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ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE

PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

NÚMERO 19
Abril – 2006

Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe SEMESTRAL


História da Educação Pelotas n. 19 p. 1-310 Abril 2006
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
ASPHE
Presidente: Maria Helena Câmara Bastos
Vice-Presidente: Maria Stephanou
Secretário: Claudemir de Quadros

Conselho Editorial Nacional Conselho Editorial Internacional


Dra. Denice Cattani (USP) Dr. Alain Choppin
Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP) (INRP, França)
Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPel) Dr. Antonio Castillo Gómez
Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) (Univer. de Alcalá – Espanha)
Dr. José Gonçalves Gondra (UERJ) Dr. Luís Miguel Carvalho
Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) (Univer. Técnica de Lisboa)
Dr. Lúcio Kreutz (UNISINOS) Dr. Rogério Fernandes
Dr. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC) (Univer. de Lisboa)
Dra. Maria Helena Bastos (PUCRS)
Dra. Marta Maria de Araújo (UFRGN)

Comissão Executiva
Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara
Profa. Dra. Eliane Teresinha Peres

Consultores Ad-hoc
Dra Giana Lange do Amaral
Dr. José Fernando Kielling
Dr. Jorge Luis da Cunha
Dra. Beatriz Daudt Fischer

Editoração eletrônica e arte final da capa


Flávia Guidotti
flaviaguidotti@hotmail.com

Imagem da capa
Johannes Verneer. Mulher em Azul - 1662. Rijksmuseum, Amsterdã.

História da Educação
Número avulso: R$ 15,00
Single Number: U$ 10,00 (postage included).

História da Educação / ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense de


Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. n. 19 (Abril
2006) - Pelotas: ASPHE - Semestral.
ISSN 1414-3518
v. 1 n. 1 Abril, 1997

1. História da Educação - periódico I. ASPHE/FaE/UFPel

CDD: 370-5
Sumário

Apresentação ............................................................................................ 5
Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma disciplina escolar:
a História ensinada no século XVI
Annie Bruter; Tradução de Maria Helena Camara Bastos ...................... 7
Igreja, religião e ensino elementar antes das leis de laicização
européias: um reexame crítico de suas relações
Pierre Caspard; Tradução de Maria Helena Camara Bastos................. 23
Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896-1934): hegemonia
política na construção da universidade
Marília Costa Morosini; Maria Estela Dal Pai Franco ......................... 39
Educação, Religião e República: repercussões dos debates entre
Católicos e Republicanos no Triângulo Mineiro-MG (1892-1931)
Carlos Henrique de Carvalho; Wenceslau Gonçalves Neto ................... 59
Leituras de anarquistas brasileiros na primeira década do século XX
Dagoberto Buim Arena........................................................................ 89
Caubóis e Caipiras. Os land grant colleges e a Escola Superior de
Agricultura de Viçosa
Maria das Graças M. Ribeiro ............................................................ 105
A fotografia e a pesquisa em História da Educação: elementos para a
construção de uma metodologia
Elisa dos Santos Vanti ....................................................................... 121
O conceito "Exclusão" na literatura educacional brasileira: os
primeiros 25 an os (1974-1999)
Avelino da Rosa Oliveira ................................................................... 131
Resenha ................................................................................................ 161
Alfabetto: Autobiografia Escolar de Frei Betto
Gilse H. M. Fortes............................................................................. 163
Parte II.................................................................................................. 167
Apresentação ........................................................................................ 169
A disciplina História da Educação na formação de professores:
desafios contemporâneos
Clarice Nunes ................................................................................... 173
A Disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1942-2002)
Maria Helena Camara Bastos; Fernanda de Bastani Busnello;
Elizandra Ambrosio Lemos ................................................................ 181
Aspectos da trajetória da disciplina História da Educação no curso de
Pedagogia do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria:
temas clássicos e ordem cronológica
Claudemir de Quadros ...................................................................... 213
A disciplina de História da Educação na Faculdade e no Centro
Universitário La Salle
Miguel Alfredo Orth .......................................................................... 229
O Ensino de História da Educação na UNIJUI
Anna Rosa Fontella Santiago............................................................. 243
A História da Educação no curso de pedagogia da Universidade de
Passo Fundo: aportes na história recente em busca de novas
perspectivas
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani .................................................. 253
Historia da Educação e a formação do professor na UNISINOS
Flávia Obino Corrêa Werle; Berenice Corsetti ................................... 263
Apontamentos sobre a disciplina História da Educação na
Universidade da Região da Campanha – URCAMP (1959-2001)
Regina Quintanilha Azevedo; Clarisse Ismério; Marilene Vaz
Silveira ............................................................................................. 275
O ensino de História da Educação na História da Faculdade de
Educação da UFRGS: primeiras aproximações
Maria Stephanou............................................................................... 293
História da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade
Federal de Pelotas
Elomar Tambara ............................................................................... 301
Orientações aos colaboradores............................................................... 309

4
Apresentação

Este número da revista “História da Educação” reveste-se de um


significado especial pois representa uma homenagem à Associação Sul-Rio-
Grandense de História da Educação no momento em que a mesma completa
10 anos de existência. Esta associação é a mantenedora deste periódico, e
com denodo e muito sacrifício tem conseguido manter seu alto padrão de
qualidade, atestado, fundamentalmente pela qualidade dos artigos nela
publicados.
Neste número mais uma vez, temos o prazer de apresentar
trabalhos de investigadores caracterizados como de excelência tanto em
nível nacional como internacional. De modo que somos gratos a todos que
colaboraram com seus textos para este número e esperamos ter suas
contribuições em outras edições desta revista.
Neste número, em substituição ao tradicional “documento’ que
publicamos em todos os números anteriores estamos publicando um dossiê
sobre o ensino de história da educação nos cursos de pedagogia no Rio
Grande do Sul. Estes trabalhos foram, em sua maioria, apresentados no XI
Encontro Sul-Rio Grandense de Pesquisadores em História da Educação
realizado na Unisinos em S. Leopoldo.
Temos a convicção que a leitura desta revista será de muito
proveito a nossos associados, assinantes e ao público interessado em
história da educação.

A comissão executiva

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 5, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
.
Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma
disciplina escolar: a História ensinada no século XVII1
Annie Bruter
Tradução de Maria Helena Camara Bastos

Resumo

Partindo de uma breve análise das condições, nas quais se estabeleceram as visões
(divergentes) do surgimento da disciplina escolar « história », em curso hoje na historiografia
francesa, este artigo propõe-se recolocar a questão na longa duração, remontando os colégios
de humanidades do Antigo Regime, mostrando que a própria noção de «disciplina escolar »
não é pertinente para descrever seu ensino, analisando certas transformações (sócio-políticas,
técnicas, culturais...) que conduziram a constituição da história como matéria autônoma de
ensino para as elites no fim do século XVII.
Palavras-chave: História; Ensino; Século XVII.

Resumée

Partant d’une brève analyse des conditions dans lesquelles se sont mises en place les visions
(divergentes) de l’apparition de la discipline scolaire « histoire » qui ont cours aujourd’hui dans
l’historiographie française, cet article se propose de replacer la question dans la longue durée
en remontant aux collèges d’humanités de l’Ancien Régime et en montrant que la notion même
de « discipline scolaire » n’est pas pertinente pour décrire leur enseignement, puis en survolant
certaines des transformations (socio-politiques, techniques, culturelles…) qui ont abouti à la
constitution de l’histoire en matière autonome d’enseignement pour les élites à la fin du XVIIe
siècle.
Mots-clés: Histoire; enseignement; XVIIe siècle.

1
Título em francês: “Un exemple de recherche sur l’histoire d’une discipline scolaire: l’histoire
enseignee au XVIIe siècle”. Especialmente escrito para ser publicado no Brasil.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 7-21, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
A idéia de que os conhecimentos de qualquer ordem que nós
dispomos são o resultado de uma construção humana - não o fruto de uma
revelação ou de uma reminiscência - é atualmente amplamente admitida,
pelo menos entre os pesquisadores que produzem esses conhecimentos; a
idéia de que as disciplinas escolares pelas quais esses conhecimentos
chegam às jovens gerações são também o produto de um trabalho coletivo,
de um conjunto de atores do sistema educativo, que tem dificuldade em
conquistar o direito de cidadão na França. Freqüentemente, vistos como
cópias das ciências eruditas mais ou menos simplificadas para serem usados
pelos alunos, as disciplinas escolares não foram por muito tempo
apreendidas pelos historiadores do ensino senão de maneira teleológica, em
função das teorias científicas e das concepções pedagógicas que eram as da
sua época. É principalmente o caso dos historiadores que tiveram uma
grande influência na França no início da IIIª República - época de
importantes reformas no ensino em todos os níveis (primário, secundário e
superior), como de Gabriel Compayré2 e de Émile Durkheim3: tratava-se
bem mais de dar uma genealogia à nova pedagogia que desejavam
implantar do que restituir seu sentido original às práticas de ensino do
passado, das quais desejavam precisamente se descartar. Ora, a seus
trabalhos a história do ensino por muito tempo permaneceu tributária na
França no século XX.
O ensino da história encontrava-se em uma posição
absolutamente especial como objeto historiográfico: por ser considerado
instrumento essencial de formação patriótica e cívica na pedagogia dessa
época, só podia voltar-se ao seu passado celebrando sua própria instauração,
rejeitando nas trevas do atraso mental as instituições de ensino que não lhe
atribuíram o lugar de destaque que devia, segundo ele, ser o seu. No âmbito
da rivalidade entre ensino laico e ensino confessional - que marcou
profundamente, como já sabemos, a vida política e científica do início da
IIIª República -, a questão histórica a ser resolvida era, portanto, saber se o
ensino da história tinha nascido nos colégios do Antigo Regime -
essencialmente controlados pela Igreja4 - ou nos estabelecimentos

2
Gabriel Compayré, Histoire critique des doctrines de l’éducation en France depuis le XVIe
siècle, Paris, Hachette, 1879, 2 vol. in-8°.
3
Émile Durkheim, L’Évolution pédagogique en France (avec une introduction de M.
Halbwachs), Paris, Presses universitaires de France, 1938, 2e éd. 1969, 403 p. (curso sobre
história do ensino na França proferido por Durkheim na Sorbonne em 1904-1905 e reprisado
nos anos seguintes até a guerra).
4
É a tese defendida pelos historiadores das grandes ordens dedicadas ao ensino Oratorianos ou
Companhia de Jesus: Paul Lallemand, Histoire de l’éducation dans l’ancien Oratoire de
France, 1888, réimp. Genève, Slatkine – Megariotis Reprints, 1976, 474 p.; François de
Dainville, La Naissance de l’humanisme moderne, 1940, réimp. Genève, Slatkine Reprints,

8
originários da Revolução Francesa (escolas centrais, liceus). Semelhante
questão, sobre a qual muito se escreveu, não podia chegar a nenhuma
conclusão. Os materiais disponíveis são de fato interpretados de diversas
maneiras: se definirmos o ensino de história que se tem provando que a
história está presente, e mesmo superabundante, nos colégios do Antigo
Regime, se definirmos essa disciplina como conjunto de conteúdos, eles
demonstram ao contrário, que ela não existia se tivermos uma concepção
administrativa da disciplina escolar como entidade regida por disposições
regulamentares (um programa, exames, horários, etc.). Um outro fator de
incerteza para a interpretação da documentação: durante muito tempo,
houve a falta de atenção às especificidades dos colégios do Antigo Regime,
como se esses fossem, conforme a uma norma geral, semelhante àquela que,
pouco a pouco, se impôs nos estabelecimentos públicos do século XIX.
Enquanto em alguns colégios, justapunham-se uma estrutura propriamente
escolar; isto é, um conjunto de classes que correspondiam às normas de um
plano de estudos, e um pensionato que funciona de maneira bem mais
flexível, vindo de encontro aos desejos das famílias; completando-se, assim,
a formação dada nas classes através de ensinos especiais5. Ora, no quadro
desses ensinos, de certa forma particulares, se desenvolveu uma pedagogia
da história prenúncios da de hoje.
Na história do ensino na França, portanto, a renovação da
problemática que aconteceu no fim do século XX – outra época de
perturbações profundas do sistema educativo francês – transformou os
termos da questão de duas maneiras diferentes. De uma lado, foi colocado o
problema do papel social desempenhado pelos estabelecimentos escolares
(seguindo o exemplo da sociologia crítica da educação, que se desenvolve
nos anos 1960), diversos estudos revelaram a coexistência, por muito tempo
ocultada, de diferentes tipos de educação em certos estabelecimentos do
Antigo Regime, em particular nos que reuniam um colégio de prestígio e
um pensionato aristocrático6 - como La Flèche e Louis-le-Grand no que diz
respeito aos estabelecimentos jesuíticos, Juilly e Vendôme para os que eram

1969, XX-390 p.; du même, « L’enseignement de l’histoire et de la géographie et le “Ratio


studiorum” » (1954), art. repris dans François de Dainville (Marie-Madeleine Compère éd.),
L’Éducation des jésuites, Paris, Les Éditions de Minuit, rééd. 1991, pp. 427 – 454
5
Mark Motley, Becoming a French Aristocrat. The Education of the Court Nobility, 1580 –
1715, Princeton, Princeton University Press, 1990, X – 241 p.
6
Duas sínteses sobre esse tema: Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée (1500 –
1850). Généalogie de l’enseignement secondaire français, Paris, Gallimard/Julliard, 1985, coll.
« Archives », 286 p.; Dominique Julia, Huguette Bertrand, Serge Bonin, Alexandra Laclau,
Atlas de la Révolution française. 2. L’enseignement, 1760 – 1815, Paris, Editions de l’Ecole
des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1987, 105 p.

9
mantidos pelos oratorianos. Por outro lado, alguns trabalhos levantaram o
problema da historicidade das próprias disciplinas. Redefinindo-as como
produções coletivas das instituições de ensino (e não mais como reflexo
simplificado de conhecimentos), André Chervel pode assim mostrar, em um
artigo pioneiro7, que a própria noção de disciplina escolar é uma noção
recente, que apareceu precisamente ao mesmo tempo em que as reformas de
ensino que foram implementadas na virada do século XIX-XX. Essa
reformulação permitiu relançar a questão da história do ensino histórico em
novos termos e perguntar não somente em que momento apareceu um
ensino de história semelhante ao de hoje, mas também em que consistiam a
história e seu ensino antes desse momento.
Essa questão foi objeto de uma pesquisa empreendida, em
primeiro lugar, no contexto de uma tese de didática da história8, retomada
em uma jornada de estudos sobre o ensino das humanidades clássicas,
organizada por André Chervel e Marie-Madeleine Compère no Service
d’histoire de l’éducation do INRP 9 -esse estudo resultou em uma obra sobre
a história ensinada no século XVII10. Embasada em materiais diversos,
compreende tanto os planos de estudos em vigor e os exemplos de “lições-
modelos” propostos aos professores na época, quanto tratados sobre a
educação e os resumos de história utilizados para fins pedagógicos
(condição atestada por testemunhos da época e a confusão seguidamente
feita entre os resumos do Antigo Regime e os “manuais” de hoje era de
natureza a deturpar a interpretação do material documental). O campo
geográfico abarcado é a França, não por desinteresse pela comparação nesse
domínio, mas porque as fontes mais facilmente acessíveis, no contexto de
uma pesquisa necessariamente limitada no tempo, são as fontes francesas.
Sem retroceder ao aspecto historiográfico da questão, tentaremos
resumir aqui os principais resultados dessa pesquisa, centrando-nos em dois
pontos: o caráter “não-disciplinar” do ensino dos colégios do Antigo
Regime e a maneira pela qual a história era ali tratada; a evolução dos
“usos” da história no século XVII e, conseqüentemente, o aparecimento de

7
André Chervel, « L’histoire des disciplines scolaires: réflexions sur un domaine de
recherche », Histoire de l’éducation n° 38, Paris, INRP, mai 1988, pp. 59 – 119; repris in
André Chervel, La Culture scolaire, Paris, Belin, 1998, pp. 9 – 56.
8
Annie Bruter, Les Paradigmes pédagogiques. Recherches sur l’enseignement de l’histoire au
XVIIe siècle (1600 – 1680), Université Paris VII, décembre 1993, 426 p.
9
Uma parte das comunicações apresentadas durante essa jornada foram publicadas no número
temático Les Humanités classiques, Histoire de l’éducation n° 74, Paris, INRP, mai 1997, 253
p.
10
Annie Bruter, L’Histoire enseignée au Grand Siècle. Naissance d’une pédagogie, Paris,
Belin, 1997, 237 p.

10
novas práticas de ensino dessa matéria. Em síntese, se tentará construir um
ensaio para contribuir a uma reflexão sobre o processo de longa duração –
ou seja, a constituição de um campo de saber em disciplina escolar.

A História em um ensino “não-disciplinar”

A própria natureza do material documental legado pelas práticas


escolares do século XVII – planos de estudos, lições-modelos e obras
pedagógicas – e a impossibilidade de interpretá-lo através das categorias
regulamentares pelas quais definimos hoje a disciplina escolar (horários,
programas, etc.) orientou a pesquisa em uma primeira etapa: antes de
qualquer tentativa de apreensão do lugar da história propriamente dita, no
ensino dos colégios, é preciso esclarecer os princípios e os fins desse
ensino, que não havia nenhum motivo a priori de supor idênticos aos de
hoje.
Se o século XVII (ao menos na primeira metade) é realmente
uma época de vigoroso crescimento escolar, que viu a expansão dos
colégios humanistas iniciada no século precedente11, a demanda educativa a
qual atendiam essas instituições se distinguia em diversos pontos das de
hoje. Retomando a si a ambição integradora, a da retórica antiga12, os
estudos humanistas pretendiam conciliar em uma mesma visão três
finalidades que nos acostumamos a separar claramente: uma finalidade
prática de domínio da linguagem, uma finalidade cognitiva de aquisição de
conhecimentos, uma finalidade religiosa de acesso à ciência e à virtude. São
esses três objetivos que encontramos simultaneamente presentes no
programa de estudos, inteiramente constituído de textos vindos da
Antigüidade, como nos procedimentos de ensino: tratava-se, antes de mais
nada, de levar os alunos a exprimirem-se através de inúmeros exercícios,
orais ou escritos. Esse treinamento intensivo, fundado no estudo de textos-
modelos propostos à imitação, visava assegurar o domínio das línguas
antigas (ou, em todo caso, do latim; a voga do grego no século XVI não
continuou no século seguinte) ao mesmo tempo em que assegurava o das
técnicas – retórica e filologia – que tornavam os alunos eloqüentes e
capazes de ascender ao saber: esse era, de fato, criado como corpus textual,
seja ele profano, textos antigos, ou de livros sagrados. Atendendo ao mesmo
tempo às necessidades da Igreja da Contra-reforma, que procurava formar

11
Cf. Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée…, op. cit.
12
Sobre essa questão, ver Marc Fumaroli, L’Âge de l’éloquence. Rhétorique et « res literaria »
de la Renaissance au seuil de l’époque classique, Genève, Droz, 1980, 882 p.

11
pregadores, e às necessidades dos príncipes para os quais se recrutava o
aparelho administrativo, necessitando de homens aptos a manejar a
linguagem. Esse programa de estudos foi apoiado pelas autoridades da
época, laico e eclesiástico, e adotada pelos indivíduos ou grupos que
aspiravam fazer carreira, na Igreja ou no Estado.
Constatamos que o nosso regime epistemológico é muito
estranho, busca suas raízes na Antigüidade, que sustenta tal concepção de
ensino – a qual recorria, explicitamente a dois grandes professores antigos,
Cícero e Quintiliano. Fundada sobre o primado da língua (instrumento de
poder e meio de comunicação entre Deus e os homens) e sobre o respeito da
escrita (pelo qual as palavras inaugurais, as da Revelação, foram
transmitidas desde a criação do mundo), essa epistemologia considera o
saber como um dado a ser decifrado, o acesso ao conhecimento como um
ato de leitura13. Por isso, a necessidade dessa etapa preliminar para chegar
ao conhecimento que era o estudo das línguas e dos textos antigos: o ensino
das humanidades.
Por sua pretensão integradora – formar o vir bonus dicendi
peritus, homem de bem que sabe falar – assim como pelo lugar central que
dava aos textos, tal ensino só podia ser “não-disciplinar”. A explicação dos
textos antigos, ponto de partida das aprendizagens, necessitava realmente
recorrer a conhecimentos de ordem muito diversas – gramaticais e
filológicos, mas também geográficos, históricos, etinológicos, até mesmo
botânicos, zoológicos ou mineralógicos – ao mesmo tempo que a
capacidade de ressaltar as sentenças e máximas de ordem retórica, moral ou
política que devem enriquecer o discurso do orador: tudo isso era
considerado como conhecido pelo regente único de cada classe.
Reciprocamente, as produções dos alunos chamados a reutilizar o
vocabulário, as expressões, os conhecimentos de belos pensamentos
descobertos nos autores estudados, deviam testemunhar sua amplitude a
incorporar palavras e idéias em um conjunto textual harmonioso.
A prioridade dada à finalidade retórica do ensino não significa,
no entanto, que o ensino humanístico não se preocupa em transmitir
conhecimentos (esse objetivo está explicitamente inscrito, por exemplo, em
certas versões do mais célebre dos planos de estudo da época, o Ratio
studiorum jesuíta14): também não se pode falar ou escrever sem conteúdo.

13
Sobre a longa duração dessa concepção de acesso ao conhecimento como lectio, ver Eugenio
Garin, trad. française L’Éducation de l’homme moderne. La pédagogie de la Renaissance,
1400 – 1600, rééd. Paris, Fayard, 1995, coll. « Pluriel », pp. 66 – 70.
14
A versão definitiva da Ratio studiorum jesuíta, a de 1599, foi recentemente objeto de uma
reedição acompanhada duma tradução francesa: Ratio studiorum. Plan raisonné et institution
des études dans la Compagnie de Jésus, Paris, Belin, 1997, 314 p. Fazemos aqui referência às

12
Mas esses conhecimentos, não sendo estudados por eles mesmos, não eram
objeto de uma exposição sistemática, salvo a título recreativo, no contexto
do que se chamava então o erudito (um espaço de tempo voluntariamente
deixado ao regente para repousar e fazer com que os alunos descansem da
austera disciplina da explicação de textos)15: eram dados à medida da leitura
dos textos, em função dos conteúdos a serem explicados. É assim que
conhecimentos que dizem respeito, para nós, à história – o desenrolar de
certos acontecimentos, a descrição das instituições ou dos costumes de uma
certa época – podiam ser apresentados no momento da explicação de uma
poesia ou de uma obra oratória de Cícero... Inversamente, a leitura dos
historiadores antigos, que faziam parte dos programas das classes (na classe
de humanidades, principalmente, mas também em outras classes)
oportunizavam não tanto o estudo dos acontecimentos mas o dos
procedimentos de escrita próprios ao historiador: mais que a própria história
tratava-se conforme as finalidades gerais - as do ensino das humanidades,
de aprender como escrever.
Quanto aos conhecimentos necessários à compreensão das obras
históricas estudadas, tendo em vista o conteúdo militar-político das obras
dos historiadores antigos, consistiam principalmente em conhecimentos
geográficos que permitiam ter uma idéia do teatro das operações e seguir o
desenrolar dos combates descritos. A cronologia era considerada como um
acessório do estudo desses textos históricos - a linguagem da época
costumava unir à cronologia a geografia sob a expressão “os dois olhos da
história”. A ciência cronológica era de toda maneira, na época em que
foram criadas as instituições de educação humanistas (isto é, no século
XVI), um campo de pesquisa extremamente “preciso”, exigindo uma vasta
cultura filológica e científica, que não devia ser exposta em classe16. Ainda
não se dispunha, mesmo se desejassem ardentemente conhecimentos que
permitissem reconstituir a sucessão dos acontecimentos relacionados pelos
textos antigos. O único meio de datação, pouco preciso, de que dispunham
os regentes humanistas era efetivamente a filologia, na medida em que essa
procede por comparação entre os diversos estágios de uma língua (o latim,

instruções mais detalhadas da primeira versão da Ratio, a de 1586, consultável em Ladislaus


Lukàcs, Monumenta paedagogica Societatis Jesu, Rome, Institutum Societatis Jesu, t. I – VII,
1965 – 1992, t. V, p. 151. Ver também as instruções de P. Orlandini, Circa il modo de legger
dell’humanista (1582 – 83), ibid. t. VI, p. 520.
15
Não conhececendo publicações especificadamente consagradas à essa questão, permito-me
indicar minha obra L’Histoire enseignée au Grand Siècle…, op. cit., pp. 61 – 71.
16
Ver Anthony Grafton, Joseph Scaliger. A Study in the History of Classical Scholarship. II –
Historical Chronology, Oxford, Clarendon Press, 1993, 766 p.

13
nesse caso) no curso de sua evolução17 - o que reconduz outra vez à
necessidade de um domínio tão aprofundado quanto possível dos textos
escritos nessa língua.
Imaginamos, portanto, a impossibilidade, em um tal contexto de
um “curso” de história que consistiria em uma apresentação seguida dos
acontecimentos – do mesmo modo que um “ curso” de qualquer matéria que
fosse, na medida em que se estudasse em prioridade textos. Daí a
proposição de ver no ensino das humanidades, um ensino por definição
“não-disciplinar”; e isso não devido a uma incapacidade dos regentes da
época em criar um outro, mas em virtude dos princípios que tinham
presidido a sua organização. Foi assim que as instâncias dirigentes da
Companhia de Jesus refutaram a proposição feita por muitos de seus
membros de criar um curso de história, conforme o modelo praticado por
seus rivais protestantes; não porque elas recusassem a história em si, mas
porque romperiam com o respeito aos textos antigos, base de sua
pedagogia18.
Também vemos que o material documentário utilizado em tal
ensino oferece amplitude à interpretação, já que seus conteúdos, na medida
em que dizem respeito quase que exclusivamente às realidades tratados
pelos textos antigos, são exclusivamente históricos: trata-se de palavras, de
fatos, de pensamentos vindos da Antigüidade. Entretanto, essas palavras,
fatos e pensamentos não chegam aos alunos de maneira ordenada pois os
textos são escolhidos em função de seu grau de dificuldade lingüística, não
obedecendo à ordem cronológica. Assim, não podemos pretender que os
alunos dos colégios do Antigo Regime saiam totalmente despojados de
conhecimentos históricos: eles tinham, ao contrário, um conhecimento da
Antigüidade bem mais profundo que os alunos e mesmo os professores
atuais de história. Mas esse saber histórico era desordenado e, sobretudo,
lacunar, porque ignorava quase tudo o que chamamos hoje de Idade Média -
sem falar da época em que viviam os alunos.
Esse fato pode escandalizarnos? Isso não teria mais sentido senão
o de se indignar com teorias científicas que estiveram em voga antes das
nossas. A história, para os regentes dos colégios humanistas, não era um
conjunto de conhecimentos, o produto de uma pesquisa fundada sobre uma

17
Ver Donald R. Kelley, Foundations of Modern Historical Scholarship. Language, Law and
History in the French Renaissance, New York/London, Columbia University Press, 1970, 321
p.
18
Cf. François de Dainville, « L’enseignement de l’histoire et de la géographie… », art. cit.;
para uma discussão da tese sustentada nesse artigo, ver Annie Bruter, « Entre rhétorique et
politique: l’histoire dans les collèges jésuites au XVIIe siècle » in Les Humanités classiques,
Histoire de l’éducation n° 74, op. cit., pp. 59 – 88.

14
metodologia regrada: a palavra não designava um domínio particular do
saber – todo o saber, na época, era tido como vindo do passado, portanto
como história – mas um ramo da retórica, definido por um modo específico
de escrita, o modo narrativo. Só eram, conseqüentemente, considerados
como historiadores aqueles que soubessem usar esse modo com talento, em
bom latim ou em bom grego – o que desqualificava os cronistas
medievais19. Não se tratava, então, na época de “ensinar história” segundo o
sentido atual do termo: conforme as concepções pedagógicas e científicas
da época, os alunos deviam ler os historiadores antigos, pois se procurava
na leitura elementos para ensinar a arte de escrever, graças à qual a França
disporia um dia, ao menos esperavam, de historiadores dignos desse nome
que ela ainda não tinha...

“Usos” e pedagogia da história no século XVII

O paradoxo é que esse ensino das humanidades eclodiu no


momento em que as concepções mudaram, procedentes de uma época mais
antiga (a da cultura manuscrita da Renascença), da cristalização sob a forma
de modelo pedagógico - mas não é próprio a todo sistema educativo, por
definição encarregado de transmitir o que vem do passado, atrasar o que diz
respeito à sociedade que o envolve? Poderíamos aqui mencionar
brevemente alguns fatores dessa mudança, enumerando sucessivamente o
que, na realidade, se relaciona de maneira muito mais complexa.
Um primeiro fator de mudança situa-se, bem entendido, no plano
político. A vitória da fidelidade monárquica sobre os vínculos de
dependência confessional, que põe fim às guerras de religião20; o triunfo do
absolutismo e a paroquialização da vida mundana e cultural do século
XVII21 focalizam, de agora em diante, o interesse sobre a história nacional,
vista através da história das dinastias reinantes e de sua corte.
Paralelamente, se manifesta uma evolução do sentimento religioso: a
importância cada vez maior acordada às práticas – portanto aos costumes –

19
Ver Arnaldo Momigliano, « Ancient History and the Antiquarian », 1950, trad. française
« L’histoire ancienne et l’Antiquaire » dans Arnaldo Momigliano, Problèmes d’historiographie
ancienne et moderne, Paris, Gallimard, 1983, pp. 244 – 293.
20
Myriam Yardeni, La Conscience nationale en France pendant les guerres de religion (1559
– 1598), Louvain/Paris, Nauwelaerts/Béatrice-Nauwelaerts, 1971, 392 p.
21
Ver Roger Chartier, « Trajectoires et tensions culturelles de l’Ancien Régime » in André
Burguière et Jacques Revel (dir.), Histoire de la France. Les formes de la culture, Paris,
Éditions du Seuil, 1993, pp. 307 – 392.

15
como critério de ortodoxia confessional22, leva a acentuar fins
moralizadores da educação, em que o aprofundamento do esforço de
aculturação religiosa iniciado no século precedente, no âmbito da rivalidade
entre Reforma e Contra-Reforma23, induz o recurso à narração histórica
como meio de fazer interiorizar, desde a infância, as verdades e os valores
transmitidos pelo catecismo24. No plano cultural, enfim, o progresso da
produção impressa a coloca à disposição de um público cada vez mais
vasto, que se estende, a partir dali, além do círculo dos “doutos” para os
quais a leitura era uma atividade quase profissional25: o uso de uma
literatura mais mundana, mais atraente e de mais fácil acesso que a
literatura latina e grega, ao mesmo tempo que uma especialização acrescida
de gêneros.
Ora, todos esses fatores se encontram com uma outra mutação,
dependendo ela do plano científico. O saber fundamental da época, do
nosso ponto de vista, é a elaboração de uma linha de tempo única sobre a
qual se ordenam os fatos até então dispersos, conhecidos através dos textos
antigos e medievais26. É essa aquisição da ciência “cronológica” da
Renascença, que os resumos de história - que parecem cada vez mais
numerosos durante o século, em latim27 e em francês28 - pretendem
vulgarizar. A utilização dessa linha de tempo dá aos estudos históricos um
novo modo de apreensão dos fatos (por ordem de sucessão cronológica e

22
Michel de Certeau, « L’inversion du pensable. L’histoire religieuse du XVIIe siècle » (1969)
et « La formalité des pratiques. Du système religieux à l’éthique des Lumières (XVIIe –
XVIIIe) » (1973), artigos retomados em Michel de Certeau, L’Écriture de l’histoire, Paris,
Gallimard, 1975, pp. 131 – 152 et 153 – 212.
23
Jean-Claude Dhôtel, Les Origines du catéchisme moderne d’après les premiers manuels
imprimés en France, Paris, Aubier, 1967, 472 p.
24
Claude Fleury, Catéchisme historique, Paris, Vve G. Clouzier, 1683, 2 vol. in-12, t. I: Petit
Catéchisme; Fénelon, De l’Éducation des filles, 1687 (a edição consultada é a de Paris, P.
Aubouin, 1696, in-12, 272 p.).
25
Ver Henri-Jean Martin, Livre, pouvoirs et société à Paris au XVIIe siècle (1598 – 1701),
1969, rééd. Genève, Droz, 1999, 2 vol., 1091 p.
26
Anthony Grafton, Joseph Scaliger…, op. cit.; D.J. Wilcox, The Measure of Time Past.
Prenewtonian Chronologies and the Rhetoric of Relative Time, Chicago/London, The
University of Chicago Press, 1987.
27
Só mencionaremos aqui os dois mais célebres entre cuja utilização com fins pedagógicos é
atestada, que são também os mais antigos: l’Epitomae historiarum libri X do jesuíta Torsellini,
que apareceu pela primeira vez em Roma em 1598, que podemos consultar na edição de Lyon,
J. Cardon e P. Cavellat, 1620, in-12, p. lim., 640 p. e index; e o Rationarium temporum… de P.
Denis Petau, Paris, S. Cramoisy, 1633, 2 t. en 1 vol. in-12.
28
Há desde o início a coexistência de duas séries de resumos de história, uma em latim, outra
em francês. O estudo de suas relações e a maneira em que o francês se impôs através das
edições sucessivas ainda está a ser feito.

16
não mais por contiguidade, temática ou geográfica). Fornece, pelas
referências temporais que estabelece, um instrumento de aprendizagem que
faltava até então (as datas...). Coloca, assim, mais claramente em evidência
as lacunas na exposição dos acontecimentos, incitando completá-las;
contribuiu, desse modo, para transformar a noção do tempo, dando uma
visão linear... todas coisas que, sem atacar, destroem profundamente o
respeito sempre proclamado dos historiadores da Antigüidade.
Assim, vemos manifestar-se ao longo do século, através da
literatura de vulgarização histórica e dos projetos ou tratados sobre a
educação, aspirações a um outro tipo de relação com o passado que não seja
o do ensino humanista: uma relação mais natural, mais direta, que contorna
o obstáculo da aprendizagem das línguas antigas e exige o acesso a um
passado mais próximo e mais acessível. A tradução dos autores antigos, se
não for novidade, conhece então outra idade do ouro: os “belos infiéis”29
colocam esses autores ao alcance dos leitores (e das leitoras) que não foram
obrigados às disciplinas austeras de aprendizagens humanistas. A oferta de
obras históricas se diversifica: produções humanistas, que continuam sua
carreira florescente, compêndios de história e histórias mais ou menos
romanescas30, destinados a um público maior e menos informado.
Paralelamente, se afirma cada vez mais explicitamente a
necessidade de conhecer a história de seu país em um movimento, aliás não
isento de contradições – as mesmas que vimos surgir no fim do século
XVII, a respeito da educação do príncipe cristão, apresentada como modelo
a ser seguido mas reservado ao poder e aos que são destinados por natureza;
isto é, por seu nascimento31. Ora, a história mantinha nesse modelo um
lugar central, como complemento indispensável das matérias “teóricas”
necessárias à formação principesca que eram a moral e a política: era a
história que estava destinada a fornecer os exemplos, ilustrando os preceitos
abstratos que constituíam essas ciências. Essa história necessária aos
príncipes englobava-se bem à história antiga, não se isolava: devia fornecer
aos futuros governantes modelos mais próximos deles do que os heróis da

29
Roger Zuber, Les « Belles infidèles » et la formation du goût classique, 1968, rééd. Paris,
Albin Michel, 1995, coll. « Bibliothèque de l’Évolution de l’humanité », 521 p.
30
Sobre a “fusão” entre história e romance na segunda metade do século XVII, ver Bernard
Magné, Crise de la littérature française sous Louis XIV: Humanisme et nationalisme, Lille,
Atelier de reproduction des thèses Lille III, 1976, 2 vol., 1026 p., multigr.
31
Annie Bruter, « Des arcana imperii à l’éducation du citoyen: le modèle de l’éducation
historique au XVIIIe siècle », apresentado no colóquio organizado pela Société française
d’étude du dix-huitième siècle et la Société italienne d’étude du dix-huitième siècle, com
l’UMR LIRE (CNRS n° 5611 – Université Stendhal – Grenoble I), « L’Institution du Prince au
XVIIIe siècle », Grenoble, 14 – 16 octobre 1999, a ser publicado nas Atas do colóquio.

17
Antigüidade, bem como conhecimentos positivos (militares, genealógicos,
diplomáticos, econômicos, etc.) sobre os assuntos do reino, isto é, sobre o
presente ou o passado próximo. Uma nova pedagogia da história surge,
assim, conjugando a aprendizagem da cronologia com o curso dialogado no
qual o aluno escuta e discute o relato dos acontecimentos, que deverão ser
em seguida redigidos: tal é, ao menos, a pedagogia descrita pelos
preceptores dos príncipes no fim do século XVII32. Quanto aos primeiros
“manuais escolares” de história, não provêm da educação principesca33, mas
das pensões aristocráticas onde se ministravam os cursos particulares de
história pelos “chambristes”34.
Os preceptores dos príncipes não publicam suas obras sem
fornecer uma advertência sobre a inconveniência que teria para as “pessoas
comuns” pretender o mesmo saber que os príncipes. Concede-se ao homem
comum somente um “uso moral” da história destinada a ensinar os
malefícios das paixões: o “uso político” desta é reservado aos príncipes e
aos “Grandes”35. Compreendemos, vendo a história assim colocada como
disciplina central da educação ao mesmo tempo que subtraída ao comum
dos mortais, o seu estatuto marginal, inacessível no último século do Antigo
Regime. Era objeto de um ensino, sobre o qual encontramos vestígios
através de resumos explicitamente destinados à juventude36, de exercícios

32
Charles-Bénigne Bossuet, « De l’instruction du Dauphin, Lettre au pape Innocent XI »
(1679) dans Œuvres complètes, Bar-le-Duc, par des prêtres de l’Immaculée Conception de St-
Dizier, 1863, t. XII; Claude Fleury, Traité du choix et de la méthode des études, Paris, P.
Auboin, P. Émery et C. Clousier, 1686, in-12, 365 p.; Géraud de Cordemoy, « De la nécessité
de l’Histoire, de son usage, & de la manière dont il faut mêler les autres sciences, en la faisant
lire à un Prince » dans Divers traités de métaphysique, d’histoire et de politique, Paris, Vve de
J.-B. Coignard, 1691, in-12, VI-292 p
33
É, por exemplo, o caso, citando somente o mais célebre, de Instruction sur l’Histoire de
France & Romaine par demande & réponses, Avec une explication succincte des
Métamorphoses d’Ovide, & un Recueil de belles Sentences tirées de plusieurs bons Auteurs,
Paris, A. Pralard, 1687, in-12, em que o autor, Le Ragois, era preceptor do Duque de Maine.
34
Faltando lugar para uma bibliografia completa, mencionaremos: Nouveaux Élémens
d’histoire et de géographie à l’usage des pensionnaires du Collège de Louis le Grand du
jésuite Buffier, 2ème éd. Paris, M. Bordelet, 1731, 2 partes em 1 vol. in-12. Os resumos do
Padre Berthault, regente à Juilly: Florus Francicus, Paris, J. Libert, 1630, in-24, 279 p.; Florus
Gallicus, Paris, J. Libert, 1632, in-24, 324 p.; Florus Gaulois ou l’abrégé des guerres de
France, t. I, Paris, J. Libert, 1634, in-8°, 298 p., são talvez oriundos dos cursos desse
pensionato que a tradição historiográfica considera como o primeiro a ter ministrado o ensino
de história, mas a prova da utilização desses resumos para fins pedagógicos não existe.
35
Annie Bruter, « La “confiscation” de l’histoire: l’éclatement des usages de l’histoire au
XVIIe siècle » in Henri Moniot et Maciej Serwanski, L’Histoire et ses fonctions. Une pensée et
des pratiques au présent, Paris/Montréal, L’Harmattan, 2000, pp. 27 – 46.
36
Os resumos da época precedente visavem um público bem mais definido.

18
públicos 37, até mesmo de redações dos alunos38. Mas, excetuando as
instituições inovadoras que foram as pensões particulares e as escolas
militares, esse ensino não foi, em geral, integrado ao currículo escolar - a
história continuava sendo um tipo de matéria facultativa sob a
responsabilidade das famílias. Explica-se, assim, a insistência em reclamar
sua introdução nos colégios no século XVIII39, quando há provas da
existência de seu ensino na época; mas é o estatuto desse ensino que
persiste impreciso, por causa de seu caráter marginal, não-normatizado.
Somos levados, assim, a distinguir duas coisas normalmente
confundidas no discurso sobre a educação (pelo fato de seguirem agora
juntas, a saber, pedagogia e escolarização - chamamos aqui pedagogia toda
tentativa intencional de transmissão de um saber). Se a história do ensino
histórico mostra que houve a invenção de uma pedagogia da história, com
seus procedimentos e seu material específico na segunda metade do século
XVII, mostra também que essa invenção se fez fora do âmbito propriamente
escolar: é no espaço mais flexível da educação principesca ou do pensionato
aristocrático que se elaboraram métodos e instrumentos de uma instrução
histórica autônoma, independente da leitura dos historiadores antigos,
procedendo a uma apresentação contínua dos acontecimentos - da criação
do mundo até a época contemporânea.
O estudo das resistências à integração dessa história autônoma ao
currículo escolar, e os fatores que terminaram impondo-a junto das
humanidades clássicas, ultrapassaria muito os limites temporais desse
artigo, pois levaria ao debate sobre a educação do século XVIII e a
Revolução, sobre os liceus do século XIX. Contentar-nos-emos em assinalar
que a introdução da história no ensino dos liceus e colégios do Império e da
Restauração (mencionada nos programas desde 180240, a história é dotada
de um horário específico e de um programa embrionário em 181441, de
professores “especiais”, em certos liceus, pelo menos a partir de 181842) não

37
Ver por exemplo Pierre Jean de Berulle répondra sur l’histoire chronologique de l’Église…
Au Collège de Louis le Grand, le Vendredi 8 avril 1707, à quatre heures après midi, Arch. S.J.
Vanves, É Pa 30 – 7.
38
O curso de Bossuet sobre Charles IX redigido para o príncipe herdeiro foi publicado por
Régine Pouzet sob o título Charles IX, récit d’histoire, Clermont-Ferrand, Adosa, 1993.
39
Ver, por exemplo, o artigo « Collèges » da Enciclopédia, no qual D’Alembert se queixa « do
pouco caso dado ao estudo da História nos colégios », Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné
des Arts, des Sciences et des Métiers, t. III, Paris, 1753.
40
Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie dans l’enseignement secondaire. Textes
officiels. T. 1: 1795 – 1914, Paris, INRP, 2000, textes 4, 5, 6, pp. 95 – 96.
41
Ibid., texte 12, pp. 101 – 103.
42
Ibid.,texte 15, pp. 109 – 110.

19
poderia ser feita tão rapidamente, se os professores não dispusessem de um
mínimo de material pedagógico já elaborado. Ora, uma parte pelo menos
desse material pedagógico, remonta aos preceptores dos príncipes do fim do
século XVII, como Fleury ou Le Ragois, cujas obras conhecem, ao longo do
século XIX, uma carreira que só se extinguiu com as reformas
republicanas43.

***

A primeira das reflexões, de ordem mais geral, pela qual


gostaríamos de encerrar esse artigo, concerne à temporalidade própria da
história das disciplinas escolares. André Chervel abordou o problema,
assinalando a longa duração dos processos de criação e de funcionamento
de uma disciplina44. No mesmo sentido - e contra uma certa tradição
historiográfica, que vê na aparição do ensino da história no século XIX uma
criação ex nihilo do poder político -, esperamos ter mostrado que a
constituição da história em matéria “ensinável” foi um fenômeno de longa
duração, cujas premissas são encontradas bem antes da época de seu
“nascimento” oficial, e que continuamos em realidade, bem além: a
emancipação da história como disciplina plenamente autônoma, ensinada
por professores especializados, só foi conseguida na virada do século XIX
para o XX45. Então, sobre a base de uma experiência pedagógica já multi-
secular, mesmo se ficou muito tempo reservada a uma minoria, o ensino da
história pode-se tornar, nessa época, o instrumento por excelência da
integração patriótica e cívica dos alunos46 - instrumento cujas incertezas,
que cercam o futuro do Estado-Nação, questionam atualmente a sua própria
finalidade.
Essa longa duração da formação de uma disciplina escolar está
ligada à complexidade de um processo, cujos múltiplos componentes

43
Ver Martin Lyons, Le Triomphe du livre. Une histoire sociologique de la lecture dans la
France du XIXe siècle, Paris, Promodis, 1987, pp. 85 – 104.
44
« L’histoire des disciplines scolaires… », art. cit., pp. 30 – 31.
45
Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie…, op. cit., pp. 75 – 84.
46
De uma abundante bibliografia, destacarei aqui somente dois artigos que fizeram sucesso:
Jacques et Mona Ozouf, « Le thème du patriotisme dans les manuels primaires », 1962,
republicado em Mona Ozouf, L’École de la France, Paris, Gallimard, 1984, pp. 185 – 213;
Pierre Nora, « Lavisse, instituteur national. Le “Petit Lavisse”, évangile de la République », in
Pierre Nora (éd.), Les Lieux de mémoire. I – La République, rééd. Paris, Gallimard, 1997, coll.
« Quarto », pp. 239 – 275.

20
tentou-se mostrar. Entraram, de fato, em jogo diversos fatores - cada um
com seu ritmo próprio de evolução. Os objetivos da educação, por exemplo,
mudam no decorrer do tempo: se ficaram, durante o período considerado
aqui, dominados pela finalidade retórica, pudemos vê-los enfraquecer de
uma maneira que acentuou o alcance moralizante da leitura dos
historiadores antigos para todos os alunos; ao passo que era confiscado o
“uso político” da história, decretado monopólio dos príncipes na época do
absolutismo triunfante. Mas, bem antes dessa etapa, ocorrem outras
transformações pelas quais se cortou em profundidade a relação com o
passado, isto é, com o ensino humanista: transformações técnicas,
econômicas e sociais, progresso da escrita e da imprensa, desenvolvimento
dos aparelhos administrativos, ampliação do público de leitores,
transformações científicas, metodológicas e pedagógicas levadas, no que diz
respeito à história, à elaboração de uma cronologia unificada, à renovação
do modo de leitura dos historiadores e à experimentação de novos métodos
de ensino.
Sobre essa complexidade gostaríamos de insistir para finalizar, a
fim de lutar contra o risco de uma leitura evolucionista, vendo na pesquisa
aqui apresentada uma tentativa a mais para conferir uma “origem” ao ensino
da história atual. É, ao contrário, a inter-relação constante que pensamos
poder revelar entre expectativas e ambições culturais e sociais, concepções
e meios científicos, técnicos ou pedagógicas, que faz da história das
disciplinas escolares um campo de pesquisa tão vasto quanto apaixonante
para explorar, nessa época de mudanças de nossa sociedade que questiona
cada dia mais os sistemas educativos que herdamos do passado.

Annie Bruter é Pesquisadora do Service d’histoire de l’education – URA


CNRS 1397/Institut National de Recherche Pédagogique. Paris/França
Maria Helena Camara Bastos é Professora no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul; Pesquisadora do CNPQ.

Recebido em: 10/08/2005


Aceito em: 15/01/2006

21
.
Igreja, religião e ensino elementar antes das leis de
laicização européias: um reexame crítico de suas
relações1
Pierre Caspard
Tradução de Maria Helena Camara Bastos

Resumo

Este artigo propõe um reexame do lugar ocupado pela religião no ensino elementar na época
moderna, no seu conteúdo, no seu controle, nas suas grandes finalidades e nos seus objetivos
pedagógicos concretos. A reflexão diz respeito a um caso específico: o das escolas de vilas de
um cantão suíço, francofone e de religião reformada (calvinista), estudadas do século XVI ao
século XIX. Mostra uma grande imbricação dos aspectos religiosos e laicos nesse ensino e um
crescimento muito antigo da importância dos segundos, bem antes das leis de laicização da
metade do século XIX, que terão, sobretudo, por objetivo a fundação da República baseada em
uma noção ampla de cidadania. Essa conclusão poderia se estender de forma mais extensiva,
apesar de certas especificidades, aos países católicos ou luteranos da Europa moderna.
Palavras-chave: Religião, Laicidade, Suíça, Estado, Igreja, Época Moderna, Pedagogia cristã,
Aprendizagens elementares, Racionalismo, Humanismo

Resume

Cet article propose un réexamen de la place tenue par la religion dans l’enseignement
élémentaire à l’époque moderne, dans son contenu, son contrôle, ses grandes finalités et ses
objectifs pédagogiques concrets. La réflexion porte sur un cas précis: celui des écoles
villageoises d’un canton suisse, francophone et de religion réformée (calviniste), étudiées du
XVIe au XIXe siècle. Elle montre une imbrication forte des aspects religieux et laïcs dans cet
enseignement et un accroissement très ancien de l’importance des seconds, bien avant les lois
de laïcisation du milieu du XIXe siècle, qui auront surtout pour but de fonder la République sur
une notion de citoyenneté élargie. Cette conclusion pourrait largement s’étendre, malgré
certaines spécificités, aux pays catholiques ou luthériens de l’Europe moderne.
Mots clés: Religion – Laïcité – Suisse – Etat – Eglise – Epoque moderne – Pédagogie
chrétienne – Apprentissages élémentaires – Rationalisme – Humanisme.

1
Título original “Eglise, religion et enseignement elémentaire avant les lois de laïcisation
européennes: un réexamen critique de leurs rapports”. Autorizado especialmente pelo autor
para publicação nesta revista.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 23-37, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
A reflexão sobre a educação e sua história é naturalmente binária.
Avança antagonismos frontais, princípios inconciliáveis, rupturas heróicas.
A religião encontrou-se assim colocada no centro dos esquemas de
interpretação da educação, em dois momentos de sua história comum. No
século XVI, a Reforma, seguida da Contra-Reforma em países católicos, é
considerada como o acontecimento fundador de um ensino elementar de
massa. “Os protestantes aprenderam a ler a partir de Calvin”, pode-se
escrever para sublinhar a profundidade dessa ruptura2. No século XIX, ao
contrário, os governantes dos Estados laicos ou republicanos atribuíram
massivamente à organização religiosa sobre o ensino popular a causa de
seus atrasos e insuficiências: cabia de agora em diante às leis de laicização
passar a escola da sombra para a luz.
País de confissão majoritariamente reformada, o cantão suíço de
Neuchâtel é objeto, em ambos momentos, de discursos realmente
conformados. Vejamos o que Aimé Humbert, primeiro diretor de Educação
Pública do governo radical estabelecido pela Revolução de março de 1848,
diz ao apresentar seu projeto de lei sobre a instrução pública, que será
votado em março de 1850. Ele enuncia inicialmente, como uma evidência
histórica, que a Reforma deu um “elã salutar” às escolas, “rompendo os
entraves de Roma, permitindo a todos os cristãos a leitura das Sagradas
Escrituras”; mas continua afirmando que essas escolas, criadas com um
objetivo de puro doutrinamento religioso, somente habituavam os alunos “a
recitar sem compreender, a falar sem refletir, a aprender para esquecer, sem
nenhum aproveitamento para o desenvolvimento de seu julgamento, e
menos ainda para sua memória, que tinha sido cansada, atordoada”3. O
governo republicano podia colocar, enfim e pela primeira vez, a razão das
crianças no centro da instrução elementar.
Esse discurso, de alguma maneira dá início à vulgata que é ainda
hoje pregnante4, mas que merece um sério reexame. Nossa intenção é

2
Furet F., Ozouf J.: Lire et écrire. L’alphabétisation des Français de Calvin à Jules Ferry. Paris
1977, 2 vol.
3
Bulletin officiel des délibérations du Grand Conseil, 21 novembre 1849. Em sua ação como
Diretor da Educação Pública, A. Humbert testemunha um espírito infinitivamente mais
pragmático e matizado que possa supor o manequeísmo de seu discurso.
4
Por exemplo: “Os alunos são habituados a repetir, copiar e recitar sem nenhum raciocínio”.
Schwitzguébel-Leroy A.: Le système scolaire neuchâtelois vers la fin de l’Ancien Régime. In:
Histoire de l’université de Neuchâtel, t.1 Hauterive, 1988, pp. 40-41; ou ainda para a Suíça em
seu conjunto: Capitani F. de: “A Igreja vê no ensino elementar o melhor meio de manter a
ortodoxia na população […]. Aprendem de memória, a compreensão dos textos é secundária”.
In: Nouvelle histoire de la Suisse et des Suisses, t.2. Lausanne 1983, p. 145. O estudo citado de
A. Schwitzguébel-Leroy oferece uma excelente apresentação do sistema escolar de Neuchâtel

24
mostrar que o papel da religião no ensino, antes de sua laicização por via
legislativa, é objeto de uma tríplice distorção na memória e na história da
educação. Essas distorções superestimaram o papel da instituição religiosa
na impulsão e no controle do ensino, como na definição de seu conteúdo.
Menosprezam os princípios e os objetivos da pedagogia adotados nas
escolas elementares. Subestimam, enfim, as profundas transformações
ocorridas bem acima das leis escolares que balizaram o século XIX. Esse
reexame será operado o mais próximo possível do terreno escolar, pela
análise do funcionamento efetivo das escolas e do papel dos principais
protagonistas do ensino dispensado durante três séculos. A questão das
relações entre sagrado e secular poderá assim aparecer de uma maneira
diferente da sua quando abordada unicamente no terreno dos princípios, das
doutrinas e das idéias, onde os protagonistas da história se situam o mais
frequëntemente para justificar sua ação.

1 A Reforma, a Igreja e os Pastores

As exigências formuladas pela Reforma em matéria de instrução


das crianças são bem conhecidas5. Desde o século XII, a Igreja tinha
repousado a fé em um conhecimento intelectual, que devia ser então objeto
de um ensino. Os reformadores aumentaram essa exigência incluindo a
leitura pessoal da Bíblia, o que induzia um ideal de domínio generalizado da
leitura pelos cristãos. Este objetivo se encontra de forma plena nas
Ordonnances ecclésiastiques de Neuchâtel, de 1564, que recomendam a
todos os pais e mães que instruam seus filhos para que possam motivar sua
fé, e preconizam para tal a criação de escolas6.
Não podemos, no entanto, limitar-nos a deduzir a afirmação de
um princípio a evolução que posteriormente conhecerá a instrução das
crianças. O ideal afirmado pela Reforma foi de fato atingido muito
progressivamente. Até o fim do século XVII, numerosas crianças foram
admitidas à comunhão, sacramento ao qual acendiam somente na idade

nos anos de 1830-1840, incluindo desenvolvimentos sobre as posições oficiais da Classe dos
Pastores concernente ao ensino.
5
Em uma abundante bibliografia, uma das obras de referência em língua francesa é: Chartier
R., Compère M.M, Julia D.: L’éducation en France, du XVI e au XVIIIe siècle. Paris 1976, bem
como o capítulo consagrado por D. Julia à “Une catéchisation de masse” in: Becchi E., Julia D.
(Dirs): Histoire de l’enfance en Occident de l’Antiquité au XVIIe siècle, Paris 1998.
6
Boyve J.: Annales historiques du comté de Neuchâtel et Valangin, Berne et Neuchâtel 1854-
1859, Vol. 2, p. 123-124.

25
aproximada de 16 ou 17 anos7, em Neuchâtel, sem o domínio da leitura de
textos tão difíceis quanto o Antigo e o Novo Testamento. Os primeiros
casos confirmados de recusa ostensiva contrária à admissão de crianças por
causa do iletrismo, por parte de um pastor, não são encontrados senão no
início do século XVIII, multiplicando-se posteriormente8. Isso conduz, não
à diminuição da importância dos ideais educativos formulados de início,
mas à obrigação de compreender o ritmo e as modalidades com que foram
concretamente atingidos.
Deste ponto de vista, convém questionar inicialmente o papel da
Igreja de Neauchâtel como instituição. Sua história é bem conhecida,
marcada por alguns tempos fortes como a ação de Guilhaume Farel,
companheiro próximo de Calvino, a de Jean-Frédéric Ostervald, teólogo
reputado em toda a Europa no século XVIII, depois, mais anedóticos, mas
fortemente mediatizadas, as altercações de Jean-Jacques Rousseau com a
Venerável Classe dos Pastores9. Em um principado que, da Idade Média a
1848, teve uma grande independência, ao mesmo tempo em relação aos
seus príncipes (franceses ou prussianos) e em relação a Confederação
helvética, a Classe dos Pastores, cujo decano é um primus inter pares,
desempenhou um papel de corporação que defendia os interesses materiais e
morais de seus membros, face ao Estado e às comunas, tentados a ignorar
seus direitos e prerrogativas ou usurpá-los. Também defendeu uma certa
ortodoxia doutrinal, regulou a formação, o recrutamento e a carreira de seus
membros, unificou a liturgia, resolveu ou deu um parecer sobre as questões
pastorais relativas às paróquias e manteve, enfim, relações intelectuais com
outras Igrejas protestantes, especialmente as de Genebra, Berna, Bâle
(Suíça) e Montbéliard (França).
No domínio escolar, a intervenção a mais recorrente da Classe
dos Pastores diz respeito ao controle que exerce, ou pretende exercer, sobre
a nomeação dos regentes. Mas, enquanto que, nos primeiros tempos da
Reforma, esses eram muitas vezes eles próprios pastores ou diáconos, a
função foi totalmente laicizada durante o século XVII, o poder de nomeação

7
Caspard P.: Examen de soi-même, examen public, examen d’Etat. De l’admission à la Sainte-
Cène aux certificats de fin d’études, XVIe-XIXe siècles. In: Histoire de l’éducation, mai 2002,
p. 17-74.
8
Em 1731, o pastor de Verrières escreve “que não depende de mim não receber as crianças
para comungar enquanto não souberem ler”, e só aceita efetivamente algumas
condicionalmente. Cf. Caspard P., art.cit, p. 56.
9
Robert, M., Hammann G.: L’Eglise dans la société d’Ancien Régime. In: Histoire du Pays de
Neuchâtel Hauterive 1991, t. 2. De la Réforme à 1815, p. 271-315. Hammann G.: Eglises et
communautés religieuses. In: Histoire du Pays de Neuchâtel Hauterive 1993, t. 3 De 1815 à nos
jours, p. 219-255.

26
voltou às comunas que pagavam seus salários. A aprovação da Classe era
igualmente necessária, em razão das funções da Igreja que eram exercidas,
aliás, pelos regentes (ler a Bíblia e dirigir o canto no templo, recitar as
preces em certas circunstâncias). Mas as comunas sustentavam que, para a
regência da escola stricto sensu, elas tinham liberdade total para recrutar ou
para demitir quem desejassem. Casos de conflito chegavam de tempos em
tempos à Classe, que apelava eventualmente ao Conselho de Estado de
Neuchâtel, cujos pareceres iam preferencialmente no sentido do direito das
comunas10.
Isso não impedia as autoridades comunais de trabalhar, na grande
maioria dos casos, em harmonia com o pastor do lugar, o consultor das
questões escolares e associando às visitas anuais à sua escola onde
desempenhava seguidamente o papel de examinador. Mas, diferentemente
dos países católicos ou luteranos, a Classe não exercia, como instituição,
nenhuma autoridade hierárquica sobre o andamento das escolas,
principalmente não tinha nenhum direito de visita, de inspeção nem mesmo
de simples informação.
É, portanto, o contexto das comunas e das paróquias, campo de
ação dos pastores, que aparece como o mais pertinente para uma análise do
papel desempenhado pela Igreja no desenvolvimento da instrução
elementar. Desse ponto de vista, a Reforma efetivamente marcou uma
ruptura que, em diversos aspectos, teve incidências maiores na educação.
A primeira foi, a partir de então, a profunda inserção dos pastores
em seu meio. Antes da Reforma, os padres de Neuchâtel estavam
seguidamente ausentes e, em muitos casos, não havia nem mesmo vigário
para atender sua paróquia11. Eles dependiam de uma autoridade hierárquica
distante, os bispos de Lausanne ou de Besançon, que visitavam raramente
sua diocese. A Reforma mudou essa situação. A partir de agora, o pastor
reside na sua paróquia, de onde só pode ausentar-se excepcionalmente ou
por motivo justificável. Ele é apoiado por um Conselho dos Anciãos, eleito
pelos paroquianos, e não há mais superior hierárquico, exceto a autoridade
coletiva da Classe, da qual é membro. A antiga função do clérigo de ensinar
se encontra pois assegurada por uma maior interação com a população; essa
interação funcionando, é essencial sublinhar, em um duplo sentido. O
pastor, apoiado nos Anciãos, pode promover de forma mais eficaz a
instrução na sua paróquia12. Mas, inversamente, os paroquianos podem
10
Archives de l’Etat de Neuchâtel (AEN): Actes de la Classe, XVIIe-XIXe siècles.
11
Quadroni, D.: L’Eglise dans la société médiévale. In: Histoire du Pays de Neuchâtel
Hauterive 1989, t. 1 De la préhistoire au Moyen Age, p. 243-262.
12
No exemplo citado na nota 8, o pastor tem o cuidado de precisar que suas exigências
“receberam o consentimento dos Anciãos, de forma unânime”.

27
exigir que ele não perca seu interesse por essa função, que não é
necessariamente considerada por cada pastor como a mais gratificante, se
comparada à prédica, ao acolhimento dos pensionistas ou às atividades
literárias, teológicas, científicas ou corporativas nas quais não é raro se
investirem.
Desde o fim do século XVII, temos o exemplo de muitas
paróquias que cobram dos seus pastores suas tarefas de instrução,
dispensando-os de alguns sermões anuais em benefício de horas de
catecismo suplementares, contabilizando com desconfiança as que são
realmente efetuadas, para ver se o cômputo é bom, ou solicitando lhes
lembrar, com mais firmeza, as suas obrigações educativas às famílias
obstinadas13. No final do século XVIII, os pastores dedicam assim,
anualmente, mais de uma centena de horas ao catecismo e à preparação de
catecúmenos à confirmação, bem mais que a predicação no templo.
Uma segunda ruptura induzida pela Reforma concerne ao
estatuto matrimonial dos padres. Que não sejam mais obrigados ao celibato
ou a uma concubinagem vergonhosa diz respeito à educação de várias
maneiras. O fato dos pastores terem, a partir de agora, o encargo de uma
família, às vezes numerosa, incita-os, para atendê-la, a exercer atividades
complementares a suas funções pastorais, visto que a secularização dos bens
da Igreja amputou as rendas atribuídas às paróquias. Segundo o pastor
Frène, que escreveu, no fim do século XVIII, que ele não era pastor “senão
durante um quarto do meu tempo”14, proporção sem dúvida próxima a de
muitos outros pastores que deixaram ou não testemunhos de seu emprego de
tempo. Ora, a principal dessas atividades complementares é o ensino dado
de forma privada, através de lições particulares, de acolhimento de
pensionistas, até mesmo a organização de verdadeiros pensionatos. Esse
ensino excede em muito o da religião ou do catecismo, para abordar um
grande leque de matérias profanas. A atividade de ensinar pode, aliás, ser
exercida de forma bem mais eficaz pois as esposas dos pastores, e até
mesmo uma ou outra de suas filhas, podiam ajudá-los, segundo uma prática
realmente corrente na época moderna, incluindo aqui os regentes
encarregados do ensino comunal15.
Embora, antigamente presente nas polêmicas anticatólicas,
podemos reconhecer também uma parte de verdade na idéia segundo a qual

13
Caspard P.: art.cit.
14
Frêne T.-R.: Journal de ma vie. Ed. par A. Bandelier, Porrentruy et Bienne 1993.
15
É, por exemplo, o caso de um dos primeiros grandes pensionatos, fundado pelo pastor de
Montmollin após a década de 1740. Sobre o papel das esposas de regentes, ver: Caspard P.: La
maîtresse cachée. Aux origines de l’institutrice publique, 1650-1850. In: Annales Pestalozzi, 3,
à paraître.

28
ser casado e chefe de família dá aos pastores uma sensibilidade mais fina às
questões educativas, e uma maior familiaridade com a experiência de seus
paroquianos nesse domínio, particularmente no que se refere à educação das
meninas. Deste ponto de vista, não se constata em Neuchâtel nenhum traço
de neurose sexual tão presente nos discursos – senão nas práticas – católicas
em matéria de co-educação dos sexos, o que manifestadamente contribuiu a
dar às meninas um nível de instrução não muito distante daquele conferido
aos meninos, até mesmo superior em certas áreas16.
Em última análise, a participação dos pastores na função de
professores é múltipla. Na própria idéia dos reformadores – Lutero,
Calvino, Farel – a escola elementar não era senão uma instituição educativa
entre outras, mas particularmente destinada às crianças cujos pais não
tinham competência ou tempo necessário para instruí-las eles mesmos, a
primeira dessas condições agindo menos devido ao elevado nível de
instrução da população. De fato, o dispositivo da instrução oferecido às
famílias, mesmo modestas, não cessou de ampliar-se com o tempo. No
século XVIII, compreendia, ao lado da escola e da igreja, diversas formas
de pensão familiar, em Neuchâtel mesmo ou no exterior, lições e cursos
particulares sobre diversas matérias e, enfim, práticas de autodidática ou de
instrução familiar e doméstica17.
Em um dispositivo tão variado, a ação do pastor era ela mesma
multiforme. A catequese era seu campo reservado, mas a leitura
(comentada) da Bíblia, as orações, o canto dos salmos, a prolongavam até a
escola e a família. Inversamente, o pastor participava de diversas maneiras
do ensino das matérias profanas, com suas próprias crianças, seus
pensionistas, ministrando aulas particulares ou pela sua competência na
escola pública do lugar. Daí essa grande imbricação de ensino profano e
religioso dado pelo pastor ou marcados por sua intervenção. Da Reforma às
leis de laicização, um dos seus símbolos foi o exame condicionando a
admissão dos alunos à ratificação da promessa de batismo e comunhão.
Esse exame verificava tudo ao mesmo tempo, a instrução religiosa das
crianças e um certo número de competências intelectuais: ler, compreender,
memorizar, reformular, induzir e deduzir... As próprias modalidades do

16
Assim, em 1853, entre 10.600 meninos e meninas, o desempenho das meninas é um pouco
melhor em leitura e em escrita, muito melhor em ortografia, em resumos de leitura e em
composição francesa. Fonte: AEN, D.I.P. Rapport du Département de l’Instruction publique,
1853.
17
Caspard P.: Pourquoi on a envie d’apprendre. L’autodidaxie ordinaire à Neuchâtel, XVI e-
XIXe siècles, in: Histoire de l’éducation, mai 1996, p. 65-110; Id: Les changes linguistiques
d’adolescents. Une pratique éducative, XVIIe-XIXe siècles. In: Revue historique neuchâteloise,
janvier 2000, p. 5-85.

29
exame não colocavam em confronto dois atores, mas três: o pastor que
examina os catecúmenos no templo, as crianças que eram examinadas, mas
também os paroquianos, vindos em massa para avaliar, ao mesmo tempo, as
performances dos jovens da vila no momento em que eles se preparavam
para tornarem-se “adultos”, e a maneira com que o pastor desempenhava
sua missão de instrução. Esta convergência de finalidades, laicas e sacras,
em um exame que era um rito de passagem social, abrindo-se para um
sacramento maior da religião cristã, leva a interrogar mais detalhadamente o
ensino dispensado nas escolas elementares.

2 A instrução religiosa e sua pedagogia

Que o ensino ministrado nas escolas comunais – protestantes ou


católicas – do Antigo Regime tinha um conteúdo e finalidades
essencialmente religiosas está gravado em uma vulgata particularmente
compacta, que preconiza que seja o regente de escola somente o “auxiliar”
do pastor ou do padre, que exerça sua função sob a “férula” da Igreja, que o
ensino que ele ministra vise essencialmente a formação de “bons cristãos18”,
que os métodos empregados (ditos catequéticos) visem restituir, sem
discussão, as verdades da fé. É sobre essa vulgata que Aimé Humbert se
referiu em seu discurso de 1849, e que percorre, ainda hoje, uma boa parte
da historiografia. Isso conduz à interrogação sucessiva sobre os conteúdos,
os objetivos e os métodos do ensino elementar.

a) Os conteúdos

Os conteúdos do ensino elementar são determinados pelas


comunas, soberanas nesse campo como nos outros aspectos das questões
escolares. Os programas são periodicamente rediscutidos, enriquecidos ou
definidos, e às vezes apresentados por escrito19, após serem discutidos e
votados em assembléia dos habitantes da comuna. O pastor é naturalmente
associado à reflexão sobre o programa de ensino, menos para garantir o

18
Visão levada aos extremos limites quando explica a presença do cálculo no currículo pelo
fato de que “todo bom cristão reformado deve conhecer os rudimentos para administrar seus
bens conforme os mandamentos de Deus”...! Hammann G., L’Eglise…, art.cit., p. 227.
19
Caspard P.: Une source de l’histoire du temps scolaire à l’époque moderne: les règlements
d’écoles. In: Compère M.M. (Dir.): Histoire du temps scolaire en Europe. Paris 1997, p. 241-
254.

30
espaço da religião, que pouco contestadas, do que em razão de seu alto nível
de instrução, e que o torna um especialista apreciado e dedicado.
Mas avaliar a parte do conteúdo religioso nos programas é mais
complexo do que parece. Se considerarmos os diferentes ramos de ensino
apresentados, total ou em parte, no currículo das escolas comunais, na
primeira metade do século XIX20, é possível distinguir entre eles três
grupos, desse ponto de vista. Inicialmente, aparece o que a lei de março de
1850 chama de “ensino religioso propriamente dito”, isto é, as verdades da
fé, tais como contidas e apresentadas nos diferentes catecismos em uso, de
livre escolha de cada paróquia. A partir dos anos 1730, é o catecismo de J.
F. Ostervald que será o mais divulgado, sem ser no entanto o único21. A
religião está igualmente presente em um conjunto de outras aprendizagens,
as quais fornecem tudo ou parte da matéria e do conteúdo. É o caso da
leitura feita das Passagens extraídas do Novo Testamento22, o texto integral
do Antigo e sobretudo do Novo Testamento; da recitação, dita também
memorização ou “decorada”, em que o Catecismo e as Passagens serão
solicitadas até a metade do século XIX, até mesmo depois; do canto, em que
os Salmos de Davi e os Cânticos fornecem o essencial da matéria; da
história sagrada, eventualmente acompanhada da geografia sagrada (da
Palestina). Os exercícios de escrita e de cópia, enfim, dizem respeito
seguidamente a textos piedosos ou morais. Ao contrário, a religião está
totalmente ausente de uma terceira categoria de ensinos: o cálculo, a
aritmética, a ortografia, a gramática, o desenho, o alemão, a escrituração
comercial, os trabalhos de agulha para as moças, a história e a geografia do
cantão, da Suíça, da Europa (que pode, entretanto, incluir a história da
Reforma) e do mundo, bem como a composição francesa, cujos assunto são
sempre profanos, as vezes morais, mas sem abordar as questões de fé ou de
dogma.
Esse currículo só é ensinado de forma completa nas vilas
maiores, nas outras se restringem às matérias principais. Mas o movimento
geral de enriquecimento do currículo elementar desde a Reforma é de fato
destacável: enquanto no século XVI, ele ainda se centra na religião, na

20
Caspard P., Examen…, art.cit., p. 28: Tableau de l’enseignement religieux dans le
curriculum des écoles communales, 1601-1828.
21
Barthel P.: Jean-Frédéric Ostervald l’Européen, 1663-1747. Novateur neuchâtelois. Genève
2001.
22
Ostervald J.F.: Recueil des passages du Nouveau Testament. Qui servent à établir les vérités
et les devoirs de la religion chrétienne. Neuchâtel 1734. Essa pequena obra tão famosa e
divulgada que jamais foi chamada de outra maneira que sob o nome de Passagens.

31
leitura e no canto23; a partir do século XVII, acrescenta-se a escrita, a
aritmética e a ortografia; depois, durante o século XVIII, a gramática, a
geografia, a história, a análise gramatical e o desenho, e enfim, na primeira
metade do século XIX, as outras matérias listadas acima. A lei de março de
1850, que impõe pela primeira vez um programa obrigatório de instrução
elementar a todas as comunas do país, repetirá essa lista, acrescentando a
instrução cívica, e reduzindo pois o ensino religioso “propriamente dito”,
confiado ao único pastor, sem que possa ser imposto aos professores
elementares24. Essa última medida suscitou naturalmente a oposição de uma
parte da Classe dos Pastores, mas admitia-se que resultava de um processo
de marginalização do ensino religioso no currículo da escola elementar,
resultado natural de seu contínuo enriquecimento há três séculos.

b) As grandes finalidades do ensino

O enriquecimento do currículo jamais suscitou uma franca


oposição por parte da Classe e dos pastores, mesmo se alguns dentre eles,
politicamente conservadores, pudessem julgar que se dispensava às crianças
um ensino “acima de suas condições”. Mas o sentimento mais expresso era
a satisfação diante “da extensão tomada quase por toda a parte pelo campo
do ensino”, a constatação que “as escolas continuam a avançar na rota onde
entraram, a desenvolver e estender o campo de seus estudos”25.
Esse amplo consenso entre a Igreja e as famílias repousava sobre
uma adesão partilhada em duas grandes finalidades simultaneamente
atribuídas à instrução. A primeira era que a criança possa tornar-se cristã
“por conhecimento e por escolha”, pois a fé não se transmite e o batismo,
por si só, não torna ninguém cristão. Tornar-se cristão resulta portanto de
um ato individual, efetuado com toda autonomia por uma criança que deve
ser beneficiada, para isso, com a instrução necessária. A segunda finalidade
era de permitir à criança tornar-se, por sua instrução, “útil para si mesma e
para a sociedade”. De essência laica, esse princípio se encontra também nas
injunções paternas como nos escritos dos reformadores, como de
Guilhaume Farel que proclama, em 1534, “seja qual for o estado em que
homem se encontre, a ciência e o conhecimento de muitas coisas lhe

23
Cf. o regulamento da escola de Saint-Blaise en 1619, publicado em Caspard P.: Une
source…, art.cit., p. 250-252.
24
Segundo a lei de março de 1850; a de junho de 1861 a reintroduz nos programas, mas torna-
se facultativa após a lei de 1872.
25
AEN, D.I.P. 1, Rapports sur l’éducation publique de 1844 et 1845.

32
servirá”26, o que não representa senão uma expressão do ideal humanista e
enciclopédico da Renascença. No primeiro lugar desses conhecimentos
úteis vem certamente a leitura, mas está longe de ser considerada somente
como uma ferramenta que dá acesso a um conhecimento pessoal das
Escrituras; ela abre também, e indissociavelmente, a todas as “ciências e
conhecimentos” úteis ao homem em sua vida social, portanto à própria
sociedade. A conjunção dessas duas finalidades explica que o
enriquecimento do currículo das escolas elementares, do século XVI ao
século XIX, não suscitou antagonismos maiores entre seus componentes
laicos e religiosos. A religião, aliás, ali conservou seu lugar, de maneira
absoluta, senão relativa.

c) A pedagogia, entre memória e julgamento

A pedagogia adotada nas escolas elementares do Antigo Regime


foi seguidamente reduzida à forma catequética, isto é, a um encadeamento
de perguntas e respostas a serem citadas de cor. De fato, o lugar dos
procedimentos de catequese é bem reconhecido. O próprio Calvino deu um
dos primeiros exemplos disso no seu Catecismo de 154327, apressadamente
redigido e julgado rapidamente de maneira descuidada; em Neuchâtel, ele
sofreu logo a concorrência de outros28. Nas matérias profanas, essa forma de
catecismo pôde igualmente ser adotada, por exemplo, nos manuais de
geografia em uso no fim do século XVIII29. De maneira mais geral, as
sociedades antigas, e, portanto, suas escolas, davam uma importância real à
memória, à recitação, ao aprender “de cor”, mas dá-se uma visão
excessivamente reduzida desse interesse, quando concluímos que as
crianças eram levadas a “repetir sem compreender”.
Compreender o conteúdo de um texto é, evidentemente e bem ao
contrário, o centro de uma injunção feita à criança de “explicar a razão” de
sua fé, seja qual for, por outro lado, a capacidade que realmente é sua de
satisfazer a um exercício tão difícil. Calvino dá – entre muitos outros – o
exemplo dos tesouros pródigos da pedagogia para fazer compreender um
certo capítulo do seu catecismo30. Théodore de Bèze solicita que os alunos

26
Farel G.: Sommaire et brève déclaration, 1534. Réed. Neuchâtel, 1980.
27
Calvin J.: Le catéchisme de l’Eglise de Genève, 1542.
28
Vuilleumier H.: Notice historique sur les catéchismes qui ont été en usage dans l’Eglise du
pays de Vaud depuis le temps de la Réformation, Lausanne 1888.
29
Ostervald S.F.: Cours élémentaire de géographie ancienne et moderne et de sphère, par
demandes et réponses. Neuchâtel, 1ère éd: 1757, 10e éd: 1800.
30
Calvin J.: Deux congrégations et exposition du catéchisme, Genève 1563, réed. Paris, 1964.

