machina registrou detalhes do fato.
(Pelotas, Jornal Onze de Junho, 24 de julho de 1889).
127
requeria o laborioso processo de separar o papel do filme, era muito menos
dispendioso de processar, e por isso deu grande incremento à popularização
da fotografia (Gernshein & Gernshein, 1989).Nas primeiras décadas do
século XX, configura-se, então, a fotografia de estúdio, a fotografia
produzida pelos populares com as máquinas portáteis e a fotografia
documental, impressa em jornais, revistas, livros...
Em qualquer uma dessas tipologias, os elementos constitutivos de
uma análise iconográfica, conforme Kossoy (2000) são:
• O ASSUNTO - o tema escolhido, o referente fragmentado do
mundo exterior (natural, social, etc.),
• O FOTÓGRAFO - o autor do registro, agente e personagem
do processo
• A TECNOLOGIA DO PROCESSO FOTOGRÁFICO - os
materiais fotossensíveis, equipamento e técnicas empregadas
para a obtenção do registro, diretamente pela ação da luz.
Esses elementos ainda são permeados pelas coordenadas de
espaço geográfico e cronológico que resultam na imagem registro fixo de
parte do real, que reúnem em si um conteúdo composto de elementos
icônicos, a fotografia.
Em relação a fotografia impressa deve-se envolver-se nas
questões relativas a sua forma de impressão, incluindo os processos usados
e as justificativas de escolhas desses processos, já que no final do século
XIX, por exemplo, usavam-se vários procedimentos, tais como: a gravura
em talho doce, a gravura em água forte, a gravura em tinta água, a tipografia
e a litografia. Outro aspecto relevante de análise é observar são as melhorias
tecnologócas exigidas para a efetivação do uso da fotografia impressa ou
documental pois, isso implica na criação e aprimoramento de novos
procedimentos somando-se ao processo de captação e revelação da imagem,
a fim de atingir a inaterabilidade das provas, rapidez da tiragem, a tiragem
sem uso de iluminação artificial, a igualdade perfeita como valor de tom das
cores em todas as provas e cópias com extrema fidedignidade para um certo
número de exemplares.
Ainda no caso da fotografia de imprensa deve-se acrescentar o
fato de que esta não é uma estrutura isolada, é acompanhada do texto
jornalístico, que também deve ser analisado comparativamente à imagem
impressa, já que nem sempre elas são concorrentes (Barthes, 1990).
Embora, a fotografia documental ou de imprensa pretenda ser analogia do
real e ter como característica a objetividade, seus sentidos elaboram-se em
diferentes níveis de produção fotográfica que envolvem escolhas (por parte
128
do fotógrafo da prova a ser publicada), processamentos técnicos,
enquadramento, diagramação. Além disso, a fotografia documental ainda
pode sofrer procedimentos de conotação como trucagem (retoque,
aproximação ou distanciamento de elementos presentes na imagem, etc),
pose (postura ensaiada dos sujeitos captados pela objetiva), inclusão de
objetos (inclusão de objetos que caracterizam o momento ou a mensagem
que o fotógrafo quer representar), fotogenia (a imagem embelezada por
técnicas de iluminação, impressão e tiragem), esteticismo (quando a
fotografia se pretende arte, pintura, como no caso do pictorialismo do início
do século XX) e sintaxe (quando temos fotografias em seqüência, onde a
unidade de leitura é a própria seqüência e não os fragmentos desta).
Conforme Barthes (1990, p. 21), o código de conotação da
fotografia não é na realidade, nem natural, nem artificial, mas histórico, ou
cultural, código em que os signos são gestos, atitudes, expressões, cores ou
efeitos, dotados de certos sentidos em virtude dos usos de uma determinada
sociedade: a ligação entre os significante e o significado, isto é, a
significação propriamente dita. Desse modo, pode-se verificar que assim
como a transformação dos usos da fotografia fez evoluir a tecnologia do ato
de captar luz e sombra, a análise da fotografia objeto de culto privado ou da
fotografia impressa impulsiona a distensão e o aprofundamento da reflexão
metodológica da pesquisa em História da Educação cujas as questões
suscitadas nesse tipo de estudo procuram respostas cada vez mais criteriosas
sob o ponto de vista da análise metodológica.
Referências
130
O conceito "Exclusão" na literatura educacional
brasileira: os primeiros 25 anos (1974-1999) 1
Avelino da Rosa Oliveira
Resumo
Abstract
The paper investigates the advent of the concept exclusion in four journals of education with a
nationwide circulation in Brazil in the period ranging from 1974 to 1999. It aims both at
identifying the theoretical framework in which this concept has started to be applyed in the
researches in the field of education in Brazil and at discussing the accuracy or not of the
different meanings it has attained. Its use has first been associated to the issues of cultural
marginality or school failure and dropping out, while in the 1990’s it started to be used in
relation to a much more varied set of subjects. The conclusion points out the limited efficacy of
the utilization of the concept exclusion, since the wide variety of theoretical approaches is
more aleatory than plural.
Key-words: history of education; educational exclusion; cultural marginality; illiteracy; school
dropping out; school failure.
1
O presente texto é uma versão ampliada e aprofundada de trabalho apresentado no IX
Encontro Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação, bem como no III
Congresso Brasileiro de História da Educação.
132
... uma solução é dar às crianças provenientes de ambientes
desfavorecidos os elementos de que necessitam para desenvolver
suas potencialidades naturais, antes da época de sua entrada oficial
na escola, ou seja, quando sua plasticidade intelectual e sua
capacidade de aprendizagem ainda não sofreram processos de
deterioração ou estagnação. Tal solução supõe, portanto, planejar
currículos adaptados às necessidades das crianças que nasceram e
estão se desenvolvendo em ambientes não estimuladores.
(POPPOVIC, ESPOSITO, CAMPOS, 1975, p.9)
133
essas idéias ocupavam lugar de destaque. Passemos à apresentação destas
produções.
CAMPOS (1975), estudando os estilos de socialização em famílias
de São Paulo e Brasília, discute até que ponto é possível a clara
identificação, dentro de uma população de nível sócio-econômico baixo, de
um grupo “marginal” e um “integrado”. Como não poderia deixar de ser,
seu ponto de partida é a constatação de que se trata de assunto claramente
em voga. Por isso, afirma: “Um dos temas mais discutidos e pesquisados
atualmente na América Latina, tanto do ponto de vista econômico, como
sociológico, antropológico e até psicológico, é o tema da marginalidade.”
(p.75) E sua proposta é problematizar esta noção em termos de
aplicabilidade prática. Assim, recuperando parte da discussão que se fazia, a
autora mostra as controvérsias que já vinha causando o conceito de
marginalização. Do ponto de vista econômico, teóricos como Anibal
Quijano e José Num defendiam sua legitimidade. Para eles o conceito
contribuía para entender uma nova contradição, própria do capitalismo
latino-americano, introduzindo algo como uma “sub-classe” no interior do
proletariado. Diferentemente, Francisco de Oliveira contestava esta posição,
afirmando que o aparente dualismo marginal-integrado obscurece a
existência de um sistema perfeitamente coerente, onde um setor moderno
cresce e se alimenta da existência de outro atrasado. Maria Machado Malta
Campos descreve as altercações entre os antropólogos favoráveis ao
conceito “subcultura de pobreza” e aqueles que o contestam. Para ela, “... a
argumentação feita em torno da legitimidade analítica do conceito de sub-
cultura reproduz, em outro nível de análise, aquela que existe a respeito da
noção de marginalidade.” (p.77) Todas estas discordâncias são recolocadas,
portanto, para justificar sua pretensão de identificar “... as ambigüidades e
contradições que a realidade empírica revela e que contradizem muitas
vezes o que os modelos explicativos mais esquemáticos propõem.” (p.77)
Ao final deste estudo comparativo, parcialmente negando a aplicabilidade
prática do modelo explicativo da socialização através do conceito de
marginalidade, a autora conclui:
... a questão teórica inicial da existência ou não de uma
diferenciação nítida no interior da população de trabalhadores, que
distinguiria claramente um grupo “marginal” de um não marginal,
continua em aberto. Se, do ponto de vista analítico, essa diversidade
básica pode ser fundamentada em posições razoavelmente coerentes,
no nível empírico ela já não se coloca de forma tão cristalina. Assim,
esquemas explicativos que parecem muito lógicos na teoria, às vezes
não expressam com suficiente ênfase o caráter dinâmico e a
ambigüidade que é sempre encontrada no real. (p.85)
134
Em outro estudo, onde é posta em evidência a questão das
diferentes culturas representadas por professores e alunos de periferia,
BARRETO (1975) critica as soluções simplificadas com que os professores
tentam enfrentar o complexo problema do confronto de culturas, quando
uma impõe-se sobre a outra. Para a autora, este é um fato crucial, se
pretendemos compreender adequadamente a educação formal. Os
conhecimentos, habilidades e atitudes transmitidas, bem como os processos
através dos quais ocorre esta transmissão, estão impregnados de valores, os
quais são, na verdade, a forma peculiar de perceber e interpretar a realidade,
própria de determinado grupo ou classe social. No nosso modelo de ensino,
os professores são a via preferencial de transmissão e inculcação desses
hábitos e valores. Professores e alunos, embora pertencendo ao mesmo
contexto urbano, têm maneiras de ser diferentes. Ao confrontarem-se no
processo educativo escolar, os primeiros servem-se de variados dispositivos
para tornarem evidente a superioridade de sua maneira de ver o mundo, em
relação à dos alunos. A análise de centenas de relatos de professores
primários de periferia, a respeito das dificuldades encontradas na sala de
aula, tanto dificuldades de natureza didático-pedagógica quanto relativas a
problemas de comportamento dos alunos, evidenciam um conflito
proveniente da confrontação da maneira de ver o mundo do professor – um
indivíduo pertencente às camadas médias da população – e o modo
vivenciado pelo aluno proveniente das camadas populares. Para BARRETO
(1975), o que falta ao professor de periferia é “... a compreensão da
realidade social como um todo e a perspectiva crítica que permitirá ver, para
além das diferenças de grupos ou classes, a contribuição que cada um deles
tem a oferecer à sociedade e, a partir daí, repensar sua atuação ao nível da
sala de aula e da instituição.” (p.109)
Em texto que reflete a visão dominante no MEC à época, ROCHA
(1976) defende a educação pré-escolar enquanto forma de oferecer
condições para o desenvolvimento da criança, conforme sua necessidade,
funcionando como alavanca indispensável para a universalização do ensino
de 1º grau. A educação pré-escolar surge, então, como medida paliativa e
preventiva, com o fim de suprir as deficiências que as crianças apresentam
na 1ª série. Segundo o ponto de vista da diretora do Departamento de
Ensino Fundamental do MEC, “... se não acudirmos as crianças antes que
entrem nos cursos regulares, a escola pouco poderá fazer por elas,
principalmente por aquelas marcadas por condições bio-psicossociais
inferiores.” (ROCHA, 1976, p.473) Neste sentido, a grande contribuição e,
portanto, missão insubstituível da pré-escola é funcionar como “... uma
forma de ampliar-se o ‘currículo escondido’ da criança que se inicia nos
processos de alfabetização, quando de seu ingresso no 1º grau.” (p.471)
135
Portanto, a par de relatar todos os feitos governamentais em prol da
educação pré-escolar, a autora deixa patente que sua proposta básica é servir
de instrumento profilático para o insuficiente preparo das crianças que
começam a freqüentar a 1ª série.
Num trabalho onde buscam analisar os efeitos da estimulação
verbal sobre o vocabulário e sobre o aproveitamento escolar da criança
marginalizada, BONAMIGO & BRISTOTI (1978) permitem-nos tomar contato
mais íntimo com a tendência de recurso à idéia de marginalização que
primeiro e mais fortemente viria a ser criticada. De acordo com a revisão
prévia de literatura que apresentam, a caracterização da marginalidade
acentua, entre outras coisas, o interesse no concreto e a predisposição à
indução ao invés da motivação pelo abstrato e pela dedução, deficiência no
comportamento verbal e ausência de toda sorte de pré-requisitos para a
educação formal. Além disso, a população marginalizada tem uma cultura
própria, diferente da cultura dominante. Entre as diferenças culturais mais
marcantes destaca-se o aspecto lingüístico, ou seja, a literatura referida
pelas autoras indica que os grupos sócio-econômicos menos favorecidos
apresentam linguagem deficiente que lhes predispõe ao fracasso escolar.
Assim, concluem inicialmente que há duas hipóteses a serem consideradas
para contornar o problema do aproveitamento escolar deficiente das
crianças marginalizadas, o qual encaminha para a evasão e a repetência: “...
ou se modifica o padrão verbal da classe baixa, a fim de que ela tenha
acesso à parte da cultura transmitida verbalmente pelas classes dominantes,
ou então se deverá modificar a forma de transmissão de conhecimentos,
usando na comunicação os códigos verbais dos sujeitos marginalizados.”
(p.27) As autoras, então, desenvolvem um projeto experimental de
enriquecimento verbal com um grupo de crianças marginalizadas, mantendo
duas hipóteses: primeiro, que este impulso lingüístico afetaria positivamente
o comportamento verbal dos sujeitos; segundo, que em função disso haveria
elevação dos índices de aproveitamento escolar. Tinham, pois, o
pressuposto de que a melhora na linguagem é condição essencial para a
compreensão e rendimento adequado nas diversas disciplinas escolares. Ao
final do experimento, os resultados foram avaliados em comparação com
um grupo de controle. “Todavia, a segunda hipótese não foi aceita, uma vez
que o tratamento estatístico não evidenciou diferenças significativas entre
os dois grupos em relação a desempenho escolar.” (p.36)
Bem ao final da década de 1970, a teoria da marginalidade
escolar começa a sofrer críticas lancinantes que a atingem não só sob o
aspecto da marginalização cultural, senão em sua estrutura teórica mais
geral. E para poder prosseguir o acompanhamento da gênese da exclusão na
educação brasileira, teremos que agora sair por um momento do caminho
136
principal, tomar uma via lateral e identificar as fontes teóricas das críticas
endereçadas à teoria da marginalidade. Pode-se considerar que elas
promanaram especialmente de duas direções.
Em primeiro lugar, de um grupo de pesquisadores articulados em
torno do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Estes
encontraram na tese de doutoramento de Lúcio Kowarick sua identificação
teórica mais acabada. Diferentes formas da teoria da marginalidade são
duramente criticadas, a partir de meticuloso trabalho de análise de seus
fundamentos e práticas. Em resumo, KOWARICK (1977) acusa as teorizações
até então desenvolvidas de restringirem o conceito de marginalidade a um
somatório de “motivos pessoais”, jamais se constituindo em categoria
analítica capaz de transcender as pessoas envolvidas na ação, ou então, no
caso dos enfoques que opõem “tradicional” e “moderno”, de identificar a
marginalidade meramente como “falta de algo” que poderia ser alcançado,
desde que cumprida a trajetória das sociedades “evoluídas”. Em seguida, é
buscada uma reorientação da teoria da marginalidade, segundo pressupostos
semelhantes aos da teoria da dependência, já francamente desenvolvida e
estabelecida.
É preciso superar estes tipos de categorização, equacionando a
marginalidade em outro nível analítico. Ela deve ser vista como um
processo que decorre de formas peculiares de inserção no sistema
produtivo. Isto significa que é a partir do processo de acumulação
capitalista que se torna necessário considerá-la. (p.60)
137
teóricas desenvolveu um quadro interpretativo que procura dar conta
da problemática da marginalidade na América Latina.
Este conjunto de teorias parte da constatação de que a marginalidade
é inerente ao sistema capitalista. No entanto, ao analisar as
sociedades latino-americanas, avança no sentido de categorizar
novos processos que geram marginalidade decorrentes do fato de o
sistema, além de ser capitalista, ser também dependente. (p.60-61)
138
populações marginais. É preciso, então, “... deslocar a idéia de que esta
população ‘marginal’ seja disfuncional ao sistema, e o conceito de fome
deve ser visto basicamente como uma contradição que precisa ser analisada
na dinâmica do processo de acumulação do capital.” (p.49) Assim, o
afastamento do funcionalismo encaminha a argumentação, logo a seguir, na
direção de Marx, cujos conceitos mais importantes são retomados no
contexto da explicação do papel do exército industrial de reserva no
processo de acumulação do capital. BALDIJÃO (1979), entretanto, mantém-
se ainda nos trilhos da teoria da marginalidade refundada por Kowarick. “A
retomada da análise de Marx é importante, porque é possível estudar o
exército industrial de reserva no Brasil, hoje, de forma semelhante a que ele
fez para a Inglaterra no século passado, incluindo o estudo de marginalidade
feito por Kowarick (1977).” (p.51)
SIRGADO (1980) não se afasta muito desta linha teórica. Não há,
porém, em seu trabalho, convicção suficiente quanto à pertinência do
conceito “marginalidade”. Isto o faz oscilar entre acompanhar Kowarick ou
tentar um caminho autônomo. Envolvido nesta dúvida, emprega pela
primeira vez o termo exclusão, referindo-se aos processos através dos quais
a escola potencializa a evasão. Não obstante, é ainda a alternância
conceitual que marca sua posição. O propósito do artigo é discutir a
necessidade de uma pedagogia escolar que corresponda às características e
necessidades do menor marginalizado, ou seja, o autor pretende “...
questionar o papel do sistema educacional, como veículo das ideologias
dominantes, na solução do problema do menor ‘marginalizado’.” (p.49)
Entretanto, faz questão de salientar que toma o conceito de marginalidade
“... não como um instrumento conceptual de análise sociológica, econômica
ou política... mas como um instrumento de valor descritivo...” (p.49) De
posse deste instrumento, o que o autor pretende é analisar o modo
específico como os setores da classe trabalhadora de mais baixa renda
inserem-se no sistema produtivo. Deste modo, com uma compreensão mais
acurada desses menores, precariamente descritos como “marginalizados”, é
possível pensar em novos fundamentos do sistema educacional, que se
contraponham à escola elitista. Pois é justamente ao referir-se à realidade
escolar e à forma de sua atuação que surge, repetidas vezes, a idéia da
exclusão. Como concepção geral, SIRGADO (1980) refere-se ao não ingresso
e à não permanência dos marginalizados no sistema educacional formal.
“Não só a maioria deles não tem acesso à escola, mas quando nela entram,
são rapidamente eliminados graças ao complexo sistema administrativo-
burocrático de seleção e de exclusão.” (p.49) Sendo a escola um aparelho
ideológico das classes dominantes, é responsável pelo processo de
“iniciação” daqueles que garantirão a continuidade da sociedade de classes
139
e dos privilégios dos dominantes. E insiste novamente na idéia da exclusão,
referindo-se ainda à falta de acesso e à evasão. “Dessa iniciação são
excluídos – no caso do Brasil – setores majoritários da população em idade
escolar, os quais ou não têm acesso à escola ou, quando têm, são dela
rapidamente eliminados graças aos mecanismos de seleção e de exclusão...”
(p.51-52) Outras vezes a idéia retorna sempre descrevendo os mesmos
fenômenos. Entretanto, quando já prepara a proposta de uma pedagogia
radicalmente diferente da existente, refere-se não apenas ao sistema
educacional, senão ao modelo social, do qual a escola é um dos
instrumentos de reprodução, como gerador de exclusão e, simultaneamente,
marginalização. Não torna claro, porém, se está a referir-se a conceitos
diferentes ou, como é minha suspeita, se apenas demonstra a incerteza e a
oscilação entre acompanhar a perspectiva da teoria da marginalidade e
dependência ou abrir um caminho autônomo.
Falar, então, de pedagogia para o menor “marginalizado” equivale a
falar numa outra categoria de pedagogia que é, em relação à
pedagogia dominante, uma antipedagogia. Esta pedagogia só pode
ser uma pedagogia denunciadora de um sistema social excludente e
marginalizante e de uma concepção de educação alienante e elitista.
(p.57)
140
pouca probabilidade de atingir a alfabetização funcional...” (FUKUI,
SAMPAIO, BRIOSCHI, 1982, p.75) A partir destas constatações preliminares,
as autoras buscam caracterizar socialmente os excluídos da escola e analisar
o significado que a escola tem para eles. Neste contexto, oferecem uma
definição clara da categoria com que estão trabalhando, a saber: “... o
excluído neste trabalho é a criança ou adolescente entre 10 e 14 anos de
idade que não freqüenta escola. Considerou-se como excluído parcial aquela
criança que abandonou a escola depois de tê-la freqüentado; o excluído
total, aquela que nunca freqüentou a escola.” (p.76) Para o desenvolvimento
empírico da investigação, elegem uma das regiões economicamente mais
desenvolvidas do Estado de São Paulo e aí fazem levantamentos – através
de dados oficiais e de surveys – em áreas urbanas e rurais, bem como
realizam entrevistas. Os resultados são apresentados separadamente em
relação ao sistema escolar, à clientela e aos excluídos. De modo geral,
entretanto, a constatação é de que, na região estudada, a quase totalidade
das crianças ingressa na escola. Contudo, seja em função da própria
organização escolar, seja devido às condições efetivas de permanência, a
escolarização caracteriza-se como um processo profundamente seletivo.
Deste modo, coerentemente com a conceituação com que trabalham, as
autoras avançam para conclusões que tomam como referência o problema
da exclusão escolar. Relacionando-a com a forma de organização do
sistema escolar, afirmam: “O sistema educacional organizado, no que se
refere à escola elementar, em ensino regular e supletivo tem como resultado
a seletividade e a conseqüente exclusão de parte da população escolar.”
(p.89) Por fim, relacionando a exclusão com a alfabetização, acabam por
fazer justiça ao título do artigo. “Na realidade, a alfabetização funcional não
chega a ser concretizada, dada a grande evasão que se verifica nas duas
primeiras séries do 1º grau, caracterizando assim uma das formas de que se
reveste a reprodução das desigualdades sociais no país: a exclusão do
sistema escolar.” (p.90)
No mesmo ano de 1982, a revista Cadernos de Pesquisa também
organiza um número especial monotemático, mas aqui o tema escolhido é
Educação e marginalidade na América Latina. Guiomar Namo de Mello e
Juan Carlos Tedesco, os organizadores, assinam dois textos – Apresentação
e Conclusão – que claramente indicam, embora bem outro seja o propósito
dos autores, o movimento de progressiva ocupação do espaço do conceito
de marginalidade pelo de exclusão. Na verdade, há uma decidida defesa da
teoria da marginalidade e dependência. Os organizadores não desconhecem
as críticas a que foi submetido o conceito de marginalidade, entretanto,
acreditam ainda em seu potencial teórico e político. Para eles, “... o conceito
de marginalidade tem servido como referência importante, tanto em
141
investigações quanto em formulações de políticas sociais.” (MELLO,
TEDESCO, 1982a, p.4) Malgrado a defesa feita, demonstram estar
titubeantes. Assim, já ao iniciarem a exposição dos critérios que pesaram na
definição do tema, parecem usar indistintamente marginalidade e exclusão.
A existência de grandes segmentos sociais excluídos dos benefícios
do desenvolvimento econômico pelo qual estão passando os países
da América Latina vem motivando o grande interesse pelo estudo
das relações entre tais segmentos e a dinâmica social. Desse modo, o
problema da marginalidade tem constituído um dos eixos centrais ao
redor dos quais giraram as interpretações da realidade social latino-
americana. (p.4)
142
O texto conclusivo, ainda daqueles organizadores, segue o
mesmo diapasão do anterior e entendo não ser necessária sua exposição.
Apenas cito uma de suas passagens para contribuir na demonstração do que
venho tentando dizer.
Estudos acerca da relação entre marginalidade educativa e os
diversos componentes da organização escolar só ganham sentido sob
o pressuposto de que o fracasso e a exclusão escolares são
determinados, em alguma medida, pelas variáveis que definem e
caracterizam a ação pedagógica. (MELLO , TEDESCO, 1982b, p.101)
143
ofertadas...” (p.30) “... as dificuldades da família levavam os pais a
selecionar um ou alguns filhos para entrar na escola, enquanto os outros
aguardavam sua oportunidade ou terminavam excluídos permanentemente
dela.” (p.32) Estas formulações deixam perceber que o sentido preferencial
conferido à idéia de exclusão é o não-ingresso na escola. Quando pouco
acima afirmei que a autora tem este conceito relativamente bem
determinado, referia-me à existência de uma compreensão de fundo da
exclusão, que atravessa o texto todo. Há, entretanto, ocasionalmente,
abertura para uma outra possibilidade. É o que ocorre, quando a autora
afirma, por exemplo, que “... a oferta insuficiente de vagas nas escolas
públicas e a distribuição geográfica dessas escolas já representa um
primeiro mecanismo da sua exclusão educacional.” (p.30) Neste caso, se o
não-ingresso é um primeiro mecanismo de exclusão, parece que deve haver
algum outro, incidindo após o ingresso na escola. O mesmo problema pode
ser percebido novamente um pouco mais adiante, na seguinte afirmação:
“Essas dificuldades tanto podem contribuir para a completa exclusão
escolar como para uma redução da permanência no sistema de ensino,
ocasionando a evasão.” (p.37) Neste caso, observando-se o uso da
expressão “completa exclusão”, o que parece estar ocorrendo é um
paralelismo parcial com a definição oferecida por FUKUI, SAMPAIO,
BRIOSCHI (1982). Relembremos que elas usavam “excluído total” e
“excluído parcial”, enquanto Inaiá Carvalho trabalha com a noção de
exclusão preferencialmente referindo-se ao excluído total, entretanto, deixa
uma certa abertura para a possibilidade de existência de um excluído
parcial; este último, entretanto, ela ainda descreve através do conceito de
evasão. Ao cabo de contas, porém, o que resta evidente é o uso da exclusão
como conceito que não pode mais ser identificado meramente como outro
jeito de dizer marginalização. Não deve ser casual, pois, o fato de a autora
colocar todas as conclusões do seu artigo subordinadas à lógica da exclusão
educacional. “Os dados e reflexões apresentados expressaram a exclusão e a
discriminação educacional da classe trabalhadora, relacionando-a com as
determinações estruturais da sociedade brasileira e discutindo os
mecanismos como operam aquelas determinações.” (p.38) E na mesma
linha de raciocínio, acrescentam ainda que esses mecanismos “... ocasionam
completa exclusão educacional de parte da população em idade escolar,
mas, principalmente, problemas de rendimento, progressão e permanência
para os que ingressam no sistema de ensino... e que terminam, geralmente,
por se evadir da escola...” (p.38)
O início dos anos 1980 é um período de acomodações conceituais
e as idéias ainda não se encontram muito firmemente estabelecidas. No
mesmo número especial dedicado ao tema Educação e marginalidade na
144
América Latina encontra-se um artigo que visa discutir o problema da
escola primária na Venezuela. Neste texto, Gabriela Bronfenmajer e Ramón
Casanova empregam num mesmo contexto, mas distinguindo-os, os
conceitos de exclusão e marginalidade. Inicialmente, aparecem num mesmo
plano a exclusão da escolaridade e a marginalidade educativa. “O
desenvolvimento capitalista da educação implicou, inicialmente, a exclusão
de um grande volume da população trabalhadora da escolarização. Esta
segregação representou historicamente a forma mais evidente de
marginalidade educativa...” (BRONFENMAJER, CASANOVA, 1982, p.41) Em
seguida, busca caracterizar mais precisamente o aspecto da realidade escolar
venezuelana que ele identifica como marginalidade educativa. Para os
autores, esta não é fruto unicamente da exclusão da escolaridade, mas
também de carreiras escolares diferentes. Dito de outro modo, eles
descrevem o sistema escolar daquele país como composto de escolas de
melhor qualidade e reconhecimento (circuito privado) e de outras de baixa
qualidade e desprestigiadas (circuito público). Assim, se é evidente que a
exclusão escolar é um instrumento de marginalização, não é menos verdade
que o acesso e permanência nas escolas do circuito de status inferior
também conduz à marginalidade. Os autores descrevem o problema do
seguinte modo:
Em todo caso, já não basta dizer que a escola, ao excluir,
marginaliza. É preciso dizer que mesmo permitindo o acesso e
facilitando a permanência prolongada e a abertura social aos ciclos
universitários, como é o caso venezuelano, também marginaliza.
