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ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE

PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

NÚMERO 25
Maio/Ago 2008

Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe Quadrimestral


História da Educação Pelotas v. 12 n. 25 p. 1-304 Maio/Ago 2008
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
ASPHE
Presidente: Maria Stephanou
Vice-Presidente: Beatriz Daudt Fischer
Secretário: Claudemir de Quadros

Conselho Editorial Nacional Conselho Editorial Internacional


Dra. Denice Cattani (USP) Dr. Alain Choppin
Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP) (INRP, França)
Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPel) Dr. Antonio Castillo Gómez
Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) (Univer. de Alcalá – Espanha)
Dr. José Gonçalves Gondra (UERJ) Dr. Luís Miguel Carvalho
Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) (Univer. Técnica de Lisboa)
Dr. Lúcio Kreutz (UCS) Dr. Rogério Fernandes
Dr. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC) (Univer. de Lisboa)
Dra. Maria Helena Bastos (PUCRS)
Dra. Marta Maria de Araújo (UFRGN)

Comissão Executiva Editoração eletrônica e capa


Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara Flávia Guidotti
Profa. Dra. Maria Helena Câmara Bastos flaviaguidotti@hotmail.com

Consultores Ad-hoc Imagem da capa


Rita Grecco (Furg) Deux mères de famille
Giana Lange do Amaral (UFPel) Elizabeth Gardner
Claudemir de Quadros (Unifra) Le Salon de 1888
Berenice Corsetti (Unisinos) Paris

História da Educação
Número avulso: R$ 15,00
Single Number: U$ 10,00 (postage included).
História da Educação / ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense
de Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. n. 25
(Maio/Ago 2008) - Pelotas: ASPHE - Quadrimestral.
ISSN 1414-3518
v. 1 n. 1 Abril, 1997

1. História da Educação - periódico I. ASPHE/FaE/UFPel

CDD: 370-5

Indexação:
CLASE (Citas Latinoamericas em Ciências Sociales y Humanidades)
Bibliografia brasileira de Educação – BBE.CIBEC/INEP/MEC
EDUBASE (FE/UNICAMP)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................5

LA ESCUELA Y LA ESCOLARIDAD COMO OBJETOS


HISTÓRICOS. FACETAS Y PROBLEMAS DE LA HISTORIA
DE LA EDUCACIÓN
Antonio Viñao Frago......................................................................................9

QUÉ HISTORIA SE ENSEÑABA EN LOS MANUALES DE


HISTORIA UNIVERSAL Y DE ESPAÑA. UNA CUESTIÓN
ACTUAL: LA SELECCIÓN DE OBJETIVOS Y CONTENIDOS
Carmen Sanchidrián Blanco..........................................................................55

MEMÓRIAS DE FORMAÇÃO DO ESCRITOR NO ACERVO


LITERÁRIO DE ERICO VERISSIMO
Maria da Glória Bordini................................................................................95

ESSA COISA DE GUARDAR... HOMENS DE LETRAS E


ACERVOS PESSOAIS
Maria Teresa Santos Cunha ....................................................................... 109

ACERVOS E PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO:


DAS VITRINES DO PROGRESSO AOS DESAFIOS DA
CONSERVAÇÃO DIGITAL
Marcia de Paula Gregorio Razzini............................................................... 131

UM ESTUDO ACERCA DA HISTÓRIA DE VIDA


PROFISSIONAL DE PROFESSORAS PRIMÁRIAS LEIGAS
Lisiane Sias Manke.................................................................................... 153

EDUCAÇÃO, ÉTICA E CIDADANIA: REFERENCIAIS PARA


AS ESCOLAS DA REDE SINODAL DE EDUCAÇÃO
Alvori Ahlert.............................................................................................. 179

ESTADO ABSOLUTO E ENSINO DAS PRIMEIRAS LETRAS:


AS ESCOLAS RÉGIAS (1772-1794), NA TESE DE ÁUREA
ADÃO (1997)
Maria Juraci Maia Cavalcante ..................................................................... 209
4
ANGICOS (FREIRE) E BARBIANA (MILANI): LEITURAS DE
MUNDO E RADICALIDADE PEDAGÓGICA
Danilo R. Streck.........................................................................................235

Resenha

PESQUISA E HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO


BRASILEIRA
Sergio Ricardo Pereira Cardoso ...................................................................259

Documento

AS NOTAS DE SÍLVIO ROMERO E O CULTURALISMO DO


SÉCULO XIX
Jorge Carvalho do Nascimento.....................................................................267

NOTAS SOBRE O ENSINO PÚBLICO


Silvio Romero.............................................................................................275

ORIENTAÇÕES AOS COLABORADORES.........................................303


APRESENTAÇÃO

É com satisfação que a ASPHE traz a público o número


25 da revista História da Educação. Atendendo seu compromisso
editorial, de divulgar trabalhos científicos da área de História da
Educação e, também, de disponibilizar fontes documentais
apresentamos uma série de resultados de investigações, efetuadas
por autores nacionais e internacionais, que esperamos possam
contribuir para a produção de conhecimento na área.
Neste número temos a satisfação de abrir a seção de
artigos com dois textos de autores espanhóis da melhor qualidade.
O primeiro deles do consagrado pesquisador da área de história da
educação Antonio Vinao Frago que nos brinda com o trabalho A
escola e a escolaridade como objetos históricos. Facetas e problemas da
história da educação. O autor analisa alguns dos enfoques ou
olhares com os quais os historiadores têm cercado a instituição
escolar, quer dizer, a escola e a escolaridade como um fato social
derivado da existência da instituição escolar.
O segundo, da professora da Universidade de Murcia,
Carmen Sanchidrián Blanco, Qual história se ensinava nos
manuais de Historia Universal e da Espanha. Uma questão atual: a
seleção de objetivos e conteúdos investiga os manuais dos anos
sessenta, do tardo-franquismo, para comprovar que seus conteúdos
seguiam sendo similares aos de trinta anos antes, e ver algumas de
suas características internas que se fazem mais patentes ao colocá-
las junto a manuais posteriores elaborados para o ensino de
conteúdos semelhantes
Neste número temos também o privilégio de apresentar
ao nosso público leitor as conferências realizadas no XV Encontro
da Associação Sul-Riograndense de Pesquisadores em História da
Educação realizada em 2007 na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 5-7, Maio/Ago 2008.


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A conferência da professora Maria da Glória Bordini,


Memórias de formação do escritor no acervo literário de Érico
Veríssimo, é uma belíssima contribuição teórico-metodológica para
a percepção da relação sujeito-autor na área de história da
educação mormente no que se refere á utilização da memória
como recurso metodológico.
A segunda conferência, proferida pela professora Maria
Teresa Santos Cunha, Essa coisa de guardar... Homens de letras e
acervos pessoais trata da relevância das fontes decorrentes de
acervos. Estes acervos, que guardam o vivido e o escrito,
constituem-se em um suporte de memória e permitem discutir e
analisar a importância da preservação destes documentos para a
pesquisa.
Na terceira conferência a professora Márcia Razzini
analisa as contribuições das mídias digitais e especialmente a
internet na configuração de acesso a fontes e documentos. Seu
texto Acervos e pesquisas em história da educação: das vitrines do
progresso aos desafios da conservação digital é um trabalho de
grande valia para os pesquisadores da área.
No trabalho Um estudo acerca da História de Vida
Profissional Professoras Primárias Leigas a pesquisadora Lisiane
Sias Manke analisa uma temática extremamente atual vinculada
ao processo de formação de professores – a profissionalização. No
Brasil historicamente tem havido a tendência de vincular o sucesso
do professor ao grau acadêmico do mesmo. Há necessidade de
compreender como no decorrer dos tempos houve a metamorfose
do professor leigo ao titulado.
Os trabalhos que analisam a relação entre educação e
religião têm merecido cada vez mais atenção nos congressos e
seminários da área de história da educação. No artigo Educação,
ética e cidadania: referenciais para as escolas da rede sinodal de
educação o professor Alvori Ahlert trata de uma educação
construída coletivamente, sustentada em princípios educacionais
emancipadores e em uma concepção de ética e de cidadania
gestados na história da cultura protestante com Martin Lutero e
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John Amos Comenius como expoentes da reforma luterana e da


construção de um projeto pedagógico humanista, respectivamente,
em consonância com os valores da pessoa humana
O trabalho de Maria Juraci Maia Cavalcante Estado
absoluto e ensino das primeiras letras: as escolas régias (1772-
1794), na tese de Áurea Adão(1997) investiga um dos períodos
mais controversos da história da educação no Brasil e em Portugal
– o da Reforma Pombalina. Com uma abordagem inovadora esta
pesquisa contribui de maneira significativa para uma maior
compreensão deste período histórico
Encerrando a seção de artigos o professor Danilo R.
Streck faz um estudo comparativo entre Paulo Freire (Brasil) e
Lorenzo Milani (Itália), tendo como eixo da reflexão o caráter
radical e revolucionário de suas práticas educativas. Evidencia a
importância de ler comparativamente autores que em seus
contextos sociais e históricos ousaram propor alternativas
pedagógicas emancipatórias.
Em nossa tradicional seção DOCUMENTOS o
professor Jorge Nascimento nos apresenta o trabalho de Silvio
Romero um dos maiores expoentes da literatura brasileira.
Esperamos que nossos leitores possam desfrutar com
prazer as contribuições que estes investigadores trazem à
comunidade científica.

A comissão editorial

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 5-7, Maio/Ago 2008.


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LA ESCUELA Y LA ESCOLARIDAD
COMO OBJETOS HISTÓRICOS.
FACETAS Y PROBLEMAS
DE LA HISTORIA DE LA EDUCACIÓN∗
Antonio Viñao Frago

Resumen
Este texto trata sobre la escuela y la escolaridad. Expone, primero, la
historia o enfoque tradicional de las mismas. Después, de modo
sucesivo, analiza cómo los paradigmas de la historia social, la historia
socio-cultural y la historia socio-crítica han afectado a la historia y al
modo de mirar, desde la historia, tanto la institución escolar como el
proceso de escolarización. Todo ello prestando especial atención a los
conceptos e ideas de la gramática de la escolarización, las culturas
escolares, la perspectiva genealógico-crítica, el problema de las
divergencias entre las periodizaciones políticas y las culturales y la
noción de progreso.
Palavras clave: Historia de la educación; La escuela y la escolaridad;
Educación en España.

A ESCOLA COMO E A ESCOLARIDADE COMO


OBJETOS HISTÓRICOS. FACETAS E PROBLEMAS DA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Resumo
Este texto analisa a escola, em sua perspectiva histórica, em um
duplo sentido: como instituição educativa formal que engloba todos
os centros docentes de todos os níveis e modalidades de ensino, e
como uma atividade que se leva a cabo em um espaço e tempo
específicos (os espaços e tempos escolares).
Meu propósito é analisar alguns dos enfoques ou olhares desde com
os quais os historiadores tem cercado a instituição escolar, quer dizer,
a escola e a escolaridade como um fato social derivado da existência
da instituição escolar.
Palavras-chave: História da Educação; Escola e escolaridade;
Educação espanhola.


Texto publicado, como capítulo de libro, en Juan Mainer (coord.), Pensar
críticamente la educación escolar. Perspectivas y controversias historiográficas,
Zaragoza, Prensas Universitarias de Zaragoza, 2008.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 9-54, Maio/Ago 2008.


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SCHOOL AND SCHOOLING AS HISTORICAL
OBJECTS. FACETS AND ISSUES IN HISTORY OF
EDUCATION
Abstract
This text deals with the school and the schooling. First, it outlines
the traditional history or approach of both issues. After, it analyses,
in a successive way, how the paradigms of the social history, socio-
cultural history and socio-critical history have influenced the history,
and the way of looking, from the historical standpoint, at both the
school institution and the schooling process. All these aspects are
dealt with a particular attention to the concepts and ideas of the
grammar of schooling, school cultures, the socio-critical approach,
the problem of the divergences existing between the political and
cultural periodisations and the notion of progress
Keywords: History of education; Schooling process; Grammar of
schooling; School cultures.

L’ÉCOLE ET LA SCOLARITÉ COMME DES OBJETS


HISTORIQUES. FACETTES ET PROBLÈMES DE
L’HISTOIRE DE L’EDUCATION
Résumé
Ce texte-ci analyse l’école dans sa perspective historique avec un
doublé sens: comme une institution educative formel qui englobe
tous les centres enseignants de tous les niveaux et les modalités
d’enseignement, et comme une activité qui se complete dans un
espace et un temps spécifiques (les espaces et les temps scolaires).
Mon but c’est d’analyser quelques focalisations ou quelques regards
avec lesquels les historiens ont entouré l’institution scolaire, c’est-à-
dire, l’école et la scolarité comme un fait social derive de l’existence
de l’institution scolaire.
Mots-clés: Histoire de l’éducation; Ècole et scolarité; Éducation
espagnole.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 9-54, Maio/Ago 2008.


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Este texto trata sobre la escuela, en su perspectiva


histórica, en un doble sentido: como institución educativa formal
que engloba todos los centros docentes de todos los niveles y
modalidades de enseñanza, y como una actividad que se lleva a
cabo en un espacio y un tiempo específicos (los espacios y tiempos
escolares). Este segundo sentido o acepción se refiere al proceso de
escolarización y a la escolaridad como hecho; es decir, a la
progresiva extensión a la totalidad de la población infantil y
juvenil, desde edades tempranas hasta la edad adulta, de la
asistencia y permanencia durante unas determinadas horas de
unos determinados días en instituciones que, creadas en principio
para el adoctrinamiento y la enseñanza y transmisión de
determinados saberes, cumplen otras varias funciones sociales. En
definitiva, se refiere al paso, en el proceso de escolarización y en el
hecho escolar, desde la exclusión de determinadas categorías o
grupos sociales a su inclusión. Esta es la razón por la que, para
hacer más evidente este doble significado se ha añadido, en el
título, el término escolaridad al de escuela. De un modo u otro,
pues, este texto se refiere tanto a la institución social formalmente
encargada del estudio y enseñanza de la historia (la educación
histórica) como a la historia de dicha institución (la memoria
histórica de la misma).
Mi propósito es analizar algunos de los enfoques o
miradas desde las que los historiadores se han acercado a la
institución escolar; es decir, a la escuela y a la escolaridad como un
hecho social derivado de la existencia de la institución escolar.
Primero me referiré, siquiera de modo sucinto, a lo que podríamos
llamar la historia o enfoque tradicional en el estudio de la escuela.
Un enfoque del que aún hoy pueden hallarse abundantes ejemplos.
Después, analizaré sucesivamente cómo los paradigmas de la
historia social, la historia socio-cultural y la historia socio-crítica
de la educación han afectado, y de qué modo, a la historia y al
modo de mirar, desde la historia, dicha institución. La distinción
entre estos tres enfoques o miradas responde a criterios
clasificatorios de límites no definidos o estancos. Como se verá,
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existen entre ellos amplias zonas de contacto e intersección.


Siendo diferentes, estos tres modos de mirar se deben, sin
embargo, mucho uno al otro. En realidad, es imposible trabajar
desde uno de ellos sin tener más o menos en cuenta los otros dos. 1
A su vez, como asimismo se verá, todos ellos ofrecen una cierta
heterogeneidad interna; es decir, engloban perspectivas,
cuestiones, temas o enfoques no siempre similares.

La historia tradicional de las instituciones educativas

No debe extrañar que, como ya indicó Brickman, los


primeros ejemplos de estudios histórico-educativos a los que suele
aludirse, al hablar de los inicios de la historia de la educación
como campo de investigación, sean en su mayoría historias de
instituciones educativas escritas en el siglo XVI con la pretensión
de mostrar su antigüedad y sus glorias.2 Este tipo de historias
dieron paso, sin embargo, a otras en las que el tema a estudiar era
no una universidad concreta sino la educación superior en general,
desde el mundo antiguo hasta el momento en el que el texto era
elaborado. La génesis de la historia de las instituciones escolares de
educación superior constituye, por ello, un buen ejemplo del paso
desde unos primeros trabajos de índole hagiográfica sobre
universidades concretas a «repertorios internacionales […]

1
No está de más advertir que no son estas las únicas miradas posibles a la historia
de la escuela y de la escolaridad. Sólo con el propósito de indicar alguna otra podría
citarse el enfoque neoconservador del que quizás el mejor ejemplo en nuestro país
sea la trilogía de V. Pérez-Díaz y J. C. Rodríguez compuesta por Educación
superior y futuro de España, La educación profesional en España y La educación
general en España, editada por Santillana en 2001, 2002 y 2003 respectivamente.
Sobre su visión de la historia de la educación, remito a lo dicho en Antonio Viñao,
«Ad maiorem mercati gloriam. La historia de la educación en Pérez-Díaz y
Rodríguez», Historia de la Educación, vol. 24 (2006), pp. 543-565.
2
W. W. Brickman, Research in Educational History, Norwood, Norwood
Editions, 1973, p. 228.

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exaltando su reputación en función de su pasado»;3 o sea, a una


historia comparada y, en último término, a una historia
cronológica de dichas instituciones desde sus primeras
manifestaciones.
Esta historia institucional, por lo general hagiográfica y
circunscrita a una institución concreta o a una serie de ellas
pertenecientes a una misma área geográfica, entidad o persona
jurídica, no ha desaparecido ni es previsible que desaparezca.
Incluso, desde un punto de vista cuantitativo, goza de buena salud
y posee una sólida demanda social. Así lo muestra el buen número
de publicaciones que, con motivos casi siempre conmemorativos,
han ido apareciendo en las últimas décadas en España en relación,
por ejemplo, con los 150 años de la creación de los más antiguos
Institutos de segunda enseñanza y Escuelas Normales creadas a
mediados del siglo XIX, o con los 25, 50, 100 o más años de la
fundación de éste o aquél centro docente público o privado, en
especial de los pertenecientes a órdenes y congregaciones religiosas.
La estructura de estos trabajos sigue, por lo general, un patrón
más o menos normalizado: génesis o creación y, siguiendo o no un
orden cronológico de sucesivas etapas o épocas, las consabidas
referencias a los aspectos materiales (edificio o edificios,
equipamiento) y financieros, a los alumnos, profesores y
directores, a su organización y funcionamiento y, como mucho, a
las enseñanzas impartidas. Todo ello con amplias referencias a los
aspectos más encomiables, los personajes (profesores y alumnos) de
cierto renombre y al patrimonio artístico, histórico y bibliográfico
(caso de existir). Unas referencias que contrastan con el silencio u
olvido de las cuestiones conflictivas, de los momentos críticos, de
los aspectos negativos, de los personajes poco presentables de la
institución referida, de su micropolítica interna y del contexto
social en el que emergió y desarrolló su actividad. En cuanto a la
autoría, individual o colectiva, lo usual es que el autor o autores
3
W. Frijhoff, «Sur l’utilité d’une histoire comparée des systèmes éducatifs
nationaux», Histoire de l’Éducation, vol. 13 (1981), pp. 29-44 (cita en p. 29).

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sean o hayan sido profesores y/o alumnos de la institución


analizada.

La historia social de las instituciones escolares

Frente a la historia de la educación o pedagogía usual en


buena parte de las obras publicadas en España, o fuera de España,
en el siglo XIX y en la primera mitad del XX (o incluso después) de
orientación esencialista, intemporal y normativa, centrada en una
historia, por lo general descontextualizada, del pensamiento o
ideas pedagógicas, de las instituciones escolares y de la política
educativa, emergería en los años 60 y 70 del siglo XX la historia
social de la educación. Este cambio de enfoque, tardíamente
experimentado en España, sería consecuencia, por un lado, del
acercamiento metodológico y temático entre la historia y las
ciencias sociales. Y, desde el campo de la educación, por la
correlativa expansión que tendría lugar en dichos años tanto de la
educación formal bajo el supuesto de que ello favorecía la
movilidad social, el progreso económico y el desarrollo
democrático como de las ciencias de la educación, en especial de
la sociología de la educación.
La historia de la educación «al viejo estilo» se limitaba,
por lo que respecta a la historia de las ideas pedagógicas y de las
instituciones escolares, a la obra y vida de las figuras más
relevantes del pensamiento pedagógico mostradas, como se ha
dicho, de un modo intemporal y descontextualizado así como de
aquellos fundadores y profesores asimismo considerados más
relevantes.4 La historia social de la educación, sometida a lo que
McCulloch y Richardson han llamado «el reto de las ciencias
sociales», y en especial, en un primer momento, al de la sociología,

4
M. de Vroede, «Tendances actuelles en Histoire de l’Éducation», Full
Informatiu de la Coordinadora de les Jornades d’Història de l’Educació als Països
Catalans, vol. 1 (1980), pp. 7-23.

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incorporó a la agenda de trabajo de los historiadores de la


educación nuevos temas y enfoques5. Entre los temas, por
ejemplo, la historia de la infancia y de la familia, de la educación
popular, de los procesos de alfabetización, escolarización y
feminización (en este último caso, tanto de las poblaciones
escolares como de la profesión docente), de las poblaciones
escolares o grupos destinatarios de la educación formal (y dentro
de ellos, de un modo particular, de grupos concretos como las
mujeres, los niños con deficiencias físicas o psíquicas o los
excluidos socialmente y objeto de acciones educativas específicas),
de las enseñanzas profesionales y técnicas, del currículum, del
profesorado como grupo social, de las diferencias sociales y
culturales ante la educación, de los sistemas educativos, de los
modos de educación no formales o, desde perspectivas más
amplias, de las relaciones entre la educación y el orden y el cambio
sociales. Entre los enfoques, además del cuantitativismo, la
consideración de la educación formal como un artefacto, aparato o
sistema condicionado e influido, en su configuración, por factores
sociales y económicos. Incluso considerado, en ocasiones, como
una mera reproducción de dichos factores y de la sociedad que lo
producía. En último término, la historia social de la educación no
tenía ya por objetivo el deber ser (cómo debía ser la educación) o
una finalidad normativa (cómo debía regularse la educación) sino
explicativa e interpretativa de la realidad educativa (cómo era la
educación) en un determinado contexto social.
Este enfoque diluía las instituciones escolares, como
tales instituciones concretas, en aquellos procesos, tendencias,
fuerzas y contextos sociales más amplios en los que su existencia y
actividad cobraban sentido. Ocultaba, pues, la relativa autonomía
de dichas instituciones y su capacidad para generar unos modos de
organizarse y hacer específicamente propios. Sin embargo, abría la
puerta a perspectivas más generales que permitían considerar la
5
G. McCulloch y W. Richardson, Historical Research: Educational Settings,
Buckingham–Philadelphia, Open University Press, 2000, pp. 52-78.

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institución escolar como un todo con un sentido y una finalidad


propia en el conjunto de las instituciones sociales y, al mismo
tiempo, como un sistema internamente diferenciado en función de
los niveles educativos o modalidades de enseñanza, del currículum
impartido y de los destinatarios o grupos sociales a los que se
dirigía la institución o instituciones objeto de análisis. Por poner
un ejemplo, si se estudiaba el proceso de escolarización había que
manejar y analizar, por supuesto, datos estadísticos por sexos,
edades, zonas y grupos sociales, pero también había que considerar
aspectos sociales externos al sistema educativo por ejemplo, el
trabajo infantil y aspectos internos del mismo como los
diferentes modos, contenidos y redes de escolarización en función
de sus destinatarios. Y junto a ello, desde una perspectiva
institucional concreta, el área de influencia de cada centro
docente, las relaciones con su entorno y las funciones sociales que
cumplía o pretendía cumplir.
En el marco de esta historia social de la educación, se
han llevado a cabo una serie de estudios que se hallan a medio
camino entre dicha historia social y la historia socio-cultural de la
educación. Me refiero a aquellos trabajos que, desde una
perspectiva sistémica, abordan el origen, evolución, estructura,
dinámica y fuerzas internas de los sistemas educativos. Unas veces
se pone el acento en el papel, no neutral, de los poderes públicos,
estatales o locales, en su configuración. Otras veces en los
procesos de sistematización, inclusión, exclusión y segmentación
vertical (graduación) y horizontal. Otras, por último, en las
presiones propedéuticas de unos niveles educativos sobre otros o en
la existencia de instituciones docentes que se constituyen como
modelo o ejemplo a seguir e imitar por las demás.6 De un modo u

6
Sobre el particular véase, con más detalle, A. Viñao, Sistemas educativos,
culturas escolares y reformas. Continuidades y cambios, Madrid, Morata, 2000,
pp. 44-69. Uno de las obras más representativas de esta corriente historiográfica
es la de D. K. Muller, F. Ringer y B. Simon (comps.), El desarrollo del sistema
educativo moderno. Cambio estructural y reproducción social, 1870-1920,
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 9-54, Maio/Ago 2008.
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otro, en dichos estudios la institución escolar y la escolaridad son


vistas como piezas de un sistema, piezas escasamente autónomas,
sujetas a los cambios estructurales, tendencias y procesos que
operan en el mismo.

La historia o perspectiva socio-cultural:


la gramática de la escolaridad, las culturas escolares
y la historia material de las instituciones educativas

Si ya en su día, en los años 60 y 70 del siglo pasado, la


historia social modificó en parte sólo en parte los temas,
fuentes y enfoques de la historia de la educación como campo de
investigación y de modo superficial los de la historia de la
educación como disciplina académica, la llamada historia
cultural un amplio campo en el que se insertan temas y
enfoques muy heterogéneos bajo el influjo, esta vez, de la
antropología o los «estudios culturales» supuso, asimismo en
parte, en dicho campo y en los años 80 y 90 del siglo XX y en lo
que llevamos del XXI, nuevos temas de investigación, nuevos
modos de mirar la realidad y el desplazamiento de la atención
hacia fuentes hasta ahora poco o nada utilizadas. Como se ha
dicho recientemente, «donde antes [en la historia social] primaban
las estructuras, la cuantificación y la explicación, ahora [con la
historia cultural] se pretende dar prioridad a los sujetos, los
análisis cualitativos y la comprensión. Donde antes se sacralizaban
los contextos sociales, ahora se sacralizan los significados
culturales».7

Madrid, Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992 (1ª edición en inglés de


1987).
7
N. de Gabriel, «Clases populares y culturas escolares», en J. Gómez Fernández,
G. Espigado Tocino y M. Beas Miranda (eds.), La escuela y sus escenarios, El
Puerto de Santa María, Ayuntamiento del Puerto de Santa María, 2007, pp.
243-269 (cita en p. 243).

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 9-54, Maio/Ago 2008.


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Varios aspectos, relacionados entre sí, impulsaron o


estaban detrás de estos cambios. El primero fue la llamada de
atención que distintos autores desde distintos contextos hicieron
en relación con la necesidad de adentrarse en el estudio de esa
«caja negra» que para la historia de la educación seguía siendo la
realidad del aula y la vida cotidiana de las instituciones educativas.
Hasta entonces los historiadores de la educación, se ha dicho, se
habían ocupado más de las teorías, las propuestas, lo normativo y
lo regulado que de lo que acontecía realmente en las aulas y en los
centros docentes. Asimismo, en el ámbito de la historia social de
la educación los análisis se habían centrado más en los
condicionantes y contextos externos a las instituciones escolares
que en lo que sucedía en el interior de las mismas; más en la
«externalidad» de los procesos educativos que en la «internalidad»
del trabajo escolar.8 Y todo parecía indicar que lo que realmente
sucedía tenía su propia lógica. Una lógica diferente a la de la
educación deseada, propuesta o prescrita o, incluso, condicionada
por fuerzas externas. Este nuevo campo de trabajo implicaba
nuevos temas, nuevas fuentes (relativas al mundo de la imagen,
egodocumentos, historia oral, prensa pedagógica, informes
oficiales, trabajos de los alumnos, cuadernos y diarios de clase,
relatos de aula, etc.) o, si se prefiere, un modo diferente de mirar
las fuentes conocidas, y un nuevo enfoque próximo o cercano a los
de la antropología y la etnografía.9
Otros planteamientos procedían de quienes veían la
institución escolar como una combinación de continuidades y
cambios, indicando que los historiadores de la educación habían
estado más atentos por lo general a los segundos que a las
primeras, más a las innovaciones y reformas que a las inercias y

8
A. Nóvoa, Histoire & Comparaison. (Essais sur l’Éducation), Lisboa, EDUCA,
1998, p. 34.
9
M. Depaepe y F. Simon, «Fuentes y métodos para la historia del aula», en M.
Ferraz (ed.), Repensar la historia de la educación. Nuevos desafíos, nuevas
propuestas, Madrid, Biblioteca Nueva, 2005, pp. 337-363.