33
aprendam e cantem os Salmos que traduziu com inteligência, “como
homens”, e não somente de memória, “como pássaros”31. Tais testemunhos
são inúmeros, podem até mesmo serem encontrados em escritos de
modestos habitantes de vilas que lembram de forma sábia, em 1802: “Por
que aprendemos? Não é para reter palavras, é para melhor compreender”32.
Essa exigência de compreensão se encontra tanto nas matérias
profanas quanto nas religiosas, o exercício do “julgamento” e da
“inteligência” são enaltecidos de forma similar em todo o ensino elementar.
A pedagogia das Luzes, que tende privilegiar o ensino “por princípios” em
relação ao ensino “por rotina” acentua ainda essa exigência, favorecendo a
invenção de procedimentos ou de exercícios identificados com uma
aprendizagem mais dedutiva: a popularidade da gramática testemunha isso e
sua introdução massiva nas escolas das vilas de Neuchâtel onde, desde o
início do século XIX, está presente em quase metade dos programas33.
A importância dada a essa pedagogia da compreensão pode ser
sistematicamente avaliada através do balanço da visita de inspeção a que se
submete o conjunto de escolas de Neuchâtel – em torno de 250 – no final do
ano escolar de 1850-51; isto é, o último que viu essas escolas funcionarem,
no essencial, segundo as modalidades do “Antigo regime escolar”, como
começou-se então a denominá-lo34. Os relatórios dos comissários do
governo enviados para prestar contas ao Departamento de Educação
pública, não podem ser julgados excessivamente indulgentes com o Antigo
Regime, pois seus autores foram todos escolhidos entre os simpatizantes da
República. Eles dão uma imagem interessante dos princípios pedagógicos
aplicados pelos regentes e dos objetivos que os comissários julgam
atingidos, ou não, em cada uma das matérias ensinadas, sejam elas profanas
ou religiosas.
O critério que a maioria dos relatórios coloca em destaque é a
maneira pela qual os alunos testemunham sua inteligência, seu julgamento,
sua capacidade de raciocinar, seja quando do exame ou dos seus trabalhos
ao longo do ano, que mostram aos examinadores no dia de visita. Isso é
válido para a grande maioria das matérias ensinadas e examinadas: leitura,
gramática, análise, aritmética, geografia, história, recitação, composição
francesa. Em todas essas matérias, incluindo a história sagrada e a recitação,

31
Cité dans Caspard P.: Examen…, art.cit., p. 27.
32
Ibid, p. 44.
33
Caspard P.: L’orthographe et la dictée: problèmes de périodisation d’un apprentissage, XVII e
- XIXe siècles. In: Le Cartable de Clio, Lausanne 2004, p. 255-264.
34
AEN, DIP 25 IX à XIII: Rapports des commissaires du gouvernement sur les visites des
écoles en 1851.

34
quando dizem respeito aos textos religiosos, se reencontra a oposição entre
a memorização e a verdadeira compreensão, a primeira sendo totalmente
estigmatizada quando não acompanhada da segunda. Só escapam a esse
critério a escrita, os trabalhos de agulha, o desenho e o canto, que são
julgados a partir das qualidades de cuidado, de elegância ou de exatidão,
cujos autores testemunham.
Ao contrário, o critério de compreensão vale também para as
provas de religião, quando essa matéria consta do exame35. São desprezadas
pelos comissários, as respostas dadas de cor, sem julgamento, o espetáculo
lamentável “dos alunos que recitam sua religião como papagaios, que
demonstram nada compreender”, dando assim a impressão que, para o
pastor que os instruiu e os interroga, a religião é “simplesmente uma
questão de memória, e não de ciência”. Esse último termo mostra que, para
os comissários, a religião não é uma matéria totalmente à parte, que deve
ser ensinada exigindo da criança o mesmo exercício de julgamento e de
reflexão das demais matérias profanas e, isso, mesmo se envolver
“sentimento, coração, convicção”, qualidades igualmente apreciadas nas
respostas dos alunos.
Resumindo, podemos dizer que os comissários estão satisfeitos
com a pedagogia cujos efeitos observam nas escolas, sendo que em torno da
metade dessas são julgadas sob esse ponto de vista de boas a excelentes, as
outras estão divididas igualmente entre médias ou medíocres, e fracas ou
nulas36. Sua satisfação é menor para o exame da religião do que para as
outras matérias, mas transparece freqüentemente, como julga este
comissário “interessante ouvir as crianças deduzirem com muita
propriedade as conseqüências práticas que se pode tirar de um grande
número de fatos contados no Livro Divino”.

***

A República de Neuchâtel fez da modernização do sistema


escolar um dos seus objetivos maiores. A laicização do conteúdo de ensino,
tal qual, não constitui senão uma parte secundária dessa política. Confiar o
ensino religioso “propriamente dito” ao único pastor, fora do programa de
ensino obrigatório assegurado pelos professores primários, só prolongava

35
A lei de março de 1850 prevê que um exame e um relatório especial sejam feitos pelos
pastores e enviados ao DEP, mas as práticas são ainda hesitantes, e a prova de religião continua
muitas vezes a figurar no exame geral.
36
Caspard P.: Etude à paraître.

35
uma evolução anterior; o secretário da Classe reconhecia, alguns anos antes,
que não resultava de um grande propósito, mas de uma infinidade de
vontades particulares”37. Sob o mesmo impulso, o currículo continua a se
enriquecer, suscitando em 1854 a criação oficial de um ensino primário
superior ou secundário moderno, já existente de fato, ao passo que a
multiplicação e a diversificação dos exercícios escolares contribuíam bem
mais à atividade reflexiva dos alunos.
A ruptura a mais significativa visada pela política de
modernização da escola residiu fundamentalmente na vontade dos
republicanos em resolver o problema político criado pela evolução
demográfica e sociocultural do país38. A partir do século XVIII, aumentou
em todo o cantão a presença de minorias religiosas, católicas, judaicas,
dissidentes. Ao contrário, as corporações comunais, que tinham se fechado
no século XVI, pretendiam conservar a total direção de suas escolas, porém,
muitas delas agora eram freqüentadas por uma maioria de crianças de
origem simples, de confissões diversas, e privadas dos direitos cívicos. Os
republicanos se propuseram então como objetivo minorar ou suprimir o
papel dos corpos intermediários (Igrejas, comunas) para privilegiar o debate
de dois atores: o Estado e o cidadão39.
No ensino, a Pátria – com seus dois níveis, o cantão de Neuchâtel
e a Confederação Helvética – torna-se assim a nova figura do coletivo, que
cada cidadão devia conhecer e amar, e especialmente o futuro cidadão: o
Aluno, figura também nova da criança escolarizada. É por isso que foi
introduzido o ensino da instrução cívica, acrescido do da história e da
geografia do cantão e da Confederação; enquanto que os novos livros de
leitura ofereciam paisagens, riquezas e heróis do país para serem admirados,
e que os cantos populares ou patrióticos (como Ranz des vaches, cantado
em dialeto) permitiam aos alunos manifestar o entusiasmo que lhes
inspiravam. Em um contexto europeu de aumento dos nacionalismos, a
laicização da escola de Neuchâtel se caracteriza menos como uma vitória
frontal sobre a religião ou a Igreja nacional, do que como o adiantamento,

37
AEN, Actes de la Classe, Rapport du 18 février 1846.
38
Caspard P.: “Reflektieren Spiegel? Bausteine zu einer vergleichenden Betrachtung der
unentgeltlichen und entkonfessionalisiert en Pflichtschule in Frankreich und in der Schweiz”
in: Criblez L., Hofstetter R., Magnin C. (Dir.): Eine Schule für die Demokratie. Berne, P. Lang,
1999, p. 433-454.
39
Sobre os problemas institucionais e políticos analisados em longa duração como em curta
duração nos anos fundadores da República, ver dois números especiais da Revue historique
neuchâteloise: Des chartes de franchise à la nouvelle constitution: une histoire des institutions
neuchâteloises, juillet 2002, et Révolution neuchâteloise, 1848-1998, juillet 1998, ainsi que
Christ T., Riard S.: Du réduit communal à l’espace national. Le statut des étrangers dans le
canton de Neuchâtel, 1750-1914. Hauterive 2000.

36
aliás parcial e negociado, de muitas autoridades locais e fragmentadas,
buscando uma autoridade central única, isto é, como um alargamento das
formas antigas do laos40.

Pierre Caspard é diretor e pesquisador do Service d’Histoire de


l’éducation / Institut National de Recherche Pédagogique – França.
Maria Helena Camara Bastos é Professora no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul; Pesquisadora do CNPQ.

Recebido em: 15/01/2006


Aceito em: 20/02/2006

40
Laos = Povo (Nota da tradutora)

37
.
Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896-1934):
hegemonia política na construção da universidade *
Marília Costa Morosini
Maria Estela Dal Pai Franco

Resumo

O texto resgata a trajetória da Escola de Engenharia de Porto Alegre (E.E.) em seus primórdios
- 1896-1922 - e como Universidade Técnica (U.T.) - 1922-1934. A análise qualifica a E.E.
como uma instituição científica ímpar para a época pela sua hegemonia com o Estado do Rio
Grande do Sul e pela sua face universitária com aproximações à idéia de universidade
moderna, cujas funções privilegiam a pesquisa. Foram utilizados princípios de análise de
conteúdo sobre fontes de informação normativas, de ocorrências, livros, revistas e jornais.
Palavras-chave: Escola de Engenharia de Porto Alegre; história da educação.

Abstract

The paper presents the historical path of the Porto Alegre School of Engineering (E.E.) in its
early times - 1896- 1922 – and as Technical University (T.U.) – 1922 – 1934. The analysis
characterizes the School of Engineering as a peculiar scientific institution, to its time, for its
political hegemony with the State of Rio Grande do Sul and for its university feature,
connected to the idea of modern university, whose functions focuses on research. Various
documents were analyzed: legislative, factual, books, periodicals and newspapers.
Key-words: Porto Alegre School of Engineering; history of education.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 39-57, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Introdução

A Escola de Engenharia de Porto Alegre (E.E.) foi o pilar do


ensino superior no Rio Grande do Sul (RS) e gênese da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Congregava características incomuns para o
ensino superior brasileiro à época dominado pelas escolas de formação de
bacharéis, inspiradas no modelo francês-napoleônico de faculdades voltadas
ao eruditismo e à profissionalização. A E.E., inicialmente orientada por
modelo universitário alemão e, após, americano, caracterizou-se pela
interligação entre os diferentes graus de ensino, pela descentralização de
suas atividades no Estado e pela produção e divulgação do conhecimento
produzido.
O (PRR) Partido Republicano Riograndense dominava o cenário
político do estado e constituía-se na forma superior de organização
(MACCIOCHI, 1977, p.64) da concepção positivista. Sob tal perspectiva, a
ciência e o governo dos sábios, cuja ordem levaria ao progresso do Estado,
desempenhavam um papel preponderante para a construção do capitalismo.
É então criada a E.E. que representa a manutenção da hegemonia do grupo
no poder, a qual não se restringe à dominação pela coerção, mas estende-se
à formação do consenso, para a qual se faz imprescindível a função
educativa (GRUPPI, 1980).
Este trabalho tem como objetivo resgatar a trajetória da E.E. em
seus primórdios e em seu desenvolvimento para Universidade Técnica,
qualificativo dado à E.E. nos Estatutos de 1922, abarcando o período de
1896-1934. Objetiva-se revelar as ligações entre a E.E. e o Estado e sua face
universitária.

1 O Estado do rs e a Escola de Engenharia

Durante a República Velha (1890-1930), a realidade brasileira e,


mais precisamente a riograndense, reflete a busca de inserção no processo
global de internacionalização do capitalismo, pela via monopolista. Tal
postura exigia a adoção de uma moral ética - a do valor trabalho - e um
estado "científico" forte - ditadura científica -, centralizador e com
hegemonia dos setores mais avançados do capital. Um Estado que além de
"celeiro do País" (PESAVENTO, apud DACANAL, 1989:194), forçasse a
modernização. Tal estado, na virada do século, se concretizou apoiando-se

40
no Partido Republicano Riograndense (PRR), sob novo grupo de atores
políticos. O PRR aproximou-se do
[...] moderno Príncipe (Partido Político) que deve e não pode deixar
de ser o propagandista e o organizador de uma reforma intelectual e
moral, o que significa criar o terreno para o desenvolvimento ulterior
da vontade coletiva - deve estar ligado a um programa de reforma
econômica; (GRAMSCI, l984, p.13).

No RS, a concepção positivista Comteana corporificou-se no


PRR e não se restringiu ao caráter de religião da humanidade Quanto a
questão da ciência, considerada a investigação do real, do precisamente
determinado e do útil, seu desenvolvimento marcava a passagem do poder
espiritual para mãos de sábios e cientistas e do poder material, para
industriais.
A E.E. pode ser considerada a obra mais grandiosa do espírito
positivista no RS, com íntima e estreita relação entre o Estado-RS e a escola
pela: identidade de princípios, reconhecimento da importância do Estado,
concessão de auxílios financeiros e desempenho de funções políticas
concomitante às acadêmicas na E.E.. No que tange à identidade de
princípios entre a E.E. e o Estado do RS, a concepção positivista de
sociedade está presente em diversos estatutos que orientam a escola.
Em relação ao reconhecimento da importância do Estado para a
E.E. a forma predominante é a dos elogios dirigidos à figura dos Presidentes
do Estado: Dr. Carlos Barbosa (Ata n.º 100 de 31/11/1912) e Dr. Borges de
Medeiros (Ata n.º 139 de 07/04/1917). É comum que os Institutos da E.E.
homenageassem os políticos do Estado, através de sua nominação. Ao lado
dos elogios aos membros do governo, é destacada a concordância na
concepção de técnica, bem como a relação de dependência da E.E. ao
Estado do RS.
A estreita relação se manifesta também pela concessão de
auxílios financeiros do Estado do RS. A E.E. dispunha de auxílios
provenientes das Intendências, assim como de particulares e de empresas.
Entretanto, através dos relatórios da E.E, sabe-se que a Lei nº 72 de 28 de
novembro de 1908 concedia ao Instituto Técnico Profissional um auxílio,
pelo prazo de dez anos a contar de primeiro de janeiro de 1911, proveniente
da arrecadação da taxa profissional de 2% (lei orçamentária de apoio ao
ensino técnico) posteriormente, como auxílio ao Instituto de Agronomia e
Veterinária.
A estreita relação E.E. - Estado RS projeta-se, também, no
desempenho de funções políticas, no executivo e/ou no legislativo, por
professores, concomitante às funções acadêmicas e/ou administrativas na
escola. (Quadro 2).

41
As características anteriormente apontadas da Escola de
Engenharia de Porto Alegre levam-nos a concordar com Gramsci (1985,
p.136), pois
Não é aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência de
formar homens superiores que dá a marca social de um tipo de
escola. A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem
um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nesses grupos uma
determinada função tradicional diretiva ou instrumental.

A íntima relação entre Estado e E.E. que existiu no RS não é


verificada na esfera da União. Naquele momento o RS é um Estado
poderoso e tem voz diante da Nação. Genro (apud DACANAL, l980:105)
afirma que as relações do RS com o poder central não eram estáveis, com
diferentes blocos de poder diferenciados no comando.
No plano das ingerências financeiras as concessões do Estado-
União à Escola são oscilantes, e podem ser divididas em dois momentos.
Até 1910, há reclamos por parte da Escola, do não envio de verbas da
Federação. Após esta data são reportados alguns elogios aos representantes
gaúchos na União, mas poucos à ajuda financeira. A partir de 1911, começa
a surgir o registro do envio de verbas federais (Ata n.º 96, de 31/1/1911).
No plano das ingerências acadêmicas embora o Instituto Júlio de
Castilhos seguisse o programa do Ginásio Nacional havendo, inclusive, a
presença de fiscal federal em suas dependências, Parobé, Diretor da Escola,
externa seu descontentamento à dependência federal quando afirma buscar
livrar-se do fatal código de ensino e da praga dos institutos equiparados
(E.E., Relatório do Diretor, 1910:III).
Ao analisar a gênese da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Franco; Morosini (l993) também destacaram a autonomia acadêmico-
administrativa consentida da E.E. perante a União, a partir da comparação
entre o determinado pelas reformas federais (Decreto n.º 8659 de 05/4/1911
que institui a liberdade de ensino às faculdades e Decreto n.º 11530 de
18/3/1915 que faz retornar a fiscalização federal) e o concretizado na E.E.

2 Escola de Engenharia de Porto Alegre - Universidade Técnica

No período de 1896 até 1922, a E.E. atravessa diversas fases


(UFRGS, 1971). A primeira delas, de 1896 a 1906, é definida como fase
primordial e de consolidação, implantando-se os cursos de agrimensura, de
engenheiro de estradas e de engenharia civil; a segunda, de 1906 à 1911,
corresponde à fase pioneira da expansão, pois nesse primeiro ano é criado o
Instituto Técnico Profissional, posteriormente batizado de Parobé e mais 3

42
Institutos: Astronômico e Meteorológico, Eletrotécnico e Agronômico e
Veterinário; de 1911 a 1917, segue-se uma nova fase de consolidação; a
quarta fase, de 1917 a 1921, é a fase de extensão do ensino técnico
profissional elementar e médio, das áreas industrial e agrícola, fundando
neste período, em pontos estratégicos no interior do Estado, 3 escolas
industriais elementares, dotadas de patronatos; 4 estações de Agricultura e
Criação, com os respectivos patronatos; 3 estações de Zootecnia, dispondo
cada uma de patronato e 39 estações de Meteorologia. Foram criados, ainda,
em 1920 o Departamento de Saúde, o Curso de Química Industrial, o
Departamento Comercial, Industrial e Financeiro (CIF) e o Ensino
Ambulante. Cabe destacar os seguintes aspectos: 1) estratificação do ensino
em vários níveis, visando a infra-estrutura que serviria de base à
comunicação do conhecimento tecnológico; 2) interiorização do ensino,
pela criação de instituições de ensino teórico-prático, em pontos estratégicos
e em cidades do interior do Estado (Caxias do Sul, Rio Grande, Santa
Maria, Bento Gonçalves, Cachoeira do Sul, Santa Rosa, Bagé, Alegrete,
Júlio de Castilhos); 3)Seleção e promoção de talentos oriundos da camada
social de poucos recursos econômicos, através da criação de seções de
patronato e da possibilidade de ascensão vertical no sistema de ensino.

Quadro 1 - Quadro comparativo dos Cursos, E.E., Estatutos de 1922 e 1929.


INSTITUTOS (Ano de IDENTIDADE DA E.E NOS ESTATUTOS DE 1922 E 1929
Criação)
ENGENHARIA (1897) Seção de Engenharia Civil que visava preparar engenheiros civis
JÚLIO DE CASTILHOS Seção de Ensino Primário e Preparatório que visava dar
(1900) educação fundamental, primária e secundária
ASTRONÔMICO E Seção de Estudos e Ensino de Astronomia, Física e Meteorologia
METEOROLÓGICO que visava o ensino e a prestação de serviços em astronomia,
(1908) física e magnetismo terrestre.
PAROBÉ (1906) Seção de Ensino Secundário e Superior, Técnico e Profissional
de Mecânica, de Arte e Ofícios que visava formar mestres e
contramestres
BORGES DE MEDEIROS Seção de Ensino Superior de Agricultura e Veterinária que
(1909) visava preparar engenheiros agrônomos e veterinários
EXPERIMENTAL DE Seção de Estudos e Serviços Experimentais de Agronomia e
AGRICULTURA Agricultura que visava estudos físico-químicos do solo, seleção
de sementes e preparo industrial dos produtos agrícolas.
ESCOLA INDUSTRIAL E Seção de Ensino Primário, Médio e Técnico-Profissional de
ELEMENTAR (1917) Mecânica, Artes e Ofícios que visava preparar operários e
aprendizes.
Seção de Engenharia Mecânica, Seção de Engenharia
MONTAURY (1908) Elétrica e Química Industrial Mecânica e Elétrica que
que objetivava preparar objetivava preparar mecânicos
engenheiros montadores eletricistas. (1929)
mecânicos e eletricistas e

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químicos industriais. (1922)
Seção de Estudos e Serviços de Seção de Estudos e Serviços
ZOOTECNIA (1909) Zootecnia, de Ensino Médio e de Zootecnia, de Ensino
Secundário cujo objetivo era Médio e Secundário de
preparar capatazes rurais. Agricultura e Veterinária cujo
(1922) objetivo era preparar técnicos
rurais. (1929)
ESTAÇÃO ZOO- Seção de Ensino Primário de Seção de Ensino Primário de
TÉCNICA (1922). Agricultura e Zootecnia que Agricultura e Zootecnia que
PINHEIRO MACHADO objetivava preparar operários e objetivava preparar operários
(1929) capatazes rurais. (1922) rurais. (1929)
Seção de Ensino e Química
QUíMICA Analítica e Industrial que
INDUSTRIAL(1927) objetivava preparar químicos
analistas e industriais, estudos
e trabalhos sobre indústrias
químicas. (1929)
EDUCAÇÃO Seção de Ensino e Serviço do
DOMÉSTICA E RURAL Lar Doméstico e Rural que
(1929) objetivava preparar condutoras
do trabalho doméstico e rural.
(1929)
Fonte: Escola de Engenharia. Estatutos: Porto Alegre: Officinas Graphicas da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, 1922, 1929.

Na Escola de Engenharia:
Construíram um sistema de ensino superior iluminado por
parâmetros universais pois para os professores da Escola a
concepção de curso era o do ensino vigente no mundo, porque eles
estudaram nas universidades alemãs e americanas mandaram para lá
nossos técnicos para estudar o ensino nesses países. (SOARES,
1986, p.22).

Esta concepção de ensino-pesquisa era acompanhada de


divulgação do conhecimento produzido na revista EGATEA (existente até
1934). Constituía-se (BOSI, A. 1995) em uma coletânea bimestral de
estudos e pesquisas e destinava-se a ser,
[...] uma publicação de interesse geral para o Rio Grande do Sul,
cujo progresso pretende ser colaboradora e comentadora. Assim
sendo, os assuntos que ocuparão proeminente lugar são os que a esse
progresso se relacionam.[...]São absolutamente excluídos todos os
assumptos de caracter pessoal e de caracter didático puramente.
(E.E., RELATÓRIO DO DIRETOR, 1914, P. 18-20).

É importante ainda ressaltar que, nesse mesmo relatório, são


descritas pesquisas experimentais, a maioria realizada nos laboratórios do
Instituto de Agronomia e na Estação Experimental tal qual uma análise
comparativa da entrada e saída d’água do Rio Guaíba, bem como testes

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zootécnicos buscando a correlação entre alimentação e estado físico de
animais.
A fim de atender as funções descritas, a E.E. executa, a partir de
1911, uma política de atração de professores estrangeiros para trabalharem
na Escola. Nesse ano, é registrada a presença de 13 professores especialistas
estrangeiros no Instituto de Agronomia e Veterinária e mais sete em outros
institutos. A grande maioria destes eram europeus. Em 1913, são registrados
30 professores estrangeiros presentes na Escola. Ao iniciar a 1ª Guerra
Mundial este intercâmbio é interrompido (E.E., RELATÓRIO DO
DIRETOR, 1918: VII, VIII).
Aspectos como os mencionados mostram que a E.E., desde os
seus primórdios, assumiu a orientação de atender diversas áreas de
conhecimento ligadas ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e se
aproximou da concepção de universidade moderna pela sua estruturação,
formato e funções. Os Estatutos de 1922 e relatórios da época qualificam-na
como Universidade Técnica:
A Escola de Engenharia de Porto Alegre é uma Universidade
Técnica. Seu fim é propagar no Rio Grande do Sul e no Brasil a
mais moderna e eficiente educação técnica, profissional e industrial,
baseada em uma real educação primária e preparatória. O seu
programa conduz o indivíduo do mais modesto ao mais elevado grau
de ensino técnico" (E.E. ESTATUTOS, 1922, ART. 1º).

O uso do termo “universidade” no discurso oficial sucede uma


estruturação concreta que se aproxima da idéia de universidade, o que
denota a cultura antecipativa da instituição. Em que pese o fato de a U.T. ter
sido formalmente instituída nos Estatutos da E.E. de Porto Alegre, de 1922,
a denominação prevalente continuou a ser a de Escola, até 1931, quando foi
autorizada a mudança de nome pelo Decreto do Governo Provisório da
República nº 20272, de 3.8.1931, sendo oficializada pelo Decreto nº 4929,
de 20.1.1932 (Ata n.º 147, da Sessão do Conselho de Administração, de
26/3/32)1.
[...] caso venha a ser uma realidade a mudança do grande nome da
Escola de Engenharia de Porto Alegre, para Universidade Técnica
do Rio Grande do Sul, se faça uma reforma de verdade, assentada
em moldes liberais, ponderada,... e assegurando antes de tudo, a
liberdade aos institutos componentes, para poderem os seus

1
Nos documentos consultados (Atas do Conselho Universitário, Congregação, Conselho de
Administração, Relatórios, entre outros) até 1931, prevaleceu referência à Escola de
Engenharia e não à Universidade Técnica. A estruturação, no entanto, se aproximava dos
moldes universitários até mesmo pela instituição do Conselho Universitário, a partir de 1922,
órgão normativo e articulador das várias unidades.

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dirigentes e professores trabalharem sem receio. (E.E., ATAS DA
CONGREGAÇÃO DO INSTITUTO DE ENGENHARIA 1929-
1934:12-133).

Em resumo, pode-se configurar a seguinte trajetória da E.E. de


Porto Alegre em sua transição para Universidade Técnica:

1922 - Pelos Estatutos da E.E. de 1922, Art. 1, a E.E. de Porto Alegre é


qualificada como Universidade Técnica;
1922 - Relatório do Departamento Central da E.E. reconhece a transição
para U.T.;
1922 - Estatutos 1922 se aproximam da idéia de Universidade;
1931 - Decreto Federal 19851, de 11/4/31, que dispõe sobre o Ensino
Superior no Brasil e abre possibilidade para criação de
Universidades, dando preferência ao Sistema Universitário;
1931 - Decreto Federal 20272, de 3/8/31, autoriza a mudança de nome de
Escola de Engenharia de Porto Alegre para Universidade Técnica
do RS;
1932 - Decreto Estadual 4929, de 20/1/32, oficializa a Universidade
Técnica do RS;
1932 - Decreto Federal 21080, de 24/2/32, transfere para a Universidade
Técnica as cotas de custeio conferidas à Escola de Engenharia de
Porto Alegre.
Na visão de Franco e Morosini (1993), o interregno de quase uma
década entre a inserção do nome da U.T. nos Estatutos da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, de 1922 até as discussões de 1931, que
culminaram na aprovação da mudança de nome pelo Estado-União, pode
ser entendido sob diferentes prismas.
1. advém das raízes e trajetória da E.E. cujos fundadores, no
transcurso de 30 anos, construíram uma instituição forte,
marcante pelos seus feitos, pela sua função de pesquisa, pela
formação de seus docentes e pelas edificações que refletiam o
requinte da arquitetura da época. A E.E. refletiu uma história
introjetada na vida da instituição, mas que a transcendia, pois
estava inserida na vida da comunidade riograndense.
2. denominação U. T. tal qual consta dos Estatutos de 1922, é
uma tentativa de formalizar o que já estava sendo construído
paulatinamente, ao longo da trajetória da E.E..

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3. influência exógena sobre a E.E. A influência francesa, atuante
na sociedade brasileira na década de 20, repercutiu na
estruturação e na ação da E.E. Mas não se pode omitir a
influência alemã, manifestada, inclusive, no termo
"Universidade Técnica".
4. (o mais incisivo) autonomia e poder conferidos à E.E., na
medida em que era braço hegemônico do Estado-RS. Tal
poder legitima-lhe a introdução do nome U.T. nos estatutos
centralizadores, mas, ao mesmo tempo, a sua dependência ao
Estado-União, faz com que continue a denominar-se como
Escola até o reconhecimento formal, em 1931.

3 Face universitária da Escola de Engenharia

A E.E. apresenta pontos de aproximação com a concepção de


universidade moderna nas suas funções finalísticas. A E.E., também se
aproxima da idéia de universidade moderna, ao se preocupar com a
qualificação de seus docentes2 e buscar articulações internacionais.
No que se refere à estrutura político-administrativa, a E.E.
apresenta como pontos tangenciais com a concepção de universidade
moderna e/ou departamentos, a estrutura administrativo-decisória, a relativa
autonomia das unidades universitárias quanto à receita e à despesa e quanto
ao seu funcionamento, a não duplicação de meios e, finalmente, o
oferecimento semestral de alguns cursos.
No que diz respeito à estrutura administrativo-decisória, de
1922, a E.E. foi organizada com um Conselho Universitário, uma
Presidência, um Conselho de Administração, um Conselho de Instrução ou
Técnico, Departamentos e Institutos. Três departamentos dinamizavam a
Escola administrativamente: Departamento Comercial, Industrial e
Financeiro; Departamento Central e Departamento de Saúde. Através de

2
Em 1920, foram contratados 7 professores e técnicos estrangeiros. Foram também enviados
professores e formandos para cursos nos Estados Unidos e Europa, especialmente Alemanha.
"Excelente tem sido, entre nós, o resultado apresentado, por este modo de preparar
competências" (Relatório do Presidente da E.E. ao Conselho Universitário, 1922: XII).
Em1922, havia onze alunos diplomados se aperfeiçoando fora do país e 28 profissionais
estrangeiros atuando na administração e no ensino técnico, com tal importância reconhecida
"Não só para o ensino como para as investigações das riquezas do nosso país e para prática
da administração" (Relatório de Presidente da E.E. ao Conselho Universitário, 1922: XI).
Ressaltam-se características que poderiam ser precursoras do Programa Institucional de
Capacitação Docente (PICD), da CAPES.

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seus institutos a E.E. possibilitava o desenvolvimento de funções de ensino,
pesquisa e extensão.
Em relação ao segundo aspecto, que denota aproximação com a
concepção de departamento, hoje vigente, observa-se que as "secções" de
ensino tinham relativa autonomia, atuando como verdadeiras faculdades,
uma vez que possuíam para cada "secção" um corpo docente, elaboravam
seus critérios de seleção para docentes e discentes. Cada "secção"
organizava sua receita e despesa para entrar no orçamento da Universidade
e era administrada por um Diretor nomeado pelo Presidente da Escola (E.E.,
ESTATUTOS DE 1929, ART. 96).
O terceiro aspecto, a não duplicação de meios, guarda
aproximação com o princípio que hoje rege a concepção de departamento
sendo sinalizado na assertiva de que, Os professores do Instituto são
nomeados pelo presidente da Escola, mediante concurso, quando não forem
técnicos ou chefes de serviço em exercício na Escola, ou professores de
outros institutos. (E.E., REGULAMENTO DO INSTITUTO MONTAURY,
1923, ART.88). Tal aspecto aliado ao que se observa em relatórios dos
Institutos ao Conselho Universitário, indicam a presença do princípio da
não duplicação de meios. Um mesmo docente seria responsável por dada
área do conhecimento socializada entre os vários institutos que a incluíam
no seu currículo.
O quarto ponto tangencial com a universidade moderna é o
funcionamento semestral de alguns cursos, se bem que distanciados da
concepção de crédito, hoje amplamente difundida.
Ao discutir os pontos tangenciais com a universidade moderna,
uma prática vigente merece uma menção especial: todos os diretores de
departamentos enviavam um relatório minucioso ao Presidente da Escola,
anualmente. Também procediam, assim, Institutos e Estabelecimentos. Tais
trabalhos eram congregados num relatório do Presidente, apresentado ao
Conselho Universitário.
O qualificativo de "Universidade Técnica" para a E.E. poderia ser
identificado com a matriz profissional de organização universitária que
expressa a função do ensino para formação profissional. Mas ele é, também
acompanhado pelo qualificativo da busca de conhecimento, que expressa a
função de pesquisa e de extensão, pela socialização do conhecimento para
comunidades extra-universitárias.
A Escola de Engenharia é reconhecida pelos Governos Federal e
Estadual pela sua competência no ensino. Este reconhecimento é observado
quando procuram premiá-la através de recursos e de manifestações públicas
quanto à competência e pela inserção de representantes em órgãos
educacionais decisórios superiores da União. A premiação por meio de

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recursos ocorre através do Decreto Legislativo nº. 4384, de 8 de dezembro
de 1921, quando o Governo estabelece um prêmio para a Escola pelos
serviços prestados nos seus vinte e cinco anos de atividades, mas também
visando estimular a expansão de suas atividades. A premiação através de
reconhecimento público pode ser observada no relato da Ata nº. 46, da
Sessão do Conselho de Administração, de 31/10/25.
Na Ata nº. 49, da Sessão do Conselho de Administração, de
30/1/26, encontram-se os indicativos da premiação através da inserção nos
órgãos decisórios. O Presidente comunica que, devido ao bom desempenho
da E.E. na realização dos exames preparatórios, estão reservados à Escola
dois lugares no Conselho Superior de Ensino: um destina-se ao vice-
presidente eleito da Escola; o outro será preenchido por eleição.
Aliado ao reconhecimento pelo ensino ministrado na E.E., cabe
mencionar a variedade e amplitude de cursos nela oferecidos, que
abarcavam desde o ensino fundamental até o ensino superior. Além dos
institutos citados no quadro 1, a E.E. agregava a Escola Industrial
Elementar (1925:82A). Mais tarde, em 1929, a criação do Instituto de
Educação Doméstica reitera a preocupação. (GODOY, 2000)
Resumindo, pode-se dizer que a aproximação da idéia de
universidade através do ensino se revela pela diversidade de cursos
oferecidos nos diferentes institutos mesmo que fossem direcionados às áreas
técnicas e não humanistas. Pesa, também, a competência da Escola
construída no entrelaçamento das diversas aproximações analisadas, pois
interferem nas relações com o Estado-União. As premiações através de
recursos e de reconhecimento público assim o atestam. Não se pode omitir,
também, a significativa contribuição da E.E., na formação de pessoal, para a
comunidade riograndense, que, desde sua fundação até 1929, teve 25936
alunos matriculados e 1033 formandos, nos diversos níveis e modalidades
oferecidos na instituição.
A segunda das atividades da E.E. que a aproxima da idéia de
universidade pelo conhecimento é a pesquisa. É interessante se registrar que
a preocupação com a pesquisa perpassa mais de uma unidade da U.T. Está
presente no Laboratório Carlos Chagas que integrava o Instituto Borges de
Medeiros, bem como nos Institutos Experimental de Agricultura e
Astronômico-Meteorológico.
A título de exemplificação, cabe explicitar atividades
desenvolvidas no Instituto Borges de Medeiros, através do Laboratório
Carlos Chagas. O referido Instituto era considerado como um verdadeiro
Instituto de ensino e pesquisa, desenvolvendo trabalhos em diferentes áreas
agropecuárias. Realizava diagnósticos de moléstias infecciosas de animais,
preparava vacinas e respectivas instruções de aplicações, estudava parasitas

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buscando o tratamento tanto para animais como para plantas, aprofundava o
conhecimento de processos fermentativos para indústrias de lacticínios e de
vinhos, desenvolvia processos biológicos de melhoria do solo. As
experiências agrícolas eram registradas em planilhas, publicadas em
relatórios, nos quais a identificação de canteiros, a cultura antecedente e os
processos de adubação estavam explicitados; também eram registradas as
datas da semeadura e da colheita com os respectivos índices de produção
total e por hectare, por tipo de semente, entre outros (Relatório do Instituto
de Zootecnia da EE, 1923).
A preocupação da E.E. com a construção do conhecimento e com
sua disseminação manifestava-se, respectivamente, na exigência de trabalho
final que o aluno defendia perante uma comissão e na publicação dos
conhecimentos produzidos na mencionada Revista EGATEA, coletânea de
estudos originais, de pesquisas e observações valiosas, que muito
contribuem para solução dos problemas da ciência, da arte e da produção
brasileira e rio-grandense de modo principal. (E.E., RELATÓRIO, 1923).
A face universitária da E.E. se manifestou, também, através da
socialização do conhecimento com inúmeras atividades de extensão
realizadas, refletindo preocupação com o desenvolvimento econômico do
Estado, com a ascensão cultural da população, com nítida visão antecipativa
da vinculação entre cultura e o patamar científico-tecnológico de uma
sociedade. É depreendido a partir do Serviço Ambulante da E.E., do
oferecimento de cursos noturnos e dos estudos orientados para o
desenvolvimento agropecuário e agroindustrial.

4 Escola de Engenharia:
hegemonia política e construção da Universidade

O presente texto analisou a E.E., desde sua fundação, em 1896,


passando por sua transformação em Universidade Técnica, em 1922, e
constituindo-se em um dos pilares básicos da Universidade de Porto Alegre,
(UPA), em 1934, e posteriormente da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul - UFRGS, em 1950. Destaca-se a E.E. como uma instituição
científica ímpar para a época pela sua hegemonia com o Estado do Rio
Grande do Sul e pela sua face universitária moderna, privilegiadora da
pesquisa. O panorama histórico-social do RS se caracterizava pelo
predomínio de um governo forte e dominante, apoiado pela Constituição
Estadual de l891. Governo que se centralizava na busca da modernização
pela inserção do Estado no capitalismo internacional, através de uma

50
proposta social coesa baseada nos princípios comteanos e na prática da
leitura de Júlio de Castilhos sobre o positivismo.
Não basta a tomada do poder (função de força) para completar a
função hegemônica. É necessária uma revolução social e moral permanente
(MACCIOCCHI, 1977) apoiada numa complexa rede com funções
educativas e ideológicas. Neste contexto, a E.E., no período estudado,
contribuiu para a hegemonia do Estado positivista gaúcho através da
manutenção do poder do grupo castilhista (corporificado politicamente no
PRR - Partido Republicano Riograndense), pela criação de condições de
consenso e capacitação da classe dirigente que objetivava a consolidação do
modo de produção capitalista no Estado.
A E.E., como construtora da hegemonia do grupo positivista no
poder, apresenta uma concordância doutrinária que a torna parte ideológica
e instrumental do Estado. A unidade de princípios entre o PRR e a Escola,
os constantes elogios da Escola aos membros do governo gaúcho, a
sustentação financeira da Escola pelo Estado e a presença de figuras
proeminentes ocupando posições concomitantemente no setor educacional e
no setor legislativo e/ou executivo assim o atestam.

Quadro 2 - Concomitância de funções na E.E. e em instâncias governamentais,


1896 – 1922.
NOME ESTADO ESCOLA DE ENGENHARIA
(Função) (Função)
João José Pereira · Constituinte da Província do RS · Diretor (1897-1915)
Parobé (1891)
· Secretário de Estado - Obras Públicas
(1897)
· Deputado Estadual - PRR (1909-
1911)
João Simplício · Deputado Estadual (1901) · Fundador da E.E
Alves de Carvalho · Deputado Federal (1908-1912) · Professor - Conselho Escolar
· Secretário da Fazenda (Governo (1898-1915)
Getúlio Vargas - 1930) · Diretor Eleito (1915-1922)

Gen. Manoel · Constituinte (1891) · Professor - Conselho Escolar


Theophilo · Deputado Estadual (1897-1928) (1898-1915)
Barreto Vianna · Diretor Interino (1915-1922)
João V. de Abreu · Deputado Estadual (1905-1909) · Fundador da Escola (1896)
· Professor - Conselho Escolar
(1896-1910)
Luiz Englert · Constituinte (1891) · Professor - Conselho Escolar
· Deputado Estadual (1899-1912) (1909-1920)
· Diretor do Instituto de
Engenharia
Cândido José de . Secretário da Fazenda Gov. Fed. . Professor - Conselho Escolar

51
Godoy (1909)
Juvenal Octaviano . Vice-Presidente do Estado (1907- . Professor - Conselho Escolar
Müller 1908)
Fontes: Escola de Engenharia de Porto Alegre. Atas do Conselho Escolar. Porto Alegre:
1908-1922. Manuscrito. Escola de Engenharia de Porto Alegre. Estatutos. Porto Alegre:1896,
1898, 1912, 1917. RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa. “Annaes” - 1935. Porto
Alegre: Imprensa Official, 1936.

Por outro lado, a hegemonia que se desenvolveu entre Estado-RS


e E.E. interfere na relação entre Estado-União e E.E. Está no cerne a
questão de identidade de princípios e coesão em nível de RS, o que faz com
que a E.E. coloque em prática a concepção positivista de cursos técnicos,
diferente do restante do país, e que obtenha reconhecimento da União.
Convém lembrar que o ensino superior, mesmo que permitida a iniciativa
privada, era responsabilidade do governo central.
O presente estudo também mostrou que a E.E., como U.T.,
apresenta aproximação com a Universidade Moderna, em sua estrutura
político-administrativa e em suas funções finalísticas que tratam do
conhecimento. A aproximação da idéia de universidade pela estruturação
político-administrativa ocorre pela autonomia das unidades universitárias,
pela não duplicação de meios e pelo funcionamento semestral. A
aproximação da idéia de universidade pelo conhecimento ocorre pela
diversidade de áreas em que o ensino é ministrado, pelo interesse em
desenvolver pesquisas vinculadas às necessidades da comunidade e pelo
desenvolvimento de atividades de extensão. Quanto ao ensino, os cursos
oferecidos eram de áreas diversas se bem que técnicas. A articulação teoria-
prática e a produção de trabalhos atesta a importância dos liames ensino e
construção do conhecimento. Outro aspecto que se ressalta é a marcante
preocupação com a educação feminina (GODOY, 2000). O preparo de
condutoras de trabalhos domésticos e rurais era gratuito, consentâneo à
orientação positivista de valorização da mulher como geradora e educadora
de filhos. No que se refere à pesquisa é de se destacar a produção dos
institutos caracterizada pela precisão de registros e controles e orientada
para o atendimento de necessidades econômico-sociais da época,
marcadamente as agropecuárias. Nota-se o embrião de ações que visam a
formação de nova geração de pesquisadores através de produção de final de
curso e de atividades para disseminar a produção para a comunidade
acadêmica através da revista EGATEA.
Finalmente, cabe lembrar o momento que veio se desdobrar na
criação da Universidade de Porto Alegre (UPA). Vivia-se o afloramento das
condições iniciais do processo de industrialização. Não era mais a E.E.
como U.T., mas a UPA, com multidiversidade de campo que viria atender
condições.para o enfrentamento científico-tecnológico. Sob tais reflexões é

52
que se entende a nostalgia de Soares (1971) ao afirmar que depois que os
remanescentes da Escola de Engenharia de Porto Alegre passaram a
integrar a Universidade Porto Alegre, a unidade de comando não mais se
restabeleceu (SOARES, 1971, p.23). No interior desta nova universidade a
E.E. deveria encontrar sua via revitalizadora. Ao mesmo tempo em que a
U.T. fenecia, estavam sendo criadas condições para a emergência da UPA.

Referências

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______. Legislação Brazileira ou COLLECÇÃO Chronológica das leis,
decretos, resoluções de consulta, provisões, etc. do Império do Brazil desde
o anno de 1808 até 1831. Rio de Janeiro: Typrographia Nacional, 1838. t. 4,
p. 64-65.
_____. Decreto de 1º de abril de 1813. In: _____. Legislação brazileira ou
COLLECÇÃO chronológica das Leis, Decretos, Resoluções de consulta,
Provisões, etc., do Império do Brazil desde o anno de 1808 até 1831. Rio de
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_____. Decreto nº 1159, de 3 de dezembro de 1892. In: COLLECÇÃO das
Leis da República dos Estados Unidos do Brazil de 1892. Rio de Janeiro:
1893. p. 961 – 1002.
_____. Decreto nº 1232H, de 2 de janeiro de 1891. In: BRASIL. Governo
Provisório. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados
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67.
_____. Decreto nº 1386, de 28 de abril de 1854. In: COLLECÇÃO das Leis
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_____. Decreto nº 1568, de 24 de janeiro de 1855. In: COLLECÇÃO Leis
do Império da República dos Estados Unidos do Brazil de 1855. Rio de
Janeiro: 1856, v. 16, p. 166 - 201.

53
_____. Decreto nº 3890, de 1 de janeiro de 1901. In: COLLECÇÃO Leis da
República dos Estados Unidos do Brazil de 1901. Rio de Janeiro: 1902. p. 1
– 51.
_____. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. In: COLLECÇÃO de Leis
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_____. Decreto nº 8659, de 5 de abril de 1911. In: COLLECÇÃO das Leis
da República dos Estados Unidos do Brazil de 1911. Rio de Janeiro: 1914.
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_____. Decreto nº 11530, de 18 de março de 1915. In: COLLECÇÃO das
Leis dos Estados Unidos do Brasil de 1915. Rio de Janeiro: 1917. p. 1107 –
1123.
_____. Decreto nº 16782A, de 13 de janeiro de 1925. (Reforma Jão Luiz
Alves conhecida por Lei Rocha Vaz). In: NÓBREGA, Vandick L. da.
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v. 3, t.1, p. 75 a 116.
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_____. Decreto-Lei nº 464 de 11 de fevereiro de 1969. Diário Oficial da
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de Instrução ou Technico. Porto Alegre: 1922-29. Manuscrito.
_____. Actas do Conselho Escolar. Porto Alegre: 1908-1922. Manuscrito.

54
_____. Atas de Congregação do Instituto da Escola de engenharia de Porto
Alegre de 1935 – 40. Porto Alegre: 1935-40. 30 f. Manuscrito.
_____. Atas de Congregação do Instituto de Engenharia de 1929-34. Porto
Alegre: 1929-34. 74 f. Manuscrito.
_____. Departamento Central. Porto Alegre. 1933.
_____. Estatutos. Porto Alegre: 1896. 25 p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Typ. a vapor de Franco & Irmão, 1898. 24
p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Officinas Graphicas de Instituto de Electro-
Technica da Escola de Engenharia, 1912. 23 p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Officinas Graphicas de Instituto de Electro-
Technica da Escola de Engenharia, 1917. 36 p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Officinas Graphicas da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, 1922. 50 p.
_____. Estatutos. Porto Alegre: Officinas Graphicas da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, 1929, 55 p.
_____. Regimento da Escola de Engenharia. Porto Alegre: Officinas
Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, 1923. 13 p.
_____. Regimento do Conselho Escolar. Porto Alegre: Officinas Graphicas
de Instituto de Electro-Technica da Escola de Engenharia, 1920. 15 p.
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Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, 1922, 19 p.
_____. Regulamento de Escola de Engenharia. Porto Alegre: Officinas
Graphicas de Instituto de Electro-Technica da Escola de Engenharia, 1913.
23 p.
_____. Regulamento do Instituto de Engenharia. Porto Alegre: Officinas
Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, 1923, 26 p.
_____. Regulamento do Instituto de Engenharia: secção do ensino de
engenharia civil da Escola de Engenharia de Porto Alegre. Porto Alegre:
Officinas Graphicas de Instituto de Electro-Technica da Escola de
Engenharia, 1917. 31 p.
_____. Relatório ao Conselho Universitário. Porto Alegre: Officinas
Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, não paginado.

55
_____. Relatório do Diretor ao Conselho Universitário. Porto Alegre: 1913,
1927, 1929. não paginado.
FRANCO, Maria Esthela Dal Pai Franco; MOROSINI, Marília, Costa.
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(1896-1971). Porto Alegre: UFRGS, 1971. 425p.
VIANA. Luiz Duarte. Escola de Engenharia de Porto Alegre. Porto Alegre:
GEU/UFRGS, 4 de ago.1992. Entrevista à Franco, M. E.

Marília Costa Morosini é doutora em Educação, pós doutora no LLILAS – Institute of


Latin American Studies, Universisity of Texas, pesquisadora 1 CNPq, professora da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.

56
Maria Estela Dal Pai Franco é doutora Ciências Humanas e professora titular na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Colaboraram os bolsistas
FAPERGS/CNPq: A. L. Simioni, A. L. da Silva, L. F. Beneduzi e M. L. Palhares

Recebido em: 25/01/2006


Aceito em: 20/02/2006

57
.
Educação, Religião e República: repercussões dos
debates entre Católicos e Republicanos no Triângulo
Mineiro-MG (1892-1931)
Carlos Henrique de Carvalho
Wenceslau Gonçalves Neto

Resumo

Trata-se de um estudo que buscou caracterizar as particularidades percebidas através dos


debates entre católicos e republicanos no interior do Brasil, mais especificamente na região do
Triângulo Mineiro, no período compreendido entre 1892 a 1931, tendo nos jornais da época a
principal fonte documental da pesquisa. Buscou-se, ainda, compreender as articulações do
regional com o nacional, como forma de ter um quadro histórico mais abrangente, não apenas
em relação ao conflito, mas também perceber as concepções e dimensões de educação que
eram propostas pelos dois grupos em disputa.
Palavras-chave: Educação, Imprensa, República, Igreja Católica e Liberalismo.

Abstract

This is a study who objectives to identify the singularities found in the debates between
Catholics and Republicans in Brazil, more specifically in Triângulo Mineiro`s area, from 1892
to 1931, using the newspapers as the documental sources for this investigation. We try to
comprehend the relations from local to national for a complete historical panoramic, not just
about conflicts but also realizing the educational ideas and dimension considered by both
groups.
Key-words: Education, Press, Republic, Catholic Church e Liberalism.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 59-88, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Introdução

A periodização definida para o presente estudo (1892-1931)


acompanha o processo de discussão e implantação do ensino público na
região do Triângulo Mineiro, na qual privilegiamos os municípios de
Uberabinha1 e Uberaba2 bem como o aparecimento das primeiras
manifestações favoráveis e contrárias a essa forma de ensino na imprensa
regional. Foi de suma importância, para a definição desse período, a
identificação dos seguintes jornais: O Popular (1892), Tribuna do Povo
(1893), Correio Catholico (1895), Cazeta de Uberaba (1898) e Lavoura e
Comercio (1899); todos esses jornais circularam na cidade de Uberaba. Já
no município de Uberabinha foi possível encontrar os jornais: A Republica
(1897), O Progresso (1907), Paranayba (1914), A Tribuna (1919) e
Triângulo Mineiro (1926), escopo documental esse que subsidia a análise
que realizamos sobre os debates entre os católicos e republicanos na região
do Triângulo Mineiro, no período acima referido.
No interior desses marcos referenciais o Brasil enfrentará toda
sorte de adversidades e procurará caminhos que lhe permitam superar tanto
as mazelas herdadas do império como definir os contornos de sua
identidade republicana. Em seu início era necessário não apenas defender e
garantir a continuidade da República, mas também formar uma ideologia
que permitisse a todos enxergarem-se como cidadãos, responsáveis e
empreendedores de uma nova era. E para a consolidação deste receituário a
educação é chamada à cena para preparar a população para esta nova
realidade. Os fatos, contudo, não permitiram à nascente República colocar a
difusão da educação no rol de suas realizações. Maria Elizabete S. P. Xavier
observa que
No Brasil, entretanto, os limites da realidade concreta, expressos na
parca diversidade da atividade econômica nacional, na simplicidade
das formas de produção exigidas pelas formas de dominação
capitalista vigentes e na extremada concentração de privilégios,
parecem ter-se imposto sobre as ilusões de ascensão ocupacional via

1
CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar. A configuração do Grupo Escolar Júlio
Bueno Brandão no contexto republicano (Uberabinha-MG 1911 – 1930). Uberlândia, UFU,
2002 (Dissertação); GATTI, Giseli Cristina do Vale e INÁCIO FILHO, Geraldo. História e
Representações sociais da Escola Estadual de Uberlândia (1929-1950). Educação e Filosofia.
Uberlândia: EDUFU, Vol 18, Número Especial – Maio de 2004, pp. 69-104.
2
OLIVEIRA, Sirlene de Castro. Embates entre o ensino religioso e o ensino laico na imprensa
de Uberaba – MG (1924-1934). Uberlândia: UFU (Dissertação de Mestrado), 2002.

60
ascensão escolar. E os ideais liberais da escola ‘redentora’,
promotora de progresso individual e social, móvel do
desenvolvimento econômico, acabaram por se traduzir na acanhada
defesa da ampliação do sistema tradicional que produzia elites
3
dominantes .

Se a realidade desmentia, isto não impedia, no entanto, que a


ideologia da educação fosse amplamente difundida e fizesse parte do
imaginário da população. São exatamente estas representações que temos
encontrado de forma quase onipresente nas publicações dos jornais e
revistas e que norteiam os libelos em favor da educação, da difusão do
ensino (principalmente público) e da confiança depositada no futuro a cada
nova escola que era aberta na região.
É neste contexto que a Igreja Católica iniciou um movimento de
reação contra os princípios da República, em vista de seu caráter laico;
havia ainda muitos prelados e clérigos saudosistas da época imperial,
quando a instituição eclesiástica gozava de uma série de privilégios, por ser
o catolicismo a religião oficial do país4. Esta preocupação é externalizada
por Dom Sebastião Leme, arcebispo de Olinda, em sua Carta Pastoral de
16/07/1916, através da qual expressa os meios para enfrentar os problemas
que atingem a Igreja Católica no Brasil, ao preconizar a importância da
pregação, da evangelização do trabalhador, da leitura, da instrução religiosa
no lar e, acima de tudo, nas escolas. Portanto, conforme argumenta Tristão
de Athayde (Alceu de Amoroso Lima),
o ideal pedagógico, da realidade e do método, é condição prévia de
ordem e harmonia necessária à ciência da educação. E só assim
poderemos chegar a uma pedagogia integral, que não sacrifique o
equilíbrio fundamental entre a ordem natural e sobrenatural das
coisas. E o caminha da pedagogia católica, a meu ver, deve ser
justamente o estudo acurado de todos os métodos novos,
introduzidos pela pedagogia moderna, de todos os fatos revelados
pela psicologia experimental ou pelas experiências seculares do
tema à luz de uma filosofia verdadeiramente católica da vida. E o
sentido que damos aí ao termo católico é tanto de substantivo como
de adjetivo, isto é, tanto de doutrina da verdadeira posição do
homem na vida histórica, como da universalidade, integralidade de

3
Capitalismo e Escola no Brasil: A Constituição do Liberalismo em Ideologia Educacional e
as Reformas do Ensino (1931-1961). São Paulo: Papirus, 1990, p. 61.
4
O Estado, para os católicos, está para a pessoa e não a pessoa para o Estado. A razão de ser do
Estado é a de vir ao encontro das necessidades do individuo e da família, por si só insuficientes
para atender todas as solicitações do Bem Comum. Nesse sentido, deve-se submeter a Igreja,
pois os interesses da ordem espiritual superam os da ordem temporal. Para este grupo, mesmo
que a religião católica não seja a oficial do Estado, ela se constitui na religião nacional, em
razão do Brasil ter nascido, crescido e educado sob a égide do cristianismo. Cf. ATHAYDE,
Tristão. Debates pedagógicos. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1931.

61
5
sua expansão.

Contradizendo a pregação católica, os republicanos acusam-na de


manter um posicionamento de total inércia frente a um dos problemas mais
graves do país naquele momento, ou seja, o combate ao analfabetismo do
povo brasileiro. A esse respeito, Jorge Nagle faz as seguintes colocações:
(...) a Igreja Católica foi acusada de não colaborar para o combate ao
analfabetismo apesar de possuir recursos e organização para isso.
Ainda mais, o Catolicismo no Brasil, como ocorreu em outros
países, foi culpado de ser um fator de analfabetismo, pois, nas
nações em que vingou, se encontram os maiores índices de
população analfabeta. Disso tudo, decorre o grande dever do
Catolicismo no Brasil: exercer, no máximo, o papel educativo que
lhe cabe, mas sem procurar enfraquecer e desvirilizar o povo
6
brasileiro, com o emprego de noções e teorias.

Por outro lado, os republicanos ganham legitimidade pelo apoio,


quase que incondicional, dos positivistas7 e liberais8, cuja às doutrinas
obtiveram grande aceitação nos estratos sociais das elites, as quais
procuraram incentivar o espírito cívico, em torno do ideal republicano9,
encontra posição ao pensamento conservador da Igreja Católica, que se
apresentava contrária ao processo de secularização da sociedade brasileira
levada adiante pela Primeira República.
Percebe-se, então, que o período republicano é caracterizado pela
luta ideológica entre liberais e católicos no Brasil10, a qual se propagou por
todo o território, alcançando até mesmo as pequenas cidades do interior do
país. É na tentativa de identificar como esses conflitos se materializaram em
localidades distantes dos grandes centros que nos propomos desenvolver
este estudo, com o objetivo de compreender a expressão de valores morais

5
ATHAYDE, Tristão. Debates pedagógicos. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1931, p.19.
6
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1976, p.
106.
7
Cf. CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998 e CARVALHO, Carlos Henrique e
CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar. O positivismo e o pensamento educacional de
Durkheim. Educação e Filosofia. Uberlândia: Vol. 14, nº27/28 jan/jun e jul/dez 2000, pp-81-
90.
8
Cf. PAIN, Antônio. O liberalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.
9
Cf. PAIM, Antônio (org). Plataforma política do Positivismo ilustrado. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1981; CARDOSO, Vicente Licínio. À margem da História da
República. Tomos I e II. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.
10
Cf. CURY, Carlos R. Jamil. Ideologia e Educação Brasileira: Católicos e Liberais. São
Paulo: Cortez/Autores Associados, 1984.

62
católicos e, republicanos, devido ao contexto aqui tratado; tem na imprensa
da cidade de Uberabinha o lugar privilegiado para procurar entender as
dimensões de como esses conflitos ideológicos se configuraram através das
propostas educacionais que foram publicizadas por meio dos jornais. Isto
porque conseguiam velar estas suas posições, ao passarem a idéia de que
eram defensores da verdade, ideal supremo das luzes11. A imprensa12 se
colocava fora do poder político, mas de forma aparente, para se colocar
enquanto intérprete do povo, da sua opinião. A República era recuperada
pela imprensa como o espaço da visibilidade, da transparência, da verdade.
Ela mantinha seus olhos voltados para o povo e cobrava este mesmo
posicionamento do governo e dos governantes, que eram tidos como
aqueles que não queriam enxergar.

11
CAPELATO, Maria Helena, Imprensa, uma mercadoria política. História e Perspectiva.
Uberlândia: nº 4, jan/jun, 1991, p. 132.
12
VIDAL, Diana Gonçalves & CAMARGO, Marilena Jorge Guedes de. "A imprensa periódica
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Revista. A imprensa periódica e a História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1997.
NÓVOA, Antônio. A imprensa de educação e ensino – repertório analítico (séculos XIX e
XX). Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1993; A imprensa de educação e ensino:
concepção e organização do repertório português. In: Denice Barbara e BASTOS, Maria
Helena Câmara (Org.), 1997; GANDINI, Raquel. Intelectuais, Estado e Educação: Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, 1944-1952. Campinas: Unicamp, 1995. GONÇALVES
NETO, Wenceslau et alii. Educação e Imprensa: análise de jornais de Uberlândia, MG, nas
primeiras décadas do século XX. Revista de Educação Pública, 1997, Cuiabá, nº 6. NÓVOA,
Antonio "A Imprensa de Educação e Ensino: concepção e organização do repertório
português". In: (Org.) Denice CATANI et alli. Educação em Revista- A Imprensa Períodica e a
História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1997, p.31.

63
De acordo com Capelato13, os “jornalistas” da época tinham uma
missão pedagógica: ensinar os cidadãos a atuar politicamente, e, ao mesmo
tempo, impedir que se rebelassem. Ou seja, tinham uma dupla função:
criticar e controlar os abusos do poder, cego, de um lado e segurar as
“massas” revoltadas de outro lado. Daí considerarem-se superiores. Sua
missão educadora e política, neste sentido, seria conscientizar, disciplinar,
transformar o povo bronco em cidadãos conscientes e ordeiros14.
Exatamente por esta riqueza implícita aos conteúdos informacionais, é que
os periódicos locais foram privilegiados durante o desenvolvimento desse
trabalho.
Quanto à opção por uma história local e regional15 isto não quer
significar um menosprezo ou uma oposição à história geral. A idéia de se
trabalhar com uma imprensa local, praticamente inexplorada enquanto fonte
histórica, apenas nos faz pressupor novas interpretações. Ou seja, nos
depararmos com determinados artigos, inéditos, que nos obrigaram a
questioná-los também de forma mais profunda. Entender como a educação
era pensada, as preocupações que se tinha sobre ela, quem levantava
problemas a ela relacionados, quais saídas eram propostas, do quê ou de
quem dependia colocar em prática esta ou aquela solução, e isto tudo em

13
Cf. CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo:
Contexto/EDUSP, 2ª edição: 1994.
14
CAPELATO, Maria Helena. Op. cit., p. 134.
15
No século XX, a historiografia francesa rompe com a tradição positivista do século XIX,
considerando que as realidades criadas pelas experiências da atividade humana não podem ser
somente analisadas a partir de seus aspectos globalizantes, mas, também, dentro das suas
particularidades e singularidades sociais, objetivando conhecer, não só o projeto vitorioso, bem
como outros projetos que não conseguiram se sobressair no espaço social. Inicia-se um
processo de renovação das análises históricas, com a escola dos ANNALES. Criada em 1929,
pelos historiadores Lucien Febvre e Marc Bloch, ela possibilitou a abertura de novas fronteiras
interpretativas, pois ampliou o campo das fontes documentais, não aceitando apenas, como
documento, os escritos oficiais, como propugnava a tradição positivista. Em suma, “esta
escola, critica severa de idéias, tradicionais e preconceitos elitistas, chamou a atenção para
novos grupos sociais e propiciou oportunas associações interdiciplinares entre historiadores e
estudiosos de Economia, Sociologia, Psicologia, Biologia e Demografia”. Assim, em função
desse novo referencial, multiplicam-se estudos relacionados à História local, que passam a ser
objeto “de monografias sobre regiões especificas podem nos conduzir muito mais longe;
podem servir para destruir muitas das concepções gerais que em tempos passados apareceram
tão vigorosas”. Cf. GOUBERT, Pierre. “História Local”. História e Perspectiva. Uberlândia:
nº 6, EDUFU, 1992, pp-51-52. Cf. também SILVA, Marcos da. “A história e seus limites”.
História e Perspectiva. Uberlândia: nº 6, EDUFU, 1992, pp-59-65, onde autor faz uma fecunda
discussão sobre a importâncias e as limitações da História local e regional, destacando que é a
partir desses espaços que “ocorrem experiências vivências pelos grupos dominantes,
englobando paisagens, relações pessoais, memória familiar e de grupos de convívio em etapas
etárias, condição sexual, profissão, escolaridade, tradições e práticas associativas, dentre
outras possibilidades”. pp-60-61.

64
localidades que tinham pouca importância (se formos pensar no âmbito
nacional) naquele contexto; as respostas para estas perguntas e outras ainda,
se somadas, desvelaram um outro Brasil, uma outra Minas Gerais, um outro
Triangulo Mineiro e outra Uberaba e Uberabinha, estas também estavam
amalgamadas por conflitos ideológicos entre católicos e republicanos que
repercutiam como uma verdadeira caixa de ressonância, daquilo que
grassava no contexto dos grandes centros urbanos do país.
São novos sujeitos e novas problemas que, por sua vez, vão
compor outros caminhos para se entender a História da Educação no Brasil.
Trata-se de desnudar outras experiências e outras visões que também não
deverão servir simplesmente para compartimentar a história, mas sim
acrescentar outros elementos à sua compreensão. A educação torna-se tema
geral, inclusive na Primeira República, mas que pôde ser tratado a nível
local, justamente para mostrar a presença das peculiaridades entre os
debates que envolveram católicos e republicanos no interior do Brasil, como
ainda suas diferenças, suas individualidades e, por que não, para promover
comparações com outras localidades, com outras regiões.
Sobre a importância dos jornais locais John Wirth os caracteriza
da seguinte forma:
A imprensa local foi outro marco do regionalismo mineiro. De
maneira geral, um jornal de cidade pequena continha notícias
políticas e anúncios comerciais numa edição semanal de menos de
500 cópias. Geralmente pertencia ao chefe político do local, cujo
domínio era disputado por um chefe rival com sua própria imprensa.
Fica evidente que os jornais desempenharam uma função primordial
na política local. Como foro para o debate verbal, a imprensa deu às
celebridades locais um meio de sustentar a violência em nível
menor, sem tiroteios ou assassinatos (...) os números de jornais
(quase sempre efêmeros) dedicados à literatura e ao humor estavam
em segundo lugar dentre as publicações de interesses especializado,
depois da imprensa religiosa. A imprensa foi um pilar para a
política, comércio e cultura no centro de gravidade do estado, a nível
16
local.

Por isso, a importância de se compreender esses jornais, pois eles


expressaram as reflexões, os modos de pensar, os pontos de vista, enfim, as
idéias gerais, que circularam nesse meio de comunicação (imprensa escrita)
na Primeira República, sobre o ensino; divulgando as concepções católicas
e republicanas que circularam nas cidades de Uberaba e Uberabinha.

16
WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na Federação Brasileira. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1982, p. 131.

65
A imprensa como fonte de pesquisa

Os estudos que utilizam a imprensa como referência para a compreensão


da realidade brasileira, nos últimos tempos, têm se desenvolvido muito nos meios
acadêmicos, notadamente na área de História. Como demonstram os estudos
desenvolvidos por Ana Maria de Almeida Camargo, ao fazerem importantes
reflexões acerca da utilização da imprensa como fonte para o trabalho do historiador,
pois
o jornal, principalmente quando formativo, é um tipo de documento
que dá aos historiadores a medida mais aproximada da consciência
que os homens têm de sua época e de seus problemas; mesmo
quando informativo, não está livre de manifestações críticas e
opinativas, e omissões deliberativas (...) A imprensa como um meio
de expressão das mais diferentes tendências reivindicatórias
apresenta os problemas como foram vistos e sentidos pelos
participantes – coloridos, portanto, pela própria vivência da
17
situação .

A conjugação da informação jornalística com a metodologia histórica


tem se mostrado produtiva para ambas as áreas. Tanto a imprensa ganhou na forma
de tratar suas informações e no enriquecimento de sua própria história, como a
história propriamente dita encontrou um novo manancial de dados, a partir do qual
pode ampliar seu ângulo de visão e promover interpretações mais abrangentes e que
consigam reproduzir de forma mais eficiente a dinâmica social18. Da mesma forma,
também no campo educacional têm surgido importantes trabalhos que tomam como
objeto de estudo a imprensa educacional, dando um grande contributo tanto em
termos de percepção da realidade como de demonstração metodológica de novas
formas de se compreender a educação através da utilização de outras fontes de
informação. O universo da imprensa é ricamente diversificado, permitindo múltiplas

17
CAMARGO, Ana Maria de Almeida. A imprensa periódica como objeto de instrumento de
trabalho: catálogo da hemeroteca Júlio de Mesquita do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo, 1975.(Dissertação).
18
Conferir, por exemplo, Arnaldo D. Contier, Imprensa e Ideologia em São Paulo, 1822-1842:
Matizes do Vocabulário Político e Social, Petrópolis, Vozes, 1979; Maria Rosa Duarte de
Oliveira, João Goulart na Imprensa: de Personalidade a Personagem, São Paulo, Annablume,
1993; Maria Helena R. Capelato & Maria Lígia Prado, O Bravo Matutino (Imprensa e
ideologia no jornal “O Estado de São Paulo”). São Paulo, Alfa-Ômega, 1980; abordando a
realidade mineira, cf., por exemplo, Maria Céres P. S. Castro et alii. Folhas do Tempo:
Imprensa e Cotidiano em Belo Horizonte, 1895-1926. Belo Horizonte: UFMG, 1997;
Wenceslau Gonçalves Neto e Henrique Carvalho Lobato, "Modernização da Agricultura e
Imprensa: Uberlândia, MG, 1966-1971", Anais, Vol. 1, III Congresso Brasileiro de História
Econômica, Niterói, ABPHE/UFF, outubro 1996, pp. 76-93.

66
aproximações, mas as que mais têm se destacado são aquelas que tratam
especificamente das publicações voltadas diretamente para as questões
educacionais. Este veio tem se mostrado excepcional para o aprofundamento de
questões relativas à prática docente, aos métodos e técnicas utilizados nas escolas
em épocas distintas, a nuances da organização dos profissionais da educação, e
também em momentos mais recentes retrata em parte os debates em torno das
laicização do ensino e da reação de grupos ligados ao pensamento católico. Por
outro lado, esses periódicos retratam, principalmente, o trabalho docente e vão além
da interpretação da lei, da crítica ou defesa de políticas governamentais, da presença
ou omissão do Estado. Denice Barbara Catani sintetiza muito bem o alcance do
estudo da imprensa especializada:
De fato, as revistas especializadas em educação, no Brasil e em
outros países, de modo geral, constituem uma instância privilegiada
para a apreensão dos modos de funcionamento do campo
educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho
pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino
específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as
reivindicações da categoria do magistério e outros temas que
emergem do espaço profissional. Por outro lado, acompanhar o
aparecimento e o ciclo de vida dessas revistas permite conhecer as
lutas por legitimidade, que se travam no campo educacional. É
possível analisar a participação dos agentes produtores do periódico
na organização do sistema de ensino e na elaboração dos discursos
que visam a instaurar as práticas exemplares19.

Além do exposto, António Nóvoa acrescenta algumas reflexões


que não podem ser esquecidas quando se utiliza a imprensa, particularmente
a educacional, como fonte de informação para a compreensão da História da
Educação:
Estamos na maior parte das vezes, perante reflexões muito próximas
do acontecimento, que permitem construir uma ligação entre as
orientações emanadas do Estado e as práticas efetivas na sala de
aula. Apesar da diversidade da imprensa, pode afirmar-se que os
escritos jornalísticos se definem pelo seu caráter fugaz e imediato,
inscrevendo-se freqüentemente numa lógica de reação a
acontecimentos ou a idéias, a normas legais ou a situações políticas.
A imprensa é, talvez, o melhor meio para compreender as
dificuldades de articulação entre a teoria e a prática: o senso comum
que perpassa as páginas dos jornais e das revistas ilustra uma das
qualidades principais de um discurso educativo que se constrói a
partir dos diversos actores em presença (professores, alunos, pais,

19
“A Imprensa Periódica Educacional: As Revistas de Ensino e o Estudo do Campo
Educacional”, op. Cit., p. 117.

67
associações, instituições, etc.) 20.

Estas duas passagens são indicativas da importância de se ampliar o


horizonte de estudo da História da Educação, incorporando-se a imprensa periódica
especializada neste contexto. Não apenas se promove um arejamento na pesquisa
histórico-educacional, com saudáveis conseqüências para a área, como se projeta a
imprensa como um campo extremamente promissor para este fim. Contudo, como
já alertamos, a imprensa enquanto campo é marcadamente variada e a aproximação
pela via das publicações especializadas é apenas uma das possibilidades, mas não a
única, ainda que talvez a mais importante. A comprovação deste valor não pode
fixar a atenção dos historiadores apenas a este viés, mas inclusive, projetá-lo para a
ampliação das opções que a imprensa apresenta, tanto em análises específicas como
complementação ao que se apreende da imprensa especializada.
Ao lado das questões políticas, econômicas, culturais, sociais e
de cunho religioso, os problemas relacionados à educação recebem, ao
longo de todo o período pesquisado, destaque especial no noticiário. Se
estas informações perdem em densidade especificamente educacional, já
que muitas vezes são produzidas por leigos, que não acompanham
diretamente as teorias e a prática educacional, ganham em densidade
interpretativa, pois vêm carregadas do cotidiano da comunidade, onde suas
análises ou descrições visam ao envolvimento e à busca de soluções para os
problemas conjuntos dessa comunidade. Portanto, se o historiador estiver
devidamente munido do aparato teórico e dominando os fatos do contexto
histórico, são configuradas as informações jornalísticas, constituindo-se em
fonte inigualável para o estudo da História da Educação, contribuindo para a
ampliação da compreensão do processo de expansão da educação, da
difusão de concepções educacionais, dos usos políticos, das lutas dos
diferentes estratos sociais pela educação.
As informações sobre educação, constantes dos jornais e revistas,
relacionadas à cidade de Uberabinha21, tornam-se, desta forma, em
elementos-chave para a compreensão da História da Educação, das práticas

20
“A Imprensa de Educação e Ensino: Concepção e Organização do Repertório Português”. In:
Denice Barbara Catani e Maria Helena Camara Bastos, op. Cit., p. 13.
21
Cf. CARVALHO, Carlos Henrique de, GONÇALVES NETO, Wenceslau e ARAUJO, José
Carlos Souza. Discutindo a História da Educação: a imprensa enquanto objeto de análise
histórica (Uberlândia-MG, 1930/1950) ARAUJO, José Carlos Souza e GATTI JUNIOR, Décio
(orgs) Novos temas em história da educação brasileira: instituições escolares e educação na
imprensa Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia – MG EDUFU, 2002 pp: 67-89;
GONÇALVES NETO, Wenceslau e CARVALHO, Carlos Henrique de. O nascimento da
educação republicana: princípios educacionais nos regulamentos de Minas Gerais e Uberabinha
(MG) no final do século XIX. GATTI JÚNIOR, Décio e INÁCIO FILHO, Geraldo (orgs).
História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações.
Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia – MG EDUFU, 2005 pp: 263-294.

68
educativas, das relações político-educacionais, das transformações sócio-
culturais e da conformação/alteração das representações sociais aqui
existentes, entre outros elementos possíveis de análise.

Evidências do debate entre Católicos e Republicanos

Sabemos que, a partir da Constituição de 1891, a educação


(sobretudo a popular) veio sendo considerada pelos líderes republicanos
como fator fundamental para que o novo regime político fosse consagrado22.
Ou seja, segundo eles, os problemas nacionais somente seriam
solucionados, fornecendo-se educação à população. Estas idéias eram
baseadas no positivismo de Durkheim23, onde, para que o indivíduo
conseguisse se integrar numa sociedade, ele necessariamente teria que ser
educado para isso. Apesar do entusiasmo republicano inicial, o ensino
acabou não sendo alvo de muita atenção24, devido ao fato de que esta nova
fase não chegou a alterar suficientemente as estruturas de poder. Este
acabou reforçado, nas mãos da oligarquia regional, e nisso, quem não
pertencia à camada dominante, mesmo tendo militado pela República,
passou a ser alvo de repressão, devido a suas idéias progressistas e de
contestação ao poder vigente. A essa altura o entusiasmo pela educação foi
perdendo forças.
O Brasil não organizou o seu próprio sistema nacional de ensino,
a partir do final do século XIX, quando o acesso à escola (devido o contexto
das sociedades modernas que então exigiam o ingresso da população numa
cultura letrada) passava a ser considerado dever do Estado e direito de todo
cidadão. A universalização do ensino e a conseqüente erradicação do
analfabetismo não estava entre as prioridades da União. O Estado Nacional
desobrigou-se desse dever, sendo que durante todo o Império e Primeira
República, a educação básica esteve sob a responsabilidade das Províncias
e, posteriormente, dos Estados Federados25.

22
WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil. São Paulo: Ática,
1997.
23
DURKHEIM, Émile. A Evolução Pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
24
SUANO, Helenir. A Educação nas Constituições Brasileiras. FISCHMAN, Roseli. (Coord.)
Escola Brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987.
25
Segundo Saviani, uma preocupação com a questão da educação a nível nacional, só veio a
acontecer após a Revolução de 1930. Cf. SAVIANI, Dermeval. Educação no Brasil:
Concepção e Desafios para o Século XXI. HISTEDBR on-line, Campinas, n.3, jul. 2001.
Disponível em <http://www.unicamp.br/~histedbr/indexhisted.html>. Acesso em 19 fev. 2002.

69
Cada Estado, ao por em prática as reformas do ensino, seguiam
uma orientação que não condizia com a original. Daí não se conseguir
visualizar um só sistema nacional de educação26. Haviam vários. No
entanto, não se pode considerar esta descentralização de poderes, a
responsável nem pela falta de um plano nacional de ensino, nem pelos
problemas inerentes ao sistema escolar. Na verdade, houveram diversos
outros fatores que contribuíram para tal situação na 1ª República. Por outro
lado, afirmar que uma centralização do poder resolveria tais problemas,
também não teria fundamento.
Uma outra questão em voga, devido o advento da República, era
a separação entre Estado e Igreja. A laicidade do ensino público foi
estabelecida em detrimento do ensino confessional, mantendo-se assim até a
Constituição de 1934. Ou seja, a partir da proclamação da República, o
ensino tende a perder a influência religiosa. Segundo Capelato, a liberdade
de pensamento reivindicada nas escolas, significava a não introdução do
ensino religioso27. Se a idéia era configurar uma nova mentalidade,
moderna, por isso mesmo laica e fundamentada na razão, a influência da
religião deveria ser combatida, pois ligava-se ao tradicional, ao que se
estava querendo suprimir. Justificava-se a superação do “velho”
(concepções e dogmas propugnados e perpetuados pela Igreja Católica),
com as perspectivas otimistas que o “novo” prometia (uma nova realidade
social, cuja âncora seria uma educação de bases científicas e filosóficas). Já
para Werebe, “embora o estabelecimento da laicidade da escola pública
representasse, até certo ponto, um golpe para a Igreja, na realidade a
orientação católica de todo o ensino manteve-se nas suas concepções e
objetivos”28. Essas questões podem, também, serem encontradas nos jornais
da então Uberabinha republicana, refletindo não apenas a profusão desse
debate, mas a preocupação de alguns setores locais de estarem participando
dessas discussões que ocorriam em âmbito nacional. Prova disso são os
artigos publicados pelos jornais O Progresso e A Tribuna, como os que se
seguem:
(...) Si a civilisação fez o desenvolvimento da sciência, das bellas
artes e da literatura, é porque não pode haver civilisação sem o
conhecimento do justo, do agradável e do necessário. E como pode o
homem pensar sobre o que lhe importa de mais necessário a

26
SUANO, Helenir. A Educação nas Constituições Brasileiras. FISCHMAN, Roseli. (Coord.)
Escola Brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987, p.172-173.
27
Cf. JACOMELI, Mara Regina Martins e XAVIER, Maria Elisabeth. A consolidação do
liberalismo e a construção da ideologia educacional liberal no Brasil. LOMBARDI, José
Claudinei (org). Temas de pesquisa em educação. Campinas (SP): Autores Associados, 2003.
28
WEREBE, Maria José Garcia. Op. cit., p.40.

70
conhecer? Como discernir os direitos e os deveres do indivíduo, da
família, da sociedade religiosa e da sociedade civil? Como observar
as regras do honesto, do justo, do bem e cumprir os seus deveres
para com Deus, para com os seus semelhantes e para consigo?
Jamais poderá ser bom cidadão, jamais poderá amar a sua pátria o
homem ignorante, razão por que affirmo que sem instrucção não
29
pode haver civilisação, não pode haver progresso.(...)
(...) A religião, a pátria e a família reclamam a instrucção da nossa
mocidade que, uma vez instruida é como uma nau embandeirada
prestes a fazer vella em mar bonançoso, onde encontraremos as
bazes do direito social, o princípio de auctoridade, a constituição da
30
família e o amor da pátria tendo por guia a religião.(...)