Poder-se-ia falar de um produto escolar de volume numérico cada
vez maior: o educado marginal, ou seja, aquele que fez uma
“carreira escolar” por circuitos depauperados e desvalorizados e que,
mesmo superando a escolaridade de seis graus e sobrevivendo nos
escalões posteriores da pirâmide escolar, fica à margem da cultura,
do trabalho e da participação. (p.42)
145
2 O contexto do analfabetismo, evasão e repetência
146
Alfabetização (MOBRAL) relativamente ao declínio dos índices de
analfabetismo no Brasil na década de 1970. Dentro desta estratégia mais
geral, são ainda comparadas as Unidades da Federação, mostrando as
enormes desigualdades regionais em termos de analfabetismo em 1980.
Além disso, o autor analisa ainda a tendência secular dos índices de
analfabetismo, através de um estudo comparativo de dados que abrangem
um período desde 1872 até 1980, tomando em conta tanto o Brasil como um
todo quanto diversas Unidades da Federação em separado. Neste ponto são
destacadas as desigualdades de tendência do analfabetismo e a origem
histórica das desigualdades educacionais regionais. Além do farto volume
de dados apresentados e da metodologia de comparação entre eles,
possibilitando extrair dos dados quantitativos elementos indispensáveis para
avançar adiante das meras aparências na análise da realidade educacional
brasileira, há no escrito de FERRARI (1985) elementos que, para os
propósitos deste trabalho, precisam ser postos em maior destaque. O
primeiro é de que o analfabetismo é produzido pelo próprio modelo
educacional, através de mecanismos de exclusão. “A ‘produção’ de novos
analfabetos pode dar-se tanto pela exclusão pura e simples do processo,
quanto pela ineficiência ou baixa produtividade no processo de
alfabetização.” (p.48) Em segundo lugar já aparece aqui – ainda que não
seja trabalhada tão detidamente como em escritos posteriores – uma
conceituação nova da exclusão escolar, a qual contribui para a compreensão
mais crítica do fenômeno do analfabetismo. O processo de exclusão em
geral, responsável pela produção do analfabetismo, apresenta-se sob duas
formas intimamente relacionadas, a saber: a exclusão do processo e a
exclusão no processo. A primeira forma reúne num só grupo todas as
crianças que, em idade escolar, não freqüentam a escola, ou seja, tanto as
que jamais tiveram sequer a oportunidade de ingressar no sistema escolar,
quanto aquelas que, tendo ingressado, foram eliminadas. A segunda forma
diz respeito aos que ainda freqüentam a escola mas que, em virtude de
fatores que se costumava designar como baixa produtividade e repetência,
estão fora da série esperada, em condição de assincronia idade/série.
Mostrar como este grupo, no momento seguinte, somar-se-á ao dos
excluídos do processo e denunciar que não passa de eufemismo denominar
“evasão escolar” o mecanismo que há de consumar esta passagem – esta é a
novidade conceitual indicada por FERRARI(1985).
... [A] produção de novos analfabetos se faz através da exclusão
praticada pelo aparelho escolar. São vítimas dessa exclusão: 1) todos
aqueles que são excluídos in limine, os que nem sequer chegam a ser
admitidos no processo de alfabetização na idade de escolarização
obrigatória; 2) aqueles que, tendo sido admitidos, são posteriormente
excluídos do processo; 3) aqueles que, ainda dentro do sistema de
147
ensino, estão sendo objeto de exclusão no próprio processo de
ensino através da reprovação e repetência e estão sendo assim
preparados para a posterior exclusão do processo. A exclusão
praticada no processo de alfabetização, através da reprovação e
repetência, alimenta, no momento seguinte, através do que
eufemisticamente se denomina de evasão escolar, o contingente dos
já excluídos do processo. (p.48-49)
148
diferentes classes sociais é regido por lógicas também diferentes: nas
escolas da burguesia, a lógica da progressão; nas destinadas à classe
trabalhadora, a lógica da exclusão.
Encarar o analfabetismo como epidemia, como praga, como doença,
não tem favorecido nem a compreensão, nem a solução do
problema. O analfabetismo é produzido socialmente. Sua produção é
mediada pela escola. A escola reservada às classes trabalhadoras é a
escola regida pela lógica da exclusão. Acredito que tais formulações
favoreçam mais a compreensão e a solução do problema, do que
certos conceitos, como fracasso, reprovação, repetência, evasão, que
mais escondem do que revelam o verdadeiro processo de produção
do analfabetismo. Pelo menos, tais conceitos deveriam ser definidos
em relação com o processo de produção social do analfabetismo.
(FERRARI, 1987, p.96)
149
Educação um simpósio intitulado A produção da exclusão social: violência
e educação. Duas comunicações componentes do Simpósio foram
publicadas e merecem, pelo menos, um rápido comentário.
Na primeira, FUKUI (1991) – a mesma autora que havia
trabalhado com os conceitos de “excluído total” e “excluído parcial” –
apresenta um estudo de caso de segurança nas escolas públicas estaduais de
São Paulo, em que não há qualquer tematização da exclusão, senão no título
do Simpósio. No primeiro momento, a autora faz um longo inventário dos
problemas de segurança apresentados e analisa as medidas adotadas. Então,
quando se poderia imaginar um diagnóstico ampliado que, se não tratasse de
excluídos, ao menos estabelecesse vínculos com relações sociais, a solução
apontada encaminha-se para a ingenuidade da redenção das mazelas sociais,
através da formação do espírito. Em última análise, “... a questão da
segurança nas escolas passa muito mais pela figura do professor, de sua
ação educativa e sua atuação como formador de opinião...” (p.72) A seguir,
todo o encaminhamento do artigo, que resultará em recomendações, é
pautado pela contraposição entre “a escola que temos” e “a escola que
queremos”. E neste ponto, surpreendentemente, persistem os eufemismos da
evasão e do aluno que abandona os estudos. Dentre as características da
realidade escolar, a primeira a ser destacada é “... uma relação entre o
congestionamento das escolas e a evasão dos alunos [...] Alunos menos
preparados, com problemas de disciplina ou de adaptação à rotina escolar,
tenderiam a abandonar os estudos.” (p.72) Depois disso, somente ao final do
artigo, em sua última frase, a autora reporta-se ao tema do Simpósio e faz
uma referência à exclusão. Mesmo assim, para cobrar atitudes dos
educadores. “Podem os educadores propor ações construtivas, que revertam
a situação de exclusão e desigualdade social no cotidiano da escola?” (p.76)
Na outra comunicação, ADORNO (1991) aborda a questão dos
jovens delinqüentes que são expulsos da escola, apontando aí um processo
incompleto de socialização. Também neste texto, só há uma oportunidade
em que o autor refere-se à exclusão; no entanto, o faz segundo uma
conceituação mais pertinente. Para ele, no caso das classes populares, “... a
escola se fixa na memória de dois modos: pela ausência ou pela exclusão
violenta.” (p.78) Ademais, assim como no texto anterior, persiste a questão
da evasão. Sua utilização, entretanto, ao menos está referenciada no
contexto sócio-econômico e numa certa caracterização do sistema escolar.
“Na memória dos biografados, a evasão apresenta-se como possibilidade
segura, seja diante da contingência econômica, seja devido ao caráter
monótono e nada estimulante da aprendizagem oferecida.” (p.79) De
qualquer modo, considerando o tema proposto pelo Simpósio, não será
infundado começar a suspeitar que a exclusão estaria passando a ser
150
empregada, por certo setor da educação brasileira, não como um conceito
que auxilia a compreensão do real, mas como garantia de estar
acompanhando pari passu a última tendência em voga.
Permanecendo ainda no ano de 1991, encontramos o artigo de
Maria Cecília Figueira de Mello, discutindo a segregação sócio-espacial na
cidade de São Paulo. Partindo de um enfoque teórico bastante afinado com
a teoria da marginalidade e dependência, a autora incorpora nesta
perspectiva o termo exclusão, sem, no entanto, qualquer definição
conceitual que justifique esta decisão. Assim, exclusão, marginalidade,
segregação, discriminação, dominação, repressão e outros perfazem um
grande grupo de termos que muitas vezes são usados como sinônimos ou
conceitos equivalentes. Assim, por exemplo, há no artigo um subtítulo “o
contexto da exclusão” e, pouco adiante, outro nomeado “a marginalização”.
Em termos de conteúdo, no primeiro, é feita uma exposição dos indicadores
sócio-econômicos que mostram o nível das contradições na cidade de São
Paulo; no segundo, a autora discute a realidade das crianças em instituições
de acolhimento, das crianças e jovens com prática de delito, das crianças e
jovens de rua e das crianças e adolescentes no mercado de trabalho.
Portanto, pareceria que o conceito de exclusão tem a ver com a segregação
social dos setores da população vitimizados pelas desigualdades
constitutivas do modelo macroestrutural da sociedade, enquanto a
marginalização faz referência aos jovens e às crianças em processos
desviantes de socialização. Entretanto, se à primeira vista esta distinção
parece fazer sentido, são constantes as formulações como as que seguem:
“É este o contexto da vida da criança e do adolescente de baixa renda.
Pertencentes às famílias marginalizadas do mercado de trabalho, excluídos
do acesso às políticas sociais básicas...” (MELLO, 1991, p.6) Por outro lado,
pouco adiante, pode-se ler: “Excluídas [as crianças e adolescentes em
instituições] do processo produtivo e das diversas políticas públicas,
marginalizadas dos mecanismos de participação social...” (p.10) Afinal,
ficamos sem saber se a autora classifica o não-trabalho como
marginalização ou exclusão. E este tipo de formulação ambígua repete-se a
todo instante. Por exemplo, na frase a seguir não é possível afirmar a que se
refere a exclusão. “A situação de injustiças, violação de direitos, exclusão e
discriminação, a que estão sujeitos amplos contingentes da população jovem
de baixa renda, é fruto das opções políticas, econômicas e sociais que
orientam a vida brasileira...” (p.10) Similarmente, nesta outra expressão,
parece que exclusão e marginalização são tomadas como sinônimos.
“Excluídos e marginalizados do atendimento através das políticas sociais
básicas...” (p.10) E poderíamos continuar citando à exaustão exemplos deste
tipo; isto, entretanto, parece desnecessário.
151
LINHARES (1992) pesquisa a escola noturna, procurando
identificar as necessidades e os desejos dos alunos, bem como a percepção
que eles têm do processo escolar. Neste artigo, a autora utiliza a todo
momento o conceito de exclusão, sem qualquer preocupação de defini-lo
anteriormente. Utiliza-o, na verdade, como conceito já plenamente
estabelecido, que não mais necessita ser esclarecido, deixando transparecer
que, à época, a exclusão já estaria perfeitamente incorporada ao jargão
educacional. Já na primeira frase do texto, é este termo que ocupa a posição
central, dando a entender qual será a tônica do artigo. Entretanto, parece
bem difícil identificar qual é mesmo o seu significado. “O capitalismo
produziu, no Brasil, como na maioria dos países do Terceiro Mundo, um
antagonismo entre escola e trabalho, e avança, atualmente, verticalizando
exclusões múltiplas, que na instituição escolar vêm sendo camufladas como
formas de ‘inclusão’.” (p.105) Ainda assim, a argumentação toda é muito
instigante. De modo geral, a autora defende a necessidade de articular a
escola e o mundo do trabalho, reconhecendo, entretanto, que isto só seria
possível no contexto de uma transformação social radical, pois “... ao fazê-
lo precisamos mudar o rumo dessas reiterações que favorecem o capital em
detrimento do trabalhador...” (p.107) Ao tratar mais especificamente do
objeto de sua pesquisa, a autora estabelece como noção de fundo a idéia de
que, no caso do aluno trabalhador que freqüenta a escola noturna, sua
inclusão no sistema escolar representa um processo de múltiplas exclusões.
O próprio espaço escolar propicia a exclusão. Os alunos são tratados
medíocre e infantilmente. Há interdições resultantes de preconceitos,
ocorrendo também vigilância, cobranças, ritos de diminuição. A mais
contraditória destas é a exclusão do próprio conhecimento sistematizado,
pois “... as classes populares concentradas na cidade reclamam por escolas,
e sua inclusão nelas se dá, simultaneamente, com processos que excluem
essas classes da aprendizagem reclamada.” (p.121)
Num aprofundado estudo teórico, onde, de modo geral, visam
provar que a categoria trabalho, assim como qualquer outro conceito, só
ganha efetiva significação quando entendida como construção histórico-
social, Maria Ciavatta Franco e Gaudêncio Frigotto analisam as questões da
escola do trabalho e da centralidade do trabalho. Para os fins da temática
que vem sendo perseguida aqui, importa principalmente que nos
dediquemos ao ponto da crítica à pertinência dos argumentos que defendem
a não centralidade do trabalho como categoria explicativa das relações
sociais. Como fio condutor da argumentação, os autores expõem a tese de
Claus Offe, um dos teóricos contemporâneos que mais dedicadamente
propugna “... que a sociologia deve fundar seu objeto não mais na categoria
trabalho e, por extensão, de classe social, mas em novas categorias.”
152
(FRANCO, FRIGOTTO, 1993, p.542) Ainda segundo os autores, Offe
abandona – eu diria que jamais chegou a acompanhar – o pensamento
crítico de Horkheimer e Adorno e “... conclui que a ‘ação comunicativa’,
por afastar-se da teoria dos conflitos, dá conta melhor da ‘dinâmica social
das sociedades modernas’.” (p.548) Enfim, sem descrever o rico
detalhamento da crítica a Claus Offe, saliento, unicamente, o que FRANCO,
FRIGOTTO (1993) denunciam como origem do problema. Primeiro, o fato de
Offe não considerar a dimensão ontológica do trabalho, mantendo-se preso
ao “... reducionismo de aprender o trabalho pelo trabalho assalariado, forma
mercadoria, trabalho abstrato e trabalho alienado.” (p.544) Segundo, a
opção teórica assumida deliberadamente.
A não acuidade de Offe para analisar a questão do trabalho abstrato,
trabalho mercadoria, em um nível de radicalidade das relações de
exclusão, deriva, a nosso ver, da própria opção teórica e
epistemológica de abandono da análise materialista histórica, e
inscreve-se numa perspectiva racionalista e funcionalista. (p.548)
153
sociedade capitalista contemporânea, podem reforçar perspectivas
conservadoras. [...]
O enfrentamento desse desafio implica a capacidade de atuar no
plano das contradições, ou seja, na crítica, e de combater, em todos
os espaços, a forma alienadora, fragmentária e excludente das
relações sociais. (p.550-551)
154
Neste contexto, há alguma dificuldade em identificar com nitidez
o sentido em que o autor emprega o termo exclusão, nas diversas vezes que
o faz. Em certas passagens, como no excerto recém-citado, somos tentados
a interpretar que busca a garantia dos direitos de cidadania, ou seja, tenta
recuperar a lógica dos direitos sociais e das políticas públicas, ao feitio do
Estado de bem-estar. A tônica geral do artigo, entretanto, não é esta. De
modo geral, o autor faz uma dura e correta crítica a certo setor da esquerda
que adota um referencial teórico estruturalista e mecânico, impeditivo da
compreensão do verdadeiro curso da história.
Acontece que a história, de fato, se repete; mas, como Marx
sustentava, o faz primeiro como tragédia e logo como farsa. Trata-se
de dois gêneros que, em sua diversidade, transformam a dialética da
história num processo original e, ao mesmo tempo, repetitivo.
Reconhecer esta dinâmica onde se combinam a mudança e a
permanência é fundamental para uma compreensão teoricamente
rigorosa das lógicas de dominação existentes em nossas sociedades e
para a construção de uma prática política radicalmente democrática
orientada para a superação da sociedade de classes. (GENTILI, 1995,
p.192)
155
classes populares.” (p.11) Neste sentido, os dados levantados por
ROSEMBERG (1999) permitem dizer que não há relação direta entre
expansão da educação infantil e democratização. No caso brasileiro,
especificamente, a própria inclusão no processo de educação infantil
ocasiona a exclusão. E aqui, novamente, com o sentido de um complexo
entrecruzamento de subalternidades.
... a educação infantil, em seu processo de expansão, também criou e
reforçou padrões de exclusão social e racial: crianças pobres e
negras (em percentual ligeiramente mais freqüente entre meninos),
mesmo no sistema de educação infantil público, freqüentam
estabelecimentos de pior qualidade e que lhes impõem nível
educacional inadequado à idade. Estabelecimentos de educação
infantil de pior qualidade tanto significam lugares piores para a
educação e cuidado das crianças, quanto piores locais de trabalho
para os adultos. Locais de produção e reprodução da subalternidade.
Mulheres, resistindo ao destino de empregadas domésticas,
acomodando-se às sobras do sistema. Crianças, desde muito cedo,
sendo socializadas para a subalternidade. (p.33)
Conclusão
Referências
156
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159
.
Resenha
.
Alfabetto: Autobiografia Escolar de Frei Betto1
Gilse H. M. Fortes
1
Resenha escrita para a disciplina Educação e cultura escolar: análise de discursos e práticas
educativas – Profa. Dra. Maria Helena Câmara Bastos.
164
Assim, mesclando contexto histórico, dimensão pessoal, culturas
escolares e formativas vividas, o livro nos brinda com a auto-reflexão,
salientando o quanto podemos ser e o quanto podemos fazer com o que
tentam fazer de nós.
165
.
Parte II
.
Apresentação
170
produção da pesquisa na área e o visível distanciamento de tais implicações
para a sala de aula.
A disciplina de História da Educação na Faculdade e no Centro
Universitário La Salle texto de autoria de Miguel Alfredo Orth, identifica as
principais características assumidas pela disciplina de História da Educação
naquele Centro Universitário, a qual tem sua história vinculada à trajetória
de congregação religiosa e à Obra Educacional Lassalista. O autor utiliza,
como fontes, os currículos, os programas, a formação acadêmica dos
professores, os livros escolares, os conteúdos, bem como entrevistas semi-
estruturadas, a dotadas para esclarecer situações peculiares e relevantes que
a análise indicava. A abordagem sobre o desenvolvimento da disciplina é
feita através de seis blocos cronológicos, com a descrição das características
assumidas entre 1981 e 2005. Com riqueza de informações, Miguel Orth
demonstra que, na década de 1980, predominaram as disciplinas de História
da Educação geral e clássica, enquanto que, na década de 1950, a prioridade
foi conferida à educação clássica, bem como à história da educação
brasileira e crítica. Já a partir de 2000, o foco adotado foi a história da
educação brasileira e lassalista.
O artigo da professora Anna Rosa Fontella Santiago, O ensino de
Historia da Educação na UNIJUÍ, debate a disciplina de Historia da
Educação no contexto dos debates de formação de professores nas ultimas
décadas. Analisa a posição dos eixos temáticos e linhas conceituais do
currículo de formação de professores da Instituição e a condução que a
disciplina recebeu, especialmente no currículo do Curso de Pedagogia, e
suas relações com outros campos do conhecimento. Destaca que, ao longo
do tempo, Historia da Educação foi tratada como instrumento básico de
investigação e fundamental para a prática pedagógica, contribuindo para
que a formação docente se situasse frente à dinâmica das relações políticas,
sociais, culturais e econômicas.
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani situa, em Ponha-se no seu
lugar!!! A História da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade
de Passo Fundo: em busca do espaço institucional, o histórico do Curso de
Pedagogia da UPF nele identificando a pouca valorização atribuída à
disciplina de Historia da Educação no período estudado - 1971 a 2006.
Analisa ementas e indica como hibrida a posição dessa disciplina no
contexto do currículo, embora reconheça a importância epistemológica da
mesma na formação do educador.
Flávia Werle e Berenice Corsetti apresentam em seu artigo
Historia da Educação e a formação do professor na UNISINOS, a
disciplina de História da Educação e seus desdobramentos dos anos
cinqüenta até 2005, focando especialmente o Curso de Pedagogia. É um
171
texto elaborado a partir da análise de ementas, objetivos, conteúdos
programáticos e bibliografia da disciplina de Historia da Educação e
Historia da Educação Brasileira. As autoras constatam a progressiva
restrição da temática enquanto disciplina especifica no currículo da
formação docente.
As professoras Regina Quintanilha Azevedo, Clarisse Ismério e
Marilene Vaz Silveira analisam em Apontamentos sobre a disciplina de
História da Educação na Universidade da Região da Campanha –
URCAMP (1959 – 2001), como História da Educação foi se constituindo no
curso de Pedagogia apresentando, previamente, o perfil da IES em relação
ao contexto histórico da segunda metade do século XX. Tratam dos temas e
da abordagem pedagógica recebida pela disciplina de História da Educação,
quem eram as docentes que a ministravam e as obras de referência
utilizadas. Para tanto, as autoras utilizaram fontes variadas como Atas e
Relatórios para Avaliação do Ministério de Educação e Cultura, planos de
curso e de estudos, bibliografias, plano pedagógico. Levaram também em
consideração a formação dos professores explicitando o tratamento atual
dessa disciplina.
Os professores Maria Stephanou e Elomar Tambara analisam em
seus textos: O ensino de História da Educação na História da Faculdade de
Educação da UFRGS: primeiras aproximações e História da Educação no
curso de pedagogia da Universidade Federal de Pelotas a evolução e a
natureza da presença desta disciplina em suas instituições de ensino.
O conjunto de textos aqui reunidos apresenta o itinerário
institucional das disciplinas de História da Educação e História da Educação
Brasileira em algumas IES do sul do Brasil, pretendendo contribuir para a
discussão do papel das mesmas no contexto da formação de professores,
fomentar a reflexão acerca das relações entre o ensino e a pesquisa em
História da Educação e da constituição dos cursos de formação de
professores em nível superior no Rio Grande do Sul.
172
A disciplina História da Educação na formação de
professores: desafios contemporâneos
Clarice Nunes
Resumo
Abstract
The institutional and course evaluation, one of the decisive educational policy procedures
within the present country circumstances, affects the History of Education discipline teaching
in the Graduation Pedagogy Courses, and collide with some challenges faced by the teachers in
the class: to attend to the social, personal and discipline demands; to participate of a identity
construction moviment, to carry to the teaching the recent findings of the post-graduate courses
researches and to elabore other research and teaching representation forms that affect his acting
and work results. It is proposed the discussion of what a quality teaching and research on
History of Education is and, in the light of the conception that orientates the author’s thought,
of some expectations related to this discipline academic practice,
Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.
174
alguns pesquisadores a insatisfação e a busca de outros aportes teóricos para
produzir a pesquisa histórica em educação, dentre eles, a chamada Nova
História, gestada na França, que já havia se propagado nos meios
acadêmicos em nosso país nos anos de 1960 e 1970.
Enquanto os historiadores profissionais já vinham sendo
formados nos cursos de licenciatura e bacharelado das Faculdades de
Filosofia, antes portanto da expansão dos Cursos de Pós-Graduação em
História na década de 1970 (FALCON, 1996), os profissionais
especializados em produzir a história da educação são fruto dos Cursos de
Pós-Graduação em Educação, criados nesse mesmo momento.
No início da década de 1990 os historiadores debatiam a crise da
História e em meados dessa mesma década, começaram a encarar a crise da
identidade do historiador, a partir de dois critérios diferentes e não
necessariamente complementares: o da formação em História e o do
reconhecimento de seus trabalhos como sendo de História (FALCON,
1996). Nós, historiadores da educação, no início da década de 1990,
começávamos a nos afirmar como historiadores pela nossa prática e pelo
nosso projeto de pesquisa, sendo percebidos pelos historiadores de
formação às vezes como intrusos, às vezes como parceiros na produção do
conhecimento. Fomos forjando nosso campo de atuação, a partir da
fragmentação da própria oficina da História e não exatamente pela
fragmentação dos objetos historiográficos que, sem dúvida, se
multiplicaram entre nós de um modo acentuado.
O que se espera de um pesquisador de história da educação? Que
conheça o seu ofício. O que se espera de um professor de História da
Educação? Que ensine a pensar historicamente. Essa disciplina, como
lembram Faria Filho e Rodrigues (2003), se situa no quadro mas amplo das
disciplinas que compõem a formação do professor nos cursos de pedagogia
e nas outras licenciaturas e, obviamente, se articula (ou não) com as
pesquisas nessa área. Geralmente pesquisadores de história da educação
ensinam esta disciplina. Mas há aqueles que a ensinam sem serem
pesquisadores da área ou mesmo praticantes da pesquisa. E quando faço
essa afirmação estou pensando na diversidade das instituições encarregadas
da formação do professor e das condições para o exercício da pesquisa que
revelam um espectro de situações, das mais favoráveis às mais improváveis.
No entanto, não vou me estender nessa direção. Estou mais preocupada com
as diferentes formas de representação que construímos da pesquisa e do
ensino e que afetam nossa atuação, produzindo diferentes resultados,
sobretudo numa conjuntura que tem na avaliação dos cursos de formação
docente (mas não só deles) uma prioridade da política educacional após a
175
aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e que vê na
qualidade um objetivo a perseguir a qualquer custo.