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rutinas. Y, en estrecha relación con lo anterior, de quienes, en su


análisis de las reformas educativas, observaban, desde la
perspectiva de la larga duración, cómo dichas reformas sólo
arañaban superficialmente la realidad y las prácticas del aula.
Cómo se generaban y sedimentaban en el tiempo, en las
instituciones escolares, unas prácticas, unos modos de hacer y de
pensar de origen artesanal, que persistían adaptándose a los
cambios impuestos desde el exterior de las mismas, ya fuera por los
poderes públicos, ya fuera por presiones y exigencias sociales. Unas
prácticas y unos modos de hacer y de pensar definidos unas veces
con el nombre de gramática de la escolaridad y otras con el de
cultura escolar.
En este sentido, un paso más allá ha sido dado por
quienes, a partir del concepto de cultura escolar, mantienen la
relativa autonomía de la institución escolar y de los sistemas
educativos en los que ésta se inserta, en relación con su contexto
social, poniendo de relieve su capacidad para crear no sólo formas
de hacer y de pensar propias, es decir, productos culturales propios
uno de los cuales serían las disciplinas y tareas escolares, sino
también para configurar una sociedad escolarizada o academizada.
Una sociedad en la que cualquier modalidad de enseñanza adopta
las formas escolares de transmisión y evaluación del saber y en la
que las credenciales académicas condicionan en mayor o menor
medida las trayectorias sociales de los individuos.
Por último, desde un enfoque memorialístico10 (con
ribetes nostálgicos), el auge del museísmo pedagógico y la
necesidad, ya expresada, de conocer la cultura escolar y sus
manifestaciones cotidianas, ha hecho que los historiadores de la
educación dirigieran la atención en los últimos años hacia la
cultura material de las instituciones escolares, hacia lo que se
llama la historia material de la escuela, es decir, hacia su
configuración física (espacios y tiempos) y hacia los objetos en que
10
A. Viñao, «La memoria escolar: restos y huellas, recuerdos y olvidos», Annali di
Storia dell’Educazione e delle Istituzioni Scolastiche, vol. 12 (2005), pp. 19-33.

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dicha cultura se hace visible y se materializa (mobiliario y enseres,


material didáctico, material producido en la misma escuela o
traído desde fuera a ella, etc.).
De todos estos aspectos seguidamente trataré con más
detalle los relativos a la gramática de la escolaridad, las culturas
escolares y la cultura material de las instituciones escolares.

La gramática de la escolaridad
De la gramática de la escolaridad se han dado diversas
versiones e interpretaciones. Lo mejor, en éste y en otros casos, es
acudir a la fuente original: al ya clásico libro de David Tyack y
Larry Cuban En busca de una utopía. Un siglo de reformas de las
escuelas públicas, cuya primera edición en inglés es de 1995 y en
español del año 2000.
La «gramática de la escolaridad», nos dicen ambos
autores, «es un producto de la historia». Su análisis se refiere a la
historia de la escolarización y de la escuela en Estados Unidos, a
su configuración histórica durante el siglo XIX y a los intentos,
más o menos infructuosos, de modificar dicha gramática, en
especial a lo largo del siglo XX. Esa «gramática» incluiría, a su
juicio, aspectos tales como la disposición y forma de las aulas, el
modo de dividir y emplear el tiempo y el espacio, la asignación y
separación entre sí de las aulas, la división del conocimiento en
materias o disciplinas, los modos de examinar y otorgar
calificaciones y la graduación en cursos del currículum. Este modo
de «organizar las escuelas para impartir instrucción» se ha
convertido en «la práctica escolar habitual», en «pautas» o «formas
institucionales establecidas» que permiten a los maestros y
profesores «cumplir con sus deberes de una forma predecible» y
«enfrentarse a las tareas cotidianas» que se espera que lleven a
cabo. Se trata de prácticas que se dan por sentadas, que se
considera que son aquellas que deben tener las escuelas, que no se
cuestionan y cuya existencia a veces ni siquiera se advierte. Frente
a ellas, los intentos de modificación de las mismas (escuelas no

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graduadas, espacios y tiempos flexibles, interdisciplinariedad y


transversalidad, trabajo en equipo), y las sucesivas reformas, se
quedan en la periferia y, como mucho, son el origen de formas
híbridas de enseñanza. Los cambios, caso de producirse, son
graduales y silenciosos. De este modo dicha «gramática» se
presenta como algo a la vez descriptivo (sirve para saber cómo son
las cosas) y normativo (nos dice cómo deben ser, sin que ese deber
ser se cuestione o perciba como tal).11
Su existencia, caracterización y análisis permite
considerar las instituciones escolares, a juicio de Cuban, como una
combinación de continuidades, cambios graduales e hibridaciones
o adaptaciones al contexto de las propuestas o mandatos de
reforma. En su estudio sobre las continuidades y los cambios en
las aulas estadounidenses desde 1890 a 1990, tras varias décadas
de predominio científico y reformista del paidocentrismo y de la
educación progresiva, Cuban llegó a la conclusión: a) de que sólo
entre un 5 y un 10 por ciento de las escuelas habían intentado
aplicar, de forma activa, sus métodos e ideas; b) que un 25 por
ciento de las mismas ofrecía una situación híbrida entre las
prácticas nuevas y las tradicionales; y c) que cerca de los 2/3 de las
escuelas (una cifra que se elevaba al 90 % en la enseñanza
secundaria) habían permanecido impermeables a dicho
movimiento de reforma e innovación12. Y en un trabajo reciente
ha observado asimismo que, tras algo más de dos décadas de
predominio de los movimientos aliados de la «libre elección
de centro» y de los «niveles standard» con su énfasis en los
conceptos y prácticas de «rendición de cuentas», «tests de
evaluación» y «currículum básico», «la organización social de las

11
D. Tyack y L. Cuban, En busca de la utopía. Un siglo de reformas de las
escuelas públicas, México D.F., Fondo de Cultura Económica, 2000, pp. 167-
173 (1ª edición en inglés de 1995).
12
L. Cuban, How Teachers Taught. Constancy and Change in American
Classrooms, 1890-1990, New York, Teachers College Press, 1993, pp. 246 y
265, entre otras.

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22

aulas de las escuelas elementales y secundarias continua siendo


informal» y «siguen floreciendo híbridos pedagógicos basados en el
progresivismo centrado en el profesor».13

La cultura o culturas escolares


La expresión «cultura escolar» o, en plural, «culturas
escolares» viene siendo utilizada con cierta profusión por los
historiadores de la educación desde mediados de la década de los
90 del siglo pasado. La índole polisémica del término cultura y su
capacidad para explicar, desde y partir del mismo, todo lo que
acontece en el seno de una grupo o institución social, corren el
peligro de convertir dicha expresión en un fácil comodín explícalo-
todo. En todo caso, y con el fin de fijar qué es lo que se entiende
por “cultura escolar”, tras analizar los diversos usos que la
historiografía educativa ha hecho de ella me atreví a definirla de
un modo general como

un conjunto de teorías, ideas, principios, normas, pautas,


rituales, inercias, hábitos y prácticas (formas de hacer y
de pensar, mentalidades y comportamientos)
sedimentadas a lo largo del tiempo en forma de
tradiciones, regularidades y reglas de juego no puestas en
entredicho, y compartidas por sus actores, en el seno de
las instituciones educativas.14

Pueden encontrarse precedentes, anteriores a la


mencionada década de los 90, del uso de la mencionada expresión
con un sentido similar al de la gramática de la escolaridad, para
explicar las inercias y resistencias a las innovaciones y cambios
escolares. Así lo hizo en 1976 Seymour B. Sarason. En síntesis,
para este autor, pertenece o forma parte de la cultura escolar todo

13
L. Cuban, «Hugging the middle. Teaching in an Era of Testing and
Accountability, 1980-2005», Education Policy Analysis Archives, vol. 15-1,
2007 (http://epaa.asu.edu/).
14
A. Viñao, Sistemas educativos, culturas escolares y reformas, p. 73.

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aquello que la institución escolar no pone en cuestión. O bien, si


se prefiere, todo aquello para lo cual no se plantean otras
alternativas o posibilidades de organización o funcionamiento
desde dentro de dicha institución. Para descubrirlo y cuestionar la
cultura escolar Sarason adopta la estrategia del “marciano”: un
marciano aterriza en nuestras instituciones escolares y comienza a
preguntar el por qué de todo lo que ve u observa. En definitiva,
intenta buscar una explicación para saber cómo las cosas han
llegado a ser lo que son: su genealogía. Algo que los componentes
de la institución en cuestión no se preguntan ni se plantean.15
No obstante, la expresión «cultura escolar» se ha
utilizado también, desde la historia, con otros enfoques y
significados. Uno de los primeros historiadores en utilizar dicha
expresión de un modo fructífero, Dominique Julia, señalaba ya en
1975 tres hechos a tener en cuenta:
A) Uno de ellos es que dicha cultura, aún siendo algo
propio e interno a la institución escolar, «no puede
ser estudiada sin el análisis preciso de las relaciones
conflictuales o pacíficas que mantiene, en cada
período de su historia, con el conjunto de sus culturas
contemporáneas: la cultura religiosa, la cultura
política o la cultura popular».16
B) El segundo hecho se refiere a la difusión social de las
formas escolares de transmisión de saberes y
prácticas; es decir, a la aceptación social, como las

15
S. B. Sarason, The Culture of the School and the Problem of Change,
Boston, Allyn & Bacon, 1976, Revisiting “The Culture of the School and the
Problem of Change”, New York, Teacher College Press, 1996, y en español y
más recientemente, El predecible fracaso de las reformas educativas, Barcelona,
Octaedro, 2003 (1ª edición en ingles de 1990).
16
D. Julia, «La culture scolaire comme objet historique», en Colonial Experience
in Education. Historical Issues and Perspectives, Gent, Paedagogica Historica,
Supplementary Series (i) (1995), pp. 353-382 (cita en pp. 353-354).

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más idóneas para enseñar y aprender, de las modos y


procedimientos elaborados con este fin por la cultura
escolar.17
C) El tercer hecho es la existencia de al menos dos
culturas escolares separadas y en gran medida
opuestas: la de la enseñanza primaria y la de la
enseñanza secundaria.18
El primer hecho, aún reconociendo las peculiaridades y
la relativa autonomía de la cultura escolar para crear y elaborar
productos propios entre ellos las disciplinas escolares, nos está
advirtiendo sobre la necesidad, en su análisis, de ponerla en
relación con otros ámbitos y culturas de la sociedad de la que
forma parte. El segundo está llamando la atención sobre la
capacidad de la institución escolar para construir una «sociedad
escolarizada». El tercero nos remite a la cuestión de las culturas
escolares en plural.
No existe, en efecto, una cultura escolar, sino diversas
culturas escolares. Agustín Escolano ha distinguido, con acierto,
al menos tres de ellas: a) la cultura «científica» de los “expertos de
la educación, es decir, la de los que estudian e investigan en el
campo de la educación, por lo general (aunque, por fortuna, no
siempre) desde el ámbito universitario, para los que el idioma
inglés tiene un término específico: «educacionists»; b) la de los
políticos, gestores o administradores de la educación (la cultura
«política»); y c) la cultura «empírica» o «artesanal» de la
escolaridad generada desde el oficio de profesor o maestro, en el
mismo ejercicio de la profesión19. Una cultura, esta última, que

17
Ib., p. 354.
18
Ib., p. 373.
19
Véase, entre otros trabajos en los que este autor ha desarrollado esta distinción,
«Las culturas escolares del siglo xx. Encuentros y desencuentros», Revista de
Educación, número extraordinario sobre «La educación en la España del siglo
xx», 2000, pp. 201-218.

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vendría en buena parte a coincidir con la antes llamada gramática


de la escolaridad o cultura escolar académica. La distinción es útil,
entre otras cosas, para explicar, por ejemplo, el creciente divorcio a
lo largo del siglo XX entre la cultura «científica» y la «empírica»,
entre las ciencias pedagógicas o educativas (la «alta» pedagogía) y
el saber profesional de profesores y maestros (la «baja» pedagogía)
o, como ya se indicó, entre esta última y la cultura de los políticos
y gestores.20 Pero tiene el peligro de hacer creer que se trata de tres
compartimentos estancos sin relación o con escasa interacción y
relación entre sí, en especial cuando nos referimos a los tres
productos de dichas tres culturas de o sobre la escuela: la
educación propuesta o deseada, la legal o prescrita y la real o
enseñada. Por otra parte, requiere, desde la perspectiva del análisis
histórico «fino», prestar una atención específica a los
intermediarios culturales y canales de intermediación entre una y
otra cultura así como al tránsito y movimiento de personajes, ideas
y términos o expresiones concretas desde una a otra.
Pero no son éstas las únicas distinciones que aconsejan
utilizar el plural cuando nos referimos a la cultura escolar. A las
tres culturas o modos mencionados de pensar, ver y actuar en
relación con la escolaridad pueden añadirse los modos propios de
las familias o padres y madres y los de los alumnos y estudiantes.
Además, la naturaleza de las instituciones escolares (tipo de
estudios, destinatarios, entorno, rituales) determina culturas
diferentes. A la distinción, ya señalada, entre los centros
educativos de educación primaria y secundaria podrían añadirse
otras de índole similar (incluso es obvio que pueden indicarse
diferencias culturales entre las distintas facultades universitarias) o
relativas a la titularidad del centro docente (público o privado) o a
su ideario (confesional o laico). En este sentido podríamos decir

20
Estas dos cuestiones las he tratado con cierto detalle en Sistemas educativos,
culturas escolares y reformas, pp. 90-99. En cuanto al desencuentro entre la «alta»
y la «baja» pedagogía, véase A. Nóvoa, Histoire & Comparaison, pp. 121-145.

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que la cultura escolar no es ni más ni menos que la memoria de las


instituciones educativas.
Otro de los rasgos destacados por la historiografía
educativa, en especial por la francesa,21 en relación con la cultura
o culturas escolares es su relativa autonomía respecto de factores o
aspectos externos a la misma y su capacidad para generar
productos culturales propios, entre los que se encuentran las
disciplinas escolares.22 Ya sea que las disciplinas sean vistas como
tradiciones o construcciones históricamente inventadas, como
espacios de poder social y académico, como transmutaciones
didácticas de saberes producidos fuera del mundo escolar, como
saberes generados en el interior del mismo sin relación alguna o
mínima con el exterior, o como organismos vivos que nacen,
evolucionan y se transforman o desaparecen, el hecho es que llevan
en sí mismas las marcas características de la cultura escolar. Son
productos de ella.
El núcleo constitutivo de una disciplina escolar (dando a
esta expresión un sentido amplio que incluye actividades y
ejercicios que también forman parte de la tradición académico-
escolar) es el «código disciplinar». Un código formado por un
cuerpo de contenidos más o menos estructurado y secuenciado,

21
A. Chervel, «Historia de las disciplinas escolares. Reflexiones sobre un campo
de investigación», Revista de Educación, vol. 295 (1991), pp. 59-111 (publicado
en Histoire de l’Éducation en 1988), «Des disciplines scolaires à la culture
scolaire», en J. Sturm, J. Dekker, R. Aldrich y F. Simon (eds.), Education and
Cultural Transmisión, Gent, Paedagogica Historica, Supplementary Series (ii)
(1996), pp. 181-195, y La culture scolaire. Une approche historique, Paris,
Belin, 1998; D. Julia, «Construcción de las disciplinas escolares en Europa», en
J. Ruiz Berrio (ed.), La cultura escolar de Europa. Tendencias históricas
emergentes, Madrid, Biblioteca Nueva, 2000, pp. 45-78; y Bruno Belhoste,
«Culture scolaire et histoire des disciplines», Annali di Storia dell’Educazione e
delle Istituzioni Scholastiche, 12 (2005), pp. 213-223.
22
En los párrafos que siguen sintetizo algunas de las ideas expuestas en A.
Viñao, «La historia de las disciplinas escolares», Historia de la Educación, vol.
25 (2006), pp. 243-269.

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unas prácticas profesionales relativas a los modos de enseñar y


aprender tales contenidos, y un discurso relativo al valor formativo
y utilidad académica, profesional y social de dichos contenidos y
prácticas.23 Un código históricamente construido mediante un
«proceso de disciplinarización» sobre el que la historiografía ha
centrado su atención unas veces en los aspectos soñados,
pretendidos o propuestos, otras sobre los regulados o prescritos, y
otras, por fin, en los enseñados y aprendidos realmente. Un
campo, este último, especialmente trabajado por la historiografía
francesa, que implica, a través del análisis de los libros de texto,
programas, trabajos de alumnos, cuadernos escolares y de notas,
ejercicios y exámenes, un acercamiento a esa ya mencionada “caja
negra” de la realidad del aula y de la escolaridad.
Con independencia de lo anterior, también desde el
ámbito de las relaciones entre las culturas escolares y otros
ámbitos socio-culturales, es decir, desde la integración entre lo
social y lo cultural, pueden analizarse y enfocarse, como ha
mostrado Narciso de Gabriel, las instituciones escolares y los
procesos de escolarización.24 El «encuentro» entre la cultura
escolar o modo de escolaridad oficial o prescrito, más o menos
cercano al modo propuesto, y las diversas culturas populares del
medio rural ha dado lugar en España, y fuera de ella, a modos de
escolaridad e instituciones escolares adaptadas a dicho medio que,
en definitiva, no son sino formas híbridas entre lo propuesto o
prescrito y las necesidades o exigencias del mismo. Tales serían,
por ejemplo, las escuelas de «ferrado» y a cargo de «escolantes» de
la Galicia rural, las de los maestros «babianos» de las montañas de
León y Asturias, las de los «enseñaores», «maestros cortijeros» o

23
R. Cuesta: Sociogénesis de una disciplina escolar: la Historia, Barcelona,
Pomares-Corredor, 1997, pp. 20-21, y «Campo profesional, formación del
profesorado y apuntes de didáctica crítica para tiempos de desolación», Didáctica
de las Ciencias Experimentales y Sociales, vol. 17 (2003), pp. 3-23 (citas en pp.
6-7).
24
Narciso de Gabriel, “Clases populares y culturas escolares”.pp. 254-267.

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28

«de aldea» de la España del sur o las de los «mestres de sequer» de


Cataluña. Incluso para la Bélgica del siglo XIX, por poner el
ejemplo de un país donde ya a mediados de dicho siglo se
construyen edificios escolares con arreglo a normas estatales, se ha
dicho que la escuela estaba allí donde estaba el maestro.25 Es decir,
que la escuela no se identificaba con un espacio específicamente
destinado a tal fin, sino con el maestro que la regentaba. De igual
modo, en los casos mencionados nos hallamos ante maestros que o
bien eran contratados por temporadas acomodando así los
tiempos de la escuela a los de las faenas agrícolas y ganaderas , o
bien iban itinerantes de unas casas y cortijos a otras, y que, en
general, recibían su estipendio, o parte del mismo, en especie y no
en dinero por enseñar unos saberes elementales con instrumentos
y recursos proporcionados por el mismo entorno.
Por último, desde una perspectiva que combina lo
antropológico y etnográfico con lo físico, hay quienes entienden
que la expresión cultura escolar incluye también aspectos
«intersomáticos» hasta ahora poco estudiados. Con ello se alude a
“la ordenación institucional, ceremonializada, de las acciones y
relaciones” de todo tipo que tienen lugar en el seno de las
instituciones escolares.26 Una noción ampliable a la presentación
social por ejemplo, los modos de vestir y uniformes, caso de
haberlos, o de actuar ante los demás, modos conversacionales
léxico, tratamiento, interacciones verbales y gestuales, etc. y
aspectos proxémicos de las relaciones entre quienes forman parte
de las mismas.27 O, yendo algo más allá, a la historia del cuerpo en

25
B. Eggermont, School space in and outside school (Belgian primary schools,
1842-1940), comunicación presentada en el XXIII congreso de la ISCHE
celebrado en Birmingham en el año 2001, pp. 20-25.
26
A. Terrón y V. Álvarez, «Sobre la cultura escolar y los mitos de nuestra
escuela», Cultura y Educación, 14 (3) (2002), pp. 237-252 (referencia en p.
244).
27
Proxemia o proxémica: «el conjunto de observaciones y teorías concernientes al
empleo que el ser humano hace del espacio como producto cultural específico» o
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29

la escuela, de la disposición, presentación, movimientos, manejo y


gestión de la corporeidad material de quienes integran las
instituciones educativas.

La historia y la cultura material de la escolaridad


La cultura escolar no sólo se compone de formas de
pensar y hacer institucionalizadas, de rituales, ceremonias y modos
de presentación social, organización y ordenación «intersomáticos»,
sino también de «elementos extrasomáticos» de índole material.28
En todo caso esta distinción es más académica que real. Lo
intersomático tiene lugar en un contexto material extrasomático.
Es más, requiere un determinado despliegue o disposición física de
este último. La historia de los «objetos-huella» de la escuela, en
palabras de Saccheto, «es un poco también la historia de la
escuela, de sus modelos de organización pedagógica y didáctica»29
De ahí, en parte, la atención prestada por los historiadores de la
educación en las dos últimas décadas a la llamada historia o
cultura material de las instituciones educativas o etnohistoria de
las mismas.30 Una historia plena de posibilidades pero acechada, al

«utilización simbólica del espacio como proyección de la relación psicológica


entre los actuantes» (D. Picard, Del código al deseo. El cuerpo en la relación
social, Buenos Aires, Paidós, 1983, pp. 103 y 115; 1ª edición en francés de
1983). El término proxémica fue acuñado por E. T. Hall en La dimensión
oculta, México, Siglo XXI, 1972, p. 6 (1ª edición en inglés de 1966).
28
A. Terrón y V. Álvarez, «Sobre la cultura escolar y los mitos de nuestra
escuela», p. 244.
29
P.-P. Sacchetto, El objeto informador. Los objetos en la escuela: entre la
comunicación y el aprendizaje, Barcelona, Gedisa, 1986.
30
A fin de evitar una larga enumeración de trabajos remito a los incluidos en A.
Escolano Benito (ed.), La cultura material de la escuela. En el centenario de la
Junta para Ampliación de Estudios, 1907-2007, Berlanga de Duero (Soria),
CEINCE, 2007, así como en Etnohistoria de la escuela. XII Coloquio Nacional
de Historia de la Educación, Universidad de Burgos y Sociedad Española de
Historia de la Educación, 2003.

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30

mismo tiempo, por los peligros del fetichismo de los objetos, del
anticuariado, del coleccionismo museístico y del particularismo
fragmentario.
¿Cuáles son los componentes básicos de esa cultura
material de las instituciones escolares? Fundamentalmente cuatro:
A) La disposición, distribución y usos del espacio y el
tiempo escolares.31
B) Los enseres del aula: estufas, relojes, retratos,
armarios, estanterías y, sobre todo, el mobiliario de
los alumnos y del profesor y su disposición espacial en
el aula.32 En síntesis, lo que, en un sentido amplio, el
autor de la voz «Mobiliario escolar» del Diccionario
de Pedagogía Labor de 1936 entendía por tal: el
conjunto de “todos aquellos objetos, de uso corriente
en la escuela, que sin formar parte del edificio ni
haber sido adscritos a él en el momento de la
construcción, no son tampoco utilizables como
medios de instrucción o de enseñanza”.33

31
A. Viñao (coord.), «El espacio escolar en la historia», Historia de la
Educación, vol. 12-13 (1993-1994), pp. 11-271, «L’espace et le temps scolaires
comme objet d’histoire», Histoire de l’Éducation, vol. 78 (1998), pp. 89-108, y
Tiempos escolares, tiempos sociales. La distribución del tiempo y del trabajo en la
enseñanza primaria en España, 1838-1936, Barcelona, Ariel, 1998; M.ª-M.
Compère, L’histoire du temps scolaire en Europe, Paris, Institut National de
Recherche Pédagogique y Éditions Économica, 1997; y A. Escolano, Tiempos y
espacios para la escuela. Ensayos históricos, Madrid, Biblioteca Nueva, 2000.
32
P. L. Moreno, «History of School Desk Development in Terms of Hygiene
and Pedagogy in Spain (1838-1936)», en M. Lawn & I. Grosvenor (eds.),
Materialities of Schooling. Design − Techology – Objects − Routines, Oxford,
Symposium Books, 2005, pp. 71-95.
33
L. Sánchez Sarto (dir.), «Mobiliario escolar», en Diccionario de Pedagogía,
Barcelona, Editorial Labor, 1936, t. ii, pp. 2133-2141 (cita en p. 2133).

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31

C) El material didáctico-escolar o «medios de


enseñanza» del profesor y de «instrucción» del
alumno34. Dentro de este epígrafe cabe distinguir dos
modalidades: el material u objetos producidos en el
exterior de la institución escolar y traídos al mismo
desde fuera (libros de texto, ábacos, mapas, globos
terráqueos, figuras geométricas, carteles ilustrativos,
láminas de dibujo, pizarras, plumas, cuadernos de
caligrafía, medios audiovisuales, aparatos de física,
instrumental científico, etc.), y los producidos en el
seno de dicha institución como resultado de
actividades propias de la misma (cuadernos escolares,
ejercicios y trabajos de los alumnos, exámenes,
trabajos manuales, dibujos, diplomas, etc.).
D) Dentro del ámbito de los objetos materiales
producidos por la institución escolar, un apartado
específico, objeto creciente de atención por los
historiadores, es el relativo a la producción
audiovisual escolar. Una producción en la que, desde
principios del siglo XX, tiene un peso especial la
fotografía. Objetos tales como la fotografía escolar
individual, la de la clase o grupo de alumnos, la orla o
fotografía de fin de carrera o el álbum
propagandístico de un determinado establecimiento
docente o aquél en el que la institución en cuestión
recoge las distintas promociones de alumnos, sus
directores o a sus profesores, forman ya parte de la
cultura escolar y ofrecen unos rasgos comunes, con

34
L. Sánchez Sarto (dir.), «Material escolar», en Diccionario de Pedagogía, pp.
1983-1994 (cita en p. 1983).

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sus variantes, que los identifican como tales incluso


internacionalmente.35

La historia socio-crítica de la institución escolar


y de la escolarización

Al igual que sucedía con la historia social y la socio-


cultural de la educación, la historia socio-crítica de la institución
escolar y de la escolarización ofrece una cierta diversidad en sus
planteamientos y direcciones. Ello no impide, sin embargo,
apreciar una serie de rasgos y características comunes.
La historia socio-crítica de la escuela y de la
escolarización se sitúa en principio frente a la historia tradicional,
la social y la socio-cultural al mismo tiempo que toma algunos
elementos o coincide en algunos aspectos con estas dos últimas.
Su rechazo de la historia tradicional, conmemorativa y
monumental es total y absoluto. Con ella no mantiene préstamos
ni relaciones más allá del dato más o menos erudito que puede ser
utilizado, en otro contexto heurístico, con un significado diferente
o incluso opuesto. Su crítica a la historia social de la escolaridad
se efectúa, al menos, desde una triple perspectiva. Por un lado,
porque dicha historia ve la «escuela moderna», la escuela que es
producto de la modernidad, «como un objeto dado, casi natural»,
más como «un objeto» que como «una invención».36 Por otro,
porque buena parte de la misma acepta, explícitamente o no, la
imagen o idea «progresista» –también llamada «liberalsocialista»–

35
C. Burke y H. Ribeiro de Castro, «The School Photograph: Portraiture and
the Art of Assembling the Body of the Schoolchild», History of Education, vol.
36-2 (2007), pp. 213-226.
36
P. Pineau, I. Dussel, M. Caruso, La escuela como máquina de educar. Tres
escritos sobre un proyecto de la modernidad, Buenos Aires, Paidós, 2001, p. 24.

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33

sobre la escuela y la escolarización universal y gratuita.37 Por


último, para la historia socio-crítica buena parte de la historia
social de la escuela es una historia de procesos sin sujetos en la
que, por ello, se olvidan el carácter social de los procesos de
subjetivación y su conexión con las relaciones de poder y
dominación, la construcción, asimismo social, de la verdad y,
junto a ello, la naturaleza y funciones productivas de la escuela: su
relativa autonomía para producir discursos, estrategias, prácticas y
campos de control, disciplina, dominación y poder.38
A su vez, la historia socio-crítica de la escuela efectúa
varias críticas a la «nueva historia cultural» de la escolaridad: la
tendencia al «coleccionismo histórico» de la historia de la cultura
material de la escuela; la aceptación del ideal progresista; la
ambigüedad del concepto de cultura escolar y su uso totalizador
al fin y al cabo todo es cultura; y el recurso, en contradicción
con sus planteamientos, no a periodizaciones propias de las
continuidades y cambios de dicha cultura, sino a aquellas que son
propias de la historia de la política educativa.39
Con independencia de los desacuerdos, la historia socio-
crítica de la educación coincide con la historia social en especial
con aquella más cercana a la sociología crítica o influida por ella

37
R. Cuesta, Felices y escolarizados. Crítica de la escuela en la era del
capitalismo, Barcelona, Octaedro-EUB, 2005, en especial pp. 99-116. Para la
mejor comprensión de todo lo que seguidamente se dice, recomendamos la
lectura de la «carta» o respuesta del autor a los comentarios y reseñas de esta obra
(«Paradojas de la escuela en la era del capitalismo. Carta a mis queridos críticos»,
Con-Ciencia Social, vol. 10 (2006), pp. 167-180) tras leer, como es obvio,
dichos comentarios y reseñas.
38
J. Varela, «Conocimiento, poder y subjetivación en las instituciones educativas.
Sobre las potencialidades del método genealógico en el análisis de la educación
formal e informal», en Th. S. Popkewitz, B. M. Franklin, M. A. Pereyra
(comps), Historia cultural y educación. Ensayos críticos sobre conocimiento y
escolarización, Barcelona-México, Ediciones Pomares, 2003, pp. 127-145 (citas
y referencias en pp. 136-140 y 153-154; 1ª edición en inglés de 2001).
39
R. Cuesta, Felices y escolarizados, pp. 116-122.