Como se observa, as idéias de progresso, civilização, pátria,


liberdade, próprias do ideário republicano, em alguns momentos, na cidade
de Uberabinha, caminhavam junto às concepções tradicionais da Igreja
Católica. Posteriormente, quando se propunha numa nova reforma para o
ensino, a restauração da educação católica nas escolas, lia-se artigos com o
seguinte teor:
A expulsão do catechismo das escholas em um paiz quasi que na sua
totalidade catholico, qual o Brasil, representa a mais perigosa
ameaça contra a harmonia da familia brasileira. O Brasil, catholico
desde os primeiros actos do seu descobrimento, jamais se devêra
sujeitar a essa tam nefasta medida posta em pratica pelo nosso
governo republicano, medida prejudicialissima, que já deu, como era
esperado, os tristissimos fructos que já infelicitaram a nossa Patria,
cuja regeneração parece uma utopia, em vista da intensidade dos
males provindos da educação sem Deus, expulso das escholas
primarias como elemento de desordem! (...) E sendo a eschola o
principio da felicidade de um povo, quando é ella moldada nos sãos
principios de uma bôa educação intellectual, moral e religiosa, è ella
mesma a infelicitadora do mesmo povo, quando não completa,
rigorosamente, aquella excellente trilogia. Agora, depois de dados os
fructos da educação sem Deus, parece que, à uma representação de
catholicos mineiros, o governo restaurará a disciplina do catechismo
nas escholas primarias públicas, tornando-a obrigatoria nos collegios
particulares. Embora algum tanto tarde, pois que o mal já se
apoderou do corpo, regosijmo-nos sinceramente com o gesto
sympathico e consolador de tal medida, mormente si der os fructos
que, confiados somente em Deus, seja-nos permitido esperar, para
felicidade da terra da Sancta Cruz. Deus que nos ouça neste
angustioso momento, fazendo das escholas o logar predilecto para o
ensinamento de sua divina religião, unica que nos pode redimir de

29
P.M. A Instrucção da Mocidade. O Progresso. Uberabinha, p.3, n.4, 20 set. 1908.
30
P.M. A Instrucção da Mocidade. O Progresso. Uberabinha. p.1-2, n.6, 09 out. 1909.

71
31
tantos males que nos tem perseguido!...

Que mal seria esse que já havia se apoderado do corpo, fruto de


uma “educação sem Deus”? Segundo um Mestre-Escola na época, tratava-
se da criminalidade:
Suprimidos do ensino e educação da mocidade os inflexos do
christianismo, o unico que possue o poder maravilhoso de refrear e
domar as paixões humanas, e exposta essa mocidade às escolas do
vício, isto é, ao mao exemplo ou escandalo que, em todas as partes
ora se patenteia, o que ha de ser o futuro destes nossos pequenos,
agora, que tudo facil e indelevelmente lhes grava no animo?! Ha de
ser o que a experiencia já vem nos mostrando com os factos que,
cada dia, se desenrolam entre nòs, onde ninguem ignora o
desenvolvimento espantoso da criminalidade. (...) Ahi temos a
colheita dos fructos que houvemos plantado! Ahi temos a
consequencia logica de nossa desidia para com os nossos filhos; da
escola neutra, officialmente implantada em nossa terra e tolerada
pela profunda indifferença e mortal inercia de nós, catholicos
brasileiros, que sò nos contentamos com o ficar na immensa, na
louvável maioria! Meus bons collegas, considerae que uma bôa parte
cabe-nos na regeneração de nossa Patria; porque optimo campo de
acção se nos depara. E diante d´esses grandes infortúnios, muito
lamentavel seria tambem a nossa desidia, si nós, que tomamos o
encargo tão importante, quão espinhoso de ministrar os primeiros
conhecimentos humanos à pequenada, deixássemos de ensinar-lhes,
igualmente, o caminho da verdadeira felicidade, fundado na pratica
da sublime e incomparável doutrina do Divino Martyr do Golgota.
32
Mãos á obra, pois, camaradas! E catecismo no caso!

E a quem o autor de tal artigo culpa pela então situação? Os


culpados seriam os pais, por não terem se posicionado contra a “escola
neutra”, “sem Deus”. E a quem caberia, segundo o autor, a busca pela
regeneração dos filhos “devassos”, “covardes”, “medrosos”, “criminosos”,
enfim? Caberia aos professores, aos “Mestre-Escolas”. A idéia era que
todos, de uma maneira geral, atirassem longe a inércia, sendo realmente
responsáveis perante Deus e perante a Pátria. Uma sugestão era que
ajudassem a propagar um jornal católico:
(...) Mas, não é só estarmos de accôrdo, é preciso que sejamos
catholicos de acção; a propaganda da imprensa catholica, -
indispensavel nos tempos hodiernos, segundo Pio X – heis ahi, por
exemplo um grande campo, para nós. Leiamos e propaguemos A

31
X. Restauração do Ensino Catholico nas Escholas. O Progresso.Uberabinha. p.1, n.10, 12
jun. 1910.
32
ESCOLA, Mestre. Consequência Logica. O Progresso.Uberabinha p.2, 12 out. 1912.

72
33
UNIÃO, único jornal catholico da capital de Nossa Patria; (...)

Sobre o ensino religioso nas escolas públicas, Honorio


Guimarães34 expressava seu pensamento nos seguintes termos,
manifestando suas concepções em relação às funções do professor na escola
pública:
Eis pois como o professor tem as suas funções. A sua representação
official prolonga-se ate onde elle for, penso desta maneira. Dada,
pois a faculdade de ensinar a religião, em qualquer parte onde elle o
fizer, fará oficialmente. E´ a sua posição de mestre que, sem
violência, levara o alumno as lições de doutrina. Basta que o menino
saiba que indo a Igreja, agrada ao mestre, para que, sendo um bom
menino, um discípulo extremoso, não falte as aulas do cathecismo.
Pergunto, isto se dando, não estará o professor exorbitando de suas
funções, abusando do seu prestigio official e moral, por impor suas
idéias a sociedade em que convive? (...) Outro argumento: Que se
dirá de um professor que ande pelas ruas e praças de sua localidade,
as des horas, tardes momentos de noites mortas, violão aos braços,
dedilhando versos a pallida visão dos seus amores? – Que este
professor não e, na significação do termo proprio; se o fosse
guardaria a compostura das suas funções. E o mesmo dir-se-a de um
rapaz que seja, por exemplo, um colletor? Não. Mais feliz do que
nos, elle pode cantar ao violão e deleitar-se nas serenatas, porque
não tem prolongada consigo, a representação official, que temos nos
com os outros. Portanto, si o professor tem, acompanhando-o a
representação de seu cargo, em qualquer ocasião; se elle ensinar
religião o faz officialmente, porque, quando não o seja, pode-se
presumir, que, devido a sua força moral sobre os meninos, elle
consegue traze-los ao ensino da doutrina. Isto estaria, peço
permissão para dize-lo, a prevaricação moral do professor, o abuso
35
de confiança no cargo que exerce.

Claro está, que pelo menos este redator e os simpatizantes de


suas idéias, não eram favoráveis a que se misturasse religião com educação.
É interessante ainda neste discurso, perceber a questão da representação do
professor, enquanto exemplo de moral e bons costumes. No entanto,
percebe-se na fala de Guimarães, uma privação de algo que ele e outros

33
ESCOLA, Mestre. Que bonita educação! Que bello procedimento! O Progresso. Uberabinha
p.1, n.15, 31 out. 1914.
34
CARVALHO, Carlos Henrique. República e Imprensa: As influências do Positivismo na
concepção de Educação do professor Honorio Guimarães (Uberabinha-MG 1905-1922).
Uberlândia: EDUFU: 2004.
35
GUIMARAES, Honorio. Discurso com que Honorio Guimarães, secretario e membro da
Commissão de Bases do Congresso dos professores reunido pela segunda vez em Belo
Horizonte refutava os argumentos do congressista José Polycarpo de Figueiredo, sobre o
ensino religioso nas escolas. O Progresso. Uberabinha, p.1-2, n.172, 28 jan. 1911.

73
jovens apreciavam: a música. O professor, então, para ser exemplar de uma
boa conduta, deveria abnegar de certos prazeres. Semelhante ao sacerdócio
de que vai se falar mais adiante.
Neste importante estabelecimento realizou-se (...) a festa de
encerramento do presente ano lectivo, tendo sido feita a entrega dos
diplomas a 34 alumnos que terminaram o curso primario.(...)
S. exc. revm. como zeloso pastor desta diocese, lamentou
sinceramente a ausência da imagem de Jesus Christo no salão do
Grupo Escolar, não comprehendendo porque se persistisse na
continuação dessa lacuna em desaccordo com as ideas dos
brasileiros, lacuna essa todavia amparada pela constituição da
36
Republica.

Por outro lado, há discursos veiculados nesta região do Triângulo


Mineiro, através da imprensa, em que pode se perceber os ideais
republicanos sem nenhuma influência do catolicismo. Percebemos algo
diferente com relação ao que se transcreveu anteriormente, por meio do
Gazeta de Uberaba, o qual trazia impresso em 1909 uma nota informativa,
feita pelo proprietário e professor de um educandário particular, no seguinte
teor:
Nota – Previna-se aos srs. paes de familia que no Externato não se
37
ensina religião de especie alguma.

Resta saber se era ou não uma grande maioria da população que


aderia a tal posicionamento ideológico. Ou se notas deste teor eram
publicadas no sentido de evitar cobranças por parte de pais de alunos que
acreditassem na necessidade do ensino religioso. Havia, certamente, em
cada localidade, aquelas figuras mais tradicionais e em contrapartida os
favoráveis a transformações.
Uma das explicações pode ser encontrada, por exemplo, nas
filiações partidárias dos responsáveis pelos veículos de comunicação aqui
trabalhados, e igualmente na “força” ou “fraqueza” dos opositores das
idéias então prevalecentes. Em Uberabinha, de mesmo teor, lia-se o
seguinte:
(...) Sob as bandeiras da crença anti-deístas e anti-christãs, muitos
desastres tem se realisado, é certo: mas sobre o lábaro do
Christianismo também Ignácio de Loyola corrompeu muitas
gerações e sucessivos desastres tem se originado em toda a parte do
mundo. (...) O Brasil, a republica brasileira, que recebe impostos do

36
Grupo Escolar: A festa de domingo – os discursos, a nossa impressão, outras notas. Lavoura
e Commercio. Uberaba, n. 1519, ano 15, 17 dez. 1913, p.1.
37
CHAVES, João Augusto. Externato Chaves. Gazeta de Ueraba, Uberaba, ano 31, n.3.500,
20 mar. 1909.

74
catholico, do protestante, do espírita, do atheu, do positivista, e
mantem o ensino publico com o respeito a liberdade de cada um,
nacional, ou estrangeiro, que aqui vive a Liberdade, igualdade e
38
fraternidade, sob o lemma sublime e santo de Ordem o Progresso.

Com relação ao (des)interesse pelo ensino dos filhos, devemos


esclarecer que, na Primeira República, grande parte da população ainda
vivia no campo. E mesmo com o êxodo incipiente para os centros urbanos,
era notável o desinteresse geral pelo ensino. Ainda não se compreendia que
“benefícios” a escolarização poderia oferecer. Na zona rural, claro, não
havia no que aplicar de imediato o que se aprendia, e esta idéia parece ter
sido transposta para as cidades, vinda com os migrantes camponeses. Em
Uberabinha, o clamor quanto à importância da educação, direcionava-se,
por fim, à mocidade:
(...) Hoje me consagro a vós visando o vosso porvir repleto de luzes.
Não permitaes que eu lucte sosinho; deveis reclamar, também de
vossos paes a vossa instrucção; deveis reclamar com insistência a
instrucção para vossos espíritos como o melhor thesouro, como a
melhor herança, porque esse thesouro e essa herança nem a morte
vol-os pode roubar.(...) Pedindo a instrucção, pedireis tudo quanto
39
purifica, exalta e aperfeiçôa a alma humana.
(...) Ao todo matricularam-se nesta cidade 187 creanças, cujo
numero poderia ser ainda maior se não fosse a condemnavel incuria
de alguns paes que preferem ver seus filhos crescerem envoltos nas
trevas da ignorancia, atirados ao lodaçal da vagabundagem, a fazel-
os frequentarem as escolas, fonte do saber que é a luz preciosa que
40
guia o homem na sociedade.

Na mesma direção, Guimarães já havia observado (em 1909)


sobre a importância da educação no estado de Minas Gerais:
Minas procura resurgir pela escola, vae recebendo o
impulcionamento que a administração dos últimos governos tem lhe
facultado. A instrucção tem se desenvolvido e aperfeiçoado, com um
progresso rapido e yanke. Convem pois que o governo tome
consideração o problema até agora esquecido – o de tornar
obrigatório o ensino. Não será exclusivamente os membros do
professorado quem convença o pae de familia á necessidade desse
bem. E´ preciso convencel-o a convencer-se se não for possivel,
obrigal-o a convencer-se. Muitas vezes a bôa logica deixa de existir

38
GUIMARAES, Honório. O Progresso, n. 173, anno IV, 4 fev. 1911, pp.1-2. Tratou-se de um
discurso em que Honório Guimarães, secretário e membro da Comissão do Congresso dos
Professores, reunidos em Belo Horizonte, refutava os argumentos do congressista José
Polycarpo de Figueiredo, sobre o ensino religioso nas escolas.
39
P.M. A Instrucção da Mocidade. A Tribuna. Uberabinha. p.1-2, n.6, 09 out. 1920.
40
Ensino Primário. A Tribuna. Uberabinha, p.1, n.11, 27 jan. 1923.

75
para ter lugar o cumprimento de uma obrigação que a lei impõe.
41
Cumpri-la é mais facil do que pedir por favor.

Uma diferença é perceptível entre os dois grupos (católicos e


republicanos), a respeito do sentido da educação, havendo toda uma
preocupação com relação a adaptar uma vontade (seja da população em
geral, seja do redator ou de simpatizantes do então órgão de propaganda em
particular), local e/ou regional às idéias e pensamentos inerentes a uma
política nacional. Ou seja, queria que se partisse do governo, medidas mais
enérgicas com relação a uma obrigatoriedade do ensino. Só assim,
vislumbravam um avanço em termos de escolarização, fator relevante para a
concretização do regime republicano. Já na fala dos católicos o que se
percebe, através dos periódicos, era a necessidade da educação enquanto
purificação, enquanto herança, a mais valiosa, enquanto luz que viria
extirpar as trevas, a vagabundagem, a criminalidade. Expressões cabais da
ausência de Deus no âmbito escolar, segundo as assertivas do discurso
católico.

Considerações Finais

As questões aqui apresentadas denotam o universo de elementos


articulados à um plano de ação voltado para uma efetiva intervenção sobre o
meio social e, principalmente educacional. De um lado, os aspectos
fundamentais das estratégias católicas de organização e mobilização das
forças conservadoras, que buscam preservar a situação anteriormente
existente. A definição de tal intervenção comportará o enfrentamento de
questões inerentes ao conjunto de transformações pelo qual o Brasil passava
naquele momento. No âmbito de tais questões, há o esforço em articular a
estabilidade dos princípios morais católicos, expressos nos diversos artigos
publicados pelos jornais.
Em contraposição ao ideal católico encontram-se os princípios
republicanos de educação, considerada um fator de promoção social capaz
de promover o enquadramento dos indivíduos à sociedade. Nos jornais,
havia um forte apelo para a criação de escola, porque seria através da
instrução que se atingiria o mais alto patamar de progresso e civilidade, ao
contrário daquilo que os ideólogos católicos propugnavam, ou seja, os
princípios do catolicismo não deveriam interferir na formação escolar das
crianças, futuros cidadãos da República.

41
A Obrigatoriedade do Ensino. O Progresso. Uberabinha, p.1, n.77, 14 mar. 1909.

76
Portanto, os artigos publicados pelos jornais expressão um difícil
equilíbrio entre a força da tradição, que transforma toda ação educacional
em uma secular obra de apostolado, e a viabilidade do moderno, no caso a
República, concebida como elemento mobilizador de novas potencialidades
no campo educacional.

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87
Carlos Henrique de Carvalho é doutor em História pela Universidade de São Paulo
(USP), Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Uberlândia. Email: carloshcarvalho06@yahoo.com.br ou chc@ufu.br.

Wenceslau Gonçalves Neto é doutor em História pela FFLCH da Universidade de São


Paulo. Professor do Instituto de História e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em
História da Universidade Federal de Uberlândia. Email: wenceslau@ufu.br.

Recebido em: 16/09/2005


Aceito em: 20/01/2006

88
Leituras de anarquistas brasileiros na primeira década
do século XX
Dagoberto Buim Arena

Resumo

No Rio de Janeiro, em 1906 foi criada a Confederação Operária Brasileira, e posteriormente, o


seu jornal, A Voz do Trabalhador, editado entre 1º. de julho de 1908 e 9 de dezembro de 1909
(1ª. Fase); e entre 1º. de janeiro de 1913 e 8 de junho de 1915 (2ª. Fase), ambas sob o controle
dos anarco-sindicalistas, Este artigo relata pesquisa realizada com o objetivo de verificar quais
materiais de leitura eram recomendados por esse jornal, em sua primeira fase e as razões que
motivavam essas recomendações. Os dados, organizados cronologicamente, indicam que as
recomendações de materiais de leitura nasciam da necessidade criada nas relações das
confrontações entre Capital e Trabalho.
Palavras-chave: leitura de anarco-sindicalistas; jornais anarco-sindicalistas; educação anarco-
sindicalista.

Abstract

In Rio de Janeiro, in 1906 the anarchistic- syndicalists created the Brazilian Worker
Confederation and the journal A Voz do Trabalhador which was published from July 1st., 1908
until December, 9th. 1909 and between January 1st., 1913 and June 8th., 1915. The investigation
which is presented in this summary contains the references to the objects of reading and the
recommendations contained in the journal in its first period. The remarks related to the reading
and their registered objects according to the edition in chronological order certify that the
materials for reading and the reading produced by the workers, happened due to the necessity
created in the social relations which were born in the confrontation between Capital and Work.
Key-words: anarchistic-syndicalists’s reading; anarchistich-syndicalists’s journals;
anarchistic-syndicalists’s education

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 89-103, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Introdução

As investigações sobre o movimento anarquista no Brasil, e em


especial, sobre a sua manifestação nos sindicatos operários, conhecida como
anarco-sindicalismo, foram objeto de preocupação de estudiosos brasileiros
nas ciências humanas, de modo geral, na segunda metade do século XX,
mas na Educação essas investigações foram produtivas nas décadas de
oitenta e de noventa, principalmente pela organização dos arquivos, na
Universidade Estadual de Campinas, pertencentes ao militante e jornalista
anarquista, descendente de alemães, Edgard Leuenroth (1881-1968). Em
1985, a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo com base nesses arquivos
e nos materiais do Archivio Storico Del Movimiento Operaio Brasiliano, de
Milão, Itália, publicou edição fac-símile da coleção de edições do jornal A
Voz do Trabalhador, editado pela Confederação Operária Brasileira
(C.O.B.), entre 1908-1915, no Rio de Janeiro.
Este trabalho procurará destacar registros, nessa coleção de A
VOZ DO TRABALHADOR, sobre os materiais de leitura recomendados
pelos anarco-sindicalistas e manifestações sobre locais de leitura para
operários e seu incentivo, como necessidade fundamental para o
desenvolvimento do tripé de princípios do movimento: educação,
propaganda e rebelião. Para isso, todavia, o desenvolvimento deste artigo
cuidará, rapidamente, do nascimento do movimento anarquista no Brasil, da
fundação da Confederação Operária Brasileira; da criação do jornal A VOZ
DO TRABALHADOR, seus objetivos e sua importância para a unificação
dos anarco-sindicalistas do Brasil. Como instrumento de propaganda, por
suas páginas, eram anunciados eventos político-culturais, organização de
ações educativas, formais ou informais, e recomendações de leitura
necessárias para a expansão do movimento com o objetivo de promover a
rebelião. As manifestações culturais e os materiais de leitura utilizados
pelos operários serão localizados nas edições do jornal, com o objetivo de
indicar o tipo de leitura recomendado pelos operários anarco-sindicalistas
brasileiros entre os anos na primeira metade do século XX, cujas conclusões
poderão apontar a leitura como necessidade para compreender as relações
econômicas e sociais no começo do século XX, como contraponto à
hegemonia do pensamento burguês. Esta é a tese deste trabalho: a da leitura
como necessidade de uma comunidade, nas relações que mantém com
outras comunidades, utilizada como ferramenta de compreensão e de
posicionamento político.

90
O movimento anarco-sindicalista no Brasil

O desenvolvimento industrial do país nas primeiras décadas do


século, sustentado pela mão-de-obra européia, principalmente formada por
portugueses, italianos, espanhóis e alemães, trouxe também a expansão do
pensamento político-econômico contra o Capital, cujos representantes
destacados eram os socialistas e os anarquistas. Entre os libertários, a
influência do sindicalismo francês desencadeou a elaboração de um
movimento conhecido como anarco-sindicalismo, cujo objetivo era a
negação de cooperativas e partidos políticos, como estratégias de luta contra
o Capital, e recomendar a organização dos operários em sindicatos que
constituiriam a organização para a destruição do Estado, do capitalismo, e
âncora para a construção de um novo mundo (BIONDI, 2005;
GHIRALDELLI, 1987).
Um dos fundamentos do movimento era o que chamavam de
ação direta, isto é, a promoção de greves, motins, rebeldias no interior das
fábricas, dirigidas contra todos os que participam da organização burguesa
de sociedade, tanto indivíduos quanto instituições. As experiências com as
lutas européias trazidas principalmente pelos italianos, que eram a maioria
na Argentina, Uruguai e Brasil, contaminaram os anarquistas sul-
americanos.
O movimento anarquista ao evoluir para o anarco-sindicalismo
elaborou também as idéias a respeito das finalidades da educação operária;
destacou o papel da propaganda no processo revolucionário contra o estado
burguês, e, por essa razão, organizou eventos de natureza cultural e
promoveu a expansão da circulação de jornais, panfletos, livros, revistas e
outros materiais impressos. Nesse ambiente de cultura, de educação, de
propaganda e de rebelião foram criadas as condições para a fundação da
Confederação Operária Brasileira (C.O.B.) e seu jornal A VOZ DO
TRABALHADOR.

A C.O.B. e A VOZ DO TRABALHADOR

As disputas entre socialistas e anarco-sindicalistas, no Rio de


Janeiro pelo controle do movimento operário e dos sindicatos resultou na
negação, pelos últimos, dos congressos anteriores promovidos pelos
socialistas, e a convocação de um grande encontro nomeado como Primeiro
Congresso Operário, realizado em 1906. O artigo primeiro dos estatutos da

91
Confederação Operária Brasileira, recém-fundada, aponta, entre outras
finalidades, a de
estudar e propagar os meios de emancipação do proletariado e
defender em público as reivindicações econômicas dos trabalhadores,
servindo-se para isso de todos os meios de propaganda conhecidos,
nomeadamente de um jornal que se intitulará A Voz do Trabalhador (A
Voz..., 01set. 1913, n. 38, p. 1).
A propaganda necessária para a expansão do movimento e da
criação das condições para rebeliões exigia criação e circulação de jornais,
panfletos, revistas e livros, portanto, todos os meios de propaganda
conhecidos. Deste modo, a leitura desses materiais vincular-se-ia ao
segundo princípio defendido pelo movimento: a propaganda, e, articulada a
ela, a educação.

A Educação em A VOZ DO TRABALHADOR

A VOZ DO TRABALHADOR tornar-se-ia, desde o primeiro


número, divulgador do pensamento educacional dos educadores anarquistas
europeus e da criação das escolas operárias pelo Brasil. Apesar de Robin
(1837-1912), Faure (1858-1942) e Mella (1861-1925) expressarem com
maior clareza as idéias da educação anarquista, foi o espanhol Ferrer (1859-
1909) quem mais influenciou os brasileiros, interessados em defender e
reproduzir os princípios e as experiências da Escola Moderna (ARENA,
1991). Criou a Liga Internacional para a Educação Racionalista da Criança
e por ela publicou L`École Renovée, na França e a Scuola Laica, na Itália.
Perseguido na Espanha, exilou-se na França. Posteriormente, de volta à
Espanha, foi preso e fuzilado pela monarquia em 1909. Em novembro de
1909, a ação de propaganda estimulava a leitura de uma publicação sobre a
vida desse educador, dirigida para todos os operários:
Ferrer. A comissão contra a reação espanhola publicou um número
único explicando a ação do saudoso camarada no campo da
pedagogia moderna. É uma obra de valor, que ninguém deve deixar
de ler. Por nosso intermédio podem ser feitos pedidos para este
número (A VOZ..., 15 nov.1909, ano II, n. 20, coluna 1, p. 4).

A preocupação com a educação dos militantes e de seus filhos


manifestava-se pela tentativa de criação de escolas do povo, como
alternativa à escola para o povo, na tradição burguesa, cuja elaboração deu-
se nas lutas entre operários e burgueses na segunda metade do século XIX.
As experiências de formulação de escolas criadas, dirigidas e
fundamentadas na produção de conhecimento necessário para a luta de

92
classes aconteceram nas ruas e nas fábricas desse século, durante os
processos revolucionários e, como afirma Foucambert (2004, p.6)
Uma escola só pode exercer o papel que se espera dela, como
instrumento de libertação, ao romper com o modelo que se
desenvolveu explicitamente na Europa no final do século XIX para
encerrar a era das revoluções e para concluir a domesticação de seu
proletariado, modelo que ela impôs ao mundo através do
empreendimento colonial e depois adotado pelas burguesias
nacionais ao longo de seu processo de autonomia.

Apoiados neste princípio de entender a educação como


instrumento de emancipação do trabalhador, os anarco-sindicalistas
organizaram suas próprias escolas, com a colaboração dos educadores cujas
experiências tinham sido realizadas na Europa, para, de certo modo,
alimentar o movimento iniciado na Comuna de Paris, em 1871, como
sugere, atualmente, Foucambert (2004, p. 6):
É preciso retomar o trabalho no momento em que os proletários da
Comuna de Paris (1871) perdem a esperança de uma escola do povo
e têm que se submeter à escola para o povo que quer a burguesia. É
desse ponto que é preciso recomeçar, da mesma forma que
recomeçaram os pioneiros da nova educação e, sobretudo na França,
Célestin Freinet.

A Propaganda e a leitura

Amparados por uma rede internacional de informações, os


militantes de melhor formação intelectual, entrincheirados nas redações dos
jornais dos trabalhadores, recebiam e difundiam materiais de leitura
específica para o fortalecimento do movimento e articulavam eventos para
encenação de peças teatrais, conferências, ações diretas nas fábricas e
festas-baile. O obstáculo maior era o analfabetismo historicamente
produzido pela necessidade de a criança buscar o trabalho ao invés da
escola, mesmo a burguesa. Outras estratégias eram utilizadas, de tal modo
que os alfabetizados liam os jornais e folhetos em voz alta nos locais de
trabalho ou na sede dos sindicatos para que a maioria, formada por
analfabetos pudesse compreender as idéias e os métodos de luta.
A ação de propaganda expandia-se, entretanto por outras áreas da
cultura e do entretenimento. Juntamente com o movimento pela expansão
da educação operária, como contraponto à educação burguesa, os anarco-
sindicalistas reuniam-se em grupos educativos, recreativos de teatro,
musicais e até grupos futebolísticos, um dos quais criou o Libertário F.C.,
em Santos, SP, que disputou o campeonato estadual (BIONDI, 2005). As

93
atividades educacionais realizavam-se, muitas vezes, nos locais em que
funcionavam Centro de Estudos Sociais que tinham como objetivo
fundamental a difusão do movimento e de seus princípios por meio das
manifestações artísticas musicais, teatrais e literárias, principalmente.
Nesses locais, além das programações, havia mesas de leitura à disposição
dos operários até às 22 horas. Aos domingos, aconteciam as Sessões de
Propaganda Científica. (KASSICK; KASSICK, 2005).
Essas sessões e todas as demais atividades de propaganda tinham
o objetivo de satisfazer o princípio da ação direta constituída por
atividades de propaganda e educação, destinadas a despertar nas
massas a consciência das contradições sociais a que estão
submetidas, fazendo com o que desejo e a consciência da
necessidade da revolução surja em cada um dos indivíduos. Pode-se
dizer que a principal fonte da ação direta foi a da propaganda,
através dos jornais e revistas, assim como da literatura e do teatro
(GALLO, 2005, p. 2).

A moção aprovada no 2º. Congresso Operário, realizado em


setembro de 1913, enfatizava a necessidade de a propaganda ser realizada
por todos os meios possíveis, entre eles, a divulgação de materiais de
leitura:
Este Congresso aconselha aos sindicatos e às classes dos
trabalhadores em geral, tomando como princípio o método racional e
científico, promova a criação e vulgarização das escolas
racionalistas, ateneus, revistas, jornais, promovendo conferências e
preleções, organizando certames e excursões de propaganda
instrutiva, editando livros, folhetos, etc. (AS RESOLUÇÕES, 1913,
coluna 4, p. 4).

Eventos noturnos eram muito utilizados pelas organizações


sindicais com o intuito de oferecer oportunidades para a formação da
consciência do trabalhador, por palestras; pela arte engajada, com
apresentações de peças teatrais e por atividades de congraçamento e lazer,
pela oferta de bailes.

Materiais de leitura em A VOZ DO TRABALHADOR entre 1908


e 1909

Na primeira edição, na coluna destinada a notícias de modo geral,


há uma convocação, dirigida para os ladrilheiros, concitando-os a lutar pela
permanência da conquista da jornada de 8 horas, e, para isso, seria preciso

94
promover a instrução da categoria, e, para evitar o contra-ataque da
burguesia, anunciavam a existência de
uma sociedade onde todos podem se reunir e combinarem os
melhores meios para combater o mal a tempo, trocarem idéias e
executá-las. Qualquer sócio que desejar instruir-se tem aulas
noturnas para si e seus filhos, e uma regular biblioteca à sua
disposição (A VOZ..., 01 jul. 1908, ano I, n. 1, coluna 4, p. 3).

A biblioteca, supostamente, teria acervo de livros, revistas e


jornais orientados para a formação intelectual do trabalhador, como
instrumento de propaganda, com o objetivo de orientar a ação direta na
organização sindical e na luta no interior das fábricas. Por um outro
caminho, comentários assinados por René Chaughi (1870-1926), anarquista
francês, propunha a ampliação da instrução para combater a ignorância
pregada pela Igreja, mas fazia essa recomendação aos republicanos e à
educação, ao propor que
bastaria dar instrução a todas as crianças indistintamente até a idade
de vinte anos e assegurar a sua subsistência durante esse tempo.
Uma geração de homens e mulheres educados nas teorias científicas
modernas estaria pouco inclinada a entregar seu dinheiro aos padres
(CHAUGHI, R., 1908, coluna 1, p. 2).

A proposta da educação integral e a sua universalização até aos


17 anos, proposta pelo colunista, não foi colocada em prática durante o
século XX no Brasil. Entretanto, a educação considerada informal era
organizada em encontros periódicos, com o sugestivo nome de Festa
Mensal, com programação em três partes, aos sábados, como a do cartaz
abaixo reproduzido, em que a primeira parte era constituída por uma
conferência sobre Educação Popular; a segunda, com apresentação de peça
de teatro cujo tema era a vida dos militantes operários durante uma greve
em 1903; e a terceira, com baile familiar, fechando o evento.

95
(A VOZ..., 01 ago. 1908, ano I, n. 3, coluna 2, p. 4).

A edição n. 5, de 22 de novembro de 1908, trazia muitos


anúncios de revistas, jornais e livros que poderiam ser adquiridos pelos
trabalhadores, por intermédio do próprio jornal ou por livrarias indicadas.
As publicações, destinadas à formação do operário militante, como
instrumento de propaganda para a ação direta, podem ser assim
categorizadas: 1. Livros, 1.1. romance – A mãe, de Maximo Gorki; 1.2.
crônicas – Notas de um anti-alcoolista, de Mauricio de Medeiros; 1.3.
políticos – Evolução, Revolução e Ideal Anarquista, de Elisée Reclus; Bases

96
do Sindicalismo, de Emilio Pauget; A Peste Religiosa, por João Most; O
Comunismo Anárquico, de Piotr Kropotkin (1842-1921); O Sorteio Militar,
por César Mendes. 2. Revistas: 2.1.Educação – La Scuola Laica, de
Francisco Ferrer; 3. Folheto: A Jornada de 8 horas – Folheto editado pela
Luta Proletária; 4. Jornais e revistas com periodicidade variada, de diversos
países: do Brasil: La Lotta Operária; A Terra Livre; La Bataglia (São
Paulo); A Luta (Porto Alegre), da Argentina: La Protesta (Buenos Aires); do
Peru:Los Parias; El Hambriento; do Uruguay: La Emancipación; La acción
obrera; Despertar (Montevideo); do Paraguay: La Rebeldia; Despertar
(Assunción) e de muitos outros de paises europeus e da América do Norte.
(A VOZ..., 22 nov. 1908, ano I, n. 5, colunas 3-5, p. 4).
O processo de edição e troca de livros, revistas e jornais entre
países da Europa, América do Norte e América do Sul, em língua vernácula
de cada país, permitia a orientação geral para todos os trabalhadores, sem
que houvesse obstáculos criados pela falta de domínio da língua do país que
recebia os imigrantes europeus. Os livros eram, quase todos, de autoria de
expoentes do anarquismo internacional, com exceção de A Mãe, de Gorki
(1868-1936), recomendado pelo teor revolucionário, enfatizado pelo
anúncio: “Recomendamos a leitura deste extraordinário romance no qual
Gorki pinta magistrais cenas da vida dos revolucionários russos” (A VOZ...,
22 nov. 1908, ano I, n. 5, coluna 4, p. 4).
Na edição n. 6, de 29.11.1908, outros livros eram anunciados,
além dos jornais, revistas e livros anteriormente apontados: de Elisée Reclus
(1830-1905), El Hombre y la Tierra, fascículos semanais de 32 páginas
com gravuras; de Francisco Ferrer, L´Ecole Renovée, com os seguintes
comentários, em francês: Revue pour l´élaboration d´um plan d´éducation
moderne. Extension internationale de L ´École Moderne de Barcelone; do
holandês Cristhian Cornelissen (1864-), A Caminho da Sociedade Nova –
interessante obra que devem ler todos os operários que desejarem instruir-
se na questão social; de Paulo Eltzbaeher, As Doutrinas Anarquistas –
interessante e utilíssima obra para todas as pessoas que se preocupam o
estudo da questão social. Nela o autor expõe as doutrinas dos mais
salientes representantes do anarquismo: Willian Godwin, Proudhon, Max
Stirner, M. Bakunin, P. Kropotkin, Benjamin Tucker e L. Tolstoi (A VOZ...,
29 nov. 1908, ano I, n. 6, colunas 1- 4, p. 6).
Os panfletos e folhetos, materiais de impressão e de circulação
rápidas eram os mais difundidos porque atendiam às demandas conforme os
acontecimentos políticos, sociais ou sindicais, mas todas as obras – livros,
revistas, jornais ou panfletos recomendados para a leitura - tinham objetivo
definido de instruir o trabalhador, criar as condições para seu
desenvolvimento intelectual com o intuito de preparar a rebelião. Trata-se

97
de uma manifestação esclarecedora a respeito da leitura como necessidade,
associada ao prazer de conhecer os pensamentos de natureza científica, na
área das ciências humanas, mas não apenas ao prazer do deleite literário. A
esse respeito, um anúncio, na mesma edição, apontava: Livros em Espanhol.
Antonio Domingues tem sempre um variado sortimento de livros de
Sociologia, Literatura, Ciência e Arte, folhetos e jornais de propaganda (A
VOZ..., 29 nov. 1908, ano I, n. 6, coluna 1, p. 6).
No início de 1909, o governo brasileiro mobilizava a população
masculina para o recrutamento militar obrigatório, alimentado pelo boato de
que um confronto armado estava prestes a ser deflagrado entre Brasil e
Argentina. O movimento anarco-sindicalista, por sua parte, desencadeava
ações antimilitaristas, com distribuição de panfletos, como esta em
Campinas:
A Liga Operária de Campinas fez espalhar profusamente em toda a
cidade uma manifesto intitulado Guerra à Guerra onde reproduzia as
resoluções tomadas pela Confederação Operária Brasileira
exortando também a todos os operários a manifestarem-se contra a
guerra e sua causa mais direta: o militarismo. Transcreveu também,
em castelhano, aquele impresso que a União Geral de los
Trabajadores da Argentina fez distribuir na Republica do Prata. [...]
Na Escola Social, mantida pela Liga Operária de Campinas, deu-se
feriado aos alunos, aproveitando-se a ocasião para o professor fazer
uma alocução aos meninos sobre os motivos do feriado e sobre a
guerra [...] (A VOZ..., 13.jan.1909, ano I, n. 8, coluna 3, p. 2).

Com o título Os caixeiros querem trabalhar 12 horas, o jornal


manifestava-se contra a falta de organização sindical dos empregados do
comércio e com a falta de tempo dedicada aos estudos e à instrução,
necessários para o crescimento intelectual de cada um e do movimento, de
modo geral:
Os empregados do comércio mal têm o tempo necessário de ler o
anúncio publicado nos jornais marcando as horas de disciplina
ensinadas em sua associação! Diz o conferencista. Assistir a aulas,
ouvir falarem os mestres, são coisas para outrem e não para aqueles
que mourejam desde que o sol nasce até que há muito desapareceu.
Infelizmente falta-lhes também o tempo para, em suas associações,
ocuparem de coisas mais sérias, que os analfabetos fazem conquistar
(A VOZ..., 01 maio 1909, ano I, n. 10, coluna 1-2, p. 2).

Os artigos e noticiário publicados ocupavam, em 1909, todas as


quatro páginas do jornal, impedido de crescer pelas dificuldades financeiras,
e, por essa mesma razão, pouco espaço sobrava para os anúncios das obras
para leitura, como ocorria no início da publicação. Na edição no. 14, porém,
três anúncios divulgam materiais de leitura. O primeiro comunicava a
fundação de um grupo de militantes com o objetivo “de divulgar entre os

98
operários as obras de propaganda e de conhecimento úteis, editadas em
português, facilitando a sua aquisição pelo menor preço possível.” (A
VOZ..., 08 jul.1909,n.14, coluna 2. p. 4). Além de divulgar, o grupo editaria
folhetos, entre os quais Entre Camponeses, de Enrico Malatesta (1853-
1932), famoso militante e intelectual anarquista italiano (A VOZ...,
08.jul.1909, n. 14, coluna 2, p. 4). Nessa mesma página anunciavam um
folheto de 32 páginas chamado Tributo de Sangue, de Carlos Dias,
considerado propaganda anti-militarista, e uma revista, considerada Revista
Popular de Orientação Racional, com o nome de Amanhã, editada em
Lisboa, com sede na rua dos Mouros.A edição de n. 15 voltava a anunciar
jornais e revistas internacionais, com a inclusão de títulos novos, entre eles,
O Construtor Civil de Matosinhos e O Povo de Aveiro; ambos de Portugal;
vários de Buenos Aires, na Argentina; e da Espanha, La Voz del Pueblo, de
Tarrasa, Barcelona e Al Paso, de Sevilha (A VOZ..., 22 jul. 1909, ano I, n.
15, colunas 1-2, p. 4).
Um dado intrigante é a recomendação para leitura do jornal O
Clarim da Luz, órgão do Centro Espírita Caridade e Luz, Sorocaba, Estado
de S. Paulo. Declaradamente, os anarquistas eram contra o Estado, Deus e a
Religião, sobretudo, contra a Igreja Católica e seus procedimentos
seculares. Ao divulgar, no entanto, uma obra espírita, os militantes
acompanhavam uma conduta que esteve sempre presente nos movimentos
de esquerda no Brasil, vinculados ao partido comunista, ou seja, a de contar
entre seus militantes, de adeptos da doutrina dos Espíritos organizada pelo
pedagogo francês Allan Kardec (1804-1869). Duas hipóteses podem
explicar esse vínculo. A primeira, pela oposição que o espiritismo poderia
fazer ao movimento clerical; e a segunda, por não considerar o aspecto
religioso no conjunto da doutrina espírita, mas apenas o aspecto científico e
o filosófico, com raízes socráticas e platônicas.
A edição n. 17 destacava a criação de uma publicação chamada
Liberdade, cujo primeiro número traria artigos sobre as idéias anarquistas,
poesia e arte: O método Anarquista, de Manoel Moscoso; O Cavador,
poesia de Luiz Cebola; A Arte e o Povo, de Manuel Ugarte; Os condenados,
de Manoel Moscoso; Sobre Educação Integral, de Deolinda Lopes Vieira;
Morte de Deus e do Diabo, poesia de Gomes Leal e Constatações Tristes,
de Ivan (A VOZ..., 30 ago. 1909, ano II, n. 17, coluna 1, p. 4).
A União dos Alfaiates anunciava, em setembro de 1909, sua nova
sede e seus planos de funcionamento, entre eles o de abrir as aulas de corte,
aulas primárias e sala de leitura e o de editar o jornal O Alfaiate,
considerado como um dos principais meios para a propaganda. (A VOZ...,
30 set. 1909, ano II, n. 18, coluna 1-2, p. 4).

99
A edição seguinte trazia na primeira página, extenso artigo,
intitulado A Reação Espanhola: o jesuitismo a renascer, sobre a prisão e o
fuzilamento de Ferrer. Registrava o articulista que
[...] mais de 4.000 pessoas percorreram as ruas levando à frente uma
bandeira negra e a seguir-se o retrato de Ferrer, noutra mais atrás ia
o retrato de Afonso XIII, em grande uniforme manchado de sangue
e, ainda, noutra tela se via o rei assassino descabelado e Maura,
ambos degolados e todos salpicados de sangue [...] (SANTOS, R.,
1909, colunas 1-2, p. 1).

Essa manifestação, organizada pela COB no Rio de Janeiro,


demonstrava a admiração e respeito que tinham pelo educador espanhol que
havia auxiliado, com suas obras, a criação das Escolas Modernas que se
espalhavam pelo movimento anarco-sindicalista brasileiro, como alternativa
à educação burguesa.
A repressão ao movimento incluía, também, o confisco de livros,
como indica em nota, um articulista, na edição n. 20, ao afirmar que “[...] já
é a terceira vez que na capital paulista a polícia civilista assalta a sede da
Federação Operária e rouba os móveis e livros que possuía; em Santos, mais
uma vez” (A VOZ..., 30 set. 1909, ano II, n. 19, coluna 1, p. 3). Se a polícia,
por seu lado, reprimia a circulação de livros adquiridos e recomendados
pelo movimento, os anarco-sindicalistas também censuravam o que
consideram literatura burguesa, como registra o artigo de primeira página da
edição n. 20, o qual apontava o debate frustrado a ser realizado no Grêmio
Literário dos trabalhadores da fábrica de tecidos Bangu, no Rio, a respeito
da obra educacional de Francisco Ferrer. Alertado pelos trabalhadores de
que haveria um orador a criticá-la, militantes para lá se dirigiram, mas,
temerosos do embate, segundo acreditavam, a sessão fora suspensa.
Entretanto, o artigo narra o que lá presenciaram:
Havia um teatro e um grêmio literário, mas como é fácil de prever,
aí não se trataria senão de representar peças patrióticas e de estudar a
literatura burguesa. Uma biblioteca filosófica ou um palco social
constituiriam um perigo para a burra dos proprietários. Daí a
ausência de tudo que se relaciona com a ciência. Os burgueses de
Bangu são inteligentes e astutos (A ESCRAVIDÃO, 15 nov. 1909,
ano II, n. 20, coluna 2, p.1).

Em 9 de dezembro de 1909 foi publicada a última edição do que


seria posteriormente conhecida como o final da primeira fase da publicação
de A VOZ DO TRABALHADOR, cujo desaparecimento deu-se pelas
dificuldades financeiras e de mobilização por que passavam os sindicatos e
confederações operárias. Nessa edição, é possível destacar apenas uma nota
a respeito da expulsão do educador italiano Edmundo Rossoni (1884-1965):
Da capital não recebemos nenhumas informações diretas, mas

100
sabemos que Rossoni foi expulso por querer ensinar, na escola de
Água Branca, pelos métodos racionais. É a clericalhada a canalha
governante que querem implantar o reino das trevas na classe
operária. Mas não nos desanimará; no Brasil há muitos Rossonis que
decerto não conseguirão expulsar. O progresso caminha! (A VOZ...,
09 dez. 1909, n. 21, coluna 2, p. 4).

Uma nova edição do jornal apareceria no dia primeiro de janeiro


de 1913, quatro anos depois do fechamento, após a rearticulação do
movimento anarco-sindicalista, coroado pela realização do II Congresso
Operário Brasileiro, em que se debateram socialistas e anarco-sindicalistas,
com a supremacia destes últimos. Essas edições entre 1913 e 1915 serão
objeto de posteriores investigações.

Conclusão

A introdução deste artigo anunciava o objetivo de verificar as


manifestações e recomendações de leitura dos anarco-sindicalistas
brasileiros veiculadas pelo seu órgão de impressa confederativo, o jornal A
VOZ DO TRABALHADOR, em sua primeira fase, entre 01.07.1908 e
09.12.1909, com o intuito de verificar o que recomendavam e por que
recomendavam. A busca no período recortado, indicou que os operários
publicavam anúncios e livros, jornais e panfletos, de teor revolucionário,
com multiplicidade idiomática para atender a todos os imigrantes que no
início do século XX tinham se instalado no Brasil. Para isso, criaram
escolas e organizavam bibliotecas e salas de leitura nas sedes dos sindicatos,
montavam livrarias próprias para adequar os preços ao poder aquisitivo do
operariado.
A divulgação, todavia, não se restringia a panfletos e a folhetos
impressos e divulgados com abundância, mas a obras de profunda reflexão
produzidas por expoentes do anarquismo europeu; obras literárias e,
sobretudo, obras teatrais encenadas nas sedes dos sindicatos que permitiam
a participação até mesmo dos analfabetos. Deste modo, os materiais para
leitura e a leitura produzida pelos operários deram-se pela necessidade
criada nas e pelas relações sociais nascidas no enfrentamento entre capital e
trabalho, tendo a exploração da força de trabalho como dispositivo
detonador da busca pelos materiais que permitiriam a sua compreensão.
A leitura foi considerada, pelo movimento, ferramenta
fundamental para atender às necessidades de preparação para as bases da
rebelião, considerado o terceiro princípio orientador do movimento,

101
precedido pelo da educação e pelo da propaganda, no interior dos quais se
abrigava a leitura.

Referências

A ESCRAVIDÃO em Bangu. A Voz do Trabalhador, 15 nov. 1909, ano II,


n. 20.
A-INFOSServiço de Notícias. Notícias sobre e de interesse para anarquistas.
Memória anarquista do Centro Galego do Rio de Janeiro (1903-1922).
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ARENA, D.B. A Voz do Trabalhador (I908-1915) e a educação anarquista
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102
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Trabalhador. 30.out.1909, ano II, n. 19.

Dagoberto Buim Arena é Mestre e Doutor em Educação pela UNESP,


campus de Marilia-SP. Professor do Departamento de Didática e do
Programa de Pós-Graduação da UNESP em Marila-SP. Líder do Grupo de
Pesquisa Grupo de Pesquisa: Saberes e práticas da teoria histórico-cultural
– Linha: Processos de leitura: apropriação e objetivação.
CNPq/FUNDUNESP/Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa/UNESP.
Endereço: Rua Guinetti Grassi, 255 – Bloco 1 – Apto. 133 - 17.527432 –
Marilia – SP. Telefones: (14) 3402,1327 ou (14) 34549303.

Recebido em: 07/01/2006


Aceito em: 20/02/2006

103
.
Caubóis e Caipiras. Os land grant colleges e a Escola
Superior de Agricultura de Viçosa
Maria das Graças M. Ribeiro

Resumo

O artigo apresenta um estudo comparativo entre os land-grant colleges e a Escola Superior de


Agricultura de Viçosa (ESAV). Pretende examinar o modo como a Escola adotou o modelo
daqueles colleges, considerados a base da moderna educação superior de massa nos Estados
Unidos. O estudo conclui que o processo de assimilação do modelo se completou no final da
década de 1940, quando acordos de assistência técnica foram firmados com organismos norte-
americanos. Tais acordos contribuíram para que a ESAV se tornasse universidade rural e, mais
tarde, para envolvê-la nos programas da United States Agency for International Development
no Brasil.
Palavras-chave: Educação Comparada; Escolas Agrícolas; Educação Superior.

Abstract

The paper presents a comparative study between the land-grant colleges and the Escola
Superior de Agricultura de Viçosa (ESAV). It intends to examine the way this school has
adopted the land-grant college model which is considered the basis of the modern mass higher
education in United States. The study concludes that the process of assimilation was completed
at the end of 1940s, when agreements of technical assistance were signed with American
organisms. These agreements have contributed for ESAV to become into a rural university and
later they involved the institution with United States Agency for International Development’s
programs in Brazil.
Key-words: Compared Education; Agricultural Colleges; Higher Education.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 105-120, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Introdução

O presente trabalho desenvolve uma análise comparativa entre os


land-grant colleges, escolas superiores agrícolas, criadas no oeste e no
meio-oeste dos Estados Unidos, a partir de meados do século XIX, e a
Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV), a qual,
inaugurada em 1926, deu origem à atual Universidade Federal de Viçosa
(UFV).
Consciente das dificuldades relativas à realização dos estudos
comparados em educação, tratei, na investigação, de identificar as
similaridades e as diferenças da escola mineira com aqueles colleges, atenta
às recomendações de Gvirtz (2001) no sentido de considerar que objetos ou
problemas comparáveis se constituem de acordo com condições de caráter
histórico-social.
Desse modo, além de ressaltar o contexto sócio-histórico que
constituiu o pano de fundo para a criação daqueles colleges e aquele que
constituiu o cenário da criação da ESAV, levanto como pontos de
comparação as finalidades proclamadas nos atos de criação das instituições
mencionadas; a forma como se constituiu a administração das instituições,
em ambos os casos, e principalmente os eixos sobre os quais foram
organizadas as suas atividades.
Para o estudo dos land-grant colleges foi consultada uma ampla
literatura, tendo a atenção recaído principalmente nos estudos de Barrow
(1990) sobre a constituição do sistema de educação superior dos Estados
Unidos e de Bowman (1962) sobre a importância que tiveram os land-grant
colleges no que diz respeito à formação de pessoal naquele país. Para o
estudo da Escola Superior de Viçosa procedeu-se a um amplo levantamento
de fontes documentais que permitiu o exame de atas de reuniões, relatórios,
cartas, convites, fotos, regimentos, estatutos, boletins, circulares e outros
documentos produzidos pela ESAV, além de decretos e leis editados pelo
governo do estado de Minas Gerais.
Tomando por base categorias como modernização agrícola,
ensino superior agrícola, educação rural e extensão rural, o trabalho pôs o
seu foco sobre o período que tem início em 1862, quando o Presidente
Lincoln assinou o Morril Act que deu origem aos land-grant colleges, e se
encerra em 1948, quando a ESAV foi transformada em Universidade Rural
do Estado de Minas Gerais (UREMG).

106
Os land-grant colleges

No início do século XIX, os Estados Unidos poderiam ser


caracterizados como um país agrícola com 85% de sua população vivendo
no meio rural. Eram ainda poucas as pequenas cidades ao longo da costa
leste e não se fizera ainda a ocupação do Oeste. A sociedade norte-
americana se pautava então por uma forte fé religiosa.
Até então, o país contava com um número significativo de
colleges, inspirados nas universidades de Oxford e Cambridge, os quais
estavam voltados, de um lado, para a formação dos futuros pregadores e, de
outro, para o conhecimento clássico dos jovens gentlemen. Os que
buscavam uma educação mais erudita iam para a Europa, principalmente
para a Alemanha. Foi somente a partir de 1825 com mudanças curriculares
realizadas em Harvard que apareceu a moderna universidade norte-
americana. A pesquisa científica, contudo, só se desenvolveria a partir do
final do século XIX com a criação da Universidade John Hopkins (Kerr,
1967).
Tal experiência se fez simultaneamente à emergência dos land-
grant colleges. Estes foram instituídos a partir da promulgação da Lei
Morril pelo Congresso Nacional, em 1862. Esta lei vinha contemplar a
reivindicação dos fazendeiros de uma educação vocacional, liberando terras
federais para a venda nos estados com o fim de que as receitas resultantes
fossem usadas para o treinamento de jovens para a agricultura e as
chamadas artes mecânicas. 1
Segundo Kerr (1967, p.23), a experiência de Hopkins e o
movimento do land-grant college se constituíram como “duas correntes”
que
acabaram por tornar-se mais conciliáveis do que se podia crer. Uma
era, na origem, prussiana, a outra americana; uma se destinava à
elite, a outra era democrática; uma era puramente universitária, a
outra era sustentada por suas relações com a terra e com as
máquinas. Uma dependia de Kant e Hegel, a outra de Franklin,
Jefferson e Lincoln.

1 Para alguns autores (Bowman, 1962; Kerr,1967), o Senador Morril, que deu nome à lei, ao
mesmo tempo em que se preocupava com a distribuição de terras públicas para grupos privados
e com a deterioração do solo nas fazendas norte-americanas, também considerava necessário
um novo tipo de educação mais adequada às necessidades do homem do campo. Para Cowley
& Williams (1991), no entanto, a idéia de Morril foi originalmente mais voltada para liberar as
terras federais para a especulação do que para promover educação.

107
Referindo-se à Lei Morril, o grande educador brasileiro Anísio
Teixeira (1998, p.57), afirmaria que “nenhum outro ato seria de maior
alcance para a educação superior na jovem república”.
De todo modo, como afirma Bowman (1962, p.526), "[...]
quando o Morril Act passou não ficou claro de todo o que exatamente os
colleges deveriam ser e fazer". Para a autora, embora não estivessem
evidentes, então, certas características básicas destas instituições, passados
os anos, elas podem ser identificadas: a pesquisa aplicada e a difusão da
escolarização e do conhecimento. Além destas, o conceito de
undifferentiated American. Foi isto, segundo Bowman (1962), que fez o
sistema de educação superior americano único no mundo.
Bowman (1962) também chama atenção para a contribuição dos
land-grant colleges no que diz respeito ao ensino superior para mulheres.
Ainda no século XIX, estes colleges rompiam a “barreira do sexo”,
proporcionando um tipo específico de educação prática para as mesmas
dando origem assim aos cursos de economia doméstica.

A ESAV

Em 1920, quando ocupou o governo de Minas Gerais, Arthur


Bernardes assinou a lei n.761, que autorizava a criação de uma escola
superior agrícola sob a responsabilidade daquele estado. Em 1922, o
governo mineiro assinou um ato criando, em Viçosa, a Escola Superior de
Agricultura e Veterinária de Minas Gerais. A Escola foi finalmente
inaugurada, em 28 de agosto de 1926, pelo viçosense Arthur Bernardes
então Presidente da República.
O Regulamento da ESAV, aprovado ainda naquele ano,
caracterizava a instituição como um estabelecimento essencialmente
agrícola, cuja finalidade era a aquisição e a difusão de conhecimentos
relativos “à economia rural”, em todos os seus graus e modalidades.
O ensino na Escola era gratuito e funcionava em regime de
internato e externato. Primeiramente, começaram a funcionar os cursos
elementar e médio. O curso superior de agronomia somente teve início em
1928 e o de veterinária em 1932. Logo depois foram criados cursos de
especialização, com duração de dois anos, que destinavam-se a formar
especialistas em Agronomia ou em Veterinária.
O Curso Elementar foi extinto em 1947 sob a alegação de que
estava “sendo mais usado pelos alunos como mera passagem para o Curso
Médio e, portanto, desviado de seus objetivos” (Borges et al., 2000, p. 21).

108
Para o funcionamento dos seus cursos superiores, a ESAV
contava, em 1931, com quinze departamentos: Agronomia; Anatomia;
Cirurgia Veterinária; Clínica Veterinária; Economia e Legislação Rural;
Engenharia Rural; Fisiologia; Fitopatologia; Horticultura e Pomicultura;
Matemática e Contabilidade Agrícola; Microbiologia e Parasitologia;
Química; Silvicultura; Solos e Adubos; Zootecnia.
No final da década de 1930, novos departamentos foram criados,
destacando-se os de Genética, Experimentação e Biometria e o
Departamento de Educação Rural.
Foi também na década de 1930 que teve início a prática da
pesquisa na ESAV, sendo a atividade coordenada por professores
catedráticos. Em 1939, foi lançada a revista Ceres, primeira de caráter
científico editada pela instituição.
Além destas atividades, a Escola desenvolveu um trabalho de
assistência sistemática junto aos agricultores da Zona da Mata mineira, o
que acabou por projetá-la para além das fronteiras de Minas Gerais.
A partir de meados dos anos 1930, no entanto, a ESAV começou
a viver uma fase de profundas dificuldades. Com pagamentos atrasados em
até seis meses, alguns professores pediam demissão. Além disso, eram
grandes as dificuldades para a aquisição de material e para manter o
funcionamento regular da Escola.
Não obstante tais dificuldades, a Escola obteve o reconhecimento
oficial do governo federal em 1935. No ano seguinte, todavia, o governo
estadual cassou a sua autonomia, suprimindo seu órgão máximo – a Junta
Administrativa – e nomeando um coronel para a sua direção.
Segundo relatos memoriais de ex-alunos e ex-professores, havia
neste período muitos boatos afirmando que a Escola seria desativada, dando
lugar a um quartel de polícia. Para completar, em 1942, a Escola de
Veterinária era subtraída da ESAV, sendo transferida para Belo Horizonte.
Segundo estes relatos, foi um elemento decisivo para tirar a
instituição daquela crise o impulso oferecido por entidades norte-
americanas que com ela firmaram, a partir de meados dos anos 1940, alguns
acordos de cooperação.
Desse modo, em 1948, quando a ESAV foi transformada em
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), pela lei n.272,
os problemas pareciam estar superados.

109
Pontos de comparação

Entre os poucos estudos realizados sobre a história da


Universidade Federal de Viçosa, há um consenso em relação ao fato de
Arthur Bernardes ter pensado a instituição, desde o início, como um land-
grant college (Borges et al., 2000; Capdeville, 1991; Paniago, 1990).
Chega-se mesmo a afirmar que, em 1920, Bernardes, admirado com o que
ouvia a respeito das escolas superiores agrícolas norte-americanas, teria
solicitado ao embaixador brasileiro em Washington o empenho para a
indicação de um especialista que viesse implementar o projeto da Escola de
Viçosa, havendo indícios de que somente o terceiro nome sondado teria
aceito a missão (E. Coelho, 1996, p.16 e p.24).
Na verdade, conforme afirma José Murilo Carvalho, Bernardes,
ao pensar na criação da ESAV, teria convidado inicialmente para coordená-
la o francês Eugene Davenport, responsável pela organização da Escola
Superior de Agricultura Luís de Queiroz, de Piracicaba. Por se sentir em
idade avançada para a tarefa, Davenport teria indicado o nome de um
professor norte-americano – o Professor Peter Henry Rolfs, o qual teria
então tomado como referência o modelo dos land-grant colleges (Carvalho,
2002).
Vindo do Florida Agricultural College, onde era diretor desde
1915, Rolfs chegava a Viçosa em 1921, assumindo imediatamente a direção
dos trabalhos de construção da Escola. Com a sua inauguração, foi nomeado
seu primeiro diretor, cargo que manteve até 1929, quando transferiu-se para
Belo Horizonte para exercer a função de Consultor Técnico da Secretaria de
Agricultura de Minas Gerais.
A despeito de muito orgulhar a comunidade da Universidade
Federal de Viçosa, a afirmação de que a ESAV foi um land-grant college
no Brasil não apresenta, nos estudos antes mencionados, nenhuma
fundamentação. Além disso, parece haver um desconhecimento
generalizado acerca da história daquelas instituições.
Vejamos alguns pontos para uma comparação entre a ESAV e os
land-grant colleges, considerando, conforme Gvirtz (2001,p.19), “[...] que
algo que resulta comparável em um momento histórico pode não resultá-lo
em outro”.
Em primeiro lugar, cabe considerar o contexto no bojo do qual
tanto as escolas superiores agrícolas norte-americanas quanto a ESAV
foram criadas.
No caso das primeiras, elas foram, em grande medida, resultado
de movimentos que, nas décadas de 1840 e 1850, se espalharam pelo país,
reivindicando o ensino agrícola, num cenário em que este tipo de ensino era

110
praticamente inexistente nos Estados Unidos. Na verdade, desde as
primeiras décadas do século XIX, pequenos e médios fazendeiros
manifestavam insatisfação com a falta de apoio para a agricultura. Eles
acreditavam ser a educação uma das possíveis soluções para o problema,
reivindicando, então, a criação de escolas agrícolas com ensinamentos
práticos.
Quando a Lei Morril foi editada, as terras dos fazendeiros
enfrentavam um processo crescente de deterioração do solo por falta de
conhecimentos sobre conservação. Não obstante a produção agrícola se
expandisse, ela perdia importância para a manufatura, que, já a partir da
década de 1860, conquistava a liderança entre as atividades econômicas do
país. Neste contexto e impulsionado pela emergência de um sistema
nacional de ferrovia, foi se formando um mercado nacional estruturado.
Graças à edição do Morril Act, em 1862, e à criação do United States
Department of Agriculture, no mesmo ano, as angústias dos fazendeiros
foram, em grande medida, atenuadas, tendo a área cultivada se ampliado e a
agricultura experimentado o início de sua mecanização.
O contexto de criação da ESAV, num certo aspecto, foi um tanto
quanto diferente. Nas primeiras décadas do século XX, também não se tinha
propriamente universidades no Brasil; porém desde o final do século
anterior, foram surgindo escolas superiores isoladas de formação
profissional. No caso do ensino agronômico, a primeira escola superior
voltada para o mesmo foi a Escola Superior de Agronomia de Cruz das
Almas na Bahia (1875), aparecendo, logo depois, a Escola Superior de
Agronomia de Pelotas (1883) e várias outras em seguida. Só no estado de
Minas Gerais, na década de 1920, havia três escolas superiores agrícolas –
Escola Superior de Agricultura de Lavras, Escola de Agronomia e Medicina
Veterinária de Belo Horizonte, Escola de Agronomia e Pecuária de Passa
Quatro – e, ainda, duas escolas superiores de veterinária.
O cenário, neste aspecto, era pois bem diferente daquele em que
se deu o aparecimento dos land-grant colleges. No entanto, a situação da
economia mineira, basicamente agrícola, era preocupante no início dos anos
1920. Esta situação se agravava na Zona da Mata, voltada
predominantemente para a cafeicultura, particularmente na região de
Viçosa, a qual, juntamente com as cidades vizinhas, era constituída por
pequenas e médias propriedades dedicadas ao cultivo do café. A criação da
ESAV parece ter vindo no sentido de evitar a catástrofe que se anunciava
para a economia da região.
Num discurso proferido em 1929, Bernardes afirmava ter criado
a Escola com o intuito
[...] de abolir o empirismo agrícola, a que tantos mineiros

111
consagravam suas energias, no amanho diuturno da terra como na
creação e pastoreio dos seus rebanhos.” e manifestava a sua
satisfação ao vê-la “despertando novos estímulos nas gerações,
empenhadas, agora numa actividade racional e scientífica, que há de
2
conduzil-as a maior e mais facil prosperidade.

Na verdade, A ESAV não evitou a crise da cafeicultura mineira,


porém não há dúvidas de que veio contribuir significativamente para a
modernização da agricultura de Minas Gerais.
Neste ponto colocam-se as finalidades proclamadas quando da
criação das instituições.
Se os land-grant colleges tinham como objetivo promover os
estudos “relacionados à agricultura e às artes mecânicas” e a educação
liberal e prática das classes industriais “[...] sem excluir outros estudos
científicos e clássicos [...] ” 3, as finalidades da ESAV eram um tanto
quanto semelhantes tanto no decreto n.6053 de 1922 que definia o local de
sua construção – “ministrar o ensino prático e teórico de Agricultura e
Veterinária” e “realizar estudos experimentais que concorram para o
desenvolvimento de tais ciências no Estado de Minas” – como no
Regulamento de 1926 que previa que a Escola deveria ser um
estabelecimento essencialmente agrícola tendo por finalidade adquirir e
difundir conhecimentos relativos “à economia rural”, em todos os seus
graus e modalidades, tendo em vista a educação da “população agrícola do
Estado em todos os assuntos pertencentes à vida rural e melhorar as suas
condições morais, mentais e econômicas, no mais breve tempo possível ”.
No que se refere à forma de administração dos land-grant
colleges é curiosa a semelhança entre esta e a forma de administração da
ESAV.
Os land-grant colleges eram instituições públicas, dirigidas por
governing boards – quadros de dirigentes compostos pelo diretor e
personalidades representativas da comunidade. Inicialmente, os governing
boards dos land-grant colleges mantiveram forte vinculação com o mais
tradicional interesse dos fazendeiros. Mais tarde, no entanto, se enfraqueceu
o poder agrário e foram ganhando importância nos boards juristas,
banqueiros e industriais (Barrow, 1990, p.56). No final dos anos 1910 e
início dos anos 1920, foram muitos os atritos entre diretores, professores e
os boards.
Desde que foi criada até 1931, a ESAV tinha como órgão
máximo a Congregação. Esta era composta pelos professores e presidida

2
Discurso proferido em 29/03/1929. Ver Universidade Federal de Viçosa. UFV 70 anos. A
trajetória da Escola de Viçosa. Viçosa: Imprensa Universitária, 1996.
3
Ver Cowley & Williams, 1990, p.121.

112
pelo diretor da Escola, sendo subordinada à Secretaria de Agricultura do
estado. Em dezembro de 1931, no entanto, o governo de Minas Gerais
aprovou um novo regulamento para a ESAV. Este dava autonomia
administrativa e financeira à Escola e constituía uma Junta Administrativa,
que passava a se constituir como órgão máximo de poder, a qual era
diretamente subordinada ao governo do estado.
A Junta Administrativa era constituída de nove membros, com
mandato de três anos, renovada anualmente em 1/3. As nomeações eram
feitas pelo governo do estado, recaindo em agricultores que não exercessem
posição pública ou eletiva e de preferência em representantes das diversas
zonas do estado de Minas Gerais. O representante da Zona da Mata deveria
residir em município diverso ao da sede do estabelecimento.
Compuseram a Junta Administrativa, inicialmente, cinco
agricultores de cinco municípios de Minas Gerais: Cataguazes, Ponte Nova,
Juiz de Fora, Casca e Curvelo. Deixaram de participar de sua composição
em razão de não comparecerem para a posse em seus cargos os
representantes dos municípios de Patos, Itajubá e Uberaba.
Todos os indícios são de que na prática as decisões relativas a
qualquer mudança significativa na vida da instituição acabaram
acontecendo por iniciativa do governo estadual sem que atritos tenham se
deflagrado entre a Junta Administrativa e o mesmo.
Em 1931, quando a Junta Administrativa foi criada, ganhou força
na ESAV a figura do Departamento. Muito embora já houvesse referências
ao mesmo no regulamento de 1926, é a partir de 1931, que o Departamento
passa a ser enfatizado como unidade a partir da qual são organizadas as
atividades de ensino e de pesquisa na Escola.
Vejamos as similaridades entre os land-grant colleges e a ESAV
quanto à organização destas atividades.
A noção de prática era a base da educação desenvolvida nos
land-grant colleges, os quais tiveram inicialmente como característica
central a promoção de um ensino voltado para a "aquisição das artes e
habilidades necessárias para ser fazendeiros, mecânicos, engenheiros, e
professores de escolas” (Barrow, 1990, p.92).
Mesmo assim foram muitas as dificuldades nos land-grant
colleges quando tiveram início os seus primeiros cursos. Além do baixo
nível do conhecimento científico sobre os problemas da terra, a
precariedade das condições para que as aulas fossem ministradas era tanta
que os professores tinham que recorrer ao máximo de criatividade para
suprir as deficiências. Comentado o fato, Bowman (1962) cita o caso de
Isaac Roberts que para realizar suas aulas de veterinária sobre dentição de

113
cavalos, desenterrava animais mortos e os virava no sentido do vento para
que ele e seus estudantes pudessem suportar o odor.
À medida em que as instituições foram se consolidando, apareceu
a “filosofia do land-grant college”. Tratava-se assim de “ensinar aos
fazendeiros mais do que como cuidar da fazenda [...]” (Barrow, 1990,
p.92).
Em alguns land-grant colleges, os “cientistas agrários”
enfrentavam, como observa Barrow (1990, p.93), os interesses das pequenas
empresas denunciando-as pela produção de alimentos contaminados ou
adulterados em suas medidas e pesos. No entanto, quando houve o
enfraquecimento do poder agrário e a abertura dos governing boards para a
participação dos businessmen, estes apontaram para uma racionalização
institucional dos colleges e para o ideal corporativo, o que gerou inúmeros
atritos com o pessoal docente. Os land-grant colleges foram então acusados
“de não contribuir para uma divisão socialmente eficiente do trabalho ao
oferecer instrução em artes liberais e humanidades [...]” e se viram
excluídos de recursos provenientes de instituições filantrópicas de suporte
ao ensino superior (Barrow, 1990, p.93).
Com a vitória dos businessmen, os currículos dos land-grant
colleges passaram a comportar somente aquelas disciplinas estritamente
voltadas para a formação de homens para a agricultura e a educação para as
artes mecânicas, definida como formação educacional ampla, cujo mais alto
nível constitui os estudos para a formação de engenheiros. Além disso,
havia as disciplinas para a formação de veterinários e, mais tarde, para a
formação de economistas domésticas. Esta ênfase nos estudos voltados
estritamente para as questões do meio rural foi, no período, tão forte que,
como resultado, algumas instituições eram chamadas popularmente como
“cow colleges”.
O ensino na ESAV, como foi mencionado no início deste
trabalho, estava organizado, até 1947, em três níveis. O curso elementar,
com duração de apenas um ano, era destinado à formação de agricultores e
capatazes rurais, tendo um caráter basicamente prático. Esse curso atendia
filhos de agricultores que não tinham oportunidade de receber uma
instrução mais completa. De todo modo, os candidatos ao mesmo deveriam
submeter-se a um exame de admissão na própria Escola, constando este de
uma prova de caligrafia, uma prova de leitura, além de prova de escrita e
aritmética. O curso médio, com duração de dois anos, era destinado à
formação de técnicos agrícolas e administradores rurais, atendendo filhos de
fazendeiros ou agricultores que não tinham oportunidade de freqüentar o
curso ginasial. Para admissão ao mesmo, o candidato deveria apresentar
atestado de aprovação final em grupo escolar reconhecido oficialmente ou

114
submeter-se a exame de admissão na ESAV, do qual constavam provas
escritas de português, de aritmética e de noções de geometria e desenho,
além de prova oral sobre noções de geografia, história do Brasil e educação
moral e cívica. Os cursos superiores tinham duração de quatro anos
destinavam-se à formação de profissionais de agronomia e veterinária. Para
admissão, o candidato deveria apresentar certificado de aprovação em
estabelecimento ginasial equiparado ao Colégio Pedro II. Os cursos de
especialização tinham duração de dois anos, destinando-se a formar
especialistas em agronomia ou em veterinária, os quais recebiam o título de
Doutor em Agronomia ou Doutor em Veterinária.
Em todos os casos, era enfatizado o caráter “teórico-prático e
não livresco” do ensino na ESAV, não havendo nenhuma evidência de
vestígios da chamada “filosofia dos land-grant colleges” na nossa
instituição.
No que se refere ao currículo, as disciplinas também eram
estritamente limitadas àquelas que parecem minimamente necessárias à
formação de agrônomos e veterinários.
A ESAV teve como equivalente à educação para as artes
mecânicas o Departamento de Engenharia Rural, cujas disciplinas eram
Mecânica Agrícola, Topografia, Motores e Máquinas Agrícolas, Hidráulica
Agrícola, Estradas de Rodagem, Construções Rurais, Desenho a Mão Livre,
Geométrico, Topográfico e Arquitetura Rural.
Retomando a experiência dos land-grant colleges, no que se
refere à pesquisa, ela foi originalmente resultado da “pressão para construir
algo para ensinar” (Bowman, 1962, p.527).
Na verdade, até a Segunda Guerra Mundial, as pesquisas
desenvolvidas se restringiam a pesquisas aplicadas desenvolvidas em
estações experimentais tendo em vista a solução de problemas locais.
Quando chegou a Guerra, os land-grant colleges foram induzidos
a cooperar em projetos bélicos, tendo alguns desenvolvido pesquisa com o
uso de isotopos radioativos para avaliar reações químicas. Neste período,
desenvolveram pesquisas sobre métodos de conservação de estoques de
alimentos para que estes não perdessem suas propriedades nutritivas.
Destacaram-se aí as pesquisas que resultaram na criação do milho híbrido e
na descoberta de estreptomicina.
Depois disso, colocaram-se preocupações mais amplas em termos
de pesquisa, principalmente quanto a pesquisa básica.
Na ESAV, a pesquisa, exclusivamente aplicada, também esteve
voltada para a busca de soluções para problemas imediatos da região da
Zona da Mata mineira. Ela foi organizada inicialmente com base nos
Departamentos existentes, os quais deveriam realizar “experiências sobre

115
plantas e animais, estudos e pesquisas originais com o fim de se
descobrirem verdades básicas úteis a agricultura e a pecuária do Estado e
se produzirem novas espécies e variedades, com valor econômico”,
conforme o decreto n.7323 de 1931.
Neste contexto, foram realizadas experiências para o combate à
saúva, para o combate a pragas em plantas como o feijão, o algodão, e,
ainda, experiências com o álcool motor.
Em 1932, foi feita na Escola a proposta de criação de um
Conselho Experimental de Agricultura. De todo modo, somente em 1938 foi
criada uma Estação Experimental. Pouco antes disso, já vinham se
desenvolvendo experiências para a hibridação do milho.
Assim como os land-grant colleges, que tinham em vista, desde a
sua fundação, a produção de conhecimento que tivesse aplicação prática na
vida das pessoas em geral, desde cedo, a ESAV tratou de organizar
atividades extra muros que envolviam cursos de curta duração e visitas para
demonstração nas fazendas vizinhas. Nos land-grant colleges, desde o
início, a solicitação por esses serviços foi se avolumando, levando alguns
professores a produzirem artigos para jornais e boletins e a freqüentarem
com regularidade encontros com os fazendeiros. Logo muitos colleges
começaram a organizar cursos fora do campus e a estruturar seus
departamento de extensão. Desse modo, logo estabeleceu-se nos land-grant
colleges a tripla função de ensino, pesquisa e extensão.
Na verdade, a prática extensionista iniciou-se, nos Estado
Unidos, através das associações agrícolas, fundadas por fazendeiros que
tinham a finalidade de discutir e buscar soluções para os problemas
relativos à comercialização e ao aumento da produtividade de suas culturas
e da pecuária. Nestas associações eram realizadas palestras, reuniões, feiras
e concursos, visando um contato mais estreito entre os chamados farmers.
Logo foram criados Conselhos de Agricultura, os quais, junto com as
associações, promoviam conferências públicas e cursos de curta duração
conjugados aos trabalhos desenvolvidos nos land-grant colleges. Assim, em
1914, quando o governo norte-americano editou o Smith Lever Act, a
extensão agrícola já estava em marcha. De todo modo, sem as estações
experimentais, criadas a partir de então, a história da extensão teria sido no
máximo uma mera sombra do que se conheceu no século XX. (Bowman,
1962, p.537).
Vale notar que quando da inauguração da ESAV, não havia
associações locais de agricultores estruturadas como aquelas dos Estados
Unidos. Deste modo, o trabalho de difusão das atividades feito pela
instituição teve grande repercussão, ensejando solicitações por consultas
técnicas e por cursos de breve duração. Era comum a correspondência de

116
fazendeiros, os quais enviavam cartas à Escola, pedindo informações sobre
o combate a determinadas pragas, o uso de adubos químicos e indicação de
melhores espécies vegetais para determinadas regiões. Também eram
comuns as cartas solicitando catálogos de exposições realizadas pela
instituição e os pedidos de compra de determinados produtos.
As constantes visitas de pequenos e médios proprietários rurais à
Escola para cursos de breve duração acabou dando origem, em 1929, à
Semana do Fazendeiro, evento que, ao modo das Farmer’s Weeks, criadas
nos land-grant colleges por volta de 1914, reunia nos campus os
agricultores e suas famílias.
A Semana do Fazendeiro se inscreveu definitivamente no
calendário da ESAV, perpetuando-se pela Universidade Federal de Viçosa
que a realiza anualmente. Sua finalidade original era a propaganda do
trabalho agrícola da Escola, vindo o agricultor receber ensinamentos nas
suas estações experimentais. A Semana do Fazendeiro é considerada um
marco nas origens da extensão rural no Brasil.
Como os colleges, a ESAV organizou um departamento
específico para coordenar todas as suas atividades de extensão – o
Departamento de Educação Rural, criado em 1939.
A despeito do pioneirismo da ESAV quanto à extensão rural
como prática de extensão universitária no Brasil, somente em 1948, ao
transformar-se em UREMG, foi aprovado o Regimento do seu Serviço de
Extensão. Junto com ele se constituía também o Serviço de Experimentação
e Pesquisa. Estes, juntamente com a Escola de Especialização; a antiga
Escola Superior de Agricultura; a Escola Superior de Veterinária, que era
devolvida de Belo Horizonte para Viçosa, e a então recém criada Escola
Superior de Economia Doméstica passavam a constituir as unidades básicas
da instituição.
Assim estruturada, a UREMG contava com um “Fundo
Universitário” para a garantia do seu funcionamento, o qual era constituído
de apólices estaduais inalienáveis, “cujos juros rendam a importância de
doze milhões de cruzeiros”, de duzentos e cinqüenta mil hectares de terras
devolutas, de bens até então sob jurisdição da ESAV e de doações,
subvenções e legados, conforme a lei n. 272 de 1948 responsável pela
criação da Universidade Rural.