Esta preocupação me leva a eleger um certo lugar para falar da
disciplina História da Educação que não privilegia propriamente a sua
história, o que fiz em outros textos que produzi, mostrando como ela
apareceu nas universidades e escolas normais européias, no final do século
XIX, forjada pela defesa da necessidade de um ensino sistemático da
pedagogia, que se iniciaria justamente com a sua própria história e arte de
ensinar (NUNES & CARVALHO, 1993). Recordo que, no Brasil, a história
da história da educação não se dissocia da história da Escola Normal, nem
da inserção da Pedagogia como seção da Faculdade Nacional de Filosofia
ou da criação das Faculdades de Pedagogia e dos Programas de Pós-
Graduação em Educação nos anos setenta do século XX (LOPES, 1986).
Optei por falar desse campo disciplinar a partir dos desafios
contemporâneos, o que me permite, num primeiro momento, operar um
certo descentramento das questões mais específicas que ele abriga até para
poder voltar a elas de um ponto de vista mais amplo. Fazer um balanço da
produção da ASPHE, identificar como a disciplina História da Educação
esteve presente nos cursos de formação docente, delinear um projeto futuro
para essa associação, objetivos deste encontro, pressupõem enfrentar a
questão do que seja uma pesquisa ou ensino de história da educação de
qualidade. Temos, portanto, mesmo que sucintamente, compreender de que
qualidade falamos.
A qualidade, como define Juan Casassus (2002), é um juízo
formulado por uma pessoa, um grupo ou uma instituição sobre um domínio
específico que se reporta a certos critérios e padrões. É, portanto, um juízo
socialmente construído. Logo, é histórico, multidimensional e pretende, do
ponto de vista da política, atingir o sistema educativo como um todo.
Se considerarmos, ainda seguindo Casassus, que a pesquisa e o
ensino são serviços prestados com o objetivo de satisfazer às necessidades
de alguém, é preciso identificar que demandas são feitas para esses serviços
e quem as faz. Se pensamos na disciplina História da Educação como
possibilidade de desenvolvimento da cidadania, temos uma demanda que
provém da sociedade. Se pensamos na mesma disciplina com ênfase na
aquisição de certos conhecimentos considerados imprescindíveis, temos
uma demanda que provém da área disciplinar. Se pensamos na disciplina
História da Educação como possibilidade dos estudantes apropriarem-se de
um saber fazer que muda constantemente e que dá visibilidade à
singularidade dos sujeitos, de sua história e da memória dos grupos aos
quais pertencem, que pretende atender às necessidades do seu
desenvolvimento pessoal temos uma demanda que provém das pessoas. Se
176
examinarmos, porém, o que ocorre com os processos de avaliação de
qualidade que incidem sobre essa área disciplinar (e não apenas ela), vemos
que nem a demanda da sociedade nem as das pessoas são levadas
efetivamente em conta por quem toma a decisão de avaliar. Ou seja, a
avaliação fica restrita ao rendimento escolar e, portanto, às demandas que
emergem da disciplina. Ora, se permanecemos centrados no exame da
disciplina escolar sem problematizar a decisão política de avaliar estamos
alimentando um tipo de avaliação que não serve para melhorar a pedagogia
da pesquisa nem a do ensino, mas apenas para determinar classificações e
aplicar sanções.
A grosso modo, na implementação da disciplina História da
Educação, no Brasil republicano, temos três grandes movimentos de
construção de identidade através da mediação pedgógica do professor:
aquele preocupado com a construção de uma identidade nacional e que
toma a história como fonte de formação e de conteúdos para projetar sobre
eles um futuro; um outro mais atento para o ensino de capacidades
cognitivas do que de conteúdos, com vistas a atuação num contexto em
mudança e ainda um movimento que se volta para a construção da
subjetividade, para que quem aprenda história da educação ressignifique a
sua vida e se torne, na medida do possível, mais consciente das suas
escolhas. Esse terceiro movimento exige uma interação não linear entre
professor, aluno e conhecimento. Exige também que se levem em conta as
motivações, as expectativas, interesses, atitudes e conteúdos (mesmo que os
julguemos equivocados) que o aluno traz na sua bagagem, além da
compreensão de que a relação entre o currículo e a aprendizagem é um
exercício ao qual podem ser atribuídos múltiplos sentidos que se reportam
tanto ao que ocorre dentro, quanto ao que ocorre fora da escola.
Essa maneira de focalizar a questão disciplinar, saindo
propositadamente dos limites da disciplina, não deixa que o orgulho que
sentimos pelo trabalho específico que realizamos enquanto pesquisadores de
História da Educação nos atrapalhe para pensar as questões relativas ao
ensino. Tentarei explicar. Tanto a pesquisa quanto o ensino fazem parte de
projetos de comunicação formadora.1 Em ambos só se transmite algo que
seja verdadeiro e válido aos olhos daquele que se incumbe dessa
responsabilidade. Partimos, portanto, do valor instrínseco da coisa ensinada.
A prática da pesquisa introduz o estudante no ofício do historiador, no
modo de operar a produção científica existente.
1
Realizei um sucinto comentário sobre o ensino como projeto de comunicação formadora no I
Congresso de História da Educação em Minas Gerais, realizado em 2002. Retomo nesta
oportunidade alguns argumentos que ainda considero válidos (NUNES, 2002).
177
A pedagogia da pesquisa não se confunde porém com a pedagogia
do ensino. Na pesquisa construímos um objeto de estudo por aproximações
sucessivas e procuramos manter a vigilância nesse processo. No ensino,
procura-se transmitir conteúdos provenientes da pesquisa (a própria e a dos
outros) como um corpo constituído de inteligibilidade que, se não deve ser
aceito acriticamente, possui certo aval de confiabilidade que lhe outorga a
escolha realizada pelo docente. Na pesquisa interrogamos um aspecto
particular do conhecimento de forma ativa e sistemática, problematizamos o
pré-construído. Se a pesquisa procura romper com certas crenças, o ensino
procura disseminar aquelas às quais chegamos e que também precisam ser
postas à prova, mas no ensino esse processo tende a ser mais lento e as
aquisições mais sedimentadas, do que no campo da investigação.
Na pesquisa a situação ideal, afirma Bourdieu (1989), é a do
investigador que reúne uma cultura erudita no campo de conhecimento
escolhido e, ao mesmo tempo, resiste ou se revolta contra as interpretações
dominantes. Para Bourdieu, um dos obstáculos à pedagogia da pesquisa é a
pedagogia do ensino que perpetua autores, métodos, conceitos. E isso
ocorre porque os professores ao invés de iniciarem pelo ponto em que se
situam as pesquisas mais avançadas dos pesquisadores de ofício, fazem os
estudante percorrerem uma tradição que trabalha com fragmentos, pedaços
que não ganham sentido de conjunto a não ser pela continuidade
cronológica. Acrescento que às vezes também pecamos ao encaminhar o
ensino pelos interesses quase exclusivos das nossas próprias pesquisas.
Temos tido dificuldade de renovar nossas bibliografias no campo
do ensino, em parte pelo processo que construiu a separação entre ensino e
pesquisa. Raro o professor de História da Educação que não teve aquela
sensação de que há demasiada história para ser ensinada e aprendida.
Permanece no ar questões que não nos abandonam: o que precisamos
ensinar? O que queremos conhecer do passado? Porquê? Que diferença faria
se não o conhecêssemos? O que a escola ensina e, sobretudo, a História da
Educação, é uma parte bem restrita do que constitui a experiência coletiva, a
cultura viva de uma comunidade humana, até porque há muita coisa que se
rejeita, se esquece ou se abandona dos aspectos culturais e não se trata
apenas de um abandono do passado, mas também de aspectos presentes na
atualidade no interior da sociedade.
A graduação aparece como área estratégica de intervenção
pedagógica, no sentido da melhoria do ensino e de incentivo à participação
de estudantes em atividades de iniciação científica. Quem são os alunos da
graduação: Em minha experiência são geralmente alunos trabalhadores,
grupo heterogêneo quanto à capacidade de percepção e raciocínio histórico.
O reconhecimento desse terreno, assimetricamente delineado, é de
178
fundamental improtância para o processo comunicativo em andamento.
Nele, cabe ao professor não propriamente ensinar a História da Educação,
mas provocar e alimentar a recusa às verdades instituídas, a necessidade de
recuo dos clichês e opiniões cristalizadas, seja pelo grupo familiar de
origem, seja pelas escolas de formação anteriores. É preciso que o estudante
encontre um caminho produtivo para o exercício do estranhamento.
Conseguir algum nível de estranhamento é decisivo para que os
estudantes desnaturalizem sua própria experiência escolar e se dêem conta
do processo de estereotipagem que se apodera da sua vida mental. Nada
avança, na relação pedagógica, sem a desconstrução das certezas, das
noções simplificadas que recobrem elementos contraditórios do real, que
ignoram exceções e permanecem rigidamente imunes à experiência.
Acomodar-se aos estereótipos, nas explicações dadas pelos grupos de poder,
conduz a uma limitação da imaginação, a um estreitamento progressivo do
campo mental, à uma menor tolerância à ambigüidade, ao apego à ordem,
ao instituído.
Toda a dificuldade reside no trânsito da opinião para o
conhecimento. Pensar seria justamente viver a experiência da relação entre
sujeito e objeto. Pensar é assumir a diferença das representações. Afastar-se
da necessidade que a opinião tem de incorporar a si mesma apenas o que lhe
é semelhante, vendo em tudo a confirmação de si própria. Viver no terreno
da opinião é não se espantar com nada. É viver na opacidade das certezas
(BOSI, 1977).
Precisamos trabalhar, portanto, e duramente, na suspensão das
certezas (as nossas e as dos outros). Só aí começamos a habitar plenamente
nosso próprio mundo, principiando a aprendizagem de um certo
vocabulário, de um estilo de interrogar, de exercer certas operações
conceituais, de dar inteligibilidade ao que se aprende, de aprender a pensar
historicamente. Mas para que isso ocorra o que se espera do professor? Dele
se espera que:
• concilie, distinguindo, o seu papel de historiador e de educador;
• reveja continuamente, os seus conhecimentos e sua
competência;
• discuta teoricamente as concepções de história implícitas na
sua prática docente e de investigação;
• acompanhe o debate (nos encontros e colóquios, nas revistas
especializadas da disciplina)
• busque o diálogo e o intercâmbio com outras áreas de
conhecimento.
179
Referências
180
A Disciplina História da Educação no Curso de
Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (1942-2002)
Maria Helena Camara Bastos
Fernanda de Bastani Busnello
Elizandra Ambrosio Lemos
Resumo
O artigo busca contribuir para a discussão sobre o ensino da disciplina História da Educação
nos Cursos de Pedagogia. Analisa a história da disciplina no currículo das escolas normais e no
curso de Pedagogia. Tem como foco a história da disciplina na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, no período de 1942 a 2002: localização na grade curricular;
carga horária; docentes (formação); ementas/súmulas; conteúdo; bibliografia básica adotada,
procedimentos didáticos e de avaliação.
Palavras-chave: disciplina História da Educação; Pedagogia; disciplina escolar.
Resumé
182
O presente artigo busca contribuir para a discussão sobre o
ensino da disciplina História da Educação nos Cursos de Pedagogia, tendo
como foco a história da disciplina na Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, no período de 1942 a 2002 : localização na grade
curricular; carga horária; docentes (formação); ementas/súmulas; conteúdo;
bibliografia básica adotada, procedimentos didáticos e de avaliação. Temos
consciência de que os planos não expressam o que realmente ocorreu, mas
são pistas, sinais e vestígios (Ginsburg, 1989) para adentrar no que foi e é
privilegiado pelos docentes.
184
parecer sobre as Escolas Normais no Congresso de Instrução do Rio de
Janeiro (1883-84) , recomenda como disciplina do currículo de formação -
Pedagogia e metodologia geral: história da Pedagogia.
No Rio Grande do Sul, já em 1876, a História da Educação
aparece como conteúdo da disciplina Pedagogia, que compreendia “sua
história, suas divisões e aplicações práticas e princípios de direito natural”.
O Padre Joaquim Cacique de Barros foi o primeiro professor de Pedagogia e
diretor da Escola Normal do Estado, criada em 1869. Também lecionava
Regras de Caligrafia, Gramática Nacional, Catecismo, História Sagrada e da
Igreja e Gramática analisada. Em 1872, alertou as autoridades
governamentais sobre a falta que a cadeira de Pedagogia fazia no curso,
independente da cadeira de Gramática (Schneider, 1993, p.245).
No Decreto nº 874, de 28 de fevereiro de 1906, permanece essa
situação - a disciplina Pedagogia deveria compreender sua história,
educação física, intelectual e moral, metodologia, prática do ensino com
duas horas por semana na terceira série. Somente o Decreto nº 4.277 de 13
de março de 1929, que regulamenta o ensino normal na Escola Normal de
Porto Alegre e em escolas complementares, inclui a disciplina História da
Educação no curso normal (Werle, 2003, p. 300-301) . Foram as reformas
educacionais introduzidas a partir de 1930, que incluíram a cadeira nos
planos das Escolas Normais. Em 1946, a Lei Orgânica do Ensino Normal
(Decreto-lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946) estabelece que no currículo
das Escolas Normais deveria ser ministrada a disciplina História e Filosofia
da Educação, a ser ministrada na terceira série.
Na década de 40, com a criação dos cursos de Pedagogia, nas
Faculdades de Filosofia, Ciência e Letras, ampliam-se os estudos
pedagógicos e, como parte deles, o de História da Educação (Decreto-lei nº
1190, de 4 de abril de 1939). A Faculdade Nacional de Filosofia é instituída
com o fim de “preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas
atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica; preparar candidatos
ao magistério do ensino secundário e normal; realizar pesquisas nos vários
domínios da cultura, que constituam objeto de estudo”. Para a
operacionalização destes objetivos, cria cinco seções: Filosofia, Ciências,
Letras, Pedagogia, Didática.
O Regimento Interno, aprovado pelo Conselho Universitário de
30 de agosto de 1940 e pelo Conselho Nacional de Educação em 15 de maio
de 1942, determina que o curso de Pedagogia deva ser realizado em três
anos, com a seguinte seriação: primeira série – complementos de
matemática, história da filosofia, sociologia, fundamentos biológicos da
educação; segunda série – estatística educacional, história da educação,
fundamentos sociológicos da educação, psicologia educacional,
185
administração escolar; terceira série – história da educação, psicologia
educacional, administração escolar, educação comparada, filosofia da
educação.
Quanto ao corpo docente da Faculdade, afirma que seria
constituído pelos professores catedráticos, assistentes, docentes livres e,
eventualmente, professores contratados. Na listagem das cadeiras (art.126),
consta um professor catedrático para História e Filosofia da Educação,
cátedra ocupada por Raul Jobim Bittencourt , o que marca a união das duas
disciplinas em suas trajetórias nos cursos de formação de professores
(Lopes; Galvão, 2001, p27).
O programa de História da Educação, para a segunda e terceira
série do curso de Pedagogia, compreendia os seguintes tópicos: conceito de
educação; a pedagogia e a história da educação no quadro geral dos
conhecimentos; método de estudo da história da educação; a educação nas
sociedades primitivas; a educação nas culturas orientais: do Egito, da
Mesopotâmia, da Pérsia, da Índia, da China, de Israel; a educação na cultura
clássica: educação helênica, educação romana; a educação na cultura
ocidental: educação cristã na Alta Idade Média, educação cristã na Baixa
Idade Média, a Universidade; a educação na Renascença, Humanismo,
Reforma; educação moderna, século XVII e a primeira metade do século
XVIII, de Comenius a Rousseau. Na terceira série o programa compreendia:
a revolução intelectual do século XVIII e a educação, Enciclopédia, de
Rousseau à revolução francesa; Pestalozzi e a educação contemporânea;
diretrizes educacionais do século XIX: os continuadores de Pestalozzi –
Froebel, Girard, desenvolvimento científico e sua influência na educação –
Herbart, Spencer, Bain, a educação nos Estados Unidos – de Horace Mann a
William James, a educação na América Latina – Sarmiento, Varela; exame
das últimas idéias e práticas pedagógicas: escola nova – Sanderson,
Montessori, Claparède, Decroly, Dewey; diretrizes educacionais dos
Estados fascistas, comunistas, democráticos; a educação no Brasil: de
Anchieta à república; leis, educadores e escolas do período republicano;
síntese histórica, perspectivas futuras da educação (Programa do Curso de
Pedagogia, 1942, p.30-31) . Esse programa incide sobre a evolução no
tempo dos processos educativos e escolares, com ênfase nos principais
representantes de cada período e uma descrição de fatos, idéias e práticas,
levando à compreensão do “passado pelo passado”.
Com a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
4024/61), o curso de Pedagogia passa por reformulação (Parecer do CFEnº
251/62) e a disciplina História da Educação permanece elencada como uma
das cinco disciplinas obrigatórias do currículo mínimo.
186
A Reforma Universitária de 1968 cria as Faculdades de Educação
e o currículo do curso de Pedagogia é alterado através do Parecer CFE nº
252/69, passando a ter uma base comum, constituída por matérias básicas à
formação de qualquer formação pedagógica, integrada pelas disciplinas:
Sociologia Geral, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, História
da Educação, Filosofia da Educação e Didática . A história da educação
brasileira deixa de ser um conteúdo da disciplina geral e passa a integrar os
currículos dos cursos de formação de professores como disciplina específica
ou identificada como História da Educação II.
A partir de 1996, com a lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9324/96) a maioria dos cursos de formação de professores
passa por reformulações, buscando adequar-se às novas orientações e
propostas. O Parecer CNE/CP 09/2001, de 8 de maio de 2001 , que institui
diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da
Educação Básica em nível superior, licenciatura de graduação plena,
preconiza que o “curso de Pedagogia deve ter em seu currículo um núcleo
de conteúdos básicos, articuladores da relação teoria e prática, considerados
obrigatórios pelas IES para a organização de sua estrutura curricular e
relativos – ao contexto histórico e sociocultural, compreendendo os
fundamentos filosóficos, históricos, políticos, econômicos, sociológicos,
psicológicos e antropológicos necessários para a reflexão crítica nos
diversos setores da educação na sociedade contemporânea”. Dessa forma, a
disciplina História da Educação e/ou História da Educação do Brasil
permanece no currículo da maioria dos cursos de Pedagogia, em suas
diferentes modalidades, mas varia no título e conteúdo, como em carga
horária e semestre ministrada.
Em 2005, O Conselho Nacional de Educação ao instituir as
“diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em
Pedagogia”, entre os objetivos da formação (art. 3º) destaca o de “conhecer
e avaliar teorias da educação geradas no contexto brasileiro e da América
Latina, estabelecendo diálogo com pensamentos oriundos de outros
contextos, a fim de elaborar propostas educacionais consistentes e
inovadoras”. Essa meta, para ser plenamente alcançada, necessita um
currículo com ênfase nos fundamentos filosóficos, sociológicos e históricos
da educação, em uma perspectiva comparada.
187
A Disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia da
PUCRS (1942-2002)
188
sem mudanças aparentes. Na década dos anos 90, constata-se uma
modificação significativa: as ementas passam a sinalizar um conjunto de
intenções analíticas (anexo 3).
Para a análise dos conteúdos programáticos da disciplina,
optamos por selecionar um plano para cada década como representativo do
período, sem deixar de assinalar as mudanças observadas (anexo4). A
ênfase dos programas recai em uma exposição linear da história, passando
em revista a educação e a escola desde a antiguidade até a época
contemporânea, com uma visão sobre as doutrinas pedagógicas e seus
principais representantes. O olhar está centrado nas contribuições advindas
da Europa.
O plano da disciplina datado de 1969 apresenta somente a
listagem dos conteúdos programáticos, minuciosamente discriminados:
conceito de história; finalidades da história; fatores que atuam no processo
histórico; conceito de pedagogia, educação, concluindo com sentido do
estudo da história da educação na formação de professores; metodologia no
estudo de história da educação; variação do conceito de educação através da
história – Antigüidade: entre os povos primitivos, entre as primeiras
civilizações, na Antigüidade grega, em Esparta, em Atenas, os sofistas,
Sócrates, Platão, Aristóteles, entre os romanos; na Idade Média: a
interrupção do humanismo educacional com a invasão dos bárbaros no
século V, o aparecimento de uma nova civilização influenciada pelo
cristianismo, a educação dos leigos, a educação cristã, a educação dos
camponeses, a educação dos letrados, as escolas dos mosteiros, as escolas
catedrais ou episcopais e as escolas paroquiais, evolução histórica até a
fundação das Universidades nos séculos XI, XII e XIII, as universidades, a
escolástica; na Renascença; as concepções educacionais modernas; os
métodos de ensino através da História: os métodos didáticos, os métodos
atraentes, o método interrogativo, os métodos intuitivos, os métodos ativos.
Observa-se uma ênfase na história da civilização, da Antigüidade clássica à
Renascença, em uma visão macro da educação e das instituições escolares.
Os pensadores gregos são os destacados para estudo, não havendo
preocupação com as idéias pedagógicas gestadas em outros momentos
históricos. Cabe ainda assinalar o destaque dado para os métodos de ensino,
como unidade final da disciplina, o que dimensiona uma visão voltada à
didatização da formação docente.
Na década de 1970, há ainda um cuidadoso detalhamento do
conteúdo da disciplina História da Educação I e II, conforme já observado
nas ementas. A seqüência adotada tem forte aproximação com o
detalhamento programático proposto em 1942, com ênfase na história da
educação geral, sendo a educação brasileira enfocada como uma unidade do
189
programa. A disciplina História da Educação I inicia estudando o conceito
de educação e pedagogia e suas correlações; o método e as fontes de estudo
da História da Educação, seu valor e importância; a História da Educação
entre os povos primitivos; a educação entre as culturas orientais; a educação
grego-romana; a educação na cultura ocidental; a educação na renascença.
A disciplina História da Educação II continua com os temas: época do
naturalismo pedagógico; a educação geral humana na pedagogia da
Revolução e do Neo-humanismo; a educação no século XIX, a educação no
século XX; história da educação brasileira (estudo dos diversos períodos).
Nas décadas de 1980 e de 1990, os programas mantêm a mesma
distribuição dos conteúdos programáticos: conceito de educação; educação
e pedagogia e suas correlações; método de estudo da história da educação;
fontes de estudo da história da educação, seu valor e importância; história
da educação entre os povos primitivos; a educação entre as culturas
orientais; a educação greco-romana; a educação cristã primitiva; a educação
medieval; a educação no Renascimento, humanismo e educação reformada;
educação e o liberalismo burguês; educação contemporânea. Para a História
da Educação II ou Brasil, o conteúdo privilegia os momentos históricos
consagrados pela historiografia: educação colonial; educação imperial; da
República Velha ao Estado Novo; Educação brasileira: do fim do Estado
Novo a 1964; Educação brasileira: de 1964 ao Brasil atual. O final dos anos
90, os programas da disciplina apresentam uma sensível modificação,
privilegiando temas como a história da infância, da alfabetização, da
formação docente.
Quanto aos procedimentos didáticos, assinalados nos planos da
disciplina, há referência de que “além das preleções”, havia trabalhos
objetivos, relatórios de leitura, observações e debates (década de 1970). Na
década de 1980, observa-se o uso de filmes (O Nome da Rosa) como
recurso didático, a pesquisa bibliográfica e a produção textual dos alunos a
partir de questões formuladas previamente. Na década de 1990, a
preocupação é a formação do aluno como pesquisador através de “pesquisa
bibliográfica e empírica: desenvolvendo a criticidade, coerência, realidade,
estudo e autonomia”. Um plano analisado apresenta um roteiro de pesquisa
bibliográfica que sinaliza para quatro pontos:
questão de pesquisa – relações da educação de uma sociedade e/ou
civilização ou período histórico, com as realidades econômicas,
políticas, culturais, sociais e religiosas no contexto histórico e
relações com a atualidade; objetivo – estabelecer relações, analogias,
análises dos momentos históricos;pesquisa bibliográfica – através da
pesquisa resgatar as questões de organização social, relações
políticas e religiosas, propostas econômicas, culturais, e as questões
educacionais (educadores, métodos, teorias, procedimentos
contextualizados, proposta pedagógica com a preocupação de
190
conquistar a visão de totalidade da educação no período); pesquisa
empírica – observação e/ou entrevista com pessoas fontes (através
de instrumento construído previamente) evidenciando os
conhecimentos estudados, para que assim, critérios e análises do que
foi pesquisado possa ser explicitado e produzido textualmente
(1999).
191
de leitura geral, em que há indicação de obras fundamentais de Dewey,
Gramsci, Durkheim, Rousseau.
Para a disciplina História da Educação II (Brasil), a bibliografia
indicada, de forma sistemática pelos planos da década de 1980, é de
produção mais recente e constam de obras de: Ribeiro, Maria Luisa.
História da Educação Brasileira (1978); Romanelli, Otaíza. História da
Educação no Brasil (1980-2ªed); Chagas, Valmir. Educação Brasileira. O
ensino de 1º e 2º graus (1982- 3ªed); Werebe, Maria José Garcia. Grandezas
e Misérias do Ensino no Brasil (1968-3ªed); Nagle, Jorge. Educação e
Sociedade na Primeira República (1974); Teixeira, Anísio. Educação no
Brasil (1969); Lima, Lauro de. Estórias da Educação no Brasil: de Pombal a
Passarinho (1960-3ªed); Azevedo, Fernando de. A Cultura Brasileira (1971-
5ªed); Freitag, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade (1979-3ªed); Freire,
Paulo (várias obras); Saviani, Dermeval (várias obras); Barros, Roque
Spencer Maciel de. Diretrizes e Bases da educação (1960).
Nos planos dos anos 90, permanecem muitas das obras já
assinaladas, mas são incluídos autores identificados com a tendência mais
crítica da escola capitalista: Apple, Michael. Educação e poder (1989),
Ideologia e Currículo (1982); Enguita, Mariano. A face oculta da escola
(1989); Durand, José Carlos. Educação e hegemonia de classes (1983);
Pistrack, A escola do Trabalho (1981). Para a disciplina de história da
Educação no Brasil destacam-se nomes como Luis Antonio Cunha, Carlos
Jamil Cury, Celso Beisegel, Edgar Carone, Carlos Brandão, Raimundo
Faoro, Manfredo Berger, Leôncio Basbaun, Xavier, Maria Elisabeth e
outros. História da Educação. A escola no Brasil (1995). Como assinala
Bontempi Junior (2002), há uma aproximação da história da educação com
a literatura produzida na área da sociologia da educação. No entanto, não se
percebe uma apropriação significativa dos estudos e pesquisas produzidas
na área.