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en centrarse más en la escolaridad y la escolarización que en la


institución escolar aislada; en considerar a ambas como un hecho
o fenómeno social explicable socialmente, y, sobre todo, en la
atención que presta a los procesos hegemónicos y
contrahegemónicos relacionados con la escuela como medio
disciplinario de legitimación y dominación social, de poder,
normalización y control. Por su parte, y en relación con la historia
socio-cultural, la historia socio-crítica se interesa también por los
cambios y las continuidades en el ámbito del currículum y de la
organización escolar y, dentro del mismo, por la sociogénesis de
los campos disciplinares, y en el de la cultura material de las
instituciones educativas.
En las páginas que siguen intentaré, primero, hacer una
síntesis de los rasgos y planteamientos básicos de la historia socio-
crítica de la escuela. Después expondré las metáforas de la escuela
y la escolaridad a las que recurre. Por último, centraré mi análisis
en dos aspectos de la misma: el establecimiento de periodizaciones
no políticas en dicha historia y la crítica de la identificación entre
escolaridad y progreso.

Algunos rasgos básicos de la historia socio-crítica de la escuela:


una mirada genealógica, constructivista y crítica
Al igual que sucedía con la historia social y la socio-
cultural, existe una cierta diversidad de planteamientos, variantes y
matices en el seno de la historia socio-crítica de la escuela.
Incluso, en ocasiones, de puntos de vista contrapuestos. En este
texto centraremos la atención en aquellos planteamientos, de raíz
foucaltiana, que más difusión tienen en la historiografía
iberoamericana, no sin antes señalar lo paradójico de una
situación en la que la aplicación del léxico e ideas de Foucault al
campo de la historia de la educación haya encontrado más eco en
dicha historiografía que en la francesa donde aquellos pocos
intentos que en este sentido pueden indicarse sólo han cosechado

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el silencio y, como mucho, algún comentario crítico.40 En el


ámbito anglosajón, por el contrario, este tipo de discurso o mirada
parece haber gozado de mayor aceptación. En palabras de
Rousmaniere, Delhi y Coninck-Smith, referidas sobre todo a
dicho ámbito lingüístico-cultural, los escritos de Foucault «han
informado el trabajo de muchos historiadores de la educación que
han repensado los discursos, prácticas y efectos de la moderna
escolarización estatal obligatoria»,41 sin que ello sea óbice para
que, a partir de dichos escritos, no se hayan formulado
observaciones críticas a los mismos o se hayan revisado y corregido
algunos de sus errores. Dichas críticas, según McCulloch y
Richardson, se centrarían en tres aspectos: el error de situar la

40
Me refiero, por poner tres ejemplos, a las obras de A. Querrien, Trabajos
elementales sobre la escuela primaria, Madrid, Las Ediciones de La Piqueta,
1979 (aunque no se indica nada al respecto, debe ser la traducción de Généalogie
des équipements collectifs. [1], L’école primaire, Centre d’Études, des Recherches
et de Formation Institutionnelles (CERFI), 1975) y L’école mutuelle. Une
pédagogie trop efficace?, Paris, Les Empêcheurs de Penser en Rond/Le Seuil,
2005, M. Bouillé, L’école, histoire d’une utopie? xviie - début xxe siècle, Paris,
Éditions Rivales, 1988, y F. Dajez, Les origines de l’école maternelle, Paris,
Presses Universitaires de la France, 1994.
41
K. Rousmaniere, K. Dehli y N. Coninck-Smith, «Moral regulation and
schooling: an introduction», en K. Rousmaniere, K. Dehli y N. Coninck-Smith
(eds.), Discipline, Moral Regulation, and Schooling: A Social History, London,
Garland, 1997, pp. 3-17 (cita en p. 7). Ejemplos de esta influencia serían los
trabajos de S. J. Ball (comp.), Foucault y la educación. Disciplinas y saber,
Madrid, Morata, 1993 (1ª edición en inglés de 1990), I. Hunter, Repensar la
escuela. Subjetividad, burocracia y crítica, Barcelona, Pomares-Corredor, 1998
(1ª edición en inglés de 1994), B. Curtis, Building the Educational State:
Canada West, 1836-1871, London, The Falmer Press, 1989, y True
Government by Choice Men? Inspection, Education, and State Formation in
Canada West, Toronto, University of Toronto Press, 1992, D. Kira y K. Twig,
“Regulating Australian bodies: eugenics, anthropometics and school medical
inspection in Victoria, 1900-1940”, History of Education Review, vol. 23-1
(1994), pp. 19-37, y buena parte de la obra de Popkewitz, en especial Th. S.
Popkewitz y M.ª Brennan (comp.), El desafío de Foucault: discurso,
conocimiento y poder en la educación, Barcelona, Pomares-Corredor, 2000 (1ª
edición en inglés de 1997).

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invención del examen y del aula moderna en el siglo XVIII un


error corregido en los trabajos, entre otros, de Hamilton y Reid
que retrotraen dicha invención a los siglos XVI y XVII42; el
recurso o uso no crítico de los conceptos y categorías
foucaultianas, es decir, su mitificación; y el no tener en cuenta los
problemas y cuestiones que plantea la aplicación del análisis
foucaultiano a contextos históricos y culturales distintos de aquella
sociedad, la francesa, a la que se refieren y en la que se gestaron.43
¿Qué rasgos o aspectos son los que caracterizan la
historia socio-crítica de la escuela? ¿Cómo, desde ella, se ven la
escuela y la escolaridad?
En primer lugar, se trata de una mirada a la par
genealógica y constructivista no en el sentido psicopedagógico
del término sino en el sentido histórico. Ello quiere decir, sobre
todo, que la escuela y la escolaridad son «invenciones», algo no
natural ni dado, sino el producto de unas determinadas
circunstancias y fenómenos sociales. Son lo que son pero podrían
ser otra cosa o, incluso, no existir, al menos con sus características
actuales. Precisamente porque son una construcción histórica es
por lo que, para explicar y comprender como han llegado a ser lo
que son, hay que explicar y comprender «las luchas y los
conflictos» que las «configuraron» tal y como hoy las conocemos,
es decir, «cómo se gestaron las condiciones que conforman el
presente».44
42
D. Hamilton, Towards a Theory of Schooling, London, The Falmer Press,
1989; W. A. Reid, «Currículos extraños: orígenes y desarrollo de las categorías
institucionales de la escolarización», Revista de Estudios del Currículum, vol. 1-3
(1998) pp. 7-24 (publicado en 1990 en el Journal of Curriculum Studies).
43
G. McCulloch y W. Richardson, Historical Research in Educational Settings,
pp. 74-77.
44
I. Dussel y M. Caruso, La invención del aula. Una genealogía de las formas de
enseñar, Buenos Aires, Santillana, 1999, p. 27. Sobre los usos del concepto
foucaultiano de genealogía, véase I. Dussel, “Foucault y la escritura de la
historia: Reflexiones sobre los usos de la genealogía”, Revista de Educación y
Pedagogía, vol. xv-37 (2004), pp. 11-32.

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A ella se superpone, en segundo lugar, una mirada


crítica que cuestiona, interroga y pone bajo sospecha el carácter
«justo» y «verdadero» con el que la escuela y la escolaridad se
presentan socialmente. Entre otras razones porque lo que sea
«justo» o «verdadero» es también una construcción histórica que
refleja relaciones de poder y dominación: el resultado de «luchas y
conflictos particulares».45 Desde un punto de vista más general, la
escuela y la escolaridad son «una de las mayores construcciones de
la modernidad» y constituyen «metáforas del progreso»46. Ambas
forman parte de una narrativa o historia de la «salvación», de signo
secular, en la que los oficiantes, sacerdotes laicos, son los
profesores y maestros, y las escuelas, templos del saber, de la
cultura, de la modernidad y del progreso y, en ocasiones también,
de la patria, del pueblo o de la humanidad. Una narrativa que
oculta el hecho de que la «promesa de liberación» y progreso
ofrecida, en este caso a través de la escuela, es en realidad «un
instrumento disciplinario de sometimiento», una “forma
disciplinaria de distribuir a los individuos en el espacio social” que
no sólo transmite «conocimientos» y forma «la mano de obra
productivamente utilizable», sino que inculca, reproduce y legitima
«las estructuras clasistas» y las «formas de poder dominantes».47
De este modo genealogía y crítica se identifican:

La genealogía de cualquier valor e institución de nuestro


tiempo ostenta la huella terrible de los vencedores y aloja
un cúmulo de sufrimientos, olvidos y servidumbres que
no podemos ignorar. De ahí que la tarea del historiador

45
I. Dussel y M. Caruso, La invención del aula, p. 29.
46
P. Pineau, «¿Por qué triunfó la escuela?, o la modernidad dijo ‘Esto es
educación’, y la escuela respondió: ‘Yo me ocupo’», en P. Pineau, I. Dussel y M.
Caruso, La escuela como máquina de educar, pp. 27-52 (cita en p. 28).
47
R. Cuesta, «La escuela y el huracán del progreso ¿por qué todavía es hoy
necesaria una crítica histórica de la escolarización de masas?», Indaga. Revista
Internacional de Ciencias Sociales y Humanas, vol. 4 (2006), pp. 53-94 (citas
en pp. 72, 75 y 64 respectivamente).

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no historicista, no positivista, sea ingrata (‘pensar es
incómodo como pasear bajo la lluvia’) pues, hasta cierto
punto, consiste en una lacerante labor de ‘pasarle a la
historia el cepillo a contrapelo’ [….] el historiador crítico,
el genealogista a la manera nietzscheana, encuentra
lamentos donde otros ven felicidad; ve dominación donde
otros quieren percibir los valores más sublimes de la
humanidad.48

Al historiador le correspondería en este caso ejercer de


psicoanalista de la sociedad desvelando cómo se nos hace creer y
decir que las cosas son, cómo se nos hace desear que fuesen, cómo
formalmente se disfrazan para aparentar y ocultar cómo realmente
son, para mostrarnos seguidamente cómo realmente son y
enfrentarnos, de este modo, a una realidad incómoda, inexorable y
dura con el fin de que podamos entenderla, aceptarla, sobrevivir a
ella e incluso tratar de modificarla.

Metáforas e historia de la escuela y de la escolaridad:


máquinas, artificios y organismos vivos
A las múltiples metáforas que ofrece la historia de la
educación para referirse y explicar o entender lo que sean la
educación y la escuela49, la historia socio-crítica de las mismas
centra su atención en dos de ellas: la del mecanismo, máquina,
artefacto y artificio, y la del organismo y el crecimiento orgánico.
En este sentido, «los planes sistemáticos de escolarización pública
universal dentro de la historia del capitalismo» presentes ya en el

48
Ib., p. 55.
49
Entre otras, por ejemplo, la metáfora familiar (la escuela como gran familia; el
maestro o maestra como padre o madre y los alumnos como hijos), la del jardín
(el maestro como jardinero y los alumnos como plantas que cultivar), la pastoral
con su trasfondo religioso (el pastor y sus ovejas), la astronómica (el profesor
como sol que da vida y alrededor del cual giran los planetas) y, vulgarizando a
Foucault, la cuartelaria, la carcelaria o la hospitalaria que no creo que precisen
explicación alguna.

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siglo XVI en Comenio, y con ellos la escuela, son vistos «como un


artefacto (por lo que tiene de ingenio mecánico) que contiene una
artimaña (un artificio para engañar)».50 A la concepción tomada
de la física de la escuela como «máquina de educar»
corresponderían formas o modos de escolarización elaborados y
puestos en práctica desde los siglos XVI al XIX (por ejemplo, los
de los colegios calvinistas, la Compañía de Jesús, los Hermanos de
las Escuelas Cristianas, la enseñanza monitorial o mutua y las
«infant schools» inglesas o «salles d’asile» francesas nuestras
primeras escuelas de párvulos). Se trataría, en general, de
métodos y modos de organización disciplinarios basados en la
enseñanza grupal y frontal, el control y la vigilancia constante, la
ocupación continua de los alumnos, la graduación y
sistematización de lo enseñado, la regulación detallada de las
actividades, espacios y tiempos escolares y el examen formal. Por
último, a la concepción tomada de la biología– de los alumnos
como organismos vivos, dotados de una fuerza vital interna y en
crecimiento, corresponderían, en los años finales del siglo XIX y
sobre todo en la primera mitad del XX, una concepción «vitalista»
y no «mecánica» de las formas de educación y organización escolar
que ponía el énfasis o se basaba en las «pedagogías blandas», la
autoactividad disciplinada, el control e intervención en los
procesos de crecimiento por la psicopedagogía «científica» y la
imposición, desde la misma, de los criterios que establecen lo que
debe considerarse «normal» o «anormal».51 Es decir, en modos de
educación y escolarización que, adoptando formas híbridas con las
antiguas, vendrían en todo caso no tanto a sustituirlas cuanto a
reforzarlas. Modos de educación y escolarización que, en último

50
R. Cuesta, Felices y escolarizados, p. 30.
51
Una exposición más extensa y argumentada, a la que esta brevísima síntesis no
hace justicia, puede verse en I. Dussel y M. Caruso, La invención del aula, y una
versión puesta al día de la misma en M. Caruso, La biopolítica en las aulas.
Prácticas de conducción en las escuelas elementales del Reino de Baviera,
Alemania (1869-1919), Buenos Aires, Prometeo Libros, 2005, pp. 17-67.

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40

término, sólo pueden ser desentrañados y entendidos cuando se


contemplan como un aspecto más de la creciente «intervención
biopolítica» del Estado en los distintos procesos vitales
(nacimiento, reproducción, muerte), higiénico-sanitarios,
alimenticios, etc. Una intervención que conforma una asfixiante
red de controles y regulaciones diseñadas por «expertos» e
interiorizadas como «verdades» incuestionables por los sujetos así
conformados.
De un modo u otro, tras una metáfora u otra, la historia
de la escuela y de la escolaridad como forma de gobierno, de
«gubernamentalidad» y «conducción», según la terminología
foucaultiana, guarda una relación estrecha con las formas de
gobierno y de «conducción de las sociedades y de los grandes
grupos». Es más, dicha historia, la de «las formas de comunicación
y gobierno del aula moderna», no es sino «una parte de una
historia más amplia, la historia del gobierno de las sociedades
modernas»; una historia ligada a la producción de sujetos dóciles,
normalizados y disciplinados.52 Asimismo y con dicho fin, esa
historia debe incorporar el análisis del cuerpo, de la corporeidad
material de los sujetos, en el seno de la institución escolar. Como
ha afirmado Catherine Burke,

el cuerpo del escolar ha constituido una cuestión


fundamental para aquellos que, a lo largo del tiempo y del
espacio, han desarrollado sistemas educativos; sin embargo,
la historia de la educación ha operado hasta la fecha en un
marco ontológico que ha privilegiado la mente e ignorado,
en gran medida, la corporeidad en el aprendizaje y la
manipulación del cuerpo en la enseñanza.53

52
I. Dussel y M. Caruso, La invención del aula, p. 31.
53
C Burke, «Editorial», History of Education, vol. 36-2 (2007), pp. 165-171
(cita en p. 161); número monográfico sobre “El cuerpo del escolar en la historia
de la educación”.

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41

La historia de la escuela, la cultura escolar


y el problema de la periodización
En otro trabajo anterior ya me referí, de un modo
general, a la utilidad, posibilidades, límites y peligros del uso de la
expresión «cultura escolar» en historia de la educación.54 En esta
ocasión expondré una de las cuestiones que dicha expresión
plantea a este campo disciplinar además de su polisemia. Como es
conocido, tanto en el ámbito de la investigación como en el de la
enseñanza, la historia de la educación suele guiarse y tratarse de
modo no sólo cronológico sino con una cronología deudora en
muchos aspectos de los cambios políticos y legislativos que afectan
a esta actividad humana institucionalizada. Desde la perspectiva
socio-crítica se ha advertido recientemente, y con razón, lo
inadecuado que resulta

seguir utilizando formas y criterios políticos de


periodización [en historia de la educación] que nada tienen
que ver con los ritmos evolutivos de los fenómenos
culturales.
[…] algunos historiadores de la educación han
redescubierto el concepto de cultura sin reinventar al
mismo tiempo un marco de periodización histórica
diferente al que usa la historiografía tradicional y que
debería ser, por tanto, coherente con los nuevos métodos,
objetos y fuentes que presiden las investigaciones que
pretenden ser innovadoras. Los tiempos y los ritmos de las
culturas escolares poco tienen que ver, por ejemplo, con los
tiempos políticos de los reinados y cosas por el estilo.55

De ahí que «una historia crítica de la educación» requiera


«un marco de categorías analíticas que nos ayuden a pensar la
continuidad y el cambio por encima del corto, intenso y fugaz pulso
político de los acontecimientos». La historia de la escuela, continúa

54
A. Viñao, Sistemas educativos, culturas escolares y reformas, pp. 78-80.
55
R. Cuesta, Felices y escolarizados, pp. 120-121.

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42

diciendo Cuesta, «se inscribe en los tiempos largos, en la vasta y


duradera sedimentación de tradiciones sociales encarnadas en
instituciones e incorporadas a las prácticas de los sujetos merced a
una delicada decantación de habitus». Sólo así es posible analizar y
entender «fenómenos como la organización del tiempo y de espacio
escolar, o la constitución y desarrollo de un cuerpo docente», que
superan «ampliamente la estrecha lógica de la producción de sentido
de las políticas gubernamentales concretas».56
Una vez afirmado lo anterior, el problema que se plantea
es el de establecer los criterios, conceptos y categorías de esas
nuevas formas de periodización que la historia de la escuela y de la
escolaridad exigen. Raimundo Cuesta, y con él los componentes
del proyecto Nebraska,57 han recurrido al concepto de «modos de
educación», tomado y reelaborado a partir de la tipología propuesta
por Carlos Lerena en 1976,58 para proponer y utilizar la
distinción, aplicada al caso español, entre un «modo de educación
tradicional-elitista», característico del «capitalismo hispano» desde
mediados del siglo XIX hasta mediados del siglo XX, y un «modo de
educación tecnocrático de masas» que llegaría desde el comienzo
de la década de los setenta del siglo XX «hasta nuestros días» con
un período intermedio de «transición corta» durante los años
sesenta del siglo pasado. A su vez, en cada uno de estos dos
«modos de educación» distingue diferentes fases de constitución,
reformulación o ruptura en cuya descripción no entraré en estos
momentos.59

56
Ib., p. 123.
57
Sobre el proyecto Nebraska, gestado en el año 2001, véase R. Cuesta; J. Mainer;
J. Mateos; J. Merchán; M. Vicente: «¿Por qué y para qué el proyecto Nebraska?
Autoanálisis de un itinerario intelectual y afectivo», en J. Romero, y A. Luis, (eds.):
La formación del profesorado a la luz de una “profesionalidad democrática”,
Santander, Consejería de Educación de Cantabria, 2007, pp. 189-211.
58
C. Lerena, Escuela, ideología y clases sociales en España, Barcelona, Ariel,
1976.
59
R. Cuesta, Felices y escolarizados, pp. 125 y 135 entre otras.

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43

Esta observación crítica sobre la inadecuación de las


periodizaciones político-legales para estudiar la historia de la
escuela y de la escolaridad, ha sido asimismo efectuada por Daniel
Tröhler, desde una perspectiva en parte similar y en parte
diferente, en un texto pendiente de publicación cuando se escriben
estas líneas. Este historiador suizo comienza dicho texto
advirtiendo cómo

las historias de la escuela muy a menudo se presentan


como las viejas historias políticas, con la escuela siempre
cambiando de algún modo de acuerdo con los cambios en
las estructuras del poder político […]. Las líneas de
demarcación de los cambios escolares son así vistas como
un resultado de los golpes de estado o elecciones políticas.
Sobre este fondo, la historia de la escuela aparece como
una historia llena de discontinuidades, rupturas y
batallas.60

Esta historiografía tradicional, dice Tröhler, ofrece una


«visión discontinua» de la historia de la escuela cuando «es obvio»
que el «desarrollo de la escuela [léase institución escolar] es mucho
más continuo» de lo que dicha historiografía, «con su filtro
histórico-político, sugiere». El problema, además, se agrava
cuando cada «escuela» se adjetiva de acuerdo con la denominación
del período político al que corresponde. Así se habla, dice, en la
historia de la escuela suiza, de escuela prerrevolucionaria, post-
revolucionaria, liberal, conservadora o demócrata, como en
España, diríamos nosotros, se habla de la escuela del Antiguo
Régimen, liberal, moderada, progresista, conservadora,
republicana, franquista y democrática, entre otras posibles

60
D. Tröhler, “From city republicanism to the public school of the Republic.
Pragmatism and continuity in school development in Zurich in the nineteenth
century”. Texto presentado en el seminario internacional sobre “Republican and
non-republican Imaginations: Comparative Visions and Developments of
Schooling from the 18th Century to 1930” celebrado en el Instituto
Pestalozziano de Zurich del 28 de febrero al 3 de marzo de 2007.

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44

acepciones. Todo ello en el contexto más amplio, añade Tröhler,


de una «categorización dual» como «progresivo» o «conservador»
de cada período político. Una categorización en la que los
«buenos» son los ilustrados del siglo XVIII y los liberales del siglo
XIX, con su pretensión de implantar «la idea de la modernidad
racional», mientras que «los clericales del siglo XVIII y los
conservadores y a menudo los demócratas del siglo XIX son
considerados de un modo ambivalente o negativo».
Su punto de vista, elaborado en función del caso de
Zurich y bajo el paraguas conceptual de la «gramática de la
escolaridad», es otro. La historia de la escuela y de la escolaridad
del cantón de Zurich desde el siglo XVIII al presente muestra, a
su juicio, el tránsito desde un republicanismo ciudadano urbano a
la escuela pública de la República. Dicho tránsito es el resultado de
una combinación pragmática de la tradición del elitismo
republicano urbano con la tradición rural de gestión local de los
asuntos educativos y religiosos, la existencia de una Iglesia
enraizada localmente, la progresiva secularización, la atención
desde los poderes públicos cantonales y locales a las demandas
sociales en materia de educación, y ciertos cambios políticos y
legales. Los cambios educativos y escolares habrían tenido lugar de
modo lento y gradual y en ellos habría desempeñado un papel
fundamental el peso de la tradición escolar comunal. Lo que
Tröhler denomina «the general cultural self-understandings of the
time»61: una identidad y tradición culturales caracterizadas por el
autogobierno o autonomía local, el enraizamiento de la escuela y
de la escolaridad en el medio local (urbano o rural) y la
participación vecinal en los asuntos comunales. Es decir, por la
existencia de una cultura escolar comunal en la que la historia de
la escolaridad y de la escuela puede ser vista como un continuo que
es el resultado de una negociación pragmática entre la experiencia,
las ideas y lo viable. De ahí, afirma, la importancia que para el
61
«Los sobreentendidos culturales generales de la época» sería una de las posibles
traducciones de dicha expresión.

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historiador tienen no tanto los grandes cambios y reformas legales


sino «las pequeñas revisiones que a menudo ocasionaron
importantes cambios», y el hecho de que «con mucha frecuencia
las leyes no produjeran reformas y en cambio sancionaran
prácticas ya establecidas».62
De la lectura del texto de Tröhler no se extrae sin
embargo, como conclusión, la existencia de una total autonomía
de la escuela respecto de los cambios políticos y legales o el hecho
de que la institución escolar no resulte afectada por los mismos.
No podía ser de otro modo ni creo que fuera ese su propósito. No
es posible negar la evidencia. Lo que sucede es que, tanto en el
marco del proyecto Nebraska como en el texto de Tröhler, se pone
el acento más en las continuidades y persistencias de la escolaridad
como forma institucionalizada que en las discontinuidades bruscas
debidas a cambios políticos o legislativos; más en los tiempos
largos y los cambios graduales, lentos, con períodos de transición y
mestizaje entre lo tradicional y lo novedoso, que en las reformas o
cambios radicales, rápidos o intensos; más en los procesos de larga
duración como el de disciplinarización o configuración de
determinados códigos y campos disciplinares en España, en el
primer caso, y el de la configuración de la escuela pública de la
República en el cantón de Zurich, en el segundo que en
acontecimientos puntuales o hitos legislativos; más en los procesos
de adaptación, acomodación, hibridación, formalización y
resistencia ante los cambios y reformas, o sea en el ámbito de las
prácticas, que en el del currículum propuesto, deseado o prescrito
aunque también éste se analice.

62
Un ejemplo relativo a España ya señalado en otro trabajo: el establecimiento
legal y oficial en 1887 de un período vacacional de 45 días durante el verano en
la enseñanza primaria, no sólo vino a reconocer una práctica más o menos
habitual y de duración irregular en nuestras escuelas, sino que fue un paso
decisivo, con el tiempo, para configurar en este nivel educativo la noción y la
realidad del curso escolar, con su comienzo y su final, hasta entonces inexistentes
(Antonio Viñao, Tiempos escolares, tiempos sociales, pp. 38 y 131-132).

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El primer problema radica, a mi parecer, en que una


periodización que no tenga en cuenta los cambios político-
legislativos, al fin y al cabo exógenos al sistema y cultura escolares,
y sólo se base en los procesos, las características y la dinámica
propia de dichos sistema y cultura, exige una serie de estudios de
los que actualmente se carece. En este campo es plenamente
aplicable lo que indicó Foucault en relación con la genealogía: que
«exige […] del saber minucia, gran número de materiales
acumulados, paciencia»63 y atención por detalles o cuestiones a
veces poco relevantes. Entre otras razones, porque «el mundo […]
es una miríada de acontecimientos enmarañados» y «perdidos».64
Por supuesto, sabemos mucho más de lo que sabíamos hace veinte
o veinticinco años sobre la historia del espacio y el tiempo
escolares, la configuración en el tiempo de los campos y códigos de
algunas disciplinas, la evolución del mobiliario, enseres y material
didáctico utilizado en las aulas, o la difusión real y adaptaciones al
contexto de aplicación de algunas reformas, cambios e
innovaciones, por poner algunos ejemplos. Estimo, sin embargo,
que lo que sabemos es todavía insuficiente para poder formular
una periodización socio-cultural e institucionalmente
fundamentada. Es más, creo que quizás haya, en principio, que
indicar periodizaciones diferentes según el tema o la cuestión
analizada. Y, desde luego, contrastar esas periodizaciones con los
cambios políticos y legislativos: ver como juegan, se entremezclan
y combinan dichos cambios tanto con las persistencias y
continuidades como con los procesos de acomodación, adaptación
e hibridación que la realidad ofrece al historiador. Unos procesos
en los que desempeñan un relevante papel los intermediarios o
mediadores culturales sobre todo inspectores, directores,
maestros y profesores que reflexionan y transmiten sus ideas y

63
Michel Foucault, Nietzsche, la genealogía, la historia, Valencia, Pre-textos,
1988, p. 12.
64
Ib., p. 50.

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prácticas o que elaboran programas, libros de texto y materiales


didácticos. Unos personajes que, en general, no han atraído
hasta ahora la atención de los historiadores por pertenecer, en la
mayor parte de los casos, al mundo de la «baja» pedagogía.
El segundo problema no menos importante es que
aun sin magnificar los cambios políticos y legislativos, de un modo
u otro siempre existe una mayor o menor interacción e influencia
recíproca entre dichos cambios y la cultura o culturas escolares.
Una interacción e influencia que no es posible dejar a un lado si se
quieren entender los cambios y continuidades en estas últimas. En
efecto, los cambios políticos y legislativos no son el único factor a
tener en cuenta, como a veces se ha pretendido, pero sí un aspecto
más junto a otros y en interacción con esos otros. Lo que habrá
que dilucidar en cada caso es el grado de influencia y el tipo de
interacción existente entre ellos y el mundo de las prácticas
escolares tal y como, desde una perspectiva socio-crítica, ha
efectuado por ejemplo Marcelo Caruso en su estudio sobre «las
prácticas de conducción» en las escuelas elementales del Reino de
Baviera desde 1869 a 1919.65 Una cuestión particularmente
debatida en España en relación, por ejemplo, a las consecuencias y
efectos que tuvieron la guerra civil (1936-1939) y la dictadura
franquista (1937-1975) en la cultura escolar, en las prácticas y en
los discursos pedagógicos en relación con los años precedentes.
Desde la perspectiva liberalsocialista se tiende a destacar el brusco
corte o ruptura que ambas supusieron. Desde la perspectiva
sociocrítica, por el contrario, se subrayan las continuidades entre
ambos períodos. Incluso se llega a indicar, en ocasiones, que las
cosas no hubieran sido sustancialmente diferentes si no hubieran
tenido lugar la guerra civil y el franquismo.