Considerações Finais

O modelo do land-grant college foi em grande parte absorvido


pela ESAV. Em nossa instituição, todavia, tal modelo não conheceu a face

117
mais progressista e democrática contida na chamada “filosofia dos land-
grant colleges”, depurada daquelas instituições após a vitória dos
businessmen sobre os fazendeiros. Desse modo, apesar das dificuldades
enfrentadas, os conflitos em que esteve envolvida a ESAV foram de outra
natureza. Com o afastamento do Prof. Rolfs da direção da Escola em 1929,
seu sucessor, o Prof. Bello Lisboa, que passou a dirigi-la até 1936, atraiu
para si a antipatia não só do próprio Rolfs, que tornou-se consultor técnico
da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, à qual a Escola estava então
subordinada, mas também dos estudantes, cuja insatisfação com o mesmo
resultou numa greve que teria motivado a sua demissão. Cabe lembrar que
foi sob a direção de Lisboa que a Escola esteve ameaçada de desativação.
A transformação da ESAV em UREMG parece concluir o ciclo
de absorção do modelo. Três elementos são elucidativos: a criação do
Fundo Universitário, a criação do curso superior de economia doméstica e a
institucionalização do trabalho de extensão rural. No caso daquele Fundo,
parecia constituir-se um patrimônio que desde a origem os land-grant
colleges garantiram com a Lei Morril. Sobre o curso de economia
doméstica, ele foi fundamental nos colleges, tendo papel dos mais
importantes na extensão rural. No nosso caso, a atuação das economistas
domésticas na extensão rural foi decisiva para a sua consolidação. A
extensão universitária no Brasil, tratando-se de extensão rural, teve seu
marco com os trabalhos da ESAV, mas foi com a institucionalização do
Serviço de Extensão que ela adquiriu reconhecimento nacional, tornando-se
uma referência.
Vale notar que a superação da crise da ESAV se fez, em grande
parte, com o apoio de entidades norte-americanas com as quais foram
estabelecidos convênios de cooperação. Estes resultaram numa série de
programas, que além de gestar o curso de economia doméstica, implicaram
a consolidação da extensão rural de nossa instituição, a qual acabou por
estas razões, entre outras, por ser escolhida, nos anos 1960, como um dos
locus principais dos trabalhos da United States Agency for International
Development (Usaid) na área educacional no Brasil.

Referências

BARROW, C. Universities and the capitalist state. Corporate liberalism


and the reconstruction of american higher education. 1894-1928. Madison:
The University of Wisconsin Press.1990.

118
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no século XX. Viçosa: Editora UFV, 2000.
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TEIXEIRA, Anísio. A universidade de ontem e de hoje. Organização e
Introdução, Clarisse Nunes. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998.

119
Maria das Graças M. Ribeiro é Professora Adjunta da Universidade
Federal de Viçosa. Socióloga e Doutora em Educação: História e Filosofia
(PUC/SP). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Educação Pública: História
e Política. E-mail: mgrib@uol.com.br. Endereço para contacto: Av. P.H.
Rolfs, n.265 apt. 404. Viçosa-MG - Cep.36570-000

Recebido em: 20/07/2005


Aceito em: 20/01/2006

120
A fotografia e a pesquisa em História da Educação:
elementos para a construção de uma metodologia
Elisa dos Santos Vanti

Resumo:

O artigo busca levantar questões sobre a análise da fotografia e sua contribuição para a
metodologia de pesquisa em História da Educação, incluindo informações acerca da História
da Fotografia, dos processos fotográficos e dos elementos de análise que devem ser observados
tanto na fotografia objeto como na fotografia impressa em jornais ou revistas.
Palavras-chave: História da Educação; História Da Fotografia; Metodologia da Pesquisa.

Abstract:

The article searchs to raise questions on a study of the photography and its contribution for the
methodology of research in History of Education, including informations concerning the
History of the Photography, its processes and the elements of studies that they must in such a
way be observed in the photography object as in the printed photography in newspapers or
magazines.
Key-words: History of the Education; History of the Photography; Methodology of Research.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 121-130, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
A história da educação não pode ser mais contada usando-se
apenas os registros e fontes escritas. Durante o século XX, a popularização
do uso da imagem fixa beneficia a conservação das memórias escolares – as
crianças convertidas em alunos, os docentes, os prédios e suas arquiteturas,
as festividades.... assim, na medida em que foi sendo capturada pela câmara
escura passa a contar com registros iconográficos contínuos que permitem
um estudo comparado necessitando que historiadores da educação venham a
apropriar-se de novos saberes que instrumentalizem a operacionalização
dessas fontes.
A fotografia nasceu no ambiente positivista do século XIX,
beneficiando-se de descobertas e inventos anteriores, como as câmeras
escura e claras e, da vontade de se encontrar um meio que permitisse a
reprodução mecânica da realidade visual. Dubois (1993) traça um
interessante percurso histórico das diversas posições defendidas pelos
críticos e teóricos da fotografia propondo pontos de vista diferenciados
quanto à questão do realismo e do valor documental da imagem fotográfica.
Em sua classificação os analistas preocuparam-se em estudar:
• a fotografia como espelho do real (o discurso da mimese) -
que vê na fotografia uma reprodução mimética do real.
Preocupando-se com a verossimilhança, ou seja, com as
noções de similaridade e de realidade, de verdade e de
autenticidade da fotografia diante do real. Trata-se aqui do
primeiro discurso sobre a fotografia que vai se ampliando e se
disseminando com o próprio surgimento da fotografia.
• a fotografia como transformação do real (o discurso do
código e da desconstrução). A segunda atitude consiste em
denunciar essa faculdade da imagem de se fazer cópia exata
do real. Qualquer imagem é analisada como uma
interpretação – transformação do real, como uma formação
arbitrária, cultural, ideológica e percentualmente codificada.
A foto é aqui um conjunto de códigos.
• a fotografia como um traço do real (o discurso do código e da
desconstrução)- Nesse estágio, encontrando apoio nas teorias
semióticas de Ch. S. Pearce, os analistas, segundo Dubois
(1993), reconhecem a importância dos estágios anteriores
como etapas para a construção da concepção do realismo no
qual baseiam-se os analistas da fotografia na atualidade
tratando a fotografia como índice e superando e relativizando
a perspectiva de denúncia ideológica do “efeito do real”.

122
É exatamente nesta terceira perspectiva que a análise
iconográfica da fotografia deste ensaio parte, ou seja, partindo-se da
denúncia da fotografia como produto ideológico e cultural liberta-se dessa
perspectiva ao transcender a análise puramente simbólica buscando os
sentidos e os efeitos de sentidos causados no próprio pesquisador.
Parece irrefutável que exista uma aproximação estreita entre a
fotografia e a História, já afirma Barthes (1984, p.13): “o que a fotografia
reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que
nunca mais poderá repetir-se existencialmente”. As imagens perpetuadas
pela fotografia documentam por si só, a história. Toda a fotografia já é
passado, pois, todo o momento vivido, congelado pela imagem fotográfica,
é irreversível. A fotografia revela apenas o mundo físico do acontecimento,
as emoções vividas pelo sujeitos retratados são invisíveis. São emoções que
o leitor-analista não apenas sente, mas, imagina, sonha, e, portanto, as vê
em um certo sentido. Além disso,
É indiscutível a importância da fotografia como marca cultural de
uma época, não só pelo passado ao qual nos remete, mas também, e
principalmente, pelo passado que traz à tona. Um passado que
revela, através do olhar individual que envolve a escolha
efetivamente realizada; e outro, coletivo, que remete o sujeito à sua
época. A fotografia assim compreendida, deixa de ser uma imagem
retida no tempo para se tornar uma mensagem que se processa
através do tempo, tanto como imagem/documento quanto
imagem/monumento. (CARDOSO, 1997, p. 406)

A fotografia por suas próprias características leva o Spectador


(Barthes, 1984) a acreditar que a imagem fotográfica é a cópia da realidade,
que a fotografia faz ver o objeto ele-mesmo - tal como foi. No entanto, uma
imagem fotográfica é algo eminentemente fabricado. Essa característica
aproxima a fotografia do mito.
O mito e a fotografia não são nada mais, nada menos que
instrumentos recíprocos a serviço da incessante tentativa que os
homens têm para dizer a realidade, a vida e a morte, realimentá-las
incessantemente, para, assim sendo, relembrar-se dos mitos e provê-
los de um presente indicativo de que sempre precisarão para que
possam, também, existir. A vida e a morte, o presente e o passado,
se confundem numa circularidade que o futuro do mito deixa sempre
aberto. (SEMIAN, 1998, p. 130)

E como esse realismo fotográfico é produzido?


O realismo fotográfico é, de certa forma, fabricado sob as
representações sociais e é constituído com finalidade de provocar
determinados efeitos de sentido. Tecnicamente, o fotógrafo, executor do
dispositivo fotográfico, dispõe de escolhas operadas sobre os aspectos
mecânicos e/ou físico-químicos (objetiva, película, modalidades de

123
revelação, tiragem...), escolhas que têm conseqüências significativas sobre
essa produção e reprodução da realidade. Tais ajustes visam focalizar o
objeto sob diferentes atributos: luminosidade mais nítida, contornos mais ou
menos desfocados e contrastes modificados, por exemplo.
Um outro dispositivo de fabricação da realidade fotográfica que
se poderia citar é o próprio enquadramento, ou seja, a escolha daquilo que
estará dentro ou fora do campo da imagem a ser capturado, o ângulo de
observação, a posição dos sujeitos dentro desse campo, etc. Podemos ir
além, para questionar a relação do fotógrafo com os sujeitos a serem
fotografados: se os sujeitos também têm gerência sobre essa fabricação (se
eles tem ou não poder de escolha de ângulos, posições, etc), se a fotografia
é ou não tirada com a permissão dos sujeitos que a compõem, entre outras
relações.
Essa realidade (fabricada) é percebida e traduzida pelo Spectador
da imagem fotográfica de acordo com seu conhecimento de mundo, por sua
história de vida, pelo seu filtro cultural, pelos seus óculos sócio-históricos.
A imagem, o referente é, então, resignificada (Blikstein, 1985).
No entanto, como acontece no caso dos enunciados gráficos, a
forma de resignificar do simples leitor-observador é, essencialmente,
diferente a do leitor-analista. Supõe-se que o leitor-analista, por sua entrega
aos aportes teóricos, vai além do imaginário coletivo e ideológico que está
presente na construção da realidade fotográfica e através de seu imaginário
individual redimensiona as possibilidades de interpretação da imagem
fotográfica, ou seja, o Spectrum da fotografia (Barthes, 1984).
Na busca de estratégias de interpretação encontra-se a análise
iconográfica que exige uma incursão em profundidade na cena representada,
mas que se situa ao nível da descrição e como um meio caminho na busca
das significações da imagem. Porém, ver, conhecer e constatar não é
suficiente. Num plano pós-iconográfico, busca-se a interpretação
iconológica centrada no indivíduo enquanto intérprete de sua própria
história.
Concordando com Barros (1992) existem dois níveis distintos de
significações, um visível e outro dimensionável. O leitor-analista tem o
compromisso de ir além do visível ampliando-o, buscando o que não está
explícito ou não tão aparente, e sim o que a imagem oculta. Mas também,
lembra Barthes (1984), da afinidade especial que desenvolvemos por
algumas fotografias, afinidade essa que vai além do medíocre gostar e não
gostar (Studium - Barthes, 1984), mas que, de alguma forma marcam,
ferem, dilaceram, abrem uma brecha, imagens que saltam da fotografia, que
pungem. A esse sentimento incomum gerado a partir do Spectador diante do
Spectrum, Barthes chamou de Punctum. Assim que, a sensibilização do

124
olhar e, mais ainda, a entrega emotiva, constituem esse redimensionamento
da imagem e essa busca de outras interpretações. É Semian (1998, p. 12)
que afirma que Barthes escolheu o caminho da infância, caminho um tanto
selvagem da percepção e da imaginação erenunciando ao pensamento
domesticado, renunciava a este império dos signos para suas interpretações
semiológicas da imagem fotográfica.
A fotografia, uma técnica de registro de imagem através da
impressão da luz que contém em si diversos dispositivos de representação
cultural, de configurações de atividades sociais, de construção de objetos e
de conceitos e de produção de subjetividade, é, concordando com Barros
(1992), estética de uma ética. Portanto, a utilização da fotografia na
pesquisa historiográfica deve superar o viés de pura ilustração ou
confirmação de um realismo que, ideologicamente, acredita-se que ela
contém. A fotografia na pesquisa historiográfica deve ser entendida como
documento-monumento e tratada como tal, com componentes que devem
ser desconstruídos, desmontados qualitativamente, procurando nessa outra
aplicação da fotografia, o que Berger (1980) chamou de terceira utilização
da fotografia, que prevê uma maior amplitude de associações e
desdobramentos de um acontecimento retratado, imortalizado por essas
lentes da memória.
Uma descrição escrita minuciosa dos componentes da fotografia,
seu exame com lupa ou ampliação digitalizada do material, e o estudo
cuidadoso e planejado que permita muitos retornos ao material para deter-se
em impressões passageiras e obscuras a fim de esclarecê-las e aprofundá-
las, ajudam na interpretação das imagens.
Uma análise comparativa de fotografias de tempos diferentes,
sobre a mesma temática, buscando regularidades (permanências),
descontinuidades, contradições (mudanças e transições), além de deixar-se
mergulhar afetivamente em seus componentes semióticos são o coroamento
desse processo.
Afirma Pavão (1997) que é possível definir-se períodos na
evolução das técnicas de captação da imagem que contam a própria História
da Fotografia. Entendendo por processo fotográfico o conjunto de
procedimentos e processos químicos e fotoquímicos que conduzem à
obtenção de uma fotografia, o autor entende que cada fotografia foi
produzida por um processo fotográfico, que é possível identificar e que
determina a sua estrutura e materiais componentes. Nos primeiros tempos
da fotografia, todo o processo era realizado pelo fotógrafo, no seu estúdio e
em casa, a partir de materiais simples como papel, vidro e sais de prata.
Com a industrialização, a produção das fotografias passou gradualmente
para empresas de produção e de foto-acabamento, os fotógrafos passaram a

125
usufruir materiais mais elaborados, ficando apenas com s tarefas de expor,
revelar e imprimir.
Na segunda metade do século XIX, com a separação das famílias
devido a imigração, o Daguerreótipo pode favorecer um sentimento de
proximidade entre os membros separados geograficamente, os retratos de
família começaram a serem procurados por aqueles que podiam pagar por
eles. Daguerreótipo ou Dagueorretipia era um processo inventado pelo
francês Daguerre, onde as fotografias eram tiradas em lâminas de cobre
revestidas de prata que produzia fotografias de alta qualidade que não
podiam ser reproduzidas a não ser refotografando-as. O processo
fotográfico era dispendioso e sua técnica era pouco acessível à população,
estava mais imitada ao conhecimento do retratista.
O processo fotográfico utilizado pelos retratistas dessa época, que
levava os modelos a permanecerem na pose escolhida por um longo período
de tempo, contrastava com o propósito da fotografia. Isto é, a fotografia
queria causar um efeito de sentido do perpetuar a imagem do instantâneo,
do imediato, enquanto que a imagem do modelo e do cenário que a
fotografia representava eram artificialmente arranjados em uma cena,
fazendo-se que se oscilasse tão ambiguamente entre a execução do processo
de daguerreotipia e a representação no produto final da fotografia.Alguns
processos fotográficos foram tão importantes que, durante algum tempo,
foram mais usados do que qualquer outro, dominando completamente a
produção fotográfica. A história da fotografia pode ser dividida, por razões
de estudo e de método, em grandes períodos consoante a técnica fotográfica
dominante. Esses períodos são os seguintes:
• Período da daguerreotipia - de 1839 a 1855
• Período dos negativos de colódio húmido sobre o vidro e das
provas de albumina de 1855 a 1880
• Período dos negativos em gelatina e brometo de prata sobre
vidro e das provas em papel da fabricação industrial (de
gelatina ou colódio) - de 1880 a 1910
• Período dos negativos em película e das provas em papel de
revelação de 1910 a 1970
• Período da fotografia a cor cromogênea de 1970 a 1990
• Período da fotografia digital - de 1990 até os dias de hoje
A fotografia, ainda no século XIX, igualmente, desenvolveu sua
utilização na publicidade. Desde 1850, ela iniciou a ser usada para vender

126
produtos, procurando apresentar uma imagem persuasiva do artigo
anunciado instigando a uma necessidade premente de compra.
No entanto, foi também nas últimas décadas do século XIX, que
a máquina fotográfica foi sendo utilizada como instrumento de crítica e
reforma social. As guerras foram sendo retratadas pelas máquinas
fotográficas dos oitocentistas. Haviam fotógrafos na guerra civil americana
(1861 - 1865) e na guerra da Criméia (1855). Essas imagens foram
publicadas em jornais e revistas acompanhando a evolução tecnológica da
imprensa. Esse emprego da fotografia foi anunciado na imprensa pelotense
na seguinte nota:
Novas applicações da photographia - os correspondentes dos jornais
illustrados de Londres e dos estados unidos estão-se servindo da
photographia para enviar aos seus jornaes reproduções palpitantes
dos principaies episodeos das batalhas. Quando se deu a ultima
insurreição dos índios canadeanos, o capitão Peters, montado no seu
cavalo, e servindo-se de uma machina registrou detalhes do fato.
(Pelotas, Jornal Onze de Junho, 24 de julho de 1889).

Sob a premissa de que o testemunho mudo da fotografia teria


mais impacto que a palavra escrita, Jacob Riibs, um imigrante dinamarquês
residente nos bairros pobres de Nova York, tirou fotografias documentando
as condições de vida nesse bairro na década de 1880 (Newhall, 1949).
Uma foto documental ou foto da imprensa é uma imagem de
referente real, não é um produto de mercado como os demais, ela faz parte
da história material da cultura e das relações de comunicação. Sintetiza a
imagem como bem público, possui um contrato de credibilidade, exige uma
relação de identidade com a tecnologia e comporta a experiência da
mediação, isto é, mostra o mundo através de sua representação.
O interesse por esse tipo de fotografia acompanha os primórdios
da invenção. A publicação francesa de “Traité Pratique d´Impression
Photographique”, um livro de bolso distribuido pela primeira vez em 1874
como parte integrante da Biblioteca Fotográfica – coleção idealizada por
Gauthier-Villars et Fils – imprimeurs – libraires de Paris, reeditado em 1877
e com terceira edição inteiramente ampliada e revisada três anos após a
Segunda, dá a dimensão da atenção recebida por fotógrafos, litógrafos,
tipógrafos e por aqueles que trabalham com impressão em talho doce.
A fotografia no século XX irá disseminar também novas técnicas
que vão torná-la cada vez mais acessíveis ao manejo popular, como o filme
flexível criado por George Eastman, Nova York, em 1888. Eastman
introduziu para a sua câmera Kodak de 1888, um rolo de papel com
revestimento sensível á luz. O revestimento negativo era deslocado do papel
e utilizado para fazer as cópias. Cada rolo tirava 100 fotografias. Um ano
depois, o rolo de papel foi substituito por celulóide. Uma vez que não

127
requeria o laborioso processo de separar o papel do filme, era muito menos
dispendioso de processar, e por isso deu grande incremento à popularização
da fotografia (Gernshein & Gernshein, 1989).Nas primeiras décadas do
século XX, configura-se, então, a fotografia de estúdio, a fotografia
produzida pelos populares com as máquinas portáteis e a fotografia
documental, impressa em jornais, revistas, livros...
Em qualquer uma dessas tipologias, os elementos constitutivos de
uma análise iconográfica, conforme Kossoy (2000) são:
• O ASSUNTO - o tema escolhido, o referente fragmentado do
mundo exterior (natural, social, etc.),
• O FOTÓGRAFO - o autor do registro, agente e personagem
do processo
• A TECNOLOGIA DO PROCESSO FOTOGRÁFICO - os
materiais fotossensíveis, equipamento e técnicas empregadas
para a obtenção do registro, diretamente pela ação da luz.
Esses elementos ainda são permeados pelas coordenadas de
espaço geográfico e cronológico que resultam na imagem registro fixo de
parte do real, que reúnem em si um conteúdo composto de elementos
icônicos, a fotografia.
Em relação a fotografia impressa deve-se envolver-se nas
questões relativas a sua forma de impressão, incluindo os processos usados
e as justificativas de escolhas desses processos, já que no final do século
XIX, por exemplo, usavam-se vários procedimentos, tais como: a gravura
em talho doce, a gravura em água forte, a gravura em tinta água, a tipografia
e a litografia. Outro aspecto relevante de análise é observar são as melhorias
tecnologócas exigidas para a efetivação do uso da fotografia impressa ou
documental pois, isso implica na criação e aprimoramento de novos
procedimentos somando-se ao processo de captação e revelação da imagem,
a fim de atingir a inaterabilidade das provas, rapidez da tiragem, a tiragem
sem uso de iluminação artificial, a igualdade perfeita como valor de tom das
cores em todas as provas e cópias com extrema fidedignidade para um certo
número de exemplares.
Ainda no caso da fotografia de imprensa deve-se acrescentar o
fato de que esta não é uma estrutura isolada, é acompanhada do texto
jornalístico, que também deve ser analisado comparativamente à imagem
impressa, já que nem sempre elas são concorrentes (Barthes, 1990).
Embora, a fotografia documental ou de imprensa pretenda ser analogia do
real e ter como característica a objetividade, seus sentidos elaboram-se em
diferentes níveis de produção fotográfica que envolvem escolhas (por parte

128
do fotógrafo da prova a ser publicada), processamentos técnicos,
enquadramento, diagramação. Além disso, a fotografia documental ainda
pode sofrer procedimentos de conotação como trucagem (retoque,
aproximação ou distanciamento de elementos presentes na imagem, etc),
pose (postura ensaiada dos sujeitos captados pela objetiva), inclusão de
objetos (inclusão de objetos que caracterizam o momento ou a mensagem
que o fotógrafo quer representar), fotogenia (a imagem embelezada por
técnicas de iluminação, impressão e tiragem), esteticismo (quando a
fotografia se pretende arte, pintura, como no caso do pictorialismo do início
do século XX) e sintaxe (quando temos fotografias em seqüência, onde a
unidade de leitura é a própria seqüência e não os fragmentos desta).
Conforme Barthes (1990, p. 21), o código de conotação da
fotografia não é na realidade, nem natural, nem artificial, mas histórico, ou
cultural, código em que os signos são gestos, atitudes, expressões, cores ou
efeitos, dotados de certos sentidos em virtude dos usos de uma determinada
sociedade: a ligação entre os significante e o significado, isto é, a
significação propriamente dita. Desse modo, pode-se verificar que assim
como a transformação dos usos da fotografia fez evoluir a tecnologia do ato
de captar luz e sombra, a análise da fotografia objeto de culto privado ou da
fotografia impressa impulsiona a distensão e o aprofundamento da reflexão
metodológica da pesquisa em História da Educação cujas as questões
suscitadas nesse tipo de estudo procuram respostas cada vez mais criteriosas
sob o ponto de vista da análise metodológica.

Referências

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129
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Elisa dos Santos Vanti é pedagoga, especialista em Educação Infantil e


doutora em Educação pela UFRGS, atua como coordenadora pedagógica da
Escola Freinet em Pelotas. Atualmente, é professora adjunta da
Universidade Federal de Pelotas - Pesquisa em Infância e História da
Educação Infantil. Endereço: Rua Uruguay 1030 – Pelotas – RS.
Afnpelotense@ibest.com.br. Afnp@ubbi.com.br

Recebido em: 12/08/2005


Aceito em: 20/01/2006

130
O conceito "Exclusão" na literatura educacional
brasileira: os primeiros 25 anos (1974-1999) 1
Avelino da Rosa Oliveira

Resumo

O artigo investiga o aparecimento do conceito exclusão em quatro periódicos de circulação


nacional, no período entre 1974 e 1999. Seu objetivo é identificar os contextos teóricos em que
tal conceito passou a ser empregado na pesquisa em educação no Brasil, bem como discutir a
precisão ou imprecisão das diferentes significações de que se revestiu. Observa-se que nos
primeiros anos seu uso esteve associado ao temas da marginalidade cultural e da evasão-
repetência, enquanto nos anos 1990 passou a ser utilizado em relação a uma variedade temática
bem mais ampla. Conclui-se que a variedade de posturas teóricas aproxima-se mais da
aleatoriedade do que da pluralidade, tornando seu emprego pouco eficaz.
Palavras-chave: história da educação; exclusão educacional; marginalidade cultural;
analfabetismo; evasão escolar; repetência.

Abstract

The paper investigates the advent of the concept exclusion in four journals of education with a
nationwide circulation in Brazil in the period ranging from 1974 to 1999. It aims both at
identifying the theoretical framework in which this concept has started to be applyed in the
researches in the field of education in Brazil and at discussing the accuracy or not of the
different meanings it has attained. Its use has first been associated to the issues of cultural
marginality or school failure and dropping out, while in the 1990’s it started to be used in
relation to a much more varied set of subjects. The conclusion points out the limited efficacy of
the utilization of the concept exclusion, since the wide variety of theoretical approaches is
more aleatory than plural.
Key-words: history of education; educational exclusion; cultural marginality; illiteracy; school
dropping out; school failure.

1
O presente texto é uma versão ampliada e aprofundada de trabalho apresentado no IX
Encontro Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação, bem como no III
Congresso Brasileiro de História da Educação.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 131-159, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
A produção bibliográfica dos educadores brasileiros
contemporâneos tem acompanhado a tendência mundial das últimas
décadas, no sentido de uma utilização cada vez mais freqüente do termo
exclusão. Em diversos casos, restam sérias dúvidas relativamente aos
propósitos que têm movido muitos desses autores, de vez que a necessária
tematização, que poderia clarificar a amplitude conceitual pretendida no
emprego de tal termo, nem sempre acompanha o argumento. Então, antes de
um acréscimo, parece estar ocorrendo um desvio de compreensibilidade do
fenômeno que se deseja apreender. Com base nesta hipótese, foram
investigados quatro periódicos da área de educação – Educação e
Realidade, Cadernos de Pesquisa, Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos e Educação & Sociedade –, no período de 1974 a 1999.
Buscou-se mapear uma série de conceitos cujos contextos teóricos
estiveram relacionados, desde o nascimento, com o universo conceitual
designado pela exclusão educacional, visando compreender o contexto do
seu surgimento e utilização.

1 Exclusão no contexto da marginalidade

Uma das importantes temáticas da educação brasileira e que, sem


qualquer dúvida, possui estreito relacionamento com a exclusão educacional
é a marginalidade, cujas primeiras aparições no campo específico da
educação são claramente marcadas como marginalidade cultural. É neste
contexto que cobra sentido a indagação de Ruth Cardoso quanto à
adequação ou não do conceito de subcultura para a designação dos grupos
marginalizados. Em trabalho inserido nas discussões teóricas deste tema
relativamente à educação, adverte sobre o poder uniformizador da cultura
dominante transmitida, entre outros, pela escola. Acredita, entretanto, ser
importante buscar padrões culturais que, por sua diferença em relação ao
padrão dominante, possam servir como instrumento de resistência. Assim,
justifica a descrição dos marginalizados urbanos como subcultura, alertando
unicamente que “... é necessário não trabalhar com um conceito de cultura
que descreve um sistema estático, mas adotar uma postura que permita vê-la
como uma linguagem sempre refeita para permitir a comunicação dentro de
um sistema complexo.” (CARDOSO, 1975, p.5)
A principal preocupação dos teóricos da marginalidade cultural
na educação era o problema das altas taxas de evasão e repetência,
especialmente na 1ª série do 1º grau. E, inicialmente, o trabalho com a
noção de marginalidade cultural pareceria ter a capacidade de contribuir
decisivamente na solução do problema.

132
... uma solução é dar às crianças provenientes de ambientes
desfavorecidos os elementos de que necessitam para desenvolver
suas potencialidades naturais, antes da época de sua entrada oficial
na escola, ou seja, quando sua plasticidade intelectual e sua
capacidade de aprendizagem ainda não sofreram processos de
deterioração ou estagnação. Tal solução supõe, portanto, planejar
currículos adaptados às necessidades das crianças que nasceram e
estão se desenvolvendo em ambientes não estimuladores.
(POPPOVIC, ESPOSITO, CAMPOS, 1975, p.9)

Assim, a partir de dados empíricos, as autoras acabam concluindo


que “... grandes diferenças separam as crianças culturalmente
marginalizadas das que provêm de lares de classe média, tradicionalmente
bem sucedidas na escola.” (POPPOVIC, ESPOSITO, CAMPOS, 1975, p.37) De
posse destas conclusões, descartam definitivamente os objetivos tradicionais
da pré-escola como organização para a socialização e adaptação afetiva.
Para elas, havia já uma nova necessidade: a pré-escola deveria equipar a
criança culturalmente marginalizada com o que dela seria exigido na escola
e que lhe fora impossível obter no seu ambiente culturalmente marginal.
Retomar e insistir nas críticas que foram feitas e que ainda
persistem sobre estas posições seria algo como “chutar cachorro morto”.
Convém apenas concentrarmo-nos sobre a noção de marginalidade que aí
está presente e lembrar que os desdobramentos desta posição levaram
inclusive a iniciativas práticas que talvez devessem ser mais estudadas em
nossos dias. É o caso do Programa Alfa, um currículo pensado como ciclo
das três primeiras séries, acompanhado de amplo material de apoio às
professoras, direcionado para as crianças culturalmente marginalizadas e
projetado para ser implementado no contexto de um rol de soluções que “...
embora não sejam as mais perfeitas e adequadas, contenham possibilidades
de minorar o grave problema de repetição maciça em nível de 1ª série.”
(POPPOVIC, 1977, p.41) Mais tarde, fazendo um balanço de todo o Programa
já desenvolvido, os resultados mostraram-se, de acordo com sua principal
artífice, mais satisfatórios que a própria projeção inicial. (Cf. POPPOVIC,
1981)
O tema da marginalidade – especialmente sob a forma de
marginalidade cultural – era, na segunda metade dos anos 1970, o enfoque
de momento dos educadores que se punham à busca de uma compreensão
mais sólida sobre o fracasso da alfabetização escolar. Em torno da idéia de
marginalização, articulavam-se as questões de cultura e subcultura, cultura
dominante, currículo oculto, educação compensatória e outras. A maioria
dos trabalhos publicados a respeito da falência generalizada do sistema
educacional, que em suas primeiras séries resultava nos fenômenos da
evasão e da repetência, refletiam fundados num universo conceitual em que

133
essas idéias ocupavam lugar de destaque. Passemos à apresentação destas
produções.
CAMPOS (1975), estudando os estilos de socialização em famílias
de São Paulo e Brasília, discute até que ponto é possível a clara
identificação, dentro de uma população de nível sócio-econômico baixo, de
um grupo “marginal” e um “integrado”. Como não poderia deixar de ser,
seu ponto de partida é a constatação de que se trata de assunto claramente
em voga. Por isso, afirma: “Um dos temas mais discutidos e pesquisados
atualmente na América Latina, tanto do ponto de vista econômico, como
sociológico, antropológico e até psicológico, é o tema da marginalidade.”
(p.75) E sua proposta é problematizar esta noção em termos de
aplicabilidade prática. Assim, recuperando parte da discussão que se fazia, a
autora mostra as controvérsias que já vinha causando o conceito de
marginalização. Do ponto de vista econômico, teóricos como Anibal
Quijano e José Num defendiam sua legitimidade. Para eles o conceito
contribuía para entender uma nova contradição, própria do capitalismo
latino-americano, introduzindo algo como uma “sub-classe” no interior do
proletariado. Diferentemente, Francisco de Oliveira contestava esta posição,
afirmando que o aparente dualismo marginal-integrado obscurece a
existência de um sistema perfeitamente coerente, onde um setor moderno
cresce e se alimenta da existência de outro atrasado. Maria Machado Malta
Campos descreve as altercações entre os antropólogos favoráveis ao
conceito “subcultura de pobreza” e aqueles que o contestam. Para ela, “... a
argumentação feita em torno da legitimidade analítica do conceito de sub-
cultura reproduz, em outro nível de análise, aquela que existe a respeito da
noção de marginalidade.” (p.77) Todas estas discordâncias são recolocadas,
portanto, para justificar sua pretensão de identificar “... as ambigüidades e
contradições que a realidade empírica revela e que contradizem muitas
vezes o que os modelos explicativos mais esquemáticos propõem.” (p.77)
Ao final deste estudo comparativo, parcialmente negando a aplicabilidade
prática do modelo explicativo da socialização através do conceito de
marginalidade, a autora conclui:
... a questão teórica inicial da existência ou não de uma
diferenciação nítida no interior da população de trabalhadores, que
distinguiria claramente um grupo “marginal” de um não marginal,
continua em aberto. Se, do ponto de vista analítico, essa diversidade
básica pode ser fundamentada em posições razoavelmente coerentes,
no nível empírico ela já não se coloca de forma tão cristalina. Assim,
esquemas explicativos que parecem muito lógicos na teoria, às vezes
não expressam com suficiente ênfase o caráter dinâmico e a
ambigüidade que é sempre encontrada no real. (p.85)

134
Em outro estudo, onde é posta em evidência a questão das
diferentes culturas representadas por professores e alunos de periferia,
BARRETO (1975) critica as soluções simplificadas com que os professores
tentam enfrentar o complexo problema do confronto de culturas, quando
uma impõe-se sobre a outra. Para a autora, este é um fato crucial, se
pretendemos compreender adequadamente a educação formal. Os
conhecimentos, habilidades e atitudes transmitidas, bem como os processos
através dos quais ocorre esta transmissão, estão impregnados de valores, os
quais são, na verdade, a forma peculiar de perceber e interpretar a realidade,
própria de determinado grupo ou classe social. No nosso modelo de ensino,
os professores são a via preferencial de transmissão e inculcação desses
hábitos e valores. Professores e alunos, embora pertencendo ao mesmo
contexto urbano, têm maneiras de ser diferentes. Ao confrontarem-se no
processo educativo escolar, os primeiros servem-se de variados dispositivos
para tornarem evidente a superioridade de sua maneira de ver o mundo, em
relação à dos alunos. A análise de centenas de relatos de professores
primários de periferia, a respeito das dificuldades encontradas na sala de
aula, tanto dificuldades de natureza didático-pedagógica quanto relativas a
problemas de comportamento dos alunos, evidenciam um conflito
proveniente da confrontação da maneira de ver o mundo do professor – um
indivíduo pertencente às camadas médias da população – e o modo
vivenciado pelo aluno proveniente das camadas populares. Para BARRETO
(1975), o que falta ao professor de periferia é “... a compreensão da
realidade social como um todo e a perspectiva crítica que permitirá ver, para
além das diferenças de grupos ou classes, a contribuição que cada um deles
tem a oferecer à sociedade e, a partir daí, repensar sua atuação ao nível da
sala de aula e da instituição.” (p.109)
Em texto que reflete a visão dominante no MEC à época, ROCHA
(1976) defende a educação pré-escolar enquanto forma de oferecer
condições para o desenvolvimento da criança, conforme sua necessidade,
funcionando como alavanca indispensável para a universalização do ensino
de 1º grau. A educação pré-escolar surge, então, como medida paliativa e
preventiva, com o fim de suprir as deficiências que as crianças apresentam
na 1ª série. Segundo o ponto de vista da diretora do Departamento de
Ensino Fundamental do MEC, “... se não acudirmos as crianças antes que
entrem nos cursos regulares, a escola pouco poderá fazer por elas,
principalmente por aquelas marcadas por condições bio-psicossociais
inferiores.” (ROCHA, 1976, p.473) Neste sentido, a grande contribuição e,
portanto, missão insubstituível da pré-escola é funcionar como “... uma
forma de ampliar-se o ‘currículo escondido’ da criança que se inicia nos
processos de alfabetização, quando de seu ingresso no 1º grau.” (p.471)

135
Portanto, a par de relatar todos os feitos governamentais em prol da
educação pré-escolar, a autora deixa patente que sua proposta básica é servir
de instrumento profilático para o insuficiente preparo das crianças que
começam a freqüentar a 1ª série.
Num trabalho onde buscam analisar os efeitos da estimulação
verbal sobre o vocabulário e sobre o aproveitamento escolar da criança
marginalizada, BONAMIGO & BRISTOTI (1978) permitem-nos tomar contato
mais íntimo com a tendência de recurso à idéia de marginalização que
primeiro e mais fortemente viria a ser criticada. De acordo com a revisão
prévia de literatura que apresentam, a caracterização da marginalidade
acentua, entre outras coisas, o interesse no concreto e a predisposição à
indução ao invés da motivação pelo abstrato e pela dedução, deficiência no
comportamento verbal e ausência de toda sorte de pré-requisitos para a
educação formal. Além disso, a população marginalizada tem uma cultura
própria, diferente da cultura dominante. Entre as diferenças culturais mais
marcantes destaca-se o aspecto lingüístico, ou seja, a literatura referida
pelas autoras indica que os grupos sócio-econômicos menos favorecidos
apresentam linguagem deficiente que lhes predispõe ao fracasso escolar.
Assim, concluem inicialmente que há duas hipóteses a serem consideradas
para contornar o problema do aproveitamento escolar deficiente das
crianças marginalizadas, o qual encaminha para a evasão e a repetência: “...
ou se modifica o padrão verbal da classe baixa, a fim de que ela tenha
acesso à parte da cultura transmitida verbalmente pelas classes dominantes,
ou então se deverá modificar a forma de transmissão de conhecimentos,
usando na comunicação os códigos verbais dos sujeitos marginalizados.”
(p.27) As autoras, então, desenvolvem um projeto experimental de
enriquecimento verbal com um grupo de crianças marginalizadas, mantendo
duas hipóteses: primeiro, que este impulso lingüístico afetaria positivamente
o comportamento verbal dos sujeitos; segundo, que em função disso haveria
elevação dos índices de aproveitamento escolar. Tinham, pois, o
pressuposto de que a melhora na linguagem é condição essencial para a
compreensão e rendimento adequado nas diversas disciplinas escolares. Ao
final do experimento, os resultados foram avaliados em comparação com
um grupo de controle. “Todavia, a segunda hipótese não foi aceita, uma vez
que o tratamento estatístico não evidenciou diferenças significativas entre
os dois grupos em relação a desempenho escolar.” (p.36)
Bem ao final da década de 1970, a teoria da marginalidade
escolar começa a sofrer críticas lancinantes que a atingem não só sob o
aspecto da marginalização cultural, senão em sua estrutura teórica mais
geral. E para poder prosseguir o acompanhamento da gênese da exclusão na
educação brasileira, teremos que agora sair por um momento do caminho

136
principal, tomar uma via lateral e identificar as fontes teóricas das críticas
endereçadas à teoria da marginalidade. Pode-se considerar que elas
promanaram especialmente de duas direções.
Em primeiro lugar, de um grupo de pesquisadores articulados em
torno do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Estes
encontraram na tese de doutoramento de Lúcio Kowarick sua identificação
teórica mais acabada. Diferentes formas da teoria da marginalidade são
duramente criticadas, a partir de meticuloso trabalho de análise de seus
fundamentos e práticas. Em resumo, KOWARICK (1977) acusa as teorizações
até então desenvolvidas de restringirem o conceito de marginalidade a um
somatório de “motivos pessoais”, jamais se constituindo em categoria
analítica capaz de transcender as pessoas envolvidas na ação, ou então, no
caso dos enfoques que opõem “tradicional” e “moderno”, de identificar a
marginalidade meramente como “falta de algo” que poderia ser alcançado,
desde que cumprida a trajetória das sociedades “evoluídas”. Em seguida, é
buscada uma reorientação da teoria da marginalidade, segundo pressupostos
semelhantes aos da teoria da dependência, já francamente desenvolvida e
estabelecida.
É preciso superar estes tipos de categorização, equacionando a
marginalidade em outro nível analítico. Ela deve ser vista como um
processo que decorre de formas peculiares de inserção no sistema
produtivo. Isto significa que é a partir do processo de acumulação
capitalista que se torna necessário considerá-la. (p.60)

Coerentemente com sua matriz teórica, essa nova teoria, em que


marginalidade e dependência estão constantemente articuladas, utiliza todos
os conceitos marxistas em suas análises, mas guarda sempre uma certa
“distância prudencial” que demarca seu nascimento no espaço geográfico da
dependência. Acompanhemos as próprias formulações de KOWARICK
(1977).
O problema central está em saber como a força de trabalho é
integrada no processo produtivo na medida em que o capitalismo se
expande, penetra e domina os diversos setores da economia. [...] É
conhecido que o modo de produção capitalista, malgrado as
diferenças existentes de país para país, traz dentro de sua própria
lógica um conjunto de mecanismos que originam marginalidade...
Mas foge ao âmbito do presente trabalho situar a questão ao nível
das leis gerais do processo de produção capitalista [...]
Ao que tudo indica, a evolução do capitalismo latino-americano,
quando comparada à história trilhada pelos países desenvolvidos,
parece ser marcada por fenômenos distintos no que tange a
marginalidade. [...]
Situada a questão nestes termos, um vasto conjunto de contribuições

137
teóricas desenvolveu um quadro interpretativo que procura dar conta
da problemática da marginalidade na América Latina.
Este conjunto de teorias parte da constatação de que a marginalidade
é inerente ao sistema capitalista. No entanto, ao analisar as
sociedades latino-americanas, avança no sentido de categorizar
novos processos que geram marginalidade decorrentes do fato de o
sistema, além de ser capitalista, ser também dependente. (p.60-61)

A segunda fonte das críticas à teoria da marginalidade procede de


autores abertamente identificados com o marxismo. Em muitos casos, os
recursos analíticos que fundamentavam seus modelos de compreensão das
relações sociais estavam irremediavelmente submersos no esquematismo
estruturalista; em outros casos, recorriam unicamente à literatura
secundária, deixando a desejar em termos de profundidade teórica; alguns
marxistas, porém, passaram ao largo destas limitações e contribuíram
decisivamente na superação das vertentes funcionalistas. No caso específico
da crítica ao conceito de marginalização, o que importa destacar é que estes
teóricos não pretenderam reorientar ou refundar uma teoria da
marginalidade, senão que mantiveram suas análises relativas ao fracasso
escolar dentro de outro universo conceitual.
Podemos agora retornar ao caminho principal de nossa
argumentação que havíamos abandonado por um momento.
Um exemplo de crítica à idéia de marginalidade, fundamentada
nos princípios do primeiro grupo, ou seja, numa tentativa de fazer a análise
do fracasso escolar de acordo com uma orientação sócio-histórico-crítica
sem, no entanto, abandonar o conceito de marginalidade, pode ser visto no
trabalho de Carlos Eduardo M. Baldijão, produzido em contexto bem
particular. Uma das recorrentes preocupações na educação brasileira, em
função da companhia que nos faz a fome desde tempos imemoriais, tem
sido a relação entre pobreza, desnutrição e desenvolvimento mental.
Contribuindo com uma destas discussões, BALDIJÃO (1979) discute o
significado da desnutrição na economia capitalista, a partir de uma visão
histórica da sociedade, na qual o pauperismo e a fome são entendidos como
aspectos estruturalmente ligados ao modo de produção capitalista e não
como distorções de um sistema supostamente harmonioso. Seu primeiro
movimento teórico é, pois, de afastamento e crítica da visão funcionalista
que preside a maioria dos trabalhos em nutrição, os quais compreendem a
sociedade como um todo funcional. Então, seu alvo volta-se para a teoria da
marginalidade, afirmando que, aí, as análises, mesmo as relativas aos países
periféricos, são feitas segundo as noções de “moderno” e “atrasado”, sendo
que o primeiro refere-se ao processo de industrialização urbana, tomada
como norma. Esta mesma dualidade é transplantada para a defasagem
cultural. Enfim, a própria fome é explicada como aspecto disfuncional das

138
populações marginais. É preciso, então, “... deslocar a idéia de que esta
população ‘marginal’ seja disfuncional ao sistema, e o conceito de fome
deve ser visto basicamente como uma contradição que precisa ser analisada
na dinâmica do processo de acumulação do capital.” (p.49) Assim, o
afastamento do funcionalismo encaminha a argumentação, logo a seguir, na
direção de Marx, cujos conceitos mais importantes são retomados no
contexto da explicação do papel do exército industrial de reserva no
processo de acumulação do capital. BALDIJÃO (1979), entretanto, mantém-
se ainda nos trilhos da teoria da marginalidade refundada por Kowarick. “A
retomada da análise de Marx é importante, porque é possível estudar o
exército industrial de reserva no Brasil, hoje, de forma semelhante a que ele
fez para a Inglaterra no século passado, incluindo o estudo de marginalidade
feito por Kowarick (1977).” (p.51)
SIRGADO (1980) não se afasta muito desta linha teórica. Não há,
porém, em seu trabalho, convicção suficiente quanto à pertinência do
conceito “marginalidade”. Isto o faz oscilar entre acompanhar Kowarick ou
tentar um caminho autônomo. Envolvido nesta dúvida, emprega pela
primeira vez o termo exclusão, referindo-se aos processos através dos quais
a escola potencializa a evasão. Não obstante, é ainda a alternância
conceitual que marca sua posição. O propósito do artigo é discutir a
necessidade de uma pedagogia escolar que corresponda às características e
necessidades do menor marginalizado, ou seja, o autor pretende “...
questionar o papel do sistema educacional, como veículo das ideologias
dominantes, na solução do problema do menor ‘marginalizado’.” (p.49)
Entretanto, faz questão de salientar que toma o conceito de marginalidade
“... não como um instrumento conceptual de análise sociológica, econômica
ou política... mas como um instrumento de valor descritivo...” (p.49) De
posse deste instrumento, o que o autor pretende é analisar o modo
específico como os setores da classe trabalhadora de mais baixa renda
inserem-se no sistema produtivo. Deste modo, com uma compreensão mais
acurada desses menores, precariamente descritos como “marginalizados”, é
possível pensar em novos fundamentos do sistema educacional, que se
contraponham à escola elitista. Pois é justamente ao referir-se à realidade
escolar e à forma de sua atuação que surge, repetidas vezes, a idéia da
exclusão. Como concepção geral, SIRGADO (1980) refere-se ao não ingresso
e à não permanência dos marginalizados no sistema educacional formal.
“Não só a maioria deles não tem acesso à escola, mas quando nela entram,
são rapidamente eliminados graças ao complexo sistema administrativo-
burocrático de seleção e de exclusão.” (p.49) Sendo a escola um aparelho
ideológico das classes dominantes, é responsável pelo processo de
“iniciação” daqueles que garantirão a continuidade da sociedade de classes

139
e dos privilégios dos dominantes. E insiste novamente na idéia da exclusão,
referindo-se ainda à falta de acesso e à evasão. “Dessa iniciação são
excluídos – no caso do Brasil – setores majoritários da população em idade
escolar, os quais ou não têm acesso à escola ou, quando têm, são dela
rapidamente eliminados graças aos mecanismos de seleção e de exclusão...”
(p.51-52) Outras vezes a idéia retorna sempre descrevendo os mesmos
fenômenos. Entretanto, quando já prepara a proposta de uma pedagogia
radicalmente diferente da existente, refere-se não apenas ao sistema
educacional, senão ao modelo social, do qual a escola é um dos
instrumentos de reprodução, como gerador de exclusão e, simultaneamente,
marginalização. Não torna claro, porém, se está a referir-se a conceitos
diferentes ou, como é minha suspeita, se apenas demonstra a incerteza e a
oscilação entre acompanhar a perspectiva da teoria da marginalidade e
dependência ou abrir um caminho autônomo.
Falar, então, de pedagogia para o menor “marginalizado” equivale a
falar numa outra categoria de pedagogia que é, em relação à
pedagogia dominante, uma antipedagogia. Esta pedagogia só pode
ser uma pedagogia denunciadora de um sistema social excludente e
marginalizante e de uma concepção de educação alienante e elitista.
(p.57)

No decurso dos anos 1980, embora os conceitos ainda façam


algumas aparições esporádicas, a teoria da marginalidade e dependência
entra em franco declínio. Neste contexto, o conceito de exclusão vai
paulatinamente ocupando o cenário. Em 1982, a revista Educação e
Sociedade organiza um número unicamente sobre A luta pela autonomia e
contra a exclusão. De orientação nitidamente anarquista, o editorial adverte
que a luta contra a exclusão social em geral implica na luta contra a
exclusão escolar. Neste número, Lia Fukui, Efigenia Sampaio e Lucila
Brioschi contribuem com um texto intitulado Escolarização e sociedade:
um estudo de excluídos da escola. Neste artigo, a exclusão escolar é
claramente tomada como a categoria analítica central de toda argumentação,
sendo trabalhada em relação a diversos outros conceitos. Após situarem-se
com relação às diferentes linhas teóricas adotadas pela Sociologia da
Educação, as autoras anotam que o sistema educacional brasileiro é
composto de um sistema regular e um supletivo e definem como sua
característica essencial a ineficiência e conseqüente produção do excluído
da escola. Citando dados do MEC e comparando resultados do Censo
Demográfico de 1970 com dados posteriores relativos ao Estado de São
Paulo, concluem que, mesmo nas regiões mais desenvolvidas do país, a
totalidade da população escolarizável tem uma média de escolarização
inferior a quatro anos. E o que é mais grave, constatam que “... embora a
criança freqüente a escola vários anos, os estratos menos privilegiados têm

140
pouca probabilidade de atingir a alfabetização funcional...” (FUKUI,
SAMPAIO, BRIOSCHI, 1982, p.75) A partir destas constatações preliminares,
as autoras buscam caracterizar socialmente os excluídos da escola e analisar
o significado que a escola tem para eles. Neste contexto, oferecem uma
definição clara da categoria com que estão trabalhando, a saber: “... o
excluído neste trabalho é a criança ou adolescente entre 10 e 14 anos de
idade que não freqüenta escola. Considerou-se como excluído parcial aquela
criança que abandonou a escola depois de tê-la freqüentado; o excluído
total, aquela que nunca freqüentou a escola.” (p.76) Para o desenvolvimento
empírico da investigação, elegem uma das regiões economicamente mais
desenvolvidas do Estado de São Paulo e aí fazem levantamentos – através
de dados oficiais e de surveys – em áreas urbanas e rurais, bem como
realizam entrevistas. Os resultados são apresentados separadamente em
relação ao sistema escolar, à clientela e aos excluídos. De modo geral,
entretanto, a constatação é de que, na região estudada, a quase totalidade
das crianças ingressa na escola. Contudo, seja em função da própria
organização escolar, seja devido às condições efetivas de permanência, a
escolarização caracteriza-se como um processo profundamente seletivo.
Deste modo, coerentemente com a conceituação com que trabalham, as
autoras avançam para conclusões que tomam como referência o problema
da exclusão escolar. Relacionando-a com a forma de organização do
sistema escolar, afirmam: “O sistema educacional organizado, no que se
refere à escola elementar, em ensino regular e supletivo tem como resultado
a seletividade e a conseqüente exclusão de parte da população escolar.”
(p.89) Por fim, relacionando a exclusão com a alfabetização, acabam por
fazer justiça ao título do artigo. “Na realidade, a alfabetização funcional não
chega a ser concretizada, dada a grande evasão que se verifica nas duas
primeiras séries do 1º grau, caracterizando assim uma das formas de que se
reveste a reprodução das desigualdades sociais no país: a exclusão do
sistema escolar.” (p.90)
No mesmo ano de 1982, a revista Cadernos de Pesquisa também
organiza um número especial monotemático, mas aqui o tema escolhido é
Educação e marginalidade na América Latina. Guiomar Namo de Mello e
Juan Carlos Tedesco, os organizadores, assinam dois textos – Apresentação
e Conclusão – que claramente indicam, embora bem outro seja o propósito
dos autores, o movimento de progressiva ocupação do espaço do conceito
de marginalidade pelo de exclusão. Na verdade, há uma decidida defesa da
teoria da marginalidade e dependência. Os organizadores não desconhecem
as críticas a que foi submetido o conceito de marginalidade, entretanto,
acreditam ainda em seu potencial teórico e político. Para eles, “... o conceito
de marginalidade tem servido como referência importante, tanto em

141
investigações quanto em formulações de políticas sociais.” (MELLO,
TEDESCO, 1982a, p.4) Malgrado a defesa feita, demonstram estar
titubeantes. Assim, já ao iniciarem a exposição dos critérios que pesaram na
definição do tema, parecem usar indistintamente marginalidade e exclusão.
A existência de grandes segmentos sociais excluídos dos benefícios
do desenvolvimento econômico pelo qual estão passando os países
da América Latina vem motivando o grande interesse pelo estudo
das relações entre tais segmentos e a dinâmica social. Desse modo, o
problema da marginalidade tem constituído um dos eixos centrais ao
redor dos quais giraram as interpretações da realidade social latino-
americana. (p.4)

Para os autores, embora os estudos sobre a educação nem sempre


dediquem muita atenção ao tema, a marginalidade é uma preocupação
comum dos cientistas sociais e planejadores. No entanto, ao argumentar a
favor de que a educação esteja mais atenta à temática da marginalização,
formulam suas razões recorrendo à idéia de exclusão. “... porcentagens
bastante significativas desses mesmos setores [populares] permanecem sem
acesso ao sistema educacional, ou dele são precocemente excluídos...” (p.4)
Pouco adiante, referem-se “... [à] crença um tanto ingênua de muitos
educadores, de que o aumento quantitativo e o aperfeiçoamento técnico das
instituições educacionais seriam suficientes para resolver o problema da
exclusão dos setores populares.” (p.5) Mais à frente, revelam plena
concordância com a posição de FUKUI, SAMPAIO, BRIOSCHI (1982) que
comentamos anteriormente, afirmando que a despeito da expansão
quantitativa do atendimento educacional nos países latino-americanos, “...
na estrutura mesma das instituições educativas atuam fatores que
materializam a exclusão e a expulsão das camadas populares.” (MELLO,
TEDESCO, 1982a, p.5) E mesmo quando indicam a exigência que deve ser
feita a quem estuda as relações entre educação e sociedade, é ainda em
termos de compreender a exclusão e suas relações que a formulam. Para
eles, é preciso tomar “... como um bloco único de problemas o acesso à
educação, os mecanismos de exclusão nela existentes e os resultados
produzidos em termos da destinação social dos que ela consegue, ainda que
precariamente, atingir.” (p.5-6) Por fim, a forma como resumem a
relevância de ser dedicado um número especial de um periódico às relações
entre educação e marginalidade parece mesmo indicar que exclusão
começava a ser um outro jeito de falar em marginalidade. “No que diz
respeito à questão da marginalidade social, a delimitação da educação
escolar justifica-se porque é em face dos sistemas de ensino formal que o
acesso e a exclusão das camadas populares adquirem sentido enquanto
processos de participação/marginalização...” (p.6-7)

142
O texto conclusivo, ainda daqueles organizadores, segue o
mesmo diapasão do anterior e entendo não ser necessária sua exposição.
Apenas cito uma de suas passagens para contribuir na demonstração do que
venho tentando dizer.
Estudos acerca da relação entre marginalidade educativa e os
diversos componentes da organização escolar só ganham sentido sob
o pressuposto de que o fracasso e a exclusão escolares são
determinados, em alguma medida, pelas variáveis que definem e
caracterizam a ação pedagógica. (MELLO , TEDESCO, 1982b, p.101)

No mesmo número especial que vínhamos comentando,


CARVALHO (1982) apresenta os resultados de uma pesquisa realizada em
bairros populares de Salvador. Seu objetivo é discutir a escolarização em
famílias da classe trabalhadora, analisando-a sob os pontos de vista da
valorização por parte da família, das possibilidades de acesso à escola, dos
índices de aproveitamento e taxa de escolarização dos filhos de
trabalhadores, bem como do fenômeno da evasão escolar. Ainda que o
artigo faça parte de um número dedicado especialmente ao tema Educação
e marginalidade na América Latina, diferentemente dos textos dos
organizadores, aqui não há qualquer referência sequer ao termo
marginalidade. Há, isto sim, um emprego reiterado da idéia de exclusão
escolar, usada já como conceito relativamente bem determinado e
aparentemente recebendo certa influência da definição proposta pouco antes
por FUKUI, SAMPAIO, BRIOSCHI (1982). No fluxo argumentativo do artigo,
inicialmente a autora analisa a inseparabilidade entre os fenômenos
educacionais e as características básicas do modelo capitalista brasileiro, à
época num estágio de acumulação de base urbano-industrial. Num contexto
assim, caracterizado pelo importante papel do exército industrial de reserva
e pela desnecessidade de uma força de trabalho com níveis de escolarização
muito elevados, “... até mesmo a exclusão da escola constitui um
mecanismo que legitima a sujeição daquela mão-de-obra...” (CARVALHO,
1982, p.28) Prosseguindo suas análises, a autora passa propriamente à
exposição das constatações que foram possibilitadas pela investigação
desenvolvida, mostrando, a cada passo, como elas são plenamente
consistentes com aquela abordagem macroestrutural inicialmente
apresentada. Ao longo de toda esta longa exposição, inúmeras vezes o
conceito de exclusão escolar é empregado; para os nossos propósitos, é
suficiente trazer alguns exemplos, como nas seguintes formulações: “... as
parcelas mais amplas da força de trabalho, quando não são completamente
excluídas do acesso à escola, têm suas oportunidades limitadas...” (p.28)
“Essas determinações se tornaram um dos mecanismos significativos de
exclusão educacional, pois, enquanto esperam por vagas que não lhes serão

143
ofertadas...” (p.30) “... as dificuldades da família levavam os pais a
selecionar um ou alguns filhos para entrar na escola, enquanto os outros
aguardavam sua oportunidade ou terminavam excluídos permanentemente
dela.” (p.32) Estas formulações deixam perceber que o sentido preferencial
conferido à idéia de exclusão é o não-ingresso na escola. Quando pouco
acima afirmei que a autora tem este conceito relativamente bem
determinado, referia-me à existência de uma compreensão de fundo da
exclusão, que atravessa o texto todo. Há, entretanto, ocasionalmente,
abertura para uma outra possibilidade. É o que ocorre, quando a autora
afirma, por exemplo, que “... a oferta insuficiente de vagas nas escolas
públicas e a distribuição geográfica dessas escolas já representa um
primeiro mecanismo da sua exclusão educacional.” (p.30) Neste caso, se o
não-ingresso é um primeiro mecanismo de exclusão, parece que deve haver
algum outro, incidindo após o ingresso na escola. O mesmo problema pode
ser percebido novamente um pouco mais adiante, na seguinte afirmação:
“Essas dificuldades tanto podem contribuir para a completa exclusão
escolar como para uma redução da permanência no sistema de ensino,
ocasionando a evasão.” (p.37) Neste caso, observando-se o uso da
expressão “completa exclusão”, o que parece estar ocorrendo é um
paralelismo parcial com a definição oferecida por FUKUI, SAMPAIO,
BRIOSCHI (1982). Relembremos que elas usavam “excluído total” e
“excluído parcial”, enquanto Inaiá Carvalho trabalha com a noção de
exclusão preferencialmente referindo-se ao excluído total, entretanto, deixa
uma certa abertura para a possibilidade de existência de um excluído
parcial; este último, entretanto, ela ainda descreve através do conceito de
evasão. Ao cabo de contas, porém, o que resta evidente é o uso da exclusão
como conceito que não pode mais ser identificado meramente como outro
jeito de dizer marginalização. Não deve ser casual, pois, o fato de a autora
colocar todas as conclusões do seu artigo subordinadas à lógica da exclusão
educacional. “Os dados e reflexões apresentados expressaram a exclusão e a
discriminação educacional da classe trabalhadora, relacionando-a com as
determinações estruturais da sociedade brasileira e discutindo os
mecanismos como operam aquelas determinações.” (p.38) E na mesma
linha de raciocínio, acrescentam ainda que esses mecanismos “... ocasionam
completa exclusão educacional de parte da população em idade escolar,
mas, principalmente, problemas de rendimento, progressão e permanência
para os que ingressam no sistema de ensino... e que terminam, geralmente,
por se evadir da escola...” (p.38)
O início dos anos 1980 é um período de acomodações conceituais
e as idéias ainda não se encontram muito firmemente estabelecidas. No
mesmo número especial dedicado ao tema Educação e marginalidade na

144
América Latina encontra-se um artigo que visa discutir o problema da
escola primária na Venezuela. Neste texto, Gabriela Bronfenmajer e Ramón
Casanova empregam num mesmo contexto, mas distinguindo-os, os
conceitos de exclusão e marginalidade. Inicialmente, aparecem num mesmo
plano a exclusão da escolaridade e a marginalidade educativa. “O
desenvolvimento capitalista da educação implicou, inicialmente, a exclusão
de um grande volume da população trabalhadora da escolarização. Esta
segregação representou historicamente a forma mais evidente de
marginalidade educativa...” (BRONFENMAJER, CASANOVA, 1982, p.41) Em
seguida, busca caracterizar mais precisamente o aspecto da realidade escolar
venezuelana que ele identifica como marginalidade educativa. Para os
autores, esta não é fruto unicamente da exclusão da escolaridade, mas
também de carreiras escolares diferentes. Dito de outro modo, eles
descrevem o sistema escolar daquele país como composto de escolas de
melhor qualidade e reconhecimento (circuito privado) e de outras de baixa
qualidade e desprestigiadas (circuito público). Assim, se é evidente que a
exclusão escolar é um instrumento de marginalização, não é menos verdade
que o acesso e permanência nas escolas do circuito de status inferior
também conduz à marginalidade. Os autores descrevem o problema do
seguinte modo:
Em todo caso, já não basta dizer que a escola, ao excluir,
marginaliza. É preciso dizer que mesmo permitindo o acesso e
facilitando a permanência prolongada e a abertura social aos ciclos
universitários, como é o caso venezuelano, também marginaliza.
Poder-se-ia falar de um produto escolar de volume numérico cada
vez maior: o educado marginal, ou seja, aquele que fez uma
“carreira escolar” por circuitos depauperados e desvalorizados e que,
mesmo superando a escolaridade de seis graus e sobrevivendo nos
escalões posteriores da pirâmide escolar, fica à margem da cultura,
do trabalho e da participação. (p.42)

Em suma, o que pode ser depreendido das argumentações dos


venezuelanos é que eles reservam o conceito de exclusão para se referirem
mais particularmente à questão do não ingresso na escola, enquanto a
marginalidade é compreendida como uma condição social de não
participação plena nas estruturas sociais. É exatamente este conceito de
marginalidade, elaborado e amplamente difundido pelo Centro para el
Desarrollo Económico y Social de America Latina (DESAL), que está entre
os que foram duramente criticados por KOWARICK (1977) e PERLMAN
(1977).

145
2 O contexto do analfabetismo, evasão e repetência

Além da questão da marginalidade, outro tema emblemático pode


ser encontrado na origem das discussões sobre exclusão escolar: o binômio
evasão e repetência. BRANDÃO, BAETA, ROCHA (1983) apresentam um
documento onde sintetizam os achados de um estudo do tipo “estado da
arte” sobre as pesquisas relacionadas com evasão e repetência no período de
1971 a 1981. A investigação foi motivada pela necessidade de fazer um
balanço da produção acadêmica no período, sob a alegação de que era
pequeno e limitado o conhecimento nesta área. De qualquer modo,
encontraram 80 pesquisas que, de alguma forma, se relacionavam com o
tema. Destas, escolheram uma amostra de 27, segundo o critério intencional
de serem representativas da perspectiva teórica que as autoras entendiam
como mais avançada, ou seja, aquela que não se limitava à parcialidade das
análises de cunho psico-pedagógico, nem recaía no fatalismo social
característico das abordagens reprodutivistas. As pesquisas estudadas
estavam, então, no campo de uma “tendência que, segundo as autoras,
recém despontava no horizonte da pesquisa educacional. Tratava-se de uma
orientação teórica, “... que incorpora o contexto sócio-econômico e político
de forma menos fatalista e que procura descobrir dentro da escola o que lhe
é específico, sem descuidar do indivíduo nem do social, repensando a
categoria ‘totalidade’ na análise da prática escolar.” (p.39) O resultado da
análise das pesquisas examinadas pelas autoras foi distribuído por seis
temas básicos: aspectos relativos ao aluno, aspectos relativos ao professor,
aspectos institucionais, prática pedagógica, efeitos dos mecanismos de
seleção e exclusão e aspectos relativos a subnutrição e aprendizagem. Sob a
rubrica “efeitos dos mecanismos de seleção e exclusão” foram agrupadas as
conclusões de diversos estudos sobre evasão e repetência, entretanto, não há
qualquer indicação quanto ao entendimento que os diversos pesquisadores
tinham e que os levava a referirem-se à evasão e à repetência em termos de
exclusão. Só o que se pode concluir deste estudo de estado da arte é que,
efetivamente, tal associação era feita por inúmeros pesquisadores.
Num período de oito anos, de 1984 a 1991, foram encontrados
apenas cinco trabalhos que se dedicavam ao tema da exclusão escolar,
sendo três destes de Alceu Ravanello Ferraro, cujo sobrenome à época era
grafado como Ferrari. No primeiro, FERRARI (1985) faz um estudo do
analfabetismo no Brasil, visando demonstrar como a escola de 1º grau
continua produzindo o analfabetismo, através do processo de exclusão. A
fim de alcançar seu intento, o autor confronta os dados das Pesquisas
Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) 1977 e 1982 e do Censo
Demográfico de 1980 com as expectativas do Movimento Brasileiro de

146
Alfabetização (MOBRAL) relativamente ao declínio dos índices de
analfabetismo no Brasil na década de 1970. Dentro desta estratégia mais
geral, são ainda comparadas as Unidades da Federação, mostrando as
enormes desigualdades regionais em termos de analfabetismo em 1980.
Além disso, o autor analisa ainda a tendência secular dos índices de
analfabetismo, através de um estudo comparativo de dados que abrangem
um período desde 1872 até 1980, tomando em conta tanto o Brasil como um
todo quanto diversas Unidades da Federação em separado. Neste ponto são
destacadas as desigualdades de tendência do analfabetismo e a origem
histórica das desigualdades educacionais regionais. Além do farto volume
de dados apresentados e da metodologia de comparação entre eles,
possibilitando extrair dos dados quantitativos elementos indispensáveis para
avançar adiante das meras aparências na análise da realidade educacional
brasileira, há no escrito de FERRARI (1985) elementos que, para os
propósitos deste trabalho, precisam ser postos em maior destaque. O
primeiro é de que o analfabetismo é produzido pelo próprio modelo
educacional, através de mecanismos de exclusão. “A ‘produção’ de novos
analfabetos pode dar-se tanto pela exclusão pura e simples do processo,
quanto pela ineficiência ou baixa produtividade no processo de
alfabetização.” (p.48) Em segundo lugar já aparece aqui – ainda que não
seja trabalhada tão detidamente como em escritos posteriores – uma
conceituação nova da exclusão escolar, a qual contribui para a compreensão
mais crítica do fenômeno do analfabetismo. O processo de exclusão em
geral, responsável pela produção do analfabetismo, apresenta-se sob duas
formas intimamente relacionadas, a saber: a exclusão do processo e a
exclusão no processo. A primeira forma reúne num só grupo todas as
crianças que, em idade escolar, não freqüentam a escola, ou seja, tanto as
que jamais tiveram sequer a oportunidade de ingressar no sistema escolar,
quanto aquelas que, tendo ingressado, foram eliminadas. A segunda forma
diz respeito aos que ainda freqüentam a escola mas que, em virtude de
fatores que se costumava designar como baixa produtividade e repetência,
estão fora da série esperada, em condição de assincronia idade/série.
Mostrar como este grupo, no momento seguinte, somar-se-á ao dos
excluídos do processo e denunciar que não passa de eufemismo denominar
“evasão escolar” o mecanismo que há de consumar esta passagem – esta é a
novidade conceitual indicada por FERRARI(1985).
... [A] produção de novos analfabetos se faz através da exclusão
praticada pelo aparelho escolar. São vítimas dessa exclusão: 1) todos
aqueles que são excluídos in limine, os que nem sequer chegam a ser
admitidos no processo de alfabetização na idade de escolarização
obrigatória; 2) aqueles que, tendo sido admitidos, são posteriormente
excluídos do processo; 3) aqueles que, ainda dentro do sistema de

147
ensino, estão sendo objeto de exclusão no próprio processo de
ensino através da reprovação e repetência e estão sendo assim
preparados para a posterior exclusão do processo. A exclusão
praticada no processo de alfabetização, através da reprovação e
repetência, alimenta, no momento seguinte, através do que
eufemisticamente se denomina de evasão escolar, o contingente dos
já excluídos do processo. (p.48-49)

A despeito da relevância do conceito de exclusão que começa a


ser construído a partir deste artigo, FERRARI (1985) tem consciência
expressa de que esta é uma primeira tentativa de esclarecer as
determinações mais fundas das relações entre analfabetismo e ensino de 1º
grau. Por ora, sem dúvida o texto é mais descritivo; entretanto, mais do que
suficiente para, ao menos, desmascarar o eufemismo da evasão e repetência.
No segundo artigo sobre o assunto, FERRARI (1987) apresenta
uma abordagem conceitualmente bem mais amadurecida. O texto orienta-se
segundo dois eixos principais: a avaliação das realizações do MOBRAL e o
aprofundamento do papel desempenhado pela escola na produção do
analfabetismo. Estes dois eixos, perfeitamente articulados no andamento da
exposição, são desdobramentos de uma avaliação mais geral dos objetivos
concernentes à alfabetização – eliminação do analfabetismo de adolescentes
e adultos e estancamento de sua fonte –, proclamados pelo regime instalado
no País após o golpe militar de 1964. Em relação ao primeiro objetivo, a
análise dos dados das PNADs e dos Censos, desenrolando-se de forma
semelhante ao procedimento metodológico já utilizado anteriormente,
demonstra limpidamente o fracasso do MOBRAL na empreitada de
eliminação do analfabetismo. Quanto a este aspecto, pois, não há
propriamente novidades, mas uma reafirmação mais detalhada do que já
fora afirmado no artigo anterior. O grande salto qualitativo ocorre no
momento de tratar da fonte do analfabetismo, ou seja, quando analisa o
papel desempenhado pela escola na produção do analfabetismo. Neste
segundo eixo, revela-se a maturação do conceito de exclusão. Agora, todos
os elementos que fazem parte da análise do processo de produção do
analfabetismo pela escola são orientados pelos conceitos exclusão da escola
e exclusão na escola. Mais ainda, todas as conclusões são articuladas ao
conceito de exclusão, que se põe como categoria geral a sintetizar os
elementos da análise. Assim, após fazer todas as análises, comprovando a
crueza de um modelo educacional que produz uma taxa de exclusão de 60,5
% da população entre 7 e 14 anos, resta evidente que a nova conceituação
proposta possibilita um olhar mais crítico, revelando com maior nitidez a
gravidade e a extensão do problema. Enfim, as conclusões obtidas vão na
direção de identificar o analfabetismo enquanto fenômeno socialmente
produzido por um modelo educacional no qual a escolarização destinada às

148
diferentes classes sociais é regido por lógicas também diferentes: nas
escolas da burguesia, a lógica da progressão; nas destinadas à classe
trabalhadora, a lógica da exclusão.
Encarar o analfabetismo como epidemia, como praga, como doença,
não tem favorecido nem a compreensão, nem a solução do
problema. O analfabetismo é produzido socialmente. Sua produção é
mediada pela escola. A escola reservada às classes trabalhadoras é a
escola regida pela lógica da exclusão. Acredito que tais formulações
favoreçam mais a compreensão e a solução do problema, do que
certos conceitos, como fracasso, reprovação, repetência, evasão, que
mais escondem do que revelam o verdadeiro processo de produção
do analfabetismo. Pelo menos, tais conceitos deveriam ser definidos
em relação com o processo de produção social do analfabetismo.
(FERRARI, 1987, p.96)

Em outro artigo, ainda sobre o problema da produção e


distribuição do analfabetismo, FERRARI (1991) focaliza o Estado do Rio
Grande do Sul, situando-o no contexto nacional. Neste texto, não há
propriamente novidades em termos da definição da exclusão, senão uma
reafirmação: “A escola... desempenha um papel mediador importante nessa
determinação estrutural do analfabetismo. E o faz, como vimos, através de
um duplo processo de exclusão: exclusão da escola e na escola.” (p.28) Para
os propósitos da investigação que está sendo desenvolvida, o que agora
aparece como novo e precisa ser explicitado diz respeito às fontes do
conceito. Além da explícita referência a conceitos próprios da obra de
Marx, a maioria dos quais já perpassavam os artigos anteriores, embora não
houvesse, então, alusão direta a esta fonte, agora revela-se um peso
considerável das formulações de Paulo Freire. O autor admite que a
principal contribuição na definição do conceito de analfabetismo, fenômeno
para cuja compreensão crítica são construídas as noções de exclusão da e na
escola, provém do célebre educador brasileiro que denuncia a ingenuidade
ou astúcia presentes nas noções correntes de analfabetismo e propõe
compreendê-lo como expressão concreta de uma realidade social injusta e
opressora.

3 O contexto da variedade temática

A partir da década de 1990, multiplicam-se os trabalhos que


abordam a exclusão educacional, na mesma medida em que sua utilização
passa a estar associada a uma ampla variedade de temas. No mesmo ano de
1991, enquanto Alceu R. Ferraro reafirmava os conceitos de exclusão da e
na escola, e sepultava eufemismos, ocorria na 6ª Conferência Brasileira de

149
Educação um simpósio intitulado A produção da exclusão social: violência
e educação. Duas comunicações componentes do Simpósio foram
publicadas e merecem, pelo menos, um rápido comentário.
Na primeira, FUKUI (1991) – a mesma autora que havia
trabalhado com os conceitos de “excluído total” e “excluído parcial” –
apresenta um estudo de caso de segurança nas escolas públicas estaduais de
São Paulo, em que não há qualquer tematização da exclusão, senão no título
do Simpósio. No primeiro momento, a autora faz um longo inventário dos
problemas de segurança apresentados e analisa as medidas adotadas. Então,
quando se poderia imaginar um diagnóstico ampliado que, se não tratasse de
excluídos, ao menos estabelecesse vínculos com relações sociais, a solução
apontada encaminha-se para a ingenuidade da redenção das mazelas sociais,
através da formação do espírito. Em última análise, “... a questão da
segurança nas escolas passa muito mais pela figura do professor, de sua
ação educativa e sua atuação como formador de opinião...” (p.72) A seguir,
todo o encaminhamento do artigo, que resultará em recomendações, é
pautado pela contraposição entre “a escola que temos” e “a escola que
queremos”. E neste ponto, surpreendentemente, persistem os eufemismos da
evasão e do aluno que abandona os estudos. Dentre as características da
realidade escolar, a primeira a ser destacada é “... uma relação entre o
congestionamento das escolas e a evasão dos alunos [...] Alunos menos
preparados, com problemas de disciplina ou de adaptação à rotina escolar,
tenderiam a abandonar os estudos.” (p.72) Depois disso, somente ao final do
artigo, em sua última frase, a autora reporta-se ao tema do Simpósio e faz
uma referência à exclusão. Mesmo assim, para cobrar atitudes dos
educadores. “Podem os educadores propor ações construtivas, que revertam
a situação de exclusão e desigualdade social no cotidiano da escola?” (p.76)
Na outra comunicação, ADORNO (1991) aborda a questão dos
jovens delinqüentes que são expulsos da escola, apontando aí um processo
incompleto de socialização. Também neste texto, só há uma oportunidade
em que o autor refere-se à exclusão; no entanto, o faz segundo uma
conceituação mais pertinente. Para ele, no caso das classes populares, “... a
escola se fixa na memória de dois modos: pela ausência ou pela exclusão
violenta.” (p.78) Ademais, assim como no texto anterior, persiste a questão
da evasão. Sua utilização, entretanto, ao menos está referenciada no
contexto sócio-econômico e numa certa caracterização do sistema escolar.
“Na memória dos biografados, a evasão apresenta-se como possibilidade
segura, seja diante da contingência econômica, seja devido ao caráter
monótono e nada estimulante da aprendizagem oferecida.” (p.79) De
qualquer modo, considerando o tema proposto pelo Simpósio, não será
infundado começar a suspeitar que a exclusão estaria passando a ser

150
empregada, por certo setor da educação brasileira, não como um conceito
que auxilia a compreensão do real, mas como garantia de estar
acompanhando pari passu a última tendência em voga.
Permanecendo ainda no ano de 1991, encontramos o artigo de
Maria Cecília Figueira de Mello, discutindo a segregação sócio-espacial na
cidade de São Paulo. Partindo de um enfoque teórico bastante afinado com
a teoria da marginalidade e dependência, a autora incorpora nesta
perspectiva o termo exclusão, sem, no entanto, qualquer definição
conceitual que justifique esta decisão. Assim, exclusão, marginalidade,
segregação, discriminação, dominação, repressão e outros perfazem um
grande grupo de termos que muitas vezes são usados como sinônimos ou
conceitos equivalentes. Assim, por exemplo, há no artigo um subtítulo “o
contexto da exclusão” e, pouco adiante, outro nomeado “a marginalização”.
Em termos de conteúdo, no primeiro, é feita uma exposição dos indicadores
sócio-econômicos que mostram o nível das contradições na cidade de São
Paulo; no segundo, a autora discute a realidade das crianças em instituições
de acolhimento, das crianças e jovens com prática de delito, das crianças e
jovens de rua e das crianças e adolescentes no mercado de trabalho.
Portanto, pareceria que o conceito de exclusão tem a ver com a segregação
social dos setores da população vitimizados pelas desigualdades
constitutivas do modelo macroestrutural da sociedade, enquanto a
marginalização faz referência aos jovens e às crianças em processos
desviantes de socialização. Entretanto, se à primeira vista esta distinção
parece fazer sentido, são constantes as formulações como as que seguem:
“É este o contexto da vida da criança e do adolescente de baixa renda.
Pertencentes às famílias marginalizadas do mercado de trabalho, excluídos
do acesso às políticas sociais básicas...” (MELLO, 1991, p.6) Por outro lado,
pouco adiante, pode-se ler: “Excluídas [as crianças e adolescentes em
instituições] do processo produtivo e das diversas políticas públicas,
marginalizadas dos mecanismos de participação social...” (p.10) Afinal,
ficamos sem saber se a autora classifica o não-trabalho como
marginalização ou exclusão. E este tipo de formulação ambígua repete-se a
todo instante. Por exemplo, na frase a seguir não é possível afirmar a que se
refere a exclusão. “A situação de injustiças, violação de direitos, exclusão e
discriminação, a que estão sujeitos amplos contingentes da população jovem
de baixa renda, é fruto das opções políticas, econômicas e sociais que
orientam a vida brasileira...” (p.10) Similarmente, nesta outra expressão,
parece que exclusão e marginalização são tomadas como sinônimos.
“Excluídos e marginalizados do atendimento através das políticas sociais
básicas...” (p.10) E poderíamos continuar citando à exaustão exemplos deste
tipo; isto, entretanto, parece desnecessário.