Atualmente, no curso de Pedagogia da PUCRS, as disciplinas
História da Educação I e História da Educação II são ministradas no
primeiro e no segundo semestre, respectivamente, dos cursos de Pedagogia
Educação Infantil, Pedagogia - Séries Iniciais do Ensino Fundamental,
Pedagogia – Educação Especial (Deficientes Mentais) com carga horária de
45 horas, cada uma, com três períodos semanais. O curso Pedagogia -
Multimeios e Informática Educativa, criado em 1998, não incluiu a
disciplina, mas no novo currículo, adotado a partir de 2003, inclui uma
disciplina de História da Educação, no primeiro semestre, com 45 horas. Os
cursos de Pedagogia – Orientação Educacional e Supervisão Escolar
(currículo em suspensão) e de Psicopedagogia não apresentam a disciplina
no currículo.
192
Concluindo
193
Latina, que possibilitaria uma compreensão dos problemas da educação em
uma perspectiva comparada.
Com a intenção de ilustrar outras possibilidades de organização
do programa da disciplina, especialmente o de história da educação ou da
pedagogia no mundo, apresenta-se algumas sugestões:
1. Nóvoa (1994, p. 120) propõe uma organização de conteúdo
para a disciplina que inova a tendência geral de uma abordagem com ênfase
na cronologia dos fatos e das idéias pedagógicas. O objetivo da disciplina
deve permitir a aquisição do conhecimento histórico da realidade educativa
e os instrumentos e técnicas da investigação histórico-educativa. Assim,
divide o curso em aulas teóricas e práticas visando à formação do professor
pesquisador:
Aulas teóricas: 1. O lugar da História da Educação; 2. Produção e
consolidação do modelo escolar (século XVI-XVIII); 3. A criação
de um sistema estatal de ensino (século XVIII); 4. A consolidação
de um sistema estatal de ensino (século XIX); 5. Para uma história
quantitativa do sistema de ensino (séc. XIX e XX); 6. I República:
das intenções generosas ao desengano das realidades; 7. A lenta
alfabetização dos portugueses (séc. XIX e XX); 8. O processo de
profissionalização do professorado (séc. XVIII-XX); 9. Educação
Nova: a inovação pedagógica dos anos 20; 10. Da identidade à
pluralidade das Ciências da Educação (e vice-versa); 11. A
“Educação Nacional” (1930-1960); 12. A educação portuguesa ao
ritmo internacional (1960-1990); 13. Formação de professores e
Ciências da Educação; 14. Reformas educativas e Ciências da
educação.
Aulas Práticas: 1. Apresentação das aulas práticas: reflexão
metodológica; 2. Utilização de fontes secundárias; 3. Fontes
primárias: roteiro de arquivos; 4. Fontes primárias: legislação; 5. As
estatísticas escolares: usos e desusos; 6. Trabalhos dos alunos e
manuais escolares; 7. Formação de professores: perspectivas
históricas; 8. Educação de adultos: perspectivas históricas; 9.
Administração educacional: perspectivas históricas; 10. Educação
especial: perspectivas históricas; 11. A imprensa de educação e
ensino; 12. Fontes iconográficas, fílmicas e materiais; 13.
Biografias, autobiografias e história oral; 14. Bases de dados e
organização de bibliografias; 15. Regras de apresentação dos
trabalhos (escritos e orais). (Nóvoa, 1994, p. 123-124)
194
3. Gauthier e Tardif (1998) elaboram um manual de história da
pedagogia, seguindo uma linha cronológica, desde a Antigüidade aos nossos
dias, mas com ênfase na teoria e na prática pedagógica. Para os autores, “La
pédagogie: theóries et pratiques de l’Antiquité à nos jours” é um guia de
viagem, uma referência para orientar o pensamento e eventualmente o agir.
Meirieu, no prefácio, diz que a proposta dos autores é “fazer questão” e
“fazer sentido”, mostrando que a “pedagogia humanista” ou os postulados
da pedagogia libertária não merecem simplesmente serem conhecidos para
enriquecer nossa cultura geral, nem para manter viva uma memória daquilo
que construímos, mas trazer as questões que são sempre atuais e as soluções
propostas. Os autores, depois de examinar as tendências importantes da
história da pedagogia, apresentam os debates que atualmente estão em curso
sobre a difícil questão das finalidades e dos métodos da educação. A obra
está dividida em três partes, com 14 capítulos, os quais se iniciam sempre
com um quadro sumário do conteúdo, do resumo, de questões para
discussão em aula e de bibliografia:
“Parte 1 - A evolução das idéias e das práticas pedagógicas da
Antigüidade aos nossos dias: Os gregos antigos e a fundação da
tradição educativa ocidental, O nascimento da escola na Idade
Média, A Renascença e a educação humanista, O século XVII e o
problema do método de ensino ou o nascimento da pedagogia, Jean-
Jacques Rousseau: o Copérnico da pedagogia;
Parte II - A evolução das idéias e das práticas pedagógicas
contemporâneas: o século XX: Da pedagogia tradicional à
pedagogia nova, Maria Montessori: a criança e a educação, A
pedagogia Freinet, Alexander S. Neil e a pedagogia libertária; O
projeto de criação de uma ciência da educação no século XX: análise
e comparação de duas psicologias científicas, Rudolf Steiner e a
corrente espiritualista, Carl Rogers e a pedagogia aberta;
Parte III – A situação de Quebec: evolução e estado atual: O pessoal
docente de Quebec no século XX, As ideologias dos programas
escolares em Quebec da metade do século XIX aos nossos dias, A
Pedagogia e o amanhã.
195
sugestões, o que permite avançar as questões relativas à produção de
pesquisa e sua apropriação no ensino da disciplina.
Enquanto a década de noventa, do século XX, foi dedicada à
ampliação da pesquisa e da discussão historiográfica da educação no Brasil,
com novos temas e com novas e múltiplas abordagens (Ghiraldelli, 1993,
p.50); a primeira década do século XXI necessita centrar esforços no
sentido de aproximar da sala de aula, dos cursos de formação de
professores, essa rica produção, revendo os conteúdos, procedimentos
didáticos e bibliografia dos programas das disciplinas de História da
Educação e da História da Educação do Brasil. Nessa perspectiva, também é
importante instigar os professores da disciplina a terem novos olhares e
abordagens vinculadas à história da cultura escolar. Outro desafio seria
estender a disciplina para os demais cursos de formação de professores ,
pois os futuros docentes devem ter oportunidade de refletir sobre a natureza,
as finalidades, as origens e as transformações do seu ofício, o que “contribui
tanto para o desenvolvimento da reflexão pedagógica como para o debate
democrático sobre a educação nas sociedades” (Meirieu, 1998, p.XIV).
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ANEXO 1
Professores da disciplina História da Educação na PUCRS (1942-2002)
Ano Disciplina Professor
1942 História da Educação
1943 História da Educação
1944 História da Educação
2ª série - Irmão Gelásio (Oscar Mombach)
1945 História da Educação
3ª série - Irmão Moacyr Empinotti
1946 História da Educação Irmão Gelásio (Oscar Mombach)
1947 História da Educação Irmão Dionísio Felix
1948 História da Educação 2ª série – Irmão Dionísio Felix
Irmão Dionísio Felix
1949 História da Educação
Irmão José Otão
1950 História da Educação
1951 História da Educação
1952 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1953 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1954 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1955 História da Educação
1956 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1957 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1958 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1959 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1960 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
2ª série - Angelo Ricci
1961 História da Educação
3ª série - Alda Cardoso Kremer
1962 História da Educação
1963 História da Educação
1964 História da Educação
1965 História da Educação
1966 História da Educação
1967 História da Educação Ely Carlos Petry 1ªsérie
1968 História da Educação Ely Carlos Petry
1969 História da Educação Ely Carlos Petra 1ª série
200
1970 História da Educação Ely Carlos Petry
1971 História da Educação Ely Carlos Petry
I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1972/1 História da Educação
Ely Carlos Petry
I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1972/2 História da Educação
Ely Carlos Petry
1973/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1973/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1974/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1974/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1975/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1975/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1976/1 História da Educação I e II – Taurio Brand (horista)
1976/2 História da Educação I e II – Taurio Brand (horista)
1977/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1977/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
I – Maria Renate Alves
1978/1 História da Educação
II – Berta Weil Ferreira
I – Maria Renate Alves
1978/2 História da Educação
II – Berta Weil Ferreira
1979/1 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
1979/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
1980/1 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
1980/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
I e II – Heitor Scomazzon
1981/1 História da Educação
Maria de Loudes da Cunha
I– Heitor Scomazzon
1981/2 História da Educação Maria de Loudes da Cunha
II - Heitor Scomazzon
I – Heitor Scomazzon
1982/1 História da Educação
II – Taurio Brand
1982/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
I – Lenira Weil Ferreira
1983/1 História da Educação
II – Taurio Brand
I – Lenira Weil Ferreira
1983/2 História da Educação
II – Taurio Brand
I – Aide Campello Dill
1984/1 História da Educação Lenira Ferreira
II – Taurio Brand
I – Aide Campello Dill
1984/2 História da Educação Lenira Ferreira
II – Taurio Brand
I – Lenira Weil Ferreira
1985/1 História da Educação II – Clarissa Coiro
Lenira Ferreira
I – Lenira Weil Ferreira
1985/2 História da Educação II – Clarissa Coiro
Lenira Ferreira
I – Lenira Weil Ferreira
1986/1 História da Educação
II – Lenira Ferreira
201
Clarissa Coiro
Raquel Morais
I – Clarissa Coiro
1986/2 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1987/1 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1987/2 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1988/1 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1988/2 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1989/1 História da Educação
II – Ivonilda Mello Hansen
I – Clarissa Coiro
1989/2 História da Educação
II – Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
II – Alfredo da Silva Schlorke
1990/1 História da Educação
Salete Campos de Moraes
Solon Eduardo Annes Viola
I – Clarissa Coiro
1990/2 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
1991/1 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
1991/2 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
1992/1 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
1992/2 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
1993/1 História da Educação I e II - Salete Campos de Moraes
I - Salete Campos de Moraes
1993/2 História da Educação
II - Lenira Weil Ferreira
I - Salete Campos de Moraes
1994/2 História da Educação
II - Lenira Weil Ferreira
1995/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1995/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1996/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1996/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1997/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1997/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1998/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
I e II - Lenira Weil Ferreira
1998/2 História da Educação
I – Salete Campos de Moraes
1999/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
202
1999/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
2000/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
2000/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
I – Maria Elly Genro
2001/1 História da Educação
II – Lenira Weil Ferreira
I – Maria Elly Genro
2001/2 História da Educação
II – Lenira Weil Ferreira
2002/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
Maria Elly Genro
2002/2 História da Educação Daisy Braighi
Afonso Strehl
ANEXO 2
Formação dos Professores da disciplina História da Educação na PUCRS (1942-2002)
PROFESSOR Licenciatura Especialização Mestrado Doutorado
Pedagogia –
Orientação Educação – Educação –
Afonso Strehl
Educacional – UFRGS, 1979. PUCRS, 1999.
PUCRS, 1976.
História –
Aidê Capello Dill
PUCRS, 1984
Geografia e
Alda Cardoso
História –
Kremer
UFRGS, 1947.
Metodologia do
Psicologia –
Ensino Superior
Universidad
Alfredo da Silva Pedagogia – – UFRGS, 1979; Educação –
Pontifícia de
Schlorke FAPA, 1973. Aconselhamento PUCRS, 1989.
Salamanca –
Psicopedagógico
UPSA, 2000.
– PUCRS, 1985.
Angelo Ricci
Licenciatura em
Pedagogia –
Berta Weil PUCRS, 1965; Educação – Educação –
Ferreira Bacharel em PUCRS, 1973. PUCRS, 1992.
Pedagogia –
PUCRS, 1966.
Psicologia –
Clarissa Coiro
PUCRS, 1980.
Pedagogia
Magistério das
Matérias
Pedagógicas –
Educação –
Daisy Braighi PUCRS, 1993;
PUCRS, 1999.
Pedagogia
Administração
Escolar –
PUCRS, 1994.
Ely Carlos Petry Filosofia – Educação –
203
FFNSIM, 1956; PUCRS, 1977
Pedagogia – Livre-docente –
FFNSIM, 1961; PUCRS, 1977.
Didática e
pedagogia –
PUCRS, 1963.
Heitor
Scomazzon
Irmão Dionísio
Félix
Pedagogia – Educação –
Irmão Edgard
PUCRS, UNISINOS,
Hegemülle
1962 1997
Irmão Gelásio
Sociologia
Ivonilda Mello Ciências Sociais Sociologia –
Industrial –
Hansen – PUCRS, 1973. UFRGS, 2004.
PUCRS, 1988.
Ciências Filosofia e
Métodos
Lenira Weil Jurídicas e Educação – História da
Educacionais
Ferreira Sociais – PUCRS, 1984. Educação –
PUCRS, 1983.
PUCRS, 1979. PUCRS, 1994.
Maria de Lourdes
Cunha
Filosofia – Educação – Educação –
Maria Ely Genro
UFSM, 1982. PUCRS, 1992. UFRGS, 2000.
Maria Renate
Alves
Moacyr
Empinotti
Raquel Moraes
Licenciado em
Ciências Sociais
– PUCRS, 1984;
Bacharel em Supervisão Educação –
Salete Campos Sociologia –
Ciências Sociais Escolar – UNISINOS,
de Moraes UFRGS, 1993.
– PUCRS, 1980; FAPA, 1997. 2004.
Licenciado em
Estudos Sociais –
PUCRS, 1978.
Ciências Sociais
História do Rio História –
Solon Eduardo História – Aplicadas –
Grande do Sul – UNISINOS,
Annes Viola UFRGS, 1981. UNISINOS,
UFRGS, 1982. 1996.
2000.
Taurio Edmundo Pedagogia – Educação – Educação –
Brand PUCRS, 1989. PUCRS, 2000. PUCRS, ?
204
Mestrado em Educação – PUCRS, 2000. Doutorado em Educação –
PUCRS, 2004).
ANEXO 3
Ementas da disciplina História da Educação – PUCRS (1972-2002)
HISTÓRIA DA Introdução. Variação do conceito educacional através da história da
EDUCAÇÃO I E II Antiguidade. Na Renascença e na Idade Moderna. O método de ensino
1972 através da história. O meio de ação.
História Geral, História da Cultura e História da Educação. Ciências da
Educação e História da Pedagogia. História dos povos primitivos.
HISTÓRIA DA
Educação antiga: oriental (Egito, Palestina, Pérsia, Índia, China);
EDUCAÇÃO I
Ocidental (Grécia e Roma e Cristianismo nascente).
1979
Educação Medieval. Educação Humanista e Renascimento. Educação,
HISTÓRIA DA
Reforma e Contra-Reforma. Educação realista (século XVII.) Educação
EDUCAÇÃO II
e século das Luzes (século XVIII). Educação e Pedagogia Científica
1979
(século XIX). Escola Nova, métodos ativos e tendências atuais da
educação (século XX). Perspectivas da educação.
Conceitua Educação e relaciona os conceitos de Educação e Pedagogia;
descreve o método de estudo da História da Educação, suas fontes de
HISTÓRIA DA estudo, seu valor e importância; situa a Educação em vários contextos
EDUCAÇÃO I históricos: povos primitivos, culturas orientais, greco-romanas, cristã
1980 primitiva e medieval; analisa a Educação no Renascimento, o
Humanismo e a Educação reformada, o liberalismo burguês e a
Educação contemporânea.
Conceituação da história da educação e pedagogia. Estudo da educação
primitiva, oriental, grega e romana. Estudo da educação primitiva e
HISTÓRIA DA
medieval. Estudo da educação reformada. Estudo da educação nos
EDUCAÇÃO I
séculos XVII e XVIII. As disciplinas de História da Educação I e II têm
1980
o objetivo de estabelecer relações, comparações, analogias e análises
HISTÓRIA DA
dos momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais
EDUCAÇÃO I E II
e culturais. A ênfase é o contexto educacional de uma determinada
1983
cultura com o momento atual, onde seja referendado o estudo desta
cultura e o seu contraponto com a realidade.
HISTÓRIA DA
A disciplina trabalha o desenvolvimento da Educação no Brasil,
EDUCAÇÃO II
abrangendo o período que vai do Brasil Colônia até a Nova República
1991
Conceitua Educação e relaciona os conceitos de Educação e Pedagogia;
descreve o método de estudo da História da Educação, suas fontes de
HISTÓRIA DA estudo, seu valor e importância; situa a Educação em vários contextos
EDUCAÇÃO I históricos: povos primitivos, culturas orientais, greco-romanas, cristã
1995 primitiva e medieval; analisa a Educação no Renascimento, o
Humanismo e a Educação reformada, o liberalismo burguês e a
Educação contemporânea.
Estuda a evolução da educação desde a história primitiva até a época
contemporânea, estabelecendo relações, comparações e análises dos
HISTÓRIA DA
diferentes momentos históricos com as questões políticas, econômicas
EDUCAÇÃO I
sociais e culturais. Contextualiza a História da Educação de uma
1998/2
determinada cultura e o momento atual, referendando o estudo desta
cultura e a um contraponto com a realidade.
HISTÓRIA DA A disciplina de História da Educação tem o objetivo de estabelecer
205
EDUCAÇÃO I E II relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos
1999 com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais, que são
fundamentalmente educacionais. A ênfase é o contexto histórico
educacional de determinada cultura, referendando sua historicidade e o
contraponto com a contemporaneidade. A disciplina tem o objetivo de
estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.
Estabelecimento de relações, comparações, analogias e análises dos
momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e
HISTÓRIA DA
culturais, que são fundamentalmente educacionais. A ênfase é o
EDUCAÇÃO I E II
contexto histórico educacional de determinada cultura, referendando
2000/1
sua historicidade e o contraponto com a contemporaneidade. A
disciplina tem o objetivo de estabelecer nova cultura no aluno: como
pesquisador.
A disciplina de História da Educação tem o objetivo de estabelecer
relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos
HISTÓRIA DA com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais, que são
EDUCAÇÃO I fundamentalmente educacionais. A ênfase é o contexto histórico
2001/1 educacional de determinada cultura, referendando sua historicidade e o
contraponto com a contemporaneidade. A disciplina tem o objetivo de
estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.
Estudo do processo educacional nos diferentes períodos históricos,
estabelecendo relações, comparações, analogias e análises dos
HISTÓRIA DA momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e
EDUCAÇÃO I culturais, que são fundamentalmente educacionais. Ênfase no contexto
2002/2 histórico educacional de determinada cultura, referendando sua
historicidade e o contraponto com a contemporaneidade. A disciplina
tem o objetivo de estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.
206
ANEXO 4
Conteúdo programático da disciplina História da Educação I – PUCRS (1942-2002)
PROGRAMAS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I
ANOS 60/70 ANOS 80 ANOS 90 ANOS 2000
1.Conceito de educação; - Conceito de História -educação primitiva; educação 1-Educação primitiva; educação
2.Educação e Pedagogia e suas -Conceito de José Van Den Besselaar nas culturas orientais: chineses, nas culturas orientais: chineses,
correlações; -Conceito de Cezare Gantu hindus, hebreus e egípcios. hindus, hebreus e egípcios.
3.Método de estudo da História da -Reflexões pessoais -educação greco-romana – 2-Educação antiga
Educação - Finalidade da História educadores: Sofistas, Sócrates, 2.1-Educação grega. Educadores;
4.Fontes de estudo da História da - Fatores que atuam no processo Platão, Aristóteles, Cícero e ênfase nos sofistas, em Sócrates,
Educação, seu valor e importância; histórico Quintiliano. Platão e Aristóteles.
5.História da Educação entre os povos -Conceito de Pedagogia, Educação, -educação medieval: produção 2.2-Educação romana.
primitivos; concluindo com o sentido do estudo da textual e educadores: Santo Educadores: ênfase em Cícero e
6.A educação entre as culturas História da Educação na a formação de Agostinho e S. Tomás de Quintiliano.
orientais: professores Aquino. 2.3-Educação cristã: a Patrística.
-A educação no Egito -Metodologia do estudo da História da -educação moderna – Ênfase em Santo Agostinho.
-A educação da China Educação Renascimento, Reforma, 3-Educação medieval. Ênfase em
-A educação da Mesopotâmia - Variação do conceito de Educação Contra-Reforma e século XVI; S. Tomás de Aquino.
-A educação da Pérsia através da história ênfase nos educadores: Feltre, 4-Educação moderna.
-A educação do Japão -Na Antiguidade Lutero, I.Loyola, Comenius; 4.1-Séc.XV e XVI –
-A educação da Índia -entre os povos primitivos séculos XVIII e XIX – Renascimento, Reforma e Contra-
-A educação de Israel -entre as primeiras civilizações educadores Pestalozzi e Reforma. Educadores: ênfase em
- A educação da Fenícia -na antiguidade grega Froebel; Feltre, Erasmo de Rotterdam e
7.A educação greco-romana – -em Esparta educação contemporânea – Montaigne.
educação na cultura clássica -em Atenas tendências: liberal e 4.2-Séc. XVII. Educadores:
-Educação Espartana -os sofistas progressista - educadores ênfase em Comenius, Locke e La
-Educação Helênica -Sócrates Salle.
-Educação Romana -Platão 4.3- Séc. XVIII. Educadores:
8.Educação na cultura ocidental -Aristóteles ênfase em Rousseau e
-A educação cristã -entre os romanos Champagnat.
-A educação eclesial -Na Idade Média 5-Educação contemporânea.
-A educação cavalheiresca, gremial e -interrupção do humanismo 5.1-Séc. XIX. Educadores: ênfase
municipal no fim da idade média educacional com a invasão dos em Pestalozzi, Froebel, Herbart e
-A universidade bárbaros no século V. Spencer.
9.A educação na renascença. -o aparecimento de uma nova 5.2- Século XX. Perspectivas e
Humanismo. Reforma civilização influenciada pelo tendências educacionais.
cristianismo Educadores: ênfase em Dewey,
-A educação dos leigos Montessori e Freinet.
-A educação cristã 5.3-paradigmas e desafios da
-A educação dos camponeses educação atual.
-A educação dos letrados
-As escolas dos mosteiros, as escolas
catedrais ou episcopais e as escolas
paroquiais. Evolução histórica até a
fundação das universidades nos
séculos XI, XII,l XIII
-As universidades
-A escolástica
-Na Renascença
A educação entre os humanistas da
renascença (Rabelais, Erasmo, Lutero,
Os Jesuítas, Montaige)
A educação entre os humanistas do
século XVII (João Batista de La Salle,
Fenelon, Mme. Maintenon, Comenius,
Locke)
A educação entre os humanistas do
século XVIII (Rousseau, Pestalozzi,
Herbart)
-As concepções educacionais
modernas
-Os métodos de ensino através da
História
Os métodos didáticos
Os métodos atraentes
Os métodos intuitivos
Os métodos ativos
-Os meios de ação
A educação pela coerção
Os estimulantes: a emulação, as
recompensas, os elogios
A sugestão
A disciplina “musical”
A influência pessoal do mestre
A autonomia
A prática da disciplina construtiva
Resumo
Abstract
This article presents some aspects of the constitution of the subject History of Education in the
course of Pedagogy of Centro Universitário Franciscano of Santa Maria. It includes a view of
the curriculum organization, the syllabus and bibliography of the subject and tries to analyse its
operation from the perspective that questions its form of development linked to a chronological
and linear perspective.
Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline.
214
Em Santa Maria, as irmãs franciscanas já desenvolviam
atividades desde 1903, concomitantemente à instalação do Hospital de
Caridade Astrogildo de Azevedo. Dois anos mais tarde, em março de 1905,
foi criado o Colégio Sant’Anna. O trabalho da Congregação também está
registrado no Colégio Santa Teresinha, pertencente à Cooperativa dos
Ferroviários, hoje Colégio Estadual Manoel Ribas; na Casa de Saúde; no
Educandário São Vicente de Paulo; na Escola Santo Antônio; no serviço de
assistência social e na cooperação à Diocese de Santa Maria.
A partir de meados dos anos de 1950, aprofundaram-se as
discussões com vistas à constituição e instalação de instituições e de cursos
superiores em Santa Maria. Esse trabalho teve continuidade nos anos
seguintes e culminou, em 1955, com a instalação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras “Imaculada Conceição” e com a autorização, pelo
Conselho Nacional de Educação, para funcionamento dos dois primeiros
cursos: o de Pedagogia e o de Letras Anglo-Germânicas. Esses cursos, que
iniciaram o seu funcionamento em 1956, tinham a direção de “formar
candidatos ao magistério secundário e normal, promover e facilitar a prática
de investigações originais, contribuir para o desenvolvimento de uma
cultura intelectual informada pelos princípios cristãos e pelas diretrizes
pontifícias” (Ibid, p. 37). Logo a seguir, em 1957, entraram em
funcionamento os cursos de História, Geografia e Letras Neolatinas. Em
1958, foram autorizados os cursos de Filosofia, Matemática e Didática.
Funcionaram também o curso de Orientação Educacional e os cursos
Polivalentes de Letras e Estudos Sociais. Concomitantemente à implantação
da FIC, foi criada a Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora Medianeira -
Facem, que oferecia o curso de Enfermagem, único de nível universitário no
interior do Estado do Rio Grande do Sul, na época.
Até 1995, a FIC e a Facem funcionaram isoladamente, seguindo
as políticas estabelecidas pela mantenedora. Em 14 de novembro de 1995, a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras "Imaculada Conceição" e a
Faculdade de Enfermagem "Nossa Senhora Medianeira" foram unificadas e
passaram a se denominar Faculdades Franciscanas - Fafra. Logo a seguir,
em 1998, por transformação das Faculdades Franciscanas, constituiu-se o
Centro Universitário Franciscano de Santa Maria - Unifra.
Em 2005, estão em funcionamento oito cursos vinculados à
formação de professores: Filosofia, Geografia, História, Letras: Português e
Inglês e Respectivas Literaturas, Letras: Português e Literaturas da Língua
Portuguesa, Matemática, Pedagogia: Magistério da Educação Infantil e
Pedagogia: Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Desde
1957, 7.685 estudantes concluíram os cursos de formação de professores
mantidos pela instituição.
215
Currículo, programa e bibliografia
1
Ver: a) GATTI JÚNIOR, Décio; INÁCIO FILHO, Geraldo (Orgs.). História da educação em
perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações. Campinas: Autores Associados,
2005; b) NUNES, Clarice. O ensino da história da educação e a produção de sentidos na sala
de aula. Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: SBHE, n. 6, 2003, p. 115-158;
c) FARIA FILHO, Luciano Mendes; RODRIGUES, José Roberto Gomes. A história da
educação programada. Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: SBHE, n. 6,
2003, p. 159-175; d) NUNES, Clarice. Ensino e historiografia da educação: problematização de
uma hipótese. Revista Brasileira de Educação, São Paulo: Anped, n. 1, jan./abr. 1996, p. 67-
79.