65
M. Caruso, La biopolítica en las aulas.

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La historia de la escuela y la escolarización


y la noción de progreso
Señalaba recientemente Marcelo Caruso, en relación
con los estudios históricos sobre la cuestión escolar en la Alemania
Imperial, que dichos estudios ofrecen en general un «balance
general positivo» de dicha cuestión. Dicho balance, añade,
responde a la idea de que «Más escuela = Mejor modernidad».
Una idea típica de las «asociaciones positivas» que la institución
escolar «despierta tradicionalmente en la imaginación iluminista».
Esta «evaluación acrítica de la extensión, significación y modos de
funcionamiento del aparato escolar», concluye, «pasa por alto el
hecho de que la modernización de la escuela popular significó
también una nueva época en el gobierno de las masas, limitándose
a destacar los progresos escolares en función de la alfabetización y
la extensión de una escolarización cada vez más ambiciosa y con
más contenidos».66 Para la historia sociocrítica de la escuela y la
escolaridad, más escuela no significa progreso o mejora. La
asociación establecida, desde posturas liberal-socialistas, entre la
escolarización de masas (la escuela para todos) y las promesas de
felicidad y avance o mejora, deben ser puestas incluso bajo
sospecha. Esto nos remite a un debate ya clásico en las ciencias
sociales: el que gira en torno a la noción de progreso y, en relación
con ella, las nociones de continuidad y cambio.67
El cuestionamiento de la noción de progreso en relación
con la difusión y generalización de la institución escolar y el

66
Ib., p. 220.
67
Para la mejor comprensión de lo que seguidamente se dice recomiendo la
lectura, sobre la historia del concepto de progreso, de los textos de J. Fernández
Sebastián, «Progreso», en J. Fernández Sebastián y J. F. Fuentes (dirs.),
Diccionario político y social del siglo xix español, Madrid, Alianza Editorial,
2002, pp. 562-575, y sobre todo de G. Capellán de Miguel, «¿Mejora la
humanidad? El concepto de progreso en la España liberal», en M. Suárez
Cortina (ed.), La redención del pueblo. La cultura progresista en la España
liberal, Santander, Universidad de Cantabria, 2006, pp. 41-79.

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advenimiento de las sociedades de escolarización generalizada no


se hace, en este caso, desde la visión conservadora sobre la real o
supuesta pérdida de nivel académico que haya podido suponer
dicha generalización en especial en la enseñanza secundaria
clásica y en la universitaria. Tampoco desde un enfoque
economicista atento a la escasa rentabilidad de un gasto, el
educativo, que no sólo produce una sobrecualificación de la mano
de obra sino que además es un gasto social innecesario, como
gasto público costeado con impuestos, para las necesidades del
sistema económico. Menos aún, desde un enfoque
ideológicamente integrista que distinga entre un buen progreso
en un determinado sentido moral o religioso y un mal
progreso el simple progreso material no sujeto a dichos criterios
morales o, también, el progreso revolucionario. La crítica y el
cuestionamiento se hacen a partir de una doble paradigma
histórico-filosófico, con origen en Nietzsche y Foucault, y
sociológico, a partir de la obra de sociólogos críticos como
Bourdieu y Lerena.
Una larga cita de Felices y escolarizados de Raimundo
Cuesta ilustra lo dicho:

la historia del Estado moderno es la historia de un


creciente deslizamiento de las relaciones de poder
verticales (Estado-individuo), basadas en la coacción
física, hacia formas de gubernamentalidad cada vez más
interiorizadas voluntariamente por los sujetos. Es de esta
suerte como el Estado moderno crea el sujeto como
objeto de las políticas de poder (lo que Foucault
denominará como el biopoder y la política de control de
las poblaciones), pero también como sujeto
autodeterminado que se autodisciplina […].
Y es justamente […] en el paso de formas punitivas
externas de dominación que se ejercen sobre los cuerpos a
formas de autocontrol interno de las almas, de prácticas de
violencia física a otras de violencia simbólica, cuando se
fundan los sistemas nacionales de educación y cuando se

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generaliza la escolarización como elemento institucional de
aprendizaje e inculcación de las tecnologías del yo.68

Definida así la escuela como «una obra de ingeniería


social dirigida a la producción de habitus»,69 el enfoque sociocrítico
saca a la luz, por un lado, las resistencias de determinados grupos
sociales a la institución escolar impuesta por el Estado moderno y
la violencia física o simbólica ejercida por la misma sobre dichos
grupos. Por otro, desvela el artificio o engaño que, bajo el
paraguas de la modernidad y de la idea de progreso liberal-
socialista, se esconde tras la escuela. Es en este sentido en el que
se afirma que en un Estado con medios e intervenciones
controladoras cada vez más poderosas, expansivas y evanescentes,
«la escuela de hoy, con el triunfo de las formas blandas de
persuasión […], representa esa fantasmagoría de una dominación
sin dominio, de un sometimiento sin violencia externa, de la
sumisión voluntariamente aceptada».70 Lo que usualmente se
presenta como progreso o liberación no sería en realidad más que
un sistema de disciplinarización, control y dominio de las
conciencias, de sometimiento e integración de las clases populares
en el sistema capitalista, La escuela desempeña así, en dicho
sistema, la triple función de inculcar, reproducir y legitimar «las
estructuras sociales y las formas de poder dominantes»71. Una vez
felices, por escolarizados, nuevos mecanismo más sutiles, menos
evidentes, de desigualdad, control y gobierno, ocultan y legitiman,
ante estos felices-infelices, las diferencias sociales y el ejercicio del
poder hasta llegar al Estado evanescente de nuestros días, especie
de Gran Hermano invisible que todo lo regula y controla.

68
R. Cuesta, Felices y escolarizados, pp. 106-107.
69
Ib., p. 107.
70
R. Cuesta, «La escuela y el huracán del progreso. ¿Por qué todavía hoy es
necesaria una crítica histórica de la escolarización de masas?», p. 78.
71
R. Cuesta, Felices y escolarizados, p. 103.

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La tesis generalmente mantenida en relación con la


evolución de la idea y del concepto de progreso fija sus orígenes en
los siglos XVII y XVIII, su auge o aceptación generalizada en el XIX
y su crisis en el XX. Sin embargo, pueden hallarse críticas a ambos
defensores y detractores en cada una de dichas fases.72 Lo que
sucede es que en el siglo XIX quizás tuvieran más audiencia,
aceptación o repercusión los defensores y en el XX los detractores.
El paso de una a otra situación se produciría en el tránsito de uno
a otro siglo. En palabras de Pío Baroja,

El optimismo del siglo XIX, formado a base del culto de la


ciencia, de la libertad, del progreso, de la fraternidad de
los pueblos, se vino también abajo por la teoría de
hombres ilustres poco políticos, como Schopenhauer,
Ibsen, Dostoievsky y Tolstói.
En el sentido de la bondad, de la piedad, de la
comprensión, según aquellos escritores y sus comentaristas,
no se había adelantado nada y el hombre seguía siendo un
bruto sombrío y cruel, como en tiempos remotos. Era la
consecuencia más dura que se podía obtener del libro
Humano, demasiado humano, de Nietzsche, que acababa de
aparecer por entonces en francés.73

La crisis y críticas a la noción de progreso procedentes


del mundo intelectual de ideas radicales se hallan ya presentes en
el siglo XIX y se verían reforzadas en el XX.74 Pero una cosa es el

72
G. Capellán de Miguel, «¿Mejora la humanidad? El concepto de progreso en la
España liberal», pp. 72-73.
73
P. Baroja, Desde la última vuelta del camino. Memorias, Barcelona, Editorial
Planeta, t. i, 1970, p. 480. Nietzsche escribió Humano, demasiado humano en
los años 1876-1878 y el libro se publicó en 1878 si bien no tomó su forma
definitiva hasta la edición de 1886. La obra fue traducida y publicada en España
en 1901 por la editorial La España Moderna y en la década de 1910 por
Sempere y Compañía.
74
Una síntesis sumaria de algunas de dichas críticas puede verse en G. Capellán
de Miguel, «¿Mejora la humanidad? El concepto de progreso en la España
liberal», pp. 72-79, y una versión al día en John Gray, El progreso y otras
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mundo de los intelectuales y otra el de la opinión pública, los


medios de comunicación o las experiencias vividas por las distintas
generaciones de seres humanos. De hecho, pese a todos los
avances científicos y tecnológicos el innegable progreso material
y científico, sería la realidad la que socavaría la idea de progreso.
Las dos guerras mundiales, Auschwitz, Hiroshima, Nagasaki y
todos los Auschwitzs, Hiroshimas y Nagasakis coetáneos y
posteriores de uno y otro signo, la conciencia de que por
primera vez el ser humano ha logrado producir y almacenar armas
cuya utilización significaría el fin de la vida humana sobre la
tierra, y la destrucción medioambiental a causa de ese mismo
«progreso», junto a la creciente capacidad para deformar la
realidad, manipular las mentes y controlar las vidas humanas hasta
límites antes inimaginables, han hecho más para demoler la idea
de progreso que todas las más o menos brillantes críticas filosóficas
o históricas al mismo. Hoy ya sabemos que si por algo destaca la
especie humana es por su credulidad, su crueldad gratuita y sin
límites y su capacidad para idear engendros que llevan implícita su
destrucción y la de las demás especies vivas.
¿A qué idea de progreso se opone la historia sociocrítica
de la escuela y de la escolaridad? Por supuesto, al concepto de
progreso como certeza o creencia en una inevitable mejora lineal y
continua del mundo escolar y de los sistemas educativos.
Asimismo, al concepto de progreso como una realidad
incuestionable. No parece oponerse, por el contrario, a la
esperanza de que dicho progreso o mejora se produzca salvo en
el caso de que persistan las actuales estructuras de dominación

ilusiones, Barcelona, Paidós, 2006 (1 ª edición en inglés de 2004): la negación


de los avances en el campo de la ética, de la política y de la condición humana
frente a los innegables avances científicos y técnicos; la visión de la historia como
un proceso no lineal y progresivo hacia una sociedad mejor, sino como un ciclo
sin fin de ganancias y pérdidas; y el peligro que supone esa combinación de mayor
poder humano, gracias al creciente conocimiento científico, con la índole no
acumulativa de los pretendidos avances en el campo de la ética y de la política.

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social ni al progreso como ideal o aspiración. Simplemente se


limita a constatar su imposibilidad en las circunstancias actuales y
su uso como artificio engañoso que legitima dichas estructuras. Es
decir, su utilización gracias a la asociación positiva, aceptada sin
cuestionamiento, entre escuela y modernidad como una
promesa de felicidad engañosa.
La idea de progreso aplicada al mundo de la escuela y de
la escolarización tiene tres fundamentos. El primero es la idea de
la perfectibilidad del ser humano mediante la educación y, más en
concreto, la educación institucional o escolar. El segundo, la
aplicación de dicha idea a la escuela y a los sistemas educativos, a
su progresiva expansión y mejora. El tercero, la generalización de
esta idea al conjunto de los seres humanos o, como gustaba decirse
en el siglo XIX, a la Humanidad como sujeto colectivo con entidad
propia. La historia socio-crítica de la escuela y de la escolarización
quizás no rechace como posibilidad o aspiración dichos
fundamentos el progreso individual, el sectorial y el global,
pero cuestiona su existencia, pone en duda que sean posibles en las
sociedades capitalistas, denuncia la presentación del Estado como
un ente neutral y benefactor, y desvela el engaño que suponen la
escuela y la escolarización frente a los promotores de ambas.
Este énfasis en la escuela y la escolaridad como
artefactos, artimañas y artificios se hace, no obstante, no tanto
con el ánimo de establecer un discurso único al respecto, sino,
como se dijo, de desvelar lo que comúnmente suele ocultarse tras
el «discurso feliz» progresista y liberal-socialista con sus llamadas a
la redención y la salvación a través de la escuela. Como
recientemente ha afirmado uno de los representantes más
conspicuos de la historia socio-crítica de la escuela y de la
escolarización, no hay contraposición entre la consideración de
ambas como un engaño o como un derecho social el aspecto
más destacado por el liberalsocialismo: «la escuela, dice, es un
bien y un mal al mismo tiempo […]. No es esto o aquello. Es esto

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(“engaño”) y aquello (“derecho social”) al mismo tiempo».75 La


escuela, en este sentido, reprime y libera en un incansable tic-tac,
aunque, para desvelar lo oculto, y desmontar los discursos
generalmente admitidos sobre ella, haya que acentuar los aspectos
relativos a la evidente represión y dejar a un lado, por ya
conocidos, los de una hipotética liberación. La institución escolar
es, al mismo tiempo, instrumento de legitimación de las
desigualdades socio-culturales y, por tanto, de las relaciones de
poder y dominio, y de desvelamiento de las mismas. En su última
esencia es una invención del ser humano capaz, como éste, de lo
peor y de lo mejor.

Antonio Viñao Frago é catedrático de Teoria e História da


Educação na Faculdade de Educação da Universidade de
Murcia/Espanha. Suas linhas de pesquisa são os processos de
alfabetização (a leitura e a escrita como práticas sociais e
culturais); a escolarização e profissionalização docente; a história
do currículo (o espaço e o tempo escolar, os livros de texto), e do
ensino secundário; e a análise das políticas e reformas educativas
em suas relações com as culturas escolares.
E-mail: avinao@um.es

Recebido em: 22/02/2008


Aprovado em: 15/05/2008

75
R. Cuesta, «Paradojas de la escuela en la era del capitalismo», p. 171.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 9-54, Maio/Ago 2008.


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QUÉ HISTORIA SE ENSEÑABA EN LOS
MANUALES DE HISTORIA UNIVERSAL
Y DE ESPAÑA. UNA CUESTIÓN ACTUAL:
LA SELECCIÓN DE OBJETIVOS Y CONTENIDOS
Carmen Sanchidrián Blanco

Resumen
En cada momento histórico se puede hablar de la historia que se
hace, la que se enseña y la que se aprende. En este caso nos vamos a
centrar en la historia que tenían que aprender en España los alumnos,
no en la que realmente aprendían, aunque podemos tener ciertas
hipótesis al respecto después de ver los contenidos, metodología, etc..
Sin embargo, nuestro objetivo es analizar los manuales de los años
60, del tardo-franquismo, precisamente para comprobar que sus
contenidos seguían siendo similares a los de treinta años antes, y ver
algunas de sus características internas que se hacen más patentes al
ponerlos junto a manuales posteriores elaborados para la enseñanza
de contenidos semejantes.
Algunos de los puntos en torno a los que puede girar el análisis de
estos libros son: Aspecto externo, estructura, ilustraciones, contenido
(nombres propios y conceptos), ejercicios o actividades propuestas. El
análisis se ha hecho de forma global, introduciendo comparaciones
con manuales de décadas sucesivas.
Palabras clave: Manuales de Historia Universal; España; Historia
de la Educación.

QUAL HISTÓRIA SE ENSINAVA NOS MANUAIS DE


HISTORIA UNIVERSAL E DA ESPANHA. UMA
QUESTÃO ATUAL: A SELEÇÃO DE OBJETIVOS E
CONTEÚDOS
Resumo
Em cada momento histórico se pode falar da história que se faz, a
que se ensina e, a que se aprende. Neste caso nós vamos centrar na
história que teriam que aprender na Espanha os alunos, no que
realmente aprenderam. Sem dúvida, nosso objetivo é analisar os
manuais dos anos sessenta, do tardo-franquismo, precisamente para
comprovar que seus conteúdos seguiam sendo similares aos de trinta
anos antes, e ver algumas de suas características internas que se
fazem mais patentes ao colocá-las junto a manuais posteriores
elaborados para o ensino de conteúdos semelhantes. Alguns dos
pontos em torno do que pode girar a análise destes livros são: Aspecto
externo, estrutura, ilustrações, conteúdo (nomes próprios e conceitos)
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56
exercícios ou atividades propostas. A análise será feita de forma
global, introduzindo comparações com manuais de década sucessivas.
Palavras-chave: Manuais de Historia Universal; Espanha; História
da Educação.

WHAT KIND OF HISTORY WAS TAUGHT IN THE


MANUALS OF BOTH UNIVERSAL AND SPANISH
HISTORY? AN ACTUAL ISSUE: SELECTING
OBJECTIVES AND SUBJECTS
Abstract
Each historical era has its own history, has the history that is taught
and has the history that is learned. This study has its focus on the
history that students from Spain should have learnt and on what was
actually leant. Our aims are: analyze the manuals used in the 1960s,
late Franquismo, to corroborate the idea that their lists of subjects
were still the same ones used 30 years before, and identify their
internal characteristics that would be relevant to compare with
similar and more recent manuals. These books could be analyzed
from the following points of view: external appearance, structure,
illustrations, list of subjects (names and concepts) and exercises or
tasks. The analysis will be done in a global way, comparing the
material with the manuals of the decades that followed.
Keywords: Universal History Manuals; Spain; History of Education

QUELLE HISTOIRE ON ENSEIGNAIT AUX MANUELS


DE L’HISTOIRE UNIVERSELLE ET D’ESPAGNE? UNE
QUESTION ACTUELLE: LA SELECTION DES
OBJECTIFS ET DES CONTENUS.
Résumé
À chaque moment historique, on peut parler de l’histoire qu’on fait,
de celle qu’on enseigne et de celle qu’on apprend. Dans ce cas, nous
allons centrer dans l’histoire que les eleves devraient apprendre, dans
ce qu’ils ont vraiment appris. Sans doute, notre but c’est d’analyser
les manuels des années soixante, du tardo-franqüisme, précisement
pour confirmer que leurs contenus étesient encore similaires à ceux
de trente an savant, et de voyer quelques-unes de leurs
caractéristiques internes qui sont plus evidentes quand on les met
auprès de manuels postérieurs elabores pour l’enseignement de
contenus analogues. Quelques uns des points autour desquels
l’analyse de ces livres-là peut tourner sont: aspect externe, structure,
illustrations, contenus (noms propres et concepts), exercices ou
activités proposées. L’analyse sera faite de manière global, em
présentant des comparaisons avec des manuels de décades successives.
Mots-clés: Manuels d’Histoire Universelle; Espagne; Histoire de
l’éducation.

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Todo lo que hacemos y, por supuesto, todo lo que vive


nuestro cuerpo, se sostiene, entiende y justifica sobre el
fondo irrenunciable de lo que hemos sido. Ser es,
esencialmente, ser memoria. Por ello, no deja de sorprender
esa negación del propio ser que, paradójicamente, no
podría tener futuro alguno, si no se funda sobre el
presente y el pasado.
Emilio LLEDÓ

1 Cuestiones previas

En cada momento histórico se puede hablar de la


historia que se hace, la que se enseña y la que se aprende. En este
caso nos vamos a centrar en la historia que tenían que aprender en
España los alumnos, no en la que realmente aprendían, aunque
podemos tener ciertas hipótesis al respecto después de ver los
contenidos, metodología, etc. A través de los libros de Historia, en
este caso a través de manuales de asignatura Historia Universal y
de España, vemos los conocimientos que debían adquirir los
alumnos y, por tanto, lo que los profesores debían enseñar. Esta
asignatura se impartía con esta denominación en el 4º curso del
bachiller elemental, es decir, para alumnos de 13-14 años, desde el
plan de estudios de 1957 hasta el de 19671. Sus contenidos, sin

1
En estos años, los programas sí habían perdido ya parte de la extremada carga
ideológica que tenían en 1938. Sin embargo, en los manuales, apenas se observa
esa pérdida de forma que mantienen, en general, las pautas ideológicas anteriores.
Como dice Raimundo Cuesta, “hasta muy avanzados los años sesenta no se
observan síntomas de cambios significativos, entre otras cosas porque la mayoría
de los textos (…) son reediciones de obras hechas en el período anterior”. La tesis
de este autor abrió importantes líneas de investigación en este ámbito. Cfr.
CUESTA FERNÁNDEZ, Raimundo. El código disciplinar de la Historia.
Tradiciones, discursos y prácticas sociales de la educación histórica en España
(siglos XVIII - XX). Tesis doctoral. Departamento de Teoría e Historia de la
Educación, Universidad de Salamanca, 1997. Puede verse íntegra en
<http://www.fedicaria.org/miembros/nebraska/TesisR.pdf>

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 55-93, Maio/Ago 2008.


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embargo, son similares a los de manuales de décadas anteriores.


Sólo a comienzos de los setenta se puede apreciar un giro en la
orientación de estas obras.
En los manuales podemos ver tanto el currículum
explícito como el oculto, aunque en este caso el currículum oculto
podemos decir que era bastante explícito. Al analizarlos vemos
también, una determinada imagen de lo que es esta disciplina y de
la labor del historiador, así como de los modelos pedagógicos en
que se asientan. Sin embargo en estos libros, como en los demás
del momento, había poco margen para que entre los distintos
autores se apreciaran diferencias metodológicas, teleológicas o
ideológicas.
A través del estudio de los manuales2 podemos apreciar
los cambios que ha habido en la concepción de esta materia, en los
modelos didácticos, en los contenidos, en las actividades que se
proponen a los alumnos y, en último término, en la finalidad de la
enseñanza de la historia. Para ello nos centraremos en dos
manuales que responden a los cuestionarios del Programa de esta
asignatura, ampliamente utilizados en los años sesenta, publicados
como Historia Universal y de España. El autor del primero de ellos
es José L. Asián Peña, Catedrático del Instituto Jaime Balmes3 y
fue publicado en Barcelona por la Casa Editorial Bosch en 19654.

2
El estudio de los Manuales escolares ha atraído la atención de los historiadores
de la educación en los últimos años destacando el Centro de Investigación
Manes, cuya finalidad es investigar sobre los manuales escolares producidos en
España, Portugal y América latina. En esta dirección se puede obtener
información tanto de las publicaciones y actividades realizadas como de los
proyectos en marcha y universidades implicadas.: <http://www.uned.es/
manesvirtual/portalmanes.html>
3
El expediente de depuración de este profesor se analiza en SANCHIDRIÁN
BLANCO, Carmen. “¿Qué hicieron para merecer esto? Tres profesores de
bachillerato ante la depuración franquista”, en Homenaje al profesor Alfonso
Capitán. Murcia, Universidad de Murcia, 2005, pp. 537-559.
4
Asián sigue un esquema similar tanto en la obra que elaboró para el plan de
1938 como en las posteriores, incluida una de 1969. Cfr. CUESTA
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El segundo, también de 1965, fue publicado por la Editorial


S.M., en Madrid, y sus autores son J. J. Arenaza y F.
Gastaminza, Licenciados en Filosofía y Letras (imagen 1). Para
ver la evolución de los aspectos señalados, se han manejado otros
manuales posteriores que responden a una temática similar y que
relaciono al final. Como puede verse, hay un manual de 1970
(casi idéntico al de S.M. de 1965), dos de los años setenta, 1973
y 1979, y otros dos de 1988 (aunque la reimpresión sea posterior)
es decir, correspondientes a la E.G.B. ya que la edad de los
alumnos de 8º de E.G.B. equivaldría a 4º de Bachillerato. Sin
embargo, nuestro objetivo es analizar los manuales de los sesenta,
del tardo-franquismo, precisamente para comprobar que sus
contenidos seguían siendo similares a los de treinta años antes, y
ver algunas de sus características internas que se hacen más
patentes al ponerlos junto a manuales posteriores elaborados para
la enseñanza de contenidos semejantes.
Algunos de los puntos en torno a los que puede girar el
análisis de estos libros son: Aspecto externo, estructura,
ilustraciones, contenido (nombres propios y conceptos), ejercicios
o actividades propuestas. El análisis se ha hecho de forma global,
introduciendo comparaciones con manuales de décadas sucesivas.

2 Qué historia se enseñaba y para qué se enseñaba

En estos momentos, franquismo tardío5, todavía destaca


enormemente el valor “educativo”, quizá habría mejor que decir

FERNÁNDEZ, Raimundo. Sociogénesis de una disciplina escolar: la Historia.


Barcelona, Pomares-Corredor, 1997, pp. 45-47. También es importante de este
mismo autor Clío en las aulas. Madrid, Akal, 1997.
5
Sobre la enseñanza de la historia en el primer franquismo, pueden verse, entre
otros, VALLS MONTES, Rafael. La interpretación de la Historia de España y
sus orígenes ideológicos en el Bachillerato franquista (1938-1953). Valencia,
Institut de Ciències de l’Éducació, Universitat de València, 1983 y MARTÍNEZ
TÓRTOLA, Esther. La enseñanza de la Historia en el primer Bachillerato
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“antieducativo” que recaía sobre la Historia, a través de la que se


trataba de legitimar la realidad socio-política. Esto provoca una
obvia sobrecarga doctrinal en los textos. Como se dice en el
prólogo del manual de S.M. de 1965:

El estudio de la Historia debe ser una escuela de


patriotismo auténtico, puesto al servicio de la comunidad
nacional, que no atiende a intereses particulares de grupo
o de clase.
Y por su mismo carácter de “Maestra de la Vida” debe
servir para hacernos mejores, para aprender lecciones de
escarmiento y lecciones de heroísmo, para
entusiasmarnos con las acciones de nuestros más
gloriosos antepasados y para quedar avisados con los
errores de los que fracasaron o escribieron páginas negras
o bochornosas en épocas más o menos lejanas.

El manual de Asián, sin embargo, no hace ningún


comentario similar. Sí que indica, en el capítulo 1º, La ciencia
histórica, que el análisis y estudio crítico de los hechos históricos
“nos permite investigar las causas que los han producido y
relacionarlos entre sí, reconstruyendo el pasado de los pueblos, es
decir, su Historia” y que los hechos del hombre están
condicionados por “factores geográficos, raciales, económicos,
culturales, etc.” que el historiador “debe conocer y valorar”. En
ambos se da cabida, pues, al papel del historiador y se anima al
profesor a buscar la objetividad. Sin embargo, en el contenido de
las lecciones, apenas hay indicadores que revelen que lo que allí se
ofrece pueda despertar alguna duda, sino que se presenta como
contenido histórico establecido. No hay expresiones como

franquista (1938-1953). Madrid, Tecnos, 1996. Abarca un período más amplio


Rafael VALLS en “El currículum de historia en la enseñanza secundaria
española (1846-2005): una aproximación historiográfica y didáctica”. Iber.
Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, nº 46, 2005, pp. 9-35.

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probablemente, quizás, tal vez, por lo que sabemos, seguramente,


podemos suponer, etc.6.
En general, no se transmite la idea de que la explicación
forme parte del trabajo del historiador, sino más bien que se limita
a buscar datos y a contar qué ocurrió en el pasado, o cómo eran las
cosas entonces. Los alumnos piensan, y no es de extrañar tras el
análisis de los libros de texto de esos años, que la Historia son
acontecimientos importantes que no ocurren en los días normales,
son, sin más, los hechos del pasado, y, en general, no percibían,
porque no se les enseñaba -y dudo que hoy se enseñe en estos
niveles- que está sujeta a interpretación. Se ofrece, por tanto, un
saber ya hecho, cerrado.
Del análisis de estos manuales, se desprende que el
objetivo fundamental era que el alumno memorizara fechas,
lugares y nombres de personajes supuestamente importantes,
relevantes o famosos, héroes ejemplarizantes a través de los que
debía adquirir valores de patriotismo y religiosidad. Quizá este
objetivo sea el que más haya ido cambiado en los últimos treinta
años, aunque a veces el cambio es más sobre el papel que en la
realidad de las aulas. Hoy, al menos en teoría, se supone que lo
importante es que los alumnos comprendan los contenidos sociales
e históricos, de forma que sean capaces de razonar sobre ellos.
Lógicamente, para llegar a esto deben aprender conceptos, de gran
complejidad y grado de abstracción, casi siempre, y deben tener
información al respecto. Es decir, el fin no es ahora sólo el
conocimiento de fechas, nombres, etc., sino, un conocimiento
más complejo que implique conceptos, relaciones e
interpretaciones. Deben, además, acercarse a la explicación
histórica, explicación multicasual, decisiva en el razonamiento
histórico y enfrentarse al problema del tiempo, relativamente poco

6
Cfr. VIÑAO FRAGO, Antonio. “Lenguaje y realidad. El discurso histórico y
su aplicación al ámbito histórico-educativo”. Anales de Pedagogía, Murcia, nº
16, 1996, pp. 175-176.

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estudiado a pesar de su importancia en la enseñanza de la


Historia.
Hoy, además, la toma de conciencia de la existencia de
pluralidad de valores, razas, lenguas, ideologías... y el respeto a esa
pluralidad es quizá la mayor lección de la historia, el principal
objetivo que nos podemos marcar los que nos dedicamos a la
enseñanza de la historia, en cualquier nivel, junto con el aprender
que las cosas siempre podían haber sido de muchas formas y que
cada entidad social es lo que ha llegado a ser a lo largo del tiempo,
sin que haya ningún sujeto, estado, comunidad o nacionalidad que
tenga una identidad predeterminada y constante. Cada uno somos
lo que hemos llegado a ser. Sin embargo, cuesta mucho tiempo y
esfuerzo desmontar los estereotipos, en general, y por tanto
también los estereotipos acerca de lo que es la historia: Por eso no
nos debe extrañar (aunque a menudo nos duela) que se repitan
ideas o conceptos que antes, hace 30 ó 40 años, podían responder
a una realidad, pero hoy no, como que la historia es una materia
meramente memorística. Esto nos llevaría, por otra parte, al
debate en torno al papel de la tan injustamente denostada
memoria en la educación. El aprendizaje sólo memorístico es
verdad que es muy débil, pero también es cierto que sin memoria
no puede haber aprendizaje ni vida porque como dice la cita con la
que abrimos este trabajo, “ser es, esencialmente, ser memoria”7.