151
LINHARES (1992) pesquisa a escola noturna, procurando
identificar as necessidades e os desejos dos alunos, bem como a percepção
que eles têm do processo escolar. Neste artigo, a autora utiliza a todo
momento o conceito de exclusão, sem qualquer preocupação de defini-lo
anteriormente. Utiliza-o, na verdade, como conceito já plenamente
estabelecido, que não mais necessita ser esclarecido, deixando transparecer
que, à época, a exclusão já estaria perfeitamente incorporada ao jargão
educacional. Já na primeira frase do texto, é este termo que ocupa a posição
central, dando a entender qual será a tônica do artigo. Entretanto, parece
bem difícil identificar qual é mesmo o seu significado. “O capitalismo
produziu, no Brasil, como na maioria dos países do Terceiro Mundo, um
antagonismo entre escola e trabalho, e avança, atualmente, verticalizando
exclusões múltiplas, que na instituição escolar vêm sendo camufladas como
formas de ‘inclusão’.” (p.105) Ainda assim, a argumentação toda é muito
instigante. De modo geral, a autora defende a necessidade de articular a
escola e o mundo do trabalho, reconhecendo, entretanto, que isto só seria
possível no contexto de uma transformação social radical, pois “... ao fazê-
lo precisamos mudar o rumo dessas reiterações que favorecem o capital em
detrimento do trabalhador...” (p.107) Ao tratar mais especificamente do
objeto de sua pesquisa, a autora estabelece como noção de fundo a idéia de
que, no caso do aluno trabalhador que freqüenta a escola noturna, sua
inclusão no sistema escolar representa um processo de múltiplas exclusões.
O próprio espaço escolar propicia a exclusão. Os alunos são tratados
medíocre e infantilmente. Há interdições resultantes de preconceitos,
ocorrendo também vigilância, cobranças, ritos de diminuição. A mais
contraditória destas é a exclusão do próprio conhecimento sistematizado,
pois “... as classes populares concentradas na cidade reclamam por escolas,
e sua inclusão nelas se dá, simultaneamente, com processos que excluem
essas classes da aprendizagem reclamada.” (p.121)
Num aprofundado estudo teórico, onde, de modo geral, visam
provar que a categoria trabalho, assim como qualquer outro conceito, só
ganha efetiva significação quando entendida como construção histórico-
social, Maria Ciavatta Franco e Gaudêncio Frigotto analisam as questões da
escola do trabalho e da centralidade do trabalho. Para os fins da temática
que vem sendo perseguida aqui, importa principalmente que nos
dediquemos ao ponto da crítica à pertinência dos argumentos que defendem
a não centralidade do trabalho como categoria explicativa das relações
sociais. Como fio condutor da argumentação, os autores expõem a tese de
Claus Offe, um dos teóricos contemporâneos que mais dedicadamente
propugna “... que a sociologia deve fundar seu objeto não mais na categoria
trabalho e, por extensão, de classe social, mas em novas categorias.”

152
(FRANCO, FRIGOTTO, 1993, p.542) Ainda segundo os autores, Offe
abandona – eu diria que jamais chegou a acompanhar – o pensamento
crítico de Horkheimer e Adorno e “... conclui que a ‘ação comunicativa’,
por afastar-se da teoria dos conflitos, dá conta melhor da ‘dinâmica social
das sociedades modernas’.” (p.548) Enfim, sem descrever o rico
detalhamento da crítica a Claus Offe, saliento, unicamente, o que FRANCO,
FRIGOTTO (1993) denunciam como origem do problema. Primeiro, o fato de
Offe não considerar a dimensão ontológica do trabalho, mantendo-se preso
ao “... reducionismo de aprender o trabalho pelo trabalho assalariado, forma
mercadoria, trabalho abstrato e trabalho alienado.” (p.544) Segundo, a
opção teórica assumida deliberadamente.
A não acuidade de Offe para analisar a questão do trabalho abstrato,
trabalho mercadoria, em um nível de radicalidade das relações de
exclusão, deriva, a nosso ver, da própria opção teórica e
epistemológica de abandono da análise materialista histórica, e
inscreve-se numa perspectiva racionalista e funcionalista. (p.548)

O problema na argumentação de FRANCO, FRIGOTTO (1993) está


em que, de certo modo, deixam-se seduzir por aspectos da própria posição
que criticam; ou então, dizendo de modo mais exato, empregam
inadvertidamente conceitos centrais da posição que combatem, sem fazer
qualquer referência a que o fazem segundo uma compreensão diversa. É isto
que ocorre no caso da exclusão. Ao contraporem-se aos pontos de vista de
Claus Offe e Jürgen Habermas, identificam-nos com a perspectiva teórica
de Alain Touraine, chegando a citar o sociólogo francês. E o fazem com
absoluta correção, pois, conforme observamos anteriormente, Touraine
relega o trabalho a plano secundário e afirma serem anacrônicas as análises
apoiadas no modelo vertical das relações de classe. Ato contínuo, aponta o
modelo horizontal in/out como novo paradigma de análise e intervenção
social, fundado na categoria exclusão social. Mesmo assim, os autores,
críticos de Offe, Habermas e Touraine, empregam a todo momento o
conceito de exclusão social, o qual é marcante, inclusive em suas principais
conclusões.
Mais que contraposição de conceitos, como querem fazer crer alguns
críticos das lutas pela ampliação dos processos participativos, das
lutas pela democracia substantiva na sociedade e nas instituições
educativas, tratam-se (sic) de demarcações teóricas e políticas que
balizam processos de manutenção do status quo, da exclusão social e
da ruptura destes processos. [...]
As teses da não centralidade do trabalho, do fim do trabalho, da
visão fetichizada da tecnologia tomada como “fator” independente
das relações sociais, capaz de per se nos levar à sociedade “pós-
capitalista”, pós-industrial, longe de nos ajudar a penetrar na
rebeldia das relações de exclusão cada vez mais perversas da

153
sociedade capitalista contemporânea, podem reforçar perspectivas
conservadoras. [...]
O enfrentamento desse desafio implica a capacidade de atuar no
plano das contradições, ou seja, na crítica, e de combater, em todos
os espaços, a forma alienadora, fragmentária e excludente das
relações sociais. (p.550-551)

Penso que FRANCO, FRIGOTTO (1993), autores manifestamente


preocupados com a correta definição de conceitos, se julgam indispensável
referir-se à exclusão social, deveriam esclarecer com que entendimento
empregam esse termo. Provavelmente, vêem a exclusão, diferentemente de
Touraine, como relação vertical, uma vez que reafirmam o paradigma de
classes. Entretanto, mesmo que seja este o caso, trata-se de um emprego
pouco refletido, que não define adequadamente o seu lugar na rede de
relações histórico-sociais e na articulação com os demais conceitos em jogo.
Enfim, a despeito do louvável esforço dos autores em discutir o modo de
construção das categorias, algumas formulações ainda recendem adesão
insuficientemente refletida a um termo de ocasião.
GENTILI (1995) desenvolve um estudo em que relaciona
neoliberalismo, trabalho e educação, buscando identificar se há, de fato,
algo novo nas formas de exclusão proclamadas novedias. Para ele, o
discurso neoliberal não passa de uma reformulação do enfoque
economicista da teoria do capital humano. “As perspectivas neoliberais
mantêm esta ênfase economicista: a educação serve para o desempenho no
mercado e sua expansão potencializa o crescimento econômico.” (p.193) A
“novidade” da perspectiva neoliberal é de que já não se trata de formar
indivíduos que se desempenhem produtivamente num mercado de trabalho
em permanente e ilimitada expansão; agora, face a um mercado altamente
competitivo, a questão é “... formar para a competência num mercado de
trabalho cada vez mais restrito...” (p.197) Na contramão do liberalismo,
cuja promessa era universalista e de oportunidades para todos, esse novo
matiz, o neoliberalismo, aposta na competência meritocrática, presente em
toda a história da sociedade burguesa. Por isto, afirma o autor:
A escola pública é algo mais do que uma simples e conspiratória
armadilha do capital para estender seu poder sobre as massas. Esse é
um dos núcleos de sentido que o neoliberalismo pretende
desintegrar: a própria idéia dos direitos sociais e a necessidade de
uma rede de instituições públicas destinadas a materializá-los. A
interpretação meritocrática do neo-economicismo baseia-se na
necessidade de destruir a lógica dos direitos que garantem a
conquista da cidadania e de impor a lógica mercantil segundo a qual
os indivíduos realizam-se eles próprios, enquanto proprietários,
como consumidores racionais. (p.199-200)

154
Neste contexto, há alguma dificuldade em identificar com nitidez
o sentido em que o autor emprega o termo exclusão, nas diversas vezes que
o faz. Em certas passagens, como no excerto recém-citado, somos tentados
a interpretar que busca a garantia dos direitos de cidadania, ou seja, tenta
recuperar a lógica dos direitos sociais e das políticas públicas, ao feitio do
Estado de bem-estar. A tônica geral do artigo, entretanto, não é esta. De
modo geral, o autor faz uma dura e correta crítica a certo setor da esquerda
que adota um referencial teórico estruturalista e mecânico, impeditivo da
compreensão do verdadeiro curso da história.
Acontece que a história, de fato, se repete; mas, como Marx
sustentava, o faz primeiro como tragédia e logo como farsa. Trata-se
de dois gêneros que, em sua diversidade, transformam a dialética da
história num processo original e, ao mesmo tempo, repetitivo.
Reconhecer esta dinâmica onde se combinam a mudança e a
permanência é fundamental para uma compreensão teoricamente
rigorosa das lógicas de dominação existentes em nossas sociedades e
para a construção de uma prática política radicalmente democrática
orientada para a superação da sociedade de classes. (GENTILI, 1995,
p.192)

Há oportunidades no texto de Pablo Gentili em que surgem


formulações que, certamente, necessitariam algum aprofundamento. Tome-
se o seguinte exemplo: “... sociedades onde as massas encontram-se
condenadas historicamente à exclusão e à marginalidade.” (p.199) Ora,
empregar estes dois termos como se óbvia fosse sua compreensão não
parece a atitude teórica mais conveniente. Enfim, pouco se pode dizer com
certeza, a não ser que, no caso do conceito de exclusão, parece não haver
uma preocupação mais forte no sentido de investigar as razões porque hoje
ele tem assento cativo nos discursos de todos os matizes.
ROSEMBERG (1999), em artigo que trata de como as hierarquias
de gênero interagem com as de raça e classe, produzindo um sistema
educacional profundamente excludente, trabalha com um conceito
relativamente bem definido de exclusão. O que ela qualifica como exclusão
está sempre associado a um entrecruzamento de subalternidades. Deste
modo, seu estudo analisa “... o processo de exclusão de crianças negras e
pobres resultante da política de expansão da educação infantil que vem
ocorrendo no Brasil desde os anos 80.” (p.9) Para a autora, deve-se ainda
somar o fato de que, embora a expansão da educação infantil tenha sido
exaltada como busca da igualdade de oportunidades para as crianças das
classes populares no ensino fundamental – educação compensatória –, na
verdade, “... baseou-se na ideologia das aptidões naturais femininas para o
exercício da função docente, que levou a um novo processo de exclusão de
crianças pobres e negras, além da discriminação de mulheres adultas das

155
classes populares.” (p.11) Neste sentido, os dados levantados por
ROSEMBERG (1999) permitem dizer que não há relação direta entre
expansão da educação infantil e democratização. No caso brasileiro,
especificamente, a própria inclusão no processo de educação infantil
ocasiona a exclusão. E aqui, novamente, com o sentido de um complexo
entrecruzamento de subalternidades.
... a educação infantil, em seu processo de expansão, também criou e
reforçou padrões de exclusão social e racial: crianças pobres e
negras (em percentual ligeiramente mais freqüente entre meninos),
mesmo no sistema de educação infantil público, freqüentam
estabelecimentos de pior qualidade e que lhes impõem nível
educacional inadequado à idade. Estabelecimentos de educação
infantil de pior qualidade tanto significam lugares piores para a
educação e cuidado das crianças, quanto piores locais de trabalho
para os adultos. Locais de produção e reprodução da subalternidade.
Mulheres, resistindo ao destino de empregadas domésticas,
acomodando-se às sobras do sistema. Crianças, desde muito cedo,
sendo socializadas para a subalternidade. (p.33)

Conclusão

Analisada esta amostragem da produção bibliográfica dos


educadores brasileiros com relação à pertinência conceitual de utilização da
exclusão, percebe-se que há diversos padrões de posturas teóricas, a saber:
simples substituição terminológica de outros conceitos, elaboração
conceitual autônoma, enquadramento não discutido em perspectivas teóricas
mais gerais e, até mesmo, emprego como mera busca de apresentar-se em
sintonia com um linguajar em voga. Penso que este panorama conceitual,
mais aleatório do que plural, pouco contribui para a apreensão do real que,
em sua infinda complexidade, desdobra-se ante nosso olhar muitas vezes
atônito de pesquisadores/educadores. Portanto, sem um sério esforço de
determinação conceitual, o recurso ao termo exclusão pode acabar
obnubilando a própria realidade em que se desenvolve a práxis educacional.

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Avelino da Rosa Oliveira é professor titular de Fundamentos da Educação


na Universidade Federal de Pelotas. Graduou-se em Filosofia na UCPEL,
fez mestrado em Filosofia na PUCRS e doutorado em Educação na UFRGS,
com a tese Educação e Exclusão: uma abordagem ancorada em Karl Marx
(2002). É editor do periódico Cadernos de Educação, da FaE/UFPel.
Publicou Marx e a Liberdade (EDIPUCRS, 1997), “Exclusão social e
educação: um novo paradigma?” (Educação & Realidade, 1999),
“Educação e exclusão: a contribuição da Filosofia da Educação na
determinação conceptual” (Perspectiva, n.34, 2000), “Exclusão Social - o
que ela explica?” (In: O mesmo e o outro da cidadania, L&PM, 2000), “A
atualidade produtiva do pensamento de Karl Marx” (In: As Portas de Tebas,
Ed. UPF, 2002), “A liberdade e o capital: ética pelo avesso” (In: Ética,
Seiva Ed., 2003), Marx e a Exclusão (Seiva, 2004), “Opressão por
Exclusão: uma troca lesiva” (In: Memória, diálogos e sonhos do educador,
Pallotti, 2005), entre outros.
Rua Capelini, 41 - Bairro Três Vendas
96020-550 – Pelotas/RS
E-mail: avelino.oliveira@ufpel.edu.br

Recebido em: 11/07/2005


Aceito em: 20/01/2006

159
.
Resenha
.
Alfabetto: Autobiografia Escolar de Frei Betto1
Gilse H. M. Fortes

Quem não tem presente em suas memórias as façanhas de sua


trajetória escolar? Em Alfabetto: autobiografia escolar (Ática, 2002), frei
Betto faz uma honesta descrição, recheada das melhores e das piores
emoções, de sua trajetória de formação. Dividido em sete partes, a memória
remonta os tempos de Jardim da infância, do Grupo Escolar, do Ginásio,
do Colegial, da Universidade, da Escola de Fé e, por fim, fecha com uma
bela crônica sobre o vôo da águia. Dessa forma, o livro termina quando a
opção pela vida religiosa se solidifica.
Mas quem pensa que vai encontrar aí apenas a trajetória escolar,
se engana. Betto elabora essa autobiografia escolar como memórias de
formação. Dedica-se a personagens tão díspares e, ao mesmo tempo,
formadores como o reitor de um ginásio católico padre Graziel e seu Romo,
vigia noturno, e a vivências diferenciadas como a exposição sobre Musset
em uma aula de Francês e ao mundo da militância estudantil. Percebemos
ao longo do livro o significado e sentido que escola tem para ele, que
escreveu com Paulo Freire, em 1988, Essa escola chamada vida.
Com texto ágil, Betto parece demonstrar que eram verdadeiras as
percepções de alguns mestres seus do grupo escolar - quando foi elogiado
aos oito anos por ser ele mesmo que escrevia suas composições - e quando,
aos 11 anos, o padre Boaventura, avesso ao ensino frio de regras
gramaticais mas incentivador da leitura e curiosidade juvenil, sentenciou em
uma saída de aula: - Carlos, você só não será escritor se não quiser. A
qualidade literária do texto de frei Betto perpassa todo o livro, que pode ser
lido como uma coleção de 69 crônicas e contos sobre o universo de
formação e uma crônica final de reflexão retrospectiva. Além da qualidade
literária, destaca-se a capacidade de inter-relacionar o contexto político-
social e familiar às vivências da escola e singulares das idades.
Dessa forma, revivemos os anos 50 com suas memórias do
Jardim da Infância Grupo Escolar. Nas vivências de formação dessas fases,
aparecem as diferenças de classe existentes (capítulo Vísceras, em que
revela os conteúdos das merendas escolares); salientam-se as diferentes
concepções de educação infantil encarnadas nas professoras Ruth e Celeste;
as contradições família-escola em relação à literatura infantil, às questões

1
Resenha escrita para a disciplina Educação e cultura escolar: análise de discursos e práticas
educativas – Profa. Dra. Maria Helena Câmara Bastos.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 163-165, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
religiosas, políticas (cômico capítulo JK), etc.; as interrogações e medos da
idade e suas experiências em grupo; as formas de apropriação das crianças
da realidade da época, principalmente, no que se refere aos judeus, facistas,
racismo, comunistas, e, claro, à morte de Getúlio Vargas. Outra situação
curiosa é a catequese, pois foi nessa experiência que teve seu gosto
despertado para o cinema - quem assistisse às aulas teria direito a uma
sessão de cinema.
A escola pública desses anos iniciais foi substituída por um
Ginásio católico. Aí as contradições sociais eram menos visíveis, pois era
um colégio para forjar uma casta masculina branca dentro de uma espírito
de refinamento e dirigente. Nessa parte, Betto desvela as injustiças
percebidas no cotidiano extremamente disciplinar da escola e os exercícios
de transgressão dos estudantes. É nessa fase de sua vida que ingressa, quase
por acaso e a partir de sua relação com amigos da rua, na Juventude
Estudantil Católica. Mostra o processo de formação militante da época, seus
medos, ações nesse início da adolescência. De quebra, vão surgindo
também outros personagens, hoje conhecidos por todos nós, como Henfil,
Betinho, etc.
No Colegial, em seu primeiro ano é expulso de uma escola
particular e torna-se um estudante noturno de uma escola pública municipal.
É início dos anos 60. Acontecimentos como a visita de Chê Guevara ao
Brasil, a legalidade, a atuação da JEC e da JUC na educação popular, o
debate ensino público / privado, a criação da Ação Popular são narrados
pelos olhos desse militante em formação. Ao mesmo tempo, cabem
lembranças internas da escola, a primeira reprovação, etc. Nessa fase, há
uma grande virada geográfica e cultural em sua vida, pois, como dirigente
da JEC, muda-se para o Rio de Janeiro. Lá, o processo de morar em
república, a efervescência cultural e política daqueles anos são mostradas
com a intensidade de quem viveu.
Seu início na Universidade, como estudante de jornalismo
contém ainda o tom irreverente da juventude da época. Devido à sua
militância, o golpe militar foi visto de Belém do Pará. Nessa narrativa,
expõe as tensões internas da igreja católica da época. É nesse tempo, após
prisões, que sua já latente vontade de seguir a vida religiosa se estabelece.
Esse processo de afirmação, negação e reafirmação dessa opção, dentro de
um convento dominicano, é contado em Escola de Fé.
Com o Vôo da águia, frei Betto encerra essas suas memórias
reafirmando o que vimos ao longo de sua trajetória, ou seja, a necessidade
de transformação pessoal por um processo que passa também pela
autocrítica.

164
Assim, mesclando contexto histórico, dimensão pessoal, culturas
escolares e formativas vividas, o livro nos brinda com a auto-reflexão,
salientando o quanto podemos ser e o quanto podemos fazer com o que
tentam fazer de nós.

Gilse H. M. Fortes é Doutoranda em Educação PUC-RS.

165
.
Parte II
.
Apresentação

A Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História


da Educação, criada em 1995, completou dez anos de existência em 2005.
Ao longo do tempo tem se caracterizado como uma associação científica
preocupada em articular pesquisadores identificados com a área de História
da Educação, sendo um espaço de debate de questões da área e
problematização de focos temáticos novos, divulgando o conhecimento
produzido, especialmente entre os investigadores do Rio Grande do Sul, sob
a forma de encontros anuais e por intermédio da Revista História da
Educação.
O XI ENCONTRO SUL-RIO-GRANDENSE DE
PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, ocorrido na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos em agosto de 2005, teve como foco
temático a HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO
EDUCADOR E A CONTRIBUIÇÃO DOS 10 ANOS DA ASPHE. Uma
das propostas do evento foi identificar como a disciplina de História da
Educação esteve presente nos cursos de formação de professores,
analisando currículos e livros escolares, perfil de seus docentes e a produção
da área, bem como a importância e contribuição da mesma para a formação
do professor.
O presente número da Revista Historia da Educação publica
alguns dos trabalhos apresentados naquele evento, com o intuito de
contribuir para o debate acerca do ensino de História da Educação, sua
vinculação com a pesquisa e a produção da área e sua contribuição para a
formação do educador. São onze os textos que compõem este bloco de
textos que tematizam a Historia da Educação na dimensão de componente
da formação do professor.
Clarice Nunes em seu artigo A disciplina História da Educação
na formação de professores: desafios contemporâneos, ao fazer
inicialmente uma breve retrospectiva sobre o campo da História da
Educação, aponta os tradicionais cânones da produção na área e os
principais embates envolvendo não só a crise da História enquanto
disciplina, mas também a própria identidade do historiador. Situando as
questões relacionadas ao papel específico dos historiadores da educação,
ressalta que nem sempre são eles os que ensinam a respectiva disciplina. A
seguir busca fazer uma breve genealogia do referido componente curricular,
lembrando que no Brasil a História da Educação não pode ser dissociada da
história da Escola Normal e do Curso de Pedagogia. Argumentando em

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 169-172, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
favor das diferenças, mas também das conexões existentes entre ensinar e
pesquisar, lembra que nesta área temos tido dificuldade “em renovar nossas
bibliografias” no campo da docência, em parte pelo processo que construiu
esta separação entre ensino e pesquisa. Ao finalizar, enfatiza a incondicional
necessidade em destruir as certezas junto aos alunos de graduação, para que
os mesmos aprendam a desnaturalizar sua própria experiência e,
principalmente, aprendam a pensar historicamente.
Vinculada a linha de pesquisa “Educação Brasileira e Cultura
Escolar: análise de discursos e práticas educativas (século XIX e XX)”,
Maria Helena Câmara Bastos apresenta o texto A Disciplina de História da
Educação no Curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (1942 – 2002). A autora examina a história da disciplina
no currículo das Escolas Normais e nos Cursos de Pedagogia, tendo como
objeto específico de análise a história da disciplina na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. No texto enfatiza a
localização desta disciplina na grade curricular, a carga horária, os docentes
e sua formação, o conteúdo, a bibliografia básica e os principais
procedimentos didáticos e de avaliação. Maria Helena Câmara Bastos inicia
com breve introdução sobre o contexto dos estudo a respeito do tema e as
tendências teóricas que inspiraram os mesmos, apresenta a forma como a
disciplina História da Educação foi desenvolvida no Curso de Pedagogia da
PUC/RS e em quais tendências esta atividade se ancorava, ao longo dos
anos.
Aspectos da trajetória da disciplina História da educação no
curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria:
temas clássicos e ordem cronológica, de Claudemir de Quadros, apresenta
elementos que permitem entender a constituição da disciplina História da
Educação naquela Instituição de Ensino Superior. Após um breve apanhado
sobre a história da instituição, o autor incursiona pelas diferentes grades
curriculares do Curso de Pedagogia, situando a posição da História da
Educação em relação às demais disciplinas, vindo a apontar a paulatina
perda no que se refere à carga horária, desde 1955 até a proposta curricular
vigente nos dias de hoje. Apresenta igualmente os formatos avaliativos, bem
como as respectivas bibliografias que acompanham as diversas propostas ao
longo dos tempos. Confirmando o que ocorre na maioria dos currículos de
formação docente em nosso país, ressalta a precária atenção em termos de
conteúdo destinado a tratar do contexto da educação brasileira nos
diferentes programas que analisou, além de identificar não só a tendência
dominante da dimensão cronológica linear e da perspectiva doutrinária
católica que ainda hoje encontra espaço significativo nas propostas desta
disciplina. Conclui ressaltando o paradoxo existente entre a crescente

170
produção da pesquisa na área e o visível distanciamento de tais implicações
para a sala de aula.
A disciplina de História da Educação na Faculdade e no Centro
Universitário La Salle texto de autoria de Miguel Alfredo Orth, identifica as
principais características assumidas pela disciplina de História da Educação
naquele Centro Universitário, a qual tem sua história vinculada à trajetória
de congregação religiosa e à Obra Educacional Lassalista. O autor utiliza,
como fontes, os currículos, os programas, a formação acadêmica dos
professores, os livros escolares, os conteúdos, bem como entrevistas semi-
estruturadas, a dotadas para esclarecer situações peculiares e relevantes que
a análise indicava. A abordagem sobre o desenvolvimento da disciplina é
feita através de seis blocos cronológicos, com a descrição das características
assumidas entre 1981 e 2005. Com riqueza de informações, Miguel Orth
demonstra que, na década de 1980, predominaram as disciplinas de História
da Educação geral e clássica, enquanto que, na década de 1950, a prioridade
foi conferida à educação clássica, bem como à história da educação
brasileira e crítica. Já a partir de 2000, o foco adotado foi a história da
educação brasileira e lassalista.
O artigo da professora Anna Rosa Fontella Santiago, O ensino de
Historia da Educação na UNIJUÍ, debate a disciplina de Historia da
Educação no contexto dos debates de formação de professores nas ultimas
décadas. Analisa a posição dos eixos temáticos e linhas conceituais do
currículo de formação de professores da Instituição e a condução que a
disciplina recebeu, especialmente no currículo do Curso de Pedagogia, e
suas relações com outros campos do conhecimento. Destaca que, ao longo
do tempo, Historia da Educação foi tratada como instrumento básico de
investigação e fundamental para a prática pedagógica, contribuindo para
que a formação docente se situasse frente à dinâmica das relações políticas,
sociais, culturais e econômicas.
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani situa, em Ponha-se no seu
lugar!!! A História da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade
de Passo Fundo: em busca do espaço institucional, o histórico do Curso de
Pedagogia da UPF nele identificando a pouca valorização atribuída à
disciplina de Historia da Educação no período estudado - 1971 a 2006.
Analisa ementas e indica como hibrida a posição dessa disciplina no
contexto do currículo, embora reconheça a importância epistemológica da
mesma na formação do educador.
Flávia Werle e Berenice Corsetti apresentam em seu artigo
Historia da Educação e a formação do professor na UNISINOS, a
disciplina de História da Educação e seus desdobramentos dos anos
cinqüenta até 2005, focando especialmente o Curso de Pedagogia. É um

171
texto elaborado a partir da análise de ementas, objetivos, conteúdos
programáticos e bibliografia da disciplina de Historia da Educação e
Historia da Educação Brasileira. As autoras constatam a progressiva
restrição da temática enquanto disciplina especifica no currículo da
formação docente.
As professoras Regina Quintanilha Azevedo, Clarisse Ismério e
Marilene Vaz Silveira analisam em Apontamentos sobre a disciplina de
História da Educação na Universidade da Região da Campanha –
URCAMP (1959 – 2001), como História da Educação foi se constituindo no
curso de Pedagogia apresentando, previamente, o perfil da IES em relação
ao contexto histórico da segunda metade do século XX. Tratam dos temas e
da abordagem pedagógica recebida pela disciplina de História da Educação,
quem eram as docentes que a ministravam e as obras de referência
utilizadas. Para tanto, as autoras utilizaram fontes variadas como Atas e
Relatórios para Avaliação do Ministério de Educação e Cultura, planos de
curso e de estudos, bibliografias, plano pedagógico. Levaram também em
consideração a formação dos professores explicitando o tratamento atual
dessa disciplina.
Os professores Maria Stephanou e Elomar Tambara analisam em
seus textos: O ensino de História da Educação na História da Faculdade de
Educação da UFRGS: primeiras aproximações e História da Educação no
curso de pedagogia da Universidade Federal de Pelotas a evolução e a
natureza da presença desta disciplina em suas instituições de ensino.
O conjunto de textos aqui reunidos apresenta o itinerário
institucional das disciplinas de História da Educação e História da Educação
Brasileira em algumas IES do sul do Brasil, pretendendo contribuir para a
discussão do papel das mesmas no contexto da formação de professores,
fomentar a reflexão acerca das relações entre o ensino e a pesquisa em
História da Educação e da constituição dos cursos de formação de
professores em nível superior no Rio Grande do Sul.

Beatriz Teresinha Daudt Fischer


Berenice Corsetti
Flávia Werle
Lúcio Kreutz

172
A disciplina História da Educação na formação de
professores: desafios contemporâneos
Clarice Nunes

Resumo

A avaliação institucional e de cursos, um dos procedimentos decisivos da política educacional


no país dentro da conjuntura atual, afeta o ensino da disciplina História da Educação nos
Cursos de Graduação em Pedagogia e colide com alguns desafios enfrentados pelo professor
em sala de aula: o de atender às demandas sociais, pessoais e disciplinares; o de participar de
um movimento de construção de identidades; o de levar ao ensino os achados recentes das
investigações realizadas nos cursos de pós-graduação e o de elaborar outras formas de
representação da pesquisa e do ensino que afetam a sua atuação e os resultados do seu trabalho.
Propõe-se a discussão do que vem a ser um ensino e pesquisa de qualidade em História da
Educação e, à luz da concepção que norteia o pensamento do autor, de algumas expectativas
em relação à prática acadêmica desta disciplina.
Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação; formação de
professores.

Abstract

The institutional and course evaluation, one of the decisive educational policy procedures
within the present country circumstances, affects the History of Education discipline teaching
in the Graduation Pedagogy Courses, and collide with some challenges faced by the teachers in
the class: to attend to the social, personal and discipline demands; to participate of a identity
construction moviment, to carry to the teaching the recent findings of the post-graduate courses
researches and to elabore other research and teaching representation forms that affect his acting
and work results. It is proposed the discussion of what a quality teaching and research on
History of Education is and, in the light of the conception that orientates the author’s thought,
of some expectations related to this discipline academic practice,
Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 173-180, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Fico muito honrada com o convite recebido da Associação Sul-
Riograndense de Pesquisadores em História da Educação para participar do
seu XI encontro. Vejo a ASPHE não apenas como instituição consolidada
de reflexão sobre a produção acadêmica dos profissionais que reúne, mas
também como instância da sociedade civil que, ao aglutinar seus associados
e interlocutores interessados nos debates que promove em suas reuniões
anuais, assim como em torno da produção da revista História da Educação,
contribui significativamente para a criação de um forum democrático dos
historiadores da educação brasileiros. E, em momentos de turbulência
política como o que atravessamos, este evento sinaliza como é importante
concentrar nossa atenção sobre a sociedade. Nosso querido e saudoso
Herbert de Souza dizia quando foi provocado a fazer uma declaração de
voto entre os candidatos à presidência Fernando Henrique Cardoso e Lula,
quase profeticamente, num texto publicado em 1994:
Sem mudar a sociedade não adianta mudar o governo. A mudança é
aparente, é uma mentira (...) Esse hoje é o meu credo. Entre o
presidente e o cidadão, fico com o cidadão. Meu anti-estatismo não
tem a mesma origem do pensamento neoliberal. Sou crítico do
Estado porque quero democratizá-lo radicalmente, submetê-lo
radicalmente ao controle da sociedade, da cidadania. Não quero o
Estado no planalto, mas na planície. Não quero o presidente, mas o
cidadão. Não quero o salvador, mas o funcionário público eleito para
gerenciar o bem comum. Para mim, as eleições de outubro não tem o
caráter de definir nosso futuro. Quem decide o nosso futuro somos
nós a cada dia, hora, minuto de uma ação política contínua (...)
Apesar de acreditar que não vá viver muito, o fato é que atuo como
se a vida não terminasse nessa eleição (...) Creio em cidadania e por
isso minha noção de tempo é diferente (SOUZA, 1994).

Uma Associação como a ASPHE, em seu décimo aniversário,


mostra que o tempo das associações ultrapassa o dos acontecimentos e se
mede a médio e longo prazo. A criação da ASPHE antecipou-se à criação da
Sociedade Brasileira de História da Educação (1999) e surgiu num
momento de grande efervescência do Grupo de Trabalho de História da
Educação da ANPEd que funcionava como instância de visibilidade das
dissertações e teses de doutoramento dos Programas de Pós-Graduação em
Educação das universidades brasileiras, tendo direcionado seus esforços, já
no início da década de 1990, para renovar a interpretação histórica no
trabalho de antigas temáticas e na construção de novos objetos.
Se a pesquisa em História da Educação procurava romper os
cânones tradicionais da sua produção, o seu ensino nos cursos de graduação
continuava ancorado na tradição positivista. Nos programas de pós-
graduação existentes, conviviam interpretações da educação brasileira e de
sua história inspiradas nos positivismos e nos marxismos, gerando em

174
alguns pesquisadores a insatisfação e a busca de outros aportes teóricos para
produzir a pesquisa histórica em educação, dentre eles, a chamada Nova
História, gestada na França, que já havia se propagado nos meios
acadêmicos em nosso país nos anos de 1960 e 1970.
Enquanto os historiadores profissionais já vinham sendo
formados nos cursos de licenciatura e bacharelado das Faculdades de
Filosofia, antes portanto da expansão dos Cursos de Pós-Graduação em
História na década de 1970 (FALCON, 1996), os profissionais
especializados em produzir a história da educação são fruto dos Cursos de
Pós-Graduação em Educação, criados nesse mesmo momento.
No início da década de 1990 os historiadores debatiam a crise da
História e em meados dessa mesma década, começaram a encarar a crise da
identidade do historiador, a partir de dois critérios diferentes e não
necessariamente complementares: o da formação em História e o do
reconhecimento de seus trabalhos como sendo de História (FALCON,
1996). Nós, historiadores da educação, no início da década de 1990,
começávamos a nos afirmar como historiadores pela nossa prática e pelo
nosso projeto de pesquisa, sendo percebidos pelos historiadores de
formação às vezes como intrusos, às vezes como parceiros na produção do
conhecimento. Fomos forjando nosso campo de atuação, a partir da
fragmentação da própria oficina da História e não exatamente pela
fragmentação dos objetos historiográficos que, sem dúvida, se
multiplicaram entre nós de um modo acentuado.
O que se espera de um pesquisador de história da educação? Que
conheça o seu ofício. O que se espera de um professor de História da
Educação? Que ensine a pensar historicamente. Essa disciplina, como
lembram Faria Filho e Rodrigues (2003), se situa no quadro mas amplo das
disciplinas que compõem a formação do professor nos cursos de pedagogia
e nas outras licenciaturas e, obviamente, se articula (ou não) com as
pesquisas nessa área. Geralmente pesquisadores de história da educação
ensinam esta disciplina. Mas há aqueles que a ensinam sem serem
pesquisadores da área ou mesmo praticantes da pesquisa. E quando faço
essa afirmação estou pensando na diversidade das instituições encarregadas
da formação do professor e das condições para o exercício da pesquisa que
revelam um espectro de situações, das mais favoráveis às mais improváveis.
No entanto, não vou me estender nessa direção. Estou mais preocupada com
as diferentes formas de representação que construímos da pesquisa e do
ensino e que afetam nossa atuação, produzindo diferentes resultados,
sobretudo numa conjuntura que tem na avaliação dos cursos de formação
docente (mas não só deles) uma prioridade da política educacional após a

175
aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e que vê na
qualidade um objetivo a perseguir a qualquer custo.
Esta preocupação me leva a eleger um certo lugar para falar da
disciplina História da Educação que não privilegia propriamente a sua
história, o que fiz em outros textos que produzi, mostrando como ela
apareceu nas universidades e escolas normais européias, no final do século
XIX, forjada pela defesa da necessidade de um ensino sistemático da
pedagogia, que se iniciaria justamente com a sua própria história e arte de
ensinar (NUNES & CARVALHO, 1993). Recordo que, no Brasil, a história
da história da educação não se dissocia da história da Escola Normal, nem
da inserção da Pedagogia como seção da Faculdade Nacional de Filosofia
ou da criação das Faculdades de Pedagogia e dos Programas de Pós-
Graduação em Educação nos anos setenta do século XX (LOPES, 1986).
Optei por falar desse campo disciplinar a partir dos desafios
contemporâneos, o que me permite, num primeiro momento, operar um
certo descentramento das questões mais específicas que ele abriga até para
poder voltar a elas de um ponto de vista mais amplo. Fazer um balanço da
produção da ASPHE, identificar como a disciplina História da Educação
esteve presente nos cursos de formação docente, delinear um projeto futuro
para essa associação, objetivos deste encontro, pressupõem enfrentar a
questão do que seja uma pesquisa ou ensino de história da educação de
qualidade. Temos, portanto, mesmo que sucintamente, compreender de que
qualidade falamos.
A qualidade, como define Juan Casassus (2002), é um juízo
formulado por uma pessoa, um grupo ou uma instituição sobre um domínio
específico que se reporta a certos critérios e padrões. É, portanto, um juízo
socialmente construído. Logo, é histórico, multidimensional e pretende, do
ponto de vista da política, atingir o sistema educativo como um todo.
Se considerarmos, ainda seguindo Casassus, que a pesquisa e o
ensino são serviços prestados com o objetivo de satisfazer às necessidades
de alguém, é preciso identificar que demandas são feitas para esses serviços
e quem as faz. Se pensamos na disciplina História da Educação como
possibilidade de desenvolvimento da cidadania, temos uma demanda que
provém da sociedade. Se pensamos na mesma disciplina com ênfase na
aquisição de certos conhecimentos considerados imprescindíveis, temos
uma demanda que provém da área disciplinar. Se pensamos na disciplina
História da Educação como possibilidade dos estudantes apropriarem-se de
um saber fazer que muda constantemente e que dá visibilidade à
singularidade dos sujeitos, de sua história e da memória dos grupos aos
quais pertencem, que pretende atender às necessidades do seu
desenvolvimento pessoal temos uma demanda que provém das pessoas. Se

176
examinarmos, porém, o que ocorre com os processos de avaliação de
qualidade que incidem sobre essa área disciplinar (e não apenas ela), vemos
que nem a demanda da sociedade nem as das pessoas são levadas
efetivamente em conta por quem toma a decisão de avaliar. Ou seja, a
avaliação fica restrita ao rendimento escolar e, portanto, às demandas que
emergem da disciplina. Ora, se permanecemos centrados no exame da
disciplina escolar sem problematizar a decisão política de avaliar estamos
alimentando um tipo de avaliação que não serve para melhorar a pedagogia
da pesquisa nem a do ensino, mas apenas para determinar classificações e
aplicar sanções.
A grosso modo, na implementação da disciplina História da
Educação, no Brasil republicano, temos três grandes movimentos de
construção de identidade através da mediação pedgógica do professor:
aquele preocupado com a construção de uma identidade nacional e que
toma a história como fonte de formação e de conteúdos para projetar sobre
eles um futuro; um outro mais atento para o ensino de capacidades
cognitivas do que de conteúdos, com vistas a atuação num contexto em
mudança e ainda um movimento que se volta para a construção da
subjetividade, para que quem aprenda história da educação ressignifique a
sua vida e se torne, na medida do possível, mais consciente das suas
escolhas. Esse terceiro movimento exige uma interação não linear entre
professor, aluno e conhecimento. Exige também que se levem em conta as
motivações, as expectativas, interesses, atitudes e conteúdos (mesmo que os
julguemos equivocados) que o aluno traz na sua bagagem, além da
compreensão de que a relação entre o currículo e a aprendizagem é um
exercício ao qual podem ser atribuídos múltiplos sentidos que se reportam
tanto ao que ocorre dentro, quanto ao que ocorre fora da escola.
Essa maneira de focalizar a questão disciplinar, saindo
propositadamente dos limites da disciplina, não deixa que o orgulho que
sentimos pelo trabalho específico que realizamos enquanto pesquisadores de
História da Educação nos atrapalhe para pensar as questões relativas ao
ensino. Tentarei explicar. Tanto a pesquisa quanto o ensino fazem parte de
projetos de comunicação formadora.1 Em ambos só se transmite algo que
seja verdadeiro e válido aos olhos daquele que se incumbe dessa
responsabilidade. Partimos, portanto, do valor instrínseco da coisa ensinada.
A prática da pesquisa introduz o estudante no ofício do historiador, no
modo de operar a produção científica existente.

1
Realizei um sucinto comentário sobre o ensino como projeto de comunicação formadora no I
Congresso de História da Educação em Minas Gerais, realizado em 2002. Retomo nesta
oportunidade alguns argumentos que ainda considero válidos (NUNES, 2002).

177
A pedagogia da pesquisa não se confunde porém com a pedagogia
do ensino. Na pesquisa construímos um objeto de estudo por aproximações
sucessivas e procuramos manter a vigilância nesse processo. No ensino,
procura-se transmitir conteúdos provenientes da pesquisa (a própria e a dos
outros) como um corpo constituído de inteligibilidade que, se não deve ser
aceito acriticamente, possui certo aval de confiabilidade que lhe outorga a
escolha realizada pelo docente. Na pesquisa interrogamos um aspecto
particular do conhecimento de forma ativa e sistemática, problematizamos o
pré-construído. Se a pesquisa procura romper com certas crenças, o ensino
procura disseminar aquelas às quais chegamos e que também precisam ser
postas à prova, mas no ensino esse processo tende a ser mais lento e as
aquisições mais sedimentadas, do que no campo da investigação.
Na pesquisa a situação ideal, afirma Bourdieu (1989), é a do
investigador que reúne uma cultura erudita no campo de conhecimento
escolhido e, ao mesmo tempo, resiste ou se revolta contra as interpretações
dominantes. Para Bourdieu, um dos obstáculos à pedagogia da pesquisa é a
pedagogia do ensino que perpetua autores, métodos, conceitos. E isso
ocorre porque os professores ao invés de iniciarem pelo ponto em que se
situam as pesquisas mais avançadas dos pesquisadores de ofício, fazem os
estudante percorrerem uma tradição que trabalha com fragmentos, pedaços
que não ganham sentido de conjunto a não ser pela continuidade
cronológica. Acrescento que às vezes também pecamos ao encaminhar o
ensino pelos interesses quase exclusivos das nossas próprias pesquisas.
Temos tido dificuldade de renovar nossas bibliografias no campo
do ensino, em parte pelo processo que construiu a separação entre ensino e
pesquisa. Raro o professor de História da Educação que não teve aquela
sensação de que há demasiada história para ser ensinada e aprendida.
Permanece no ar questões que não nos abandonam: o que precisamos
ensinar? O que queremos conhecer do passado? Porquê? Que diferença faria
se não o conhecêssemos? O que a escola ensina e, sobretudo, a História da
Educação, é uma parte bem restrita do que constitui a experiência coletiva, a
cultura viva de uma comunidade humana, até porque há muita coisa que se
rejeita, se esquece ou se abandona dos aspectos culturais e não se trata
apenas de um abandono do passado, mas também de aspectos presentes na
atualidade no interior da sociedade.
A graduação aparece como área estratégica de intervenção
pedagógica, no sentido da melhoria do ensino e de incentivo à participação
de estudantes em atividades de iniciação científica. Quem são os alunos da
graduação: Em minha experiência são geralmente alunos trabalhadores,
grupo heterogêneo quanto à capacidade de percepção e raciocínio histórico.
O reconhecimento desse terreno, assimetricamente delineado, é de

178
fundamental improtância para o processo comunicativo em andamento.
Nele, cabe ao professor não propriamente ensinar a História da Educação,
mas provocar e alimentar a recusa às verdades instituídas, a necessidade de
recuo dos clichês e opiniões cristalizadas, seja pelo grupo familiar de
origem, seja pelas escolas de formação anteriores. É preciso que o estudante
encontre um caminho produtivo para o exercício do estranhamento.
Conseguir algum nível de estranhamento é decisivo para que os
estudantes desnaturalizem sua própria experiência escolar e se dêem conta
do processo de estereotipagem que se apodera da sua vida mental. Nada
avança, na relação pedagógica, sem a desconstrução das certezas, das
noções simplificadas que recobrem elementos contraditórios do real, que
ignoram exceções e permanecem rigidamente imunes à experiência.
Acomodar-se aos estereótipos, nas explicações dadas pelos grupos de poder,
conduz a uma limitação da imaginação, a um estreitamento progressivo do
campo mental, à uma menor tolerância à ambigüidade, ao apego à ordem,
ao instituído.
Toda a dificuldade reside no trânsito da opinião para o
conhecimento. Pensar seria justamente viver a experiência da relação entre
sujeito e objeto. Pensar é assumir a diferença das representações. Afastar-se
da necessidade que a opinião tem de incorporar a si mesma apenas o que lhe
é semelhante, vendo em tudo a confirmação de si própria. Viver no terreno
da opinião é não se espantar com nada. É viver na opacidade das certezas
(BOSI, 1977).
Precisamos trabalhar, portanto, e duramente, na suspensão das
certezas (as nossas e as dos outros). Só aí começamos a habitar plenamente
nosso próprio mundo, principiando a aprendizagem de um certo
vocabulário, de um estilo de interrogar, de exercer certas operações
conceituais, de dar inteligibilidade ao que se aprende, de aprender a pensar
historicamente. Mas para que isso ocorra o que se espera do professor? Dele
se espera que:
• concilie, distinguindo, o seu papel de historiador e de educador;
• reveja continuamente, os seus conhecimentos e sua
competência;
• discuta teoricamente as concepções de história implícitas na
sua prática docente e de investigação;
• acompanhe o debate (nos encontros e colóquios, nas revistas
especializadas da disciplina)
• busque o diálogo e o intercâmbio com outras áreas de
conhecimento.

179
Referências

BOSI, Ecléa (1977). A opinião e o esteereótico. Contexto. Rio de Janeiro


(2): 97-104, março.
BOURDIEU, Pierre (1989). O poder simbólico. Lisboa: Difel.
CASASSUS, Juan (2002). Cambios paradigmáticos en educación. Revista
Brasileira de Educação. São Paulo: Autores Associados, (20): 48-59.
FALCON, Francisco J. C. (1996). A identidade do historiador. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro (17): 7-30.
FARIA, FILHO, Luciano Mendes de e RODRIGUES, José Roberto Gomes.
A história da educação programada: uma aproximação da história da
educação ensinada nos cursos de pedagogia em Belo Horizonte. Revista
Brasileira de História da Educação. São Paulo: Autores Associados, (6):
159-176, julho/dezembro.
LOPES, Eliane Marta Teixeira (1986). Perspectivas históricas da
educação. São Paulo: Ática.
NUNES, Clarice & CARVALHO, Marta Maria Chagas de (1993).
Historiografia da Educação e Fontes. Cadernos ANPEd – Nova Fase, Porto
Alegre, n. 5, setembro, pp. 7-64.
NUNES, Clarice (2002). História da Educação: interrogando a prático do
ensino e da pesquisa. IN: LOPES, Ana Amélia Borges Magalhães et al.
(org.). Anais do I Congresso de Pesquisa e Ensino em História da
Educação em Minas Gerais. Belo Horizonte: FCHF/FUMEC.
SOUZA, Herbert (1994). Opção pela Sociedade. O Globo, Rio de Janeiro,
18/08.

Clarice Nunes é Professora Titular de História da Educação da UFF


(aposentada). Pesquisadora do CNPq associada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFF.

180
A Disciplina História da Educação no Curso de
Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (1942-2002)
Maria Helena Camara Bastos
Fernanda de Bastani Busnello
Elizandra Ambrosio Lemos

Resumo

O artigo busca contribuir para a discussão sobre o ensino da disciplina História da Educação
nos Cursos de Pedagogia. Analisa a história da disciplina no currículo das escolas normais e no
curso de Pedagogia. Tem como foco a história da disciplina na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, no período de 1942 a 2002: localização na grade curricular;
carga horária; docentes (formação); ementas/súmulas; conteúdo; bibliografia básica adotada,
procedimentos didáticos e de avaliação.
Palavras-chave: disciplina História da Educação; Pedagogia; disciplina escolar.

Resumé

L'article essaie de contribuer à la discussion sur l'enseignement de l'Histoire de l'Education


dans les Cours de Pedagogie. Il analyse l'histoire de la discipline dans le cursus des écoles
normales et dans le cours de Pedagogie. Il a comme axe principal l'histoire de la discipline dans
la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul dans la période allant de 1942 à
2002: place occupée dans le cursus, charge horaire, professeurs (formation), sommaires,
contenus, bibliographie de base adoptée, procédés didactiques et d'évaluation.
Mots clés: discipline Histoire de l’éducation; Pedagogie; discipline scolaire.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 181-212, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Introdução

Nos últimos anos, ampliaram-se significativamente os espaços de


produção em história da educação no Brasil. Criaram-se grupos de pesquisa
e/ou associações de pesquisadores regionais, estaduais (Associação Sul-Rio-
grandense de Pesquisadores em História da Educação/ASPHE – 1995) e
nacional (Sociedade Brasileira de História da Educação/SBHE – 1999).
Foram realizados inúmeros congressos – nacionais e internacionais -,
aumentou a participação de pesquisadores brasileiros nos encontros anuais
da Association internationale pour l’histoire de l’éducation (ISCHE), tendo
a SBHE se filiado em 2000. Publicam-se periódicos especializados na área,
como por exemplo, a Revista História da Educação (ASPHE/1996), a
Revista Brasileira de História da Educação (SBHE/2001), os Cadernos de
História da Educação (UFUb-Uberlândia/2002), a revista eletrônica da
HISTEDBR (Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação
no Brasil/2000). Também há um aumento significativo de publicação de
livros, destacando-se as coleções: CDAPH e Estudos CDAPH/ Centro de
Documentação e apoio à Pesquisa em História da Educação, da Editora da
Universidade de São Francisco; Memória da Educação e Documentos da
Educação Brasileira, da Autores Associados; Série Clássicos de História e
Filosofia da Educação, da Seiva Publicações (Pelotas/RS); Histórias e
Memórias da Educação no Brasil, da editora Vozes. Os programas de pós-
graduação no Brasil, os estágios de formação e de pesquisa no exterior
também têm sido espaços privilegiados de construção e de ampliação do
campo.
A profícua expansão da pesquisa em História da Educação, no
entanto, não tem sido acompanhada de estudos sobre o ensino da disciplina
nos cursos de Pedagogia . Em recente trabalho (Bastos, 2004), apontamos à
carência de pesquisas envolvendo o ensino da história da educação .
Podemos afirmar que há um hiato entre a pesquisa e o ensino, questão que
tem sido silenciada pelos pesquisadores da área em geral. A pesquisa tem-se
desenvolvido à margem da docência, pois muitos dos pesquisadores da área
não são os professores da disciplina. Cabe registrar que o número seis
(jul/dez. 2003) da Revista Brasileira de História da Educação traz dois
textos sobre o tema . Assim, cabem as perguntas: que resultados têm trazido
para a disciplina de História da Educação, nos cursos de graduação, a
significativa produção da pesquisa na área? Qual a inserção das obras
recentemente publicadas na bibliografia da disciplina na graduação?

182
O presente artigo busca contribuir para a discussão sobre o
ensino da disciplina História da Educação nos Cursos de Pedagogia, tendo
como foco a história da disciplina na Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, no período de 1942 a 2002 : localização na grade
curricular; carga horária; docentes (formação); ementas/súmulas; conteúdo;
bibliografia básica adotada, procedimentos didáticos e de avaliação. Temos
consciência de que os planos não expressam o que realmente ocorreu, mas
são pistas, sinais e vestígios (Ginsburg, 1989) para adentrar no que foi e é
privilegiado pelos docentes.

A Disciplina História da Educação no Currículo da Escola


Normal e dos Cursos de Pedagogia

André Chervel (1990) destaca a história das disciplinas escolares


como um campo de pesquisa , que consubstancia estudos de cultura escolar
(Julia, 2001). As pesquisas nesta área objetivam analisar e explicar as
transformações que as disciplinas sofrem ao longo do tempo, isto é, as
mudanças de tendências, conteúdos, métodos de ensino, referencial teórico-
bibliográfico, corpo docente . Essas mudanças ocorrem por interferência de
fatores internos, ligados às próprias condições de trabalho na área, e fatores
externos, relacionados à política educacional e às condições sociais (Santos,
1990).
Como disciplina, a História da Educação consolida-se na
segunda metade do século XIX no conjunto de várias especializações da
História e da Pedagogia científica. O seu surgimento corresponde ao
período de consolidação dos sistemas educativos nacionais. Para Nóvoa
(1994, p. 15), a construção da disciplina deve ser enfocada a partir de três
processos simultâneos: a estatização do ensino, a institucionalização da
formação de professores e a cientificização da pedagogia - o
desenvolvimento da educação de massas e de busca de cientificização do
conhecimento pedagógico com as chamadas ciências da educação –
filosofia, psicologia, sociologia, biologia.
A disciplina História da Educação busca afirmar a pedagogia
como ciência da educação e legitimar as idéias dos educadores. Para
Compayré (1911), a história é a introdução necessária, a preparação para a
própria ciência (In: Nòvoa, 1994, p.11).
A partir de 1860, são publicadas as primeiras obras que versam
sobre a matéria e ministrados cursos em Universidades e Escolas Normais,
em diversos locais da Europa. Em 1882, é criado o primeiro curso
universitário de Pedagogia na Faculdade de Letras de Bordeaux\França,
183
com o objetivo de racionalizar os métodos pedagógicos e de constituir uma
ciência da educação. Segundo Gautherin (2002) é o momento da invenção
da pedagogia universitária. A idéia não era nova, vinha sendo tentada
através de diversas ações: curso de pedagogia nas escolas normais e na
educação popular, as conferências pedagógicas, os congressos pedagógicos.
Em 1874, Gabriel Compayré, professor na Faculdade de Letras de
Toulouse, inaugura um curso de filosofia da educação, cujo programa
consagra-se inteiramente à história das doutrinas da educação. Em 1883, a
Sorbonne inaugura um curso de Ciências da Educação ou de Pedagogia, o
primeiro de uma série que passa a compor a Faculdades de Letras
(Gautherin, 2002, p.18). Em 1884, Wilhelm Dilthey (1833-1911) já
ministrava o curso de História da Educação na Universidade de Berlim .
Nóvoa (1994, p.28) identifica quatro tradições no ensino de
História da Educação:
1. de início, organiza-se como uma reflexão essencialmente
filosófica, baseada na evocação das idéias dos grandes educadores, desde a
Antiguidade ao período contemporâneo (século XIX). Através da
glorificação do passado, descreve-se a evolução educativa como uma
marcha do progresso, com o objetivo de tirar do passado o máximo de
lições para o presente;
2. no final do século XIX e princípio do século XX, a disciplina
assume uma visão marcadamente institucional. Através da rememoração
legislativa, nomeadamente das principais reformas educativas, produz-se
uma história legitimadora das opções presentes de política educativa, dando
um caráter prático e funcional para a disciplina;
3. em meados do século XX, reação forte contra as duas tradições
anteriores, feitas por historiadores e sociólogos, em uma perspectiva
marxista e neo-marxista, trazendo uma dimensão social para a disciplina;
4. atualmente, há uma diversificação de perspectivas na forma de
ensinar a disciplina e de justificar sua inclusão nos cursos de formação de
professores. Há uma espécie de redescoberta da especificidade das
temáticas escolares, do papel dos diferentes atores educativos e da sua
experiência; uma tendência às práticas de história intelectual e cultural, a
partir de novas concepções teóricas; uma revalorização das abordagens
comparadas. Em 1960, com o fenômeno da “explosão escolar”, isto é, de
expansão mundial da educação, há um renascimento das ciências da
educação e, concomitantemente, da história da educação. A redefinição do
campo da educação engendra a imposição de um discurso especializado,
ancorado sobre uma legitimidade científica (Nóvoa, 1998, p.144-145).
No Brasil, a história da disciplina História da Educação não se
dissocia da Escola Normal. O Dr. Carlos Maximiano Pimenta de Laet, em

184
parecer sobre as Escolas Normais no Congresso de Instrução do Rio de
Janeiro (1883-84) , recomenda como disciplina do currículo de formação -
Pedagogia e metodologia geral: história da Pedagogia.
No Rio Grande do Sul, já em 1876, a História da Educação
aparece como conteúdo da disciplina Pedagogia, que compreendia “sua
história, suas divisões e aplicações práticas e princípios de direito natural”.
O Padre Joaquim Cacique de Barros foi o primeiro professor de Pedagogia e
diretor da Escola Normal do Estado, criada em 1869. Também lecionava
Regras de Caligrafia, Gramática Nacional, Catecismo, História Sagrada e da
Igreja e Gramática analisada. Em 1872, alertou as autoridades
governamentais sobre a falta que a cadeira de Pedagogia fazia no curso,
independente da cadeira de Gramática (Schneider, 1993, p.245).
No Decreto nº 874, de 28 de fevereiro de 1906, permanece essa
situação - a disciplina Pedagogia deveria compreender sua história,
educação física, intelectual e moral, metodologia, prática do ensino com
duas horas por semana na terceira série. Somente o Decreto nº 4.277 de 13
de março de 1929, que regulamenta o ensino normal na Escola Normal de
Porto Alegre e em escolas complementares, inclui a disciplina História da
Educação no curso normal (Werle, 2003, p. 300-301) . Foram as reformas
educacionais introduzidas a partir de 1930, que incluíram a cadeira nos
planos das Escolas Normais. Em 1946, a Lei Orgânica do Ensino Normal
(Decreto-lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946) estabelece que no currículo
das Escolas Normais deveria ser ministrada a disciplina História e Filosofia
da Educação, a ser ministrada na terceira série.
Na década de 40, com a criação dos cursos de Pedagogia, nas
Faculdades de Filosofia, Ciência e Letras, ampliam-se os estudos
pedagógicos e, como parte deles, o de História da Educação (Decreto-lei nº
1190, de 4 de abril de 1939). A Faculdade Nacional de Filosofia é instituída
com o fim de “preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas
atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica; preparar candidatos
ao magistério do ensino secundário e normal; realizar pesquisas nos vários
domínios da cultura, que constituam objeto de estudo”. Para a
operacionalização destes objetivos, cria cinco seções: Filosofia, Ciências,
Letras, Pedagogia, Didática.
O Regimento Interno, aprovado pelo Conselho Universitário de
30 de agosto de 1940 e pelo Conselho Nacional de Educação em 15 de maio
de 1942, determina que o curso de Pedagogia deva ser realizado em três
anos, com a seguinte seriação: primeira série – complementos de
matemática, história da filosofia, sociologia, fundamentos biológicos da
educação; segunda série – estatística educacional, história da educação,
fundamentos sociológicos da educação, psicologia educacional,

185
administração escolar; terceira série – história da educação, psicologia
educacional, administração escolar, educação comparada, filosofia da
educação.
Quanto ao corpo docente da Faculdade, afirma que seria
constituído pelos professores catedráticos, assistentes, docentes livres e,
eventualmente, professores contratados. Na listagem das cadeiras (art.126),
consta um professor catedrático para História e Filosofia da Educação,
cátedra ocupada por Raul Jobim Bittencourt , o que marca a união das duas
disciplinas em suas trajetórias nos cursos de formação de professores
(Lopes; Galvão, 2001, p27).
O programa de História da Educação, para a segunda e terceira
série do curso de Pedagogia, compreendia os seguintes tópicos: conceito de
educação; a pedagogia e a história da educação no quadro geral dos
conhecimentos; método de estudo da história da educação; a educação nas
sociedades primitivas; a educação nas culturas orientais: do Egito, da
Mesopotâmia, da Pérsia, da Índia, da China, de Israel; a educação na cultura
clássica: educação helênica, educação romana; a educação na cultura
ocidental: educação cristã na Alta Idade Média, educação cristã na Baixa
Idade Média, a Universidade; a educação na Renascença, Humanismo,
Reforma; educação moderna, século XVII e a primeira metade do século
XVIII, de Comenius a Rousseau. Na terceira série o programa compreendia:
a revolução intelectual do século XVIII e a educação, Enciclopédia, de
Rousseau à revolução francesa; Pestalozzi e a educação contemporânea;
diretrizes educacionais do século XIX: os continuadores de Pestalozzi –
Froebel, Girard, desenvolvimento científico e sua influência na educação –
Herbart, Spencer, Bain, a educação nos Estados Unidos – de Horace Mann a
William James, a educação na América Latina – Sarmiento, Varela; exame
das últimas idéias e práticas pedagógicas: escola nova – Sanderson,
Montessori, Claparède, Decroly, Dewey; diretrizes educacionais dos
Estados fascistas, comunistas, democráticos; a educação no Brasil: de
Anchieta à república; leis, educadores e escolas do período republicano;
síntese histórica, perspectivas futuras da educação (Programa do Curso de
Pedagogia, 1942, p.30-31) . Esse programa incide sobre a evolução no
tempo dos processos educativos e escolares, com ênfase nos principais
representantes de cada período e uma descrição de fatos, idéias e práticas,
levando à compreensão do “passado pelo passado”.
Com a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
4024/61), o curso de Pedagogia passa por reformulação (Parecer do CFEnº
251/62) e a disciplina História da Educação permanece elencada como uma
das cinco disciplinas obrigatórias do currículo mínimo.

186
A Reforma Universitária de 1968 cria as Faculdades de Educação
e o currículo do curso de Pedagogia é alterado através do Parecer CFE nº
252/69, passando a ter uma base comum, constituída por matérias básicas à
formação de qualquer formação pedagógica, integrada pelas disciplinas:
Sociologia Geral, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, História
da Educação, Filosofia da Educação e Didática . A história da educação
brasileira deixa de ser um conteúdo da disciplina geral e passa a integrar os
currículos dos cursos de formação de professores como disciplina específica
ou identificada como História da Educação II.
A partir de 1996, com a lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9324/96) a maioria dos cursos de formação de professores
passa por reformulações, buscando adequar-se às novas orientações e
propostas. O Parecer CNE/CP 09/2001, de 8 de maio de 2001 , que institui
diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da
Educação Básica em nível superior, licenciatura de graduação plena,
preconiza que o “curso de Pedagogia deve ter em seu currículo um núcleo
de conteúdos básicos, articuladores da relação teoria e prática, considerados
obrigatórios pelas IES para a organização de sua estrutura curricular e
relativos – ao contexto histórico e sociocultural, compreendendo os
fundamentos filosóficos, históricos, políticos, econômicos, sociológicos,
psicológicos e antropológicos necessários para a reflexão crítica nos
diversos setores da educação na sociedade contemporânea”. Dessa forma, a
disciplina História da Educação e/ou História da Educação do Brasil
permanece no currículo da maioria dos cursos de Pedagogia, em suas
diferentes modalidades, mas varia no título e conteúdo, como em carga
horária e semestre ministrada.
Em 2005, O Conselho Nacional de Educação ao instituir as
“diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em
Pedagogia”, entre os objetivos da formação (art. 3º) destaca o de “conhecer
e avaliar teorias da educação geradas no contexto brasileiro e da América
Latina, estabelecendo diálogo com pensamentos oriundos de outros
contextos, a fim de elaborar propostas educacionais consistentes e
inovadoras”. Essa meta, para ser plenamente alcançada, necessita um
currículo com ênfase nos fundamentos filosóficos, sociológicos e históricos
da educação, em uma perspectiva comparada.

187
A Disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia da
PUCRS (1942-2002)

A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul


constitui-se como universidade em 1948 e como pontifícia em 1950. O
marco inicial foi o curso superior de Administração e Finanças criado em
1931.
O curso de Pedagogia da Faculdade Católica de Filosofia,
Ciências e Letras do Rio Grande do Sul começa a funcionar em 1943, tendo
sido autorizado pelo Decreto 9.696, de 15 de junho de 1942. (Decreto-
Federal nº 17.398, de 19 de dezembro de 1942). Em 26 de setembro de
1968, pelo Decreto 63.284, é criada a Faculdade de Educação da PUCRS.
Em 1945, a disciplina de História da Educação é ministrada pelo
professor catedrático Irmão Gelásio e pelo professor contratado Moacyr
Empinotti, na segunda e terceira série do curso, respectivamente. Há
registro de quatro formandos em 1945.
De 1945 a 2002, a disciplina teve vinte e três professores (anexo
1). Para ampliar a compreensão do ensino da disciplina na PUCRS,
realizamos um levantamento de características comuns das biografias dos
docentes que a ministraram (anexo 2). Constata-se que os professores
advêm de formação bastante diversificada: pedagogia, filosofia, sociologia,
história, No grupo de professores, identificamos alguns poucos que
produziram artigos ou capítulos de livros integrados à temática da
disciplina: Alda Cardoso Kremer , Edgar Hegemülle , Aidê Dill , Lenira
Weil .
A carga horária da disciplina apresentou pouca variação ao longo
do período analisado. De 1945 a 1961, o curso de Pedagogia era dividido
por séries anuais, sendo a disciplina ministrada na segunda e terceira série
do curso, com 4 horas-aula semanais. De 1962 a 1971, a disciplina passa a
ser ministrada somente na primeira série, com carga horária de 4 horas
semanais. A partir de 1972, a disciplina é semestralizada, sendo ministrada
no primeiro e segundo semestre do curso, com a denominação de História
da Educação I e História da Educação II, com carga horária semanal de 4
horas, totalizando 60 horas-aula em cada semestre. A partir de 1980, as
disciplinas passam a ter carga-horária semestral de 45 horas-aula, com três
horas-semanais.
Quanto à ementa da disciplina, somente a partir da década de
1970, os programas a apresentam uma descrição resumida do conteúdo do
programa oficial. Isto é, anunciam um resumo ou sumário do que vai ser
ministrado. Observa-se que essas ementas sumariam os conteúdos
trabalhados, seguindo o programa que vinha sendo adotado nas disciplinas,

188
sem mudanças aparentes. Na década dos anos 90, constata-se uma
modificação significativa: as ementas passam a sinalizar um conjunto de
intenções analíticas (anexo 3).
Para a análise dos conteúdos programáticos da disciplina,
optamos por selecionar um plano para cada década como representativo do
período, sem deixar de assinalar as mudanças observadas (anexo4). A
ênfase dos programas recai em uma exposição linear da história, passando
em revista a educação e a escola desde a antiguidade até a época
contemporânea, com uma visão sobre as doutrinas pedagógicas e seus
principais representantes. O olhar está centrado nas contribuições advindas
da Europa.
O plano da disciplina datado de 1969 apresenta somente a
listagem dos conteúdos programáticos, minuciosamente discriminados:
conceito de história; finalidades da história; fatores que atuam no processo
histórico; conceito de pedagogia, educação, concluindo com sentido do
estudo da história da educação na formação de professores; metodologia no
estudo de história da educação; variação do conceito de educação através da
história – Antigüidade: entre os povos primitivos, entre as primeiras
civilizações, na Antigüidade grega, em Esparta, em Atenas, os sofistas,
Sócrates, Platão, Aristóteles, entre os romanos; na Idade Média: a
interrupção do humanismo educacional com a invasão dos bárbaros no
século V, o aparecimento de uma nova civilização influenciada pelo
cristianismo, a educação dos leigos, a educação cristã, a educação dos
camponeses, a educação dos letrados, as escolas dos mosteiros, as escolas
catedrais ou episcopais e as escolas paroquiais, evolução histórica até a
fundação das Universidades nos séculos XI, XII e XIII, as universidades, a
escolástica; na Renascença; as concepções educacionais modernas; os
métodos de ensino através da História: os métodos didáticos, os métodos
atraentes, o método interrogativo, os métodos intuitivos, os métodos ativos.
Observa-se uma ênfase na história da civilização, da Antigüidade clássica à
Renascença, em uma visão macro da educação e das instituições escolares.
Os pensadores gregos são os destacados para estudo, não havendo
preocupação com as idéias pedagógicas gestadas em outros momentos
históricos. Cabe ainda assinalar o destaque dado para os métodos de ensino,
como unidade final da disciplina, o que dimensiona uma visão voltada à
didatização da formação docente.
Na década de 1970, há ainda um cuidadoso detalhamento do
conteúdo da disciplina História da Educação I e II, conforme já observado
nas ementas. A seqüência adotada tem forte aproximação com o
detalhamento programático proposto em 1942, com ênfase na história da
educação geral, sendo a educação brasileira enfocada como uma unidade do

189
programa. A disciplina História da Educação I inicia estudando o conceito
de educação e pedagogia e suas correlações; o método e as fontes de estudo
da História da Educação, seu valor e importância; a História da Educação
entre os povos primitivos; a educação entre as culturas orientais; a educação
grego-romana; a educação na cultura ocidental; a educação na renascença.
A disciplina História da Educação II continua com os temas: época do
naturalismo pedagógico; a educação geral humana na pedagogia da
Revolução e do Neo-humanismo; a educação no século XIX, a educação no
século XX; história da educação brasileira (estudo dos diversos períodos).
Nas décadas de 1980 e de 1990, os programas mantêm a mesma
distribuição dos conteúdos programáticos: conceito de educação; educação
e pedagogia e suas correlações; método de estudo da história da educação;
fontes de estudo da história da educação, seu valor e importância; história
da educação entre os povos primitivos; a educação entre as culturas
orientais; a educação greco-romana; a educação cristã primitiva; a educação
medieval; a educação no Renascimento, humanismo e educação reformada;
educação e o liberalismo burguês; educação contemporânea. Para a História
da Educação II ou Brasil, o conteúdo privilegia os momentos históricos
consagrados pela historiografia: educação colonial; educação imperial; da
República Velha ao Estado Novo; Educação brasileira: do fim do Estado
Novo a 1964; Educação brasileira: de 1964 ao Brasil atual. O final dos anos
90, os programas da disciplina apresentam uma sensível modificação,
privilegiando temas como a história da infância, da alfabetização, da
formação docente.
Quanto aos procedimentos didáticos, assinalados nos planos da
disciplina, há referência de que “além das preleções”, havia trabalhos
objetivos, relatórios de leitura, observações e debates (década de 1970). Na
década de 1980, observa-se o uso de filmes (O Nome da Rosa) como
recurso didático, a pesquisa bibliográfica e a produção textual dos alunos a
partir de questões formuladas previamente. Na década de 1990, a
preocupação é a formação do aluno como pesquisador através de “pesquisa
bibliográfica e empírica: desenvolvendo a criticidade, coerência, realidade,
estudo e autonomia”. Um plano analisado apresenta um roteiro de pesquisa
bibliográfica que sinaliza para quatro pontos:
questão de pesquisa – relações da educação de uma sociedade e/ou
civilização ou período histórico, com as realidades econômicas,
políticas, culturais, sociais e religiosas no contexto histórico e
relações com a atualidade; objetivo – estabelecer relações, analogias,
análises dos momentos históricos;pesquisa bibliográfica – através da
pesquisa resgatar as questões de organização social, relações
políticas e religiosas, propostas econômicas, culturais, e as questões
educacionais (educadores, métodos, teorias, procedimentos
contextualizados, proposta pedagógica com a preocupação de

190
conquistar a visão de totalidade da educação no período); pesquisa
empírica – observação e/ou entrevista com pessoas fontes (através
de instrumento construído previamente) evidenciando os
conhecimentos estudados, para que assim, critérios e análises do que
foi pesquisado possa ser explicitado e produzido textualmente
(1999).

A preocupação em formar o pesquisador fica evidenciada na


avaliação, quando são definidas as exigências de produção textual,
participação em seminários e trabalhos em grupos para a pesquisa de
campo.
Quanto à avaliação, na década de 1970 e de 1980, há indicação
de sabatinas e provas escritas, fichas de leitura e documentação de
pesquisas, freqüência e participação. O exame de alguns exemplares de
provas permite verificar que a avaliação residia sobre o conteúdo
ministrado, com ênfase na memória de fatos, datas, nomes, etc. As provas
sinalizam as leituras realizadas e utilizadas pelo professor para formular as
questões, pois apresentam excertos das obras de Roger Gal (1955;1968),
Frederick Mayer (1960;1967), René Hubert (1948;1952), Robert Ulrich
(1945;1970), a maioria em edições em espanhol (Paidós/Buenos Aires).
Nóvoa (1994, p. 33) assinala esses manuais com predominância na Europa
entre a Segunda Guerra Mundial e os anos de 1960.
Nos anos de 1980, a bibliografia indicada de História da
Educação I (Geral) recomenda os manuais clássicos, produzidos na década
de 1960 e 1970 - Abbagnano, N; Visalberghi, A. História da pedagogia
(1957); Luzuriaga, Lorenzo. História da Educação e da pedagogia (1969),
Dicionário de Pedagogia (1960); Marrou, Henri-Irenée. História da
Educação na Antigüidade (1973); Monroe, Paul. História da Educação
(1958); Larroyo, Francisco. História Geral da Pedagogia (1970); Eby,
Frederick. História da Educação Moderna (1976-2ªed); mas, apresentam
alguns manuais mais atualizados, em uma perspectiva mais crítica e
analítica da história da educação - Ponce, Aníbal. Educação e luta de classes
(1981); Manacorda, Mário. História da Educação (1989). Entre os autores
brasileiros de manuais de história da educação destacam-se: Rosa, Maria da
Glória. História da Educação através de textos (1971); Peixoto, Afrânio.
Noções de História da Educação (1933); as obras de Nunes, Rui Afonso da
Costa – História da Educação na Antiguidade Cristã (1978), História da
Educação na Idade Média (1979), História da Educação no renascimento
(1980), História da Educação no século XVII (1981); Piletti, Cláudio &
Piletti, Nelson. Filosofia e história da educação (1993); Aranha, Maria
Lucia de Arruda. História da Educação (1989); Gadotti, Moacyr. História
das Idéias Pedagógicas (1993). Além destes, os planos incluem bibliografia

191
de leitura geral, em que há indicação de obras fundamentais de Dewey,
Gramsci, Durkheim, Rousseau.
Para a disciplina História da Educação II (Brasil), a bibliografia
indicada, de forma sistemática pelos planos da década de 1980, é de
produção mais recente e constam de obras de: Ribeiro, Maria Luisa.
História da Educação Brasileira (1978); Romanelli, Otaíza. História da
Educação no Brasil (1980-2ªed); Chagas, Valmir. Educação Brasileira. O
ensino de 1º e 2º graus (1982- 3ªed); Werebe, Maria José Garcia. Grandezas
e Misérias do Ensino no Brasil (1968-3ªed); Nagle, Jorge. Educação e
Sociedade na Primeira República (1974); Teixeira, Anísio. Educação no
Brasil (1969); Lima, Lauro de. Estórias da Educação no Brasil: de Pombal a
Passarinho (1960-3ªed); Azevedo, Fernando de. A Cultura Brasileira (1971-
5ªed); Freitag, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade (1979-3ªed); Freire,
Paulo (várias obras); Saviani, Dermeval (várias obras); Barros, Roque
Spencer Maciel de. Diretrizes e Bases da educação (1960).
Nos planos dos anos 90, permanecem muitas das obras já
assinaladas, mas são incluídos autores identificados com a tendência mais
crítica da escola capitalista: Apple, Michael. Educação e poder (1989),
Ideologia e Currículo (1982); Enguita, Mariano. A face oculta da escola
(1989); Durand, José Carlos. Educação e hegemonia de classes (1983);
Pistrack, A escola do Trabalho (1981). Para a disciplina de história da
Educação no Brasil destacam-se nomes como Luis Antonio Cunha, Carlos
Jamil Cury, Celso Beisegel, Edgar Carone, Carlos Brandão, Raimundo
Faoro, Manfredo Berger, Leôncio Basbaun, Xavier, Maria Elisabeth e
outros. História da Educação. A escola no Brasil (1995). Como assinala
Bontempi Junior (2002), há uma aproximação da história da educação com
a literatura produzida na área da sociologia da educação. No entanto, não se
percebe uma apropriação significativa dos estudos e pesquisas produzidas
na área.
Atualmente, no curso de Pedagogia da PUCRS, as disciplinas
História da Educação I e História da Educação II são ministradas no
primeiro e no segundo semestre, respectivamente, dos cursos de Pedagogia
Educação Infantil, Pedagogia - Séries Iniciais do Ensino Fundamental,
Pedagogia – Educação Especial (Deficientes Mentais) com carga horária de
45 horas, cada uma, com três períodos semanais. O curso Pedagogia -
Multimeios e Informática Educativa, criado em 1998, não incluiu a
disciplina, mas no novo currículo, adotado a partir de 2003, inclui uma
disciplina de História da Educação, no primeiro semestre, com 45 horas. Os
cursos de Pedagogia – Orientação Educacional e Supervisão Escolar
(currículo em suspensão) e de Psicopedagogia não apresentam a disciplina
no currículo.