216
Fundamentos Sociológicos da Educação
Psicologia Escolar
Teologia Dogmática
3ª série História da Educação
Psicologia Educacional
Administração Escolar
Educação Comparada
Teologia Moral
Filosofia da Educação
4º série Didática Geral
Curso de Didática Didática Especial da Pedagogia
Doutrina Social da Igreja
Fonte: Silveira et al, 2005.
217
V. As idéias educacionais de Renascimento. Pestalozzi, Padre Girard, Froebel.
VI. A pedagogia psicológica: Herbart.
VII. A educação nos Estados Unidos: de Horace Mann a William James.
VIII. Educadores católicos contemporâneos: São João Bosco.
IX. Exame das últimas idéias e práticas educativas: A. Manjon, M. Montessori. S. Hensen
F. G. Foster.
X. A educação no Brasil: de Anchieta à República.
XI. Leis, educadores, escolas do período republicano.
XII. Rumos atuais da educação no Brasil.
Fonte: Derca.
2
No acervo da biblioteca constam outros dois livros: BELLO, Ruy de Ayres. Princípios e
normas de administração escolar. Rio de Janeiro: Globo, 1956, e Filosofia pedagógica. Rio de
Janeiro: Globo, 1946.
218
3. Noções de história da educação, de Theobaldo Miranda
Santos3, a primeira edição é de 1945 e das 512 páginas, 37
são dedicadas à história da educação brasileira. A edição
registrada no acervo da biblioteca é de 1970.
Esses manuais de história da educação, de uso generalizado no
Brasil, foram produzidos por autores que se vinculavam ao pensamento
católico e que se constituíam, portanto, nas leituras autorizadas da disciplina
numa instituição em que a fé católica e a formação religiosa deviam ser
referências importantes nos currículos e participar de forma proeminente da
formação dos estudantes. Essa direção fora expressa, de forma clara, na
conferência inaugural da FIC, proferida em 1955 pelo irmão José Otão,
então reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. A
transcrição é longa, mas esclarecedora:
Apesar das mazelas assinaladas não padece dúvida que cabe às
Faculdades de Filosofia o preponderante papel de incrementar e
difundir a cultura no sentido autêntico da palavra. Se às demais
escolas superiores está reservada, entre nós, a tarefa de preparar
profissionais para as chamadas profissões liberais, à Faculdade de
Filosofia, que invade os amplos setores da Filosofia, da Pedagogia,
das Ciências e das Letras, cabe a formação cultural das elites.
Podíamos, talvez, afirmar que as escolas superiores em geral e as
técnico-profissionais são propulsoras da civilização, pois dão ao
homem os instrumentos de subjugação e domínio do mundo
material, dos seres corpóreos, do nosso exterior; ao passo que as
Faculdades de Filosofia promovem a cultura, pois se ocupam
principalmente do homem, do espírito e do mundo interior. Para
estar a verdadeira cultura alicerçada em bases sólidas, é
imprescindível, pois, que contenha noções exatas sobre o que seja
perfeição do homem, quer na alma quer no corpo, os meios a
empregar para obtê-la e os obstáculos a evitar. Ora, é a religião que
3
Theobaldo Miranda Santos tem um apreciável número de publicações. No acervo da
biblioteca da Unifra constam, ainda: Orientação psicológica da criança: aprenda a educar seu
filho. São Paulo: Nacional, [19--]; Noções de psicologia educacional. São Paulo: Nacional,
1955; Noções de filosofia da educação. São Paulo: Nacional, 1949; Noções de didática geral.
São Paulo: Nacional, 1955; Noções de didática especial. São Paulo: Nacional, 1960; A arte de
estudar e fazer exames: como estudar, como fazer exames, como adquirir cultura. São Paulo:
Nacional, 1949; Métodos e técnicas do estudo e da cultura. São Paulo: Nacional, 1957;
Metodologia do ensino primário. São Paulo: Nacional, 1957; Manual do professor secundário.
São Paulo: Nacional, 1961; Noções de prática de ensino. São Paulo: Nacional, 1961; Manual
do professor primário. São Paulo: Nacional, 1954; Manual de sociologia. São Paulo: Nacional,
1964; Introdução à pedagogia moderna. Rio de Janeiro: A Noite, [19--]; Noções de psicologia
do adolescente. São Paulo: Nacional, 1957; Noções de psicologia da personalidade. São Paulo:
Nacional, 1964; Noções de administração escolar. São Paulo: Nacional, 1957; Noções de
sociologia educacional. São Paulo: Nacional, 1953; Psicologia da criança. Rio de Janeiro:
Boffoni, 1948; Manual de economia: introdução didática ao estudo da economia política. São
Paulo: Nacional, 1966; Psicologia do sonho. São Paulo: Nacional, 1957.
219
nos fornece conceitos positivos sobre o que seja a perfeição no
homem e os meios de obtê-la. A verdadeira cultura, a cultura
integral, não pode, pois prescindir da verdadeira religião. E é por
este motivo que as Faculdades Católicas de Filosofia incluíram, em
seu currículo, largo programa de formação religiosa. Sim,
contemplação operante, pois, da visão de Deus, da compreensão da
sua lei de bondade e de amor, nasce a regulação da vontade e a
ordenação dos atos humanos, nasce a verdadeira orientação na vida,
a verdadeira cultura que então chamaremos sabedoria, que a escola
superior católica deve fornecer a quantos a procuram. Nas escolas
superiores leigas, porém, onde em virtude da liberdade religiosa é
silenciado o nome de Deus, onde em nome da liberdade de
pensamento são esposadas todas as idéias, onde, por vezes,
divergem os docentes doutrinariamente, religiosa ou
filosoficamente, desconcertando os discentes, não há, não pode
haver unidade de formação, não há uma visão totalizada do
universo, uma weltanschaung verdadeiramente orientadora dos atos
da vida. A Faculdade de Filosofia é por si só uma verdadeira
universidade cultural (Silva, 1997, p. 43).
220
BELLO, Ruy de Ayres. Pequena história da educação. São
Paulo: Brasil.
221
COTRIM, Gilberto. PARISI, Mário. Fundamentos da educação:
história e filosofia. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
CUNHA, Luiz Antonio. A universidade temporã. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1980.
FILHO, A. Bento. História da educação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva.
FILHO, M. B. Lourenço. Educação comparada. 2ª edição,
Edições Melhoramentos, Vol V.
GILES, R. Thomas. História da educação. São Paulo: EPU,
1987.
GUIRALDELLI, Paulo. História da educação. São Paulo:
Cortez, 1990.
LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. São Paulo:
Mestre Jou, 1982.
MAIA, Pedro. Ratio studiorum: método pedagógico dos jesuítas.
São Paulo: Loyola, 1987.
MARZ, Fritz. Grandes educadores. São Paulo: EPU, 1987.
MONROE, Paul. História da educação. 16ª ed. São Paulo:
Nacional, 1984.
NISKIER, Arnaldo. CARVALHO, Marlene. Educação
comparada moderna. Ed. Tabajara.
PILETTI, Nelson e Claudino. História da educação, São Paulo:
Ática, 1990.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no
Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.
SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de história da educação.
12ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
222
articulação com a escola média. Esta lei provocou profundas alterações no
sistema universitário brasileiro que envolveu a matrícula por disciplina, o
sistema de créditos, a divisão dos cursos em departamentos e a implantação
de programas de pós-graduação. Os currículos dos cursos de Pedagogia
passaram a ser estruturados com habilitações específicas, com uma parte
comum e outra diversificada, em função da habilitação escolhida. A parte
comum abrangia as disciplinas Sociologia Geral, Sociologia da Educação,
Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação e
Didática. O curso de Pedagogia deveria ter 2.200 horas de atividades e ser
ministrado, no mínimo, em três anos.
Em 1973 foi aprovado o novo Regimento da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição. Por esse regimento, o
curso de Pedagogia oferecia as habilitações Orientação Educacional,
Administração Escolar, Inspeção Escolar, Supervisão Escolar e Magistério.
Nas décadas de 1980 e 1990, o curso passou por alterações curriculares que
afetaram a carga horária da disciplina, que variou entre 210h, 240h e 120h.
Curso: Pedagogia
Disciplina: História da Educação
Carga horária semestral: 60h
Ementa
A educação no Brasil Colônia. A educação no Império. A educação na
Primeira República. A educação entre 1945-1964. A educação brasileira
após 1964. Educação e sociedade no Rio Grande do Sul.
Objetivo
Analisar as formas de organização escolar, as visões pedagógicas e as
práticas educativas na sociedade brasileira da colonização até a atualidade;
analisar as relações entre poder político e educação, em sua articulação com
os processos históricos brasileiro; buscar uma compreensão mais profunda
da realidade educacional brasileira em sua dinâmica histórica.
Conteúdo programático
1) História da educação no Brasil: questões relativas a sua periodização.
2) A sociedade agro-exportadora e a constituição do ensino da elite;
2.1) a formação do Brasil colonial: a expansão européia no século XV e a
incorporação do Brasil;
2.2) educação e cultura na sociedade colonial: a pedagogia jesuítica e as
reformas pombalinas;
2.3) A educação no século XIX: a vinda da família real, o período do
Império.
3) A República e a consolidação da sociedade urbano-industrial: a luta pela
ampliação das oportunidades escolares:
3.1) a educação na Primeira República: do entusiasmo pela educação ao
otimismo pedagógico;
3.2) a educação no período de Getúlio Vargas (1930-1945);
3.3) A educação e a revitalização da sociedade brasileira (1945-1964): os
debates em torno da escola pública, os movimentos da educação de adultos
e educação popular);
3.4) O estado militar e a política educacional (1964-1985);
3.5) A educação nas décadas de 1980 e 1990.
224
4) A educação no Rio Grande do Sul: uma visão geral.
Bibliografia básica
GHIRARDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez,
1990.
RIBEIRO, Maria Luiza. História da educação brasileira: a organização da
escola. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
ROMANELLI, Otaiza. História da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes,
1998.
Bibliografia complementar:
AZEVEDO, Fernando. A educação na encruzilhada. São Paulo:
Melhoramentos, 1957.
ARAPIRACA, José Oliveira. A Usaid e a educação brasileira. São Paulo:
Cortez, 1982.
BEISIEGEL, Celso Rui. Educação e sociedade no Brasil após 1930. In:
FAUSTO, Boris. (Org.) História geral da civilização brasileira: o Brasil
republicano, v. 4, São Paulo: Difel, 1983, p. 383-416.
BERGER, Manfredo. Educação e dependência. Porto Alegre: Difel/Ufrgs,
1970.
BUFFA, Ester. Ideologias em conflito: escola pública x escola privada. São
Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
COMPARATO, Fábio K. Estado, educação e poder. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
CUNHA, Luiz Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1980.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1985.
_____. Ideologia e educação brasileira. São Paulo: Cortez e Moraes, 1978.
FAZENDA, Ivani Catarina. Educação no Brasil nos anos 60: o pacto do
silêncio. São Paulo: Loyola, 1985.
FERNANDES, Florestan. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo:
Dominus, 1966.
FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. São Paulo: Moraes, 1980.
HORTA, José Silvério Baía. O hino, o sermão e a ordem do dia: A
educação no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
LOURO, Guacira Lopes. História, educação e sociedade no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1986.
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo:
EDU, 1974.
XAVIER, Maria Elisabete. Capitalismo e escola no Brasil. Campinas:
Papirus, 1980.
Fonte: Derca.
225
Perspectivas
4
Foram professores da disciplina: Elisabeth Maria Ley (1955); Clecy Mayer (1956 a 1960);
Oscar Mombach (irmão Gelásio) (1961-1975); Olindo Antonio Toaldo (1962, 1963, 1965);
Heitor Pedro Scomazzon (1966); Iolanda Samuel (1971); Neusa Neves da Silva (1972 a 1974);
Ieda Maria Rettamal Ribeiro (1975-1982); Zilca Rossetto de Moraes (1983); José Körbes
(1983-1985); Frederinda Martins Pentiado (1984-1989); Maria Ivaldete Becker Borin (1987-
1989); Celso Ilgo Henz (1997-1998); Maria Joanete Martins da Silveira (1999); Carmem
Rosane Segatto e Souza (1997-2005); Claudemir de Quadros (2000 a 2002).
5
Ver BASTOS, Maria Helena Camara; BENCOSTTA, Marcus Levy Albino; CUNHA, Maria
Teresa Santos. Uma cartografia da pesquisa em história da educação na região sul: Paraná,
Santa Catarina, Rio Grande do Sul (1980-2000). Pelotas: Seiva, 2004.
226
tiempo (alfabetización, escolarización, profesionalización docente,
formación de los sistemas educativos) o el análisis histórico-
genealógico de una serie de temas o cuestiones relevantes para la
formación de los psicopedagogos, pedagogos, profesores o maestros
que desvele lo que en ellas hay de construcción socio-histórica. Un
análisis en el que, si fuera necesario, el orden cronológico sea roto
en el tiempo y asociaciones o relaciones entre fenómenos, hechos e
procesos de diferentes épocas,
Referências
227
Claudemir de Quadros é Professor no Centro Universitário Franciscano de
Santa Maria.
228
A disciplina de História da Educação na Faculdade e
no Centro Universitário La Salle
Miguel Alfredo Orth
Resumo
Este trabalho tem por objetivo identificar, resgatar e analisar como a disciplina de História da
Educação do Unilasalle esteve presente desde 1981 no Curso de Pedagogia, enquanto
componente curricular obrigatório e, a partir de 2003, na maioria dos Cursos de Licenciatura,
enquanto um componente curricular obrigatório ou optativo, privilegiando, a partir de então, a
História da Educação lasslista e brasileira.
Palavras-chave: História da Educação, Unilasalle, Formação de professores.
Abstract
This paper aims at identifying, recovering, and analysing how the discipline History of
Education has been present since 1981 in the Pedagogy course as a compulsory course and
since 2003 in most Teaching courses as a compulsory or optative course at Unilasalle, granting
privileges, from then on, the history of Lasallian and Brazilian Education.
Key-words: History of Education, Unilasalle, teacher formation.
230
1 A disciplina de História da Educação na Faculdade e no
Centro Universitário La Salle
231
Depois, apoiados na obra de Henri Marrou e Mario Curtis Giordani era
tratada exaustivamente a história da educação da Antigüidade Clássica.
Constam igualmente na bibliografia as obras de: Paul Manroe, Roger Gall e
Ruy de Ayres Bello sobre a História da Educação, bem como as obras de T.
F. Painter e Riboulet - História da Pedagogia.
Além dessas obras, a bibliografia traz a obra de: J. D. Forgione –
Antologia Pedagógica Universal; Leonel França – Noções de história da
filosofia; Fhilip Hughes – História da Igreja Católica e de Edward Mcnall
Burns - História da Civilização Ocidental.
Outro aspecto, no mínimo curioso, é o de que essa disciplina
manteve, durante quinze anos, a mesma bibliografia e mudou somente uma
vez seus conteúdos programáticos. Mas nesse período, a disciplina foi
ministrada por nada menos do que sete professores, com formação e
culturas bem diferentes, a maioria deles com formação na área da história e
da filosofia.
Agora, analisando os conteúdos programáticos dos programas de
1981 a 1984, percebemos que estes seguiram as ênfases e os enfoques dados
aos temas e subitens trabalhados no livro de História da Educação da Maria
Lúcia de Arruda Aranha, inclusive com grande ênfase à história da
Antigüidade grega, romana e medieval.
Já a análise da História da Educação II, deste período, revela que,
mesmo sendo os mesmos professores da disciplina de História da Educação
I, nesta disciplina, os mesmos, diferentemente do que faziam com o
programa de História da Educação I, imprimiam uma dinamicidade
revisional da bibliografia e do conteúdo programático muito grande.
Desse modo, entre 1981 e 1983 a Disciplina de História da
Educação II manteve a mesma bibliografia da História da Educação I, com
exceções de um livro sobre Lutero e a Reforma, outro livro sobre a Igreja, a
Reforma e a Civilização (Contra-Reforma) e outro sobre os Padres Jesuítas
no Brasil, bem como de dois livros sobre a História das Civilizações.
Porém, pelos conteúdos programáticos dos Planos de Ensino,
podemos constatar que só na primeira parte do programa é trabalhada a
história da educação da Renascença e da Idade Moderna. E curiosamente o
tema é tratado nesse período a partir de seus mais renomados pensadores na
área da educação, que são: Rousseau, Pestalozzi, Spencer, Froebel, Locke,
Comenius, Fénelon, La Salle, Rebelais entre outros.
Já a segunda parte do programa explorava a história da educação
brasileira, desde a vinda dos jesuítas ao país, sua expulsão pelo Marques de
Pombal, as escolas régias, a vida de D. João VI, a educação e o Ato
Adicional de 1834, a Reforma de Ensino do Distrito Federal em 1854 (Rio
232
de Janeiro), as reformas de ensino de Francisco Campos, Gustavo
Capanema até a Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961.
Já em 1984 e 85, a bibliografia do programa de História da
Educação II era constituída pelo livro do Ruy Ayres Bello – Pequena
História da Educação; Afrônio Peixoto – Noções de História da Educação;
Leonel França – A Igreja, a Reforma e a Civilização; Serafim Leite –
História da Companhia de Jesus no Brasil; Fernando de Azevedo –
História da Cultura Brasileira; e sete livros de história geral. O que nos
leva a crer que, nesses dois anos, a História Geral e a História da Igreja
Católica foram trabalhadas com mais intensidades do que a própria História
da Educação, objetivo maior dessa disciplina.
Ao compararmos essa bibliografia com os conteúdos
programáticos dos respectivos Planos de Ensino, observamos curiosamente
que estes continuam inalterados em relação aos programas anteriores, sendo
ministrado também pela mesma professora.
Já a História da Educação do Brasil, dada no Unilasalle na
primeira metade da década de 80 se apoiou basicamente no livro História
da cultura brasileira do Fernando de Azevedo e no livro História da
Companhia de Jesus no Brasil, escrito pelo jesuíta Serafim Leite.
Esses dados sobre o uso de livros que falam da história da
educação brasileira contrastam e em muito com a importância que a mesma
recebeu no programa da época. De fato, dois terços do programa de História
da Educação II era reservado para abordar tópicos da educação nacional.
Entre os tópicos destacados no programa desse período enumeramos temas
como: a educação jesuítica no início da colônia e a sua subseqüente
expulsão do país; as origens das instituições escolares; a vinda de D. João
VI ao Brasil e o incremento das instituições escolares; o ensino no Brasil
Império e no Brasil República; as reformas de ensino de 1930 e 40; a Escola
Nova no país; a LDB 4.024/61 e a reforma do Ensino Superior e do Ensino
Fundamental.
233
História da Educação I, referendados no programa de 1985/2 se manteve
inalterado até 1995, ano em que voltaram a ser privilegiados nesta disciplina
os conteúdos da História da Educação Grega, Romana e Medieval.
Uma análise mais atenta da História da Educação I e II, deste
período, nos leva a perceber que o corpo docente da época é bastante
estável, e não raro ministra as duas disciplinas da História da Educação. No
entanto, estes mesmos professores, diferentemente do que faziam na
disciplina de História da Educação I, na disciplina de História da Educação
II eram protagonistas de uma dinamicidade muito grande, quer na indicação
bibliográfica, quer no desenvolvimento dos conteúdos programáticos da
mesma.
Deste modo, entre os anos de 1985/2 e 1989/1, percebemos uma
mudança radical na bibliografia, bem como no enfoque que o professor
ministrante dava a sua disciplina de História da Educação II.
De fato, nesse período, a bibliografia se constituiu de livros
específicos da área, entre os quais destacamos os livros: Cultura Brasileira
do Fernando de Azevedo; História da Educação Brasileira da Maria Luiza
Ribeiro; História da Educação no Brasil da Otaíza Oliveira Romanelli.
Além destes livros, a bibliografia trazia uma vasta literatura complementar,
a saber: Contribuição à história das idéias no Brasil, da Costa Cruz; Raízes
do Brasil, do Sérgio Buarque de Holanda; História Econômica do Brasil, do
Caio Prado Junior e Educação Popular e Educação de Adultos, da Vanilde
Paiva.
Deste modo, a disciplina de História da Educação II deixava de
trabalhar a História Contemporânea, voltando-se quase que exclusivamente
à educação brasileira. Os grandes temas da História da Educação do Brasil
continuam os mesmos, porém passaram a ser trabalhados, em maior
profundidade, além, é claro, de serem estudados a partir de um modelo
educativo próprio.
Assim, a educação do Brasil colônia era estudada a partir do
monopólio educacional jesuítico; já a educação do Brasil Império era vista a
partir do modelo educativo tradicional. A educação dos anos 30, 40 e 50 era
identificada como a Educação da Escola Nova que, por sua vez, se associou
no Brasil à escola pública e gratuita; que, por sua vez, coincidiu com a
introdução do processo de industrialização do país. E a novidade
propriamente dita desse programa é a introdução e a discussão da educação
tecnicista e a sua identificação com a educação da década de 60 e 70.
Assim, por um lado deixou-se de lado a mera apresentação da LDB, e se
passou a discutir a educação do período a partir de um modelo. E esse
modelo estava igualmente linkado ao processo de substituição de
importações no país.
234
Comparando essa bibliografia com os conteúdos dos programas
da época, observamos que esses não traziam mais os conteúdos
relacionados à história da educação geral moderna e contemporânea, já que
esses passaram a ser tratados na História da Educação I. Quanto ao estudo
da história da educação brasileira, observamos que os programas passaram a
privilegiar mais a educação pós 1930, especialmente a Escola Nova, as
reformas educacionais da época, passando pela primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional até o Regime Militar e sua proposta
educacional.
235
das ciências da época, no sentido de voltarem às fontes. Outro tipo de
bibliografia explorada nesse período é aquela que aborda temas específicos,
como o da: Escola Nova; origem da escola pública; Rousseau; a educação
na infância; o conceito de disciplina em John Locke, entre outros.
Já a história da Educação brasileira, nessa época, passou a ser
tratada como uma disciplina de 60 créditos que, por sua vez, apoiada na
literatura específica da época passou a privilegiar basicamente três temas,
que por questões didáticas identificamos como base histórica, base
ideológica e base educacional.
A literatura educacional do programa pode ser subdividida entre
autores que abordam a história da educação como um todo, ao longo de toda
a história do país, como é o caso do livro História da Educação, da Maria
Lúcia de Arruda Aranha; História da Educação no Brasi,l da Otaíza de
Oliveira Romanelli; História da Educação Brasileira, da Maria Luísa
Santos Ribeiro; História da Educação, do Paulo Ghiraldelli Junior. O outro
grupo de autores explorados pelo programa traz aqueles que abordam a
história da Educação do Brasil a partir de temas específicos, como é o caso
do livro Grandezas e misérias do ensino no Brasil, da Maria J. G. Werere;
Cultura popular e Educação popular, do Osmar Fávero (org.); Educação e
Mudança, do Paulo Freire; Cuidado e Escola, da Rabette Harper; bem como
a Educação na “Era Vargas” e os Militares e a educação, de vários autores.
E para situar os alunos nestas leituras e discussões, os professores
buscavam ainda se apoiar em uma literatura específica da área de história,
como é o caso dos livros: Casa Grande & Senzala; História do
Pensamento; História de presidentes; Retrato do Brasil; A república
brasileira de 64 a 84. E além dessa literatura geral, os programas da década
de 90 privilegiavam bibliografias de temas específicos de história, como por
exemplo: As ditaduras militares e o neoliberalismo; a invenção do
trabalho; história da indústria e do trabalho no Brasil. O mercado e a
política; a questão nacional na primeira república, entre outros.
Outro conjunto de referências que se destaca nesse período são
aquelas ligadas direta ou indiretamente com a formação crítica dos sujeitos.
Essa formação ideológica pode perpassar a identidade do brasileiro em si,
como é o caso do livro da Luiza H. Paulo que fala do DIP e a juventude;
Ideologia e Propaganda estatal, ou ainda, do livro de José Carlos Barreiro,
que trata das Instituições a partir do trabalho e da luta de classes; bem como
da discussão da própria educação enquanto mudança ou ainda as armadilhas
neoliberais e as perspectivas da Educação.
Analisando os programas deste período, observamos que, de
1989/2 até 1993, os mesmos se voltaram a uma abordagem mais tradicional
da disciplina, bem como passa a explorar mais o contexto histórico
236
propriamente dito. Já na segunda metade dos anos 90, os programas
procuram vincular mais a história da Educação aos grandes temas sociais,
políticos e econômicos do país e do mundo e seu contexto histórico.
Por outro lado, os programas desse período não contemplam a
História da Educação do Brasil Colônia, do Brasil Império e da Velha
República. Chama igualmente atenção a grande ênfase que é dada ao
contexto histórico e o estudo da história da educação a partir de subtemas,
como por exemplo, o estudo do período de 1920 a partir da semana de Arte
Moderna ou do manifesto da escola nova entre outros subtemas.
Já a História da Educação I, deste período, manteve as mesmas
referências bibliográficas de 1981, porém privilegiando em seu conteúdo
programático a história da educação antiga, medieval, moderna e
contemporânea, mesmo que os últimos dois temas fossem tratados na
História da Educação II.
Como podemos observar, a partir de uma análise comparativa da
História da Educação I e II, é que os conteúdos se repetem nos semestres,
mesmo que a bibliografia se diferencie substancialmente. Resta saber então
se esses Planos de Ensino eram elaborados e entregues enquanto mera
perfumasse acadêmica, já que havia uma distribuição formal e repetitiva do
conteúdo, ou se realmente existiam no curso, programas paralelos de
História da Educação.
237
História das Idéias Pedagógicas; Mário A. Manacorda _ História da
Educação: da Antigüidade aos nossos dias; Maria da Glória de Rosa – A
História da Educação através dos textos; bem como os livros de Tomas
Ramson Giles e Claudino Piletti sobre Filosofia da Educação. No mesmo
período, ainda aparece o livro do Francisco Larroyo – História Geral da
Pedagogia; de Lorenzo Luzuriaga – História da Educação e da Pedagogia;
de Paul Monroe – História da Educação; e do Frederick Eby – História da
Educação Moderna.
Neste período, a História da Educação II trabalhou basicamente
com a mesma literatura da História da Educação I, porém acrescida de
autores que trabalhassem temas específicos da educação moderna,
contemporânea e pós-moderna.