2.1 Contenidos
En los dos manuales de Historia Universal y de España
de1965, la división por temas y el título de cada uno son idénticos
ya que responden a los Programas oficiales que para esta materia y
curso había establecidos. Las partes son:

7
LLEDÓ, Emilio. EL silencio de la escritura. Madrid, Centro de Estudios
Constitucionales, 1992, p. 18.

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Nº de temas Hª Universal Hª de España


Prehistoria 2 2
Edad Antigua 7 5 2
Edad Media 12 5 7
Edad Moderna 11 7 4
Edad Contemporánea 9 6 3
TOTAL 41 25 16

Cada libro se vendía con un programa en pequeño


formato que en ocasiones usaban los profesores para indicar la
relevancia de los temas o de ciertas preguntas de los mismos. Estos
programas tenían un formato pequeño (10,7 x 14,5 cm) e
incluían los temas de la asignatura y los distintos epígrafes de cada
uno. A menudo los profesores los usaban para preguntar y los
alumnos podían tenerlos en el examen8.
El programa de la asignatura estaba dividido en 41
lecciones, tal y como se detalla a continuación. En primer lugar
figura el título de cada una en el manual de Asián y a
continuación en el de S.M., en cursiva, si hay variaciones:

PRELIMINARES
I. La ciencia histórica. Preliminares.
II. La Prehistoria: El hombre primitivo. La Prehistoria.
EDAD ANTIGUA
III. Pueblos del Próximo Oriente.

8
Por ejemplo, la última lección, XLI, La España actual, tenía estos epígrafes:
Minoría de Alfonso XIII.- Insurrección de Cuba y Filipinas: Tratado de París de
1898.- Mayoría de edad del rey: los partidos políticos.- La cuestión de
Marruecos.- La Dictadura.- La segunda República: El Frente Popular.- El
Alzamiento Nacional.- Principales acontecimientos de la campaña y la victoria
final.- Reconstrucción interior.- Posición de España ante la política
internacional”. Así, en el examen oral o escrito, si el profesor preguntaba
“Reconstrucción interior” el alumno sabía que estaba en la lección XLI.
Esto nos da una idea clara de cómo se “estudiaba y “enseñaba” la historia y del
peso que tenía la mera repetición de contenidos pues no se planteaba que el
profesor pudiera preguntar “Compara….”, “¿Por qué….?” “¿Cómo…?” sino
sólo los epígrafes de los apartados de los temas.

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IV. Mesopotamia y Persia.
V. El despertar histórico del Mediterráneo.
VI. El mundo clásico: Grecia.
VII. El mundo clásico: Roma.
VIII. España romana. España prerromana y romana.
IX. El Cristianismo y el Imperio.
EDAD MEDIA
X. Decadencia del Imperio Romano y pueblos
germánicos. Invasión de los bárbaros.
XI. La España visigoda.
XII. El Imperio Bizantino.
XIII. Los árabes y la España musulmana.
XIV. Europa occidental hasta el siglo XIII.
XV. La Iglesia hasta el siglo XIII.
XVI. España cristiana hasta el siglo XIII.
XVII. Europa occidental desde el siglo XIII hasta el
Renacimiento.
XVIII. España del siglo XIII a la Edad Moderna: Reinos
orientales.
XIX. España del siglo XIII a la Edad Moderna. Reinos
orientales: Instituciones y Cultura. España: Reinos
orientales (cont.).
XX. España del siglo XIII a la Edad Moderna: La
Reconquista occidental. España: Reconquista occidental
(cont.).
XXI. España del siglo XIII a la Edad Moderna. La
Reconquista occidental: Instituciones y Cultura. España
del siglo XIII a la Edad Moderna: Instituciones y Cultura.
EDAD MODERNA
XXII. La época del Renacimiento.
XXIII. La España de los Reyes Católicos.
XXIV. La España de los Reyes Católicos, las
Instituciones y el primer Renacimiento. La España de los
Reyes Católicos. Las Instituciones
XXV. La época de los grandes descubrimientos
marítimos.
XXVI. Reforma protestante y restauración católica.
Luchas religiosas. Reforma protestante y Restauración
católica.
XXVII. El Imperio español. El Imperio hispánico.
XXVIII. El Imperio hispánico. Las Instituciones y el
segundo Renacimiento español. El Imperio hispánico. Las

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Instituciones.
XXIX. La obra de España en América.
XXX. La época de Luis XIV.
XXXI. El siglo del despotismo ilustrado y la ilustración.
XXXII. La España del siglo XVIII. Advenimiento de los
Borbones.
EDAD CONTEMPORÁNEA
XXXIII. La Revolución Francesa y el Imperio. Edad
Contemporánea.
XXXIV. Guerra de la Independencia y reinado de
Fernando VII. Guerra de la Independencia.
XXXV. La época del liberalismo.
XXXVI. Expansión colonial y equilibrio europeo.
XXXVII. España durante el siglo XIX. Isabel II:
Revolución y Restauración. España durante el siglo XIX.
XXXVIII. La civilización contemporánea.
XXXIX. Antecedentes inmediatos del mundo actual.
XL. Los problemas del mundo actual.
XLI. La España actual.

Uno de los aspectos significativos es el peso -grande o


pequeño- que tienen los temas dedicados a España en cada
período. Así, destaca, en 1965, la importancia que se le da en las
Edades Media y Moderna y, en contrapartida lo poco que se
aborda la Historia de España en el siglo XX, a la que se dedica
sólo el tema 41.
Hay que destacar, también el peso dedicado a cada
período y, especialmente, la importancia de las edades Media y
Moderna con relación a la Contemporánea cuando ésta es la que
más nos acerca al conocimiento humano que más nos interesas, el
del ser humano actual y nos facilita la posibilidad liberadora de las
trabas, insuficiencias y limitaciones de nuestro presente9. Pero,
además, hay que destacar el peso relativo de los temas dedicados a
Historia de España: 7 de los 12 temas de la Edad Media
corresponden a España y 8 de los 11 de la Edad Moderna. Sin

9
TUSELL, Javier. Historia de España Contemporánea. Madrid, Santillana,
1996, p. VII.

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embargo, en el bloque dedicado a Contemporánea, hay sólo 3, de


los cuales sólo uno se dedica a España en el siglo XX. Hoy en día
está comúnmente admitido que la enseñanza de la Historia
contemporánea tiene amplias aplicaciones didácticas que son
vivamente recomendadas a los docentes de los niveles medio e
inferior10 sobre todo porque permite enlazar directamente con el
presente (Histoire du Temps Présent o Current History). La historia
inmediata, historia del tiempo presente, historia reciente11 tienen un
final abierto, porque hablamos de algo cuyo final desconocemos. Y
es en ese final abierto donde según algunos autores se asienta el
potencial heurístico de la historia inmediata, “su localización de
los problemas a dilucidar y su vigencia o durabilidad, su
trascendencia para el momento histórico que se está viviendo, su
capacidad de interesar activamente a los sujetos cívicos, en fin, en
el marco de una formación cultural y política que sea, siempre,
indiscutiblemente democrática”12.
Esta historia del tiempo presente -término empleado por
Tusell, por ejemplo, para referirse a la Historia tras la II Guerra
Mundial- es la que mejor permite comprender las cuestiones de
actualidad y la que facilita el acceso a las claves que posibilitan
interpretar los hechos que nos asaltan día a día. Esta funcionalidad
de la Historia no existía en los años 60 ó 70 en que el peso de la
Historia de España en el siglo XX es mínimo, prácticamente un
tema de los 41, el último, tema que, además, en la mayoría de los
casos no se llegaba a impartir.

10
Cfr. HERNÁNDEZ SANDOICA, Elena. Los caminos de la Historia.
Cuestiones de historiografía y método. Barcelona, Síntesis, 1995, p. 280.
11
Cfr. ARÓSTEGUI, Julio. “La historia reciente o del acceso a realidades
sociales actuales”, en RODRÍGUEZ FRUTOS, J. (dir.). Enseñar historia.
Nuevas propuestas. Barcelona, Laia, 1989, p. 33. y ARÓSTEGUI, Julio.
“Sociología e historiografía en el análisis del cambio social reciente”, Historia
contemporánea, 1990, nº 4, pp. 145-172.
12
HERNÁNDEZ SANDOICA, Elena. Op. cit., p. 281.

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El manual de 1973 responde a la concepción de manual


global de Ciencias Sociales. Su mismo título Consultor, nos indica
que es distinto de los demás, en el sentido de que se presenta más
como libro de consulta que como texto a estudiar por los alumnos.
En cierto sentido, con este tipo de manuales se pretendía cambiar
el enfoque de las Ciencias sociales. Aborda cuestiones que
difícilmente encontraremos en los restantes, por ejemplo:
Evolución de los estudios antropológicos, cómo trabaja el
antropólogo o lo mismo con relación al sociólogo. Ahora bien, si
bien es cierto que las Ciencias Sociales han de estudiarse en
estrecha relación y que no deberían ocurrir anécdotas como la que
ha contado a menudo Lázaro Carreter13, no es menos cierto que se
corre el riesgo de diluir los contenidos históricos y de que se pierda
su especificidad, por una parte, o de que se aborden las Ciencias
Sociales como amalgama de conocimientos yuxtapuestos en el
mismo volumen, sin relaciones entre ellos y sin utilizar unos para
llegar al conocimiento de los otros. Al ser un manual para 7º los
contenidos históricos abarcan desde el Renacimiento hasta el siglo
XVIII. Más adelante comentaremos el contenido del tema 25, El
descubrimiento de América, comparándolo con otros.
El manual de 1979 está dividido en cuatro unidades: 1.
Civilización europea y mundo contemporáneo, con 10 temas, 2.
Las civilizaciones actuales, con otros 10 temas, 3. España en el
mundo contemporáneo, con 9 temas y 4. Educación ética y cívica,
con 4 temas). Por tanto, hay un núcleo sólo para España en el
mundo contemporáneo. (Este libro es de Historia Universal y de
España en los siglos XIX y XX, ya que en E.G.B. en 7º se
incluyen los contenidos anteriores).
Los dos manuales de 1988 llamados Ciencias Sociales,
son distintos ya que el de 7º se divide entre Geografía Universal
(13 temas), Historia, 20 temas (desde el Renacimiento hasta el

13
Un profesor le preguntó a un alumno: “Alfonso X”. Y el alumno preguntó a su
vez: “¿dónde estoy?”. Necesitaba saber, antes de contestar, si estaba en Historia
o en Literatura. Una vez aclarado que estaba en Literatura comenzó a contestar

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siglo XVIII) y Educación Ética y Cívica, con 5 temas. De este


libro, comentaremos luego el contenido, estructura y lenguaje del
tema 3, El descubrimiento de las Indias, con relación a sus
equivalentes en anteriores manuales. El de 8º, sin embargo, se
dedica a Historia Contemporánea, 34 temas, y a Educación Ética,
6 temas. De los 34 temas de Historia, 3 corresponden al siglo
XIX español y 5 al XX; hay, además dos temas dedicados a
Andalucía en los siglos XIX y XX. Estos dos temas no están lógica
ni cronológicamente situados, ya que son el 33 y 34 y el último
tema dedicado al siglo XIX era el 12 y el tema de Andalucía en el
XX está 9 temas detrás del último dedicado a España en el XX
(tras el tema 23, La España democrática, nos encontramos con
Coexistencia pacífica y subdesarrollo; De la URSS a la CEI. Los
países del Este de Europa; China; Estados Unidos; Japón; El
Mercado Común Europeo; Latinoamérica; Los Países Islámicos
del oriente Próximo; Los países del África Negra y Andalucía en el
siglo XIX y Andalucía en el siglo XX). Esto no tendría mayor
importancia si el uso de los textos no fuera tan lineal como suele
ser pues son temas que habría que ir abordando a lo largo del curso
y no como un apéndice14. En este manual, usado hasta la
extinción de la E.G.B. en el curso 1996-97, el siglo XX ocupa
casi el 18 % del programa. Recordemos que en 1965 era el 2,4 %
(un tema de 41) por lo que en este punto se evidencia un claro
cambio en los contenidos más acordes con la nueva finalidad
asignada a la enseñanza de la Historia.
El análisis del contenido lo he realizado eligiendo dos
lecciones, de forma que se puede ver la evolución de los contenidos
y del tratamiento que se les da. Las dos lecciones son La época de
los grandes descubrimientos marítimos y La España actual.
Tengamos en cuenta que hay alrededor de treinta años de
distancia entre estos manuales, período en el que los cambios

14
Es evidente que las editoriales hacen un mismo manual para distintas
comunidades autónomas y luego añaden varios temas específicos de la comunidad
en cuestión, en este caso, Andalucía.

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experimentados por la sociedad española han sido gigantescos y en


el que la concepción teórica de la función de la Historia, su
concepto, metodología y sentido en el currículum han cambiado
más profundamente de lo que lo habían hecho nunca.

a) La época de los grandes descubrimientos marítimos:


Este tema es el nº 25 de los manuales de 1965 donde se
llama La época de los grandes descubrimientos marítimos, el 4 en el
de 1970, La época de los grandes descubrimientos, el 25 en 1973,
El descubrimiento de América y el tema 3 del manual de Vicens-
Vives para 7º, El descubrimiento de las Indias.
La estructura interna del tema es muy similar en todos
ellos. En los de 1965 y 1970 se empieza con referencias a los
conocimientos geográficos durante la Edad Media, para luego
señalar otras causas de los grandes descubrimientos y abordar las
rutas abiertas por Portugal por el Este. El apartado siguiente es ya
Cristóbal Colón, a continuación sus cuatro viajes y otros viajes de
exploración (viajes menores, descubrimiento del Pacífico y vuelta
al mundo) para terminar con el meridiano de demarcación y
consecuencias de los descubrimientos (este punto no figura en
1970) En el Consultor, se aborda esta cuestión en dos temas, 24 y
25: La expansión atlántica y El descubrimiento de América. En el
primero se tratan más detalladamente los progresos técnicos y los
conocimientos que permitieron que se emprendieran estos viajes y
los grandes viajes portugueses y en el segundo el proyecto de
Colón, los viajes que realizó, la primera vuelta al mundo y el
meridiano de demarcación como consecuencia de la reacción de
Portugal ante los viajes españoles.
El tema en el manual de 1995 tiene una estructura
similar, en apariencia, a los de 1965, con epígrafes parecidos. Sin
embargo, sus contenidos son muy diferentes. Hay menos nombres
propios en el del 95, pero hay más vocabulario y más contenido.
En 1965 este tema, como los restantes, es una sucesión de
nombres de personas, de sitios y de fechas. Destaca en este aspecto

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70

el de Asián que ofrece, además, algunas explicaciones que no


aparecen en el otro. El fondo, la moraleja que los alumnos debían
extraer del estudio de este tema es similar en todos: el importante
papel jugado por España y por determinados españoles (se
reconoce que Colón era genovés, pero se insiste en que hay que
considerar española su obra).
El manual de Asián no tiene ejercicios ni actividades.
Por tanto, se puede suponer que lo único que tenían que hacer los
alumnos era memorizarlo. No se destaca nada en el texto que es
abrumadoramente lineal. Sólo los títulos de los apartados están en
negrita y en cursiva los nombres propios y obras. Tiene, además,
notas a pie de página que, según se indica al comienzo, no es
preciso estudiar, aunque conviene leerlas “porque en ellas se
encuentran ampliaciones y detalles complementarios, que no
caben en los estrechos límites de un libro de texto, pero que
aumentan su valor formativo, y lo hacen más completo y ameno”.
Algunas de estas notas responden a este fin, pero hay otras que no
añaden nada al texto. Así, se dice en el texto que Posidonio había
calculado que la circunferencia terrestre medía 180.000 estadios,
cometiendo un error de más de un tercio y a pie de página se
indica que según Erastótenes medía 225.000, lo que se acerca a la
longitud real. ¿No podrían darse estos datos en Km? Incluye,
también, epígrafes que no están en el Programa oficial, pero que
harán “más comprensible y completo el estudio de la Historia”.
No deja de ser curioso que dentro del tema 25, el único epígrafe
con asterisco sea Necesidad de nuevas vías comerciales, básico para
comprender el tema. Este manual es el único impreso a una tinta,
lo que contribuye a que sea menos atractivo a la vista. Tiene,
además, menos ilustraciones que los restantes, la letra algo más
pequeña y mayor densidad de texto de forma que es el más árido,
aunque su contenido sea quizá más completo que en los restantes.
En las imágenes 2 y 3 vemos dos páginas de cada uno de los
manuales de 1965, el de Asián y el de SM que permiten hacerse
una idea más clara de lo que estamos diciendo.

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71

Los manuales de 1965 ofrecen básicamente una historia


descriptiva, que se presenta como un relato terminado y
autosuficiente, ante la que hay que usar prácticamente sólo la
memoria, lo que impide dar un paso más allá para llegar a
disfrutar con el conocimiento de un pasado que nos puede ayudar
a explicar nuestro presente. De hecho, por primera vez en el
manual de 1979 aparecen actividades (imagen 8). Suponemos que
hasta entonces la única actividad prevista era memorizar. Es una
historia en la que unos cuantos personajes son los motores de la
historia, los que hacen, los que piensan, los que deciden. Y ni
siquiera se atisba al resto de la población que vivió, rió y lloró en
esos años. Es una historia política: descubrimientos, batallas,
conquistas, tratados, todo ello protagonizado por algunos hombres
cuyos nombres debíamos aprender. Y es una historia en la que
apenas hay un hilo conductor. Más bien parece que son
determinados caprichos u ocurrencias los que llevan a esas guerras,
a esos pactos o a esos descubrimientos. El papel del personaje en
esta historia es fundamental. La importancia del personalismo que
hace recaer los éxitos y fracasos en personas concretas, que
representa a personas como motores, que ve en las individualidades
la causa más frecuente de los hechos.
De acuerdo con esta importancia del personaje, el texto
es una continua referencia a distintas personas, hombres siempre
salvo el nombre de alguna reina. En el tema 25 que venimos
analizando, los nombres que aparecen son: Platón, Séneca, San
Agustín, Posidonio, Erastótenes, Tolomeo, Pedro de Ailly,
Toscanelli, Marco Polo, Plano Carpino, Rubruquis, Enrique el
Navegante, Diego de Cao, Bartolomé Díaz, Vasco de Gama,
Alburquerque, Cristóbal Colón, Fernando Martins, Juan II de
Portugal, Duque de Medinacelli, Reina Isabel, Reyes Católicos,
Cura de los Palacios, Emiliano Jos Pérez, Pedro Mártir,
Hermanos Pinzón, Martín Alonso Pinzón, Príncipe Don Juan,
Diego de Arana, Alejandro VI, Jaime Ferrer, Bartolomé (hermano
de Colón), Juan de Aguado, Francisco de Bobadilla, Alonso
Vallejo, Elcano, Alonso de Ojeda, Juan de la Cosa, Américo
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Vespucio, Pedro Alonso Niño, Diego de Lepe, Rodrigo de


Bastidas, Núñez de Balboa, Fernando de Magallanes y López de
Gómara. Si añadimos otra lista similar de nombres geográficos y
las fechas de cada viaje, salida y llegada, escalas, etc., tendremos
una idea clara de las seis páginas dedicadas a este tema. En los dos
manuales de 1965 los listados son muy similares.
Si hacemos el equivalente de 1988, obtenemos menos
nombres propios, pero mucho más vocabulario. Así, al hablar de
los medios de navegación se distingue entre la nao y la carabela y
se explican sus diferencias y los diferentes tipos y tamaños de las
velas (cuadradas y triangulares o latinas) y de los palos; en las
técnicas de navegación se alude a la brújula, el fuerte timón, el
astrolabio, los mapas o portulanos, los vientos y las corrientes. Se
ofrecen, además, más detalles acerca de las rutas seguidas y de las
fechas en que van sucediendo los hechos. Por tanto, en un
momento en que el centro no son ya los contenidos sino los
conceptos de forma que el alumno pueda explicarse los hechos y
determinar las distintas causas que los motivaron, los contenidos
son muy densos y llevan, frecuentemente, a un aprendizaje tan
mecánico y superficial como el que se producía treinta años atrás.
El uso que se haga de los manuales en el aula puede llegar a
convertirlos en una caricatura de sí mismos.

b) La España actual:
He elegido este tema porque es uno en los que se pone
de manifiesto la acumulación de nombres y términos, sin
explicación, cuando si algún tema debía de comprenderse
especialmente es éste, dada su cercanía cronológica y espacial a los
alumnos. El tema empieza con la minoridad de Alfonso XIII, para
luego tratar la Insurrección de Cuba y Filipinas, el Tratado de
París de 1898, Alfonso XIII y los partidos políticos, la cuestión de
Marruecos, la Dictadura, la Segunda República, el Alzamiento
Nacional, los principales acontecimientos de la guerra, la victoria

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final, la reconstrucción interior y, para terminar, la posición de


España ante la política internacional.
Para que nos hagamos una idea exacta de la
acumulación de datos vacíos de significado, he aquí el contenido
de la primera pregunta de la lección, según el manual de S.M.:

Minoridad de Alfonso XIII (1885-1902): “A la muerte de


Alfonso XII, se encargó de la Regencia la reina María
Cristina, Su lealtad constitucional y su nobleza le
granjearon el respeto y la colaboración de los principales
partidos. Así, los dos jefes más prestigiosos, Cánovas y
Sagasta, por el Pacto de El Pardo, convinieron en turnarse
pacíficamente en el poder. La minoridad de Alfonso XIII
se caracteriza: por las guerras coloniales, por la agitación
social, huelgas y asesinatos, promovidos por socialistas y
anarquistas, y el problema catalán, de carácter separatista”.

En el de Asián, el contenido de esta pregunta era:

Minoría de Alfonso XIII: “Al ocurrir la muerte de Don


Alfonso XII, Doña María Cristina era madre de dos hijas
y se encontraba encinta. El 17 de mayo de 1886 nació
un hijo varón, en quien recayó la corona, ejerciendo el
cargo de Regente hasta la mayoría de edad su augusta
madre, quien contó con la lealtad de los jefes políticos de
los más importantes partidos. Parece ser que los jefes
políticos Cánovas y Sagasta estuvieron de acuerdo (Pacto
del Pardo), en establecer una rotación de los partidos
conservador y liberal en el poder, que evitara las luchas
políticas; pero esta avenencia no pudo evitar los
desórdenes provocados por algunas sublevaciones
republicanas como la de Villacampa en Madrid y otra en
Cartagena. A la muerte de Cánovas, asesinado por el
anarquista Angiolillo, cuando descansaba en el balneario
de Santa Águeda, fue sustituido en la presidencia por el
señor Silvela”.

No podemos por menos de preguntarnos, ante la


selección de contenidos realizada en base a qué criterio se
considera relevante el que Cánovas estuviera en ese balneario y
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sobre todo qué entendían, por ejemplo en 1970, alumnos de 13 ó


14 años que estudiaban estos libros por constitucional, partido
político, partido liberal o conservador, anarquismo, republicano,
problema catalán, socialismo, etc. y esto sólo con el pequeño párrafo
transcrito. Hay que recordar que hasta 1975 no termina la
dictadura franquista.
No se aprecia, ni en este tema ni en los demás, interés
por explicar conceptos históricos básicos que aparecen sin ninguna
explicación (monarquía, feudalismo, democracia, ilustración…) y
“si no entiendo o malinterpreto los conceptos que se emplean en la
explicación no puedo entender la explicación” 15. Pero es que,
además, estos conceptos han ido cambiando con el tiempo, de
forma que monarquía, libertad o democracia no han significado
siempre ni en todas partes lo mismo. Comprender estos conceptos
puede ser una condición necesaria para comprender la Historia,
pero no suficiente. Otro elemento fundamental a estudiar es cómo
afecta la visión que el profesor tenga de la Historia, cómo
transmite su visión de la disciplina a sus alumnos.
La frase final de cada libro también merece ser
transcrita, aunque no necesita comentario porque habla por sí
sola. Asián afirma que “Actualmente, nuestra Patria desempeña
un destacado papel en el concierto mundial” y en el manual de
S.M. leemos: ”El 26 de septiembre de 1953 firmó con los
Estados Unidos el Pacto de Ayuda Mutua, siendo al presente un
aliado leal y poderoso de la nación americana en su lucha contra el
bloque comunista euroasiático”.
En el manual de 1979, quizá lo más sorprendente sea el
paréntesis a que reduce el franquismo, a pesar de los 9 temas que
dedica a estos dos siglos. El tema 25, La Guerra Civil, tiene los
siguientes apartados:

15
HALLDEN, O. “Learning History”. Oxford Review of Education. Vol. 12,
1986, nº 1, p. 63, cit. en CARRETERO, Mario. Construir y enseñar. Las
Ciencias Sociales y la Historia. Madrid, Visor, 1996, p. 45.

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Los inicios de la guerra.- Los dos bandos: la España


Nacional y la España Republicana.- La primera fase de la guerra.-
Momento decisivo de la guerra: la batalla del Ebro.- Los gobiernos
durante la contienda.- El carácter internacional de la guerra.-
Consecuencias de la guerra.- De la autocracia a la democracia.- La
Constitución de 1978.
Tras referirse a las consecuencias de la guerra16 (efectos
demográficos, económicos y dificultades posbélicas) empieza así el
epígrafe De la autocracia a la democracia: A la muerte del general
Franco”.... Es decir, en 1,5 cm de papel en blanco, distancia que
separa epígrafes, están los 36 años del franquismo. ¿Por qué?
¿Quizá aún no había un consenso acerca de qué tratamiento
darle? Se habla de autocracia, no de dictadura, y de democracia,
pero no hay ninguna explicación acerca del significado de estos
términos, si acaso algo puede intuirse acerca de este último, pero
no del anterior.
En 1995 -recordemos que es la 6ª reimpresión de un
manual de 1988- encontramos estos temas acerca de la Historia
de España en el siglo XX, es decir, equivalentes al tema 41 de
1965: el reinado de Alfonso XIII, la Segunda República española,
la guerra civil española, España durante el régimen de Franco, la
España democrática y Andalucía en el siglo XX. Es evidente que
en este caso la comparación entre contenidos no tiene sentido. Sí
que puede resultar ilustrativa la relación de fotografías que se
ofrecen, por ejemplo, en el tema acerca de la España democrática:
Juramento de Juan Carlos Y como Rey de España, fotos de
Santiago Carrillo, Felipe González, Adolfo Suárez y Manuel
Fraga, una manifestación pacífica, los gobiernos de A. Suárez y
F. González, el Tribunal Constitucional, el Parlamento tomado
por Tejero, reunión de los Pactos de la Moncloa, la Diada, sesión
en el Parlamento vasco y Joaquín Ruiz Jiménez, defensor del

16
Es interesante el trabajo de ÁLVAREZ OSÉS, J.A. y otros. La Guerra que
aprendieron los españoles. República y guerra civil en los textos de bachillerato
(1938-1983). Madrid, ICE Universidad Autónoma de Madrid, 2000.

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pueblo. Vemos que sigue habiendo bastantes fotos de personajes,


ya no aparece ningún dibujo, pero también aparecen fotos
colectivas (parlamento, diada, manifestación, gobierno, etc.).

2.2 Ilustraciones
En las ilustraciones es donde se aprecian más cambios al
comparar los distintos manuales, no sólo por responder a distintos
planteamientos didácticos sino, también, por la evolución seguida
por las técnicas de impresión17. Mientras que en los de 1965 hay
mayoría de dibujos, muy esquemáticos, a medida que avanzamos
en el tiempo aumentan las reproducciones de fotografías o
cuadros, lo que contribuye a ofrecer imágenes realistas. Del mismo
modo, a medida que avanzamos, las ilustraciones reproducen más
grupos y menos individualidades, aunque éstas sigan
predominando, sobre todo en determinados temas. De algún
modo, esto sería un reflejo de una concepción de la Historia más
centrada en la sociedad y menos en el individuo.
En el de Asián, las ilustraciones son cinco mapas muy
esquemáticos: Descubrimientos portugueses en África, Primer y
segundo viaje de Colón, Línea de Tordesillas, Tercer y cuarto viaje
de Colón y la ruta de la vuelta al mundo de Magallanes y Elcano.
En el de S.M., hay ocho ilustraciones: tres mapas, uno con los
viajes más notables de los descubridores de los siglos XV y XVI,
otro con los cuatro viajes de Colón y otro de la región del Caribe
que recorrió Colón, y cinco dibujos: Las carabelas, Colón, dos de
Núñez de Balboa (cabeza y tomando posesión del Pacífico en

17
Un análisis detallado de estos aspectos puede verse en estos otros dos trabajos
de Rafael VALLS MONTES: “Imágenes para la historia (las imágenes en los
manuales escolares de historia)”, en ESCOLANO, A. y HERNÁNDEZ DÍAZ,
J.M. (coords): La memoria y el deseo: cultura de la escuela y educación deseada.
Valencia, Tirant lo Blanc, 2002, pp. 207-224 y “Las imágenes en los manuales
escolares españoles de Historia, ¿ilustraciones o documentos?”, en Iber:
Didáctica de las ciencias sociales, geografía e historia, nº 4, (Diseño y unidades
didácticas), 1995, pp. 105-120.