192
Concluindo

Nóvoa (1996, p.421) ao analisar um conjunto de programas da


disciplina História da educação, em Portugal, identifica quatro tendências,
que de forma similar, buscando uma síntese, podemos adotar para os
programas analisados:
1. o ensino está organizado segundo uma perspectiva
cronológica;
2. os planos estão organizados segundo uma lógica descritiva
e/ou interpretativa das idéias, fatos educativos, projetos;
3. a maioria dos programas, até a década de 90, incide no período
da antiguidade clássica, medieval, renascença e tempos modernos, com
menor ênfase na época contemporânea;
4. no que diz respeito à dicotomia nacional/internacional, os
programas privilegiam uma visão da educação em uma perspectiva
universal, abarcando toda a história da humanidade, com ênfase na história
ocidental.
Constata-se uma permanência nos planos da disciplina História
da Educação I e História da Educação II, ao longo do período analisado,
com ênfase em uma visão linear e cronológica, com parâmetros
consagrados pela historiografia da história política internacional e do Brasil,
com forte tendência a uma perspectiva progressista e romântica da história
da educação. Isto é, não são as questões provenientes da educação que
remetem para a organização do conteúdo a ser trabalhado. Saviani (1982,
p.34), na década de oitenta, já assinalava que a disciplina é ministrada com
uma ênfase muito forte na primeira palavra da locução; isto é, a educação
estaria secundarizada frente à história.
O conteúdo privilegiado reside na organização escolar e nas
idéias pedagógicas , com ênfase em eventos, autores e marcos temporais
consagrados pela historiografia, como já assinalado em outros estudos
(Nunes, 1996, 2003; Kreutz, 1996; Faria Fº, Rodrigues, 2003), o que limita
uma perspectiva historicizante do processo sócio educacional e pedagógico.
Há, ainda, uma dificuldade de articular os dois semestres da
disciplina como um todo orgânico, integrando o nacional com o
internacional e o internacional com o nacional. Isto é, partindo da inserção
do Brasil no mundo moderno, articular os principais eventos nacionais e
internacionais relativos à educação.
Nos planos pesquisados, não se encontra nenhuma referência à
história da educação do Rio Grande do Sul, o que permitiria uma
abordagem da educação transitando entre o local, o regional e o nacional.
Também se constata a ausência de temas ligados à educação na América

193
Latina, que possibilitaria uma compreensão dos problemas da educação em
uma perspectiva comparada.
Com a intenção de ilustrar outras possibilidades de organização
do programa da disciplina, especialmente o de história da educação ou da
pedagogia no mundo, apresenta-se algumas sugestões:
1. Nóvoa (1994, p. 120) propõe uma organização de conteúdo
para a disciplina que inova a tendência geral de uma abordagem com ênfase
na cronologia dos fatos e das idéias pedagógicas. O objetivo da disciplina
deve permitir a aquisição do conhecimento histórico da realidade educativa
e os instrumentos e técnicas da investigação histórico-educativa. Assim,
divide o curso em aulas teóricas e práticas visando à formação do professor
pesquisador:
Aulas teóricas: 1. O lugar da História da Educação; 2. Produção e
consolidação do modelo escolar (século XVI-XVIII); 3. A criação
de um sistema estatal de ensino (século XVIII); 4. A consolidação
de um sistema estatal de ensino (século XIX); 5. Para uma história
quantitativa do sistema de ensino (séc. XIX e XX); 6. I República:
das intenções generosas ao desengano das realidades; 7. A lenta
alfabetização dos portugueses (séc. XIX e XX); 8. O processo de
profissionalização do professorado (séc. XVIII-XX); 9. Educação
Nova: a inovação pedagógica dos anos 20; 10. Da identidade à
pluralidade das Ciências da Educação (e vice-versa); 11. A
“Educação Nacional” (1930-1960); 12. A educação portuguesa ao
ritmo internacional (1960-1990); 13. Formação de professores e
Ciências da Educação; 14. Reformas educativas e Ciências da
educação.
Aulas Práticas: 1. Apresentação das aulas práticas: reflexão
metodológica; 2. Utilização de fontes secundárias; 3. Fontes
primárias: roteiro de arquivos; 4. Fontes primárias: legislação; 5. As
estatísticas escolares: usos e desusos; 6. Trabalhos dos alunos e
manuais escolares; 7. Formação de professores: perspectivas
históricas; 8. Educação de adultos: perspectivas históricas; 9.
Administração educacional: perspectivas históricas; 10. Educação
especial: perspectivas históricas; 11. A imprensa de educação e
ensino; 12. Fontes iconográficas, fílmicas e materiais; 13.
Biografias, autobiografias e história oral; 14. Bases de dados e
organização de bibliografias; 15. Regras de apresentação dos
trabalhos (escritos e orais). (Nóvoa, 1994, p. 123-124)

2. Compère (1995) sugere abordar a disciplina História da


Educação a partir de quatro grandes temas: a alfabetização, a infância, a
juventude, a universidade e sociedade. Essa sistemática permite uma melhor
articulação entre o nacional e o internacional, assim como uma maior
aproximação dos problemas do presente com o passado e do passado com o
presente.

194
3. Gauthier e Tardif (1998) elaboram um manual de história da
pedagogia, seguindo uma linha cronológica, desde a Antigüidade aos nossos
dias, mas com ênfase na teoria e na prática pedagógica. Para os autores, “La
pédagogie: theóries et pratiques de l’Antiquité à nos jours” é um guia de
viagem, uma referência para orientar o pensamento e eventualmente o agir.
Meirieu, no prefácio, diz que a proposta dos autores é “fazer questão” e
“fazer sentido”, mostrando que a “pedagogia humanista” ou os postulados
da pedagogia libertária não merecem simplesmente serem conhecidos para
enriquecer nossa cultura geral, nem para manter viva uma memória daquilo
que construímos, mas trazer as questões que são sempre atuais e as soluções
propostas. Os autores, depois de examinar as tendências importantes da
história da pedagogia, apresentam os debates que atualmente estão em curso
sobre a difícil questão das finalidades e dos métodos da educação. A obra
está dividida em três partes, com 14 capítulos, os quais se iniciam sempre
com um quadro sumário do conteúdo, do resumo, de questões para
discussão em aula e de bibliografia:
“Parte 1 - A evolução das idéias e das práticas pedagógicas da
Antigüidade aos nossos dias: Os gregos antigos e a fundação da
tradição educativa ocidental, O nascimento da escola na Idade
Média, A Renascença e a educação humanista, O século XVII e o
problema do método de ensino ou o nascimento da pedagogia, Jean-
Jacques Rousseau: o Copérnico da pedagogia;
Parte II - A evolução das idéias e das práticas pedagógicas
contemporâneas: o século XX: Da pedagogia tradicional à
pedagogia nova, Maria Montessori: a criança e a educação, A
pedagogia Freinet, Alexander S. Neil e a pedagogia libertária; O
projeto de criação de uma ciência da educação no século XX: análise
e comparação de duas psicologias científicas, Rudolf Steiner e a
corrente espiritualista, Carl Rogers e a pedagogia aberta;
Parte III – A situação de Quebec: evolução e estado atual: O pessoal
docente de Quebec no século XX, As ideologias dos programas
escolares em Quebec da metade do século XIX aos nossos dias, A
Pedagogia e o amanhã.

Ao finalizar, é importante destacar a necessidade de avançarmos


a pesquisa sobre o ensino da história da educação nos cursos de formação
de professores. Um desafio aponta para a necessidade de um estudo
aprofundado dos livros-texto adotados na disciplina, cujo conteúdo e
estrutura sinalizam para uma tradição disciplinar adotada ao longo do século
XX . Ao mesmo tempo, é importante analisar as recentes produções de
manuais didáticos para a disciplina . Outro enfoque poderia ser
encaminhado na direção de ouvir os docentes da disciplina para analisar a
operacionalização adotada por cada um dos programas, as dificuldades,

195
sugestões, o que permite avançar as questões relativas à produção de
pesquisa e sua apropriação no ensino da disciplina.
Enquanto a década de noventa, do século XX, foi dedicada à
ampliação da pesquisa e da discussão historiográfica da educação no Brasil,
com novos temas e com novas e múltiplas abordagens (Ghiraldelli, 1993,
p.50); a primeira década do século XXI necessita centrar esforços no
sentido de aproximar da sala de aula, dos cursos de formação de
professores, essa rica produção, revendo os conteúdos, procedimentos
didáticos e bibliografia dos programas das disciplinas de História da
Educação e da História da Educação do Brasil. Nessa perspectiva, também é
importante instigar os professores da disciplina a terem novos olhares e
abordagens vinculadas à história da cultura escolar. Outro desafio seria
estender a disciplina para os demais cursos de formação de professores ,
pois os futuros docentes devem ter oportunidade de refletir sobre a natureza,
as finalidades, as origens e as transformações do seu ofício, o que “contribui
tanto para o desenvolvimento da reflexão pedagógica como para o debate
democrático sobre a educação nas sociedades” (Meirieu, 1998, p.XIV).

Referências

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ANEXO 1
Professores da disciplina História da Educação na PUCRS (1942-2002)
Ano Disciplina Professor
1942 História da Educação
1943 História da Educação
1944 História da Educação
2ª série - Irmão Gelásio (Oscar Mombach)
1945 História da Educação
3ª série - Irmão Moacyr Empinotti
1946 História da Educação Irmão Gelásio (Oscar Mombach)
1947 História da Educação Irmão Dionísio Felix
1948 História da Educação 2ª série – Irmão Dionísio Felix
Irmão Dionísio Felix
1949 História da Educação
Irmão José Otão
1950 História da Educação
1951 História da Educação
1952 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1953 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1954 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1955 História da Educação
1956 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1957 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1958 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1959 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
1960 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci
2ª série - Angelo Ricci
1961 História da Educação
3ª série - Alda Cardoso Kremer
1962 História da Educação
1963 História da Educação
1964 História da Educação
1965 História da Educação
1966 História da Educação
1967 História da Educação Ely Carlos Petry 1ªsérie
1968 História da Educação Ely Carlos Petry
1969 História da Educação Ely Carlos Petra 1ª série

200
1970 História da Educação Ely Carlos Petry
1971 História da Educação Ely Carlos Petry
I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1972/1 História da Educação
Ely Carlos Petry
I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1972/2 História da Educação
Ely Carlos Petry
1973/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1973/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1974/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1974/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1975/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1975/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1976/1 História da Educação I e II – Taurio Brand (horista)
1976/2 História da Educação I e II – Taurio Brand (horista)
1977/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
1977/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle
I – Maria Renate Alves
1978/1 História da Educação
II – Berta Weil Ferreira
I – Maria Renate Alves
1978/2 História da Educação
II – Berta Weil Ferreira
1979/1 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
1979/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
1980/1 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
1980/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
I e II – Heitor Scomazzon
1981/1 História da Educação
Maria de Loudes da Cunha
I– Heitor Scomazzon
1981/2 História da Educação Maria de Loudes da Cunha
II - Heitor Scomazzon
I – Heitor Scomazzon
1982/1 História da Educação
II – Taurio Brand
1982/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon
I – Lenira Weil Ferreira
1983/1 História da Educação
II – Taurio Brand
I – Lenira Weil Ferreira
1983/2 História da Educação
II – Taurio Brand
I – Aide Campello Dill
1984/1 História da Educação Lenira Ferreira
II – Taurio Brand
I – Aide Campello Dill
1984/2 História da Educação Lenira Ferreira
II – Taurio Brand
I – Lenira Weil Ferreira
1985/1 História da Educação II – Clarissa Coiro
Lenira Ferreira
I – Lenira Weil Ferreira
1985/2 História da Educação II – Clarissa Coiro
Lenira Ferreira
I – Lenira Weil Ferreira
1986/1 História da Educação
II – Lenira Ferreira

201
Clarissa Coiro
Raquel Morais
I – Clarissa Coiro
1986/2 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1987/1 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1987/2 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1988/1 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1988/2 História da Educação
II – Lenira Ferreira
I – Clarissa Coiro
1989/1 História da Educação
II – Ivonilda Mello Hansen
I – Clarissa Coiro
1989/2 História da Educação
II – Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
II – Alfredo da Silva Schlorke
1990/1 História da Educação
Salete Campos de Moraes
Solon Eduardo Annes Viola
I – Clarissa Coiro
1990/2 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
1991/1 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
1991/2 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
1992/1 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
I – Clarissa Coiro
1992/2 História da Educação II – Alfredo da Silva Schlorke
Salete Campos de Moraes
1993/1 História da Educação I e II - Salete Campos de Moraes
I - Salete Campos de Moraes
1993/2 História da Educação
II - Lenira Weil Ferreira
I - Salete Campos de Moraes
1994/2 História da Educação
II - Lenira Weil Ferreira
1995/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1995/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1996/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1996/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1997/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1997/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
1998/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
I e II - Lenira Weil Ferreira
1998/2 História da Educação
I – Salete Campos de Moraes
1999/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira

202
1999/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
2000/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
2000/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
I – Maria Elly Genro
2001/1 História da Educação
II – Lenira Weil Ferreira
I – Maria Elly Genro
2001/2 História da Educação
II – Lenira Weil Ferreira
2002/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira
Maria Elly Genro
2002/2 História da Educação Daisy Braighi
Afonso Strehl

ANEXO 2
Formação dos Professores da disciplina História da Educação na PUCRS (1942-2002)
PROFESSOR Licenciatura Especialização Mestrado Doutorado
Pedagogia –
Orientação Educação – Educação –
Afonso Strehl
Educacional – UFRGS, 1979. PUCRS, 1999.
PUCRS, 1976.
História –
Aidê Capello Dill
PUCRS, 1984
Geografia e
Alda Cardoso
História –
Kremer
UFRGS, 1947.
Metodologia do
Psicologia –
Ensino Superior
Universidad
Alfredo da Silva Pedagogia – – UFRGS, 1979; Educação –
Pontifícia de
Schlorke FAPA, 1973. Aconselhamento PUCRS, 1989.
Salamanca –
Psicopedagógico
UPSA, 2000.
– PUCRS, 1985.
Angelo Ricci
Licenciatura em
Pedagogia –
Berta Weil PUCRS, 1965; Educação – Educação –
Ferreira Bacharel em PUCRS, 1973. PUCRS, 1992.
Pedagogia –
PUCRS, 1966.
Psicologia –
Clarissa Coiro
PUCRS, 1980.
Pedagogia
Magistério das
Matérias
Pedagógicas –
Educação –
Daisy Braighi PUCRS, 1993;
PUCRS, 1999.
Pedagogia
Administração
Escolar –
PUCRS, 1994.
Ely Carlos Petry Filosofia – Educação –

203
FFNSIM, 1956; PUCRS, 1977
Pedagogia – Livre-docente –
FFNSIM, 1961; PUCRS, 1977.
Didática e
pedagogia –
PUCRS, 1963.
Heitor
Scomazzon
Irmão Dionísio
Félix
Pedagogia – Educação –
Irmão Edgard
PUCRS, UNISINOS,
Hegemülle
1962 1997
Irmão Gelásio
Sociologia
Ivonilda Mello Ciências Sociais Sociologia –
Industrial –
Hansen – PUCRS, 1973. UFRGS, 2004.
PUCRS, 1988.
Ciências Filosofia e
Métodos
Lenira Weil Jurídicas e Educação – História da
Educacionais
Ferreira Sociais – PUCRS, 1984. Educação –
PUCRS, 1983.
PUCRS, 1979. PUCRS, 1994.
Maria de Lourdes
Cunha
Filosofia – Educação – Educação –
Maria Ely Genro
UFSM, 1982. PUCRS, 1992. UFRGS, 2000.
Maria Renate
Alves
Moacyr
Empinotti
Raquel Moraes
Licenciado em
Ciências Sociais
– PUCRS, 1984;
Bacharel em Supervisão Educação –
Salete Campos Sociologia –
Ciências Sociais Escolar – UNISINOS,
de Moraes UFRGS, 1993.
– PUCRS, 1980; FAPA, 1997. 2004.
Licenciado em
Estudos Sociais –
PUCRS, 1978.
Ciências Sociais
História do Rio História –
Solon Eduardo História – Aplicadas –
Grande do Sul – UNISINOS,
Annes Viola UFRGS, 1981. UNISINOS,
UFRGS, 1982. 1996.
2000.
Taurio Edmundo Pedagogia – Educação – Educação –
Brand PUCRS, 1989. PUCRS, 2000. PUCRS, ?

A disciplina de História da Educação também foi ministrada pela


professora Marilene Cardoso, no curso de Pedagogia/ Educação
Especial.(Graduação em Pedagogia – Educação Especial – PUCRS, 1989.

204
Mestrado em Educação – PUCRS, 2000. Doutorado em Educação –
PUCRS, 2004).

ANEXO 3
Ementas da disciplina História da Educação – PUCRS (1972-2002)
HISTÓRIA DA Introdução. Variação do conceito educacional através da história da
EDUCAÇÃO I E II Antiguidade. Na Renascença e na Idade Moderna. O método de ensino
1972 através da história. O meio de ação.
História Geral, História da Cultura e História da Educação. Ciências da
Educação e História da Pedagogia. História dos povos primitivos.
HISTÓRIA DA
Educação antiga: oriental (Egito, Palestina, Pérsia, Índia, China);
EDUCAÇÃO I
Ocidental (Grécia e Roma e Cristianismo nascente).
1979
Educação Medieval. Educação Humanista e Renascimento. Educação,
HISTÓRIA DA
Reforma e Contra-Reforma. Educação realista (século XVII.) Educação
EDUCAÇÃO II
e século das Luzes (século XVIII). Educação e Pedagogia Científica
1979
(século XIX). Escola Nova, métodos ativos e tendências atuais da
educação (século XX). Perspectivas da educação.
Conceitua Educação e relaciona os conceitos de Educação e Pedagogia;
descreve o método de estudo da História da Educação, suas fontes de
HISTÓRIA DA estudo, seu valor e importância; situa a Educação em vários contextos
EDUCAÇÃO I históricos: povos primitivos, culturas orientais, greco-romanas, cristã
1980 primitiva e medieval; analisa a Educação no Renascimento, o
Humanismo e a Educação reformada, o liberalismo burguês e a
Educação contemporânea.
Conceituação da história da educação e pedagogia. Estudo da educação
primitiva, oriental, grega e romana. Estudo da educação primitiva e
HISTÓRIA DA
medieval. Estudo da educação reformada. Estudo da educação nos
EDUCAÇÃO I
séculos XVII e XVIII. As disciplinas de História da Educação I e II têm
1980
o objetivo de estabelecer relações, comparações, analogias e análises
HISTÓRIA DA
dos momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais
EDUCAÇÃO I E II
e culturais. A ênfase é o contexto educacional de uma determinada
1983
cultura com o momento atual, onde seja referendado o estudo desta
cultura e o seu contraponto com a realidade.
HISTÓRIA DA
A disciplina trabalha o desenvolvimento da Educação no Brasil,
EDUCAÇÃO II
abrangendo o período que vai do Brasil Colônia até a Nova República
1991
Conceitua Educação e relaciona os conceitos de Educação e Pedagogia;
descreve o método de estudo da História da Educação, suas fontes de
HISTÓRIA DA estudo, seu valor e importância; situa a Educação em vários contextos
EDUCAÇÃO I históricos: povos primitivos, culturas orientais, greco-romanas, cristã
1995 primitiva e medieval; analisa a Educação no Renascimento, o
Humanismo e a Educação reformada, o liberalismo burguês e a
Educação contemporânea.
Estuda a evolução da educação desde a história primitiva até a época
contemporânea, estabelecendo relações, comparações e análises dos
HISTÓRIA DA
diferentes momentos históricos com as questões políticas, econômicas
EDUCAÇÃO I
sociais e culturais. Contextualiza a História da Educação de uma
1998/2
determinada cultura e o momento atual, referendando o estudo desta
cultura e a um contraponto com a realidade.
HISTÓRIA DA A disciplina de História da Educação tem o objetivo de estabelecer

205
EDUCAÇÃO I E II relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos
1999 com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais, que são
fundamentalmente educacionais. A ênfase é o contexto histórico
educacional de determinada cultura, referendando sua historicidade e o
contraponto com a contemporaneidade. A disciplina tem o objetivo de
estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.
Estabelecimento de relações, comparações, analogias e análises dos
momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e
HISTÓRIA DA
culturais, que são fundamentalmente educacionais. A ênfase é o
EDUCAÇÃO I E II
contexto histórico educacional de determinada cultura, referendando
2000/1
sua historicidade e o contraponto com a contemporaneidade. A
disciplina tem o objetivo de estabelecer nova cultura no aluno: como
pesquisador.
A disciplina de História da Educação tem o objetivo de estabelecer
relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos
HISTÓRIA DA com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais, que são
EDUCAÇÃO I fundamentalmente educacionais. A ênfase é o contexto histórico
2001/1 educacional de determinada cultura, referendando sua historicidade e o
contraponto com a contemporaneidade. A disciplina tem o objetivo de
estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.
Estudo do processo educacional nos diferentes períodos históricos,
estabelecendo relações, comparações, analogias e análises dos
HISTÓRIA DA momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e
EDUCAÇÃO I culturais, que são fundamentalmente educacionais. Ênfase no contexto
2002/2 histórico educacional de determinada cultura, referendando sua
historicidade e o contraponto com a contemporaneidade. A disciplina
tem o objetivo de estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.

206
ANEXO 4
Conteúdo programático da disciplina História da Educação I – PUCRS (1942-2002)
PROGRAMAS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I
ANOS 60/70 ANOS 80 ANOS 90 ANOS 2000
1.Conceito de educação; - Conceito de História -educação primitiva; educação 1-Educação primitiva; educação
2.Educação e Pedagogia e suas -Conceito de José Van Den Besselaar nas culturas orientais: chineses, nas culturas orientais: chineses,
correlações; -Conceito de Cezare Gantu hindus, hebreus e egípcios. hindus, hebreus e egípcios.
3.Método de estudo da História da -Reflexões pessoais -educação greco-romana – 2-Educação antiga
Educação - Finalidade da História educadores: Sofistas, Sócrates, 2.1-Educação grega. Educadores;
4.Fontes de estudo da História da - Fatores que atuam no processo Platão, Aristóteles, Cícero e ênfase nos sofistas, em Sócrates,
Educação, seu valor e importância; histórico Quintiliano. Platão e Aristóteles.
5.História da Educação entre os povos -Conceito de Pedagogia, Educação, -educação medieval: produção 2.2-Educação romana.
primitivos; concluindo com o sentido do estudo da textual e educadores: Santo Educadores: ênfase em Cícero e
6.A educação entre as culturas História da Educação na a formação de Agostinho e S. Tomás de Quintiliano.
orientais: professores Aquino. 2.3-Educação cristã: a Patrística.
-A educação no Egito -Metodologia do estudo da História da -educação moderna – Ênfase em Santo Agostinho.
-A educação da China Educação Renascimento, Reforma, 3-Educação medieval. Ênfase em
-A educação da Mesopotâmia - Variação do conceito de Educação Contra-Reforma e século XVI; S. Tomás de Aquino.
-A educação da Pérsia através da história ênfase nos educadores: Feltre, 4-Educação moderna.
-A educação do Japão -Na Antiguidade Lutero, I.Loyola, Comenius; 4.1-Séc.XV e XVI –
-A educação da Índia -entre os povos primitivos séculos XVIII e XIX – Renascimento, Reforma e Contra-
-A educação de Israel -entre as primeiras civilizações educadores Pestalozzi e Reforma. Educadores: ênfase em
- A educação da Fenícia -na antiguidade grega Froebel; Feltre, Erasmo de Rotterdam e
7.A educação greco-romana – -em Esparta educação contemporânea – Montaigne.
educação na cultura clássica -em Atenas tendências: liberal e 4.2-Séc. XVII. Educadores:
-Educação Espartana -os sofistas progressista - educadores ênfase em Comenius, Locke e La
-Educação Helênica -Sócrates Salle.
-Educação Romana -Platão 4.3- Séc. XVIII. Educadores:
8.Educação na cultura ocidental -Aristóteles ênfase em Rousseau e
-A educação cristã -entre os romanos Champagnat.
-A educação eclesial -Na Idade Média 5-Educação contemporânea.
-A educação cavalheiresca, gremial e -interrupção do humanismo 5.1-Séc. XIX. Educadores: ênfase
municipal no fim da idade média educacional com a invasão dos em Pestalozzi, Froebel, Herbart e
-A universidade bárbaros no século V. Spencer.
9.A educação na renascença. -o aparecimento de uma nova 5.2- Século XX. Perspectivas e
Humanismo. Reforma civilização influenciada pelo tendências educacionais.
cristianismo Educadores: ênfase em Dewey,
-A educação dos leigos Montessori e Freinet.
-A educação cristã 5.3-paradigmas e desafios da
-A educação dos camponeses educação atual.
-A educação dos letrados
-As escolas dos mosteiros, as escolas
catedrais ou episcopais e as escolas
paroquiais. Evolução histórica até a
fundação das universidades nos
séculos XI, XII,l XIII
-As universidades
-A escolástica
-Na Renascença
A educação entre os humanistas da
renascença (Rabelais, Erasmo, Lutero,
Os Jesuítas, Montaige)
A educação entre os humanistas do
século XVII (João Batista de La Salle,
Fenelon, Mme. Maintenon, Comenius,
Locke)
A educação entre os humanistas do
século XVIII (Rousseau, Pestalozzi,
Herbart)
-As concepções educacionais
modernas
-Os métodos de ensino através da
História
Os métodos didáticos
Os métodos atraentes
Os métodos intuitivos
Os métodos ativos
-Os meios de ação
A educação pela coerção
Os estimulantes: a emulação, as
recompensas, os elogios
A sugestão
A disciplina “musical”
A influência pessoal do mestre
A autonomia
A prática da disciplina construtiva

PROGRAMAS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO II

ANOS 60/70 ANOS 80 ANOS 90 ANOS 2000


VI- Época do naturalismo pedagógico. - Conceito de História 1- Período Colonial: formação 1- Período Colonial: formação
-O Iluminismo em suas relações com Conceito de José Van Den Besselaar jesuítica, pombalina e joanina jesuítica, pombalina e joanina –
a educação. Conceito de Cezare Gantu – do descobrimento até 1821. do descobrimento até 1821.
-Rousseau e o naturalismo acentuado Reflexões pessoais 2- Período Imperial: formação 2- Período Imperial: formação no
-“Paidocentrismo” - Finalidade da História no 1º e 2º reinados – os 1º e 2º reinados – os governos de
-Basedow e a Pedagogia Filantrópica - Fatores que atuam no processo governos de D. Pedro I e D. D. Pedro I e D. Pedro II – de 1822
-A escola popular no século XVIII histórico Pedro II – de 1822 até 1889. até 1889.
-A modernização dos estudos na -Conceito de Pedagogia, Educação, 3- Período Republicano: 1889- 3- Período Republicano: 1889-
América Latina concluindo com o sentido do estudo da 1930 – formação na Primeira 1930 – formação na Primeira
-A transformação educacional nos História da Educação na a formação República ou República Velha, República ou República Velha,
Estados Unidos. de professores. 1930-1945 – formação na Era 1930-1945 – formação na Era
VII- A educação geral humana na -Metodologia do estudo da História da Vargas, 1945-1964 – formação Vargas, concepção escolanovista
pedagogia da Revolução e do Neo- Educação na democratização e 1964- 1945-1964 – formação na
Humanismo. - Variação do conceito de Educação 1985 – ditadura militar; 1985- democratização, concepção
-A Revolução e a educação através da história 1998 – Nova República e a progressista.
-O processo do neo-humanismo -Na Antiguidade Contemporaneidade 1964-1985 – ditadura militar,
social entre os povos primitivos (tendências modernas e pós- concepção tecnicista.
-Pestalozzi e o neo-humanismo social entre as primeiras civilizações modernas). 1985-1998 – Nova República e a
-Pestalozzi e a educação na antiguidade grega Contemporaneidade (tendências
contemporânea em Esparta modernas e pós-modernas),
-Educação na América Latina em fins em Atenas concepção estrutural e pós-
do séc. XVIII e inícios do séc. XIX os sofistas estrutural.
-Ordens e congregações docentes Sócrates
-Reconstrução pedagógica nos Platão
Estados Unidos. Aristóteles
VIII- A educação no século XIX. entre os romanos
-Herbart e o sistema da teoria -Na Idade Média
educativa interrupção do humanismo
-Pós-Pestalozzianos: Girard, Froebel, educacional com a invasão dos
Diesterweg, Rosmini bárbaros no século V.
-A Educação católica desde a o aparecimento de uma nova
segunda metade do século: civilização influenciada pelo
Dupanloup, D.Bosco, Newman, cristianismo
Spalding, Willmann A educação dos leigos
-A educação feminina e as origens do A educação cristã
feminismo A educação dos camponeses
-A pedagogia experimental A educação dos letrados
-A educação pública em fins do As escolas dos mosteiros, as escolas
século XIX catedrais ou episcopais e as escolas
IX- A educação no século XX paroquiais. Evolução histórica até a
-A Escola Nova fundação das universidades nos
-Novas correntes pedagógicas: séculos XI, XII,l XIII
William James e a Filosofia As universidades
Pragmática A escolástica
John Dewey e o “ensino pela ação” -Na Renascença
Kerschensteiner e a “escola do A educação entre os humanistas da
trabalho” renascença (Rabelais, Erasmo, Lutero,
Claparêde e a “educação informal” Os Jesuítas, Montaige)
-Método educacionais: A educação entre os humanistas do
Centros de interesse - Decroly século XVII (João Batista de La Salle,
Método de projetos – Cilpatrick Fenelon, Mme. Maintenon, Comenius,
Complexos russos – Blonsky Locke)
-Métodos individualizantes: A educação entre os humanistas do
Método Montessori século XVIII (Rousseau, Pestalozzi,
Auto-educação Herbart)
Mackinder – Plano Dalton -As concepções educacionais
-Métodos socializantes: modernas
Cousinet – Jena – de autonomia – -Os métodos de ensino através da
Comunidades escolares – Winnetka – História
Sistema Gary e outros Os métodos didáticos
-Pedagogia experimental no século Os métodos atraentes
XX Os métodos intuitivos
-Pedagogia social – socialista – da Os métodos ativos
vida e do historicismo transcendental -Os meios de ação
– existencial – cultural – dos valores – A educação pela coerção
da personalidade – analítica Os estimulantes: a emulação, as
-Pedagogia cibernética e máquinas de recompensas, os elogios
ensino A sugestão
-Sistemas de educação pública no A disciplina “musical”
século XX A influência pessoal do mestre
-Cooperação Internacional – A autonomia
UNESCO A prática da disciplina construtiva
-Pedagogia do Futuro
X- História da Educação Brasileira
-Estudo dos diversos perídos
Maria Helena Camara Bastos. Doutora em educação - História e Filosofia
da Educação; Pós-doutora no Service d’histoire de l’éducation/INRP-
França; Professora do PPGE/PUCRS; Pesquisadora do CNPq.
Fernanda de Bastani Busnello. Aluna do sétimo semestre do curso de
Psicopedagogia/PUCRS e bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq
(2004-2006).
Elizandra Ambrosio Lemos. Aluna do sétimo semestre do curso de
Psicopedagogia/PUCRS e bolsista de Iniciação Científica FAPERGS (2005-
2006).
Aspectos da trajetória da disciplina História da
Educação no curso de Pedagogia do Centro
Universitário Franciscano de Santa Maria: temas
clássicos e ordem cronológica
Claudemir de Quadros

Resumo

Este artigo apresenta alguns aspectos da constituição da disciplina História da Educação no


curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria. Abrange um olhar
sobre a organização curricular do curso, sobre o programa e a bibliografia da disciplina e
procura analisar o funcionamento desta a partir de uma perspectiva que questiona a sua forma
de operacionalização vinculada, ainda, a uma perspectiva cronológica e linear.
Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação.

Abstract

This article presents some aspects of the constitution of the subject History of Education in the
course of Pedagogy of Centro Universitário Franciscano of Santa Maria. It includes a view of
the curriculum organization, the syllabus and bibliography of the subject and tries to analyse its
operation from the perspective that questions its form of development linked to a chronological
and linear perspective.
Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 213-228, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Introdução

O Centro Universitário Franciscano de Santa Maria é uma


instituição de ensino superior confessional católica. A trajetória dessa
instituição remonta ao ano de 1835, quando foi criada, em Heythuysen,
Holanda, pela Madre Madalena Daemen, a Congregação das Irmãs
Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã. Essa congregação tinha por
finalidade a educação das crianças na localidade de Heythuysen. Poucos
anos depois, a escola também ministrava a formação de professores por
meio da Escola Normal.
Dentre as motivações para o estabelecimento dessa congregação
no Brasil, cabe destacar a imigração alemã para o Rio Grande do Sul e a
política do Estado alemão - kulturkampf - que restringia as atividades
religiosas católicas nas escolas.
Segundo Silva (1997, p. 20),
desde 1828, viviam grupos de colonos alemães no estado sulino do
Brasil. Em 1859, padres jesuítas estabeleceram-se em São Leopoldo
e assumiram a assistência religiosa junto aos imigrantes. Um deles, o
padre Feldhaus, tendo conhecimento da Congregação das Irmãs
Franciscanas, na Alemanha, dirigiu, em 1868, uma solicitação à
Superiora Geral, madre Aloísia, pedindo algumas irmãs. No começo,
bastariam duas que se dedicassem à educação da juventude
feminina.

Logo em seguida a sua chegada a São Leopoldo, em 2 de abril de


1872, as irmãs deram início a sua missão de “educar a juventude feminina”.
No primeiro dia de aula, 5 de abril, compareceram 23 alunas. Como não
havia “sala disponível na casinha, as aulas foram dadas ao ar livre, à sombra
de uma laranjeira. Mas os três velhos bancos escolares não suportaram o
peso das alunas e quebraram-se no primeiro dia” (Ibid, p. 21).
A partir da sua instalação em São Leopoldo, a tendência da
Congregação foi de expansão. A vinda de grupos de religiosas da Europa e
a admissão de brasileiras na congregação levou à fundação, em Santa Cruz
do Sul, em 1874, de um noviciado. Em 1942, já existiam 42 casas da
Congregação no Brasil, “com 848 irmãs que se entregaram aos mais
diversos trabalhos para o bem da Igreja e da humanidade” (Ibid, p. 22). Foi
em função dessa expansão que, em 25 de março de 1951, a Congregação foi
dividida em duas províncias: a do “Sagrado Coração de Jesus”, com sede
em Porto Alegre, e a do “Imaculado Coração de Maria”, com sede em Santa
Maria.

214
Em Santa Maria, as irmãs franciscanas já desenvolviam
atividades desde 1903, concomitantemente à instalação do Hospital de
Caridade Astrogildo de Azevedo. Dois anos mais tarde, em março de 1905,
foi criado o Colégio Sant’Anna. O trabalho da Congregação também está
registrado no Colégio Santa Teresinha, pertencente à Cooperativa dos
Ferroviários, hoje Colégio Estadual Manoel Ribas; na Casa de Saúde; no
Educandário São Vicente de Paulo; na Escola Santo Antônio; no serviço de
assistência social e na cooperação à Diocese de Santa Maria.
A partir de meados dos anos de 1950, aprofundaram-se as
discussões com vistas à constituição e instalação de instituições e de cursos
superiores em Santa Maria. Esse trabalho teve continuidade nos anos
seguintes e culminou, em 1955, com a instalação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras “Imaculada Conceição” e com a autorização, pelo
Conselho Nacional de Educação, para funcionamento dos dois primeiros
cursos: o de Pedagogia e o de Letras Anglo-Germânicas. Esses cursos, que
iniciaram o seu funcionamento em 1956, tinham a direção de “formar
candidatos ao magistério secundário e normal, promover e facilitar a prática
de investigações originais, contribuir para o desenvolvimento de uma
cultura intelectual informada pelos princípios cristãos e pelas diretrizes
pontifícias” (Ibid, p. 37). Logo a seguir, em 1957, entraram em
funcionamento os cursos de História, Geografia e Letras Neolatinas. Em
1958, foram autorizados os cursos de Filosofia, Matemática e Didática.
Funcionaram também o curso de Orientação Educacional e os cursos
Polivalentes de Letras e Estudos Sociais. Concomitantemente à implantação
da FIC, foi criada a Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora Medianeira -
Facem, que oferecia o curso de Enfermagem, único de nível universitário no
interior do Estado do Rio Grande do Sul, na época.
Até 1995, a FIC e a Facem funcionaram isoladamente, seguindo
as políticas estabelecidas pela mantenedora. Em 14 de novembro de 1995, a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras "Imaculada Conceição" e a
Faculdade de Enfermagem "Nossa Senhora Medianeira" foram unificadas e
passaram a se denominar Faculdades Franciscanas - Fafra. Logo a seguir,
em 1998, por transformação das Faculdades Franciscanas, constituiu-se o
Centro Universitário Franciscano de Santa Maria - Unifra.
Em 2005, estão em funcionamento oito cursos vinculados à
formação de professores: Filosofia, Geografia, História, Letras: Português e
Inglês e Respectivas Literaturas, Letras: Português e Literaturas da Língua
Portuguesa, Matemática, Pedagogia: Magistério da Educação Infantil e
Pedagogia: Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Desde
1957, 7.685 estudantes concluíram os cursos de formação de professores
mantidos pela instituição.

215
Currículo, programa e bibliografia

No Brasil, a introdução da disciplina História da Educação deu-


se, inicialmente, no currículo da Escola Normal do Rio de Janeiro em 1928,
no âmbito da reorganização do curso de formação para o magistério
proposta por Fernando de Azevedo a partir de 1927. Para Vidal e Faria
Filho (2003, p. 46), “a disciplina surgia no contexto das reformas que, nos
anos 1920, pretendiam modificar a educação nacional, introduzindo
princípios da escola ativa, posteriormente aglutinados em torno do ideal da
escola nova no ensino primário.” 1
No Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, a disciplina
de História da Educação, desde a implantação dos cursos de formação de
professores em 1955, esteve vinculada apenas ao curso de Pedagogia e a sua
organização e carga horária variaram em decorrência das mudanças que
acorreram nas estruturas curriculares, no geral motivadas pela legislação
oriunda do governo federal.
Nas décadas de 1950-60, o currículo do curso correspondia ao
esquema “3+1”, que se constituía, então, como padrão federal dos cursos de
formação de professores, em que o estudante, em três anos, obtinha o título
de bacharel e, após mais um ano do curso de Didática, era habilitado a
lecionar.
O currículo do curso previa 150 horas dedicadas à história da
educação, distribuídas na segunda e na terceira séries.

Quadro 1 - Currículo do curso de Pedagogia de 1955.


1a série Complementos de Matemática
História da Filosofia
Sociologia
Fundamentos Biológicos da Educação
Psicologia Educacional
Introdução à Teologia
2a série História da Educação
Estatística Educacional

1
Ver: a) GATTI JÚNIOR, Décio; INÁCIO FILHO, Geraldo (Orgs.). História da educação em
perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações. Campinas: Autores Associados,
2005; b) NUNES, Clarice. O ensino da história da educação e a produção de sentidos na sala
de aula. Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: SBHE, n. 6, 2003, p. 115-158;
c) FARIA FILHO, Luciano Mendes; RODRIGUES, José Roberto Gomes. A história da
educação programada. Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: SBHE, n. 6,
2003, p. 159-175; d) NUNES, Clarice. Ensino e historiografia da educação: problematização de
uma hipótese. Revista Brasileira de Educação, São Paulo: Anped, n. 1, jan./abr. 1996, p. 67-
79.

216
Fundamentos Sociológicos da Educação
Psicologia Escolar
Teologia Dogmática
3ª série História da Educação
Psicologia Educacional
Administração Escolar
Educação Comparada
Teologia Moral
Filosofia da Educação
4º série Didática Geral
Curso de Didática Didática Especial da Pedagogia
Doutrina Social da Igreja
Fonte: Silveira et al, 2005.

O programa da disciplina que, com algumas alterações,


discriminação mais ou menos detalhada, vigorou entre 1955 e 1994 foi
marcado por três dimensões: a) a sua amplitude e generalidade: abrangia,
numa visão panorâmica, o estudo da história da educação desde os povos
primitivos até a contemporaneidade; b) um importante fundamento
religioso, expressão do que Clarice Nunes (1996, p. 70) entende como a
“permanência dos valores de uma civilização cristã”; c) a história da
educação brasileira ficava restrita a uma síntese nas penúltimas unidades do
programa.

Quadro 2 - Programa da disciplina História da Educação em 1955.


Curso: Pedagogia
Disciplina: História da Educação I
Carga horária semestral: 75h
I. Conceito de educação.
II. Educação, pedagogia, filosofia.
III. Educação nas sociedades primitivas.
IV. A educação do tipo oriental: valor do “Livro Sagrado”.
V. O tipo helênico de civilização: a educação helênica nas suas fases fundamentais.
VI. A educação romana durante a Realeza, República e Império.
VII. A educação nos primeiros tempos do cristianismo.
VIII. A educação da Idade Média.
IX. A educação no humanismo e no Renascimento.
X. Reforma protestante. Contra-reforma. Educação moderna: racionalismo e o
empirismo.
XI. A educação católica do séc. XVII: São J. B. de La Salle
Curso: Pedagogia
Disciplina: História da Educação II
Carga horária semestral: 75h
I. O iluminismo na Inglaterra e na França.
II. J. J. Rousseau.
III. A enciclopédia e a Revolução Francesa.
IV. As idéias pedagógicas de E. Kant.

217
V. As idéias educacionais de Renascimento. Pestalozzi, Padre Girard, Froebel.
VI. A pedagogia psicológica: Herbart.
VII. A educação nos Estados Unidos: de Horace Mann a William James.
VIII. Educadores católicos contemporâneos: São João Bosco.
IX. Exame das últimas idéias e práticas educativas: A. Manjon, M. Montessori. S. Hensen
F. G. Foster.
X. A educação no Brasil: de Anchieta à República.
XI. Leis, educadores, escolas do período republicano.
XII. Rumos atuais da educação no Brasil.
Fonte: Derca.

Alguns relatos dão conta que as aulas, “eram expositivas, muito


tradicionais” e que era difícil “conseguir material para pesquisa, pois havia
poucos livros e material didático na biblioteca que funcionava, nessa época,
no Colégio Franciscano Sant’Anna e que permanecia chaveada; o acesso só
era permitido com autorização” (Silveira et al, 2005, p. 33). As provas
parciais - sabatinas - constavam de uma dissertação sobre um ponto
sorteado no momento e, ainda, do desenvolvimento de testes e questões
relativas ao mesmo. As provas finais eram orais ou práticas e o aluno devia
se inscrever e pagar uma taxa de exame.
São poucos e esparsos os registros sobre o desenvolvimento da
disciplina entre 1955 e 1975. As parcas anotações encontradas foram
àquelas feitas, de uma maneira muito genérica, pelos professores
responsáveis num livro de registro. Essas anotações se referem ao conteúdo
programático da disciplina, que confirma os conteúdos relacionados no
quadro acima. Poucas também são as anotações sobre a bibliografia usada
como referência. Indícios sugerem, apenas sugerem, que os professores
circulavam por uma bibliografia que envolvia, talvez dentre outros, os
seguintes manuais:
1. Pequena história da educação, das madres Francisca
Peeters e Maria Augusta de Cooman: a primeira edição é de
1936, tinha 151 páginas, das quais nove eram dedicadas à
história da educação brasileira. A edição registrada no
acervo da biblioteca é de 1965;
2. Esboço da história da educação, de Ruy Ayres Bello2: a
primeira edição é de 1945 e dedica 25 das 250 páginas à
história da educação brasileira. A edição registrada no
acervo da biblioteca é de 1957;

2
No acervo da biblioteca constam outros dois livros: BELLO, Ruy de Ayres. Princípios e
normas de administração escolar. Rio de Janeiro: Globo, 1956, e Filosofia pedagógica. Rio de
Janeiro: Globo, 1946.

218
3. Noções de história da educação, de Theobaldo Miranda
Santos3, a primeira edição é de 1945 e das 512 páginas, 37
são dedicadas à história da educação brasileira. A edição
registrada no acervo da biblioteca é de 1970.
Esses manuais de história da educação, de uso generalizado no
Brasil, foram produzidos por autores que se vinculavam ao pensamento
católico e que se constituíam, portanto, nas leituras autorizadas da disciplina
numa instituição em que a fé católica e a formação religiosa deviam ser
referências importantes nos currículos e participar de forma proeminente da
formação dos estudantes. Essa direção fora expressa, de forma clara, na
conferência inaugural da FIC, proferida em 1955 pelo irmão José Otão,
então reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. A
transcrição é longa, mas esclarecedora:
Apesar das mazelas assinaladas não padece dúvida que cabe às
Faculdades de Filosofia o preponderante papel de incrementar e
difundir a cultura no sentido autêntico da palavra. Se às demais
escolas superiores está reservada, entre nós, a tarefa de preparar
profissionais para as chamadas profissões liberais, à Faculdade de
Filosofia, que invade os amplos setores da Filosofia, da Pedagogia,
das Ciências e das Letras, cabe a formação cultural das elites.
Podíamos, talvez, afirmar que as escolas superiores em geral e as
técnico-profissionais são propulsoras da civilização, pois dão ao
homem os instrumentos de subjugação e domínio do mundo
material, dos seres corpóreos, do nosso exterior; ao passo que as
Faculdades de Filosofia promovem a cultura, pois se ocupam
principalmente do homem, do espírito e do mundo interior. Para
estar a verdadeira cultura alicerçada em bases sólidas, é
imprescindível, pois, que contenha noções exatas sobre o que seja
perfeição do homem, quer na alma quer no corpo, os meios a
empregar para obtê-la e os obstáculos a evitar. Ora, é a religião que

3
Theobaldo Miranda Santos tem um apreciável número de publicações. No acervo da
biblioteca da Unifra constam, ainda: Orientação psicológica da criança: aprenda a educar seu
filho. São Paulo: Nacional, [19--]; Noções de psicologia educacional. São Paulo: Nacional,
1955; Noções de filosofia da educação. São Paulo: Nacional, 1949; Noções de didática geral.
São Paulo: Nacional, 1955; Noções de didática especial. São Paulo: Nacional, 1960; A arte de
estudar e fazer exames: como estudar, como fazer exames, como adquirir cultura. São Paulo:
Nacional, 1949; Métodos e técnicas do estudo e da cultura. São Paulo: Nacional, 1957;
Metodologia do ensino primário. São Paulo: Nacional, 1957; Manual do professor secundário.
São Paulo: Nacional, 1961; Noções de prática de ensino. São Paulo: Nacional, 1961; Manual
do professor primário. São Paulo: Nacional, 1954; Manual de sociologia. São Paulo: Nacional,
1964; Introdução à pedagogia moderna. Rio de Janeiro: A Noite, [19--]; Noções de psicologia
do adolescente. São Paulo: Nacional, 1957; Noções de psicologia da personalidade. São Paulo:
Nacional, 1964; Noções de administração escolar. São Paulo: Nacional, 1957; Noções de
sociologia educacional. São Paulo: Nacional, 1953; Psicologia da criança. Rio de Janeiro:
Boffoni, 1948; Manual de economia: introdução didática ao estudo da economia política. São
Paulo: Nacional, 1966; Psicologia do sonho. São Paulo: Nacional, 1957.

219
nos fornece conceitos positivos sobre o que seja a perfeição no
homem e os meios de obtê-la. A verdadeira cultura, a cultura
integral, não pode, pois prescindir da verdadeira religião. E é por
este motivo que as Faculdades Católicas de Filosofia incluíram, em
seu currículo, largo programa de formação religiosa. Sim,
contemplação operante, pois, da visão de Deus, da compreensão da
sua lei de bondade e de amor, nasce a regulação da vontade e a
ordenação dos atos humanos, nasce a verdadeira orientação na vida,
a verdadeira cultura que então chamaremos sabedoria, que a escola
superior católica deve fornecer a quantos a procuram. Nas escolas
superiores leigas, porém, onde em virtude da liberdade religiosa é
silenciado o nome de Deus, onde em nome da liberdade de
pensamento são esposadas todas as idéias, onde, por vezes,
divergem os docentes doutrinariamente, religiosa ou
filosoficamente, desconcertando os discentes, não há, não pode
haver unidade de formação, não há uma visão totalizada do
universo, uma weltanschaung verdadeiramente orientadora dos atos
da vida. A Faculdade de Filosofia é por si só uma verdadeira
universidade cultural (Silva, 1997, p. 43).

Para esse período, 1955 a 1974, não foi localizado um


instrumento ou formulário por meio do qual fosse apresentado o programa
da disciplina, ementa ou objetivos. O primeiro documento que apresenta o
programa de forma mais sistemática data de 1975. Ementa e objetivos
aparecem em 1998. É a partir de 1981 que a bibliografia usada como
referência acompanha o programa da disciplina. Até 1989 os manuais de
Ruy Ayres Bello, Theolbaldo Miranda Santos e das madres Peeters e
Cooman continuam citados. Depois, a partir de 1990, esses manuais tendem
a ser substituídos e o número de referências cresce. Aparecem as
publicações de Maria Lúcia de Arruda Aranha, Otaíza de Oliveira
Ramanelli e Paulo Guiraldelli Júnior.

Bibliografia citada nos programas de 1981 a 1983:

AMADO, Padre Ramón Ruiz. História de la educacion y la


pedagogia. Ed. Librería Religiosa, Barcelona - Espanha.
ANDRADE FILHO, Bento de. História da educação. São Paulo:
Saraiva.
AZEVEDO, Fernando. A transmissão da cultura. São Paulo:
Melhoramentos, 1976.
BECH, Robert Holmes. História social de la educacion. México:
Editorial Hispano Americana.

220
BELLO, Ruy de Ayres. Pequena história da educação. São
Paulo: Brasil.

Bibliografia citada nos programas de 1984 a 1989:

BELLO, Ruy de Ayres. Pequena história da educação. 2ª ed.


São Paulo: Saraiva.
EBY, Frederick. História da educação moderna. 2ª ed. Porto
Alegre: Globo, 1976.
FILHO, Bento de Andrade. História da Educação. São Paulo:
Saraiva, 2ª ed.
LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. São Paulo:
Mestre Jou, 4ª ed, 1982.
LUZURIAGA, Lorenzo. Historia da educação e da pedagogia.
São Paulo: Nacional.
MARROU, Henri Irinés. Historia da educação na antiguidade.
São Paulo: EPU, 1975.
MONROE, Paul. História da educação. São Paulo: Nacional,
1969.
PEETERS e COOMAN. Pequena história da educação. São
Paulo: Melhoramentos.
SANTOS, Theobaldo M. Noções de história da educação. São
Paulo: Nacional. 13.ed.

Bibliografia citada nos programas de 1990 a 1999:

AQUINO, Jesus Oscar. História das sociedades americanas.


Livraria Eu e Você.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São
Paulo: Moderna, 1989.
BARBEIRO, Heródoto. Curso de história da América. São
Paulo: Harper & Row do Brasil, 1984.

221
COTRIM, Gilberto. PARISI, Mário. Fundamentos da educação:
história e filosofia. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
CUNHA, Luiz Antonio. A universidade temporã. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1980.
FILHO, A. Bento. História da educação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva.
FILHO, M. B. Lourenço. Educação comparada. 2ª edição,
Edições Melhoramentos, Vol V.
GILES, R. Thomas. História da educação. São Paulo: EPU,
1987.
GUIRALDELLI, Paulo. História da educação. São Paulo:
Cortez, 1990.
LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. São Paulo:
Mestre Jou, 1982.
MAIA, Pedro. Ratio studiorum: método pedagógico dos jesuítas.
São Paulo: Loyola, 1987.
MARZ, Fritz. Grandes educadores. São Paulo: EPU, 1987.
MONROE, Paul. História da educação. 16ª ed. São Paulo:
Nacional, 1984.
NISKIER, Arnaldo. CARVALHO, Marlene. Educação
comparada moderna. Ed. Tabajara.
PILETTI, Nelson e Claudino. História da educação, São Paulo:
Ática, 1990.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no
Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.
SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de história da educação.
12ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.

A licenciatura em Pedagogia foi regulamentada pelos pareceres


n. 251/62 e 252/69, do Conselho Federal de Educação, que fixaram o
currículo mínimo e a duração do curso. A licenciatura em Pedagogia, na
forma estabelecida para os cursos de licenciatura em geral, devia ser
cursada concomitantemente ao bacharelado, com duração de quatro anos.
Em 28 de novembro de 1968 foi promulgada a lei n. 5.540 que
fixava normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua

222
articulação com a escola média. Esta lei provocou profundas alterações no
sistema universitário brasileiro que envolveu a matrícula por disciplina, o
sistema de créditos, a divisão dos cursos em departamentos e a implantação
de programas de pós-graduação. Os currículos dos cursos de Pedagogia
passaram a ser estruturados com habilitações específicas, com uma parte
comum e outra diversificada, em função da habilitação escolhida. A parte
comum abrangia as disciplinas Sociologia Geral, Sociologia da Educação,
Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação e
Didática. O curso de Pedagogia deveria ter 2.200 horas de atividades e ser
ministrado, no mínimo, em três anos.
Em 1973 foi aprovado o novo Regimento da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição. Por esse regimento, o
curso de Pedagogia oferecia as habilitações Orientação Educacional,
Administração Escolar, Inspeção Escolar, Supervisão Escolar e Magistério.
Nas décadas de 1980 e 1990, o curso passou por alterações curriculares que
afetaram a carga horária da disciplina, que variou entre 210h, 240h e 120h.

Quadro 3 - Carga horária da disciplina História da Educação no curso de Pedagogia da


Unifra entre 1955 e 2005.
Ano de currículo Carga horária da disciplina
1955 a 1958 120h
1959 a 1952 120h
1963 a 1966 120h
1967 a 1968 120h
1969 120h
1970-1973 150h
1974-1977 150h
1978-1984 210h
1985-1988 210h
1989-1994 240h
1995-1997 240h
1996-1999 120h
2000-2005 60h
Fonte: Silveira et al, 2005.

Foi a partir de 1998 que a organização curricular da Pedagogia


mudou substancialmente em função das discussões e posterior aprovação,
pelo Conselho Nacional de Educação, das diretrizes curriculares nacionais
para os cursos de formação de professores para a educação básica que
acarretaram, na Unifra, a extinção da habilitação Magistério das Disciplinas
Pedagógicas do Ensino Médio e a implantação de novas habilitações:
educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
Desde então, a disciplina História da Educação tem uma carga
horária de 60h é ofertada no primeiro semestre do curso. O conteúdo
223
programático envolve os temas e períodos clássicos da historiografia
educacional brasileira tomados a partir de uma temporalidade da história
política (Brasil Colônia, Império, República, Era Vargas, governos
militares). Da mesma forma, a bibliografia citada apresenta os autores e as
obras também consagradas, dentre os quais Paulo Ghirardelli Júnior, Otaíza
Romanelli e Maria Luiza Santos Ribeiro.

Quadro 4 - Programa de História da Educação vigente no curso de Pedagogia da Unifra


desde 1999.

Curso: Pedagogia
Disciplina: História da Educação
Carga horária semestral: 60h
Ementa
A educação no Brasil Colônia. A educação no Império. A educação na
Primeira República. A educação entre 1945-1964. A educação brasileira
após 1964. Educação e sociedade no Rio Grande do Sul.
Objetivo
Analisar as formas de organização escolar, as visões pedagógicas e as
práticas educativas na sociedade brasileira da colonização até a atualidade;
analisar as relações entre poder político e educação, em sua articulação com
os processos históricos brasileiro; buscar uma compreensão mais profunda
da realidade educacional brasileira em sua dinâmica histórica.
Conteúdo programático
1) História da educação no Brasil: questões relativas a sua periodização.
2) A sociedade agro-exportadora e a constituição do ensino da elite;
2.1) a formação do Brasil colonial: a expansão européia no século XV e a
incorporação do Brasil;
2.2) educação e cultura na sociedade colonial: a pedagogia jesuítica e as
reformas pombalinas;
2.3) A educação no século XIX: a vinda da família real, o período do
Império.
3) A República e a consolidação da sociedade urbano-industrial: a luta pela
ampliação das oportunidades escolares:
3.1) a educação na Primeira República: do entusiasmo pela educação ao
otimismo pedagógico;
3.2) a educação no período de Getúlio Vargas (1930-1945);
3.3) A educação e a revitalização da sociedade brasileira (1945-1964): os
debates em torno da escola pública, os movimentos da educação de adultos
e educação popular);
3.4) O estado militar e a política educacional (1964-1985);
3.5) A educação nas décadas de 1980 e 1990.

224
4) A educação no Rio Grande do Sul: uma visão geral.
Bibliografia básica
GHIRARDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez,
1990.
RIBEIRO, Maria Luiza. História da educação brasileira: a organização da
escola. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
ROMANELLI, Otaiza. História da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes,
1998.
Bibliografia complementar:
AZEVEDO, Fernando. A educação na encruzilhada. São Paulo:
Melhoramentos, 1957.
ARAPIRACA, José Oliveira. A Usaid e a educação brasileira. São Paulo:
Cortez, 1982.
BEISIEGEL, Celso Rui. Educação e sociedade no Brasil após 1930. In:
FAUSTO, Boris. (Org.) História geral da civilização brasileira: o Brasil
republicano, v. 4, São Paulo: Difel, 1983, p. 383-416.
BERGER, Manfredo. Educação e dependência. Porto Alegre: Difel/Ufrgs,
1970.
BUFFA, Ester. Ideologias em conflito: escola pública x escola privada. São
Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
COMPARATO, Fábio K. Estado, educação e poder. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
CUNHA, Luiz Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1980.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1985.
_____. Ideologia e educação brasileira. São Paulo: Cortez e Moraes, 1978.
FAZENDA, Ivani Catarina. Educação no Brasil nos anos 60: o pacto do
silêncio. São Paulo: Loyola, 1985.
FERNANDES, Florestan. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo:
Dominus, 1966.
FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. São Paulo: Moraes, 1980.
HORTA, José Silvério Baía. O hino, o sermão e a ordem do dia: A
educação no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
LOURO, Guacira Lopes. História, educação e sociedade no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1986.
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo:
EDU, 1974.
XAVIER, Maria Elisabete. Capitalismo e escola no Brasil. Campinas:
Papirus, 1980.
Fonte: Derca.

225
Perspectivas

Nos cinqüenta anos de funcionamento, o curso de Pedagogia teve


dezessete estruturas curriculares e a carga horária da disciplina História da
Educação4 variou a cada nova organização curricular que se implementou.
Porém, nunca como atualmente foi tão pequena - 60 horas - e nunca
precisou justificar a sua presença e caráter formativo diante de outras
disciplinas consideradas ‘mais úteis’ com tanta ênfase como agora. É uma
situação paradoxal, pois, se por um lado cresce substancialmente a produção
acadêmica em torno da história da educação; criam-se grupos de pesquisa;
institucionalizam-se associações regionais de pesquisadores; cresce o
número de eventos nacionais e internacionais e registra-se um expressivo
incremento na quantidade de impressos 5, por outro, “en algunos países [...]
há llegado a estar en peligro su misma existencia como disciplina en la dos
últimas décadas o se há reducido notablemente el número de cursos o
créditos de índole histórico-educativa” (Viñao Frago, 2003, p. 1).
Atualmente, a disciplina História da Educação na Unifra
organiza-se a partir dos temas e dos períodos cronológicos clássicos da
história da educação do Brasil - reproduz, portanto, o cânone disciplinar
tradicional. Não há projetos de pesquisa em desenvolvimento e, dentre os
trabalhos de conclusão de curso apresentados até o momento, nenhum teve
como objeto a história da educação.
É visível, portanto, o distanciamento entre a amplitude e a
diversidade de questões tratadas e que caracterizam a produção acadêmica
dos pesquisadores da história da educação e o que se ensina. Isso, por certo,
também mantém estreita relação com a constituição do campo e com a
formação e o desenvolvimento profissional daqueles que trabalham no
âmbito da disciplina.
Ao comparar essa situação àquela proposta por Viñao Frago
(2003, p. 10), que sugere a substituição do cânone cronológico tradicional
por la exposición de procesos histórico-educativos prolongados en el

4
Foram professores da disciplina: Elisabeth Maria Ley (1955); Clecy Mayer (1956 a 1960);
Oscar Mombach (irmão Gelásio) (1961-1975); Olindo Antonio Toaldo (1962, 1963, 1965);
Heitor Pedro Scomazzon (1966); Iolanda Samuel (1971); Neusa Neves da Silva (1972 a 1974);
Ieda Maria Rettamal Ribeiro (1975-1982); Zilca Rossetto de Moraes (1983); José Körbes
(1983-1985); Frederinda Martins Pentiado (1984-1989); Maria Ivaldete Becker Borin (1987-
1989); Celso Ilgo Henz (1997-1998); Maria Joanete Martins da Silveira (1999); Carmem
Rosane Segatto e Souza (1997-2005); Claudemir de Quadros (2000 a 2002).
5
Ver BASTOS, Maria Helena Camara; BENCOSTTA, Marcus Levy Albino; CUNHA, Maria
Teresa Santos. Uma cartografia da pesquisa em história da educação na região sul: Paraná,
Santa Catarina, Rio Grande do Sul (1980-2000). Pelotas: Seiva, 2004.

226
tiempo (alfabetización, escolarización, profesionalización docente,
formación de los sistemas educativos) o el análisis histórico-
genealógico de una serie de temas o cuestiones relevantes para la
formación de los psicopedagogos, pedagogos, profesores o maestros
que desvele lo que en ellas hay de construcción socio-histórica. Un
análisis en el que, si fuera necesario, el orden cronológico sea roto
en el tiempo y asociaciones o relaciones entre fenómenos, hechos e
procesos de diferentes épocas,

sinto que o ensino de história da educação no Centro


Universitário Franciscano de Santa Maria vincula-se com uma perspectiva
que pode ser desnaturalizada. A importância disso diz respeito, diretamente,
à qualidade da formação de professores.

Referências

NUNES, Clarice. Ensino e historiografia da educação: problematização de


uma hipótese. Revista Brasileira de Educação, São Paulo: Anped, n. 1,
jan./abr. 1996, p. 67-79.
SILVA, Maria Virgínia dos Santos. FIC 1955-1995: 40 anos de história.
Santa Maria: FIC, 1997.
SILVEIRA, Maria Joanete Martins da; BALD, Rosane; DELAZZANA,
Ana Rosa Zurlo. O curso de Pedagogia e a formação de professores na
Unifra: uma trajetória de 1956 a 2003. In: QUADROS, Claudemir (org.).
Histórias e memórias dos 50 anos dos cursos de formação de professores
do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria. Santa Maria: Unifra,
2005, p. 31-63.
VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes. História da
educação no Brasil: a constituição histórica do campo (1880-1970). Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, 2003, p. 37-70.
VIÑAO FRAGO, Antonio. La historia de la educación ante el siglo XXI:
tensiones, retos y audiencias. In: Etnohistoria de la escuela: XII Coloquio
Nacional de Historia de la Educación, Burgos, Universidad de Burgos y
Sociedad Española de Historia de la Educación, 2003, p. 1063-1074
(mimeo.).
VIÑAO FRAGO, Antonio. La historia de la educación en el siglo XX: una
mirada desde España. Revista Mexicana de Investigación Educativa, v. 7, n.
15, 2002, p. 223-256.

227
Claudemir de Quadros é Professor no Centro Universitário Franciscano de
Santa Maria.

228
A disciplina de História da Educação na Faculdade e
no Centro Universitário La Salle
Miguel Alfredo Orth

Resumo

Este trabalho tem por objetivo identificar, resgatar e analisar como a disciplina de História da
Educação do Unilasalle esteve presente desde 1981 no Curso de Pedagogia, enquanto
componente curricular obrigatório e, a partir de 2003, na maioria dos Cursos de Licenciatura,
enquanto um componente curricular obrigatório ou optativo, privilegiando, a partir de então, a
História da Educação lasslista e brasileira.
Palavras-chave: História da Educação, Unilasalle, Formação de professores.

Abstract

This paper aims at identifying, recovering, and analysing how the discipline History of
Education has been present since 1981 in the Pedagogy course as a compulsory course and
since 2003 in most Teaching courses as a compulsory or optative course at Unilasalle, granting
privileges, from then on, the history of Lasallian and Brazilian Education.
Key-words: History of Education, Unilasalle, teacher formation.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 229-242, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Introdução

Ao analisarmos a disciplina de História da Educação, ao longo da


história do Unilasalle, precisamos situar o leitor e ou o ouvinte nesta
unidade de ensino superior. O Centro Universitário La Salle, como todas as
instituições de ensino confessional, têm a sua história ligada à trajetória de
uma congregação religiosa e, mais especificamente neste caso, à Obra
Educacional Lassalista.
Estas têm a sua origem na proposta educativa de São João Batista
de La Salle, sacerdote francês (1651 –1719) que renunciando a todos os
privilégios da sua condição de nobre, dedicou-se à criação de escolas para
as crianças das classes menos favorecidas.
O Ensino Superior dessa instituição foi criado a 02 de agosto de
1972, em Canoas –RS, sob a denominação de Centro Educacional La Salle
de Ensino Superior – CELES, iniciando suas atividades com o Curso de
Estudos Sociais em 1976. E em consonância com a orientação filosófica e
pedagógica da congregação, vieram depois os cursos de Letras e Pedagogia.
Já no início da década de 90, por iniciativa da mantenedora e da
comunidade acadêmica, iniciaram-se os trâmites legais para transformar o
CELES em Universidade. Neste sentido, a 29 de maio de 1992, foi
encaminhada uma carta-consulta ao MEC para transformar, via autorização,
o mesmo em Universidade. Na mesma oportunidade, a mantenedora e a
instituição tomaram uma série de iniciativas para incentivar a pesquisa e a
extensão no CELES, bem como passaram a expandir a sua oferta de cursos
de graduação e pós-graduação.
Durante a tramitação do processo, o Conselho Federal de
Educação aprovou o funcionamento de mais cinco cursos de graduação, a
saber: Administração, Filosofia, Ciência da Computação, Ciências
Econômicas e Ciências. Com a alteração da legislação sobre o
Credenciamento para Universidade, o CELES ingressou com o Processo
para a Instalação do Centro Universitário, atendendo à Portaria 639, de
13/05/97, sendo credenciado a 30/12/98, através do Decreto Presidencial de
29 de dezembro de 1998.
Atualmente, o Unilasalle oferece 27 cursos de graduação e já
conta com cerca de 5.000 alunos matriculados.

230
1 A disciplina de História da Educação na Faculdade e no
Centro Universitário La Salle

Analisando a disciplina de História da Educação no Unilasalle, é


bom ressaltar que esta foi uma disciplina que sempre se fez presente no
curso de Pedagogia da instituição, nos anos 80 como História da Educação I
e II; nos anos 90 como História da Educação I, II e III e, a partir de 2002,
como História da Educação; porém estendida à maioria dos Cursos de
Licenciatura. Por essas razões, entre outras, iremos estudar essa disciplina a
partir de seis blocos.
No primeiro, bloco iremos discutir a História da Educação
oferecida pela instituição entre os anos de 1981 e 1984. No segundo bloco,
trataremos da História da Educação Geral e do Brasil oferecida pela
instituição entre 1985 e 1990. No terceiro bloco, analisaremos a disciplina
de História da Educação Geral e do Brasil oferecida entre 1990 e 1996. E no
quarto bloco, buscaremos elucidar a História da Educação do mundo e do
Brasil oferecida e trabalhada nas disciplinas de História da Educação pela
Instituição entre os anos de 1997 e 2000. No quinto bloco, iremos estudar a
disciplina de História da Educação oferecida pela instituição na última
década à maioria das licenciaturas, culminando com algumas considerações
finais sobre o tema.
Para desenvolver este trabalho, dentro do esquema e da lógica
acima expostos, consideramos os currículos, os programas, e a formação
acadêmica dos professores das disciplinas de História da Educação no
Unilasalle, bem como os livros escolares e os conteúdos privilegiados pelos
mesmos em aula. Mas recorremos igualmente a entrevistas semi-
estruturadas para elucidar situações peculiares e relevantes que a análise dos
currículos, dos programas e da formação acadêmica dos docentes da
disciplina exigia.

1.1 História da Educação trabalhada no Curso de Pedagogia da


Instituição entre 1981 e 1984

O estudo dos programas de História da Educação I do período


que vai de 1981 a 1996 revela que a bibliografia referendada no primeiro
programa permanece inalterada durante quinze anos, sendo, porém colocada
em ordem alfabética a partir de 1993/1.
Essa bibliografia sempre iniciava com a obra de José Van Den
Besselar - Introdução aos estudos históricos, apoiada, na maioria das vezes,
pela obra de Gilberto Cotrim e Mário Parisi - Fundamentos da Educação.

231
Depois, apoiados na obra de Henri Marrou e Mario Curtis Giordani era
tratada exaustivamente a história da educação da Antigüidade Clássica.
Constam igualmente na bibliografia as obras de: Paul Manroe, Roger Gall e
Ruy de Ayres Bello sobre a História da Educação, bem como as obras de T.
F. Painter e Riboulet - História da Pedagogia.
Além dessas obras, a bibliografia traz a obra de: J. D. Forgione –
Antologia Pedagógica Universal; Leonel França – Noções de história da
filosofia; Fhilip Hughes – História da Igreja Católica e de Edward Mcnall
Burns - História da Civilização Ocidental.
Outro aspecto, no mínimo curioso, é o de que essa disciplina
manteve, durante quinze anos, a mesma bibliografia e mudou somente uma
vez seus conteúdos programáticos. Mas nesse período, a disciplina foi
ministrada por nada menos do que sete professores, com formação e
culturas bem diferentes, a maioria deles com formação na área da história e
da filosofia.
Agora, analisando os conteúdos programáticos dos programas de
1981 a 1984, percebemos que estes seguiram as ênfases e os enfoques dados
aos temas e subitens trabalhados no livro de História da Educação da Maria
Lúcia de Arruda Aranha, inclusive com grande ênfase à história da
Antigüidade grega, romana e medieval.
Já a análise da História da Educação II, deste período, revela que,
mesmo sendo os mesmos professores da disciplina de História da Educação
I, nesta disciplina, os mesmos, diferentemente do que faziam com o
programa de História da Educação I, imprimiam uma dinamicidade
revisional da bibliografia e do conteúdo programático muito grande.
Desse modo, entre 1981 e 1983 a Disciplina de História da
Educação II manteve a mesma bibliografia da História da Educação I, com
exceções de um livro sobre Lutero e a Reforma, outro livro sobre a Igreja, a
Reforma e a Civilização (Contra-Reforma) e outro sobre os Padres Jesuítas
no Brasil, bem como de dois livros sobre a História das Civilizações.
Porém, pelos conteúdos programáticos dos Planos de Ensino,
podemos constatar que só na primeira parte do programa é trabalhada a
história da educação da Renascença e da Idade Moderna. E curiosamente o
tema é tratado nesse período a partir de seus mais renomados pensadores na
área da educação, que são: Rousseau, Pestalozzi, Spencer, Froebel, Locke,
Comenius, Fénelon, La Salle, Rebelais entre outros.
Já a segunda parte do programa explorava a história da educação
brasileira, desde a vinda dos jesuítas ao país, sua expulsão pelo Marques de
Pombal, as escolas régias, a vida de D. João VI, a educação e o Ato
Adicional de 1834, a Reforma de Ensino do Distrito Federal em 1854 (Rio

232
de Janeiro), as reformas de ensino de Francisco Campos, Gustavo
Capanema até a Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961.
Já em 1984 e 85, a bibliografia do programa de História da
Educação II era constituída pelo livro do Ruy Ayres Bello – Pequena
História da Educação; Afrônio Peixoto – Noções de História da Educação;
Leonel França – A Igreja, a Reforma e a Civilização; Serafim Leite –
História da Companhia de Jesus no Brasil; Fernando de Azevedo –
História da Cultura Brasileira; e sete livros de história geral. O que nos
leva a crer que, nesses dois anos, a História Geral e a História da Igreja
Católica foram trabalhadas com mais intensidades do que a própria História
da Educação, objetivo maior dessa disciplina.
Ao compararmos essa bibliografia com os conteúdos
programáticos dos respectivos Planos de Ensino, observamos curiosamente
que estes continuam inalterados em relação aos programas anteriores, sendo
ministrado também pela mesma professora.
Já a História da Educação do Brasil, dada no Unilasalle na
primeira metade da década de 80 se apoiou basicamente no livro História
da cultura brasileira do Fernando de Azevedo e no livro História da
Companhia de Jesus no Brasil, escrito pelo jesuíta Serafim Leite.
Esses dados sobre o uso de livros que falam da história da
educação brasileira contrastam e em muito com a importância que a mesma
recebeu no programa da época. De fato, dois terços do programa de História
da Educação II era reservado para abordar tópicos da educação nacional.
Entre os tópicos destacados no programa desse período enumeramos temas
como: a educação jesuítica no início da colônia e a sua subseqüente
expulsão do país; as origens das instituições escolares; a vinda de D. João
VI ao Brasil e o incremento das instituições escolares; o ensino no Brasil
Império e no Brasil República; as reformas de ensino de 1930 e 40; a Escola
Nova no país; a LDB 4.024/61 e a reforma do Ensino Superior e do Ensino
Fundamental.

1.2 História da Educação trabalhada no Curso de Pedagogia do Centro


Educacional La Salle de Ensino Supeior (CELES) entre 1985 e 1990

A partir de 1985/2, o programa de História da Educação I fez


com que a Antigüidade clássica passasse a dividir as horas letivas da
disciplina com o estudo da História da Educação do mundo moderno e
contemporâneo, especialmente o europeu e lassalista. Aliás, o estudo das
teorias educacionais lassalistas é uma peculiaridade desta instituição e que
se mantém ao longo de toda a sua história educacional de Ensino Superior
como algo específico da mesma. O esquema programático dos conteúdos de

233
História da Educação I, referendados no programa de 1985/2 se manteve
inalterado até 1995, ano em que voltaram a ser privilegiados nesta disciplina
os conteúdos da História da Educação Grega, Romana e Medieval.
Uma análise mais atenta da História da Educação I e II, deste
período, nos leva a perceber que o corpo docente da época é bastante
estável, e não raro ministra as duas disciplinas da História da Educação. No
entanto, estes mesmos professores, diferentemente do que faziam na
disciplina de História da Educação I, na disciplina de História da Educação
II eram protagonistas de uma dinamicidade muito grande, quer na indicação
bibliográfica, quer no desenvolvimento dos conteúdos programáticos da
mesma.
Deste modo, entre os anos de 1985/2 e 1989/1, percebemos uma
mudança radical na bibliografia, bem como no enfoque que o professor
ministrante dava a sua disciplina de História da Educação II.
De fato, nesse período, a bibliografia se constituiu de livros
específicos da área, entre os quais destacamos os livros: Cultura Brasileira
do Fernando de Azevedo; História da Educação Brasileira da Maria Luiza
Ribeiro; História da Educação no Brasil da Otaíza Oliveira Romanelli.
Além destes livros, a bibliografia trazia uma vasta literatura complementar,
a saber: Contribuição à história das idéias no Brasil, da Costa Cruz; Raízes
do Brasil, do Sérgio Buarque de Holanda; História Econômica do Brasil, do
Caio Prado Junior e Educação Popular e Educação de Adultos, da Vanilde
Paiva.
Deste modo, a disciplina de História da Educação II deixava de
trabalhar a História Contemporânea, voltando-se quase que exclusivamente
à educação brasileira. Os grandes temas da História da Educação do Brasil
continuam os mesmos, porém passaram a ser trabalhados, em maior
profundidade, além, é claro, de serem estudados a partir de um modelo
educativo próprio.
Assim, a educação do Brasil colônia era estudada a partir do
monopólio educacional jesuítico; já a educação do Brasil Império era vista a
partir do modelo educativo tradicional. A educação dos anos 30, 40 e 50 era
identificada como a Educação da Escola Nova que, por sua vez, se associou
no Brasil à escola pública e gratuita; que, por sua vez, coincidiu com a
introdução do processo de industrialização do país. E a novidade
propriamente dita desse programa é a introdução e a discussão da educação
tecnicista e a sua identificação com a educação da década de 60 e 70.
Assim, por um lado deixou-se de lado a mera apresentação da LDB, e se
passou a discutir a educação do período a partir de um modelo. E esse
modelo estava igualmente linkado ao processo de substituição de
importações no país.

234
Comparando essa bibliografia com os conteúdos dos programas
da época, observamos que esses não traziam mais os conteúdos
relacionados à história da educação geral moderna e contemporânea, já que
esses passaram a ser tratados na História da Educação I. Quanto ao estudo
da história da educação brasileira, observamos que os programas passaram a
privilegiar mais a educação pós 1930, especialmente a Escola Nova, as
reformas educacionais da época, passando pela primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional até o Regime Militar e sua proposta
educacional.