Assim, a bibliografia desse programa foi enriquecida por autores,
como: Otaíza de Oliveira Romanelli; Maria E. Xavier e Paulo Ghiraldelli
Junior que exploravam a História da Educação Brasileira. Ou ainda, de
livros que discutiam temas específicos como: A escola e a Democracia, do
Dermeval Saviani; Democratização da Escola Pública, do José Carlos
Libâneo; Filosofia da Educação (Brasil), do Cipriano C. Luckesi;
Rousseau: a educação na infância, da Beatriz Cerizapa, entre outros.
Agora, comparando essa bibliografia básica da disciplina com os
conteúdos programáticos dos diferentes Planos de Ensino, observa-se que a
disciplina sempre procurou situar, primeiramente, o tema ao longo da
história e depois se preocupava em associar a educação de cada período
com a formação social e política do mesmo. Razão pela qual associou, por
exemplo: a educação da Grécia Clássica com o discurso filosófico e o saber
lógico; a educação do Império Romano com a educação para o Estado; a
educação da Idade Média com a educação dos conventos, mosteiros e
paróquias que priorizava uma educação para a salvação das almas; a
Educação da Modernidade com a educação estatal e nacional pública ou
privada; e a Educação Contemporânea com a educação pública e as
tendências teóricas de cada Estado Nacional e hoje a educação para a
sociedade da informação e da comunicação.
238
integrar a lista das disciplinas escolhidas pela instituição para compor o
núcleo comum da maioria das licenciaturas do Unilasalle.
Em termos de referências bibliográficas, não se processaram
mudanças substanciais, os professores só incluíram na literatura da
disciplina, referências bibliográficas sobre a educação brasileira até então
trabalhadas na História da Educação II ou III e que agora deveriam ser
trabalhadas e privilegiadas na disciplina denominada História da Educação.
Foram incluídas, igualmente, novas obras, como a do Dicionário sobre os
principais pedagogos brasileiros, bem como a História da Pedagogia, do
Franco Cambi, entre outros.
Porém, se em termos de bibliografia não houve mudanças
substanciais, em termos de conteúdo, a readaptação do programa ao novo
currículo trouxe grandes repercussões na prática. Por que os conteúdos que,
no início dos anos 90, eram dados ou trabalhados em três semestres e depois
em dois e agora tinham que ser trabalhados em uma disciplina de 60h. Uma
por que foram priorizadas outras disciplinas, como: Sociologia da
Educação; Filosofia da Educação, Educação e Sociedade, entre outras. Com
isto precisou-se priorizar alguns aspectos do conteúdo em detrimento de
outros, como os alunos da filosofia sugeriram para seu curso, em 1999 e
depois, em 2001, o próprio CONSEPE endossou esta sugestão dos alunos
de filosofia e recomendou que todos os Cursos de Licenciatura oferecessem
a disciplina. Segundo essas orientações, a disciplina de história da educação
deveria privilegiar a História da Educação lassalista e a história da educação
brasileira, entre outros aspectos.
Em conversas posteriores do professor da Disciplina com a
coordenadora do Curso de Pedagogia ficou acordado que a Disciplina de
Políticas Educacionais poderia e deveria dar um plus à história da Educação
brasileira ao trabalhar a história das políticas educacionais no país, uma vez
que era muito conteúdo a ser trabalhado em um semestre de aula.
239
Esta disciplina passou a integrar a base institucional comum por
ser um dos princípios pedagógicos lassalistas, junto com a Cultura Religiosa
e a Ética. No entanto figura como cadeira optativa em vários cursos de
licenciatura em função da redução da carga horária das licenciaturas de
mais ou menos 3.300 horas para 2.800 horas. Os cursos que tornaram esta
disciplina optativa na reforma curricular de 2003 privilegiaram a História da
Educação sob o olhar da Filosofia ou da Sociologia. Mas enquanto
disciplinas obrigatórias, a Historia da Educação, a Sociologia da Educação e
a Filosofia da Educação, são locadas nos currículos dos cursos sempre no
segundo semestre.
Nestas nossas considerações finais, chamamos a atenção
inicialmente ao fato de que os livros da História da Educação publicados ou
traduzidos na década de setenta não integraram as referências bibliográficas
da época, nem chegaram aos professores. Por que será que alguns desses
livros só chegaram a nossa Universidade na segunda metade da década de
90, apesar de sua didacticidade?
Outra constatação que deve saltar aos olhos do leitor no final
deste trabalho é quanto às peculiaridades da História da Educação em cada
período da história. Deste modo, na década de oitenta, por exemplo, as
disciplinas de História da Educação oferecidas aos alunos do curso de
Pedagogia privilegiavam a história da educação geral e clássica. Já na
década de noventa, passou-se a privilegiar a história da educação clássica,
bem como a história da educação brasileira e crítica. E na primeira década
de dois mil, procurou-se trabalhar a história da educação a partir de temas
relevantes para a educação, bem como a história da educação brasileira e
lassalista.
A formação dos professores que ministravam as disciplinas de
História da Educação, por sua vez, oscila entre a área da filosofia, história e
educação, sendo, no entanto, a história a grande área de concentração desta
formação.
Quanto ao nível de formação dos professores que lecionaram as
disciplinas de História da Educação, ao longo destes vinte seis anos, nós
podemos dividi-los em dois grupos. O primeiro grupo de docentes que
atuaram como professores da disciplina na Instituição, formado
exclusivamente de professores graduados e especialistas tendo trabalhado
no CELES entre os anos de 1981 e 1994. O outro grupo de professores da
disciplina começou a trabalhar na Instituição a partir de 1995, sendo
constituído, em sua maioria, por educadores oriundos da área de história ou
Educação, com formação em nível de mestrado ou doutorado.
Outro dado relevante que vem desta análise comparativa é o fato
de que os programas, a própria disciplina e os professores sofreram a
240
influência dos movimentos sociais, políticos e culturais de cada época. Isso
fica claro quanto ao número de disciplinas de História da Educação
oferecidas em um mesmo curso, no nosso caso, no Curso de Pedagogia,
assim como pela lista de conteúdos programáticos e de referências
bibliográficas sugeridas pelos professores em cada período da História
Contemporânea.
Outro aspecto que gostaríamos de destacar nessas nossas
considerações finais é quanto à necessidade de se colocar o educando da
disciplina de História da Educação em contato: com textos dos próprios
educadores; com textos de historiadores da educação; bem como o de
localizar os mesmos no tempo e no espaço. Ou seja, a necessidade de se
trabalhar a disciplina de História da Educação contextualizada, e também a
necessidade de colocar os educandos em contato com os historiadores e os
próprios educadores, para que os mesmos possam se embeber da História da
Educação nas fontes históricas mais puras e singulares.
Referências
241
GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 4º ed. São Paulo:
Ática, 1996.
MANACORDA, M. A. História da educação: da antigüidade aos nossos
dias. São Paulo: Cortez, 1996.
LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da pedagogia. 4º ed. São
Paulo: Nacional. 1969.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira História da Educação no Brasil. 20º ed.
Petrópolis: Vozes, 1998.
GHIRALDELLI Jr. Paulo. História da Educação (Brasil). São Paulo:
Cortez. 1991.
LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. V. I e II, São Paulo:
Mestre You, 1974.
MARROU, Henri. História da educação na Antigüidade. São Paulo: Herder
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LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da Educação. (Brasil). São Paulo: Cortez,
1990. P. 181.
ROSA, Maria da Glória de. A História da educação através dos textos. São
Paulo Ed. Cultrix, 1976.
MONROE, Paul. História da Educação. 8. ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1969.
242
O Ensino de História da Educação na UNIJUI
Anna Rosa Fontella Santiago
Resumo
Abstract
The text describes the theoretical-methodological course of the teaching of history of the
education in UNIJUÍ, emphasizing your integration to the Course of Pedagogy where assumes
the character of linked discipline to the area of the sciences historical-hermeneutics, returned to
the interpretation of the man's pragmatic action in your relationships with the culture and the
society. In the dynamics of the restructuring curriculum of the Course of Pedagogy, the
discipline pronounces to the contributions paradigmatics that they guide the proposal of the
educator's formation to become complete to the group of components and activities curriculum
with the objective of aiding in the interpretation and understanding of the educational practices,
in a course proposal that intends to have the research as educational beginning.
Key-words: education; formation; interpretation;, history.
244
classes, das práticas de resistência, da exclusão e do percurso do homem na
luta secular para superar a divisão entre os que estão autorizados a pensar, a
decidir e a falar e os que estão fadados ao silêncio, ao trabalho e à
submissão. O percurso metodológico era mais ou menos linear desde a
Antigüidade, a Idade Média e a Modernidade, fazendo interlocução com
teóricos clássicos como Mário Manacorda, Lorenzo Luzuriaga, Paul
Monroe, Aníbal Ponce, Bogdan Suchodolski, Henri Marrou e, também, com
pesquisadores brasileiros como Otaísa Romaneli, Maria Luiza Ribeiro,
Maria Lúcia Arruda Aranha e outros que, durante o percurso, foram
publicando seus estudos sobre a história da pedagogia e da educação
brasileira e ampliando a literatura da área com suas contribuições.
A partir da década de 1990, inserindo-se no debate nacional sobre
a reformulação dos cursos de licenciatura, o grupo da UNIJUI participou
ativamente nos seminários promovidos pela AESUFOP (Associação de
Escolas Superiores de Formação de Professores) e pela ANFOPE
(Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação), que
desencadeavam uma discussão profícua sobre a identidade dos cursos de
formação de professores e acerca dos aspectos teórico-metodológicos da
reconstrução curricular, em especial dos cursos de Pedagogia, cuja proposta
de formação do especialista em educação era veementemente questionada.
A partir das reflexões provocadas pelo debate nacional, na
fecunda discussão coordenada por Mário Osório Marques acerca da
identidade da Pedagogia e do lugar que esta deveria ocupar como ciência
prática-hermenêutica na interpretação e condução da educação e, portanto,
na reconstrução dos cursos de formação de professores, nasceu o livro “A
Formação do Profissional da Educação” (MOM. Editora UNIJUI, 1992).
Com esta obra, o emérito educador inseria-se no contexto das preocupações
do Movimento Nacional de Reformulação dos Cursos de Preparação de
Recursos Humanos para a Educação, vinculado à ANFOPE, trazendo sua
contribuição numa proposta de formação onde a reciprocidade dialética de
teoria e prática, em íntima relação, pudesse ordenar o currículo dos cursos,
fazendo-se “práxis social/histórica” na mediação exercida pela educação e
pelos educadores na produção/reprodução do conhecimento e dos sujeitos
coletivos.
Apresentando a Pedagogia como ciência articuladora na
formação de educadores, em qualquer habilitação, assim se expressava
Marques:
(o curso) como forma de educação dos educadores necessita assumir
seu próprio direcionamento teórico com estatuto de ciência
específica, uma ciência que atenda as necessidades de compreensão,
da organização e do direcionamento de objeto por natureza histórico
e complexo. Tanto a educação como a ciência da educação
245
necessitam ser mediadas pela ação do educador, para que possam,
em reciprocidade, modela-la e construí-la.
Teoria e prática se acham intimamente relacionadas e auto-exigentes
numa práxis social/histórica, como tal vinculada sempre de novo à
teoria que a faz práxis reflexiva”. (MOM, 1992, p. 11).
246
temático “Conhecimento, Educação e Sociedade” que organizava
disciplinas e conteúdos específicos no segundo, terceiro e quarto semestre
do curso, com ênfase especial, em cada semestre, a um conceito específico:
o conhecimento, a educação e a sociedade, respectivamente. As ciências
histórico-hermenêuticas eram definidas como uma ampla área de
conhecimento voltada à interpretação da ação pragmática do homem na
relação intersubjetiva do mundo da vida. Daí porque agregava as disciplinas
do Ciclo Básico e os conceitos trabalhados na primeira etapa da formação,
no entendimento que sociedade, cultura e linguagem são pilares da
significação e do conhecimento. Propunha-se, desse modo, a formação de
uma sólida base conceitual, formada nos primeiros anos, para criar as
condições de, em etapas posteriores, romper o caráter meramente técnico
das disciplinas instrumentais.
A disciplina História da Educação tinha seus momentos fortes no
segundo, terceiro e quarto semestres quando, articulada à Filosofia e à
Sociologia da Educação, deveria dar ênfase a uma interpretação crítica do
fenômeno educativo, pois segundo a proposta do curso,
A ação, porém, não se interpreta diretamente, mas enquanto
projetada nos signos exteriores transmissíveis através dos tempos.
Requerem teorias que façam ascender dos signos às ações e
intenções dos atores, aos acontecimentos e respectiva significação.
Processam-se no uso da linguagem pragmática exigida pela
intersubjetividade da livre comunicação no mundo da vida, isto é,
dos pressupostos que tornam possível a vida dos homens em
sociedade, uma linguagem que, bloqueada e distorcida na prática
histórica, necessita recuperar sua legitimidade pelo recurso às
ciências histórico-críticas (Marques, 1992, p.168).
1
O campo das ciências histórico-críticas era definido como aquele que agregava disciplinas,
conteúdos e conceitos de caráter emancipatório, voltados ao resgate do processo histórico de
auto-constituição dos sujeitos em contextos de comunicação.
2
As ciências empírico-analíticas, embora referidas a fenômenos empiricamente apreensíveis do
mundo físico, o fazem através de quadros conceituais de interpretação que antecedem e guiam
a experiência. Assim sendo, “Socorrem-se as ciências empírico-analíticas da Lógica e das
Matemáticas, sempre porém referidas ao mundo físico, no qual está também o observador por
247
semestres em que eram elas ministradas, mas também nos posteriores, onde
o ciclo profissional tomado como eixo central da formação, retomaria o fio
condutor da construção do conhecimento para tecer, nas Didáticas,
Metodologias e Práticas de Ensino, os saberes exigidos pela prática
profissional.
Ao colocar em prática essa proposta, percebeu-se logo que,
embora avançando numa visão dinâmica de currículo, na pretensão de
abandonar os determinismos essencialistas e metafísicos na concepção
epistemológica que dava sustentação à estrutura do curso, continuávamos
operando com a idéia de trabalhar os “fundamentos da educação”, cujo
objetivo seria fornecer o suporte para a interpretação crítica e a formação
profissional. Portanto, a dinâmica curricular ainda não dava conta de
superar a linearidade do paradigma técnico-instrumental.
Metodologicamente, a disciplina História da Educação, apesar do mérito de
proporcionar aos/as acadêmicos/as a compreensão das origens greco-latinas
da civilização ocidental e da tradição pedagógica que, por conta dessa
cultura herdada, se faz presente nos processos educativos, deixava à
margem o diálogo com as práticas locais e as culturas particulares que
deveriam forjar a fecundidade do conhecimento, fazendo nascer o novo sem
negar a tradição, a história e a cultura.
Nos últimos anos, como de resto todas as instituições formadoras
de profissionais da educação, a UNIJUI, também foi atropelada pelas
políticas públicas que vêm buscando definir diretrizes para a formação
profissional e, em conseqüência, propondo a reestruturação dos cursos. Para
adequar-se à legislação e às orientações oficiais do Ministério da Educação,
o Curso de Pedagogia sofreu alterações significativas em sua estrutura
curricular porém, o grupo de docentes por ele responsável procura manter-
se atento para que as determinações normativas não se sobreponham às
discussões teórico-metodológicas.
Todavia, pela necessidade imposta de ampliar a carga horária nas
disciplinas prático-instrumentais, a história da educação perdeu espaço em
um semestre letivo. Procura-se compensar essa perda com uma
reorganização em seu projeto pedagógico que inclui, além das disciplinas,
outros componentes curriculares como seminários temáticos, oficinas e
ciclos de estudos, cujo objetivo é a discussão de temas que proporcionem a
atualização e a complementaridade do currículo. Nesse contexto de
mudanças a história da educação não se desviou dos fins e objetivos
delineados, desde a década de 1990, na velha matriz dos cursos de formação
ele afetado e afetando-o de modo a exigir que a interpretação igualmente recorra aos saberes
histórico-hermenêuticos e histórico-críticos” (Marques, 1992, 168)
248
do educador, mas insere-se, hoje, numa proposta que visa, em especial, a
formação do pedagogo da sala de aula e, nesse sentido, adequa-se à nova
política curricular procurando dar conta de sua tarefa em dois semestres
letivos.
Os aportes teóricos que organizam o ensino também são outros e
a estratégia utilizada para ganhar em qualidade o que se perde em
quantidade de tempo no currículo tem sido a reestruturação metodológica
dos conteúdos, privilegiando uma organização temática, flexível e
articulada aos demais componentes curriculares.
A contribuição do Programa de Pós-Graduação em Educação nas
Ciências, em funcionamento desde 1994, também merece destaque no
processo de reconstrução e adequação dos cursos de formação de
professores. O curso de Mestrado em Educação emergiu das reflexões que
animavam o Departamento de Pedagogia, no inicio da década de 1990, e
sua criação garantiu a continuidade e o aprofundamento das discussões, em
outro nível, agregando um grupo de doutores em educação e áreas afins,
todos envolvidos com a pesquisas e a produção científica na área da
educação e da formação docente. As pesquisas e a reflexão teórica que ali se
produz alimentam as discussões, no âmbito dos departamentos, acerca da
proposta político-pedagógica dos cursos de graduação, ajudando a
redimensionar, não só a estrutura curricular para adequação às exigências
oficiais, mas também a dinâmica do ensino nas disciplinas ministradas. O
Estágio em Docência na Graduação, oferecido no curso de mestrado como
disciplina obrigatória para alunos bolsistas da CAPES e optativa para os
demais, tem trazido significativa contribuição dos mestrandos às discussões
sobre a docência universitária, com a divulgação de suas pesquisas, a
publicação de coletâneas e artigos.
No que se refere ao ensino da história da educação no curso de
Pedagogia, pode-se dizer que o seu redirecionamento teórico-metodológico
beneficia-se com a oferta da disciplina “Sociedade Brasileira e Educação”
no curso de mestrado, ministrada, nos últimos quatro anos, pela autora deste
artigo juntamente com o professor Doutor Paulo Afonso Zarth. Os estudos
realizados no desenvolvimento dessa disciplina, que envolvem aspectos
históricos e sociológicos na reflexão sobre a educação brasileira, têm se
constituído em espaço privilegiado para uma profícua discussão acerca dos
discursos que produzem, em diferentes épocas, imagens do Brasil, do povo
brasileiro, da educação e de seu papel na constituição da nação.
Assim, sem abandonar as referências teóricas que,
historicamente, vêm constituindo a identidade do curso de Pedagogia, a
proposta de ensino, da história da educação, avança na dinâmica constante
da reestruturação curricular e dos aportes paradigmáticos que sustentam as
249
pesquisas e a produção intelectual na UNIJUI. Hoje, pode-se dizer que o
esforço teórico-metodológico no desenvolvimento da disciplina situa-se no
sentido de superar os sistemas de pensamento que se propõem a anunciar
verdades estáveis e coerentes para inscrever-se na linha daqueles que
acreditam no papel constitutivo da linguagem. Nessa perspectiva, o ensino
da história da educação abandona o objetivo de abordar os aspectos macro
estruturais da sociedade e da cultura para entender o processo educativo e
assume a posição de um componente curricular que, integrando-se ao
conjunto de atividades curriculares auxilia na interpretação/entendimento
das práticas educativas, numa proposta de curso que pretende ter a pesquisa
como elemento articulador da formação.
Concordando com Nóvoa de que “a linguagem deve ser vista
como um sistema que constrói mais do que reflete, que prescreve tanto
quanto descreve” (in Monarcha, 1999, p.12) a disciplina integra-se ao
currículo numa dimensão de pesquisa e reflexão sobre a pedagogia e a
sociedade brasileira a partir das práticas locais procurando entendê-las no
contexto cultural em que se produzem. Nessa perspectiva, o cenário
histórico é apresentado para uma leitura da realidade educacional sem
pretensão de “fundamentar” a interpretação ou apresentar as “causas” que
determinam ou fixam os sentidos, mas sim como discurso que sedimentam a
interpretação de fatos, que encaminham políticas públicas ou que provocam
resistências e rupturas. Parte-se, então, da realidade vivenciada pelos/as
educandos/as tematizando aspectos que se constituem em objeto de
pesquisa e, na interlocução com os textos e autores lidos, vão-se
construindo reflexões e entendimentos.
Temas como o currículo, a disciplina, a educação infantil, a
educação especial a educação popular, a educação de jovens e adultos e
outros de interesse dos/as acadêmicos são estudados nesse cenário,
articulando as dimensões históricas, filosóficas, antropológicas e
sociológicas. Abandona-se, porém, a pretensão de interpretar um contexto
para trabalhar com a idéia de analisar os textos como abordagens amplas
que organizam os discursos e (re) constituem a realidade social e educativa.
Metodologicamente, vimos trabalhando com o princípio da
pesquisa, partindo de investigações locais sobre os temas de interesse dos/as
acadêmicos/as para evoluir em leituras e reflexões mais amplas que são
apresentadas ao final de cada etapa semestre na forma de seminários e
pôsteres, com o intuito de publicizar e ampliar pesquisas e discussões
articuladoras entre o local e o global, os saberes culturais e a conhecimento
legitimado pela ciência (doxa e episteme), acreditando, ainda, na
possibilidade de romper as fronteiras disciplinares e tecer, em relações
250
dialógicas, a ampla e complexa teia da formação, sempre exigente de
continuidade e renovação.
Referências
251
.
A História da Educação no curso de pedagogia da
Universidade de Passo Fundo: aportes na história
recente em busca de novas perspectivas
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani
Resumo
Abstract
The article discourses about the teaching of History of the Education at the University of Passo
Fundo, north region of the Rio Grande do Sul State, making two movements: the first one is a
minimum rescue of the comings and gone of the grating's resume component of Pedagogia's
Course through the past thirty and five years; and, on a second movement weaveeing balances
about the current summary of the component, launching questions which points on respect to
the new dimension of the teaching of History of the Education in the institucional scope.
Key-words: teaching of History of the Education; Pedagogia's Course; new dimension of the
teaching.
1
Este processo de (re) pensar a História da Educação na Universidade de Passo Fundo veio
como uma das incumbências da docência nesse componente curricular, docência a qual me
dedico desde 2001.
2
No mês de janeiro de 2006 exemplarmente, funcionaram junto a Faculdade de Educação, 08
turmas de pedagogia em regime especial, distribuídas entre as habilitações anteriormente
referidas e ainda a habilitação em Educação Especial.
254
Em 1971, a Universidade de Passo Fundo recebe do Conselho
Federal de Educação a autorização para fazer funcionar licenciaturas (entre
elas a de pedagogia) em regime intensivo de férias (UPF, s/d, p.02).
No currículo do curso de pedagogia (Habilitação em
Administração Escolar e Habilitação em Orientação Educacional) em
regime de férias constam História da Educação com 06 créditos (ou 90
horas/aula) e, ainda, História da Educação no Brasil, com 04 créditos (ou 60
horas/aula);
Paralelamente o curso regular de pedagogia aparece, no início da
década de 1970, dividido em diurno e noturno. No diurno, a pedagogia
assumia status de licenciatura plena e era desenvolvida em 08 semestres ou
níveis, sendo que o currículo acentuava a História da Educação, ofertando
tal componente curricular no nível III (ou terceiro semestre do curso) com o
nome de História da Educação I (03 créditos ou 45 horas/aula) e História da
Educação no Brasil I (02 créditos ou 30 horas/aula); já no semestre seguinte
ou nível IV, era apresentada História da Educação II e História da Educação
no Brasil II, a primeira com 03 créditos e a segunda com 02 créditos, sendo
igual carga horária do semestre anterior, o que totalizava, ao longo do curso,
04 componentes curriculares que tratavam sobre a História da Educação e
10 créditos, ou 150 horas/aula (UPF, 1973, 44).
Já o curso noturno era de curta duração (licenciatura em
pedagogia) com apenas 05 semestres ou níveis. Ainda assim, a História da
Educação I tinha 04 créditos e era lecionada no nível II e História da
Educação II abrangia iguais 04 créditos e era lecionada no nível III ou
terceiro semestre do curso (UPF, 1973, 46). A diferença entre a plena e a
curta era que, enquanto a licenciatura curta encerrava-se no quinto semestre,
a plena abria-se em habilitações: Orientação educacional e Administração
escolar, além do magistério.
Em 1976, o curso de pedagogia passa a existir unicamente como
Licenciatura Plena e Habilitações, sendo que História da Educação é
apresentada nos níveis III, IV e V, sob as denominações de História da
Educação I e II (ambas com 03 créditos) e História da Educação Brasileira,
com 04 créditos (UPF, 1976, pp.29-30), respectivamente.
A partir de 1980, o currículo da pedagogia modifica-se, passando
o curso a atender pela denominação de Pedagogia: professor para as Séries
Iniciais da Escolarização e disciplinas da Formação especial da
Habilitação de magistério de 2o. Grau, sendo que a História da Educação
figura apenas no nível I (ou primeiro semestre do curso) com 04 créditos
equivalentes a 60 horas/aula (UPF, 1981, p.61). Em tal reformulação
curricular também são extintas as habilitações em Administração Escolar e
255
Orientação Educacional e mantida, por mais alguns anos, a habilitação em
Supervisão Escolar.
Atualmente, o curso de Pedagogia divide-se em habilitações que
dão conta de formar professores para atuarem com educação infantil,
educação especial e ainda séries iniciais do ensino fundamental e matérias
pedagógicas de nível médio. Em cada um dos cursos a História da Educação
apresenta-se materialmente da mesma forma: apenas 04 créditos no
primeiro semestre do curso, com ementa similar para cada habilitação.
Contrastando com o espaço atribuído a História da Educação no
início do recorte temporal analisado, o ano de 1980 encerra tal componente
no primeiro semestre do curso com um restrito espaço na grade curricular,
ou ínfimos 3% da carga horária total da pedagogia (e habilitações), espaço
que perdura ainda hoje.
Há que se constatar que dos fundamentos da educação
(sociologia, psicologia, filosofia e biologia da educação) 3 a história da
educação é o único que tem somente 04 créditos (60 horas aula), sendo
ofertado apenas uma vez ao longo do currículo dos cursos. Se levados em
consideração como elementos integrantes do núcleo básico do curso de
pedagogia (UPF, 2002, p.12), os fundamentos da educação distribuídos da
maneira como se encontram hoje, carecem do princípio de eqüidade entre
seus distintos componentes.
A falta de relevo desse componente curricular fica evidente até
mesmo quando se atenta para números da pós-graduação stricto sensu
vinculada à Faculdade de Educação, onde apenas 6% das temáticas
desenvolvidas no programa encetam pesquisas ligadas à Historia da
Educação4.