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nombre de España) y Elcano (las imágenes 4, 5, 6 y 7 permiten


ver la evolución de las ilustraciones de un mismo tema).
Para hacernos una idea más clara de la austeridad del
manual de Asián, por ejemplo, en el tema 41 sólo ofrece una foto
de 4x5 cm de Franco, en blanco y negro como todo el libro,
mientras que el de S.M. incluye dibujos de la Reina Mª Cristina,
Alfonso XIII, un soldado español de fines del XIX, Maura, Miguel
Primo de Rivera, Calvo Sotelo, José Antonio, el General
Moscardó y un escudo de la España eterna: la de la Reconquista, la
del Imperio español y la de nuestros días. Como vemos, el colofón
ideal a este manual.
Si pasamos al manual del 70, los dibujos son muy
parecidos a los de la misma editorial en 1965; se mantienen
algunos y el mismo tipo de dibujos: Mapa-mundi realizado tras el
descubrimiento, tipos de barcos, mapa con los viajes de Marco Polo
y los portugueses, Colón, los cuatro viajes de éste, Américo
Vespucio, Núñez de Balboa, Elcano y los viajes más notables de los
siglos XV y XVI (imagen 3). En este caso notamos la presencia del
color, escaso en general pues hay páginas que sólo tienen los
enunciados en tinta ocre en la que están hechos los dibujos que
contiene. Sólo en ciertas páginas aparecen más colores, como
podemos ver en los mapas. Las ilustraciones no son realistas, sino
siempre dibujos esquemáticos que interpretan una realidad.
Observando las ilustraciones de 1995 (imagen 7), se
detecta un cambio radical: prácticamente ya no aparecen dibujos
de personajes, sino reproducciones de cuadros o grabados (a partir
del XIX reproducciones de fotografías) y algunos dibujos. En este
tema, las ilustraciones son: mapa de la tierra conocida a principios
del XV, mapa de los viajes oceánicos de los siglos XV y XVI
dibujos muy detallados de un astrolabio, una brújula y una
carabela (incluye sección y se especifican los nombres y uso de
cada parte o elemento), reproducción de un portulano de la
primera mitad del XVI y de una carta náutica del XVI, fotos de
las costas de Guinea y del estrecho de Magallanes, reproducción de
retratos de Enrique el Navegante, Colón y Magallanes, grabados
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del XIV acerca de la recogida de la pimienta, la ciudad de Ceuta,


tapiz del XVI con la llegada de Vasco de Gama a Calicut, flota de
Vasco de Gama, diario de Colón, Tratado de Tordesillas, etc. Es
decir, se puede obtener una impresión acerca de cómo son los
documentos de la época, cómo vestían los españoles que
participaron en los viajes y cómo eran sus barcos, cómo vivían los
indios a la llegada de los españoles, etc. Otra cosa distinta, es que
realmente en las aulas se realice este tipo de lectura de imágenes,
pero esto ya es entrar en otra cuestión.

2.3 Actividades
En las actividades propuestas para los alumnos las
diferencias entre manuales a lo largo del tiempo son también
enormes. En el manual de S.M. hay una pequeña lectura al final
de cada lección. La correspondiente al tema 25 es sobre Tres
inventos importantes (la brújula, la pólvora y la imprenta) y la del
41 sobre Los héroes del Alcázar y Los héroes del Caney. Cada cierto
grupo de temas hay otro apartado dedicado a Lecturas,
Complementos, Repaso y Entretenimientos, donde junto a alguna
otra lectura, aparece un apartado llamado No lo dudes que
completa información acerca de alguna cuestión puntual de esos
temas, información, en general, donde se acentúan los valores de
valentía, entrega, patriotismo, religiosidad, etc., otro apartado
llamado Repasa y otro A ver si lo adivinas, que suele tener la forma
de crucigrama. En el repaso se incluyen preguntas para contestar
normalmente en el cuaderno y se ordenan bajo los siguientes
apartados: ¿Qué te dicen estas fechas?, Clasifica cronológicamente,
¿Quién fue?, ¿Qué hicieron?, ¿Contra quién lucharon?, ¿Dónde
están y qué sucedió?, Recuerda. Son, pues, actividades cerradas, en
consonancia con un saber cerrado y acabado.
En el manual de Asián no se sugiere ninguna actividad
por lo que se sobreentiende que lo único que tiene que hacer el
alumno es memorizar el contenido. En la última página se
anuncian, del mismo autor, ocho Tablas sincrónicas para facilitar el

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estudio y el recuerdo de la Historia, que abarcan todo el contenido


de este libro.
A partir de 1970, las actividades propuestas a los
alumnos se diversifican y empiezan a adquirir mayor importancia.
Ya no se trata sólo de repetir el contenido del libro y como vemos
en la imagen 8, correspondiente a un manual de Historia Universal
y de España de 1979, se plantea un pequeño comentario de texto
histórico y una comparación entre las constituciones de 1812 y
1978.
Tras la Ley General de Educación de 1970, apareció,
además, un nuevo tipo de materiales escolares18 donde los alumnos
debían realizar actividades: en todas las materias el manual típico
se transforma en un Libro de consulta junto al que hay un Libro de
trabajo del alumno, en el que no hemos querido centrarnos ahora.
Sólo diré que son los conocidos como cuadernos de fichas que
convirtieron en muchos casos el aprendizaje por descubrimiento en
una parodia dado que muchos profesores y alumnos usaban el libro
de consulta como única fuente del saber a partir del cual se
contestaban -o, mejor dicho, se rellenaban- las fichas. En el de
1988, sí se observa un giro radical en las actividades propuestas
para el alumno y en los materiales complementarios que se ofrecen
(lecturas, textos de la época, gráficos, etc.). Por ejemplo, las
actividades propuestas para el tema del Descubrimiento son: 1.- A
partir de un fragmento del Memorial de Colón a los Reyes
Católicos responder a preguntas tales como ¿qué comida
necesitaban los colonos establecidos en La Española? o ¿Qué
artesanos hacían falta? 2.- Ejercicios de síntesis, donde se
preguntan cuestiones puntuales del tema. 3.- Trabajo sobre el
dibujo de una nao. 4.- Los pueblos indígenas: A partir de
fragmentos del Diario de Colón y del de Pigafetta se plantean
distintas preguntas acerca de la forma de vida, costumbres, etc. de

18
ESCOLANO BENITO, A. (dir.). Historia ilustrada del libro escolar en
España. De la posguerra a la reforma educativa. Madrid, Fundación Germán
Sánchez Ruipérez, 1998.

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los indígenas y 5.- Trabajo sobre un mapa-mundo donde tienen


que señalar distintas rutas, puertos, etc.

3 Reflexiones sobre un problema actual

Como pedagogos y, a la vez, como profesores de


Historia, hemos de plantearnos cómo ha cambiado la función de
la enseñanza de la Historia con la llegada de nuevas concepciones
psicopedagógicas y con los cambios sociopolíticos experimentados
por nuestro país. Quizá ahora, más que nunca antes en la
Historia, no se trata sólo de que el alumno adquiera nuevos
saberes, aunque también, sino, sobre todo, de que utilice esos
saberes para analizar la realidad que le rodea: “La finalidad de la
Historia en la nueva sociedad democrática viene a ser la de que el
conocimiento del pasado ayuda al alumno a comprender el
presente y analizarlo críticamente. La enseñanza de la Historia
cumplirá así un papel relevante en la formación democrática de los
ciudadanos”19
Si la Historia debe ayudarnos a comprender el presente y
a actuar en él y sobre él, las reflexiones acerca de la evolución
experimentada por la enseñanza de la Historia en las últimas
décadas deberían ayudarnos a mejorar nuestra actuación como
docentes. Hemos visto que mientras que en los años 60
prácticamente sólo se les pide a los alumnos que recuerden, ahora
deben ser capaces de relacionar, explicar, sintetizar, etc. Ahora
bien, este cambio de contenidos y de objetivos, no se ha visto
acompañado siempre por un cambio en las estrategias usadas en la
enseñanza, de forma que para enseñar conceptos, se han seguido
usando en ocasiones las mismas que para transmitir datos, lo que
sin duda lleva a un fracaso en la enseñanza de la Historia y a una
mera reforma superficial pues se sigue pidiendo que el alumno

19
CARRETERO, Mario; POZO, J. I. y ASENSIO, M. La enseñanza de las
Ciencias Sociales. Madrid, Visor, 1989, p. 218.

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reproduzca contenidos (ahora conceptuales y no sólo narrativos)


respetando la estructura propuesta.
Frente al aprendizaje memorístico tradicional y al
aprendizaje constructivo, enseñanza por descubrimiento, se abre,
además, una tercera vía: la enseñanza por exposición: el
aprendizaje reconstructivo, que intenta superar los reduccionismos
de los otros dos: “la confusión reside en creer que el
descubrimiento es la alternativa al aprendizaje repetitivo, cuando
en realidad ambos aspectos se hallan situados en dos ejes distintos.
La verdadera alternativa a la repetición es el significado, que puede
alcanzarse tanto por descubrimiento como por exposición”20. De
este modo llegaríamos al concepto de aprendizaje significativo, que
es el que se puede relacionar de modo no arbitrario y sustancial
con lo que el alumno ya sabe. Para ello es necesario que el
material de aprendizaje tenga significado en sí (una lista de
nombres, fechas o lugares no lo tiene) y que sea potencialmente
significativo para el alumno, es decir, que éste tenga ideas con las
que relacionar el nuevo material. A pesar de lo anterior, hemos de
reconocer que habitualmente no se usa un solo tipo de enseñanza,
sino más bien los tres en distinto grado, en función de las
características de los alumnos.
Todas estas cuestiones nos llevan a preguntarnos ¿Qué
historia debemos enseñar a nuestros alumnos, sea en enseñanza
secundaria o en la universidad, en nuestro caso a los futuros
pedagogos o maestros? ¿Cómo y para qué enseñársela? En mi
opinión, la cuestión fundamental que subyace a esta preguntas no
es sólo qué historia, en el sentido de qué contenidos, dada la
extrema volatilidad de los mismos cuando no se mantienen en uso,
sino cómo enseñarla.
Cada año, el primer día de curso, suelo proponer a los
alumnos de 3º de Pedagogía matriculados en Historia de la
Educación en España un pequeño ejercicio de cronología donde

20
Ibídem, p. 229.

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deben situar hechos, personajes o movimientos relevantes:


Reforma protestante, II República, Ilustración, Siglo de Oro,
descubrimiento de la imprenta, Alfonso XII.... Los resultados son
desalentadores. La media es de tres aciertos, entendiendo por tal
cuando señalan correctamente el siglo. Por tanto, ¿Qué Historia
de la Educación podemos enseñarles si cuando se hace una
referencia a la Reforma protestante hay en la clase alumnos que la
sitúan desde el siglo X hasta el XX? ¿Qué conclusiones saca cada
uno de ellos de los comentarios que escuchan al respecto? ¿Qué
hacer cuando se descubre que los alumnos desconocen el
significado de Antiguo Régimen o que creen que estamos hablando
del franquismo? Y esto sin hablar de momentos históricos a los
que es usual aludir en nuestras clases de Historia, y que podemos
suponer, con grandes probabilidades de acierto, que son menos
conocidos que los ejemplos anteriores.
Este tipo de problemas que tenemos como docentes, han
de llevarnos a plantearnos distintas preguntas: ¿Cómo se explica
que nuestros alumnos hayan olvidado tanto la Historia que
aprendieron en el Bachillerato e incluso muchos en sus estudios de
Magisterio? ¿O es que saben una Historia distinta de la que
nosotros les demandamos? La historia que aprendieron ¿por qué
se ha esfumado de su memoria actual? ¿Por cómo se la
enseñaron, por los contenidos que les enseñaron o porque no llegó
a tener para ellos significado? Lo que parece claro es que no se
produjo un aprendizaje significativo. Hemos de empezar por
reconocer que no es una tarea fácil y que las nuevas condiciones en
que desarrollamos nuestro trabajo (número y tipología de alumnos
en el aula, horas de clase, atomización de las materias, etc.) no
favorecen su consecución.
Partiendo del papel de la historia en la formación del
individuo y de que la Historia no es un repertorio de recetas acerca
de cómo actuar, ni conocimientos vacíos e inconexos que
proporcionen un culturalismo hueco y estéril, sino, sobre todo,
argumentación, deberíamos pensar acerca de qué es y cómo se
conoce la Historia. Los que nos decimos historiadores hemos de
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preocuparnos sobre la naturaleza de la Historia ya que “el


historiador “escribe” la historia, en efecto, pero debe también
“teorizar” sobre ella. Sin teoría no hay avance del conocimiento”21.
Si no clarificamos el por qué de nuestra actividad, será difícil que
tengamos éxito dado que la comprensión del conocimiento histórico
puede y debe ser una fuente de sugerencias para la investigación
sobre el aprendizaje de la Historia. Sin tener claras esas premisas,
nos quejaremos a menudo de todo (horarios, programas, alumnos,
etc.), pero no lograremos hacer algo que sirva y satisfaga a nuestros
alumnos y a nosotros mismos.
En el II Congreso Internacional "Historia a debate"
celebrado en Santiago de Compostela en 1999, los problemas
relacionados con la enseñanza de la historia ocuparon un lugar
preferente en los debates entre los que los asistentes (los
historiadores latinoamericanos fueron los más numerosos). La
explicación que Valls da a este hecho es que los años noventa se han
caracterizado en todo el ámbito iberoamericano por una profunda
reforma de sus planes de no universitarios. Estas reformas “han
reformulado de manera muy intensa las finalidades educativas de la
enseñanza de la historia (y de las ciencias sociales en su conjunto).
Ha habido una relegitimación de la misma desde presusupuestos
muy diferentes a los fundamentalmente patrióticos definidos por los
sistemas liberales del siglo XIX, que habían perdurado hasta hace
poco sin apenas alteraciones de consideración”.
En España se han producido también reformas y debates
similares. Estas reformas han ido acompañadas, de manera más o
menos espontánea, por la aparición de grupos de docentes que han
repensado las "nuevas" funciones de la enseñanza de la historia
adecuadas a los "nuevos" tiempos y a las "nuevas" características de
un alumnado que, en los niveles educativos obligatorios, abarca ya,
en muchos casos, al conjunto de la población de tales edades. La

21
ARÓSTEGUI, Julio (1995): La investigación histórica: Teoría y método.
Barcelona, Crítica, 1995, p. 18.

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revisión de textos usados en un pasado no lejano nos permite


reconstruir el concepto de historia latente y las finalidades de su
enseñanza, nos permite comprender incluso el concepto que la
población, en general, tiene de lo que es la historia, estudiar
historia y hacer historia: algo memorístico, repetitivo, carente de
sentido, saber erudito, inútil, buscar en un pasado sin conexión
con los problemas del presente, etc. etc. Harán falta varias
generaciones para que entre los docentes primero, de forma
inexcusable, y en sus alumnos después, puedan abrirse camino las
nuevas (en realidad no lo son ya) concepciones teóricas y
metodológicas y las competencias que deseamos que nuestros
alumnos adquieran22. La extensión de la enseñanza universitaria
ha modificado el carácter de ésta lo que unido a la orientación más
profesional de los nuevos grados universitarios nos debe llevar a
pensar en otros términos. Las necesidades de historia de nuestros
alumnos, como de los alumnos de enseñanza secundaria o
bachiller, son también diferentes porque es muy distinto el mundo
en el que van a tener que vivir. Y la historia, como la educación en
general, tiene que servirnos para salir bien parados de esta difícil
aventura que es la vida. Y si no sirve para esto, sirve para poco.
En último término, nuestra principal preocupación y
ocupación como docentes, debería ser tener éxito en hacer más
eficaz la transmisión del conocimiento elegido como relevante y
valioso, de forma que pueda serlo efectivamente para nuestros
alumnos. Su estudio, de otro modo, será un mero trámite que
deben superar, pero no un elemento de ayuda para entender su
propia historia, su misma vida. Porque la historia, parafraseando a
Almudena Grandes, se teje con el hilo de la vida y no puede ser una
obligación (una asignatura más, sin más) porque está viva.

22
VALLS MONTES, Rafael. “Los usos de la historia enseñada y la reciente
polémica en España: un enfoque didáctico”. Ayer, nº 30 (Historia y sistema
educativo), 1998, pp. 221-240.

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93

Manuales Consultados

ASIÁN PEÑA, José L. Historia Universal y de España.


Barcelona: Casa Editorial Bosch, 1965.

ARENAZA, J. J. y GASTAMINZA, F. Historia Universal y de


España. Madrid: S.M., 1965.

GASTAMINZA, F. y ARENAZA, J. J. Historia Universal y de


España. Madrid: S.M., 1970.

ABAD, J. y otros. Consultor. Ciencias Sociales. Madrid:


Santillana, 1973.

RASTRILLA PÉREZ, J. Historia Universal y de España 8º


E.G.B. Madrid: S.M., 1979.

FERNÁNDEZ, A. y otros. Ciencias Sociales- 7. Andalucía.


Barcelona: Vicens-Vives, 1995.

FERNÁNDEZ, A. y otros. Ciencias Sociales- 8. Andalucía.


Barcelona: Vicens-Vives, 1995.

Carmen Sanchidrián Blanco é Catedrática de Teoria e História


da Educação da Universidade de Málaga desde 1999. Suas
investigações privilegiam a história da educação secundária, as
relações entre educação e trabalho das mulheres, a cultura material
da educação e o uso de imagens como fonte histórica.
E-mail: sanchidrian@uma.es

Recebido em: 20/02/2008


Aprovado em: 15/05/2008

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MEMÓRIAS DE FORMAÇÃO DO ESCRITOR
NO ACERVO LITERÁRIO DE ERICO VERISSIMO
Maria da Glória Bordini

Resumo
Nesses tempos pós-modernos, a noção de autoria abrange, numa
visada coletiva, inúmeros atores sociais, do passado e do presente. Na
constituição de Erico Verissimo como sujeito-autor, a cadeia de
construção da autoria abarca muitos elementos. É possível
reconstruir as etapas e fatores determinantes da formação autoral de
Verissimo com base em suas memórias, narrativas de viagens e
depoimentos, assim como através da análise de sua obra ficcional e de
fontes primárias como recortes de imprensa etc
Os romances de Erico Verissimo transformam em linguagem o que
Erico Verissimo viveu enquanto testemunha de seu tempo.
Englobam anseios, leituras, viagens, experiências editoriais,
diplomáticas e de ensino, obras de arte fruídas, uma intimidade
familiar e social preservada ante os apelos do público leitor e as
seduções da fama – mas acima de tudo a presença de um indivíduo
que se fez autor por todas essas mediações, tornando-se, ele também,
texto e livro.
Palavras-chave: Memória; Erico Veríssimo; História da educação.

MEMORIES OF ERICO VERISSIMO’S FORMATION AS


A WRITER IN HIS LITERARY ARCHIVE
Abstract
In this post modern era, the concept of authorship takes into
consideration, as a collective construction, several social authors from
the past and present. In the construction of Erico Verissimo as an
author-subject many elements are taken into account. It is possible
to reconstruct the determinant steps and factors in Verissimo’s
authorship formation analyzing his memories, travel journals and
statements as well as through the analysis of his fictional work and
primary sources, such as newspaper articles, etc. Erico Verissimo’s
novels are a written testimony of what he witnessed in his time. They
show his expectations, readings, travels, editorial, diplomatic and
educational experiences, his views on the arts, his intimacy, preserved
from his readers and the seduction of the fame – but, above all, we
can see an individual who became an author because of all these
elements, becoming, himself, text and book.
Keywords: Memory; Erico Verissimo; History of education.

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MEMÓRIAS DE FORMACIÓN DEL ESCRITOR EN EL
ACERVO LITERÁRIO DE ERICO VERISSIMO
Resumen
En estos tiempos pós-modernos, la noción de autoria abrange, en
una mirada colectiva, innúmeros actores sociales, del pasado y del
presente. En la constitución de Erico Veríssimo como sujeto-autor,
la cadena de construcción de la autoria abarca muchos elementos. Es
posible reconstruir las etápas y factores determinantes de la
formación autoral de Veríssimo con base en sus memórias, narrativas
de viajes y declaraciones así como através de análisis de su obra
ficcional y de fuentes primarias como recortes de imprensa, etc.
Los romances de Erico Veríssimo transforman en lenguaje lo que
Erico Veríssimo vivió encuanto testigo de su tiempo. Engloban
ánsias, lecturas, viajes, experiências, editoriales, diplomáticas y de
enseñanza, obras de arte disfrutadas, una intimidad familiar y social
preservada ante los apelos del público lector y las seducciónes de la
fama –pero por sobre todo, la presencia de un indivíduo que se hizo
autor por todas esas mediaciones, tornándose, él también, texto y
livro.
Palabras clave: Memoria; Erico Veríssimo; Historia de la
Educación.

MÉMOIRES DE LA FORMATION DE L’ÉCRIVAIN DANS


L’ARCHIVE LITTÉRAIRE D’ERICO VERÍSSIMO
Résumé
Dans ce temps postmodernes, la notion d’être auteur comprend, dans
une vise collective, des imnombrables acteurs sociaux, du passé et du
présent. Dans la constitution d’Erico Veríssimo en tant que sujet-
auteur, la suíte de construction dêtre auteur renferme beacoup
d’éléments. Il est possible reconstruire les étapes et les facteurs
déterminants de la formation d’auteur de Verissimo fondés sur ses
mémoires, des narrations de voyage et des dépositions, ainsi que
l’analyse de son ouvre de fiction et des sources primaires comme des
découpures de presse etc. Les romans d’Erico Veríssimo
transforment em langage ce qu’Erico Veríssimo a vécu en tant que
témoin de son temps. Ils englobent des sonhaits, des lectures, des
voyages, des expériences éditoriales, diplomatiques et d’enseignement,
des ouvres d’art jouies, une intimité familiale et sociale préservée
devant les appels du public lecteur et les séductions de la célébrité –
mais avant tout la présence d’un individu qui est devenu auteur par
tous ces médiations, en devenant, lui aussi, le texte et le livre.
Mots-clés: mémoire; Erico Veríssimo. Histoire de l’éducation.

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Foi necessário atravessar o século XX para que do


inconsciente da obra, daquilo que ela mostra como sintoma, seja
do psiquismo do sujeito ou dos pressupostos subjacentes à política,
e do reflexo que ela traz da infra-estrutura econômica que a
sustenta, a crítica chegasse de volta às questões da autoria. De
ambos os lados, da psicanálise e da sociologia, a presença do autor
tornou-se um problema. De um lado, porque as obras incorporam
expectativas sociais quanto a sua criação e produzem o que se pode
chamar de imaginação do autor, de outro porque os modos de
produção, cada vez mais instantâneos (veja-se a criação/leitura na
internet), mostram que a autoridade de quem produz o texto se
dilui por tal número de instâncias que a dominância de uma
mente autoral autônoma também não se sustenta.
Assim, na virada do século XX ao XXI, defrontados com
as evidências de que o inconsciente se estrutura como linguagem, e
de que a materialidade conforma o sentido, a concepção de autoria
passa a reintegrar componentes antes menosprezados. Assoma ao
palco da discussão um movimento de negação à tendência a
reduzir o mundo à linguagem, como se os meios e modos de
produção e a força de trabalho na criação literária não fossem
materiais. Dessa perspectiva, dá-se mais atenção a um exame
multidisciplinar dos mídia e dos efeitos de espetacularização da
literatura pela exposição pública do escritor, que o
fantasmagorizam, aproximando-o da condição de autor como
construto e não entidade.
A noção de autoria torna-se evasiva, pois não incide
mais apenas sobre uma entidade singular, uma pessoa histórica,
sujeito autônomo de suas próprias criações, como se tem pensado
desde o Renascimento, que se nutre de suas vivências e fantasias e
produz o novo e o inesperado. Nesses tempos pós-modernos, a
noção de autoria abrange, numa visada coletiva, inúmeros outros
atores sociais, do passado e do presente. Levam-se em conta
múltiplos fatores que propiciaram o ambiente favorável ao
desenvolvimento de uma obra, facultando não apenas idéias,
motivos, moldes genológicos, mas igualmente incentivos
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psicológicos, acesso à herança literária e artística do país natal e de


outras nações, etnias e culturas. Não se podem esquecer também
testemunhos factuais, meios pecuniários para a obtenção do tempo
requerido para a escrita e dos instrumentos físicos a ela
relacionados.
Por outro lado, a atual discussão inclui ainda a indústria
do livro, com seus vários ramos, desde as fábricas de papel e de
maquinaria até as empresas de edição e distribuição, o comércio
livreiro, com suas lojas e marketing, a indústria da informática,
com seus fabricantes de hardware e software, seus computadores e
as redes de difusão digital, como a world wide web, e instâncias
mais distantes da fatura material – ou virtual - do texto, como os
organismos governamentais ligados à promoção da cultura, a
imprensa e seus críticos, as academias e seus prêmios, a escola e
seus professores, as famílias e seus leitores.
Cada um dos atores sociais referidos colabora para a
construção do conceito atual de autoria, pois sua ausência quebra
a cadeia de sujeitos – e de objetos – que possibilitam o lançamento
de uma obra em formato de livro ou em formato digital e o
conhecimento da mesma pelo último elo que a ela pertence, o
leitor. Ser autor supõe ser lido, mas ser leitor implica ser autor de
sua leitura, de modo que se institui uma relação de dependência
entre esses dois sujeitos, mediada por todas as instituições que
constituem a cadeia. Atingido o último elo, o processo é revertido
sobre o primeiro, uma vez que um autor, assim reconhecido pelo
seu público, estabelece com ele uma ligação de expectativas e
frustrações de parte a parte, as quais reverberam sobre os novos
atos autorais e podem ser estimuladas ou manipuladas pelos atores
intermediários.
Na constituição de Erico Verissimo como sujeito-autor,
a cadeia de construção da autoria abarca todos esses elementos. É
possível reconstruir as etapas e fatores determinantes da formação
autoral de Verissimo com base em suas memórias, narrativas de
viagens e depoimentos, assim como através da análise de sua obra
ficcional e de fontes primárias como recortes de imprensa,
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fotografias, cartas e esboços existentes no Acervo Literário de