1.3 A história da Educação trabalhada no Curso de Pedagogia do CELES


entre 1990 a 1996

A partir de 1990, com a inclusão da História da Educação III no


currículo das licenciaturas, a História da Educação II se voltou novamente
ao estudo da história da educação renascentista, moderna, bem como deu
uma ênfase maior à educação: iluminista; pública; confessional; nacional e
suas vertentes teóricas.
E para fundamentar essa formação, os professores da disciplina
se basearam em livros, como: da Maria Lúcia de Arruda Aranha – História
da Educação; do Gilberto Cotrim – Fundamentos da Educação; do Lorenzo
Luzuriaga – História da Educação e da Pedagogia; do Paul Monroe –
História da Educação; do Biboulet – História da Pedagogia.
Mas analisando a estrutura do programa e os títulos e subtítulos
do livro da Aranha podemos entrever uma clara semelhança entre ambos, o
que nos leva a crer que os professores do período tenham se baseado nesse
livro para montar o programa, além de servir de base na dinamização de
suas aulas, como alguns professores da época o observam.
De 1993 a 1996 a estrutura do programa se identifica mais ainda
com a estrutura didática do livro História da Educação, da Maria Lúcia de
A. Aranha, mas há uma mudança significativa nas indicações bibliográficas.
De fato, mantêm-se as referências da Aranha, Luzuriaga e
Romanelli, mas começa-se igualmente a explorar novas referências
bibliográficas, como é o caso dos livros de: História da Educação: da
antiguidade aos nossos dias, do Mário Manacorda; História da educação
brasileira, da Maira Luísa S. Ribeiro; História das idéias pedagógicas, do
Moacir Gadotti; e História da Educação do Thomas R. Giles. O curioso,
deste período, é a exploração do livro História da Pedagogia, do Francisco
Laroyo e História da Educação através dos textos, da Maria da Glória
Rosa, ambos publicados no país na década de 1970, só agora aparecem no
programa, mesmo sendo livros muito didáticos e atenderem os apelos gerais

235
das ciências da época, no sentido de voltarem às fontes. Outro tipo de
bibliografia explorada nesse período é aquela que aborda temas específicos,
como o da: Escola Nova; origem da escola pública; Rousseau; a educação
na infância; o conceito de disciplina em John Locke, entre outros.
Já a história da Educação brasileira, nessa época, passou a ser
tratada como uma disciplina de 60 créditos que, por sua vez, apoiada na
literatura específica da época passou a privilegiar basicamente três temas,
que por questões didáticas identificamos como base histórica, base
ideológica e base educacional.
A literatura educacional do programa pode ser subdividida entre
autores que abordam a história da educação como um todo, ao longo de toda
a história do país, como é o caso do livro História da Educação, da Maria
Lúcia de Arruda Aranha; História da Educação no Brasi,l da Otaíza de
Oliveira Romanelli; História da Educação Brasileira, da Maria Luísa
Santos Ribeiro; História da Educação, do Paulo Ghiraldelli Junior. O outro
grupo de autores explorados pelo programa traz aqueles que abordam a
história da Educação do Brasil a partir de temas específicos, como é o caso
do livro Grandezas e misérias do ensino no Brasil, da Maria J. G. Werere;
Cultura popular e Educação popular, do Osmar Fávero (org.); Educação e
Mudança, do Paulo Freire; Cuidado e Escola, da Rabette Harper; bem como
a Educação na “Era Vargas” e os Militares e a educação, de vários autores.
E para situar os alunos nestas leituras e discussões, os professores
buscavam ainda se apoiar em uma literatura específica da área de história,
como é o caso dos livros: Casa Grande & Senzala; História do
Pensamento; História de presidentes; Retrato do Brasil; A república
brasileira de 64 a 84. E além dessa literatura geral, os programas da década
de 90 privilegiavam bibliografias de temas específicos de história, como por
exemplo: As ditaduras militares e o neoliberalismo; a invenção do
trabalho; história da indústria e do trabalho no Brasil. O mercado e a
política; a questão nacional na primeira república, entre outros.
Outro conjunto de referências que se destaca nesse período são
aquelas ligadas direta ou indiretamente com a formação crítica dos sujeitos.
Essa formação ideológica pode perpassar a identidade do brasileiro em si,
como é o caso do livro da Luiza H. Paulo que fala do DIP e a juventude;
Ideologia e Propaganda estatal, ou ainda, do livro de José Carlos Barreiro,
que trata das Instituições a partir do trabalho e da luta de classes; bem como
da discussão da própria educação enquanto mudança ou ainda as armadilhas
neoliberais e as perspectivas da Educação.
Analisando os programas deste período, observamos que, de
1989/2 até 1993, os mesmos se voltaram a uma abordagem mais tradicional
da disciplina, bem como passa a explorar mais o contexto histórico

236
propriamente dito. Já na segunda metade dos anos 90, os programas
procuram vincular mais a história da Educação aos grandes temas sociais,
políticos e econômicos do país e do mundo e seu contexto histórico.
Por outro lado, os programas desse período não contemplam a
História da Educação do Brasil Colônia, do Brasil Império e da Velha
República. Chama igualmente atenção a grande ênfase que é dada ao
contexto histórico e o estudo da história da educação a partir de subtemas,
como por exemplo, o estudo do período de 1920 a partir da semana de Arte
Moderna ou do manifesto da escola nova entre outros subtemas.
Já a História da Educação I, deste período, manteve as mesmas
referências bibliográficas de 1981, porém privilegiando em seu conteúdo
programático a história da educação antiga, medieval, moderna e
contemporânea, mesmo que os últimos dois temas fossem tratados na
História da Educação II.
Como podemos observar, a partir de uma análise comparativa da
História da Educação I e II, é que os conteúdos se repetem nos semestres,
mesmo que a bibliografia se diferencie substancialmente. Resta saber então
se esses Planos de Ensino eram elaborados e entregues enquanto mera
perfumasse acadêmica, já que havia uma distribuição formal e repetitiva do
conteúdo, ou se realmente existiam no curso, programas paralelos de
História da Educação.

1.4 A História da Educação trabalhada no Curso de Pedagogia do CELES


– Unilasalle entre 1997 a 2000

A partir de 1997, as referências bibliográficas da História da


Educação I passam por uma mudança radical e as referências da História da
Educação II por mudanças significativas. Já o conteúdo programático que,
no início dos anos 90, era trabalhado em três semestres volta a ser
ministrado em dois semestres.
Essas mudanças obedeceram a princípios defendidos pelos
próprios professores das disciplinas, bem como à realidade político-social
do país. Entre estes princípios, destacamos o de escolher uma literatura que
tratasse da essência dessa disciplina, que é a da “História da Educação”. Por
outro lado, procurou-se preservar o livro clássico da área, completado-o
com uma literatura que estivesse ao alcance dos alunos, quer pela qualidade,
sua visão do todo, sua linguagem acessível, e também por levar em conta a
diversidade teórica dos alunos e dos autores, como também de instigar os
alunos a buscar as fontes primárias da História da Educação.
Deste modo, a bibliografia transita entre autores, como: Maria
Lúcia de Arruda Aranha – História da Educação; Moacir Gadotti –

237
História das Idéias Pedagógicas; Mário A. Manacorda _ História da
Educação: da Antigüidade aos nossos dias; Maria da Glória de Rosa – A
História da Educação através dos textos; bem como os livros de Tomas
Ramson Giles e Claudino Piletti sobre Filosofia da Educação. No mesmo
período, ainda aparece o livro do Francisco Larroyo – História Geral da
Pedagogia; de Lorenzo Luzuriaga – História da Educação e da Pedagogia;
de Paul Monroe – História da Educação; e do Frederick Eby – História da
Educação Moderna.
Neste período, a História da Educação II trabalhou basicamente
com a mesma literatura da História da Educação I, porém acrescida de
autores que trabalhassem temas específicos da educação moderna,
contemporânea e pós-moderna.
Assim, a bibliografia desse programa foi enriquecida por autores,
como: Otaíza de Oliveira Romanelli; Maria E. Xavier e Paulo Ghiraldelli
Junior que exploravam a História da Educação Brasileira. Ou ainda, de
livros que discutiam temas específicos como: A escola e a Democracia, do
Dermeval Saviani; Democratização da Escola Pública, do José Carlos
Libâneo; Filosofia da Educação (Brasil), do Cipriano C. Luckesi;
Rousseau: a educação na infância, da Beatriz Cerizapa, entre outros.
Agora, comparando essa bibliografia básica da disciplina com os
conteúdos programáticos dos diferentes Planos de Ensino, observa-se que a
disciplina sempre procurou situar, primeiramente, o tema ao longo da
história e depois se preocupava em associar a educação de cada período
com a formação social e política do mesmo. Razão pela qual associou, por
exemplo: a educação da Grécia Clássica com o discurso filosófico e o saber
lógico; a educação do Império Romano com a educação para o Estado; a
educação da Idade Média com a educação dos conventos, mosteiros e
paróquias que priorizava uma educação para a salvação das almas; a
Educação da Modernidade com a educação estatal e nacional pública ou
privada; e a Educação Contemporânea com a educação pública e as
tendências teóricas de cada Estado Nacional e hoje a educação para a
sociedade da informação e da comunicação.

1.5 A História da Educação trabalhada nos Curso de licenciatura do


Unilasalle entre 2001 a 2005

Neste último período, as disciplinas de História da Educação que


no início dos anos 90 se dividiam em I, II e III, a partir de 1997, voltaram a
se constituir em duas disciplinas. E a partir das reformas curriculares de
2000 limitaram-se a uma disciplina, a qual, a partir de 2002, passou a

238
integrar a lista das disciplinas escolhidas pela instituição para compor o
núcleo comum da maioria das licenciaturas do Unilasalle.
Em termos de referências bibliográficas, não se processaram
mudanças substanciais, os professores só incluíram na literatura da
disciplina, referências bibliográficas sobre a educação brasileira até então
trabalhadas na História da Educação II ou III e que agora deveriam ser
trabalhadas e privilegiadas na disciplina denominada História da Educação.
Foram incluídas, igualmente, novas obras, como a do Dicionário sobre os
principais pedagogos brasileiros, bem como a História da Pedagogia, do
Franco Cambi, entre outros.
Porém, se em termos de bibliografia não houve mudanças
substanciais, em termos de conteúdo, a readaptação do programa ao novo
currículo trouxe grandes repercussões na prática. Por que os conteúdos que,
no início dos anos 90, eram dados ou trabalhados em três semestres e depois
em dois e agora tinham que ser trabalhados em uma disciplina de 60h. Uma
por que foram priorizadas outras disciplinas, como: Sociologia da
Educação; Filosofia da Educação, Educação e Sociedade, entre outras. Com
isto precisou-se priorizar alguns aspectos do conteúdo em detrimento de
outros, como os alunos da filosofia sugeriram para seu curso, em 1999 e
depois, em 2001, o próprio CONSEPE endossou esta sugestão dos alunos
de filosofia e recomendou que todos os Cursos de Licenciatura oferecessem
a disciplina. Segundo essas orientações, a disciplina de história da educação
deveria privilegiar a História da Educação lassalista e a história da educação
brasileira, entre outros aspectos.
Em conversas posteriores do professor da Disciplina com a
coordenadora do Curso de Pedagogia ficou acordado que a Disciplina de
Políticas Educacionais poderia e deveria dar um plus à história da Educação
brasileira ao trabalhar a história das políticas educacionais no país, uma vez
que era muito conteúdo a ser trabalhado em um semestre de aula.

1.6 Algumas considerações finais

A partir de 2003, com a reforma curricular das Licenciaturas,


orquestrada pelo Parecer do CNE n. 28/2001 e a Resolução n. 01/2002 e
02/2004 do CP/CNE, esta disciplina passou a compor o núcleo comum dos
conhecimentos filosóficos, educacionais e pedagógicos que fundamentam a
ação educativa do Unilasalle na formação inicial de professores (Resol.
01/02, art. 11, V). Ou seja, esta disciplina faria parte da base institucional
comum de disciplinas para todas as licenciaturas, enquanto cadeira
obrigatória ou optativa.

239
Esta disciplina passou a integrar a base institucional comum por
ser um dos princípios pedagógicos lassalistas, junto com a Cultura Religiosa
e a Ética. No entanto figura como cadeira optativa em vários cursos de
licenciatura em função da redução da carga horária das licenciaturas de
mais ou menos 3.300 horas para 2.800 horas. Os cursos que tornaram esta
disciplina optativa na reforma curricular de 2003 privilegiaram a História da
Educação sob o olhar da Filosofia ou da Sociologia. Mas enquanto
disciplinas obrigatórias, a Historia da Educação, a Sociologia da Educação e
a Filosofia da Educação, são locadas nos currículos dos cursos sempre no
segundo semestre.
Nestas nossas considerações finais, chamamos a atenção
inicialmente ao fato de que os livros da História da Educação publicados ou
traduzidos na década de setenta não integraram as referências bibliográficas
da época, nem chegaram aos professores. Por que será que alguns desses
livros só chegaram a nossa Universidade na segunda metade da década de
90, apesar de sua didacticidade?
Outra constatação que deve saltar aos olhos do leitor no final
deste trabalho é quanto às peculiaridades da História da Educação em cada
período da história. Deste modo, na década de oitenta, por exemplo, as
disciplinas de História da Educação oferecidas aos alunos do curso de
Pedagogia privilegiavam a história da educação geral e clássica. Já na
década de noventa, passou-se a privilegiar a história da educação clássica,
bem como a história da educação brasileira e crítica. E na primeira década
de dois mil, procurou-se trabalhar a história da educação a partir de temas
relevantes para a educação, bem como a história da educação brasileira e
lassalista.
A formação dos professores que ministravam as disciplinas de
História da Educação, por sua vez, oscila entre a área da filosofia, história e
educação, sendo, no entanto, a história a grande área de concentração desta
formação.
Quanto ao nível de formação dos professores que lecionaram as
disciplinas de História da Educação, ao longo destes vinte seis anos, nós
podemos dividi-los em dois grupos. O primeiro grupo de docentes que
atuaram como professores da disciplina na Instituição, formado
exclusivamente de professores graduados e especialistas tendo trabalhado
no CELES entre os anos de 1981 e 1994. O outro grupo de professores da
disciplina começou a trabalhar na Instituição a partir de 1995, sendo
constituído, em sua maioria, por educadores oriundos da área de história ou
Educação, com formação em nível de mestrado ou doutorado.
Outro dado relevante que vem desta análise comparativa é o fato
de que os programas, a própria disciplina e os professores sofreram a

240
influência dos movimentos sociais, políticos e culturais de cada época. Isso
fica claro quanto ao número de disciplinas de História da Educação
oferecidas em um mesmo curso, no nosso caso, no Curso de Pedagogia,
assim como pela lista de conteúdos programáticos e de referências
bibliográficas sugeridas pelos professores em cada período da História
Contemporânea.
Outro aspecto que gostaríamos de destacar nessas nossas
considerações finais é quanto à necessidade de se colocar o educando da
disciplina de História da Educação em contato: com textos dos próprios
educadores; com textos de historiadores da educação; bem como o de
localizar os mesmos no tempo e no espaço. Ou seja, a necessidade de se
trabalhar a disciplina de História da Educação contextualizada, e também a
necessidade de colocar os educandos em contato com os historiadores e os
próprios educadores, para que os mesmos possam se embeber da História da
Educação nas fontes históricas mais puras e singulares.

Referências

HENGMILE, Edgard. O que dizem de mim? La Salle na História da


Educação e da Pedagogia. Canoas: La Salle. 2000.
UILASALLE. Programas de História da Educação I. Canoas: Unilasalle,
de 1981 a 2005.
UILASALLE. Programas de História da Educação II. Canoas: Unilasalle,
de 1981 a 2001.
UILASALLE. Programas de História da Educação III. Canoas: Unilasalle,
de 1990 a 1999.
PROFESSORES de História da Educação. [Entrevista] Canoas, 2005.
Entrevistas semi-estruturadas gravada e transcrita por Miguel Orth para este
trabalho.
Bibliográfica de apoio
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo:
Moderna, 1996.
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Ed. UNESP. 1999. pg.
701. (Encyclopaidéia).

241
GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 4º ed. São Paulo:
Ática, 1996.
MANACORDA, M. A. História da educação: da antigüidade aos nossos
dias. São Paulo: Cortez, 1996.
LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da pedagogia. 4º ed. São
Paulo: Nacional. 1969.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira História da Educação no Brasil. 20º ed.
Petrópolis: Vozes, 1998.
GHIRALDELLI Jr. Paulo. História da Educação (Brasil). São Paulo:
Cortez. 1991.
LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. V. I e II, São Paulo:
Mestre You, 1974.
MARROU, Henri. História da educação na Antigüidade. São Paulo: Herder
/ EDUSP, 1971.
LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da Educação. (Brasil). São Paulo: Cortez,
1990. P. 181.
ROSA, Maria da Glória de. A História da educação através dos textos. São
Paulo Ed. Cultrix, 1976.
MONROE, Paul. História da Educação. 8. ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1969.

Miguel Alfredo Orth – Unilasalle – miorth@lasalle.tche.br

242
O Ensino de História da Educação na UNIJUI
Anna Rosa Fontella Santiago

Resumo

O texto descreve o percurso teórico-metodológico do ensino de história da educação na


UNIJUÍ, enfatizando sua integração ao Curso de Pedagogia onde assume o caráter de disciplina
ligada à área das ciências histórico-hermenêuticas, voltadas à interpretação da ação pragmática
do homem nas suas relações com a cultura e a sociedade. Na dinâmica da reestruturação
curricular do Curso de Pedagogia, a disciplina articula-se aos aportes paradigmáticos que
orientam a proposta de formação do educador para integrar-se ao conjunto de componentes e
atividades curriculares com o objetivo de auxiliar na interpretação e entendimento das práticas
educativas, numa proposta de curso que pretende ter a pesquisa como princípio educativo.
Palavras-chave: educação; formação; interpretação; história.

Abstract

The text describes the theoretical-methodological course of the teaching of history of the
education in UNIJUÍ, emphasizing your integration to the Course of Pedagogy where assumes
the character of linked discipline to the area of the sciences historical-hermeneutics, returned to
the interpretation of the man's pragmatic action in your relationships with the culture and the
society. In the dynamics of the restructuring curriculum of the Course of Pedagogy, the
discipline pronounces to the contributions paradigmatics that they guide the proposal of the
educator's formation to become complete to the group of components and activities curriculum
with the objective of aiding in the interpretation and understanding of the educational practices,
in a course proposal that intends to have the research as educational beginning.
Key-words: education; formation; interpretation;, history.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 243-251, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Para dizer como tem ocorrido o ensino de história da educação na
UNIJUI é preciso fazer referência aos aportes teóricos que têm sustentado o
desenho curricular nos cursos de formação de professores que são, desde a
fundação desta instituição, a sua marca distintiva. Em especial, é preciso
destacar o Curso de Pedagogia, pois embora alguns conteúdos de história da
educação estejam, de alguma forma, incluído no currículo de todas as
licenciaturas, é na Pedagogia que a disciplina se destaca como um
componente curricular importante para o entendimento das relações que, em
contextos históricos específicos, produzem entendimentos singulares acerca
do fenômeno educativo e das teorias que sustentam a práxis pedagógica.
Ao conduzir reflexões sobre as dimensões política, social,
cultural e econômica, no contexto macro-estrutural onde têm origem as
práticas pedagógicas e as políticas educacionais, a história da educação
insere-se no conjunto de outras disciplinas do curso de Pedagogia como
instrumento básico para a investigação, dando suporte aos/as acadêmico/as
na busca de respostas para as questões educativas desde a realidade onde
elas se configuram.
No que se refere ao percurso feito pela disciplina, em sua
abordagem teórica, pode-se dizer que, até a década de 1980, à medida que a
História da Educação fazia parte da área de “Fundamentos da Educação”,
buscava-se na Filosofia da Educação o fio condutor para entrelaçar temas e
conteúdos específicos relacionados às áreas de formação. Assim, as
diferentes habilitações do curso de Pedagogia (Administração Escolar,
Supervisão Escolar e Orientação Educacional) incluíam, sob o pano de
fundo das relações sociais, políticas e econômicas - abordadas também em
outras disciplinas como a Sociologia, a Filosofia e Estudos de Problemas
Brasileiros -, as temáticas relativas à história das idéias pedagógicas, à
organização dos sistemas de ensino, às políticas educacionais, dentre outras.
Todos os conteúdos, porém, pretendiam articular-se a uma visão ampliada
do contexto histórico, o qual se entendia ser ordenador das práticas
educativas.
Pode-se dizer que, até então, a disciplina de História da
Educação, ministrada em três semestres do Curso de Pedagogia,
apresentava-se como um cenário de relações onde questões econômicas e
políticas apareciam como determinantes das práticas societárias de onde
emergiria a organização dos sistemas educacionais. Nessa perspectiva,
entendia-se que a superestrutura ideológica gestaria concepções filosóficas,
epistemológicas e, em conseqüência, idéias pedagógicas e teorias
responsáveis pela gestão da educação e a condução do ensino.
Assumindo uma postura dialético-marxista, buscava-se, na
interpretação da história da educação e da pedagogia, os sinais da luta de

244
classes, das práticas de resistência, da exclusão e do percurso do homem na
luta secular para superar a divisão entre os que estão autorizados a pensar, a
decidir e a falar e os que estão fadados ao silêncio, ao trabalho e à
submissão. O percurso metodológico era mais ou menos linear desde a
Antigüidade, a Idade Média e a Modernidade, fazendo interlocução com
teóricos clássicos como Mário Manacorda, Lorenzo Luzuriaga, Paul
Monroe, Aníbal Ponce, Bogdan Suchodolski, Henri Marrou e, também, com
pesquisadores brasileiros como Otaísa Romaneli, Maria Luiza Ribeiro,
Maria Lúcia Arruda Aranha e outros que, durante o percurso, foram
publicando seus estudos sobre a história da pedagogia e da educação
brasileira e ampliando a literatura da área com suas contribuições.
A partir da década de 1990, inserindo-se no debate nacional sobre
a reformulação dos cursos de licenciatura, o grupo da UNIJUI participou
ativamente nos seminários promovidos pela AESUFOP (Associação de
Escolas Superiores de Formação de Professores) e pela ANFOPE
(Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação), que
desencadeavam uma discussão profícua sobre a identidade dos cursos de
formação de professores e acerca dos aspectos teórico-metodológicos da
reconstrução curricular, em especial dos cursos de Pedagogia, cuja proposta
de formação do especialista em educação era veementemente questionada.
A partir das reflexões provocadas pelo debate nacional, na
fecunda discussão coordenada por Mário Osório Marques acerca da
identidade da Pedagogia e do lugar que esta deveria ocupar como ciência
prática-hermenêutica na interpretação e condução da educação e, portanto,
na reconstrução dos cursos de formação de professores, nasceu o livro “A
Formação do Profissional da Educação” (MOM. Editora UNIJUI, 1992).
Com esta obra, o emérito educador inseria-se no contexto das preocupações
do Movimento Nacional de Reformulação dos Cursos de Preparação de
Recursos Humanos para a Educação, vinculado à ANFOPE, trazendo sua
contribuição numa proposta de formação onde a reciprocidade dialética de
teoria e prática, em íntima relação, pudesse ordenar o currículo dos cursos,
fazendo-se “práxis social/histórica” na mediação exercida pela educação e
pelos educadores na produção/reprodução do conhecimento e dos sujeitos
coletivos.
Apresentando a Pedagogia como ciência articuladora na
formação de educadores, em qualquer habilitação, assim se expressava
Marques:
(o curso) como forma de educação dos educadores necessita assumir
seu próprio direcionamento teórico com estatuto de ciência
específica, uma ciência que atenda as necessidades de compreensão,
da organização e do direcionamento de objeto por natureza histórico
e complexo. Tanto a educação como a ciência da educação

245
necessitam ser mediadas pela ação do educador, para que possam,
em reciprocidade, modela-la e construí-la.
Teoria e prática se acham intimamente relacionadas e auto-exigentes
numa práxis social/histórica, como tal vinculada sempre de novo à
teoria que a faz práxis reflexiva”. (MOM, 1992, p. 11).

Amparado por reflexões desse nível, o grupo de professores


responsáveis pelo Curso de Pedagogia, na UNIJUI, propôs uma experiência
de organização curricular e uma proposta teórico-metodológica para o
planejamento da ação docente que pretendia superar a visão fixista de
currículo, a linearidade, a fragmentação e o isolamento das disciplinas. Na
visão dinâmica que se adotava, o conhecimento era visto como “produção
histórica, sempre provisória, falível e reiterativa, inseparável de seus
portadores reais, vivos, que os produzem em suas práticas sociais concretas,
entre as quais se situa a educação” (Marques, 1992, p. 104). Esse princípio
epistemológico inspirava uma proposta de ação coletiva e interdisciplinar
no curso de Pedagogia. Adotou-se, então, uma organização curricular
centrada em eixos temáticos e conceituais que, transversalizando e, ao
mesmo tempo, agregando as disciplinas em processo sempre recorrente a
cada turma semestre, pudesse inter-relacionar as dimensões epistêmicas,
metodológicas e organizativas do currículo.
Nesse desenho curricular, as tematizações estruturavam o curso
em linhas conceituais e eixos que, verticalizando o currículo, teciam a rede
de relações entre as disciplinas e os conteúdos específicos em todo o
percurso da formação.
Os eixos temáticos eram tomados como momentos fortes em
cada etapa do desenvolvimento curricular, concentrando esforços, tanto na
retomada contínua dos passos dados, quanto na agregação de novas
tematizações. Assim, na dinâmica do desenvolvimento curricular, a
articulação vertical dos eixos temáticos e a agregação horizontal das
diferentes disciplinas, cujos conteúdos integravam-se no planejamento
interdisciplinar em cada turma semestre, teciam, em relação espiralada, a
estrutura do curso.
Nessa proposta de interdisciplinaridade, não se dispensava,
porém, a especificidade das disciplinas e das regionalidades do saber. As
linhas conceituais que, em cada semestre, teciam a verticalidade dos eixos
temáticos, faziam com que as disciplinas, embora estando presentes em
todos os momentos do ensino aprendizagem na integração dos conteúdos,
não tivessem sempre igual peso e ênfase. Havia, sempre, momentos fortes
de determinadas disciplinas ou áreas de acordo com o eixo e a linha
conceitual proposta em cada fase da formação.
Nessa estrutura de curso a história da educação, agregada à linha
conceitual das ciências histórico-hermenêuticas, fazia parte do eixo

246
temático “Conhecimento, Educação e Sociedade” que organizava
disciplinas e conteúdos específicos no segundo, terceiro e quarto semestre
do curso, com ênfase especial, em cada semestre, a um conceito específico:
o conhecimento, a educação e a sociedade, respectivamente. As ciências
histórico-hermenêuticas eram definidas como uma ampla área de
conhecimento voltada à interpretação da ação pragmática do homem na
relação intersubjetiva do mundo da vida. Daí porque agregava as disciplinas
do Ciclo Básico e os conceitos trabalhados na primeira etapa da formação,
no entendimento que sociedade, cultura e linguagem são pilares da
significação e do conhecimento. Propunha-se, desse modo, a formação de
uma sólida base conceitual, formada nos primeiros anos, para criar as
condições de, em etapas posteriores, romper o caráter meramente técnico
das disciplinas instrumentais.
A disciplina História da Educação tinha seus momentos fortes no
segundo, terceiro e quarto semestres quando, articulada à Filosofia e à
Sociologia da Educação, deveria dar ênfase a uma interpretação crítica do
fenômeno educativo, pois segundo a proposta do curso,
A ação, porém, não se interpreta diretamente, mas enquanto
projetada nos signos exteriores transmissíveis através dos tempos.
Requerem teorias que façam ascender dos signos às ações e
intenções dos atores, aos acontecimentos e respectiva significação.
Processam-se no uso da linguagem pragmática exigida pela
intersubjetividade da livre comunicação no mundo da vida, isto é,
dos pressupostos que tornam possível a vida dos homens em
sociedade, uma linguagem que, bloqueada e distorcida na prática
histórica, necessita recuperar sua legitimidade pelo recurso às
ciências histórico-críticas (Marques, 1992, p.168).

Esoerava-se, assim, que a História da Educação, no conjunto das


disciplinas que constituíam os fundamentos da educação articulasse uma
reflexão crítica sobre os modos como, no percurso histórico da humanidade,
se constituíram entendimentos sobre a educação e a pedagogia, traduzidos
estes em formas de organização, em sistemas e políticas que se refletem nas
práticas pedagógicas. Articulando-se aos temas e conceitos estruturais do
currículo, deveria trazer contribuição ao campo das disciplinas histórico-
críticas1 e empírico-analíticas2 que teciam a unidade do curso, não só nos

1
O campo das ciências histórico-críticas era definido como aquele que agregava disciplinas,
conteúdos e conceitos de caráter emancipatório, voltados ao resgate do processo histórico de
auto-constituição dos sujeitos em contextos de comunicação.
2
As ciências empírico-analíticas, embora referidas a fenômenos empiricamente apreensíveis do
mundo físico, o fazem através de quadros conceituais de interpretação que antecedem e guiam
a experiência. Assim sendo, “Socorrem-se as ciências empírico-analíticas da Lógica e das
Matemáticas, sempre porém referidas ao mundo físico, no qual está também o observador por

247
semestres em que eram elas ministradas, mas também nos posteriores, onde
o ciclo profissional tomado como eixo central da formação, retomaria o fio
condutor da construção do conhecimento para tecer, nas Didáticas,
Metodologias e Práticas de Ensino, os saberes exigidos pela prática
profissional.
Ao colocar em prática essa proposta, percebeu-se logo que,
embora avançando numa visão dinâmica de currículo, na pretensão de
abandonar os determinismos essencialistas e metafísicos na concepção
epistemológica que dava sustentação à estrutura do curso, continuávamos
operando com a idéia de trabalhar os “fundamentos da educação”, cujo
objetivo seria fornecer o suporte para a interpretação crítica e a formação
profissional. Portanto, a dinâmica curricular ainda não dava conta de
superar a linearidade do paradigma técnico-instrumental.
Metodologicamente, a disciplina História da Educação, apesar do mérito de
proporcionar aos/as acadêmicos/as a compreensão das origens greco-latinas
da civilização ocidental e da tradição pedagógica que, por conta dessa
cultura herdada, se faz presente nos processos educativos, deixava à
margem o diálogo com as práticas locais e as culturas particulares que
deveriam forjar a fecundidade do conhecimento, fazendo nascer o novo sem
negar a tradição, a história e a cultura.
Nos últimos anos, como de resto todas as instituições formadoras
de profissionais da educação, a UNIJUI, também foi atropelada pelas
políticas públicas que vêm buscando definir diretrizes para a formação
profissional e, em conseqüência, propondo a reestruturação dos cursos. Para
adequar-se à legislação e às orientações oficiais do Ministério da Educação,
o Curso de Pedagogia sofreu alterações significativas em sua estrutura
curricular porém, o grupo de docentes por ele responsável procura manter-
se atento para que as determinações normativas não se sobreponham às
discussões teórico-metodológicas.
Todavia, pela necessidade imposta de ampliar a carga horária nas
disciplinas prático-instrumentais, a história da educação perdeu espaço em
um semestre letivo. Procura-se compensar essa perda com uma
reorganização em seu projeto pedagógico que inclui, além das disciplinas,
outros componentes curriculares como seminários temáticos, oficinas e
ciclos de estudos, cujo objetivo é a discussão de temas que proporcionem a
atualização e a complementaridade do currículo. Nesse contexto de
mudanças a história da educação não se desviou dos fins e objetivos
delineados, desde a década de 1990, na velha matriz dos cursos de formação

ele afetado e afetando-o de modo a exigir que a interpretação igualmente recorra aos saberes
histórico-hermenêuticos e histórico-críticos” (Marques, 1992, 168)

248
do educador, mas insere-se, hoje, numa proposta que visa, em especial, a
formação do pedagogo da sala de aula e, nesse sentido, adequa-se à nova
política curricular procurando dar conta de sua tarefa em dois semestres
letivos.
Os aportes teóricos que organizam o ensino também são outros e
a estratégia utilizada para ganhar em qualidade o que se perde em
quantidade de tempo no currículo tem sido a reestruturação metodológica
dos conteúdos, privilegiando uma organização temática, flexível e
articulada aos demais componentes curriculares.
A contribuição do Programa de Pós-Graduação em Educação nas
Ciências, em funcionamento desde 1994, também merece destaque no
processo de reconstrução e adequação dos cursos de formação de
professores. O curso de Mestrado em Educação emergiu das reflexões que
animavam o Departamento de Pedagogia, no inicio da década de 1990, e
sua criação garantiu a continuidade e o aprofundamento das discussões, em
outro nível, agregando um grupo de doutores em educação e áreas afins,
todos envolvidos com a pesquisas e a produção científica na área da
educação e da formação docente. As pesquisas e a reflexão teórica que ali se
produz alimentam as discussões, no âmbito dos departamentos, acerca da
proposta político-pedagógica dos cursos de graduação, ajudando a
redimensionar, não só a estrutura curricular para adequação às exigências
oficiais, mas também a dinâmica do ensino nas disciplinas ministradas. O
Estágio em Docência na Graduação, oferecido no curso de mestrado como
disciplina obrigatória para alunos bolsistas da CAPES e optativa para os
demais, tem trazido significativa contribuição dos mestrandos às discussões
sobre a docência universitária, com a divulgação de suas pesquisas, a
publicação de coletâneas e artigos.
No que se refere ao ensino da história da educação no curso de
Pedagogia, pode-se dizer que o seu redirecionamento teórico-metodológico
beneficia-se com a oferta da disciplina “Sociedade Brasileira e Educação”
no curso de mestrado, ministrada, nos últimos quatro anos, pela autora deste
artigo juntamente com o professor Doutor Paulo Afonso Zarth. Os estudos
realizados no desenvolvimento dessa disciplina, que envolvem aspectos
históricos e sociológicos na reflexão sobre a educação brasileira, têm se
constituído em espaço privilegiado para uma profícua discussão acerca dos
discursos que produzem, em diferentes épocas, imagens do Brasil, do povo
brasileiro, da educação e de seu papel na constituição da nação.
Assim, sem abandonar as referências teóricas que,
historicamente, vêm constituindo a identidade do curso de Pedagogia, a
proposta de ensino, da história da educação, avança na dinâmica constante
da reestruturação curricular e dos aportes paradigmáticos que sustentam as

249
pesquisas e a produção intelectual na UNIJUI. Hoje, pode-se dizer que o
esforço teórico-metodológico no desenvolvimento da disciplina situa-se no
sentido de superar os sistemas de pensamento que se propõem a anunciar
verdades estáveis e coerentes para inscrever-se na linha daqueles que
acreditam no papel constitutivo da linguagem. Nessa perspectiva, o ensino
da história da educação abandona o objetivo de abordar os aspectos macro
estruturais da sociedade e da cultura para entender o processo educativo e
assume a posição de um componente curricular que, integrando-se ao
conjunto de atividades curriculares auxilia na interpretação/entendimento
das práticas educativas, numa proposta de curso que pretende ter a pesquisa
como elemento articulador da formação.
Concordando com Nóvoa de que “a linguagem deve ser vista
como um sistema que constrói mais do que reflete, que prescreve tanto
quanto descreve” (in Monarcha, 1999, p.12) a disciplina integra-se ao
currículo numa dimensão de pesquisa e reflexão sobre a pedagogia e a
sociedade brasileira a partir das práticas locais procurando entendê-las no
contexto cultural em que se produzem. Nessa perspectiva, o cenário
histórico é apresentado para uma leitura da realidade educacional sem
pretensão de “fundamentar” a interpretação ou apresentar as “causas” que
determinam ou fixam os sentidos, mas sim como discurso que sedimentam a
interpretação de fatos, que encaminham políticas públicas ou que provocam
resistências e rupturas. Parte-se, então, da realidade vivenciada pelos/as
educandos/as tematizando aspectos que se constituem em objeto de
pesquisa e, na interlocução com os textos e autores lidos, vão-se
construindo reflexões e entendimentos.
Temas como o currículo, a disciplina, a educação infantil, a
educação especial a educação popular, a educação de jovens e adultos e
outros de interesse dos/as acadêmicos são estudados nesse cenário,
articulando as dimensões históricas, filosóficas, antropológicas e
sociológicas. Abandona-se, porém, a pretensão de interpretar um contexto
para trabalhar com a idéia de analisar os textos como abordagens amplas
que organizam os discursos e (re) constituem a realidade social e educativa.
Metodologicamente, vimos trabalhando com o princípio da
pesquisa, partindo de investigações locais sobre os temas de interesse dos/as
acadêmicos/as para evoluir em leituras e reflexões mais amplas que são
apresentadas ao final de cada etapa semestre na forma de seminários e
pôsteres, com o intuito de publicizar e ampliar pesquisas e discussões
articuladoras entre o local e o global, os saberes culturais e a conhecimento
legitimado pela ciência (doxa e episteme), acreditando, ainda, na
possibilidade de romper as fronteiras disciplinares e tecer, em relações

250
dialógicas, a ampla e complexa teia da formação, sempre exigente de
continuidade e renovação.

Referências

MARQUES, Mário Osório, A Formação do Profissional da Educação. Ijuí:


Editora UNIJUI, 1992.
MONARCHA, Carlos (Org.) História da Educação Brasileira. Ijuí: Editora
UNIJUI, 1999.
SANTIAGO, Anna R. F. Formação do Educador e Compromisso
Pedagógico.In DALBOSCO Et. All. Sobre Filosofia e Educação:
subjetividade-inbtersubjetividade na práxis pedagógica. Passo Fundo:
Editora UPF, 2004.

Anna Rosa Fontella Santiago é Doutora em Educação e Professora da


UNIJUI.

251
.
A História da Educação no curso de pedagogia da
Universidade de Passo Fundo: aportes na história
recente em busca de novas perspectivas
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani

Resumo

O artigo discorre sobre o ensino de História da Educação na Universidade de Passo Fundo,


região norte do Rio Grande do Sul, fazendo dois movimentos: primeiro resgatando
minimamente as idas e vindas do componente curricular na grade do curso de Pedagogia ao
longo dos últimos 35 anos e, num segundo movimento, tecendo ponderações sobre a atual
ementa do componente, lançando questões que apontem para o redimensionamento do ensino
de História da Educação no âmbito institucional.
Palavras-chave: ensino de História da Educação; curso de pedagogia; redimensionamento do
ensino.

Abstract

The article discourses about the teaching of History of the Education at the University of Passo
Fundo, north region of the Rio Grande do Sul State, making two movements: the first one is a
minimum rescue of the comings and gone of the grating's resume component of Pedagogia's
Course through the past thirty and five years; and, on a second movement weaveeing balances
about the current summary of the component, launching questions which points on respect to
the new dimension of the teaching of History of the Education in the institucional scope.
Key-words: teaching of History of the Education; Pedagogia's Course; new dimension of the
teaching.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 253-261, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
No processo de (re) pensar o ensino de História da Educação,
enquanto componente curricular do curso de Pedagogia (Séries Iniciais e
Educação Infantil) da Universidade de Passo Fundo/UPF1, garimpei um
contexto que mostrava a ‘disciplina’ relegada a um valor secundário nos
cursos em que era ofertada. Um componente curricular que, ao longo dos
anos, perdeu espaço (material e simbólico); um dos fundamentos da
educação tratado de forma periférica em relação aos demais componentes
curriculares.
Em amplos traços, (re) pensar o ensino de História da Educação
buscando redimensionar o espaço institucional e o respeito epistemológico
por este fundamento da educação, pressupôs dois movimentos: o primeiro
veio com pinceladas na história institucional e nas idas e vindas que o
componente curricular sofreu ao longo de um dado recorte temporal; o
segundo movimento nasceu de considerações acerca do status atual do
componente, disseminando questões que apontem para novas perspectivas
para o ensino de história da educação.
Para escrita do texto demarquei, como tempo de análise, os
últimos 35 anos (1971-2006). O ano de 1971 é balizador por assinalar o
início dos cursos de licenciatura em regime de férias na Universidade de
Passo Fundo, cursos dentre os quais figura a Pedagogia que é ofertada
(sempre com grande procura) ainda hoje2.

O espaço da Historia da Educação no currículo do curso de


pedagogia: o olhar sobre as últimas três décadas

O curso de pedagogia iniciou, em Passo Fundo, na secunda


metade do século XX. No dia 04 de dezembro de 1956 foi autorizado o
funcionamento do curso de pedagogia junto à Faculdade de Filosofia
mantida pelo Consórcio Universitário Católico de Passo Fundo (Both, 1993,
p.42). Consórcio que, alguns anos mais tarde e associado à Sociedade Pró-
Universidade, iria dar vida à Fundação Universidade de Passo Fundo,
mantenedora da Instituição com mesmo nome.

1
Este processo de (re) pensar a História da Educação na Universidade de Passo Fundo veio
como uma das incumbências da docência nesse componente curricular, docência a qual me
dedico desde 2001.
2
No mês de janeiro de 2006 exemplarmente, funcionaram junto a Faculdade de Educação, 08
turmas de pedagogia em regime especial, distribuídas entre as habilitações anteriormente
referidas e ainda a habilitação em Educação Especial.

254
Em 1971, a Universidade de Passo Fundo recebe do Conselho
Federal de Educação a autorização para fazer funcionar licenciaturas (entre
elas a de pedagogia) em regime intensivo de férias (UPF, s/d, p.02).
No currículo do curso de pedagogia (Habilitação em
Administração Escolar e Habilitação em Orientação Educacional) em
regime de férias constam História da Educação com 06 créditos (ou 90
horas/aula) e, ainda, História da Educação no Brasil, com 04 créditos (ou 60
horas/aula);
Paralelamente o curso regular de pedagogia aparece, no início da
década de 1970, dividido em diurno e noturno. No diurno, a pedagogia
assumia status de licenciatura plena e era desenvolvida em 08 semestres ou
níveis, sendo que o currículo acentuava a História da Educação, ofertando
tal componente curricular no nível III (ou terceiro semestre do curso) com o
nome de História da Educação I (03 créditos ou 45 horas/aula) e História da
Educação no Brasil I (02 créditos ou 30 horas/aula); já no semestre seguinte
ou nível IV, era apresentada História da Educação II e História da Educação
no Brasil II, a primeira com 03 créditos e a segunda com 02 créditos, sendo
igual carga horária do semestre anterior, o que totalizava, ao longo do curso,
04 componentes curriculares que tratavam sobre a História da Educação e
10 créditos, ou 150 horas/aula (UPF, 1973, 44).
Já o curso noturno era de curta duração (licenciatura em
pedagogia) com apenas 05 semestres ou níveis. Ainda assim, a História da
Educação I tinha 04 créditos e era lecionada no nível II e História da
Educação II abrangia iguais 04 créditos e era lecionada no nível III ou
terceiro semestre do curso (UPF, 1973, 46). A diferença entre a plena e a
curta era que, enquanto a licenciatura curta encerrava-se no quinto semestre,
a plena abria-se em habilitações: Orientação educacional e Administração
escolar, além do magistério.
Em 1976, o curso de pedagogia passa a existir unicamente como
Licenciatura Plena e Habilitações, sendo que História da Educação é
apresentada nos níveis III, IV e V, sob as denominações de História da
Educação I e II (ambas com 03 créditos) e História da Educação Brasileira,
com 04 créditos (UPF, 1976, pp.29-30), respectivamente.
A partir de 1980, o currículo da pedagogia modifica-se, passando
o curso a atender pela denominação de Pedagogia: professor para as Séries
Iniciais da Escolarização e disciplinas da Formação especial da
Habilitação de magistério de 2o. Grau, sendo que a História da Educação
figura apenas no nível I (ou primeiro semestre do curso) com 04 créditos
equivalentes a 60 horas/aula (UPF, 1981, p.61). Em tal reformulação
curricular também são extintas as habilitações em Administração Escolar e

255
Orientação Educacional e mantida, por mais alguns anos, a habilitação em
Supervisão Escolar.
Atualmente, o curso de Pedagogia divide-se em habilitações que
dão conta de formar professores para atuarem com educação infantil,
educação especial e ainda séries iniciais do ensino fundamental e matérias
pedagógicas de nível médio. Em cada um dos cursos a História da Educação
apresenta-se materialmente da mesma forma: apenas 04 créditos no
primeiro semestre do curso, com ementa similar para cada habilitação.
Contrastando com o espaço atribuído a História da Educação no
início do recorte temporal analisado, o ano de 1980 encerra tal componente
no primeiro semestre do curso com um restrito espaço na grade curricular,
ou ínfimos 3% da carga horária total da pedagogia (e habilitações), espaço
que perdura ainda hoje.
Há que se constatar que dos fundamentos da educação
(sociologia, psicologia, filosofia e biologia da educação) 3 a história da
educação é o único que tem somente 04 créditos (60 horas aula), sendo
ofertado apenas uma vez ao longo do currículo dos cursos. Se levados em
consideração como elementos integrantes do núcleo básico do curso de
pedagogia (UPF, 2002, p.12), os fundamentos da educação distribuídos da
maneira como se encontram hoje, carecem do princípio de eqüidade entre
seus distintos componentes.
A falta de relevo desse componente curricular fica evidente até
mesmo quando se atenta para números da pós-graduação stricto sensu
vinculada à Faculdade de Educação, onde apenas 6% das temáticas
desenvolvidas no programa encetam pesquisas ligadas à Historia da
Educação4.
A materialidade do componente curricular, entendida como a
carga horária semestral; o lugar ocupado na grade curricular do curso; o(s)
semestre(s) (nível ou níveis) de oferta, entre outras questões, além de
demonstrarem escolhas próprias dos colegiados e instâncias decisórias da
instituição, desenham a relevância situacional atribuída à História da
Educação. Em muitos casos, ter mais ou menos espaço na grade curricular

3
A Sociologia da Educação ganhou, com a reforma curricular de 2002, o moderno nome de
Estudos Sócio-culturais da Educação, sendo trabalhada nos níveis II e III, em ambos com 04
créditos.
4
Desde 1997 a Faculdade de Educação desenvolve o Programa de Pós-graduação em Educação
– Mestrado, sendo que até 23 de dezembro de 2005 (www.upf.br) foram 157 dissertações
defendidas, dentre essas apenas 09 versavam sobre história da educação, ou cerca de 6%.
Sabendo da vocação regional da Universidade de Passo Fundo, tal número é mais assustador,
pois somente duas egressas do curso de Pedagogia da UPF aventuraram-se, ao longo dos quase
nove anos do programa, a pesquisar sobre História da Educação.

256
de um curso, longe de ser uma discussão marginal, reflete a relevância
formativa que o componente curricular assume ante os docentes do referido
curso.
Tais questões são definidoras da organização curricular,
entendida como listagem e seqüência de conteúdos, a ser desenvolvida
durante a oferta do componente. A organização curricular está, aliás,
diretamente vinculada ao tempo ou à carga horária destinada à História da
Educação.
Com o tempo para o desenvolvimento dos conteúdos de História
da Educação reduzido, a abordagem de cada tema, bem como a escolha de
temas que serão trabalhados em detrimento de outros, passa a ser fator de
enfraquecimento e tratamento superficial do componente.
A intervenção docente no desenrolar da aula, bem como as
prioridades de conteúdos estabelecidos, deságuam na legitimação de opções
de docência e de metodologia de ensino, bem como na defesa de uma
história da educação vinculada a um projeto de sociedade. Assevera-se,
assim, a não-neutralidade do currículo (aqui tratado em seu plano visível: a
listagem de conteúdos), mas a sua vinculação com o momento histórico que
o gesta. É o jogo entre o que se ensina, quem ensina, para quem ensina e em
que contexto ensina, e o ensino de História da Educação também navega
por tais determinantes.

Ponderações sobre o ensino de História da Educação: elementos


de organização dos temas e abordagens a partir da experiência
no curso de Pedagogia da UPF

É mister acentuar a relevância epistemológica da Historia da


Educação enquanto um dos fundamentos da educação, sobretudo no
contexto da formação de docentes no ensino superior.
Da mesma forma, estou de acordo com o posicionamento de
Nóvoa quando remete ao fato que “ as ciências humanas são históricas por
natureza, tanto pelos seus objetos como pelos seus modos de
conhecimento”(2004, p.11). Assim, não há como dissociar a Educação da
História do processo histórico no qual ela se constitui.
Para tanto, discussões sobre o que se ensina são fulcrais por
trazerem à luz elementos que dão indicativos do que (e por que) se prioriza
em termos de conteúdos, abordagem que contribui para a proposição de
novas formas de pensar e organizar o ensino de História da Educação.

257
A ementa de História da Educação, no início dos anos 1990,
vigorou até a reformulação curricular de 2002 e rezava ser tal componente
responsável por desenvolver conteúdos acerca da
História da educação e da pedagogia. Educação dos povos
primitivos. Educação dos povos orientais. Educação clássica.
Educação na Idade Média. Educação humanista. Educação cristã-
reformada. Educação e pedagogia do século XVII ao século XX.
História da Educação brasileira (UPF, 1994).

Já a ementa utilizada atualmente no curso de pedagogia da


Instituição de Ensino Superior em foco, amplia e qualifica os itens
anteriormente mencionados, dando maior destaque para a História da
Educação brasileira e aferindo o regional e o local enquanto campo de
estudos, possibilidades, pesquisas e construções:
Introdução ao estudo da história da educação: conceituação,
métodos, fases e fontes. A educação nas sociedades primitiva,
oriental, clássica e medieval. A educação humanista e o Estado
Moderno. A política educacional brasileira frente à ação
colonizadora: a fase jesuíta e a fase pombalina. A educação da elite
na sociedade agro-exportadora: a experiência imperial. A
constituição do sistema nacional de ensino no Brasil na Primeira
República e na Era Vargas. A organização educacional brasileira sob
o domínio do estado Militar (1964 - 1985). A experiência
educacional recente no âmbito regional e local. Perspectivas atuais
da educação nacional (Ambiente do Professor, www.upf.br).

A atual ementa, grosso modo, pode ser classificada como um


detalhamento da ementa apresentada em 1994, com algumas inovações
significativas, embora de forma ainda tímida, como o fato de tangenciar o
âmbito regional e local enquanto partícipes da ‘História da Educação’. Tal
abordagem admite, por um lado, que o regional e o local estão inseridos em
um processo histórico e, por outro, que tanto regionalmente quanto
localmente desenvolvem-se experiências educativas que assinalam
significativamente o cenário no qual o egresso do curso de pedagogia irá
atuar.
Entretanto, em ambos os casos, tem-se um componente curricular
que sustenta, na proposição dos conteúdos, a estrutura quadripartite da
história geral e brasileira (periodização assentada no modelo europeu /
francês) arquétipo que se reflete na periodização linear e na proposição de
conteúdos seqüenciais.
Tal proposição de conteúdos desconsidera as escolhas de
periodização do ensino de história e sua relação com elementos de poder e
projetos sociais, bem como atribui uma pseudo-neutralidade e inocência ao
currículo enquanto orientador da prática educativa.
Sobre tal assunto, Chesneaux indica que:

258
O quadripartismo tem como resultado privilegiar o papel do
Ocidente na história do mundo e reduzir quantitativa e
qualitativamente o lugar dos povos não - europeus na evolução
universal. Por essa razão, faz parte do aparelho intelectual do
imperialismo. Os marcos escolhidos não têm significado algum para
a imensa maioria da humanidade: fim do Império Romano, queda de
Bizâncio. Esses mesmos marcos destacam a história das
superestruturas políticas, dos Estados, o que também não é inocente
(1995, p. 95)

A disposição quadripartite contribui para que o discente perceba


a história da educação de forma linear, pois os fatos, dados, nomes,
assuntos, idéias e ideais pedagógicos são apresentados por meio de uma
sucessão cronológica, sendo dispostos linearmente e cotejados por uma
noção de evolução que tende a uma explicação simplista (por aparentemente
lógica) de causa X efeito.
Com a estrutura linear de organização da História e o tempo do
componente curricular assentado em 60 horas/aula, alguns temas podem ser
desconsiderados ou superficialmente tratados, já que a preocupação de
‘vencer o conteúdo’ acaba por macular relações mais expressivas.
Arma-se, assim, a cilada do conteúdo pelo conteúdo, da narrativa,
do proselitismo sem as necessárias reflexões, deixando o docente refém de
uma angustia que domina alguns professores com relativa freqüência,
“...preocupados em dar toda a matéria e frustrados diante dessa tarefa
impossível” (Pinsky, 2003, p. 28).
O que será enfatizado ou omitido, neste caso, depende do docente
que estiver encarregado de tal disciplina. Licenciados em Pedagogia,
Filosofia, História, Sociologia e Geografia já se incumbiram de trabalhar
História da Educação ao longo dos últimos anos. Cada um, por certo, deu
suas cores (as cores de suas preferências) para os temas previstos (ênfases e
omissões).
O certo é que, nesta aquarela, o estatuto híbrido da disciplina
(Nóvoa, 2004), aquinhoado entre a história e a pedagogia, fica mais
carregado das cores da indefinição, ora seguindo a linha da história, ora
seguindo os temas relevantes e pontuais da educação.
Estou de acordo com Nóvoa quando pondera que “...a reflexão
histórica, mormente no campo educativo, não serve para ‘descrever o
passado’, mas sim para nos colocar perante um patrimônio de idéias, de
projetos e de experiências” (2004, p.11).
Destarte, apresentar linearmente o passado (como se pudesse ser
reduzido a uma relação simples de causa/efeito) não está de acordo com a
reflexão histórica no campo da educação. E mesmo tal descrição não pode
ser fruto de um trabalho educativo qualquer, sob pena de continuar
relegando tão importante componente a um lugar secundário no rol dos

259
elementos que compõem a formação do pedagogo que se quer engajado e
crítico, criticidade que só vem com o olhar da história e sobre a história.
Tais constatações me permitem tomar partido, defender uma
posição acerca de como a História da Educação pode continuar a ‘escrever’
sua história enquanto componente curricular da pedagogia.
Defendo aqui uma História da Educação assentada em recortes
pertinentes e significativos, em temas e abordagens que dêem conta de
problemas situacionais e não apenas do relato linear (que percebo
reducionista, de acordo com a forma como for trabalhado), pois entendo
que:
... os diferentes recortes da História permitem que o aluno abra
enormes horizontes que podem acolher, inicialmente a sua
curiosidade, depois, sua análise e, finalmente, sua identificação com
essa ‘gente como a gente’ que construiu o processo histórico do qual
ele mesmo faz parte (PINSKY, 2003, p. 35).

Destarte, caberia o tratamento de temas significativos,


problematizadores. Temas que reforcem (e não subtraiam) identidades e
coletivos, temas que ampliem a visão do aluno/mestre do curso de
pedagogia sobre o real sentido do estudo da História da Educação, tendo em
vista que “... a História da Educação pode oferecer fatos e interpretações
pertinentes, idéias, perspectivas à própria educação, aos que pensam e agem
sobre a educação” (Lopes, 2004, p.29)
Tais temas talvez sejam (e perceba o leitor que aqui enveredo
pelo campo puro e simples da suposição) relevantes como condição de
trazer o espaço perdido (material e por conseqüência simbólico) da História
da Educação enquanto elemento essencial no processo de formação do
aluno/mestre do curso de pedagogia. Esse processo de (re) pensar o
currículo pode permitir aquilatar coerentemente o valor formativo desse
fundamento da educação.

Referências

BOTH, Agostinho. Criação da Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo:


Editora da Universidade de Passo Fundo, 1993.
CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tabula rasa do passado? Sobre a
história e os historiadores. São Paulo: Ática, 1995.
LOPES, Eliane Marta Teixeira. O aprendiz de feiticeiro e o mestre
historiador: quem faz a história? In: STEPHANOU, Maria; BASTOS,

260
Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e Memórias da Educação no
Brasil. Vol. I. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
NÓVOA, António. Para que a História da Educação? In: STEPHANOU,
Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e Memórias da
Educação no Brasil. Vol. I. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanzi. Por uma história prazerosa e
conseqüente. In: KARNAL, Leandro. (org.). História na sala de aula:
conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003.
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Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Educação. Licenciaturas em
regime intensivo de férias, s/d. (datil).
Universidade de Passo Fundo. Catálogo Geral dos Cursos. Secretaria Geral
dos Cursos, Passo Fundo, 1973 (datil.).
Universidade de Passo Fundo. Vice-reitoria acadêmica. Roteiro Acadêmico,
Secretaria Geral dos Cursos, 1976.
Universidade de Passo Fundo. Vice-reitoria acadêmica. Roteiro Acadêmico
n. 7, 1981 (datil.).
Universidade de Passo Fundo. Currículo do curso de Pedagogia Séries
Iniciais, 1984, (datil.).
Universidade de Passo Fundo. Vice-reitoria acadêmica. Catálogo dos
cursos de graduação – Ementário, Gráfica Berthier, 1994.
Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Educação. Síntese da Proposta
Curricular do curso de Pedagogia. 2002, (datil.).

Rosimar Serena Siqueira Esquinsani é Doutora em Educação pela


Universidade do Vale do Rio dos Sinos e professora de História da
Educação – Faculdade de Educação / Universidade de Passo Fundo.

261
.
Historia da Educação e a formação do professor na
UNISINOS
Flávia Obino Corrêa Werle
Berenice Corsetti

Resumo

Esse artigo focaliza como os estudos referentes a História da Educação foram tratados no
contexto dos cursos de formação de professores da Unisinos desde os anos cinqüenta do século
XX até 2005. Apresenta-se um retrospecto histórico do Curso de Pedagogia para seguir com a
análise da disciplina História da Educação no contexto do referido currículo. Considerou-se na
construção do texto a ementa, objetivos, conteúdos programáticos, bibliografia e professores
ministrantes da disciplina de História da Educação. Metodologicamente procedeu-se a uma
organização cronológica dos planos por disciplina e a construção de tabelas com categorias
decorrentes de sua constituição, formato e informações, seguida de análise interpretativa.
Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação; formação de
professores.

Abstract

This article focuses on how the studies referring to the History of Education have been treated
in the context of the courses of teacher education at UNISINOS since the decade of the fifties
of the 20th century until 2005. Initially we present a hitorical retrospect of the Course of
Pedagogy, and afterwards we analyze the subject matter History of Education in the context of
the respective curriculum considering especially its summary, objectives, programmatic
contents, bibliography and teachers. Methodologically we proceeded through a chronological
organization of the teaching plans by subject matter and the construction of tables with
categories decurring from its constitution, format and informations, followed by the individual
interpretative analysis, as well as conjunctly between the authors.
Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 263-274, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
A presença de cada uma das disciplinas escolares no currículo, sua
obrigatoriedade ou sua condição de conteúdo opcional e, ainda, seu
reconhecimento legitimado por intermédio da escola, não se
restringe a problemas epistemológicos ou didáticos, mas articula-se
ao papel político que cada um desses saberes desempenha ou tende a
desempenhar, dependendo da conjuntura educacional
(BITTENCOURT, 2003, p. 10)

A Historia da Educação, entregue à responsabilidade de


professores com marcada orientação religiosa, “nasceu para ser útil” e, por
longo tempo, constituiu-se como apêndice da Filosofia da Educação, ambas
tidas como disciplinas formadoras e não especificamente como ciências
(WARDE, 1998, p. 91-2). As considerações apresentadas nesse texto
reiteram e exemplificam essas afirmações bem como a de que, mais
atualmente, as propostas dessa disciplina apresentam-se envolvidas por uma
“onda culturalista” (WARDE, 1998, p. 96).
As considerações aqui apresentadas acerca das disciplinas de
História da Educação e História da Educação Brasileira em cursos de
licenciatura da Unisinos abrangem, predominantemente, sua posição no
Curso de Pedagogia a partir do ano de 1983, tendo como base de análise os
planos de disciplina arquivados no setor de registro da Universidade. Esse
procedimento foi o viável tendo em vista o tempo disponível embora
concordemos com Bittencourt (2003, p. 35) quando afirma que os
conteúdos escolares “analisados pelos currículos formais, pelos textos
normativos e livros didáticos expressam apenas parte do que se concebe por
disciplina, e [que] há estudos que têm avançado tendo em vista perceber as
práticas escolares, as ações e criações de professores e alunos no cotidiano
das salas de aula”, utilizando fontes orais, cadernos escolares, além de
fontes escritas tradicionais como programas de ensino e legislação.
A partir do histórico do Curso de Pedagogia, analisa-se a
disciplina História da Educação considerando ementa, objetivos, conteúdos
programáticos, bibliografia e professores ministrantes. Tendo coletado os
programas, procedeu-se a uma organização cronológica do material e a
construção de tabelas com categorias decorrentes de sua constituição,
formato e informações, seguida de análise interpretativa realizada,
individualmente, e, em conjunto, entre as autoras. Apenas a partir de 1983
os programas de disciplinas de graduação estão organizados em bases
informatizadas o que exigiu a coleta de dados em relatórios e arquivos da
Universidade para apresentar um panorama mais abrangente da disciplina.
Embora se reconheça a limitação do material empírico analisado
e as muitas possibilidades de articulação e desdobramento que um programa
pode ter em decorrência do conhecimento e abordagem que cada professor
aporta em seu trabalho docente, e da diversidade no perfil das turmas de

264
alunos, essa será a fonte prioncipal de análise utlizada neste artigo. É
preciso registrar que pode ter ocorrido, ao longo do tempo, um processo de
inércia quanto a atualização formal dos programas das disciplinas mas, no
contexto das salas de aula, terem sido reinterpretados de forma vigorosa.
Por outro lado considera-se também a hipótese de impossibilidade de seu
cumprimento, embora as disciplinas referidas nesse texto tivessem, cada
uma, 60 horas aula a cada semestre.
O fato da discussão da disciplina de História da Educação
centrar-se em sua posição no curso de Pedagogia advém de que as
licenciaturas na Unisinos nunca tiveram em seu currículo este tema tratado
como disciplina individualizada. Apenas alunos das licenciaturas de
Geografia e de História poderiam matricular-se nessas disciplinas,
complementarmente, na modalidade de disciplina optativa.

Anos cinqüenta: instalação do Curso de Pedagogia na Unisinos

Na Unisinos a disciplina de História da Educação nasce com a


criação do curso de Pedagogia que foi autorizado pelo Parecer no. 14/55 do
Conselho Nacional de Educação. O curso de Pedagogia funcionou de 1957
a 1969, com um mesmo currículo, passando seu primeiro decênio
praticamente sem alterações. A lei 4024/61, sim, impacta profundamente a
estrutura do Curso de Pedagogia. Dentre as alterações ocorridas registra-se
a exigência de estágio sendo que, o primeiro grupo de alunos desse curso
realiza seu estágio em escolas do sistema de ensino, em 1963. A reforma
universitária, Lei 5540/68 também introduz modificações no currículo desse
curso, quando são criadas as habilitações de orientação educacional e
administração escolar vinculadas à de magistério das matérias pedagógicas
de 2º. grau. Nessa época as disciplinas de História da Educação I e História
da Educação II, do currículo mínimo, eram oferecidas no 4o. e 5o. semestres,
totalizando 120 horas de aula e compunham tanto o Curso de Pedagogia
magistério e habilitação específica em orientação educacional, como o de
magistério e habilitação específica administração escolar. O Curso de
Pedagogia oferecido apenas no diurno, tinha pelo, Parecer CFE no. 252/69,
uma duração de 2.200 horas ou 138 créditos, e pertencia à Escola de
Educação que era uma unidade universitária que operava na área de
conhecimento aplicado. Concluído o Curso de Pedagogia, as alunas tinham
direito de requerer, junto ao MEC, além da habilitação especifica
freqüentada era em Sociologia da Educação e Psicologia da Educação.
Nessa forma, funcionou até 1976 e, com base em um
levantamento realizado junto aos alunos foi feita uma reformulação

265
curricular desvinculando a habilitação de magistério das habilitações
específicas de Orientação Educacional e de Administração Escolar as quais
passam para o nível da pós-graduação, constituindo-se em cursos de
especialização. Com a reformulação o novo Curso de Pedagogia passa a ser
implantado gradativamente a partir de 1978, oferecido no período noturno e
a disciplina de História da Educação passa a compor o currículo no 3o.
semestre do curso e a de História da Educação Brasileira, no 4o. semestre,
mantendo cada uma 60 horas de aula. É quando a licenciatura plena em
Pedagogia passa a oferecer apenas Habilitação das Matérias Pedagógicas
para a formação de professores em cursos de nível médio sendo que o aluno
depois de formado poderia requerer registro em três disciplinas dentre:
Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Didática e Estrutura e
Funcionamento do Ensino de 1o. Grau. Portanto, quando voltado para a
formação do professor que atuaria no curso Normal ou no Magistério 2o.
Grau, o currículo do Curso de Pedagogia da Unisinos, nunca deu direito ao
registro em História da Educação, mas em outras áreas que compõem os
Fundamentos da Educação. História da Educação compunha o leque de
fundamentos da educação mas sem a força de profissionalizar o acadêmico
de Pedagogia a ponto de constituir-se em área de registro no MEC.
No ano de 1986 altera-se novamente a proposta do curso, agora
organizada em três dimensões – Fundamentos da Educação, Metodologia de
Ensino e Prática de Ensino -, passando a oferecer habilitação em séries
iniciais. A dimensão Fundamentos da Educação visava “a proporcionar a
compreensão ou ‘leitura’ da realidade. Para tanto, concorrem as ciências da
educação, enquanto instrumentos criticamente elaborados, de compreensão
do homem e do mundo”(SILVA e BOHN, 1990, p.56). A disciplina de
História da Educação compondo essa dimensão desdobra-se em duas:
História da Educação e História da Educação Brasileira.
Em 1998, sob o impacto da nova lei de diretrizes e bases da
educação nacional, Lei 9394/96, o Curso de Pedagogia da Unisinos
reorganiza-se, agora diferenciando a formação oferecida sob a forma de
ênfases em Educação Infantil, em Séries Iniciais, em Ensino Religioso, em
Educação e Trabalho e em Educação de Jovens e Adultos. Esse curso
atualmente (2005/2006) está em processo de extinção e, o novo currículo
em implantação, reorganizado, não inclui Historia da Educação como
disciplina, mas como uma atividade dentro do Programa de Aprendizagem,
unidade pedagógica que substitui atualmente a anterior designação de
disciplina nas licenciaturas da Unisinos.

266
Anos oitenta: a História da Educação abordando vultos
históricos, movimentos civilizatorios de longa duração

No Curso de Pedagogia, nos anos oitenta, os planos de disciplina


continham apenas quatro elementos além de dados de identificação: o nome
do(s) professor(es) ministrante(s), os objetivos, os conteúdos programáticos
da disciplina e a bibliografia. Era uma época em que a disciplina de História
da Educação sugeria, em seus objetivos, o compromisso com a
periodicidade de longo prazo pela intenção de abordar a educação como
fenômeno processado através dos tempos em diversas épocas, bem como a
noção de continuidade histórica e de aprendizagem a partir das experiências
da humanidade. Os conteúdos abordavam a educação na Índia, China,
Pérsia, Egito, entre os assírios e babilônios, na Grécia, Esparta e Atenas.
Tratava de grandes figuras gregas– Sócrates, Platão, Aristóteles -,
educadores romanos – Cícero, Sêneca, Quintiliano -, educadores cristãos, a
educação medieval, o renascimento, a reforma e tendências como o
pragmatismo, o naturalismo e o psicologismo. A disciplina estava capturada
por um periodismo de largo espectro, tradicional no campo da história,
acentuando a educação na antiguidade e representações de educação como
algo épico/heróico/inédito, a partir de grandes vultos de educadores. As
referências bibliográficas eram Larroyo (História geral da pedagogia),
Riboulet (História da educação moderna) e Mayer (História do pensamento
educacional), bem como Eby e Paul Monroe.
Por três anos esse plano permanece inalterado, tendo os
objetivos, em 1986, sofrido uma alteração de redação mantendo a
abordagem de história de longa duração e de situações afastadas do “aqui e
agora” dos alunos, embora tenham sido incluídos conteúdos relacionados à
educação brasileira e reformas de ensino no século XX, bem como
educação na atualidade brasileira, problemas e possíveis soluções. Mesmo
com estas inclusões temáticas a bibliografia permanece inalterada.
Embora tendo havido uma alteração do currículo do Curso de
Pedagogia que passa de habilitação para as matérias pedagógicas do
magistério, a Pedagogia com habilitação magistério 2o. grau e para as séries
iniciais de 1o. grau, a programação da disciplina de História da Educação se
mantém praticamente a mesma ao longo da década de oitenta.
Em 1989, sete anos depois, há uma alteração de bibliografia e de
objetivos da disciplina, os quais denotam preocupações antropológicas e
com mais ampla contextualização. Passa-se a falar em uma disciplina de
História da Educação que se quer crítica das tradições educativas, de seus
significados e pressupostos ao longo da história do homem. Entretanto,
embora os conteúdos programáticos apareçam formulados com menos

267
detalhe, permanece a mesma orientação para história de longa duração e
com as anteriores categorizações tendo sido incluídos entretanto, os temas:
América Latina e educação: Argentina, Cuba, Nicarágua. A bibliografia
difere da que vinha sendo mantida desde o inicio dos anos oitenta, incluindo
um livro de historia geral das civilizações, a obra de Lorenzo Luzuriaga
(História da educação e da pedagogia) e a de Eliane Marta Lopes
(Perspectiva histórica da educação).

Final da década de noventa: modificações teórico-metodológicas


na abordagem da disciplina de História da Educação

Nos primeiros oito semestres da década a relação bibliográfica


(cinco livros) expressa nos anos oitenta mantém-se, acompanhando a
proposta marcadamente voltada para a periodização de longa duração. Ou
seja, mantém-se a mesma programação – objetivos, conteúdos
programáticos e bibliografia - no inicio dos anos noventa e, em 1994 os
objetivos comprometem-se mais com o desenvolvimento de capacidades
dos alunos e possivelmente com destaque aos aspectos pedagógicos:
identificar e analisar criticamente as diversas concepções educacionais
ao longo da historia. Identificar-lhes a presença no momento atual, sob
a forma de pressupostos, práticas, atitudes e preconceitos. Posicionar-
se de forma critica em relação as referidas concepções educacionais
(Programa de História da Educação, 1994/1)

Os conteúdos entretanto mantém a perspectiva de grande duração


(povos primitivos, povos orientais, idade clássica ocidental, Grécia e Roma,
medievo, renascença, reforma e contra-reforma, educação nos setecentos e
no oitocentos, educação contemporânea). Em 1994 a bibliografia se
diversifica e amplia de cinco para vinte obras.
Entretanto, é apenas no final dos anos noventa que a disciplina é
rearticulada numa perspectiva metodológica nova e com outras bases
teóricas pois a ampliação de bibliografia ocorrida a partir de 1994 não
parece ter provocado impacto na formulação dos objetivos da disciplina.
É nos dois semestres de 1998 que vai ocorrer uma grande
alteração na proposta da disciplina, encontrando-se registros diferenciados
em seu plano que inclui específicos temas expressando uma nova postura
epistemológica de abordagem da história da educação. Os objetivos
denotam uma preocupação conceitual com “representações”, é explicitado
um principio epistemológico que destaca a importância de entender as
articulações e pressupostos que inspiram uma dada formatação de
conhecimentos, enfatizando que “tendências e correntes em educação

268
implicam concepções de homem, mundo e sociedade elaboradas em
momentos específicos para objetivos específicos” (Programa da disciplina
História da Educação, 1998/1). É nesse semestre que o plano dessa
disciplina inclui também um elemento pedagógico inédito “filmes sobre
educação”, sugerindo alterações metodológicas no trato dos temas em sala
de aula, relacionando doze filmes disponíveis no comércio e locadoras. A
bibliografia é ampliada consideravelmente passando a 31 títulos, incluindo
livros, capítulos de livros e artigos de periódicos.
No ano de 1999 novas temáticas expressas em objetivos
diferenciados em visão macro e visão micro, esta última incluindo o
conhecimento da metodologia de pesquisa em História, a vivência de pesquisa
através de textos históricos, a leitura de histórias invisíveis (crianças, negros,
mulheres, minorias), a problematização das origens da História da Educação
bem como a análise de filmes, fotografias, e outros recursos.
Registra-se portanto, no final dos anos noventa uma alteração
significativa na proposta de objetivos, ementa, e pela inclusão do tema “A
educação no terceiro milênio – paradigmas e desafios” (Programa da
Disciplina História da Educação, 1999/1). Por três semestres a ementa acena
para processos de compreensão, interpretação e para o emprego da
hermenêutica crítica na disciplina de História da Educação.

Ano 2000: diferenciação na programação das disciplinas;


impactos na disciplina de Historia da Educação

É a partir de 2000/2 e até 2005/1 que a disciplina, atendendo


normas da Universidade, adquire um formato mais amplo incluindo
identificação sumária de conteúdos, exigências prévias de conhecimentos e
habilidades, padrões mínimos de desempenho, metodologia, técnicas e
recursos de ensino e de avaliação da aprendizagem, bibliografia básica e
complementar. A formulação de padrões mínimos de desempenho permite
identificar as capacidades a serem desenvolvidas, destacando elementos
importantes para a formação do professor tais como:
Capacidade de relacionar fatos históricos como elementos de análise
da realidade contemporânea; autonomia na escrita de um texto
observando-se como sujeito histórico; exercitar a hermenêutica que
considere a história como possibilidade (Programa de História da
Educação, 2000/2)

Dessa maneira, embora a disciplina de Historia da Educação não


figure individualizadamente no currículo, preserva-se o tratamento da
perspectiva histórica em cursos de formação de professores, como elemento
269
fundamental para compreender a realidade contemporânea e, conquista-se sua
inclusão em todas as licenciaturas para além do curso de Pedagogia. Muitos
embates foram travados ao longo do processo de reformulação dos currículos
na direção de dar mais espaço aos estudos de História da Educação e, convém
registrar que mantém-se contida mas não calada a aspiração de um
reposicionamento formal mais abrangente do campo da História da Educação
nos cursos de formação de professores da Universidade.

História da Educação Brasileira: ênfase na configuração do


contexto brasileiro e atrelamento a uma obra/manual

A disciplina inicia em 1988, mantendo-se inalterada, por quase


dez anos, até o primeiro semestre de 1997, objetivando o
desenvolvimento de um processo de raciocínio que envolva as
capacidades de identificação, interpretação, análise e critica. O
conhecimento do processo histórico brasileiro de 1549 até a
atualidade com o objetivo de compreender a evolução e as
estruturas da dinâmica da educação brasileira (12127, Historia da
educação, 1988/1. Destaques das autoras)

A proposta da disciplina de Historia da Educação Brasileira pauta-


se, pela lógica temporal, a articulação do conteúdo em grandes períodos e a
história econômica como pano de fundo no qual a educação se insere.
Destaca-se no objetivo a ênfase no amplo processo histórico brasileiro, a idéia
de evolução e de estrutura. Coerentemente com tais destaques o livro adotado
ao longo de todos esses quase dez anos é o de Maria Luiza Santos Ribeiro,
Introdução à história da educação brasileira. O conteúdo programático segue
passo a passo os oito períodos propostos pela autora, os quais referem
modelos econômicos como referência das articulações da sociedade e da
educação (consolidação do modelo econômico agrário exportador, crise desse
modelo, alterações econômicas e do modelo político, incentivo à
industrialização, alterações promovidas pela república, estruturação,
consolidação e crise modelo nacional desenvolvimentista).
Há uma relação de 7 livros, sendo que apenas três deles são
nitidamente produção de história da educação, incluindo Educação e
dependência de Manfredo Berger, O que é educação de Carlos Brandão,
História da Educação de Paul Monroe – 1968 -, Otaiza Romanelli, e dois
livros de Dermeval Saviani, além do de Maria Luiza Santos Ribeiro.
No final dos anos noventa (1996 – 1997) modifica-se a
concepção da disciplina à qual é agregada a possibilidade de relativizar a
história oficial e discussões tais como

270
há várias histórias da educação que se constroem contraditória e
relacionalmente,... são possíveis várias releituras das propostas
educativas e que procedê-las auxilia a construir uma visão ampla e
crítica da educação atual. Fomentar a construção de novas hipóteses
sobre a estruturação da instrução pública.... Sensibilizar para a
importância de documentar a educação que fazemos e para a
preservação de documentos históricos na medida em que trabalhar
com documentos – marca/aparência preservada do passado
enriquece e amplia a compreensão da educação hoje.... Analisar a
posição da disciplina de Historia da Educação em cursos de 2º. grau
magistério.(Programa de História da Educação Brasileira, 1998/1,
grifo das autoras)

Nesse período a bibliografia é grandemente incrementada


listando 57 referências em semestres de 1997 e 1998. No ano de 1999 a
disciplina mantém algumas características configuradas nos últimos anos e
acrescenta preocupações com a análise de realidades educativas da história
brasileira bem como da latino-americana. Outro destaque é a escrita de
memorial individual, estratégia sensibilizadora para a importância do
trabalho com narrativas da vida escolar e de documentar a educação e a
preservação de documentos históricos.
Do ano 2000 em diante a orientação conteudística é reforçada
pelo que fica explicitado nos objetivos:
identificar as principais características do período colonial, nos
aspectos econômico, social, político, educacional; caracterizar a
economia, a sociedade, a política e a educação no período imperial;
destacar aspectos mais significativos do contexto econômico, social,
político e educacional nas diferentes fases da vida republicana
brasileira; relacionar os principais elementos integrantes do processo
histórico-educacional brasileiro com a situação atual da educação
brasileira.(Programa de História da Educação Brasileira, 2000/1).

A estrutura programática alterada pela Universidade a partir do ano


2000, passou a conter uma proposta assemelhada à de quando a disciplina de
História da Educação (final dos anos 80) foi criada, tratando a questão da
educação desde a época colonial até a atualidade, privilegiando a relação entre
educação e sociedade em cada um dos períodos. Os padrões mínimos de
desempenho também expressavam, em forma de capacidades, o periodismo
tradicional, o conteudismo e lógica temporal expressa nos objetivos:
capacidade de relacionar fatos históricos como elementos de análise
da realidade brasileira, capacidade de relacionar aspectos
econômicos, sociais, políticos e educacionais como integrantes da
realidade historico-educacional brasileira; capacidade de exercer
autonomia intelectual na analise critica de temas estudados.
(Programa da Disciplina História da Educação Brasileira, 2000/2).