A materialidade do componente curricular, entendida como a
carga horária semestral; o lugar ocupado na grade curricular do curso; o(s)
semestre(s) (nível ou níveis) de oferta, entre outras questões, além de
demonstrarem escolhas próprias dos colegiados e instâncias decisórias da
instituição, desenham a relevância situacional atribuída à História da
Educação. Em muitos casos, ter mais ou menos espaço na grade curricular
3
A Sociologia da Educação ganhou, com a reforma curricular de 2002, o moderno nome de
Estudos Sócio-culturais da Educação, sendo trabalhada nos níveis II e III, em ambos com 04
créditos.
4
Desde 1997 a Faculdade de Educação desenvolve o Programa de Pós-graduação em Educação
– Mestrado, sendo que até 23 de dezembro de 2005 (www.upf.br) foram 157 dissertações
defendidas, dentre essas apenas 09 versavam sobre história da educação, ou cerca de 6%.
Sabendo da vocação regional da Universidade de Passo Fundo, tal número é mais assustador,
pois somente duas egressas do curso de Pedagogia da UPF aventuraram-se, ao longo dos quase
nove anos do programa, a pesquisar sobre História da Educação.
256
de um curso, longe de ser uma discussão marginal, reflete a relevância
formativa que o componente curricular assume ante os docentes do referido
curso.
Tais questões são definidoras da organização curricular,
entendida como listagem e seqüência de conteúdos, a ser desenvolvida
durante a oferta do componente. A organização curricular está, aliás,
diretamente vinculada ao tempo ou à carga horária destinada à História da
Educação.
Com o tempo para o desenvolvimento dos conteúdos de História
da Educação reduzido, a abordagem de cada tema, bem como a escolha de
temas que serão trabalhados em detrimento de outros, passa a ser fator de
enfraquecimento e tratamento superficial do componente.
A intervenção docente no desenrolar da aula, bem como as
prioridades de conteúdos estabelecidos, deságuam na legitimação de opções
de docência e de metodologia de ensino, bem como na defesa de uma
história da educação vinculada a um projeto de sociedade. Assevera-se,
assim, a não-neutralidade do currículo (aqui tratado em seu plano visível: a
listagem de conteúdos), mas a sua vinculação com o momento histórico que
o gesta. É o jogo entre o que se ensina, quem ensina, para quem ensina e em
que contexto ensina, e o ensino de História da Educação também navega
por tais determinantes.
257
A ementa de História da Educação, no início dos anos 1990,
vigorou até a reformulação curricular de 2002 e rezava ser tal componente
responsável por desenvolver conteúdos acerca da
História da educação e da pedagogia. Educação dos povos
primitivos. Educação dos povos orientais. Educação clássica.
Educação na Idade Média. Educação humanista. Educação cristã-
reformada. Educação e pedagogia do século XVII ao século XX.
História da Educação brasileira (UPF, 1994).
258
O quadripartismo tem como resultado privilegiar o papel do
Ocidente na história do mundo e reduzir quantitativa e
qualitativamente o lugar dos povos não - europeus na evolução
universal. Por essa razão, faz parte do aparelho intelectual do
imperialismo. Os marcos escolhidos não têm significado algum para
a imensa maioria da humanidade: fim do Império Romano, queda de
Bizâncio. Esses mesmos marcos destacam a história das
superestruturas políticas, dos Estados, o que também não é inocente
(1995, p. 95)
259
elementos que compõem a formação do pedagogo que se quer engajado e
crítico, criticidade que só vem com o olhar da história e sobre a história.
Tais constatações me permitem tomar partido, defender uma
posição acerca de como a História da Educação pode continuar a ‘escrever’
sua história enquanto componente curricular da pedagogia.
Defendo aqui uma História da Educação assentada em recortes
pertinentes e significativos, em temas e abordagens que dêem conta de
problemas situacionais e não apenas do relato linear (que percebo
reducionista, de acordo com a forma como for trabalhado), pois entendo
que:
... os diferentes recortes da História permitem que o aluno abra
enormes horizontes que podem acolher, inicialmente a sua
curiosidade, depois, sua análise e, finalmente, sua identificação com
essa ‘gente como a gente’ que construiu o processo histórico do qual
ele mesmo faz parte (PINSKY, 2003, p. 35).
Referências
260
Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e Memórias da Educação no
Brasil. Vol. I. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
NÓVOA, António. Para que a História da Educação? In: STEPHANOU,
Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e Memórias da
Educação no Brasil. Vol. I. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanzi. Por uma história prazerosa e
conseqüente. In: KARNAL, Leandro. (org.). História na sala de aula:
conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003.
Fontes documentais
Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Educação. Licenciaturas em
regime intensivo de férias, s/d. (datil).
Universidade de Passo Fundo. Catálogo Geral dos Cursos. Secretaria Geral
dos Cursos, Passo Fundo, 1973 (datil.).
Universidade de Passo Fundo. Vice-reitoria acadêmica. Roteiro Acadêmico,
Secretaria Geral dos Cursos, 1976.
Universidade de Passo Fundo. Vice-reitoria acadêmica. Roteiro Acadêmico
n. 7, 1981 (datil.).
Universidade de Passo Fundo. Currículo do curso de Pedagogia Séries
Iniciais, 1984, (datil.).
Universidade de Passo Fundo. Vice-reitoria acadêmica. Catálogo dos
cursos de graduação – Ementário, Gráfica Berthier, 1994.
Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Educação. Síntese da Proposta
Curricular do curso de Pedagogia. 2002, (datil.).
261
.
Historia da Educação e a formação do professor na
UNISINOS
Flávia Obino Corrêa Werle
Berenice Corsetti
Resumo
Esse artigo focaliza como os estudos referentes a História da Educação foram tratados no
contexto dos cursos de formação de professores da Unisinos desde os anos cinqüenta do século
XX até 2005. Apresenta-se um retrospecto histórico do Curso de Pedagogia para seguir com a
análise da disciplina História da Educação no contexto do referido currículo. Considerou-se na
construção do texto a ementa, objetivos, conteúdos programáticos, bibliografia e professores
ministrantes da disciplina de História da Educação. Metodologicamente procedeu-se a uma
organização cronológica dos planos por disciplina e a construção de tabelas com categorias
decorrentes de sua constituição, formato e informações, seguida de análise interpretativa.
Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação; formação de
professores.
Abstract
This article focuses on how the studies referring to the History of Education have been treated
in the context of the courses of teacher education at UNISINOS since the decade of the fifties
of the 20th century until 2005. Initially we present a hitorical retrospect of the Course of
Pedagogy, and afterwards we analyze the subject matter History of Education in the context of
the respective curriculum considering especially its summary, objectives, programmatic
contents, bibliography and teachers. Methodologically we proceeded through a chronological
organization of the teaching plans by subject matter and the construction of tables with
categories decurring from its constitution, format and informations, followed by the individual
interpretative analysis, as well as conjunctly between the authors.
Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.
264
alunos, essa será a fonte prioncipal de análise utlizada neste artigo. É
preciso registrar que pode ter ocorrido, ao longo do tempo, um processo de
inércia quanto a atualização formal dos programas das disciplinas mas, no
contexto das salas de aula, terem sido reinterpretados de forma vigorosa.
Por outro lado considera-se também a hipótese de impossibilidade de seu
cumprimento, embora as disciplinas referidas nesse texto tivessem, cada
uma, 60 horas aula a cada semestre.
O fato da discussão da disciplina de História da Educação
centrar-se em sua posição no curso de Pedagogia advém de que as
licenciaturas na Unisinos nunca tiveram em seu currículo este tema tratado
como disciplina individualizada. Apenas alunos das licenciaturas de
Geografia e de História poderiam matricular-se nessas disciplinas,
complementarmente, na modalidade de disciplina optativa.
265
curricular desvinculando a habilitação de magistério das habilitações
específicas de Orientação Educacional e de Administração Escolar as quais
passam para o nível da pós-graduação, constituindo-se em cursos de
especialização. Com a reformulação o novo Curso de Pedagogia passa a ser
implantado gradativamente a partir de 1978, oferecido no período noturno e
a disciplina de História da Educação passa a compor o currículo no 3o.
semestre do curso e a de História da Educação Brasileira, no 4o. semestre,
mantendo cada uma 60 horas de aula. É quando a licenciatura plena em
Pedagogia passa a oferecer apenas Habilitação das Matérias Pedagógicas
para a formação de professores em cursos de nível médio sendo que o aluno
depois de formado poderia requerer registro em três disciplinas dentre:
Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Didática e Estrutura e
Funcionamento do Ensino de 1o. Grau. Portanto, quando voltado para a
formação do professor que atuaria no curso Normal ou no Magistério 2o.
Grau, o currículo do Curso de Pedagogia da Unisinos, nunca deu direito ao
registro em História da Educação, mas em outras áreas que compõem os
Fundamentos da Educação. História da Educação compunha o leque de
fundamentos da educação mas sem a força de profissionalizar o acadêmico
de Pedagogia a ponto de constituir-se em área de registro no MEC.
No ano de 1986 altera-se novamente a proposta do curso, agora
organizada em três dimensões – Fundamentos da Educação, Metodologia de
Ensino e Prática de Ensino -, passando a oferecer habilitação em séries
iniciais. A dimensão Fundamentos da Educação visava “a proporcionar a
compreensão ou ‘leitura’ da realidade. Para tanto, concorrem as ciências da
educação, enquanto instrumentos criticamente elaborados, de compreensão
do homem e do mundo”(SILVA e BOHN, 1990, p.56). A disciplina de
História da Educação compondo essa dimensão desdobra-se em duas:
História da Educação e História da Educação Brasileira.
Em 1998, sob o impacto da nova lei de diretrizes e bases da
educação nacional, Lei 9394/96, o Curso de Pedagogia da Unisinos
reorganiza-se, agora diferenciando a formação oferecida sob a forma de
ênfases em Educação Infantil, em Séries Iniciais, em Ensino Religioso, em
Educação e Trabalho e em Educação de Jovens e Adultos. Esse curso
atualmente (2005/2006) está em processo de extinção e, o novo currículo
em implantação, reorganizado, não inclui Historia da Educação como
disciplina, mas como uma atividade dentro do Programa de Aprendizagem,
unidade pedagógica que substitui atualmente a anterior designação de
disciplina nas licenciaturas da Unisinos.
266
Anos oitenta: a História da Educação abordando vultos
históricos, movimentos civilizatorios de longa duração
267
detalhe, permanece a mesma orientação para história de longa duração e
com as anteriores categorizações tendo sido incluídos entretanto, os temas:
América Latina e educação: Argentina, Cuba, Nicarágua. A bibliografia
difere da que vinha sendo mantida desde o inicio dos anos oitenta, incluindo
um livro de historia geral das civilizações, a obra de Lorenzo Luzuriaga
(História da educação e da pedagogia) e a de Eliane Marta Lopes
(Perspectiva histórica da educação).
268
implicam concepções de homem, mundo e sociedade elaboradas em
momentos específicos para objetivos específicos” (Programa da disciplina
História da Educação, 1998/1). É nesse semestre que o plano dessa
disciplina inclui também um elemento pedagógico inédito “filmes sobre
educação”, sugerindo alterações metodológicas no trato dos temas em sala
de aula, relacionando doze filmes disponíveis no comércio e locadoras. A
bibliografia é ampliada consideravelmente passando a 31 títulos, incluindo
livros, capítulos de livros e artigos de periódicos.
No ano de 1999 novas temáticas expressas em objetivos
diferenciados em visão macro e visão micro, esta última incluindo o
conhecimento da metodologia de pesquisa em História, a vivência de pesquisa
através de textos históricos, a leitura de histórias invisíveis (crianças, negros,
mulheres, minorias), a problematização das origens da História da Educação
bem como a análise de filmes, fotografias, e outros recursos.
Registra-se portanto, no final dos anos noventa uma alteração
significativa na proposta de objetivos, ementa, e pela inclusão do tema “A
educação no terceiro milênio – paradigmas e desafios” (Programa da
Disciplina História da Educação, 1999/1). Por três semestres a ementa acena
para processos de compreensão, interpretação e para o emprego da
hermenêutica crítica na disciplina de História da Educação.
270
há várias histórias da educação que se constroem contraditória e
relacionalmente,... são possíveis várias releituras das propostas
educativas e que procedê-las auxilia a construir uma visão ampla e
crítica da educação atual. Fomentar a construção de novas hipóteses
sobre a estruturação da instrução pública.... Sensibilizar para a
importância de documentar a educação que fazemos e para a
preservação de documentos históricos na medida em que trabalhar
com documentos – marca/aparência preservada do passado
enriquece e amplia a compreensão da educação hoje.... Analisar a
posição da disciplina de Historia da Educação em cursos de 2º. grau
magistério.(Programa de História da Educação Brasileira, 1998/1,
grifo das autoras)
271
Em 2005/1, como referido em páginas anteriores, há profunda
rearticulação metodológica nas licenciaturas da Unisinos provocando nova
alteração no currículo do Curso de Pedagogia sendo eliminadas as
disciplinas de História da Educação e História da Educação Brasileira. A
forma Programas de Aprendizagem – PA - é adotada no conjunto dos cursos
de formação de professores da instituição e a historia da educação dissolve-
se no PA Culturas, Linguagem e Educação, compondo uma pequena parte
da atividade História social e pensamento educacional, na qual a história da
educação é incluída como perspectiva e são trabalhados textos de autores
clássicos (Comenius, Comte, Herbart, Dewey, Gramsci, Rousseau, Piaget,
os pioneiros, Paulo Freire) como expressão de época e dos debates
educacionais do período.
Elementos conclusivos
272
questões super estruturais, ao surgimento, consolidação e crise de modelos
econômicos nos quais a educação é tratada como subsidiária pois prevalece
a visão de totalidade e de estrutura social macro. Por breve período houve
preocupação com a história da educação latino-americana, a história
invisível das minorias e com a problematização e relativização da história
oficial, com a construção de um memorial individual, bem como com a
forma como, no magistério 2o. grau, a história da educação era apresentada.
A breve permanência dessas abordagens na disciplina de História da
educação demonstra o desconhecimento e afastamento da produção
historiográfica que se fez dos anos oitenta em diante. Se as afirmativas de
Miriam Warde no Prefácio, incluído nas páginas 9 e 10 da oitava edição
(1979) eram válidas para o final dos anos setenta foram elas,
progressivamente, perdendo a força tanto é que em edições posteriores tal
prefácio não mais foi incluído. Na ocasião Miriam Warde afirmava que a
história da educação era um área de conhecimento que gerava poucas
pesquisas acadêmicas, que os trabalhos omitiam as conexões entre o objeto
particular e a configuração educacional mais ampla e com a dinâmica social
inclusiva (WARDE apud RIBEIRO, 1979, p. 9).
Pode-se concluir que a forma de encaminhamento das disciplinas
de História da Educação e de História da Educação Brasileira na Unisinos
não tinha uma intencionalidade de desenvolver uma postura voltada para a
investigação e para a problematização da educação na perspectiva histórica.
De maneira geral o encaminhamento mostrou-se conteudístico, marcado por
uma abordagem da história geral do Brasil, mais do que por temáticas
nitidamente educacionais, relacionados, por exemplo, à história da educação
infantil, história das disciplinas escolares, história das relações entre a
escola púbica e a escola privada no Brasil.
Conclui-se que embora nos cursos de formação de professores da
Unisinos esteja presente o discurso de que a educação é um fato histórico,
tal noção não se fará, do ano de 2005 em diante, por disciplinas específicas.
A perspectiva histórica pode, entretanto, marcar presença na abordagem de
temáticas de várias disciplinas que, mesmo não tendo a designação de
história, abordam temas específicos educativos em perspectiva histórica, tal
como a tematização da educação infantil tratada inicialmente pela
abordagem do contexto histórico educativo identificando suas raízes na
Grécia antiga, passando por Comenius no século XVII. Ou a história da
alfabetização, ou da Administração escolar, esta desenvolvida a partir do
aparecimento e especialização dos sistemas educativos e como teoria sofreu
e sofre o impacto da produção da Teoria Geral da Administração.
Há que ressaltar que o conhecimento de História da Educação na
Unisinos foi tratado até o ano de 2005 como necessário ao pedagogo mas
273
não à formação das demais licenciaturas, pois nunca compôs o currículo da
formação de professor de Matemática, de Física, de Educação Física, de
Ciências Sociais, de Filosofia, estando apenas opcionalmente presente no
currículo da licenciatura em História.
Referências
274
Apontamentos sobre a disciplina História da Educação
na Universidade da Região da Campanha – URCAMP
(1959-2001)
Regina Quintanilha Azevedo
Clarisse Ismério
Marilene Vaz Silveira
Resumo
Abstract
The proposal of this work is to make a data collecting on disciplines of History of the
Education, between 1959 and 2001, in the Course of Pedagogy, in URCAMP (Universidade da
Região da Campanha). These notes will serve as contribution for a future mapping on
disciplines of History of the Education in superior education in Brazil.
The text is divided in three parts: first the profile of the URCAMP, in the second part we focus
on disciplines of History of the Education in the Course of Pedagogy, in this Institution,
between 1959 - 2001 and at the third moment, the work of the teachers of disciplines of History
of the Education, currently, in this University.
It was made an inquiry in the archive dead of the Direction of Ingressions and Registers (DIR)
of the URCAMP, in the folders of the Academic Registers, in the same sector and in the sector
of Human Resources of the Institution - in the folders of professors, digital archive and in the
archive dead and the Library.
With a new look in the History of the Education was carried through an analysis of the diverse
intercrossed sources, having the concern of that this appreciation serves of arrives in port for
new works.
Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.
276
Ao começar este estudo procuramos todos os planos de estudos 1
relacionados à disciplina de História da Educação para analisarmos os
conteúdos programáticos e as bibliografias utilizadas. Defrontamo-nos com
a falta de seqüência do material, por isso nos interessamos por documentos
que explicassem como era estruturada a disciplina e que mostrassem como a
disciplina de História da Educação foi organizada ao longo das cinco
décadas que passamos a investigar. Essa verificação foi realizada não só nos
planos de estudos, mas nos Relatórios e Atas de Avaliação da Instituição.
As pistas, as marcas, os documentos, são fragmentos que não
possuem uma verdade inerente, pronta a ser desvelada pelo
pesquisador. A partir da operação particular de transformar vestígios
em dados de pesquisa, o historiador/pesquisador produz um
discurso, uma narrativa que constitui sua leitura do passado
(Stephanou e Bastos, 2005, p. 417-418).
1
Quando falamos em plano de estudo nos referimos ao plano da disciplina elaborado pelo/a
professor/a. Em 1990 era chamado Plano de Ação, em 1991 é denominado Plano de Curso e
em 2000 Plano de Estudo.
277
Perfil da Universidade da Região da Campanha
2
“Aos que esse nosso decreto virem saudação, as bênçãos de Nosso Senhor.
Fazemos saber que atendendo as grandes necessidades de formação intelectual e moral da
juventude da cidade de Bagé, com uma população escolar já muito elevada, contando com 9
estabelecimentos de ensino secundário e uma Escola Superior;
Considerando a necessidade de formar seu próprio professorado secundário para atender mais
facilmente aos mencionados estabelecimentos;
Considerando que sem um estabelecimento próprio para o fim citado Bagé vê-se obrigada a
enviar seus filhos a Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria havemos por bem fundar nesta data a
Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé, mantida pela Mitra Diocesana de
Pelotas, com a colaboração das beneméritas Irmãs Franciscanas e de elementos de projeção da
sociedade bageense com o decidido apoio das excelentíssimas autoridades locais.
Dado o passado na cidade de Bagé, aos 27 de maio de 1957.
Antonio Zattera, Bispo de Pelotas” (Decreto do Gabinete Episcopal, copiado na íntegra. Livro
da Fundação Attila Taborda, encontra-se na Biblioteca da URCAMP).
3
Conforme Parecer nº. 1.028/73 – CESu (1º Grupo), aprovado em 3 – julho – 1973 (Proc. nº.
1.146/72 CFE)
4
A denominação da entidade Mantenedora teve que ser alterada por ser considerada indevida a
expressão “universidade”, sendo aprovada como Fundação Attila Taborda. No mesmo
Relatório consta um documento da Universidade Católica de Pelotas desligando as Faculdades
de Filosofia e Letras e de Direito (Parecer nº 1.028/73 – CESu (1º Grupo), aprovado em 3 –
julho – 1973 (Proc. Nº 1.146/72 – CFE)).
278
O período5 em que o Ensino Superior passa a ser discutido na
cidade de Bagé, foi marcado por grandes mudanças políticas no panorama
nacional. Primeiro com a eleição do presidente Getúlio Vargas (1950-1954)
na bandeira do nacionalismo e o trabalhismo getuliano com a preocupação
na educação para as classes populares, mais voltadas ao ensino primário do
que o superior. O suicídio de Vargas em agosto de 1954 não pôs fim ao
getulismo. Pelo contrário, deu novo alento à coligação PSD-PTB que, com
a chapa Juscelino Kubitschek (PSD) e João Goulart (Jango) (PTB),
conquistou o governo em 1955 em eleições diretas, com a bandeira da
“educação para o desenvolvimento” priorizando o ensino técnico-
profissionalizante, para o Ensino Médio e acreditando que o ensino primário
também deveria ter uma educação voltada para o trabalho. Com a
preocupação que a escola atendesse o mercado de trabalho passa a
beneficiar, entre 1957 e 1959, o ensino industrial com recursos financeiros,
deixando a universidade para aqueles que tivessem “vocação intelectual”
(Guiraldelli Jr., 2003, p.112-113).
A década de cinqüenta caracterizou-se pelas discussões sobre a
reforma de ensino, com a apresentação do anteprojeto, em 1958,
culminando em 1961 com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. No período de 13 anos, do primeiro anteprojeto à promulgação da
Lei, ocorrem alterações no foco das discussões e das divergências,
orientando-se primeiro em torno das concepções acerca da organização do
sistema educacional, traduzido no conflito centralização-descentralização
e, num segundo momento passa a preponderar o conflito público-privado,
tema de embate entre católicos e liberais (Vieira e Freitas, 2003, p.114-
115).
A Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé foi
criada como extensão da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), com o
apoio do Bispo Dom Antônio Záttera, que também era o Reitor dessa
Universidade. Passando a funcionar, provisòriamente, no edifício do
Colégio Espírito Santo [colégio tradicional da ordem Franciscana que tem
uma tradição como escola de formação de professores] situado à rua
General Osório nº 1254, na cidade de Bagé, Estado do Rio Grande do Sul
(Registro de Avaliação pelo Inspetor Dr. Osvaldo da Costa Moraes,
conforme Portaria 105 de 9 de setembro de 1946 - Livro de Documentos de
Instituições – Livro encontra-se na Biblioteca da URCAMP).
Segundo Souza (1997) na década de 30 surge a Universidade de
São Paulo reunindo os cursos superiores existentes no estado com a
5
Podemos conferir nos trabalhos de Romanelli, 2002; Ghiraldelli Jr., 2003; Vieira e Freitas,
2003; Hilsdorf, 2005 o registro histórico sobre as mudanças políticas e educacionais.
279
tentativa de verdadeira integração universitária. Destaca o papel da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras com a finalidade de servir como
um tronco comum de estudos básicos, contendo as matemáticas, as letras, a
física, a química, a biologia, a geografia, a história, as ciências sociais e
políticas, além da própria filosofia, a partir do qual se prolongariam os
diversos galhos dos cursos profissionalizantes (p.24).
No discurso de Almeida Prado, citado por Souza (1997), como
primeiro diretor da USP, ressalta:
(...) Somente a Faculdade de Filosofia poderá ministrar esse ensino
medularmente científico, o ensino, como escreveu judiciosamente
um grande entendedor do assunto, o professor Souza Campos, ’Da
matemática feito pelo matemático, da física pelo físico, da zoologia
pelo zoólogo, da botânica pelo botânico que sejam realmente
integrados no campo da sua ciência, não por uma adaptação
provisória ou circunstancial, mas porque se fizeram, nos seus ramos
de atividade, por vocação natural, e formação universitária acurada’.
No exercício dessa missão estaria a faculdade de Filosofia
inteiramente dentro de sua competência. Não representaria uma
usurpação de direitos, mas sim a evocação exata de funções, na
discriminação específica da finalidade de cada componente do
organismo universitário (p.25).
6
Dr. Attila Taborda: 1960 – Diretor da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras;
1969 – institui por escritura a Fundação Universidade de Bagé; 1970 – Presidente da Fundação
Universidade de Bagé; 1972 – Empossado Pró-Reitor das Faculdades Unidas de Bagé agregada
à Universidade Católica de Pelotas; 1975 - falecimento.
280
Curso de Artes Plásticas, que funciona desde 1960 no Instituto do
mesmo nome, com os Cursos de Música e Canto, que funcionam
desde 1964, também todos definitivamente reconhecidos por
Decreto Presidencial. As duas Faculdades já estão sendo mantidas
pela Fundação Universidade de Bagé, e agora solicita-se que sejam
agregadas a esta Universidade Católica, nos termos do art.5º, Nº. 2
do Estatuto, que prevê a possibilidade de agregação de
estabelecimentos de Ensino Superior mantidos por outras Entidades.
O objetivo visado por êsse pedido de agregação é a adequação
jurídica da Fundação Universidade de Bagé às exigências do
Ministério de Educação e Cultura, em preparação a criação da futura
Universidade de Bagé. Os membros dêste Conselho, unanimente,
declararam-se favoráveis a agregação das mencionadas Unidades,
com a cláusula de que seus regulamentos se adaptem integralmente
ao estatuto desta Universidade. Uma vez satisfeitas estas exigências,
as duas Faculdades mencionadas, de CIÊNCIAS ECONÔMICAS e
de BELAS ARTES de Bagé, passarão a ser agregadas a esta
Universidade Católica de Pelotas (xerox do Livro de Documentos de
Instituições – Livro encontra-se na Biblioteca da URCAMP).
281
Católica7, que tinha como objetivo fazer o leigo cristão marcar sua presença
de forma ativa nos grupos e instituições, levando a diante os ensinamentos e
dogmas católicos para edificar o movimento da neocristandade. Os Cursos
de Filosofia e Pedagogia demonstram fortemente esse perfil, pois através de
suas disciplinas de Apologética e Dogma8, observamos a filosofia da
neocristandade. Cabe ainda destacar que o diretor da instituição Sr. Attila
Taborda recebeu da Santa Sé, representada na figura do Papa Pio XII9, em
1957 a comenda de “Cavaleiro da Ordem Eqüestre de São Silvestre Papa”,
distinção honorífica concedida pelos serviços prestados à causa da Igreja
Católica.