Erico Verissimo (ALEV), entidade mantida pela família do
escritor e que reúne a documentação primária e secundária sobre o
mesmo.
O ALEV comprova que Verissimo começa a surgir
como autor de textos literários quando seu primeiro conto,
“Chico”, é publicado num jornal de Cruz Alta (Cruz Alta em
Revista, 1929) (cf. ALEV 03a0870-1929), às instâncias de sua
mãe, que convence o filho a expor-se ao público local pelo meio
mais usado na época – a imprensa jornalística. Entretanto, em
suas memórias, Verissimo afirma que desde os tempos de ex-
colegial do Ginásio Cruzeiro do Sul vinha se exercitando na
narrativa, assim como no desenho, outra de suas paixões.
Desde criança, formara um elenco de leituras, dos
bonecos de O Tico-Tico às aventuras de Julio Verne, e logo aos
romances naturalistas de Eça de Queirós, que seu tio encenava em
casa, à revista L´Illustration, que o pai assinava e em que sua
imaginação de menino navegava à solta. Ademais, sua família
provinha de uma camada abastada da sociedade sul-rio-grandense
de então, a de estancieiros cujos bens incluíam os culturais, como
retratos a óleo nas paredes, bibliotecas particulares, gramofones e
discos, e o hábito de freqüentar teatros e cinemas.
Assim, em criança, Erico criou-se num ambiente
familiar e social que lhe propiciou o contato com obras de arte
diversas, às quais reunia-se o que não seria peculiar do patriciado
rural e que ele também revela em suas memórias: o convívio com
os cidadãos humildes, com os peões de estância e os desgarrados
que procuravam, na cidade de Cruz Alta, os cuidados de saúde da
farmácia e do dispensário de seu pai, com os criados do casarão,
em geral negros, e seus filhos, dos quais ouviu lendas, histórias e
causos que a alta cultura não registraria.
Se a fase de bonança não durou, e o jovem ginasiano
teve de deixar o colégio interno em Porto Alegre ante a separação
dos pais e a falência da família, em todo o caso a nova experiência
de ter de trabalhar cedo para ajudar a mãe o levou a conhecer
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outras áreas do mundo profissional. Nessa época, atravessou,


distraidamente, como ele mesmo deixa implícito, atividades de
bancário, boticário, empregado de armazém, pintor de cartazes,
até chegar ao emprego de secretário editorial da Revista do Globo
na capital do Estado.
Durante esse tempo todo, o jovem Erico continuava a
ler tanto literatura, em grande parte francesa e norte-americana
(pode-se constatar, no ALEV, que Erico, com 20 anos, lia em
francês As flores do mal de Baudelaire - 13c0107-1925), quanto
filosofia, de Voltaire (no ALEV há um volume com marcas de
leitura de O Jardim de Epicuro de 1907 - 13a0007-1907) a
Spencer, orientado nessa última pelo tio João Raymundo, e
escrevia seus contos e sketches durante o expediente, em horas
roubadas ao trabalho que não o interessava. E os discutia com seu
primo Rafael, assim como com o amigo que fora boticário como
ele, Manoelito de Ornellas. Esboçava-se com isso uma rede de
trocas, de idéias e de escritos, em que não faltavam as dificuldades
da autoria iniciante: o temor de exposição da obra, as tentativas
baldadas, a escuta de opiniões amistosas, a falta de interesse das
casas editoras por textos de principiantes, a ausência de recursos
para bancar a impressão por conta própria, o receio ante a crítica
mais afamada. Nos cadernos de notas de Erico, conservados em
seu Acervo Literário, encontra-se, por exemplo, uma novela
inteira, Madrugada, inédita, que o jovem escritor não se animou a
publicar, talvez ao perceber o caráter excessivamente determinista
do entrecho (cf. ALEV 01b0012-1930).
O ingresso na Revista do Globo, em 1930, como é sabido
pela autobiografia Solo de Clarineta 1 e a biografia Um Certo
Henrique Bertaso, foi o passo decisivo para constituir-se como
autor. Já havia publicado um conto no Correio do Povo –“A
Lâmpada Mágica” (cf. ALEV 03a1261-1929) e essa
circunstância o tornara conhecido dos escritores porto-alegrenses e
do então secretário editorial, Mansueto Bernardi, que o aceitou ao
candidatar-se ao emprego. Na Revista, Erico aprendeu todo o
mister editorial, desde aceitar notas de aniversário e casamento,
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lado a lado com artigos de variada qualidade de colaboradores mais


ou menos reputados, até providenciar figuras para clichês, matéria
improvisada para tapar buracos de diagramação e revisar provas
tipográficas.
A experiência na Revista chamou a atenção de Henrique
Bertaso para aquele moço trabalhador, que timidamente lhe
oferecia seu primeiro livro de contos, dispondo-se a pagar a
impressão, o que o então diretor da Seção Editora não permitiu.
Fantoches saiu em 1932 e em boa parte foi devorado por um
incêndio, mas logo Erico trouxe ao novo chefe e amigo os
originais de Clarissa, em 1933, seu primeiro sucesso de crítica no
romance, e deu-se início a uma carreira que até os anos 50
manteve em paralelo a atividade de escritor e de editor.
A edição de livros tem seus mistérios e Erico, em sua
aventura editorial com Bertaso, teve suas boas e más escolhas.
Deixou escapar O Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, e
recomendou Sem Olhos em Gaza, de Huxley, romance que
confundiu o público de tal forma, que na edição subseqüente a
editora alterou a seqüência original dos capítulos, para pô-los na
ordem cronológica a fim de cobrir o prejuízo (cf. depoimento oral
de José Otávio Bertaso, diretor da Casa até os anos 80).
De qualquer forma, sua associação com Bertaso
redundou no soerguimento da Seção Editora da Livraria, a qual
passou de impressora de livros encomendados para uma das mais
refinadas indústrias editoriais do país até os anos 70 (uma história
do ponto de vista da direção da Casa se encontra na obra de José
Otávio Bertaso, A Globo da Rua da Praia). Verissimo e Bertaso se
valeram das técnicas mais atualizadas para a seleção, editoração e
divulgação das edições Globo, diversificando linhas e formatos,
criando públicos especializados, investindo em literatura, ciência e
educação, sem esquecer obras de entretenimento de massa,
apoiados em eficientes revisores, tradutores, dicionaristas e artistas
gráficos, a maioria formados na própria Casa.
Se a Editora Globo, que alcançou o status de empresa à
parte da Livraria em 1956, foi uma fábrica de especialistas em
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edição e de sucessos editoriais, também habilitou o escritor Erico a


aumentar sua própria produção e a fazê-la circular a tal ponto que,
depois da década de 50, já não precisava mais trabalhar na firma e
passou apenas a aconselhar o amigo Bertaso e a dedicar-se a sua
literatura (cf. carta a Henrique Bertaso – ALEV 2a0008-1943).
Entrementes, havia conquistado um público cativo, por
meio de estratégias editoriais como a serialidade dos romances
urbanos, a forma moderna, mas de fácil leitura (veja-se artigo de
Marisa Lajolo a respeito na revista Letras de Hoje), e a atenção a
questões sociais cruciais, como as da sociedade burguesa
capitalista, que gradualmente dominava o país substituindo o
antigo patriciado rural no poder, e as da Segunda Grande Guerra,
que seus leitores viviam na carne.
Fatores que pesaram para a formação continuada do
jovem autor foram sua primeira sessão de autógrafos em São
Paulo, em 1940, a convite dos irmãos Saraiva, em que se formou
longa fila de meia quadra para que assinasse principalmente Olhai
os Lírios do Campo, e as conferências na Sociedade Sul-Rio-
Grandense, de platéia lotada, e na Faculdade de Direito, em que
foi saudado por Antonio Candido. Assim reconhecido no centro
do País, Verissimo fez amizade com intelectuais, editores e
críticos como Paulo Duarte, Edgar Cavalheiro, A. Rolmes
Barbosa, Diaulas Riedel, José de Barros Martins, Sérgio Milliet,
bem como com autores como Miroel Silveira, José Geraldo Vieira,
Helena Silveira e Lygia Fagundes Telles.
Outro ganho em sua carreira literária veio do convite do
cônsul norte-americano em Porto Alegre para uma visita de três
meses aos Estados Unidos sob a chancela do Departamento de
Estado. Tratava-se de atividade do Programa de Boa Vizinhança
de Roosevelt e Verissimo pôde passar uma temporada naquele país,
em 1941, onde conheceu as cidades de Washington, Baltimore,
Filadélfia, Nova York, New Haven, Boston, Chicago, Nova
Orleans, San Francisco e Hollywood, fazendo palestras e
conferências tanto em universidades como em clubes de senhoras,
e privando com autores e críticos como Thomas Mann, Aldous
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Huxley, Thornton Wilder, Somerset Maugham, Pearl S. Buck, e


críticos como David Daiches e James Feibleman. Esta viagem está
relatada em Gato Preto em Campo de Neve e em diversas
fotografias arquivadas no ALEV.
O alargamento de horizontes para um escritor que
nunca saíra do país se fez sentir tanto na seleção de textos que
Erico realizava para a Globo quanto em seus romances, que
adquirem maior densidade, como O Resto é Silêncio. A temporada
entre os norte-americanos foi tão bem sucedida que o autor foi
outra vez convidado pelo Departamento de Estado para lá
retornar, em 1943, como professor visitante de Literatura
Brasileira na Universidade da Califórnia em Berkerley e no Mills
College de Oakland. Corria a Segunda Guerra Mundial e logo em
Miami ele topou com os PT boats, botes lança-torpedos que
combateriam os japoneses. Na travessia para San Francisco,
conheceu o outro lado da América do Norte, o Sul e seus estados
mais pobres, como Alabama, Louisiana. Revisitou Nova Orleans,
e cruzou o Texas, Novo México, Arizona, até Los Angeles, o que
lhe deu outra dimensão que a visita anterior ao Leste do país não
lhe proporcionara.
Em Berkeley, Erico viveu intensamente o ambiente
universitário, entre colegas de diversos departamentos e
especialidades – inclusive testemunhou de longe a criação da
bomba atômica, num laboratório secreto para o qual dava a janela
de sua sala de aula. Deu também sua contribuição para o esforço
de guerra com programas de rádio, transmitidos para a Europa, e
palestras em hospitais militares. Já em Oakland, saturou-se de
cultura entre concertos do Quarteto de Budapeste e Darius
Milhaud, aulas de poesia com René Bellé e de pintura com Fernad
Léger, e palestras de Julien Green. Um escritor brasileiro, cujo
acesso à cultura musical e artística se resumira a discos e gravuras
no Brasil e a museus e concertos no Leste ianque, agora sofria
uma verdadeira imersão cultural, convivendo com artistas e
acadêmicos de alto nível e ampliando suas próprias concepções de
mundo.
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Transferindo-se para Hollywood, entra em contato com


o mundo do cinema, com seus magnatas e estrelas, onde conversa
com Jean Renoir ou Frank Capra, torna-se intérprete de Villa-
Lobos, ensina um texto em português para Gary Cooper, vê Errol
Flynn filmando, penetra nos meandros da escrita de roteiros com
o amigo Robert Nathan e o autor de O Santo, Leslie Charteris, e
o de Pacto de Sangue, James Cain. Conhece os grandes astros do
cinema da época, de James Stewart e Henry Fonda a Peter Lorre,
de Katherine Hepburn e Anne Baxter a Judy Garland, mas não
deixa de cumprir seus ciclos de conferências, que o levam ao
Texas, Oklahoma, Kansas, Missouri e Indiana. A nova
experiência, adentrando mais a fundo na indústria
cinematográfica, igualmente afeta o escritor, mostrando-lhe a
maquinaria por detrás das telas, ele que só experimentara a da
indústria do livro. Tudo isso está registrado em cartas e fotografias
arquivadas no ALEV e em A Volta do Gato Preto.
Retornando ao Brasil em 1945, ele empreende o seu
grande romance histórico, O Tempo e o Vento, já com o domínio
de técnicas narrativas musicais e cinematográficas, adquiridas
tanto por sua produção de romances urbanos – nos quais a
estrutura musical, os recursos cinematográficos e a descrição
pictórica provêm de seu gosto e freqüência às três artes desde rapaz
– quanto pelas novas experiências de convívio com músicos,
pintores, escritores, cineastas e roteiristas num universo
competitivo de consumo de massa, em que a Universidade era um
remanso de cultura produzida pour soi-même.
O Tempo e o Vento (1949-1962) consumiu mais de
vinte anos de trabalho criativo, interrompidos pela escrita de
narrativas de viagens, contos e uma novela, Noite(1954), bem
como por uma estada mais longa nos Estados Unidos, dessa vez
como Diretor do Departamento de Assuntos Culturais da União
Pan-Americana, em Washington, em que residiu de 1953 a
1956. Depois dessa nova estada, num ambiente burocrático, de
festas em embaixadas, viagens oficiais à América Central e do Sul
e muita papelada diplomática, em que sua criatividade atingiu o
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nível mais baixo, segundo ele mesmo (cf. carta a Herbert Caro –
ALEV 02a0077-1955), e tendo sofrido um sério enfarte de
miocárdio em 1961, Erico muda de clave e se dedica a nova
espécie de romances, em que as questões políticas internacionais
tomam o espaço antes reservado para as brasileiras. Sua viagem ao
México em 1955, a Portugal em 1959, deram-lhe alento para,
com sua lente de brasileiro, compreender o homem latino-
americano e estudar in loco as origens lusitanas do seu país e de
sua própria família.
O Senhor Embaixador (1965) e O Prisioneiro (1967) são
reações do escritor como homem de seu tempo ao desconcerto do
mundo nos anos 60, época de guerras de intervenção macabras,
como a do Vietnam, ou de revoluções sanguinárias, como a de
Cuba e da República Dominicana, ou ainda, de golpes militares e
ditaduras na América Latina e no Brasil. Incidente em Antares, seu
último romance, de 1971, incorpora esse amálgama de vivências
ao lastro fornecido por O Tempo e o Vento, num exercício de
intratextualidade a que não falta a intertextualidade com o boom
do realismo mágico da América Latina e o mosaico de gêneros que
tem caracterizado o romance contemporâneo. Tudo isso implica
muita leitura dos colegas norte e sul-americanos, como a
Biblioteca de Erico Verissimo atesta, mais uma apurada visão do
caminho para a barbárie que os anos 70 estavam percorrendo e
que hoje, na primeira década do novo milênio, explode em novas
guerras de intervenção, em conflitos religiosos e étnicos, em
violência urbana e anomia desmedidas.
Viagens a Israel (em 1969 – de que há, nos originais,
arquivados no ALEV, desenhos de Nazaré e suas colinas-
05b0034-1969), e depois a diversos países da Europa, como
Itália, Espanha, Alemanha, Holanda, França, Áustria,
Tchecoslováquia, Inglaterra, Suíça e Grécia, de mistura com
breves estadas com a filha Clarissa, casada com o norte-americano
David Jaffe e residente perto de Washington, deram a Erico
Verissimo, nos últimos anos de sua vida, uma perspectiva mais
aguda da sociedade e da cultura ocidentais. Percorrendo tantos
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países, suas convicções sobre o gênero humano se fortaleceram,


percebendo que os ideais de jovem não eram equívocos, mas que
carecia lutar incessantemente por eles.
A diversidade de costumes dos lugares que visitou, as
obras de arte que contemplou, as perseguições políticas que
testemunhou (em Porto Alegre, em Lisboa e em Atenas), os livros
de filosofia, de psicanálise e de crítica e teoria literária que leu,
secundaram seu apreço de há muito pelos efeitos sociais da
produção cultural, pelo trabalho emancipatório dos artistas, pela
convivência pacífica com a diferença, pelos homens justos, pelos
militantes da paz, pelos valores da vida familiar em harmonia, que
ele soube construir ao longo da vida (cf. planos pessoais em carta a
Fernando Garcia – ALEV 02a0155-1974).
Os romances de Erico Verissimo transformam em
linguagem o que Erico Verissimo viveu enquanto testemunha de
seu tempo. Incorporam igualmente a contribuição anônima de
revisores, tipógrafos, impressores, homens de marketing, livreiros,
críticos, professores, agências governamentais nacionais e
estrangeiras, bibliotecas universitárias e nacionais, museus, lugares
e gentes que ele contactou e eventualmente nem notou. Porém,
não estacam aí: graças aos veículos de comunicação social,
especialmente a televisão, tornam-se instrumentos para manter
seu público alerta, a fim de que a injustiça social, a corrupção e a
violência não proliferem. Englobam anseios, leituras, viagens,
experiências editoriais, diplomáticas e de ensino, obras de arte
fruídas, uma intimidade familiar e social preservada ante os apelos
do público leitor e as seduções da fama – mas acima de tudo a
presença de um indivíduo que se fez autor por todas essas
mediações, tornando-se, ele também, texto e livro.

Referências

BARTHES, Roland. A morte do autor. In:____. O rumor da


língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 95-108, Maio/Ago 2008.
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Editorial, 2003.

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Associação Cultural “Nova Renascença”, Fundação Eng. António
de Almeida, Porto, v.57-58, primavera-verão 1995. Homenagem
a Erico Verissimo.

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Globo, 1981.
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VERISSIMO, Erico. A volta do gato preto. Porto Alegre: Globo,


1981.

VERISSIMO, Erico. Breve história da literatura brasileira. São


Paulo: Editora Globo, 1996.

VERISSIMO, Erico. Um certo Henrique Bertaso. Porto Alegre:


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das Letras, 2005. v.1 e v.2.

WOODMANSEE, Martha. The author, art, and the market. New


York: Columbia Univ. Press, 1994.

Maria da Gloria Bordini possui doutorado em Letras pela


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1991). É
professora aposentada como adjunto IV na UFRGS e ex-professor
titular de Teoria da Literatura da PUCRS. Atualmente exerce o
cargo de professor colaborador convidado da UFRGS no
Programa de Pós-Graduação em Letras. É pesquisadora 1B do
CNPq.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Av. Bento Gonçalves, 9500
Agronomia
91540-000 - Porto Alegre, RS - Brasil
Telefone: (51) 33086706 Fax: (51) 33087303
E-mail: mgbordini@portoweb.com.br

Recebido em: 15/10/2007


Aprovado em: 15/05/2008

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ESSA COISA DE GUARDAR...
HOMENS DE LETRAS E ACERVOS PESSOAIS1
Maria Teresa Santos Cunha

Resumo
Por meio do estudo dos acervos pessoais dos intelectuais catarinenses
José Arthur e Lucas Alexandre Boiteux - cartas, fotografias, bilhetes,
recortes de jornais, escritos autobiográficos – preservados pelo
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, pretende-se
discutir as artes de guardar que nos conduzem a um determinado
conhecimento do universo das elites da cidade de Florianópolis, nos
três primeiros decênios do século XX. Este acervo que guarda o vivido
e o escrito constitui-se em um suporte de memória e permite discutir
e analisar a importância da preservação destes documentos para as
investigações em História da Educação.
Palavras-chave: História da Educação; Acervos Pessoais; Memória.

THIS THING OF KEEPING… MAN OF WORDS AND


PERSONAL FILES
Abstract
Through the study of the personal files of the catarinenses’
intellectuals José Arthur and Lucas Alexandre Boiteux – letters,
photographs, notes, clippings of periodicals, autobiographical writings
– preserved by the Instituto Histórico e Geográficoa de Santa
Catarina, it is intended to discuss the arts of keeping that lead us to a
certain knowledge of the universe of the elites in the city of
Florianópolis in the three first decades of the 20th century. These
personal files that keep the life, the views and the writings, consist in
a memory support and function as a purpose of discussing the
importance of preserving and analyzing these files in Education
History research.
Keywords: History of the Education; Personal Files; Memory.

1
Texto apresentado em Mesa Redonda sobre Acervos Pessoais no 13º Encontro
Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação, em setembro de
2007.

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ESA COSA DE GUARDAR... HOMBRES DE LETRAS Y
ARCHIVOS PERSONALES
Resumen
Por el estúdio de los archivos personales de los intelectuales José
Arthur y Lucas Alexandre Boiteux – cartas, fotografías,notas,
recortes de periódicos, escrituras autobiográficas - preservados por el
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, se intenta
discutir las artes de mantener que nos conducen a un cierto
conocimiento del universo de las elites en la ciudad de Florianópolis
en las tres primeras décadas del siglo XX. Estos archivos personales
que guardan la vida, las opiniónes y las escrituras, consisten en una
ayuda y tienem una función de garantizar la memoria como
propósito para discutir la importancia de preservar y de analizar estos
archivos en la investigación de la História de la Educación.
Palabras-clave: Historia de la Educación; Archivos Personales;
Memoria.

CELA DE GARDER... DES HOMMES DE LETTRES ET


DES ARCHIVES PERSONELLES
Résumé
À travers létude des archives personnelles des intellectuels José
Arthur et Lucas Alexandre Boiteux – des lettres, des photos, des
billets, des découpures de journaux, des écrits autobiographiques –
preserves par l’Institut historique et Géographique de Santa
Catarina, on prétend discuter les arts de garder qui nous conduisent à
une certaine connaissance de l’univers des élites de la ville de
Florianópolis, aux trois premières décennies du síècle XX. Cette
archive qui garde le vécu et l’écrit consiste dans un support de
mémoire et permet discuter et analyzer l’importance de la
préservation de ces documents-là pour les investigations dans
l’Histoire de l’Éducation.
Mots-clés: Histoire de l’éducation; Archives Personnelles; Mémoire.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 109-130, Maio/Ago 2008.


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O passado é sempre conflituoso. A ele se referem, em


concorrência, a memória e a história, porque nem sempre
a história consegue acreditar na memória, e a memória
desconfia de uma reconstituição que não coloque em seu
centro os direitos da lembrança (direitos de vida, de
justiça, de subjetividade). (Beatriz Sarlo, 2007)

A frase que inicia o último livro da ensaísta e crítica


literária argentina Beatriz Sarlo nos incita a pensar na dificuldade
de entendimento entre estas perspectivas sobre o passado e, muito
especialmente entre história e memória e a concordar com as
afirmações da autora para quem há sempre algo inabordável no
passado, já que ele é um advento, uma captura do presente e nem
sempre um momento libertador da lembrança (SARLO, 2007, p.9).
Mesmo ciente dessa dificuldade, o historiador vive acometido da
ânsia de guardar passado e criar memórias e pode-se dizer que
nunca, como hoje, a memória foi um tema tão espetacularmente
social. Vivemos uma febre preservacionista que tudo transforma
em relíquia onde a tônica é a celebração do passado e mesmo a
aceleração do tempo - que parece exigir a dissolução do passado –
tem, paradoxalmente, feito nascer novos museus, romances
históricos, filmes que revisitam outros tempos, publicações de
testemunhos, autobiografias, relatos identitários, um verdadeiro
dever de memória está instaurado2. Mesmo considerando que sob
o rótulo de memória cabe muita coisa, parece consensual, aos
estudiosos, que ela só pode ser exercida em plenitude relativa,
incompletudes, recriações e até impedimentos (FERREIRA, 2004,
p.66).
Todo este movimento coloca em evidência que há nas
pessoas um desejo de guardar objetos e de guardar-se em “papel”

2
Além da expressiva quantidade de biografias e autobiografias lançadas no
mercado, merece registro especial a quantidade de trabalhos apresentados nos
Congressos de Pesquisa Autobiográfica (CIPA) nas duas versões realizadas em
Porto Alegre (RS/2004) e em Salvador (BA/2006).

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(fotos, diários, cadernetas, cartas) para salvaguardar-se do


esquecimento, conservar o que, quase sempre, se extravia na
vertigem do tempo, daí certa compulsão pelo que se chamou de
arquivamento do eu.
Philippe Artières (1998, p.11), ao analisar as práticas de
arquivamento do eu, destaca a sua intenção autobiográfica, isto é,
“arquivar a própria vida é se pôr no espelho, é contrapor à imagem
social a imagem íntima de si próprio, e nesse sentido o arquivamento
do eu é uma prática de construção de si mesmo e de resistência –
arquivar a própria vida é querer testemunhar, é querer destacar a
exemplaridade de sua própria vida”.
Arquivar-se, guardar e guardar-se constitui uma prática
bastante comum entre os chamados homens de letras, aqui
caracterizados como indivíduos voltados para o estudo, a leitura e
a vida em gabinetes (CHARTIER, 1996, p.160) o que parece
levar a hábitos de preservação de documentos, de papéis diversos
que se substantivam na constituição de acervos pessoais.
Guardar foi um verbo, uma ação, intensamente presente
na vida dos irmãos Boiteux3, em Florianópolis dos finais do século
XIX e nas primeiras décadas do século XX e foi essa coisa de
guardar que dá ao historiador de hoje as condições para
reconfigurar o passado. Para eles guardar não significou esconder.
Guardar consistiu em proteger documentos e papéis avulsos da
corrosão temporal para melhor partilhar; de preservar e tornar vivo
o que, pela passagem do tempo, deveria ser consumido, esquecido,
destruído, virado lixo. Papéis escritos tidos como ordinários tais
como cartas, diários, autobiografias, dedicatórias, cadernos de

3
Os irmãos José Arthur Boiteux (1865-1934) e Lucas Alexandre Boiteux
(1880-1966) foram intelectuais de projeção em Santa Catarina na virada do
século XIX para o XX. José foi fundador de instituições como a Faculdade de
Direito, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da Academia
Catarinense de Letras. Lucas foi Almirante da Marinha e escreveu muitas obras
sobre a História de Santa Catarina. Os acervos pessoais dos dois irmãos
encontram-se sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina.

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receitas, cartões de felicitações, cartões postais, fotografias antigas


com dedicatórias afetuosas até então escondidos dentro de gavetas,
armários e caixinhas, “tornam-se presentes como uma voz que nos
interpela” (FELGUEIRAS e SOARES, 2004, p.110) e
constituem uma história de vida, pois são, uma extensão dos seus
titulares. Eles permitem reconhecer os modos de vida das novas
elites republicanas em Santa Catarina nos inícios do século XX e
seus processos para a construção da representação mais legítima de
sua posição bem como suas redes de sociabilidade que visam
assegurar a manutenção de seu poder (ABREU, 1996, p.19).

Sobre o Acervo Boiteux:


O que se guarda... como se guarda...

Para iniciar a discussão deste vasto material parece


importante pontuar algumas conceituações que envolvem as
terminologias mais recentes da área. Segundo estudos da
historiadora Janice GONÇALVES (2006), a palavra acervo
designa um conjunto de bens e, neste sentido, está próxima do
sentido geral da palabra "patrimônio". Acervo costuma designar
um conjunto de documentos, peças ou obras reunidas e abrigadas
(custodiadas) por instituições como museus, bibliotecas, arquivos e
centros de documentação, ou ainda existentes em coleções
particulares.
Há dois tipos de acervo:1) aqueles reunidos em função
da vontade exclusiva de quem os reúne (quem reúne escolhe o que
reunir, conservando e descartando o que bem entender segundo
sua vontade, apenas); 2) os reunidos em função das diversas
atividades realizadas por quem os reúne (pesando aí tanto a
vontade/escolha como a obrigação de reunir e guardar). O acervo
reunido pela exclusiva vontade de quem o reúne é chamado de
coleção. Os materiais que compõem uma coleção podem ser os
mais variados possíveis, ter as mais variadas procedências, cobrir
diferentes temas, mas todas as coleções têm em comum seguir a
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lógica da "vontade de colecionar" do colecionador. Assim, a


organização de uma coleção costuma obedecer a essa lógica; em
geral, espelha uma dada preocupação, uma "mania", uma
"obsessão" ou um "hobby".
O acervo reunido por uma pessoa ou uma instituição,
em decorrência das atividades realizadas no decorrer de sua
existência, é chamado de "arquivo" (ou "fundo"). O arquivo é, em
geral, composto por documentos produzidos em função de
necessidades cotidianas e afazeres habituais, e não necessariamente
escolhemos produzi-los ou controlamos sua produção. Ex: contas
de luz, cartões postais enviados por amigos, extratos bancários
mensais etc. Diferentemente da coleção, o arquivo registra e
espelha a história da entidade (da pessoa física ou jurídica) que o
reuniu. No linguajar coloquial arquivo também pode designar uma
instituição custodiadora de documentos (daí as freqüentes
confusões).
Um acervo pessoal ou institucional (como conjunto de
documentos reunidos por uma pessoa ou instituição) pode ser
formado pelo arquivo da pessoa ou instituição e por várias
coleções. Em princípio, a palavra "acervo" tem uma abrangência
maior (e, por conseqüência, também uma precisão menor quanto
ao que designa...). Um arquivo como conjunto documental pode
eventualmente ter traços de outro acervo (por exemplo, em um
arquivo pessoal, documentos de identificação do avô, do bisavô,
que não foram, obviamente, reunidos pelo titular do arquivo em
função de suas atividades cotidianas). Dessa forma, é possível
considerar os documentos da família Boiteux, aqui em destaque,
como um acervo pessoal sob a salvaguarda do arquivo institucional
conhecido como Instituto Histórico e Geográfico, embora a
terminologia possa ser diferente em variadas publicações. 4

4
A publicação da Revista Estudos Históricos/ FGV/ v.11, nº21/1998 utiliza a
terminologia Arquivos Pessoais considerando que estes ‘ apresentam aspectos da
vida pessoal e familiar – característica desse tipo de acervo – comprovados por
inúmeros registros... (FRAIZ, P.p.60)

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O acervo, alvo desse estudo, foi doado pela família


Boiteux ao IHG/SC em agosto de 1989 e compõe-se de cerca de
40 000 documentos, dos quais foram catalogados e organizados
cerca de 33 400 pela Professora Eliana Maria dos Santos Bahia.5,
conforme quadro abaixo:

TIPOLOGIA DOCUMENTAL QUANTIDADE


Documentação Pessoal 1002 peças
Série Correspondência 5341 peças
Produção Intelectual 1232 peças
Série Jurídico-Administrativa 1009 peças
Série Política 2000 peças
Recortes de Jornais 10735 peças
Fotografias/ Postais 12000 peças
TOTAL APROXIMADO 33319 PEÇAS
Fonte: BAHIA, Eliana M.dos Santos (1994)

Entre os mesmos encontram-se cartas, recibos,


atestados, certidões, produções intelectuais do autor e de seus
contemporâneos, recortes de jornais, folhetos, mapas eleitorais,
fotografias e uma coleção de cartões postais sobre Florianópolis no
período que compreende desde fins do século XIX até as primeiras
décadas do século XX. Merece destaque o acervo de imagens
composto de cerca de 12.000 fotos em preto e branco contendo
cenas da cidade, incluindo 200 cartões postais recebidos e
colecionados que já mereceram estudo através de um Projeto de
Pesquisa6.

5
Dados sobre esta organização e catalogação encontram-se em BAHIA, Eliana
Maria dos Santos. “Perfil de José Arthur Boiteux: Um construtor da cultura
catarinense”. Dissertação de Mestrado. História. Universidade Federal de Santa
Catarina. 1994.
6
CD Rom “Imagens de um Presente. História e Memória de Florianópolis na
passagem do século XIX ao XX a através do acervo iconográfico de José Arthur
Boiteux preservado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
Disponível, também, em www.imagensdeumpresente.udesc.br

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O acervo evidencia as práticas de colecionismo relativas à


constituição de sujeitos protagonistas de enredos políticos e
culturais próprios de uma elite letrada, testemunhas privilegiadas
de acontecimentos validados e consubstancializados pela
construção de um acervo privado onde a tônica parece ter sido a
necessidade de construção de homens públicos modelares.
Os documentos desse acervo privado guardam histórias
individuais e familiares, trazem marcas da escolarização de seus
titulares e permitem pensar distintas interpretações.
Materializados em papel, lápis e tinta, a grande maioria desses
documentos apresenta-se enriquecida com anotações pessoais que
permitem variadas leituras, notadamente no âmbito dos estudos e
pesquisas para a História da Educação. Ao enfrentar a passagem
do tempo podem emergir como re-conhecimento, como
possibilidade de não-esquecimento, como “lugar de memória”.
Dentre eles, encontram-se também os múltiplos documentos
produzidos pelos autores como escritos autobiográficos que
remontam aos tempos escolares de seus possuidores. A tarefa do
historiador, aqui, consiste em problematizar estas fontes através de
um ato significativo de interpretação o de quem a preserva para o
futuro, tanto quanto o de quem a recupera para o presente
(BORDINI, 2003, p.139) para descobrir outros mundos possíveis
e dele extrair um universo mental e material das elites.