271
Em 2005/1, como referido em páginas anteriores, há profunda
rearticulação metodológica nas licenciaturas da Unisinos provocando nova
alteração no currículo do Curso de Pedagogia sendo eliminadas as
disciplinas de História da Educação e História da Educação Brasileira. A
forma Programas de Aprendizagem – PA - é adotada no conjunto dos cursos
de formação de professores da instituição e a historia da educação dissolve-
se no PA Culturas, Linguagem e Educação, compondo uma pequena parte
da atividade História social e pensamento educacional, na qual a história da
educação é incluída como perspectiva e são trabalhados textos de autores
clássicos (Comenius, Comte, Herbart, Dewey, Gramsci, Rousseau, Piaget,
os pioneiros, Paulo Freire) como expressão de época e dos debates
educacionais do período.

Elementos conclusivos

Nos quase 50 anos de existência do Curso de Pedagogia da


Unisinos, em seus diferentes momentos e até 2005, a História da Educação
tem sido considerada como conhecimento necessário para a ação
profissional do pedagogo habilitado para lecionar as matérias pedagógicas
do 2o. grau ou para a ação de administração escolar, orientação educacional,
supervisão escolar ou para formar professores para as séries iniciais de
escolarização.
Presentemente e de forma contraditória, quando a formação
ofertada no Curso de Pedagogia se amplia para as habilitações de GESTÃO E
SUPERVISÃO DE PROCESSOS EDUCATIVOS, ou de PEDAGOGIA DO TRABALHO ou
de EDUCAÇÃO ESPECIAL os estudos sistemáticos de história da educação,
como disciplina formal com carga horária definida são suprimidos
dissolvendo-se na proposta de Programas de Aprendizagem. Por outro lado tal
PA é ofertado como disciplina comum a todas as licenciaturas da
Universidade o que nos levaria a supor um ganho para a formação do
professor.
A análise do programa da disciplina de História da Educação nos
anos oitenta, indicou uma abordagem de linha filosófica com destaque a
pedagogos de reconhecimento internacional, origem européia ou norte-
americana. Essa abordagem foi subsumida por outra periodizadora e presa a
temporalidades de longa duração, embora tal característica também
estivesse presente no período anterior.
Quanto a História da Educação Brasileira, a periodização é
também marcante - vinculada ao emprego da obra de Maria Luiza Santos
Ribeiro, cuja primeira edição foi em 1978 -, relacionada diretamente a

272
questões super estruturais, ao surgimento, consolidação e crise de modelos
econômicos nos quais a educação é tratada como subsidiária pois prevalece
a visão de totalidade e de estrutura social macro. Por breve período houve
preocupação com a história da educação latino-americana, a história
invisível das minorias e com a problematização e relativização da história
oficial, com a construção de um memorial individual, bem como com a
forma como, no magistério 2o. grau, a história da educação era apresentada.
A breve permanência dessas abordagens na disciplina de História da
educação demonstra o desconhecimento e afastamento da produção
historiográfica que se fez dos anos oitenta em diante. Se as afirmativas de
Miriam Warde no Prefácio, incluído nas páginas 9 e 10 da oitava edição
(1979) eram válidas para o final dos anos setenta foram elas,
progressivamente, perdendo a força tanto é que em edições posteriores tal
prefácio não mais foi incluído. Na ocasião Miriam Warde afirmava que a
história da educação era um área de conhecimento que gerava poucas
pesquisas acadêmicas, que os trabalhos omitiam as conexões entre o objeto
particular e a configuração educacional mais ampla e com a dinâmica social
inclusiva (WARDE apud RIBEIRO, 1979, p. 9).
Pode-se concluir que a forma de encaminhamento das disciplinas
de História da Educação e de História da Educação Brasileira na Unisinos
não tinha uma intencionalidade de desenvolver uma postura voltada para a
investigação e para a problematização da educação na perspectiva histórica.
De maneira geral o encaminhamento mostrou-se conteudístico, marcado por
uma abordagem da história geral do Brasil, mais do que por temáticas
nitidamente educacionais, relacionados, por exemplo, à história da educação
infantil, história das disciplinas escolares, história das relações entre a
escola púbica e a escola privada no Brasil.
Conclui-se que embora nos cursos de formação de professores da
Unisinos esteja presente o discurso de que a educação é um fato histórico,
tal noção não se fará, do ano de 2005 em diante, por disciplinas específicas.
A perspectiva histórica pode, entretanto, marcar presença na abordagem de
temáticas de várias disciplinas que, mesmo não tendo a designação de
história, abordam temas específicos educativos em perspectiva histórica, tal
como a tematização da educação infantil tratada inicialmente pela
abordagem do contexto histórico educativo identificando suas raízes na
Grécia antiga, passando por Comenius no século XVII. Ou a história da
alfabetização, ou da Administração escolar, esta desenvolvida a partir do
aparecimento e especialização dos sistemas educativos e como teoria sofreu
e sofre o impacto da produção da Teoria Geral da Administração.
Há que ressaltar que o conhecimento de História da Educação na
Unisinos foi tratado até o ano de 2005 como necessário ao pedagogo mas

273
não à formação das demais licenciaturas, pois nunca compôs o currículo da
formação de professor de Matemática, de Física, de Educação Física, de
Ciências Sociais, de Filosofia, estando apenas opcionalmente presente no
currículo da licenciatura em História.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Disciplinas escolares: História e


Pesquisa. IN: OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda, RANZI, Serlei Maria
Fischer (org). História das disciplinas escolares no Brasil: contribuições
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274
Apontamentos sobre a disciplina História da Educação
na Universidade da Região da Campanha – URCAMP
(1959-2001)
Regina Quintanilha Azevedo
Clarisse Ismério
Marilene Vaz Silveira

Resumo

A proposta deste trabalho é fazer um levantamento de dados sobre a disciplina de História da


Educação, entre 1959 e 2001, no Curso de Pedagogia, na Universidade da Região da
Campanha – URCAMP. Estes apontamentos servirão como contribuição para um futuro
mapeamento sobre a disciplina da História da Educação no ensino superior no Brasil.
O texto está dividido em três partes: primeiro o perfil da Universidade da Região da
Campanha, na segunda parte focalizamos a disciplina de História da Educação no Curso de
Pedagogia, nessa Instituição, entre 1959 – 2001 e no terceiro momento o trabalho das
professoras da disciplina de História da Educação, atualmente, na URCAMP.
Foi realizada uma investigação no arquivo morto da Diretoria de Ingressos e Registros (DIR)
da URCAMP, nas pastas dos Registros Acadêmicos, no mesmo setor e no setor de Recursos
Humanos da Instituição - nas pastas de professores, arquivo digital e no arquivo morto e na
Biblioteca.
Com um novo olhar na História da Educação foi realizada uma análise das diversas fontes
entrecruzadas, tendo a preocupação de que esta apreciação sirva de aporte para novos trabalhos.
Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação; formação de professores.

Abstract

The proposal of this work is to make a data collecting on disciplines of History of the
Education, between 1959 and 2001, in the Course of Pedagogy, in URCAMP (Universidade da
Região da Campanha). These notes will serve as contribution for a future mapping on
disciplines of History of the Education in superior education in Brazil.
The text is divided in three parts: first the profile of the URCAMP, in the second part we focus
on disciplines of History of the Education in the Course of Pedagogy, in this Institution,
between 1959 - 2001 and at the third moment, the work of the teachers of disciplines of History
of the Education, currently, in this University.
It was made an inquiry in the archive dead of the Direction of Ingressions and Registers (DIR)
of the URCAMP, in the folders of the Academic Registers, in the same sector and in the sector
of Human Resources of the Institution - in the folders of professors, digital archive and in the
archive dead and the Library.
With a new look in the History of the Education was carried through an analysis of the diverse
intercrossed sources, having the concern of that this appreciation serves of arrives in port for
new works.
Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 275-294, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
No XI Encontro da ASPHE com os focos temáticos História da
Educação na Formação do Educador e A Contribuição dos 10 Anos da
ASPHE, realizado na UNISINOS de 29 a 31 de agosto de 2005, cumprindo
com um dos seus objetivos foi apresentado um painel (Painel 1) intitulado
Ensino da disciplina História da Educação nas Universidades e IES do Rio
Grande do Sul: ontem e hoje, com a participação de Elomar Tambara e
Eduardo Arriada – UFPel; Miguel Orth – UNISALLE; Maria Helena
Câmara Bastos – PUC-RS; Maria Stephanou – UFRGS; Berenice Corsetti e
Flávia Werle – UNISINOS; Claudemir de Quadros – UNIFRA; Jorge Luiz
Cunha – UFSM e Anna Rosa Santiago – UNIJUI.
Na reunião da ASPHE, após exposição desse primeiro painel, no
dia 29/08/2005, foi colocada a importância da adesão de professores de
História da Educação de outras instituições de ensino superior que ainda
não participam da ASPHE e que, também, deveriam ser convidados a
produzir textos sobre sua experiência com o ensino da História da
Educação.
Como professoras da URCAMP nos sentimos compelidas a
participar, colaborando para que se tenha uma visão da realidade sobre as
propostas pedagógicas da disciplina História da Educação e considerando o
convite como um desafio a todas as universidades.
No primeiro momento achamos que a tarefa era fácil, mas logo
vimos dificuldades na procura dos documentos. O tempo era exíguo e exigia
uma dedicação maior para que pudéssemos fazer a investigação do material
que estávamos propondo analisar.
Foi realizada uma verificação no arquivo morto da Diretoria de
Ingressos e Registros (DIR) da URCAMP, neste mesmo setor - nas pastas
dos Registros Acadêmicos e no setor de Recursos Humanos da Instituição -
nas pastas de professores, arquivo digital e arquivo morto e na Biblioteca.
Analisamos os dados considerando como apontamentos sobre a
História da Educação, no Curso de Pedagogia da URCAMP, pensando na
contribuição para um futuro mapeamento sobre a disciplina no ensino
superior no Estado, ou na Região Sul, ou mesmo no Brasil.
Dividimos o texto em três partes: primeiro traçamos o perfil da
URCAMP – Universidade da Região da Campanha; na segunda parte
focalizamos a disciplina de História da Educação no Curso de Pedagogia,
nessa Instituição, entre 1959 – 2001 e no terceiro momento o trabalho das
professoras da disciplina de História da Educação, atualmente, na
URCAMP.

276
Ao começar este estudo procuramos todos os planos de estudos 1
relacionados à disciplina de História da Educação para analisarmos os
conteúdos programáticos e as bibliografias utilizadas. Defrontamo-nos com
a falta de seqüência do material, por isso nos interessamos por documentos
que explicassem como era estruturada a disciplina e que mostrassem como a
disciplina de História da Educação foi organizada ao longo das cinco
décadas que passamos a investigar. Essa verificação foi realizada não só nos
planos de estudos, mas nos Relatórios e Atas de Avaliação da Instituição.
As pistas, as marcas, os documentos, são fragmentos que não
possuem uma verdade inerente, pronta a ser desvelada pelo
pesquisador. A partir da operação particular de transformar vestígios
em dados de pesquisa, o historiador/pesquisador produz um
discurso, uma narrativa que constitui sua leitura do passado
(Stephanou e Bastos, 2005, p. 417-418).

Passamos a fazer nossa leitura investigando os documentos


relacionados ao curso de Pedagogia. Perseguimos as pistas e localizamos
novos dados nos documentos, encaixando as peças e inserindo no contexto
das políticas educacionais das décadas de cinqüenta, sessenta, setenta,
oitenta e noventa.
Consideramos relevante saber sobre a formação dos professores,
a habilitação para que pudessem trabalhar na disciplina História da
Educação, assim como a bibliografia utilizada por esses docentes. Desta
forma, foi realizada uma análise das diversas fontes, sem ter a pretensão de
esgotar sobre o assunto, mas tendo a preocupação de que essa apreciação
sirva de aporte para novos trabalhos.
Com os dados retirados das Atas e dos Relatórios para Avaliação
do Ministério de Educação e Cultura, entrecruzados com os planos de
estudos é que passamos a refletir sobre essa disciplina no Curso de
Pedagogia.
Foi importante cruzarmos os diversos documentos investigados,
entendendo que o cruzamento e confronto das fontes poderá também ajudar
no controle da subjetividade do pesquisador (Lopes e Galvão, 2001, p. 93 –
94).
Dentro de uma visão geral descrevemos o perfil da Universidade
da Região da Campanha apontando seu papel social e indicando seu
objetivo, que nasce no município de Bagé e atualmente se estende por sete
municípios: Dom Pedrito, Sant’Ana do Livramento, Alegrete, Caçapava do
Sul, São Gabriel, São Borja e Itaqui.

1
Quando falamos em plano de estudo nos referimos ao plano da disciplina elaborado pelo/a
professor/a. Em 1990 era chamado Plano de Ação, em 1991 é denominado Plano de Curso e
em 2000 Plano de Estudo.

277
Perfil da Universidade da Região da Campanha

A primeira manifestação do Ensino Superior no município de


Bagé acontece com a Faculdade de Ciências Econômicas, em 1953, com
sua Entidade Mantenedora – Associação de Cultura Técnica e Econômica,
sendo reconhecida em 1955, dissociada dos cursos de Filosofia e Pedagogia
que também são criados, ainda na década de cinqüenta, com vínculo direto
na Universidade Católica de Pelotas2 (Processo 30.687/57 – Decreto
62.697/68). Mais tarde foram autorizados, pelo Governo Federal, o
funcionamento de outros cursos, sendo registrada em 1969 a criação da
Fundação Universidade de Bagé3 (Ata nº 9, 12/12/1965) que, depois se
transforma em Fundação Attila Taborda (FAT4) com uma única
administração, sendo mantenedora das Faculdades Unidas de Bagé
(FUnBa). Com a reunião de todas as Faculdades que se criaram no final da
década de cinqüenta e sessenta, na cidade de Bagé, passa a se caracterizar
como instituição educacional autônoma. Novos cursos são criados nas
décadas de setenta e oitenta culminando em 1989 (Portaria 052 – 16/02/89,
Parecer CFE 183/89, conforme Processo nº. 23001.000771/86-45) com o
reconhecimento de Universidade – URCAMP (Universidade da Região da
Campanha), continuando com sua Mantenedora a FAT.

2
“Aos que esse nosso decreto virem saudação, as bênçãos de Nosso Senhor.
Fazemos saber que atendendo as grandes necessidades de formação intelectual e moral da
juventude da cidade de Bagé, com uma população escolar já muito elevada, contando com 9
estabelecimentos de ensino secundário e uma Escola Superior;
Considerando a necessidade de formar seu próprio professorado secundário para atender mais
facilmente aos mencionados estabelecimentos;
Considerando que sem um estabelecimento próprio para o fim citado Bagé vê-se obrigada a
enviar seus filhos a Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria havemos por bem fundar nesta data a
Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé, mantida pela Mitra Diocesana de
Pelotas, com a colaboração das beneméritas Irmãs Franciscanas e de elementos de projeção da
sociedade bageense com o decidido apoio das excelentíssimas autoridades locais.
Dado o passado na cidade de Bagé, aos 27 de maio de 1957.
Antonio Zattera, Bispo de Pelotas” (Decreto do Gabinete Episcopal, copiado na íntegra. Livro
da Fundação Attila Taborda, encontra-se na Biblioteca da URCAMP).
3
Conforme Parecer nº. 1.028/73 – CESu (1º Grupo), aprovado em 3 – julho – 1973 (Proc. nº.
1.146/72 CFE)
4
A denominação da entidade Mantenedora teve que ser alterada por ser considerada indevida a
expressão “universidade”, sendo aprovada como Fundação Attila Taborda. No mesmo
Relatório consta um documento da Universidade Católica de Pelotas desligando as Faculdades
de Filosofia e Letras e de Direito (Parecer nº 1.028/73 – CESu (1º Grupo), aprovado em 3 –
julho – 1973 (Proc. Nº 1.146/72 – CFE)).

278
O período5 em que o Ensino Superior passa a ser discutido na
cidade de Bagé, foi marcado por grandes mudanças políticas no panorama
nacional. Primeiro com a eleição do presidente Getúlio Vargas (1950-1954)
na bandeira do nacionalismo e o trabalhismo getuliano com a preocupação
na educação para as classes populares, mais voltadas ao ensino primário do
que o superior. O suicídio de Vargas em agosto de 1954 não pôs fim ao
getulismo. Pelo contrário, deu novo alento à coligação PSD-PTB que, com
a chapa Juscelino Kubitschek (PSD) e João Goulart (Jango) (PTB),
conquistou o governo em 1955 em eleições diretas, com a bandeira da
“educação para o desenvolvimento” priorizando o ensino técnico-
profissionalizante, para o Ensino Médio e acreditando que o ensino primário
também deveria ter uma educação voltada para o trabalho. Com a
preocupação que a escola atendesse o mercado de trabalho passa a
beneficiar, entre 1957 e 1959, o ensino industrial com recursos financeiros,
deixando a universidade para aqueles que tivessem “vocação intelectual”
(Guiraldelli Jr., 2003, p.112-113).
A década de cinqüenta caracterizou-se pelas discussões sobre a
reforma de ensino, com a apresentação do anteprojeto, em 1958,
culminando em 1961 com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. No período de 13 anos, do primeiro anteprojeto à promulgação da
Lei, ocorrem alterações no foco das discussões e das divergências,
orientando-se primeiro em torno das concepções acerca da organização do
sistema educacional, traduzido no conflito centralização-descentralização
e, num segundo momento passa a preponderar o conflito público-privado,
tema de embate entre católicos e liberais (Vieira e Freitas, 2003, p.114-
115).
A Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé foi
criada como extensão da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), com o
apoio do Bispo Dom Antônio Záttera, que também era o Reitor dessa
Universidade. Passando a funcionar, provisòriamente, no edifício do
Colégio Espírito Santo [colégio tradicional da ordem Franciscana que tem
uma tradição como escola de formação de professores] situado à rua
General Osório nº 1254, na cidade de Bagé, Estado do Rio Grande do Sul
(Registro de Avaliação pelo Inspetor Dr. Osvaldo da Costa Moraes,
conforme Portaria 105 de 9 de setembro de 1946 - Livro de Documentos de
Instituições – Livro encontra-se na Biblioteca da URCAMP).
Segundo Souza (1997) na década de 30 surge a Universidade de
São Paulo reunindo os cursos superiores existentes no estado com a

5
Podemos conferir nos trabalhos de Romanelli, 2002; Ghiraldelli Jr., 2003; Vieira e Freitas,
2003; Hilsdorf, 2005 o registro histórico sobre as mudanças políticas e educacionais.

279
tentativa de verdadeira integração universitária. Destaca o papel da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras com a finalidade de servir como
um tronco comum de estudos básicos, contendo as matemáticas, as letras, a
física, a química, a biologia, a geografia, a história, as ciências sociais e
políticas, além da própria filosofia, a partir do qual se prolongariam os
diversos galhos dos cursos profissionalizantes (p.24).
No discurso de Almeida Prado, citado por Souza (1997), como
primeiro diretor da USP, ressalta:
(...) Somente a Faculdade de Filosofia poderá ministrar esse ensino
medularmente científico, o ensino, como escreveu judiciosamente
um grande entendedor do assunto, o professor Souza Campos, ’Da
matemática feito pelo matemático, da física pelo físico, da zoologia
pelo zoólogo, da botânica pelo botânico que sejam realmente
integrados no campo da sua ciência, não por uma adaptação
provisória ou circunstancial, mas porque se fizeram, nos seus ramos
de atividade, por vocação natural, e formação universitária acurada’.
No exercício dessa missão estaria a faculdade de Filosofia
inteiramente dentro de sua competência. Não representaria uma
usurpação de direitos, mas sim a evocação exata de funções, na
discriminação específica da finalidade de cada componente do
organismo universitário (p.25).

Alicerçadas na idéia de integração dos conhecimentos


organizaram-se diversas universidades federais, estaduais e particulares nas
décadas de 50 a 70. Período esse que a URCAMP começa sua caminhada,
agregando os cursos superiores e os novos cursos que foram criados na
cidade.
Conforme Ata nº. 36 do Conselho Universitário – Universidade
Católica de Pelotas – UCPel, em 07 de agosto de 1970, o Presidente da
Fundação da Universidade de Bagé, Dr. Attila Taborda6
encaminhou ao Reitor Magnífico e a êste Conselho um Memorial
com exposição de motivos, acompanhada de diversos requerimentos,
que foram objeto de criteriosa apreciação. Os requerimentos são os
seguintes:
- Anexação de novas Faculdades – O Presidente da Fundação da
Universidade de Bagé solicita que sejam agregadas a esta
Universidade a FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS e a
FACULDADE DE BELAS ARTES, ambas de Bagé. A primeira
funciona desde 1954, com o curso único de Ciências Econômicas, já
devidamente reconhecido. A Faculdade de Belas Artes é a fusão do

6
Dr. Attila Taborda: 1960 – Diretor da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras;
1969 – institui por escritura a Fundação Universidade de Bagé; 1970 – Presidente da Fundação
Universidade de Bagé; 1972 – Empossado Pró-Reitor das Faculdades Unidas de Bagé agregada
à Universidade Católica de Pelotas; 1975 - falecimento.

280
Curso de Artes Plásticas, que funciona desde 1960 no Instituto do
mesmo nome, com os Cursos de Música e Canto, que funcionam
desde 1964, também todos definitivamente reconhecidos por
Decreto Presidencial. As duas Faculdades já estão sendo mantidas
pela Fundação Universidade de Bagé, e agora solicita-se que sejam
agregadas a esta Universidade Católica, nos termos do art.5º, Nº. 2
do Estatuto, que prevê a possibilidade de agregação de
estabelecimentos de Ensino Superior mantidos por outras Entidades.
O objetivo visado por êsse pedido de agregação é a adequação
jurídica da Fundação Universidade de Bagé às exigências do
Ministério de Educação e Cultura, em preparação a criação da futura
Universidade de Bagé. Os membros dêste Conselho, unanimente,
declararam-se favoráveis a agregação das mencionadas Unidades,
com a cláusula de que seus regulamentos se adaptem integralmente
ao estatuto desta Universidade. Uma vez satisfeitas estas exigências,
as duas Faculdades mencionadas, de CIÊNCIAS ECONÔMICAS e
de BELAS ARTES de Bagé, passarão a ser agregadas a esta
Universidade Católica de Pelotas (xerox do Livro de Documentos de
Instituições – Livro encontra-se na Biblioteca da URCAMP).

Nessa mesma Ata consta o pedido para criação dos cursos de


Engenharia Operacional Rural, Biblioteconomia, Ciências Biológicas e de
Ciências Contábeis e Ciências Administrativas, agregados a UCPel. O que
foi considerado pelos membros do Conselho Universitário como iniciativa
elogiável. Mas quando foi encaminhado o pedido para que a Faculdade de
Educação passasse a ser autônoma e com o nome de Faculdade de Educação
não foi aceito, porque consideravam contrárias às determinações legais que
priorizavam que os cursos fossem agregados e se estabelecessem em
departamentos.
Com a Lei nº 5.540/68 e uma série de Decretos o ensino superior
passa por profundas modificações que perduram até os dias atuais, tendo
como finalidade aumentar a eficiência e a sua produtividade. Uma dessas
mudanças é a reunião num mesmo departamento as disciplinas afins, com a
finalidade de se evitar a duplicação de trabalhos e para aumentar a taxa de
utilização de recursos, espaços e instalações. Outra mudança foi à extinção
da cátedra vitalícia, em que anteriormente cada disciplina tinha um
professor concursado, autoridade máxima naquele domínio de estudos, que
dirigia os trabalhos até sua morte ou aposentadoria, sem que houvesse
qualquer possibilidade de se compartilhar esse poder quase absoluto
(Catani e Oliveira, 2000, p.97-98).
A URCAMP formou-se no contexto da realidade política
educacional brasileira, na década de 50, cumprindo as exigências impostas e
estruturadas pela legislação, dentro de uma linha fundamentada na Ação

281
Católica7, que tinha como objetivo fazer o leigo cristão marcar sua presença
de forma ativa nos grupos e instituições, levando a diante os ensinamentos e
dogmas católicos para edificar o movimento da neocristandade. Os Cursos
de Filosofia e Pedagogia demonstram fortemente esse perfil, pois através de
suas disciplinas de Apologética e Dogma8, observamos a filosofia da
neocristandade. Cabe ainda destacar que o diretor da instituição Sr. Attila
Taborda recebeu da Santa Sé, representada na figura do Papa Pio XII9, em
1957 a comenda de “Cavaleiro da Ordem Eqüestre de São Silvestre Papa”,
distinção honorífica concedida pelos serviços prestados à causa da Igreja
Católica.

7
A Ação Católica foi criada em 1920 pelo Papa Pio XI (Ambrósio Damião Ratti) e espalhou-se
por todo o mundo para levar Cristo Rei a todos os povos através da eleição de um laicato
difusor de seus princípios. No Brasil foi criada em 9 de junho de 1935 a Ação Católica
Brasileira (ACB), para promover com maior eficácia o movimento laico católico e fortalecer o
movimento nacionalista católico. Quando Pio XII assume, em 1939, mantém a mesma postura
filosófica de seu antecessor. No Rio Grande do Sul D. João Becker foi o grande incentivador
da Ação Católica.(ISMÉRIO, 2002, p. 161-168).
8
Cadeira Apologética – Conteúdos: A Existência de Deus: conceito nominal, problema e
sentença; A existência de Deus deve ser demonstrada – Tradicionalismo – inducionismo; Tese
Tomista da Demonstração – Demonstração Aposteriore – Demonstração Apriori –
Assimultânea – Valor do Princípio de Causalidade – Demonstração da Existência de Deus pela
Mutação – Demonstração da Existência de Deus pela dependência do Ser e pela
corruptibilidade – Contringência – O materialismo Moderno é o Materialismo Científico e
Filosófico - Milagre – Rousseau – Milagre e Objeções – Pentateuco: Historicidade, etc. –
Evangelhos: Historicidade, Integridade a veracidade, autenticidade – Os Judeus esperavam um
Messias – Jesus tinha a consciência de ser um Messias – Jesus afirmou ser um Messias desde o
início de sua vida pública – Jesus Messias segundo o evangelho de São João “Jesus se diz filho
de Deus” – Sinópticos – Jesus Filho de Deus segundo São João – Milagres de Jesus –
adversários – Verdade histórica dos milagres de Jesus – Verdade (histórica) filosófica,
teológica e relativa dos milagres de Jesus – Morte de Jesus e s/ Ressurreição
Cadeira Dogma – Conteúdos: O Reino de “DEUS”, anunciado por “CRISTO”...; O Mundo
Cristão e o Mundo Pagão, sua história, seus dogmas; Comunismo, sua ideologia e sua força; A
necessidade do conteúdo, vivência e comunicação; Resumo do conteúdo doutrinário da
Religião Católica; O conteúdo do Cristianismo: Fé, Esperança e Caridade; A situação atual e o
Comunista. (Relatório das 2ª provas parciais, 1961).
9
Pio XII (Eugênio Giuseppe Maria Giovanni Pacelli) que assumiu o nome de Pio XII assumiu
o papado em 2 de março de 1939. O novo Papa era de origem romana e foi o Secretário de
Estado preferido de Pio XI. Era considerado um homem de grande envergadura e zelo pastoral,
por conviver com II Guerra Mundial e a perseguição dos regimes totalitários a Igreja Católica.
Defendeu e a redemocratização do mundo através da vontade e determinação dos cristãos, suas
idéias influenciaram o movimento católico brasileiro e incentivou a formação de partidos
católicos. (ISMÉRIO, 1999, p. 251-305).

282
A disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia

O Curso de Pedagogia inicialmente oferecia a habilitação para


docência nas Matérias Pedagógicas, posteriormente, foram incluídas as
habilitações de Orientação Educacional, Supervisão e Administração
Escolar e, por fim, Pré-escola à 4ª série do 1º grau (Projeto Pedagógico,
2002, p. 6).
Conforme o Inspetor Dr. Osvaldo, no Relatório de 1960, o corpo
docente da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé
consta[va] de 12 professores diplomados todos eles pelo ensino superior e
especializados em suas respectivas disciplinas. Estes professores
especializados estão relacionados no corpo docente dos Cursos de Filosofia
e Pedagogia como professores catedráticos. Importante observar que já
atuavam no ensino fundamental ou médio e, principalmente, em curso de
formação de professores/as.
Disponibilizamos o documento 1 com a relação das disciplinas,
categoria e docentes das duas primeiras séries do Curso de Pedagogia,
conforme o Relatório de 1960.
Verificamos que a disciplina História da Educação estava
incluída no currículo do Curso de Pedagogia na segunda série, com 45 h/a
contando com três créditos, tendo duas professoras para disciplina, a
catedrática Profª Clotilde Ma. L. Q. Magalhães e a Profª Eva da Nova,
contratada.

283
Documento 1
Relação do Corpo Docente Ativo – Curso de Pedagogia

Fonte: Registro de Avaliação do Inspetor Dr. Osvaldo da Costa Moraes, conforme Portaria 105
de 9 de Setembro de 1946 - Livro de Documentos de Instituições –Biblioteca da URCAMP.

Os conteúdos estabelecidos na segunda série eram desenvolvidos


numa seqüência cronológica, do homem primitivo, a representação da
civilização oriental e da ocidental, na Antigüidade, conforme é registrado
abaixo.
Curso: Pedagogia:
Série: segunda
História da Educação
Orientação para o trabalho na cadeira. História da Educação:
conceito e objetivo. A educação primitiva. A educação chinesa.
Crítica da educação chinesa. A educação hindu: civilização,
educação e filosofia. Crítica da filosofia e da educação hindu. Mérito
da educação hindu. Egito: civilização e educação. Crítica sobre a
educação. Apreciação sobre a educação dos hebreus. Determinação
de trabalhos aos grupos (grifo nosso). Períodos da educação grega.
Educação em Esparta. Educação ateniense; Educação grega: novo
período. Sofistas. Sócrates. Idem. Platão. Apresentação de trabalhos
pelas alunas – cultura – divisão de classes e educação egípcia.
Apresentação de trabalhos pelos alunos (grifo nosso)- Educação
chinesa (Registro de Avaliação do Inspetor Dr. Osvaldo da Costa
Moraes, conforme Portaria 105 de 9 de Setembro de 1946 - Livro de
Documentos de Instituições –Biblioteca da URCAMP).

284
Junto à indicação dos conteúdos está inserida a metodologia
adotada – determinação de trabalhos aos grupos e apresentação de
trabalhos pelos alunos - demonstrando que as aulas não seriam só
expositivos, mas com a participação dos/as alunos/as.
Na década de 70 o “Fluxograma do conteúdo programático” da
História da Educação não foge da mesma ordem que os conteúdos estão
relacionados acima. Na I Unidade: Introdução ao estudo da História da
Educação – História da Educação: conceito e importância; História da
Educação: fatores – fases – fontes; II Unidade: A educação primitiva –
cultura e sociedade dos povos primitivos; A educação nos povos primitivos;
Apreciação da educação primitiva; III Unidade: A educação oriental –
Educação hindu: a cultura hindu. O bramanismo. A educação. Apreciação
da educação hindu. Educação chinesa: cultura e organização social da
China. Organização escolar. Apreciação da educação chinesa. Educação
egípcia: estrutura social do Egito. A cultura egípcia. A educação.
Apreciação da educação egípcia. A educação hebraica. Educação persa.
Meios e fins da educação. Apreciação da educação persa; IV Unidade: A
educação clássica – educação grega: o humanismo pedagógico. Educação
espartana. Educação ateniense. Educadores gregos. Apreciação da educação
grega. A educação romana: influência grega. Períodos da educação romana.
Educadores romanos. Apreciação da educação romana; V Unidade: O
cristianismo pedagógico – educação apostólica: conceito. O cristianismo e a
educação. Apreciação da educação apostólica. Educação patrística: a cultura
medieval. Evolução da educação. Escolas patrísticas: educadores.
Apreciação da educação patrística. Educação monástica: conceito. Escolas
monásticas.Educadores. Juízo sobre a educação monástica. Educação
escolástica: importância. As universidades. Objetivos da educação
escolástica. Educadores. Otimismo. Apreciação da educação escolástica; VI
Unidade: A educação medieval – Educação feudal: conceito. As cruzadas.
A cavalaria. Finalidades da Educação Apreciação da educação feudal.
Educação muçulmana: conceito. Islamismo. Escolas árabes. Apreciação da
educação muçulmana. Educação Renascentista: naturalismo pedagógico.
Causas do Renascimento. Conseqüências do Renascimento. O renascimento
e a educação. Idéias pedagógicas de Vitorino de Feltre. Desidério Erasmo:
vida e obra.Educação Reformista: conceito. Causas do movimento.
Conseqüências. Educação Contra-Reformista: características gerais. A
Companhia de Jesus. Conseqüências educacionais. Educação Jansenistas:
caracterização. Educadores. Educação Realista: Realismo Literário.
Realismo social. Realismo científico. Causas e conseqüências educacionais.
Francisco Bacon. João Comênio e Descartes. Educação Disciplinar:
características gerais. Conseqüências educacionais. Educadores. Educação

285
Pietista: características gerais. Causas e conseqüências. Educadores.
Educação Racionalista: visão propedêutica. Educadores. Educação
Naturalista: conceito de naturalismo. O naturalismo e a educação.
Conseqüências educacionais. Vida e obra de Rousseau. Educação
Filantropista: características gerais. Causas, conseqüências e educadores.
Educação Revolucionária: a Revolução Francesa. Causas. Conseqüências
educacionais. O espírito da Educação Revolucionária. Educadores.
Educação Psicológica. Causas. Conseqüências educacionais. Educadores.
Educação Científica: caracterização. Augusto Comte: vida e obra. Herbert
Spencer: idéias pedagógicas. Causas. Conseqüências.
Nesse período as duas professoras10 que ministraram as aulas de
História da Educação estruturaram o plano de estudo, na linha
esquematizada acima, demonstrado no fluxograma.
Para a professora Gladys Brasil o objetivo geral da disciplina era:
Integrar o universitário no desenvolvimento histórico das idéias e
das instituições pedagógicas, com o objetivo de contribuir para o
equacionamento dos problemas inerentes ao Sistema Educativo,
sendo que o objetivo específico era de informar o universitário,
visando: assimilação de conhecimentos filosóficos e pedagógicos.
Identificar as causas e conseqüências das diversas correntes
filosóficas e pedagógicas que influíram na História da Educação,
estimulando o interesse para a realidade educacional e, desenvolver
hábitos de leitura, de pesquisa e de trabalho (Plano de Estudo de
1977, material da Diretoria de Ingressos e Registros – DIR-
URCAMP).

A professora Teresa Not descreve nas informações gerais do


plano que a História da Educação visa analisar, comparar e criticar os
diversos sistemas da educação através dos tempos, o que se constitui
excelente meio para conhecer e aprimorar o processo educacional da
atualidade. Para a professora Gladys Brasil a História da Educação,
contribui, de maneira expressiva para o possível equacionamento da
problemática de Ensino (Plano de Estudo de 1977, DIR – URCAMP).
Nos Planos de Estudos de 1991, de responsabilidade da
professora Teresa Vernet Not, estão registrados como objetivos da
disciplina História da Educação I, II, III e IV:
Analisar criticamente o desenvolvimento histórico das idéias e das
instituições pedagógicas, evidenciando a conexão existente entre a
teoria educacional e a prática pedagógica nas diferentes épocas.
Sugerir relações com a atividade educacional dos nossos dias a fim

10
Professora Gladys Martins Brasil – formação em Pedagogia e Teresa Vernet Not – formação
em Filosofia.

286
de que a História da Educação oriente a busca criativa de soluções
para os problemas que hoje desafiam o homem e a sociedade como
um todo (História da Educação I).
Pela visão crítica obter uma visão sócio-política da educação no seu
acontecer histórico que leve à compreensão da realidade
educacional, em especial a do Brasil, e que oriente a busca criativa
de soluções para os problemas com que hoje se defronta o homem
em seu contexto global (História da Educação II).
Obter visão de conjunto da história da educação e da pedagogia,
através da exposição clara e precisa do desenvolvimento histórico
das idéias e das instituições pedagógicas, atendendo-se
principalmente àquelas que sobreviveram às mudanças dos tempos e
podem contribuir para resolver os problemas dos nossos dias
(História da Educação III).
Pela análise e reflexão críticas obter uma visão sócio-política da
educação no seu acontecer histórico que leve à compreensão da
realidade educacional, em especial a do Brasil, e que oriente a busca
criativa de soluções para os problemas do nosso tempo (História da
Educação IV).

Sendo apresentado como objetivo do Curso de Pedagogia


Formar profissionais de educação capazes de, crítica e
criativamente, repensar a prática pedagógica em favor de melhores
condições de vida para o educando e para a sociedade.

Nas bibliografias dos planos de estudos são citados os autores


Guilherme Dilthey, Roger Gall, Lourenzo Luziriaga, Paul Monroe, Maria
da Glória de Rosa, L. Riboulet e René Hubert que se encontravam listados
nos planos das duas professoras e seguirão indicados nos planos de 80 e 90.
Mas, é importante dizer que a bibliografia citada pelas professoras não se
esgotava apenas nessas obras, também eram indicados outros autores como:
Afrânio Peixoto, Henri Marrou, Teodoro Miranda dos Santos, Frederich
Eby, J.C.Figueiredo, Ruy de Aires Bello, Bento de Andrade Filho, Vanilda
Pereira Paiva, Dante Morando, Nicholas Hans, Florestan Fernandes, Hohan
D. Pulliam, Peeters & Cooman, Michele Frederico Sciacca, A. D. Salvador,
José Antonio Tobias, Paul Nasch, Alberto Pimentel, Bento de Andrade
Filho, Jacques Maritain, August Messer, E. Gilson, Marie Angeles Galino,
Leonel Franca, Hermann Baumhauer, Edward McNall Burns, Oliveira
Lima, Klimke e Colomer, João Ameal, Alberto Pimentel, Gilberto Cotrin e
Mário Parisi e, no início da década de 90 passa a ser incluído o conteúdo a
visão geral da evolução histórica da educação brasileira, sendo citadas as
obras de Paulo Freire, Nelson Piletti e Claudino Piletti.
A disciplina História da Educação, nos períodos que
mencionamos, tem a preocupação com a utilidade dos conhecimentos,
tendo em vista as práticas pedagógicas (Lopes e Galvão, 2001, p.26). Pelas

287
obras utilizadas percebe-se cunho pedagógico, como também filosófico e
social de estruturação e organização da disciplina. Conforme Lopes e
Galvão (2001) a Filosofia vai acompanhar a História da Educação em sua
trajetória, e, por muito tempo, não havia quase distinção entre as duas
disciplinas, sendo que em alguns cursos eram chamadas de Fundamentos da
Educação.
O currículo do Curso de Pedagogia, na URCAMP, vem sofrendo
mudanças ao longo da metade da década de 90 adaptando-se as novas
determinações legais e adequando as exigências da LDB 9.394/96. Dentro
dessas alterações do currículo temos como Fundamentos da Educação as
disciplinas de Filosofia, História, Sociologia, Antropologia e Psicologia da
Educação.
A partir do final da década de 90 a disciplina passa a ser
ministrada pela professora Regina Lúcia de Ornellas Goulart com 165 h/a
em três semestres. No primeiro semestre com 45 h/a e nos dois seguintes 60
h/a, em cada um.
A organização dos conteúdos apresentava-se dentro da ordem
cronológica da História Geral, com a Educação Primitiva à Educação na
Idade Média - no primeiro semestre, da Idade Moderna à Contemporânea -
no segundo semestre, no contexto da História Geral, já no terceiro semestre
os conteúdos se referem ao desenvolvimento dos modelos educacionais no
plano político e social do Brasil - a Educação no Brasil Colônia à Educação
na Nova República.
Conforme Ghiraldelli (2003), colocando a posição de Saviani no
trabalho - “A função do ensino de filosofia da educação e de história da
educação” – na década de 70, diz que na disciplina História da Educação era
dado uma ênfase muito forte na palavra história, levando ao entendimento
da história da educação como uma mescla entre os acontecimentos gerais e
o desfilar das doutrinas pedagógicas, sem muita discussão se isso era ou
não história da educação e que os programas ora eram construídos a partir
de uma visão determinada, ora seguiam um ecletismo em que passava-se
em revista as instituições educacionais e/ou doutrinas pedagógicas da
Grécia Antiga até a época contemporânea (p. 242).
A partir de 2001, a estrutura curricular do Curso de Pedagogia
estabeleceu uma proposta interdisciplinar, promovida através de eixos
temáticos, articuladores das diversas disciplinas que compõem cada
semestre (Projeto Pedagógico, 2002, p. 12).
A disciplina História da Educação I que está relacionada no
primeiro semestre tem como eixo temático - Ética Profissional e a
Valorização do Trabalho Docente - e na História da Educação II, no

288
segundo semestre, o eixo temático é - A historicidade do professor e sua
trajetória.
Nessa estrutura curricular o trabalho desenvolvido na disciplina
deixa de priorizar a organização de conteúdos e incluem determinadas
categorias consideradas relevantes para o entendimento da história da
educação.
As alterações e as metodologias utilizadas foram se estruturando,
em cada semestre, conforme organização das atividades elaborada pelo
grupo de professores/as. Com o amadurecimento dos trabalhos
desenvolvidos surge a atual proposta de trabalho na disciplina e História da
Educação.

A Proposta da disciplina História da Educação e o trabalho atual


das Professoras

A proposta metodológica desenvolvida atualmente na disciplina


de História da Educação está voltada para formação do
professor/pesquisador, pois temos como objetivo a inserção do aluno na
pesquisa científica. Conforme Castanho (2005)
o ponto-de-vista aqui defendido é o da essencialidade da pesquisa
para o ensino de qualidade. (...) O silogismo pode ser montado na
forma que se segue: 'Todo aprendizado exige pesquisa. Ora o ensino
exige o aprendizado. Logo, o ensino exige a pesquisa. (p. 80).

A pesquisa permite que o professor/pesquisador busque novas


informações e as sistematize através do método, tornando prático o
conhecimento científico e, por isso, contribui de maneira ampla e
significativa para a prática da docência. As pesquisas são estruturadas na
linha teórico-metodológica da História Cultural, envolvendo temas ligados a
educação como gênero, mentalidades, imaginário social, identidade cultural
e memória.
Nessa perspectiva desenvolvemos um projeto de Educação
Patrimonial11, em nosso Núcleo de Pesquisa em História da Educação,
11
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no
Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e
coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da
cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação
Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento,
apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando para melhor usufruto destes
bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de
criação cultural (HORTA, GRUMBERT & MONTEIRO 1999, p. 6).

289
procurando ampliar os dados sobre a história, cultura e educação da região.
Atualmente conta com o trabalho de quatro alunas bolsistas de iniciação
cientifica que estão empenhadas no levantamento de dados, na montagem
de um banco de dados e na composição de seus “diários de pesquisa”, nos
quais relatam o dia-a-dia do pesquisador. As experiências e as primeiras
análises do material serão divulgadas através de oficinas e palestras feitas
pelas alunas nas escolas, na universidade e para a comunidade.

Fluxograma da Disciplina de História da Educação


1960 - 2005
Titulação: Filosofia Titulação: Ciências Sociais e História

Titulação: Teologia Titulação: Doutorado em História


HISTÓRIA
Titulação: Pedagogia Titulação: Mestrado em Educação
DA EDUCAÇÃO

Objetivos (1960-1999) Objetivos (2000 - 2005)

• Formar profissionais de educação críticos; • Identificar as mudanças na estrutura


• Repensar a prática pedagógica; educacional em diferentes períodos da
• Integrar o universitário no História;
desenvolvimento histórico das idéias e das • Analisar as práticas escolares nos diferentes
instituições pedagógicas; espaços e tempo;
• Assimilar conhecimentos filosóficos e • Refletir a influência dos aspectos políticos,
pedagógicos; econômicos, culturais e sociais na educação;
• Identificar as causas e conseqüências das • Favorecer a prática de pesquisa, a produção
diversas correntes filosóficas e acadêmica, as vivências pedagógicas
pedagógicas. concretas e prática profissional;
• Propor uma reflexão sobre as questões
gênero, identidade cultural e imaginário
social;
• Promover a “alfabetização cultural” através
de pesquisa na área de Educação Patrimonial.
Fonte: Dados construídos pelas autoras a partir dos dados coletados nos Planos de Estudos e
Atas da Universidade, 2006.

Observando os dados do fluxograma podemos destacar que a


disciplina História da Educação dos anos de 1960 –1999 tinha como
objetivo a formação profissional voltada para a docência pedagógica,
através de um perfil filosófico.
Nos anos de 2000 – 2005 constatamos uma mudança bastante
significativa, pois a disciplina passou a formar professores e pesquisadores.
Primeiramente o pensamento pedagógico passou a ser interpretado segundo
o contexto histórico, econômico, social e cultural de cada época. Num
segundo momento a pesquisa passou a ser estimulada como uma ferramenta
de sistematização do conhecimento científico.

290
Corpo Docente
Profª Clotilde Maria L.Q. Magalhães Profª Esp. Regina Lúcia De Ornellas Goulart
Profª Eva da Nova Profª MsC. Berenice Guedes De Bem
Pe. Firmino H. Dalcin Profª MsC. Regina Quintanilha Azevedo
Prof José Tinoco Barreto Drª Clarisse Ismério Oliveira
Major Augusto Pinheiro Grande
Profª Gladys Martins Brasil
Profª Tereza Vernet Not
Fonte: Dados construídos pelas autoras a partir dos dados coletados nos Planos de Estudos e
Atas da Universidade, 2006.

O corpo docente acompanhou as necessidades e o crescimento da


instituição, primeiramente eram professores de primeiro e segundo grau,
catedráticos e possuíam o conhecimento característico que a disciplina
requeria. Com a exigência de capacitação, imposta pelo mercado cada vez
mais competitivo, ocorreu à inevitável atualização e especialização dos
docentes. Atualmente a disciplina conta com professores/pesquisadores.

Referências

ATTILA TABORDA E SEU TEMPO. Bagé: URCAMP, 1997.


CASTANHO, Sérgio.Ensino como Pesquisa na Graduação. In:VEIGA,
Ilma Passos Alencastro e NAVES, Marisa Lomônaco de Paula (Orgs.).
Currículo e Avaliação na Educação Superior. Araraquara, SP: JM Editora
Ltda., 2005.
CATANI, Afrânio Mendes e Oliveira, Romualdo Portela de (Orgs.)
Reformas Educacionais e, Portugal e no Brasil. Belo Horizonte:
Autêntica,2000.
PROJETO PEDAGÓGICO. Centro de Ciências e Comunicação e Artes.
Bagé: URCAMP, 2002.
GHIRALDELLI JR., Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira.
São Paulo: Manole, 2003.
HILSDORF. Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira:
Leituras. Reimpr. da 1. ed. São Paulo: Thomson, 2003.
HORTA, Maria de Lourdes, GRUMBERT, Evelina & MONTEIRO,
Adriane Gia Bárico. Guia Básico da Educação Patrimonial. Brasília:
IPHAN, 1999.

291
ISMÉRIO, Clarisse. A Ação Católica no Brasil e a Construção do
Nacionalismo Cristão. In. Ciências Sociais UNISINOS. São Leopoldo:
UNISINOS, vol. 38, no. 160, 2002, p. 161-185.
ISMÉRIO, Clarisse. Igreja e Nacionalismo: O Movimento Renovador da
Cristandade (1930-1945). Tese de doutorado PUC-RS, 1999.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5. ed., Campinas, SP: Editora
UNICAMP, 2003.
LOPES, Eliane Marta Teixeira e GALVÃO, Ana Maria de Oliveira.
História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
PESAVENTO, Jatahy. História & História Cultural. 2. ed., Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no BRASIL.
(1930/1973). 27.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de. LDB e Ensino Superior. São Paulo:
Pioneira, 1997.
STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (Orgs.). Histórias
e Memórias da Educação no Brasil. Vol. III – Século XX. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2005.
VIEIRA, Sofia Lerche e FREITAS, Isabel Maria Sabino de. Política
Educacional no Brasil. introdução histórica. Brasília: Plano editora, 2003.

Regina Quintanilha Azevedo é Professora de História da Educação e


Metodologia dos Estudos Sociais (Curso de Pedagogia) na Universidade da
Região da Campanha. Mestre em História da Educação (UFPel - RS).
Clarisse Ismério é Professora de História da Educação (Curso de
Pedagogia) e Economia Brasileira (Curso de Administração) na
Universidade da Região da Campanha. Doutora em História do Brasil (PUC
– RS).
Marilene Vaz Silveira é Professora de Integração e Cooperação
Internacional, Empreendedorismo (Curso de Administração) e Economia e
Mercados (Transações Imobiliárias). Mestre em Integração e Cooperação
Internacional
Professoras do Núcleo de Pesquisa em História da Educação e Centro de
Estudos Interdisciplinares da URCAMP.

292
O ensino de História da Educação na História da
Faculdade de Educação da UFRGS: primeiras
aproximações
Maria Stephanou

Resumo

O artigo procede a uma primeira aproximação da trajetória da disciplina de História da


Educação, no âmbito da Faculdade de Educação da UFRGS, no período de 1973 a 2004, com o
objetivo de identificar como a área vem se fazendo presente nos cursos de formação de
professores. Seu intuito é de que, no diálogo com os levantamentos realizados em outras
instituições formadoras, seja possível efetivar uma análise histórica e comparativa entre
diferentes tempos, concepções e propostas curriculares de História da Educação.
Para um mapeamento inicial tomaram-se como documentos privilegiados os planos de ensino
das diferentes disciplinas que enfocaram a História da Educação. Sugere-se que uma análise
mais exaustiva dos planos de ensino das disciplinas que podem ser caracterizadas como
História da Educação, embora sob denominações diversas, sua contrastação na extensão do
período analisado possibilitará que se identifiquem as tendências da área, seja quanto à
formação dos docentes, as temáticas privilegiadas e as emergentes, os autores adotados, as
filiações teóricas, bem como as articulações dessas disciplinas no currículo do Curso de
Pedagogia e das demais licenciaturas.
Palavras-chave: Faculdade de Educação – UFRGS; História da educação.

Abstract

History of education teaching in historiy of the faculty of Education – UFRGS – first


approaches
This article makes a first approach to the trajectory of the discipline History of Education at
Faculty of Education – UFRGS, from 1973 to 2004, aiming at identifying how the area of
history has been present in teachers’ education courses. Its goal is to make possible a historical
and comparative analysis between different moments, conceptions, and curricular strategies in
History of Education, through a dialogue with surveys conducted in other formation
institutions.
Firstly, teaching plans of diverse disciplines that focus on History of Education were taken as
privileged documents. We propose a more exhaustive analysis of teaching plans of the
disciplines that can be characterized as History of Education, although under diverse
designations. Their confrontation along the analized period might enable the identification of
the tendencies in the area, as to the formation of the professors, privileged and emergent issues,
authors adopted, theoretical affiliations, and the linkages of these disciplines inside the
curriculum of both Pedagogy and other teachers’ formation courses.
Key-words: Faculty of Education – UFRGS; History of education.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 293-300, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Antes de mais nada...

Identificar como a disciplina de História da Educação esteve


presente nos cursos de formação de professores foi o desafio lançado pelo
XI Encontro da ASPHE realizado na UNISINOS, São Leopoldo, em 2005,
no intuito de possibilitar uma análise histórica e comparativa entre
diferentes tempos, instituições formadoras, concepções e propostas
curriculares. Este breve artigo procede a uma primeira aproximação da
trajetória desta disciplina no âmbito da Faculdade de Educação – FACED,
da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O período focado estende-se de 1973 a 2004. Para um
mapeamento inicial, fez-se necessária uma pesquisa junto à documentação
da Faculdade, quando a primeira constatação foi a de que inexiste na mesma
um acervo documental sistematizado da História e da memória da FACED,
de modo que a documentação mais antiga encontra-se em depósito, sob a
forma de “arquivo morto”, não catalogado. Os planos de ensino do mesmo
período, embora com significativas lacunas, encontram-se sob a guarda do
Departamento de Estudos Básicos da FACED e constituíram documentação
privilegiada para esta aproximação inicial1.
A partir do acompanhamento dos Planos de Ensino localizados,
são tecidas considerações preliminares que, desde já, deve-se sublinhar, não
se assentam em pesquisa exaustiva, tampouco de suficiente fôlego,
tratando-se de indicações de pontos a acrescentar às discussões e reflexões
propostas sobre Ensino de História da Educação e formação de professores,
no âmbito da comunicação oral em mesa redonda do evento2. Tal ressalva,
ainda, visa não apenas indicar a incompletude e provisoriedade dos pontos
tratados a seguir, como também sinalizar para a necessidade de
aprofundamento do registro documental, especialmente de depoimentos
orais de alunos e docentes, planos de ensino dos anos não localizados,

1
Os planos de ensino localizados correspondem aos anos de 1973 a 1975, 1977-1978, 1980,
1987, 1998, 2000 a 2004 e registram diferentes disciplinas que abordam a História da
Educação no Curso de Pedagogia.
2
Cabe registrar que a própria autora, embora integre o grupo de pesquisa Histórias e Memórias
da Educação e da Cultura Escolar no Brasil, do diretório dos grupos de pesquisa/ CNPq, e atue
como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, ministrando disciplinas e
orientando teses e dissertações sobre Historiada Educação, não atuou efetivamente como
professora de História da Educação nos cursos de graduação, não possuindo, assim, uma
memória pessoal que pudesse aproximá-la da trajetória da disciplina, o que tornou a elaboração
deste ensaio, a partir do desafio lançado pela ASPHE, uma situação inusitada.

294
trajetórias acadêmicas e filiações teóricas de docentes envolvidos, reformas
curriculares e repercussões na disciplina de História da Educação, dentre
muitos outros.

Indícios e fragmentos

Deparar-se com a inexistência de um Acervo da História e da


memória da Faculdade foi, de certa forma, deparar-se com a ausência ou a
inconstância da memória da formação de professores do Curso de
Pedagogia. No contexto da UFRGS, em que outros cursos, como Direito,
Medicina, Engenharia, por exemplo, possuem acervos documentais
organizados, sugere pensar, no mínimo, na hierarquia dos saberes e dos
campos de conhecimento, sua repercussão na formação de professores,
tarefa posta aos historiadores da educação.
A documentação localizada, como referido anteriormente,
apresentou-se lacunar e repetitiva, em especial aquela caracterizada como
planos de ensino, que em alguma medida, percebe-se ter assumido um
espécie de função burocrática, atestando junto ao departamento,
semestralmente, o oferecimento da disciplina. Os planos de ensino, embora
esparsos no período examinado, permitem identificar docentes, súmulas,
objetivos, conteúdos, planos de trabalho, em alguns casos os cronogramas e
distribuição de leituras, procedimentos, práticas avaliativas, além das
referências bibliográficas indicadas e/ou utilizadas.
Outro aspecto a destacar é de que os conteúdos de História da
Educação, no período, estiveram presentes em diferentes disciplinas da
formação, e não apenas em uma nominalmente História da Educação.
Assim, pode-se, por exemplo, verificar os conteúdos de História da
Educação, geral ou brasileira, nas seguintes disciplinas da Faculdade de
Educação, algumas delas simultâneas, outras que se alternaram no tempo:
1973 – EDU 122 - História da Educação I e EDU 123 - História
da Educação I;
1978 – Além de Educação 122 e 123, EDU 101 - Evolução da
escola brasileira
1987 – EDU 159 - História da Educação no Brasil
2000 – EDU 01159 e EDU 01158 - História da Educação e da
Pedagogia

295
2004 – EDU 1147 - História da Educação: análise da educação
brasileira I
Além dessas disciplinas, em fins dos anos 90 e início de 2000, é
reativada a disciplina de História da Educação no Rio Grande do Sul, como
disciplina eletiva, que finda por afirmar-se em sua periodicidade de
oferecimento face ao crescente interesse de alunos, não apenas da
Pedagogia, mas também de outras licenciaturas.
No período 1998-2004 cabe registrar, no âmbito da
FACED/UFRGS, a existência de um Projeto Tridisciplinar, experiência de
trabalho articulado, no curso de Pedagogia, com as disciplinas Sociologia,
História, Filosofia – da Educação – e Metodologia da Pesquisa II3,
experiência que buscou avançar em práticas curriculares interdisciplinares
na formação inicial de professores, motivada por uma insatisfação com o
isolamento e a fragmentação vivenciada pelos formadores e pelos discentes.
Já em 2005, implementa-se uma reforma curricular em que
passará a figurar a disciplina História da escolarização brasileira e
processos pedagógicos como disciplina própria para o estudo da História da
Educação na formação de pedagogos.

Pistas e pontos: muito ainda a reconstruir e pensar

No período analisado, 1973-2004, podemos afirmar que apenas a


partir dos anos 2000 a proposta de trabalho acentua uma perspectiva
inovadora, com temáticas voltadas a questões emergentes, como educação
indígena, gênero, etnia, multiculturalismo e uma certa ênfase em temas de
interesse dos docentes, notadamente no elenco dos conteúdos programáticos
e nas referências bibliográficas adotadas como leituras da disciplina.
Prevalece, entretanto, na trajetória da disciplina, uma visão panorâmica da
educação, assentada numa seqüência cronológica, que se estende da
educação dos povos primitivos aos dias atuais, além de partir da história da
educação universal para depois propor o estudo da história da educação no
Brasil.
Registre-se que, em alguns anos, além da “história dos diferentes
processos educativos das sociedades humanas do passado”, desde seus
primórdios, nos conteúdos programáticos figura um primeiro conjunto de
temas que constituem uma introdução ao estudo da História da educação,

3
Para um maior detalhamento do Projeto, consultar: Bergamaschi, Machado, Ribeiro e Pardo
(2001).

296
tais como: objetivos, divisão e métodos de estudo em História da Educação
(1973 a 1975)4; conceito, fatores interferentes, fases e relações com outras
áreas (1978); A História da Educação e da Pedagogia e seu papel na
história, o significado social da investigação histórica da Educação e a
constituição da disciplina de História da educação (2003). Tais conteúdos
que figuram sob a forma de introdução indicam, mesmo que possam ter se
assentado em perspectivas tradicionais, uma certa preocupação com a
História da Educação como campo de produção de conhecimentos e não
apenas como descrição dos eventos e personagens do passado educacional.
Poder-se-ia dizer que uma perspectiva enciclopédica e
cronológica caracteriza a organização do programa de ensino especialmente
nos anos 70 e 80. História da Educação I inicia com o estudo do que se
denomina “tradicionalismo pedagógico” – educação nos povos primitivos,
na China, na Índia, em Israel, egípcia, pré-colombiana -, passando pelo
“humanismo pedagógico” – educação espartana, ateniense, romana -, pelo
“cristianismo pedagógico” – a educação apostólica, patrística, monástica e
escolástica -, para ser finalizada com a educação na Idade Média –
cavalaria, corporações, educação árabe - e a educação renascentista.
História da Educação II se estende da educação na Reforma e na Contra-
Reforma, antecedentes da Educação Moderna- educação realista,
racionalista, naturalista, psicológica e científica -, passando pelo neo-
naturalismo pedagógico- educação socialista, pragmatista e técnica -, para
ser concluída com temas como “cibernética e máquinas de ensino”,
cooperação internacional na Educação (ONU), pedagogia do futuro e
interpretação histórica da educação brasileira.
De forma contrastante, em 2001 o plano de ensino de História da
Educação no Brasil lista as seguintes temáticas do programa: “projeto
colonialista e processos educativos: o projeto dos jesuítas; processo
histórico de implantação da escola pública no Brasil;educação indígena;
educação dos/para os negros; educação das/para as mulheres; formação de
professores, políticas de formação; movimentos docentes, idéias e propostas
pedagógicas; industrialização, urbanização e escolarização”.
De outra parte, relativamente às obras de referência propostas
como leituras da disciplina, podemos assinalar a ênfase, em todo o período,
de autores do campo da educação e de compêndios ou obras da História da
educação propriamente dita, percorrendo, supostamente, toda sua História.
Grosso modo, figuram nas referências do período: autores de
textos fundantes da Pedagogia, como de Rosseau, Comenius, Claparède,

4
Temas suprimidos do Plano de Ensino de 1977 e 1978, embora mantidos os demais relativos
ao percurso cronológico da História da Educação.

297
Pestalozzi, Froebel, Herbart, Dewey, Maritain, dentre outros e da educação
brasileira, como Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira, dentre outros. Nos anos
70, nota-se a referência a diversas obras de autores norte-americanos e não
traduzidas e, ainda, é marcante a aproximação da História da Educação com
a Filosofia da Educação, comparecendo autores que estudam os sistemas de
pensamento e a educação em diferentes tempos. Artigos da Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, do INEP, passam a ser referidos já em
1973.
Embora alguns autores como Henri-Irénée Marrou, Paul Monroe,
Lorenzo Luzuriaga possam ser considerados como autores “tradicionais”,
numa acepção singela, constata-se que, especialmente Luzuriaga e Marrou
encontram-se ainda entre as referências bibliográficas dos anos 2000.
De qualquer forma, é possível afirmar que um conjunto de
autores faz-se presente em determinados períodos, e outros clássicos não
deixam de figurar, como nos anos 2000, em que Maria Luísa Ribeiro,
Otaíza Romaneli, Moacir Gadotti e Paulo Ghirardelli são listados
juntamente a autores emergentes, especialmente aqueles que passam a
figurar com pesquisas temáticas nas revistas de História da Educação,
lançadas em fins dos anos 90. Nesse momento, os planos de ensino
detalham novos conteúdos, temas específicos, como educação indígena,
educação feminina, educação dos negros, a história social da infância, etc.
Indiscutivelmente, uma análise de maior imersão possibilitaria examinar em
que medida a inserção de temas específicos está relacionada a interesses de
pesquisa dos docentes dessas disciplinas, docentes nem sempre
pesquisadores da História da Educação propriamente dita.
Mais uma observação: nas bibliografias recomendadas nos anos
70 a 90, em geral, não são listados autores estritamente do âmbito da
História, constatação que não se sustenta para os anos 2000, quando autores
como Ariès, Le Goff, Hobsbawm, Duby, dentre outros, encontram-se
indicados nos planos das disciplinas de História da Educação. Constata-se,
ainda, no contexto da ampliação das possibilidades de publicação, uma
rápida inserção de lançamentos editoriais, alterando referências de ano a
ano e sinalizando para os processos de renovação e formação continuada
oportunizados aos docentes, através da participação em eventos da área,
desenvolvimento de pesquisas e acesso rápido a bibliografias através do uso
da internet.

298
Outras incursões e desafios a um adensamento das reflexões

Nos últimos anos, especialmente desde fins da década de 90,


algumas iniciativas vêm alterando práticas usuais da disciplina de História
da Educação. A emergência de experiências interdisciplinares, como o
Projeto Tridisciplinar anteriormente referido, a inserção de atividades
discentes caracterizadas como práticas de pesquisa relacionadas às
temáticas das disciplinas, seja através de registros de memórias e história
oral, pesquisa iconográfica e bibliográfica, dentre outras, a realização de
trabalhos de campo como visitas históricas e contato direto com arquivos e
museus, além de uma maior articulação com as demais disciplinas dos
semestres em que são oferecidas as disciplinas de História da Educação,
vêm produzindo novos arranjos curriculares e, não menos importante, um
maior engajamento e interesse discente nessas disciplinas, temas e propostas
lançadas para o desenvolvimento dos estudos da área.
Além disso, já no início dos anos 90, houve uma renovação
significativa dos professores da área, docentes estes com formação inicial
em História e pós-graduação em Educação, que protagonizam a formulação
de novas propostas e vêm adotando produções recentes da área, uso
crescente de autores do campo da História propriamente dita, o que remete
para reflexões epistêmicas e contextuais, além de uma atenção a estudos
monográficos e recortes temáticos bem localizados no tempo e no espaço e,
portanto, menos homogeneizadoras. Temáticas contemporâneas, como por
exemplo a educação de jovens e adultos, a trajetória do ensino médio, a
educação indígena, a “conformação micropolítica das experiências
educacionais escolares sob a ótica de gênero, raça/etnias e classes sociais”,
sinalizam para a superação de uma perspectiva enciclopédica, cronológica e
universal das abordagens tradicionais da História da Educação.
Se de uma parte a renovação dos docentes da área, suas
formações específicas e áreas de atuação como pesquisadores da História da
Educação, vêm contribuindo para o que se poderia adjetivar como sendo
uma qualificação da área e retomada de validade de sua contribuição nos
processos de formação inicial de professores, importância reconhecida pelos
estudantes, de outra parte há que se registrar, no âmbito específico da
universidade pública federal, a presença, por longos períodos, de
professores substitutos nessas disciplinas, o que não significa, em nenhuma
hipótese, desmerecer a excelência desses profissionais, mas registrar a
efemeridade de algumas propostas implementadas, pelas limitações próprias
do tempo de vínculo com a instituição, e da condição de docentes sem a
exigência da realização de pesquisas.

299
De qualquer forma, uma análise mais exaustiva dos planos de
ensino das disciplinas que podem ser caracterizadas como História da
Educação, embora sob denominações diversas, sua contrastação na extensão
do período 1973-2006, por exemplo, possibilitará que se identifiquem as
tendências da área, seja quanto à formação dos docentes, as temáticas
privilegiadas e as emergentes, os autores adotados, as filiações teóricas,
bem como as articulações dessas disciplinas no currículo do Curso de
Pedagogia. Acresce a importância de acompanharmos atentamente as
reformulações que vêm sendo operadas nos demais Cursos de Licenciatura
que têm prevista a ampliação das disciplinas de formação pedagógica e, em
decorrência, a introdução da História da Educação no conjunto das
disciplinas a serem oferecidas aos estudantes de diferentes áreas do
conhecimento.
Desse modo, um estudo específico das disciplinas de História da
Educação oferecidas a cursos que não a Pedagogia poderá trazer
importantes subsídios para pensarmos nos arranjos curriculares e
contribuições específicas que a área tem a oferecer na formação de
professores.

Referências

BERGAMASCHI, Maria A., MACHADO, Carmem L.B., PARDO, Eliane


R., RIBEIRO, Marlene. Interdisciplinaridade como solidariedade: desafios à
formação de professores. Educação & Realidade. Porto Alegre:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Educação, v.26,
n.2, jul./dez. 2001, p.127-156.
Planos de Ensino. [Disciplinas de História da Educação – 1973-2004].
Departamento de Estudos Básicos, Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.

Maria Stephanou é Licenciada em História. Doutora em Educação.


Professora do Departamento de Estudos Básicos e do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFRGS.

300
História da Educação no Curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Pelotas
Elomar Tambara

Resumo

Este texto analisa a evolução da disciplina história da educação no curso de pedagogia da


Universidade Federal de Pelotas. Esta trajetória revela a crescente importância que esta
disciplina vai assumindo no currículo tendo seu ápice no final dos anos 90 do século passado.
Na última reforma curricular a história da educação desaparece como disciplina e transforma-
se em conteúdo diluído pelo longo do currículo.
Palavras-chave: Universidade Federal de Pelotas; History of Education.

Abstract

This article analyses the evolution of History of Education discipline in Pedagogy Course at the
Federal University of Pelotas. This trajectory reveals the increasing importance that discipline
was assuming in the curriculum, having its top in the end of the last 90. On the last curriculum
reform, History of Education desapeared as discipline and only some of its contents survived
(and was transformed in content) diluted along the curriculum.
Key words: Federal University of Pelotas; History of Education.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 301-308, abr. 2006


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Sem sombra de dúvidas a trajetória da disciplina História de
Educação no curso de pedagogia da UFPel apresenta uma trajetória de
contínua ascensão até que na última reforma curricular torna-se difícil
quantificar sua real participação pela dificuldade em dimensionar a efetiva
participação de seu conteúdo.
O curso de pedagogia tem passado por várias alterações
curriculares desde sua implantação em 1979. Estas alterações refletem
claramente a hegemonia de determinadas concepções de mundo, e
particularmente, formas diferenciadas de conceber a profissão de pedagogo,
e de modo especial, a de professor de série iniciais.
De certa forma, ainda hoje se discute, sem se chegar a consenso,
sobre os requisitos indispensáveis para a efetivação de uma formação de
qualidade deste profissional de ensino.
Para efeito desta análise, apresentamos inicialmente de forma
quantitativa a evolução da participação da História da educação na grade
curricular. Preliminarmente, é indispensável esclarecer que desde o início, a
História da Educação não era vista como uma mera história da educação
escolar, de tal forma que desde logo a disciplina foi denominada “Historia
da Educação e Cultura” denotando a idéia de uma compreensão mais ampla
da mesma. Também, desde logo, agregou-se a este conteúdo uma outra
disciplina “Sistema Educacional Brasileiro” na qual eram ministrados os
conteúdos mais vinculados com a educação brasileira. Como, de certa
forma, eram também ministrados na disciplina Filosofia da Educação.
Entretanto, para esta análise preliminar consideraremos apenas as
disciplinas História da educação e Cultura e Sistema Educacional Brasileiro.
O que se observa é que paulatinamente a área de história da
educação vai se consolidando, e vai ocupando cada vez mais carga horária
no currículo. Este processo tem seu momento de solidificação por ocasião
das alterações curriculares efetuadas em 1992 e a partir de então, apesar de
ter havido várias “reformas curriculares”, na área especifica de história de
educação não há alteração significativa.
Assim em 1979 o currículo contemplava apenas 3 créditos (45
horas semestrais) para o que chamaríamos núcleo duro da área – a disciplina
História da Educação e Cultura). Entretanto, observa-se que a disciplina
Sistema Educacional Brasileiro – Aspectos Históricos, Sociais e Estruturais
ocupava 8 créditos (90 horas semestrais)

Currículo 1979-1981
História da educação e Cultura 3 creditos 45 h/aula
Sist. Educ. Bras: aspectos hist. Soc. e estrut 8 creditos 120 h/aula
Total de créditos 173 créditos 2775 h/aula

302
Na primeira reformulação curricular já se observa o percurso de
ampliação do espaço ocupado pela História da Educação. O aumento
também da carga horária na disciplina Sistema Educacional Brasileiro nesta
reforma encontra-se um pouco distorcida em relação ao objeto que nos
interessa, pois agregou-se a ela os conteúdos de Estrutura e funcionamento
do ensino 1º grau na disciplina de Sistema Educacional Brasileiro I
enquanto que na II se encontrava embutido os conteúdos de Estrutura e
funcionamento do ensino 2 º grau

Currículo 1981- 1987


História da educação e cultura I 6 créditos 90 h/aulas
História da educação e cultura II 5 créditos 75 h/aulas
Sistema educacional Brasileiro 3 créditos 45 h/aulas
Sistema Educacional Brasileiro 8 créditos 120 h/aulas
Total de créditos do curso 181 créditos 3.000 h/aulas

Em 1988 teremos o que podemos chamar de consolidação da área


de história da educação em termos quantitativos. O conteúdo de Estrutura e
Funcionamento do Ensino passa a constituir uma disciplina específica com
quatro créditos. Há então uma depuração dos conteúdos, de tal forma, que
se pode considera-los tipicamente de história da educação.

Currículo 1988- 91
Historia da educação e cultura I 4 creditos 60 h/aulas
História da educação e cultura II 4 créditos 60 h/aulas
História da educação e cultura III 4 créditos 60 h/aulas
Sistema educacional brasileiro I 3 creditos 45 h/aula
Sistema educacional brasileiro II 4 créditos 60 h/aulas
Total de créditos 184 3150 h/aulas

Em 1992 há uma nova reformulação curricular, mas a carga


horária destas disciplinas permanece a mesma. Entretanto, há uma alteração
significativa na distribuição nos conteúdos. A partir deste ano a disciplina
História da Educação e Cultura III passa a tratar exclusivamente de
conteúdos vinculados de forma específica à história da educação do Rio
Grande do Sul.
A disciplina Sistema Educacional Brasileiro se consolida, como
sendo a análise da história da educação brasileira. Assim a emenda de
Sistema I rezava: “ O estudo das estruturas educacionais brasileiras dentro
de uma análise do processo histórico, não apenas estudando o período
colonial, imperial e republicano, mas sim, articulando com a realidade atual.

303
Possibilitar um conhecimento teórico sobre a educação brasileira, dos seus
primórdios aos dias atuais, salientando principalmente as instituições
educacionais e o papel do estado.”
Este aspecto é reforçado pela ementa de Sistema II “Analisar o
sistema educacional brasileiro a partir da 1ª República até nossos dias,
considerando o contexto econômico e político, a política educacional, as
pedagogias e as ideologias educativa de cada período: 1889-1930, 1930-
1946; 1946-1964, 1964-hoje. “
É ilustrativo o conteúdo programático das disciplinas de história
da educação pois os mesmos denotam a divisão das temáticas privilegiadas
nas respectivas ementas e que, a rigor, revelam os princípios conceituais
que embasaram sua estruturação.

Conteúdo programático da História da educação e cultura I

Introdução:
-Educação e cultura
-Educação na comunidade Primitiva
A Educação na Grécia:
- A educação homérica
- A educação hesiodéica
- A educação no período clássico
- O conteúdo e os fins da educação
A educação em Roma:
- A educação na família
- Literatura, escola e sociedade
- A escola de Estado
A educação na Idade Média
- O cristianismo e o novo ideal educacional
- A escolástica
- As universidades
A educação no Renascimento
- Tendências gerais do Renascimento
- O humanismo
- Conseqüências educacionais
A educação no início dos tempos modernos
- Reforma e contra-reforma

304
- A ciência moderna: Bacon, Galileu e Descartes
- Comenius e sua didática magna.

Conteúdo programático de História da Educação e Cultura II

-História do pensamento educacional (síntese)


-As principais doutrinas modernas:
a) Liberalismo
b) Neo-liberalismo
c) Socialismo
d) Anarquismo
- Estudo de caso:
1. Rousseau:
a) Vida e obra (Emílio)
b) A educação da natureza
c) O papel da criança na pedagogia de Rousseau
2. Marx:
a) Vida e obra (manifesto do partido comunista e ideologia
alemã)
b) Necessidade de uma sociologia marxista da educação
c) Conceitos fundamentais do marxismo que podem ser
aplicados na educação
3. Makarenko:
a) Vida e obra (poema pedagógico)
b) A pedagogia socialista
c) A educação comunitária
4. Freinet:
a) Vida e Obra (para uma escola do povo)
b) A pedagogia social
5. A educação literária (anarquista)
a) a teoria (Bakunin – Kropotkin)
b) A prática (Faure – Pelllontier)

305
Conteúdo programático de História da Educação e da Cultura
III

EVOLUÇÃO SOCIO-POLÍTICA E ECONOMICA DO RIO


GRANDE DO SUL
- o Rio Grande do Sul Colonial
- O Rio Grande do Sul Imperial
- O Rio Grande do Sul atual
O PERÍODO COLONIAL
- O ensino nas missões
- A educação nos primeiros tempos
- Situação do sistema escolar rio-grandense
O PERÍODO IMPERIAL
- década de 60
- Considerações gerais
- Criação da Escola Normal
- Instrução secundária
- década de 70 e 80
- Considerações gerais
- A escola normal
- O Liceu em 1870
- Instrução primária
- Instrução secundária
EDUCAÇÃO E POSITIVISMO
- Sociogênese do Castilhismo
- O partido Republicano Rio-grandense e a educação
- A influência do positivismo
- A instrução pública no Rio Grande do Sul sob o castilhismo
-A instrução privada
-a educação alemã
-a educação italiana
A EDUCAÇÃO NOS ANOS DE 1930 E 1940
- A “Escola Nova”
- O período do Estado Novo
- A situação do ensino primário e secundário
A EDUCAÇÃO RECENTE
- Os anos de 1950
- O fechamento político e a prática educacional entre 64/71

306
- Universidade no Rio Grande do Sul
O conteúdo efetivo da disciplina de história da educação pode ser
apreendido pela bibliografia utilizada neste período que vai desde a criação
do curso de pedagogia em 1979 até sua consolidação. A rigor, a disciplina
teve um início caracteristicamente conservador e paulatinamente passou ter
uma abordagem mais crítica.
Assim, estes eram os livros mais utilizados em sala de aula:
EBY, Frederick. História da Educação Moderna. Porto Alegre,
Globo, 1978. ANDRADE FILHO, Bento de. História da
Educação. São Paulo, Saraiva, 1941
LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da Pedagogia.
São Paulo, Editora Nacional, 1967
MONROE, Paul. História da Educação. São Paulo, Editora
Nacional, 1958
PEIXOTO, Afrânio. Noções de História da Educação. São Paulo,
Editora Nacional, 1933.
RIBOULET, L. História da Pedagogia. Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1951
A consolidação programática dar-se-á então no início da década
de 90 quando em termos bibliográficos alguns textos se constituíram em
referências fundamentais; MANACORDA, Mário Alighiero. História da
educação da Antiguidade aos nossos dias. São Paulo Cortez 1989. PONCE,
Aníbal. Educação e Lutas de Classes, São Paulo, Fulgor, 1963. AZEVEDO,
Fernando. A Cultura Brasileira, São Paulo, Melhoramentos, 1964.
ROMANELLI, Otaíza de. História da educação no Brasil. Petrópolis,
Vozes, 1980.
O que se pode observar é que os textos de Ponce e de Manacorda
é que constituíram o cerne do processo de ensino aprendizagem.
Por ocasião da última mudança curricular a disciplina “história da
Educação” com esta denominação desapareceu como as demais de
“fundamentos da educação” como “sociologia da Educação” e “Filosofia da
Educação”. Todas fundiram-se na disciplina dando a luz a disciplina
Educação, Cultura e Sociedade e em termos de currículo pressupõe-se a
presença dos aspectos históricos, filosóficos e sociológicos em todas as
outras disciplinas. Ainda é cedo para uma efetiva avaliação do sucesso ou
insucesso deste formato curricular.

307
Elomar Tambara é Professor titular de História da Educação na
Universidade Federal de Pelotas

308
Orientações aos colaboradores

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pesquisas, reflexões metodológicas, discussões em geral, pertinentes ao
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em que atua, bem como indicar o endereço (inclusive eletrônico) para
correspondência com os leitores. O nome do autor e a instituição a que o
mesmo está vinculado devem constar de folha anexa ao texto.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 309-310, abr. 2006


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