7
A Ação Católica foi criada em 1920 pelo Papa Pio XI (Ambrósio Damião Ratti) e espalhou-se
por todo o mundo para levar Cristo Rei a todos os povos através da eleição de um laicato
difusor de seus princípios. No Brasil foi criada em 9 de junho de 1935 a Ação Católica
Brasileira (ACB), para promover com maior eficácia o movimento laico católico e fortalecer o
movimento nacionalista católico. Quando Pio XII assume, em 1939, mantém a mesma postura
filosófica de seu antecessor. No Rio Grande do Sul D. João Becker foi o grande incentivador
da Ação Católica.(ISMÉRIO, 2002, p. 161-168).
8
Cadeira Apologética – Conteúdos: A Existência de Deus: conceito nominal, problema e
sentença; A existência de Deus deve ser demonstrada – Tradicionalismo – inducionismo; Tese
Tomista da Demonstração – Demonstração Aposteriore – Demonstração Apriori –
Assimultânea – Valor do Princípio de Causalidade – Demonstração da Existência de Deus pela
Mutação – Demonstração da Existência de Deus pela dependência do Ser e pela
corruptibilidade – Contringência – O materialismo Moderno é o Materialismo Científico e
Filosófico - Milagre – Rousseau – Milagre e Objeções – Pentateuco: Historicidade, etc. –
Evangelhos: Historicidade, Integridade a veracidade, autenticidade – Os Judeus esperavam um
Messias – Jesus tinha a consciência de ser um Messias – Jesus afirmou ser um Messias desde o
início de sua vida pública – Jesus Messias segundo o evangelho de São João “Jesus se diz filho
de Deus” – Sinópticos – Jesus Filho de Deus segundo São João – Milagres de Jesus –
adversários – Verdade histórica dos milagres de Jesus – Verdade (histórica) filosófica,
teológica e relativa dos milagres de Jesus – Morte de Jesus e s/ Ressurreição
Cadeira Dogma – Conteúdos: O Reino de “DEUS”, anunciado por “CRISTO”...; O Mundo
Cristão e o Mundo Pagão, sua história, seus dogmas; Comunismo, sua ideologia e sua força; A
necessidade do conteúdo, vivência e comunicação; Resumo do conteúdo doutrinário da
Religião Católica; O conteúdo do Cristianismo: Fé, Esperança e Caridade; A situação atual e o
Comunista. (Relatório das 2ª provas parciais, 1961).
9
Pio XII (Eugênio Giuseppe Maria Giovanni Pacelli) que assumiu o nome de Pio XII assumiu
o papado em 2 de março de 1939. O novo Papa era de origem romana e foi o Secretário de
Estado preferido de Pio XI. Era considerado um homem de grande envergadura e zelo pastoral,
por conviver com II Guerra Mundial e a perseguição dos regimes totalitários a Igreja Católica.
Defendeu e a redemocratização do mundo através da vontade e determinação dos cristãos, suas
idéias influenciaram o movimento católico brasileiro e incentivou a formação de partidos
católicos. (ISMÉRIO, 1999, p. 251-305).
282
A disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia
283
Documento 1
Relação do Corpo Docente Ativo – Curso de Pedagogia
Fonte: Registro de Avaliação do Inspetor Dr. Osvaldo da Costa Moraes, conforme Portaria 105
de 9 de Setembro de 1946 - Livro de Documentos de Instituições –Biblioteca da URCAMP.
284
Junto à indicação dos conteúdos está inserida a metodologia
adotada – determinação de trabalhos aos grupos e apresentação de
trabalhos pelos alunos - demonstrando que as aulas não seriam só
expositivos, mas com a participação dos/as alunos/as.
Na década de 70 o “Fluxograma do conteúdo programático” da
História da Educação não foge da mesma ordem que os conteúdos estão
relacionados acima. Na I Unidade: Introdução ao estudo da História da
Educação – História da Educação: conceito e importância; História da
Educação: fatores – fases – fontes; II Unidade: A educação primitiva –
cultura e sociedade dos povos primitivos; A educação nos povos primitivos;
Apreciação da educação primitiva; III Unidade: A educação oriental –
Educação hindu: a cultura hindu. O bramanismo. A educação. Apreciação
da educação hindu. Educação chinesa: cultura e organização social da
China. Organização escolar. Apreciação da educação chinesa. Educação
egípcia: estrutura social do Egito. A cultura egípcia. A educação.
Apreciação da educação egípcia. A educação hebraica. Educação persa.
Meios e fins da educação. Apreciação da educação persa; IV Unidade: A
educação clássica – educação grega: o humanismo pedagógico. Educação
espartana. Educação ateniense. Educadores gregos. Apreciação da educação
grega. A educação romana: influência grega. Períodos da educação romana.
Educadores romanos. Apreciação da educação romana; V Unidade: O
cristianismo pedagógico – educação apostólica: conceito. O cristianismo e a
educação. Apreciação da educação apostólica. Educação patrística: a cultura
medieval. Evolução da educação. Escolas patrísticas: educadores.
Apreciação da educação patrística. Educação monástica: conceito. Escolas
monásticas.Educadores. Juízo sobre a educação monástica. Educação
escolástica: importância. As universidades. Objetivos da educação
escolástica. Educadores. Otimismo. Apreciação da educação escolástica; VI
Unidade: A educação medieval – Educação feudal: conceito. As cruzadas.
A cavalaria. Finalidades da Educação Apreciação da educação feudal.
Educação muçulmana: conceito. Islamismo. Escolas árabes. Apreciação da
educação muçulmana. Educação Renascentista: naturalismo pedagógico.
Causas do Renascimento. Conseqüências do Renascimento. O renascimento
e a educação. Idéias pedagógicas de Vitorino de Feltre. Desidério Erasmo:
vida e obra.Educação Reformista: conceito. Causas do movimento.
Conseqüências. Educação Contra-Reformista: características gerais. A
Companhia de Jesus. Conseqüências educacionais. Educação Jansenistas:
caracterização. Educadores. Educação Realista: Realismo Literário.
Realismo social. Realismo científico. Causas e conseqüências educacionais.
Francisco Bacon. João Comênio e Descartes. Educação Disciplinar:
características gerais. Conseqüências educacionais. Educadores. Educação
285
Pietista: características gerais. Causas e conseqüências. Educadores.
Educação Racionalista: visão propedêutica. Educadores. Educação
Naturalista: conceito de naturalismo. O naturalismo e a educação.
Conseqüências educacionais. Vida e obra de Rousseau. Educação
Filantropista: características gerais. Causas, conseqüências e educadores.
Educação Revolucionária: a Revolução Francesa. Causas. Conseqüências
educacionais. O espírito da Educação Revolucionária. Educadores.
Educação Psicológica. Causas. Conseqüências educacionais. Educadores.
Educação Científica: caracterização. Augusto Comte: vida e obra. Herbert
Spencer: idéias pedagógicas. Causas. Conseqüências.
Nesse período as duas professoras10 que ministraram as aulas de
História da Educação estruturaram o plano de estudo, na linha
esquematizada acima, demonstrado no fluxograma.
Para a professora Gladys Brasil o objetivo geral da disciplina era:
Integrar o universitário no desenvolvimento histórico das idéias e
das instituições pedagógicas, com o objetivo de contribuir para o
equacionamento dos problemas inerentes ao Sistema Educativo,
sendo que o objetivo específico era de informar o universitário,
visando: assimilação de conhecimentos filosóficos e pedagógicos.
Identificar as causas e conseqüências das diversas correntes
filosóficas e pedagógicas que influíram na História da Educação,
estimulando o interesse para a realidade educacional e, desenvolver
hábitos de leitura, de pesquisa e de trabalho (Plano de Estudo de
1977, material da Diretoria de Ingressos e Registros – DIR-
URCAMP).
10
Professora Gladys Martins Brasil – formação em Pedagogia e Teresa Vernet Not – formação
em Filosofia.
286
de que a História da Educação oriente a busca criativa de soluções
para os problemas que hoje desafiam o homem e a sociedade como
um todo (História da Educação I).
Pela visão crítica obter uma visão sócio-política da educação no seu
acontecer histórico que leve à compreensão da realidade
educacional, em especial a do Brasil, e que oriente a busca criativa
de soluções para os problemas com que hoje se defronta o homem
em seu contexto global (História da Educação II).
Obter visão de conjunto da história da educação e da pedagogia,
através da exposição clara e precisa do desenvolvimento histórico
das idéias e das instituições pedagógicas, atendendo-se
principalmente àquelas que sobreviveram às mudanças dos tempos e
podem contribuir para resolver os problemas dos nossos dias
(História da Educação III).
Pela análise e reflexão críticas obter uma visão sócio-política da
educação no seu acontecer histórico que leve à compreensão da
realidade educacional, em especial a do Brasil, e que oriente a busca
criativa de soluções para os problemas do nosso tempo (História da
Educação IV).
287
obras utilizadas percebe-se cunho pedagógico, como também filosófico e
social de estruturação e organização da disciplina. Conforme Lopes e
Galvão (2001) a Filosofia vai acompanhar a História da Educação em sua
trajetória, e, por muito tempo, não havia quase distinção entre as duas
disciplinas, sendo que em alguns cursos eram chamadas de Fundamentos da
Educação.
O currículo do Curso de Pedagogia, na URCAMP, vem sofrendo
mudanças ao longo da metade da década de 90 adaptando-se as novas
determinações legais e adequando as exigências da LDB 9.394/96. Dentro
dessas alterações do currículo temos como Fundamentos da Educação as
disciplinas de Filosofia, História, Sociologia, Antropologia e Psicologia da
Educação.
A partir do final da década de 90 a disciplina passa a ser
ministrada pela professora Regina Lúcia de Ornellas Goulart com 165 h/a
em três semestres. No primeiro semestre com 45 h/a e nos dois seguintes 60
h/a, em cada um.
A organização dos conteúdos apresentava-se dentro da ordem
cronológica da História Geral, com a Educação Primitiva à Educação na
Idade Média - no primeiro semestre, da Idade Moderna à Contemporânea -
no segundo semestre, no contexto da História Geral, já no terceiro semestre
os conteúdos se referem ao desenvolvimento dos modelos educacionais no
plano político e social do Brasil - a Educação no Brasil Colônia à Educação
na Nova República.
Conforme Ghiraldelli (2003), colocando a posição de Saviani no
trabalho - “A função do ensino de filosofia da educação e de história da
educação” – na década de 70, diz que na disciplina História da Educação era
dado uma ênfase muito forte na palavra história, levando ao entendimento
da história da educação como uma mescla entre os acontecimentos gerais e
o desfilar das doutrinas pedagógicas, sem muita discussão se isso era ou
não história da educação e que os programas ora eram construídos a partir
de uma visão determinada, ora seguiam um ecletismo em que passava-se
em revista as instituições educacionais e/ou doutrinas pedagógicas da
Grécia Antiga até a época contemporânea (p. 242).
A partir de 2001, a estrutura curricular do Curso de Pedagogia
estabeleceu uma proposta interdisciplinar, promovida através de eixos
temáticos, articuladores das diversas disciplinas que compõem cada
semestre (Projeto Pedagógico, 2002, p. 12).
A disciplina História da Educação I que está relacionada no
primeiro semestre tem como eixo temático - Ética Profissional e a
Valorização do Trabalho Docente - e na História da Educação II, no
288
segundo semestre, o eixo temático é - A historicidade do professor e sua
trajetória.
Nessa estrutura curricular o trabalho desenvolvido na disciplina
deixa de priorizar a organização de conteúdos e incluem determinadas
categorias consideradas relevantes para o entendimento da história da
educação.
As alterações e as metodologias utilizadas foram se estruturando,
em cada semestre, conforme organização das atividades elaborada pelo
grupo de professores/as. Com o amadurecimento dos trabalhos
desenvolvidos surge a atual proposta de trabalho na disciplina e História da
Educação.
289
procurando ampliar os dados sobre a história, cultura e educação da região.
Atualmente conta com o trabalho de quatro alunas bolsistas de iniciação
cientifica que estão empenhadas no levantamento de dados, na montagem
de um banco de dados e na composição de seus “diários de pesquisa”, nos
quais relatam o dia-a-dia do pesquisador. As experiências e as primeiras
análises do material serão divulgadas através de oficinas e palestras feitas
pelas alunas nas escolas, na universidade e para a comunidade.
290
Corpo Docente
Profª Clotilde Maria L.Q. Magalhães Profª Esp. Regina Lúcia De Ornellas Goulart
Profª Eva da Nova Profª MsC. Berenice Guedes De Bem
Pe. Firmino H. Dalcin Profª MsC. Regina Quintanilha Azevedo
Prof José Tinoco Barreto Drª Clarisse Ismério Oliveira
Major Augusto Pinheiro Grande
Profª Gladys Martins Brasil
Profª Tereza Vernet Not
Fonte: Dados construídos pelas autoras a partir dos dados coletados nos Planos de Estudos e
Atas da Universidade, 2006.
Referências
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VIEIRA, Sofia Lerche e FREITAS, Isabel Maria Sabino de. Política
Educacional no Brasil. introdução histórica. Brasília: Plano editora, 2003.
292
O ensino de História da Educação na História da
Faculdade de Educação da UFRGS: primeiras
aproximações
Maria Stephanou
Resumo
Abstract
1
Os planos de ensino localizados correspondem aos anos de 1973 a 1975, 1977-1978, 1980,
1987, 1998, 2000 a 2004 e registram diferentes disciplinas que abordam a História da
Educação no Curso de Pedagogia.
2
Cabe registrar que a própria autora, embora integre o grupo de pesquisa Histórias e Memórias
da Educação e da Cultura Escolar no Brasil, do diretório dos grupos de pesquisa/ CNPq, e atue
como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, ministrando disciplinas e
orientando teses e dissertações sobre Historiada Educação, não atuou efetivamente como
professora de História da Educação nos cursos de graduação, não possuindo, assim, uma
memória pessoal que pudesse aproximá-la da trajetória da disciplina, o que tornou a elaboração
deste ensaio, a partir do desafio lançado pela ASPHE, uma situação inusitada.
294
trajetórias acadêmicas e filiações teóricas de docentes envolvidos, reformas
curriculares e repercussões na disciplina de História da Educação, dentre
muitos outros.
Indícios e fragmentos
295
2004 – EDU 1147 - História da Educação: análise da educação
brasileira I
Além dessas disciplinas, em fins dos anos 90 e início de 2000, é
reativada a disciplina de História da Educação no Rio Grande do Sul, como
disciplina eletiva, que finda por afirmar-se em sua periodicidade de
oferecimento face ao crescente interesse de alunos, não apenas da
Pedagogia, mas também de outras licenciaturas.
No período 1998-2004 cabe registrar, no âmbito da
FACED/UFRGS, a existência de um Projeto Tridisciplinar, experiência de
trabalho articulado, no curso de Pedagogia, com as disciplinas Sociologia,
História, Filosofia – da Educação – e Metodologia da Pesquisa II3,
experiência que buscou avançar em práticas curriculares interdisciplinares
na formação inicial de professores, motivada por uma insatisfação com o
isolamento e a fragmentação vivenciada pelos formadores e pelos discentes.
Já em 2005, implementa-se uma reforma curricular em que
passará a figurar a disciplina História da escolarização brasileira e
processos pedagógicos como disciplina própria para o estudo da História da
Educação na formação de pedagogos.
3
Para um maior detalhamento do Projeto, consultar: Bergamaschi, Machado, Ribeiro e Pardo
(2001).
296
tais como: objetivos, divisão e métodos de estudo em História da Educação
(1973 a 1975)4; conceito, fatores interferentes, fases e relações com outras
áreas (1978); A História da Educação e da Pedagogia e seu papel na
história, o significado social da investigação histórica da Educação e a
constituição da disciplina de História da educação (2003). Tais conteúdos
que figuram sob a forma de introdução indicam, mesmo que possam ter se
assentado em perspectivas tradicionais, uma certa preocupação com a
História da Educação como campo de produção de conhecimentos e não
apenas como descrição dos eventos e personagens do passado educacional.
Poder-se-ia dizer que uma perspectiva enciclopédica e
cronológica caracteriza a organização do programa de ensino especialmente
nos anos 70 e 80. História da Educação I inicia com o estudo do que se
denomina “tradicionalismo pedagógico” – educação nos povos primitivos,
na China, na Índia, em Israel, egípcia, pré-colombiana -, passando pelo
“humanismo pedagógico” – educação espartana, ateniense, romana -, pelo
“cristianismo pedagógico” – a educação apostólica, patrística, monástica e
escolástica -, para ser finalizada com a educação na Idade Média –
cavalaria, corporações, educação árabe - e a educação renascentista.
História da Educação II se estende da educação na Reforma e na Contra-
Reforma, antecedentes da Educação Moderna- educação realista,
racionalista, naturalista, psicológica e científica -, passando pelo neo-
naturalismo pedagógico- educação socialista, pragmatista e técnica -, para
ser concluída com temas como “cibernética e máquinas de ensino”,
cooperação internacional na Educação (ONU), pedagogia do futuro e
interpretação histórica da educação brasileira.
De forma contrastante, em 2001 o plano de ensino de História da
Educação no Brasil lista as seguintes temáticas do programa: “projeto
colonialista e processos educativos: o projeto dos jesuítas; processo
histórico de implantação da escola pública no Brasil;educação indígena;
educação dos/para os negros; educação das/para as mulheres; formação de
professores, políticas de formação; movimentos docentes, idéias e propostas
pedagógicas; industrialização, urbanização e escolarização”.
De outra parte, relativamente às obras de referência propostas
como leituras da disciplina, podemos assinalar a ênfase, em todo o período,
de autores do campo da educação e de compêndios ou obras da História da
educação propriamente dita, percorrendo, supostamente, toda sua História.
Grosso modo, figuram nas referências do período: autores de
textos fundantes da Pedagogia, como de Rosseau, Comenius, Claparède,
4
Temas suprimidos do Plano de Ensino de 1977 e 1978, embora mantidos os demais relativos
ao percurso cronológico da História da Educação.
297
Pestalozzi, Froebel, Herbart, Dewey, Maritain, dentre outros e da educação
brasileira, como Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira, dentre outros. Nos anos
70, nota-se a referência a diversas obras de autores norte-americanos e não
traduzidas e, ainda, é marcante a aproximação da História da Educação com
a Filosofia da Educação, comparecendo autores que estudam os sistemas de
pensamento e a educação em diferentes tempos. Artigos da Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, do INEP, passam a ser referidos já em
1973.
Embora alguns autores como Henri-Irénée Marrou, Paul Monroe,
Lorenzo Luzuriaga possam ser considerados como autores “tradicionais”,
numa acepção singela, constata-se que, especialmente Luzuriaga e Marrou
encontram-se ainda entre as referências bibliográficas dos anos 2000.
De qualquer forma, é possível afirmar que um conjunto de
autores faz-se presente em determinados períodos, e outros clássicos não
deixam de figurar, como nos anos 2000, em que Maria Luísa Ribeiro,
Otaíza Romaneli, Moacir Gadotti e Paulo Ghirardelli são listados
juntamente a autores emergentes, especialmente aqueles que passam a
figurar com pesquisas temáticas nas revistas de História da Educação,
lançadas em fins dos anos 90. Nesse momento, os planos de ensino
detalham novos conteúdos, temas específicos, como educação indígena,
educação feminina, educação dos negros, a história social da infância, etc.
Indiscutivelmente, uma análise de maior imersão possibilitaria examinar em
que medida a inserção de temas específicos está relacionada a interesses de
pesquisa dos docentes dessas disciplinas, docentes nem sempre
pesquisadores da História da Educação propriamente dita.
Mais uma observação: nas bibliografias recomendadas nos anos
70 a 90, em geral, não são listados autores estritamente do âmbito da
História, constatação que não se sustenta para os anos 2000, quando autores
como Ariès, Le Goff, Hobsbawm, Duby, dentre outros, encontram-se
indicados nos planos das disciplinas de História da Educação. Constata-se,
ainda, no contexto da ampliação das possibilidades de publicação, uma
rápida inserção de lançamentos editoriais, alterando referências de ano a
ano e sinalizando para os processos de renovação e formação continuada
oportunizados aos docentes, através da participação em eventos da área,
desenvolvimento de pesquisas e acesso rápido a bibliografias através do uso
da internet.
298
Outras incursões e desafios a um adensamento das reflexões
299
De qualquer forma, uma análise mais exaustiva dos planos de
ensino das disciplinas que podem ser caracterizadas como História da
Educação, embora sob denominações diversas, sua contrastação na extensão
do período 1973-2006, por exemplo, possibilitará que se identifiquem as
tendências da área, seja quanto à formação dos docentes, as temáticas
privilegiadas e as emergentes, os autores adotados, as filiações teóricas,
bem como as articulações dessas disciplinas no currículo do Curso de
Pedagogia. Acresce a importância de acompanharmos atentamente as
reformulações que vêm sendo operadas nos demais Cursos de Licenciatura
que têm prevista a ampliação das disciplinas de formação pedagógica e, em
decorrência, a introdução da História da Educação no conjunto das
disciplinas a serem oferecidas aos estudantes de diferentes áreas do
conhecimento.
Desse modo, um estudo específico das disciplinas de História da
Educação oferecidas a cursos que não a Pedagogia poderá trazer
importantes subsídios para pensarmos nos arranjos curriculares e
contribuições específicas que a área tem a oferecer na formação de
professores.
Referências
300
História da Educação no Curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Pelotas
Elomar Tambara
Resumo
Abstract
This article analyses the evolution of History of Education discipline in Pedagogy Course at the
Federal University of Pelotas. This trajectory reveals the increasing importance that discipline
was assuming in the curriculum, having its top in the end of the last 90. On the last curriculum
reform, History of Education desapeared as discipline and only some of its contents survived
(and was transformed in content) diluted along the curriculum.
Key words: Federal University of Pelotas; History of Education.
Currículo 1979-1981
História da educação e Cultura 3 creditos 45 h/aula
Sist. Educ. Bras: aspectos hist. Soc. e estrut 8 creditos 120 h/aula
Total de créditos 173 créditos 2775 h/aula
302
Na primeira reformulação curricular já se observa o percurso de
ampliação do espaço ocupado pela História da Educação. O aumento
também da carga horária na disciplina Sistema Educacional Brasileiro nesta
reforma encontra-se um pouco distorcida em relação ao objeto que nos
interessa, pois agregou-se a ela os conteúdos de Estrutura e funcionamento
do ensino 1º grau na disciplina de Sistema Educacional Brasileiro I
enquanto que na II se encontrava embutido os conteúdos de Estrutura e
funcionamento do ensino 2 º grau
Currículo 1988- 91
Historia da educação e cultura I 4 creditos 60 h/aulas
História da educação e cultura II 4 créditos 60 h/aulas
História da educação e cultura III 4 créditos 60 h/aulas
Sistema educacional brasileiro I 3 creditos 45 h/aula
Sistema educacional brasileiro II 4 créditos 60 h/aulas
Total de créditos 184 3150 h/aulas
303
Possibilitar um conhecimento teórico sobre a educação brasileira, dos seus
primórdios aos dias atuais, salientando principalmente as instituições
educacionais e o papel do estado.”
Este aspecto é reforçado pela ementa de Sistema II “Analisar o
sistema educacional brasileiro a partir da 1ª República até nossos dias,
considerando o contexto econômico e político, a política educacional, as
pedagogias e as ideologias educativa de cada período: 1889-1930, 1930-
1946; 1946-1964, 1964-hoje. “
É ilustrativo o conteúdo programático das disciplinas de história
da educação pois os mesmos denotam a divisão das temáticas privilegiadas
nas respectivas ementas e que, a rigor, revelam os princípios conceituais
que embasaram sua estruturação.
Introdução:
-Educação e cultura
-Educação na comunidade Primitiva
A Educação na Grécia:
- A educação homérica
- A educação hesiodéica
- A educação no período clássico
- O conteúdo e os fins da educação
A educação em Roma:
- A educação na família
- Literatura, escola e sociedade
- A escola de Estado
A educação na Idade Média
- O cristianismo e o novo ideal educacional
- A escolástica
- As universidades
A educação no Renascimento
- Tendências gerais do Renascimento
- O humanismo
- Conseqüências educacionais
A educação no início dos tempos modernos
- Reforma e contra-reforma
304
- A ciência moderna: Bacon, Galileu e Descartes
- Comenius e sua didática magna.
305
Conteúdo programático de História da Educação e da Cultura
III
306
- Universidade no Rio Grande do Sul
O conteúdo efetivo da disciplina de história da educação pode ser
apreendido pela bibliografia utilizada neste período que vai desde a criação
do curso de pedagogia em 1979 até sua consolidação. A rigor, a disciplina
teve um início caracteristicamente conservador e paulatinamente passou ter
uma abordagem mais crítica.
Assim, estes eram os livros mais utilizados em sala de aula:
EBY, Frederick. História da Educação Moderna. Porto Alegre,
Globo, 1978. ANDRADE FILHO, Bento de. História da
Educação. São Paulo, Saraiva, 1941
LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da Pedagogia.
São Paulo, Editora Nacional, 1967
MONROE, Paul. História da Educação. São Paulo, Editora
Nacional, 1958
PEIXOTO, Afrânio. Noções de História da Educação. São Paulo,
Editora Nacional, 1933.
RIBOULET, L. História da Pedagogia. Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1951
A consolidação programática dar-se-á então no início da década
de 90 quando em termos bibliográficos alguns textos se constituíram em
referências fundamentais; MANACORDA, Mário Alighiero. História da
educação da Antiguidade aos nossos dias. São Paulo Cortez 1989. PONCE,
Aníbal. Educação e Lutas de Classes, São Paulo, Fulgor, 1963. AZEVEDO,
Fernando. A Cultura Brasileira, São Paulo, Melhoramentos, 1964.
ROMANELLI, Otaíza de. História da educação no Brasil. Petrópolis,
Vozes, 1980.
O que se pode observar é que os textos de Ponce e de Manacorda
é que constituíram o cerne do processo de ensino aprendizagem.
Por ocasião da última mudança curricular a disciplina “história da
Educação” com esta denominação desapareceu como as demais de
“fundamentos da educação” como “sociologia da Educação” e “Filosofia da
Educação”. Todas fundiram-se na disciplina dando a luz a disciplina
Educação, Cultura e Sociedade e em termos de currículo pressupõe-se a
presença dos aspectos históricos, filosóficos e sociológicos em todas as
outras disciplinas. Ainda é cedo para uma efetiva avaliação do sucesso ou
insucesso deste formato curricular.
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Elomar Tambara é Professor titular de História da Educação na
Universidade Federal de Pelotas
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Orientações aos colaboradores
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