José Arthur e Lucas Alexandre Boiteux:


Homens de Letras

Em seu aspecto geral, a singularidade dos homens


públicos da Primeira República estava ligada a sua condição
letrada – eram homens de letras, condição esta que representava um
importante bem simbólico cujo capital social muitas vezes
ultrapassava seu capital financeiro. As letras - representadas pelos
livros e por objetos que denotavam a posse da cultura escrita -
eram importantes bens simbólicos da elite e ocupavam lugar
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privilegiado no interior das residências, nas estantes, nos gabinetes


de trabalho, muitas vezes protegidos a chave nos armários de
portinholas envidraçadas.
Neste trabalho as letras da família Boiteux
(especialmente dos irmãos José e Lucas) estão presentes nas velhas
prateleiras e gavetas do Instituto Histórico e Geográfico e deram o
mote para a discussão de seus acervos pessoais.
Nesta abordagem, muito especialmente, centrou-se o
olhar sobre anotações dos tempos escolares vividos por Lucas
Boiteux na Escola Naval (Ilha das Cobres/RJ) para evidenciar a
importância dos acervos pessoais para uma análise historiográfica.
Estas memórias foram diligentemente registradas em cadernos
escolares, mas também publicadas, posteriormente, no Jornal do
Comércio do Rio de Janeiro, entre janeiro e julho de 1955, sob o
título Bordejos sobre meio século de Marinha7. Tal expediente parece
corroborar a idéia de construção do homem público (as
informações muito íntimas não aparecem) para si mesmo, para
sua família e para o Museu que, agora, abriga seu acervo.
Segundo uma historiografia política bastante conhecida
em âmbito estadual e local, José Arthur Boiteux, (1865-1934),
era o irmão do meio de outros dois nomes que se tornaram
conhecidos nos circuitos intelectuais e políticos estaduais. Sendo
os três descendentes de franco-suíços e filhos de comerciantes, o
mais velho, Henrique (1863-1947) destacou-se em inúmeras
pesquisas e publicações, seguindo carreira naval, assim como o
mais novo, Lucas Alexandre, (1880-1966), chegou a almirante.
Em fins do Império, depois de iniciada uma carreira no Exército e
abandonado um curso de medicina no Rio de Janeiro, José Arthur
destacou-se como militante republicanista, vindo por esta via
iniciar sua vida política como oficial de gabinete de Lauro Müller,

7
A obra historiográfica de Lucas Alexandre Boiteux, publicada no Jornal do
Comércio foi levantada por CUNHA, M.T.S. “A produção historiográfica de
Lucas Alexandre Boiteux no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro – 1911-
1959”. Dissertação de Mestrado em História. UFSC, 1982.

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prosseguindo na carreira política e ocupando cargos


administrativos. Como homens públicos, pertencentes a elite
catarinense e voltado para as letras, coletaram, selecionaram e
guardaram os registros de um tempo.
Nas inúmeras pastas que compõem o acervo é possível
verificar como, ao longo do tempo, as formas de registrar o
acontecer político, cultural e cotidiano sofreu mudanças
evidenciando que não só os conteúdos, mas também a distribuição
do tempo e as metodologias de registro foram alteradas. Os
suportes e utensílios da escrita se modificaram. Os mais antigos
são detalhados, manuscritos e em cadernos grampeados e
pautados. Os mais recentes já são datilografados, numa escrita
mais lacônica, com pouca descrição do que foi ou será realizado.
Uma das características mais perceptíveis e negligenciadas,
juntamente com o utensílio da escrita − caneta tinteiro ou lápis− é
a letra quase sempre bem desenhada, cujo talhe imprimia uma
particularização definitiva aos documentos. Ela foi ficando cada
vez mais livre, mais inclinada, mais diferenciada uma das outras e
quase não se pode reconhecer nestas letras uma marca distintiva de
saber, já que “a escrita ficou mais distanciada do desenho, da
caligrafia, das dimensões controladas do corpo, mas identificada,
sim, com uma legibilidade entendida em termos comunicacionais”
(OSSANNA, 2002, p.226).
Ao inventariar os documentos preservados neste acervo
pessoal foi possível refletir sobre outros significados dos papéis
escritos/guardados que passam do espaço privado para a visibilidade
pública. Ao iluminar esses papéis ‘ordinários’ pode-se pensar na
importância de uma memória de papel para o reconhecimento de
diferentes práticas, costumes, rituais, ações e sociabilidades como
ponto de partida para reinventar outros presentes, como lembra o
historiador português Rogério Fernandes:

O papel é o suporte mais vocacionado para conservar o


registro de momentos fugidios nas nossas vidas ou nas
vidas dos outros. Aí temos dispersos pelas gavetas

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materiais díspares que são outras tantas histórias de vida
revertidas ao contexto profissional: as velhas agendas
cujos anos chegaram ao fim, nas quais foram marcados
encontros, conferências a ouvir ou a proferir, projetos,
concursos, moradas de novas escolas (...) mais laboriosos
e mais ricos, os diários de aula, as memórias dos tempos
letivos, as planificações letivas, os nossos trabalhos (...)
são uma imagem baça do tumulto ou, pelo contrário, da
pacatez daquilo que outrora foi vivo e atual (2005, p.25).

Retornando aos estudos de ARTIÉRES (1998),


arquiva-se para ter a identidade reconhecida, controlar a vida,
recordar e retirar lições do passado, preparar o futuro e inscrever a
existência: Arquivar a própria vida é desafiar a ordem das coisas: a
justiça dos homens assim como o trabalho do tempo (1998, p. 31).
Guardar documentos de si mesmo, como assinalou RIBEIRO
(1998, p.35), revela o desejo de perpetuar-se, mas, sobretudo,
responde ao desejo de forjar uma glória. Assim, os arquivos
pessoais, encerram a intenção do titular de ser reconhecido pela
posteridade por uma identidade digna de nota e, ao que as
evidências apontam, os irmãos Boiteux foram exímios arquivistas,
tanto de si como dos outros e da cidade. Seus guardados são
legados que permitem entrever o mundo em que se moviam as
primeiras elites da República que, em sua maioria, traçaram o risco
de nossas vidas (ABREU, 1996, p. 45) Todavia, antes de
prosseguir, é preciso reconhecer o fato de que a paciência e
cuidado na montagem de um acervo documental caracteriza-se
num fenômeno raro e excepcional no conjunto de nossas práticas
culturais, sendo mais incomum ainda o fato de que os legatários
deste acervo também o preservaram, chegando a doá-lo para um
arquivo de natureza pública.

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Uma intervenção no acervo de Lucas:


Apontamentos para uma História da Educação

Presentes no acervo em cadernos de rascunho, a série de


escritos Bordejos sobre meio século de Marinha era sempre publicada
por Lucas Alexandre Boiteux, às quintas-feiras no “Jornal do
Comércio do Rio de Janeiro”, em uma periodicidade que variava de
duas a três semanas, entre janeiro e junho de 1955.8
O substantivo que dá título às memórias de Lucas
Alexandre Boiteux está vinculado à sua condição de homem do
mar. Bordejar significa navegar mudando com freqüência o rumo,
segundo a direção do vento, assim, navega-se em ziguezague,
cambaleante. A escolha deste termo - marítimo, por excelência -
sinaliza um teor aos escritos. Pode-se considerar que as memórias
que ele pretende contar não obedecerão, necessariamente, uma
direção fixa, elas poderão vagar; não há um compromisso em
seguir uma direção cronológica precisa, o objetivo parece ser narrar
o vivido.

Alunos e Professores: Descrições guardadas


A educação militar era uma tradição na família Boiteux,
cujos filhos freqüentaram a Escola Naval. Os filhos de Lucas, por
exemplo, foram batizados com nomes que homenageavam grandes
figuras militares/navais (Nelson, Yan, Bayard) e dois deles
também seguiram carreira militar. O próprio Lucas mereceu o
epíteto de historiador naval e escreveu livros e artigos sobre a
participação de Santa Catarina em guerras, com descrições
detalhadas das estratégias militares empregadas. Estas
características reverberaram em seus Bordejos.

8
Ver, CUNHA, M.T.S. “A contribuição historiográfica de Lucas Alexandre
Boiteux no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro entre 1911 a 1959”.
Dissertação de Mestrado em História do Brasil.UFSC. 1982.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 109-130, Maio/Ago 2008.


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Homem do mar, viajante, seus textos quer os de caráter


histórico, quer os de caráter literário estão sempre com os olhos
para o mar. Ele escreve como se estivesse posicionado em
mirantes, colinas, varandas, faróis, tendo como horizonte de
perspectiva, o mar. Sua linguagem, não raras vezes, utiliza-se de
metáforas “marítimas”, tais como: dias anuviados, noites de proa,
amigos de leme, horizontes políticos. Emblemática, a frase que
inicia suas memórias e anteriormente já transcrita:

Rompera anuviado o ano de 1897, que seria de provação


da turma (...) (JC 16/01/1955)

Sobre seus colegas, alunos da Escola Naval, as


referências, quase sempre elogiosas, são abundantes e privilegiam
tanto o aspecto físico como os relacionados ao caráter. Nomeados,
muitos, como amigos que perdurarão na vida adulta,
compartilhavam de valores positivos (mérito, sinceridade, lealdade)
que criavam um sentido para a conservação dos laços de amizade
duradoura.

O Rego Meireles era pequenino, mas bem constituído.


Ignácio Amaral destacava-se pela altura avantajada,
inteligência vasta, alma boníssima (...). Pela adiposidade
impressionava o Armando de Figueiredo que recebeu o
apelido de ‘Gordo’ que aceitou de bom grado, tinha medo
extremo de micróbios e por isso andava sempre a
desinfectar-se (...). O Souza Imenez, devido o
enrolamento da língua - mistura de português e
castelhano - servia de chacota aos veteranos que lhe
haviam magoado certa parte delicada do corpo. Esguio e
muito enxuto de carnes era o Apio Couto, fala
descansada, olhar malicioso. (...) O paulista F. Junqueira
de Oliveira foi alcunhado de ‘Devasso’ pelas gargalhadas
que dava. Nesse tempo os apelidos/alcunhas eram muito
comuns na Marinha, muitas permaneceram (...). O
Fonseca e Almeida, forte, estouvado, intemperante, mas
alma boa, leal e dedicado. (...) Feios, feios... juro – não
havia na turma de 1897. (JC 30/01/1955)

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A rememoração dos professores e instrutores também


segue a mesma lógica descritiva utilizada para descrever os alunos
e se detém muito mais nas características físicas dos descritos do
que nas suas atividades docentes. A separação nas categorias de
professor e instrutor não explicitada nos Bordejos parece explicar-
se pelo grau de praticidade das disciplinas, qual seja, as mais
teóricas eram de competência de professores e as mais técnicas
eram dadas pelos instrutores. Assim, aparecem as lembranças:

O 1º Tenente Tancredo Burlamaqui de Moura, homem


alto, reforçado, trigueiro, de olhos e cabelos pretos,
bigode ralo, com maus dentes. Era instrutor de
Navegação Estimada, trapalhão de marca, faroleiro
completo. (...) Em o Curso prévio ministravam seu
confuso saber os professores: A matemática estava
entregue ao Cap. Tenente João José Luz Viana; suas
lições eram fatigantes. (...) Leciona francês prático o Cap.
Tenente Eugênio Guimarães Rebelo, que nos caceteava
com suas insossas preleções. (...) Pedro Alexandrino
Ribeiro era professor de desenho, baixote, gordo (...). Era
instrutor de infantaria e esgrima de baioneta o 1º
Tenente Antônio Espigão Fernandes, magrinho,
espigado que conhecia bem as manobras de infantaria.
Mestre de esgrima e florete era o português naturalizado
Tenente Manuel Gonçalves Correa, a sua hora de lição
era toda um espetáculo de alegria. (...) O mestre de
ginástica e natação era um italiano naturalizado. Figura
simpática de atleta. (JC 13/02/1955).

As descrições dos conteúdos ministrados pelos


professores evidenciam a predominância de aulas e disciplinas de
cunho técnico, possivelmente de imediata aplicação à vida naval e
condizente ao propósito técnico-profissional que se esperava desta
Instituição de Ensino que não era mesmo uma escola em termos
genéricos, mas uma escola profissionalizante com características
específicas. Entretanto, ao contrário do que se anuncia, o ensino
ministrado na Escola Naval oferecia poucas atividades práticas, é

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bacharelesco e isso é motivo de rememoração e crítica nos


Bordejos.

Afora os bordejos a vela nos brigues e patachos


disponíveis, nenhum outro exercício de índole marinheira
se efetuava. O lançamento de torpedos, o fundeio de
minas e o tiro de artilharia jamais se realizavam... (...)
Também o ensino da navegação, da topografia, de
geodésia e das máquinas ministrava-se apenas nas salas de
aula, sem a correspondente aplicação no terreno prático.
(JC 3/02/1955)

As memórias oferecem novas e interessantes


possibilidades para iluminar aspectos da cultura escolar em que
foram socializados futuros militares. As descrições podem
funcionar como facilitadores para a problematização de valores,
crenças e visões de mundos singulares que contribuíam para a
formação escolar de um dado perfil profissional. Ao mesmo
tempo, tais relatos alimentam nosso empenho de continuar
localizando, reunindo e selecionando documentos que nos ajudem
a iluminar aspectos da educação escolarizada no Brasil e, assim,
buscar novas e outras indagações sobre a vida, a escola, a vida na
escola e a escola em nossas vidas. (MIGNOT, 2002).

Um rito de iniciação: O trote aos calouros


A prática do trote aos calouros merece destaque do autor
e há relatos minuciosos sobre a forma que os alunos mais velhos
submetiam os mais novos a sevícias, rasteiras, incivilidades,
remoques chulos, bruteza sádica, ofensas, humilhações; além de ser
considerado como prática crudelíssima e desumana. Segundo Lucas
Boiteux, a primeira “surpresa” desagradável ocorreu no primeiro
dia de aula, logo após o desembarque na Ilha das Enxadas e foi
longamente relatada:

Ao chegarmos no alojamento, amplo salão situado à leste


do edifício, a fim de armarmos nossos leitos, sofremos
grande decepção: os veteranos iludindo a vigilância do
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pessoal de serviço, havia dado um grande benefício em
nossa bagagem, tinham desarticulado todas as camas,
amontoado ao léu nossos colchõese travesseiros e
sacolejado copiosamente as antes de empilhá-las a um
canto. Quando as abrimos para retira lençóis, fronhas,
toalhas e camisolões (os pijamas ainda não tinham
entrado em uso) sofremos novo choque: tudo revolvido,
frascos de dentifrício, da loção, de tinta derramados,
roupas brancas manchadas. Verdadeirodesastre! Houve
lamentos, pragas... Para quem apelar?. (JC 30/01/1955)

Dando seqüência ao relato dos primeiros dias na escola e


as cerimônias de iniciação pelas quais o calouro deveria passar,
continua contando o narrador:

As primeiras noites dormidas na Escola foram de


verdadeiro sobressalto. Os veteranos invadiam furtiva e
cautelosamente o dormitório dos calouros, cometendo
toda sorte de diabruras e perversidades: viravam e
trocavam as malas; destrambelhavam as camas, pintavam
a cara de uns, arrebatavam as cobertas de outro,
aplicavam violentas palmadas aos que dormiam. (JC
30/01/1955)

De certo modo, pode-se pensar que este tipo de


socialização realizada pela Escola poderia ter efeitos inesperados,
uma vez que o próprio narrador finaliza esta parte de suas
memórias, admitindo que:

È um interessante tributo que paga a bisonhice de


novato; é um processo de adaptação mais ou menos
rápido ao ambiente escolar e de incorporação à turma.
Revela e define índoles, modalidades de temperamento,
caracteres. Torna-se quase sempre, é bem verdade, a
origem das amizades, de indiferenças e também de
incompatibilidades futuras, pois o trote depende
sobremaneira do processo, da habilidade de aplicá-lo e
também da situação no momento e do temperamento e
da educação de quem o recebe. (JC 30/01/1955)

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Fazendo parte de uma cultura escolar da época, o trote


aos calouros criava situações de adesão e crítica e sua violência e
parcialidade concorria para uma etapa essencial na socialização do
aluno: sua confrontação com os pares poderia ser determinante
para a futura autonomia do indivíduo, pois no limite “a autonomia
do indivíduo supunha, na verdade, a superação da própria cultura
escolar” (SOUZA, 2000, p.30).
No Jornal do Comércio do dia 05 de junho de 1955,
Lucas Alexandre Boiteux publica o último artigo da série Bordejos
colocando um ponto final nas suas descrições sobre a turma de
Aspirantes de 1897, da Escola Naval. Há um tom melancólico em
suas palavras finais, a escola habita a memória e a memória se
decanta nos lugares em que vive e, para o historiador isto funciona
como um ponto de partida, um despertar, uma esperança, uma
possibilidade de novas leituras para inventar outros presentes.

E encerrava-se assim, para a briosa turma de Aspirantes


de 1897, o áspero e penoso período de provação. Dura
fora a jornada, encarada, no entanto, com coragem,
constância e paciência. Nem todos, os 86 que éramos,
logravam, infelizmente, a meta almejada. E pouco a
pouco a turma foi se despovoando melancolicamente.
Hoje, cinqüenta e oito anos volvidos, um terço ainda, rijo
e forte mercê dos céus (...) alonga a vista enevoada por
lágrimas esquivas, para o passado remoto pejado de
sonhos e de esperanças que se esvaecem, no sol - por da
vida. (JC 05/06/1955)

È possível considerar que certa nostalgia por épocas


passadas se explique pelo fato de que, à distância, sempre projetem
uma imagem já atualizada pelas vivências posteriores aos fatos
relatados. Os Bordejos de Boiteux se caracterizam como uma via
importante para conhecer práticas, saberes e sabores escolares e,
muito especialmente, conhecer através das práticas de memória de
um homem de letras, outras redes de sociabilidade no ambiente
escolar. Com linguagem rebuscada, idílica, e certamente
idealizada, - o passado tem uma bela caixa de lápis de cor - Lucas
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deixa confirmação de sua existência, constrói uma imagem para si


próprio e consciente ou inconscientemente para os outros, além de
evidenciar aspectos da cultura escolar no limiar do século XX,
realçando pela singularidade de sua escrita, a pluralidade de um
vivido.

Desencantando...

Estes acervos que guardam o escrito do vivido, guardam


igualmente a ‘leitura-escritura’ que os irmãos Boiteux fizeram de
si próprio, constituindo-se em uma memória que pode ser
decodificada através da leitura e interpretação de seus documentos,
cuja análise o historiador re-atualiza, ressignificando-o e
tornando-o suporte de memória.
Como práticas de escrita, por exemplo, as memórias dos
tempos escolares de Lucas Alexandre Boiteux podem ser
consideradas ordinárias, mas permanecem vivas para quem as
escreveu e arquivou e para quem as consulta/utiliza, formando
uma ponte entre nosso mundo limitado e o outro, infinitamente
mais rico, o da história, da arte, do sagrado. Por intermédio delas
a vida pode se perenizar, já que o arquivamento é um baluarte
contra a imortalidade. Essa parece ser a tarefa do pesquisador:
produzir sentido e vida para a vida de outrem, a partir de questões
norteadas pelo seu tempo e seu espaço, sempre tendo presente a
provisoriedade de sua reflexão (CURY, 1995. p.55).
Os acervos pessoais, via de regra, contêm documentos de
naturezas diversas que resultam de diferentes estações da vida
expressando tanto a vontade de forjar uma glória como um desejo
de guardar os momentos mais significativos. Uns tratam de
momentos solenes, ocasiões especiais, fatos públicos, militância
política. Outros trazem os laços de afeto, o processo de construção
de trajetórias, o refinamento de uma idéia ao longo de rascunhos e
textos. Os documentos que permanecem nos acervos pessoais são
aqueles que resistiram ao tempo, à censura de seus titulares e à
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triagem das famílias. Por sua vez, o fato de tratar-se de acervos


pessoais permite dimensionar o empreendimento de seus autores
que, ao valorizarem certos acontecimentos e experiências,
assinalaram não apenas seu desejo de imortalidade como também
o desejo de preservar ações e feitos seus e seus contemporâneos,
evitando tanto seu apagamento e esquecimento como remetendo
para o futuro a compreensão e julgamento dos enredos, dos quais
foram partícipes. Além de protelar a morte, uma vez que os
documentos podem sobreviver aos seus proprietários, estes acervos
pessoais acolhem com deleite o historiador, oferecendo uma
espécie de certificado de presença, testemunhando e autenticando
o vivido.
Vez por outra, em determinadas situações de vida, estes
documentos são relidos, redistribuídos, classificados. Passam
sempre por inúmeros descartes: por falta de espaço; porque não se
lembra mais do seu significado; porque o papel traz lembranças
dolorosas, enfim, não faltam razões para que caiam no
esquecimento. Mergulhar nos papéis ‘ordinários/miúdos’
guardados permite apreender saberes, crenças, valores e práticas
considerando-as como partícipes de uma “história da linguagem e
da cultura escrita (...) uma história das diferentes práticas do
escrito (...) capazes de gerar modos de pensar o mundo e construir
realidades” (CASTILLO GÓMEZ, 2003. p. 133). O interesse
pelos acervos pessoais está relacionado, em nosso tempo, ao
desenvolvimento de outras perspectivas historiográficas que
encontram nas artes e nas razões para guardar possibilidades
diferenciadas para compreender mais os homens e as mulheres em
suas histórias. São fontes encantadoras e para o historiador, um
prato cheio e quente. E acredito que, para ser degustado com o prazer
que pode proporcionar, os historiadores devem se municiar dos nada
novos procedimentos de crítica às fontes, guarnecidos com escolhas
teóricas e metodológicas capazes de filtrar o calor, de maneira a não
ter a boca queimada. (GOMES, 1998, p.125)

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227.

Maria Teresa Santos Cunha é Doutora em Educação /História


e Filosofia (USP). Professora do Departamento de História e dos
Programas de Pós-Graduação em Educação e de História da
Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC.
Universidade do Estado de Santa Catarina.
Avenida Madre Benvenuta/Campus Universitário
Itacorubi
88000-900 - Florianopolis, SC - Brasil
Telefone: (48) 32229168
E-mail: mariatsc@gmail.com

Recebido em: 12/01/2008


Aprovado em: 15/05/2008

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ACERVOS E PESQUISAS EM HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO: DAS VITRINES DO PROGRESSO
AOS DESAFIOS DA CONSERVAÇÃO DIGITAL
Marcia de Paula Gregorio Razzini

Resumo
Nos últimos anos, pesquisas e acervos de história da educação
receberam contribuições inestimáveis das mídias digitais,
especialmente após a generalização da internet, configurando um
panorama de acesso a fontes e documentos jamais vislumbrado no
passado. Ao cotejar pesquisas, acervos e diversos sítios de instituições
que conservam fontes e documentos relativos à história da educação,
o presente artigo aponta formas e possibilidades de pesquisa na área,
assim como limites e desafios, tentando articular, no próprio texto,
alguns recursos digitais.
Palavras-chave: Acervos; Fontes; Historia da Educação.

ARCHIVES AND RESEARCH IN THE HISTORY OF


EDUCATION: FROM THE TIME OF “VITRINES DO
PROGRESSO” TO THE CHALLENGE OF DIGITAL
PRESERVATION
Abstract
Researches and archives of the history of education have been lately
receiving a priceless contribution from digital media, mainly after the
spread of the internet, which allowed an access to sources of
information and documents without a precedent in history.
Comparing researches, archives and many sites from institutions that
keep information regarding the history of education, the present
study suggests some possibilities and how to conduct researches in
this area, as well as its limits and challenges, trying to articulate, in
the text itself, some digital media.
Keywords: Archives; Sources; History of Education.

ACERVOS Y PESQUISAS EN HISTÓRIA DE LA


EDUCACIÓN: DE LAS VITRINAS DEL PROGRESO A
LOS DESAFÍOS DE LA CONSERVACIÓN DIGITAL
Resumen
En los últimos años, pesquisas y acervos de historia de la educación
recibieron contribuciones inestimables de las midias digitales,
especialmente después de la generalización de la internet,
configurando un panorama de acceso a fuentes y documentos jamás

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 131-151, Maio/Ago 2008.


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vislumbrado en el pasado. Al confrontar pesquisas, acervos y diversos
sitios de instituciones que conservan fuentes y documentos relativos a
la historia de la educación, el presente artículo apunta formas y
posibilidades de pesquisa en el área, así como límites y desafíos,
tratando de articular, en el propio texto, algunos recursos digitales.
Palabras clave: Acervos; Fuentes; Historia de la Educación.

DES ARCHIVES ET DES RECHERCHES DANS


L’HISTOIRE DE L’ÉDUCATION: DES LES VITRINES
DU PROGRÈS JUSQU’AUX DÉFIS DE LA
CONSERVATION DIGITAL
Résumé
Les années dernières, des recherches et des archives de l’histoire de
l’éducation ont reçu des contributions inestimables du média digital,
spécialment après la généralisation de l’internet, em configurant un
panorama d’accès à des sources et des documents qu’on a jamais
entrevus au passe. En confrontant des recherches, des archives et
plusieurs sites d’institutions qui gardent des sources et des documents
à l’égard de l’histoire de l’éducation, cet article-ci indique des formes
et des possibilites de recherche sur lê sujet, ainsi que des limites et des
défis, en essayant d’articuler, dans le texte même, quelques resources
digitaux.
Mots-clés: Archives; Sources; Histoire de l’éducation.

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Para
Ana Maria Casassanta Peixoto, In Memorian
Que, generosamente, ensinou a todos nós a relação entre
“guardar e mirar”

Nos últimos anos, pesquisas e acervos de história da


educação receberam contribuições inestimáveis das mídias digitais,
especialmente após a generalização da internet, configurando um
panorama de acesso a fontes e documentos jamais vislumbrado no
passado. Ao cotejar pesquisas, acervos e diversos sítios de
instituições que conservam fontes e documentos relativos à
história da educação, o presente artigo aponta formas e
possibilidades de pesquisa na área, assim como limites e desafios,
tentando articular, no próprio texto, alguns recursos digitais.
Entre as principais instituições que reúnem, conservam,
classificam e expõem fontes e documentos que dizem respeito à
educação escolar e suas aplicações, os museus escolares estão no
centro de interesse das pesquisas em história da educação.
Muitos museus pedagógicos tiveram vida efêmera, como
a iniciativa brasileira do Pedagogium, fundado em 1890 e mais
tarde incorporado à Escola Normal da capital federal (depois,
Instituto de Educação). Outros, no entanto, sobreviveriam ao
longo do século XX, e alguns foram redesenhados, como o Musée
National de l’Éducation, da França, reestruturado nos anos de
1980 pelo INRP – Institut National de Recherche Pédagogique, e
que conserva, atualmente, mais de 900.000 documentos.1
Após a crise de 1968, dos movimentos estudantis,
começou a se repensar “o papel da escola em suas especificidades e
como espaço de produção de saber e não mero lugar de reprodução
de conhecimentos impostos externamente” (Bittencourt, 2003, p.
11). Tais discussões, que culminariam em reformulações

1
Disponível em http://www.inrp.fr/images/musee/pdf/descriptif_collections.pdf,
acessado em 18/03/2008. Neste arquivo há a descrição detalhada das coleções do
Museu National da Educação, da França.

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curriculares nos anos de 1970, também “buscavam situar


historicamente a escola e a atuação de seus agentes” (Idem, p. 12),
impondo novos desafios às pesquisas de história da educação que,
então, se aproximavam de outros campos do conhecimento,
sobretudo da história social e da história cultural, o que significou,
para a historiografia da educação, o alargamento de abordagens e
fontes (NUNES e CARVALHO, 1993; WARDE, 1984 e
1990).
No final dos anos 1970, observa-se a reconfiguração e
fortalecimento da área de história da educação, seja nas
universidades, com programas de pós-graduação; seja em
organismos públicos destinados a guardar documentos e a
desenvolver pesquisas2; seja, ainda, na constituição de associações
regionais, nacionais e internacionais que passaram a reunir
especialistas, promover discussões e intercâmbio de pesquisas.3
Portanto, a constituição (ou reorganização) de museus e
acervos, com o objetivo de preservar o patrimônio histórico
educacional, está ligada diretamente a esse processo de renovação
da área de história da educação.

Os museus escolares

Habituados com o sentido e função dos museus escolares


atuais, não nos damos conta que estas instituições tiveram origem
e função bem diversas daquelas que lhes atribuímos, de “lugar

2
O Institut National de Recherche Pédagogique (INRP) reformulou repartições
públicas anteriores e foi concebido em 1976, na França, como órgão de pesquisa
e como centro de documentação em educação. Disponível em http://www.inrp.fr/
INRP/institut/resolveUid/d14be24c21d0b74afb92d84d7296d9bf, acesso em
8/3/2008.
3
O International Standing Conference for the History of Education (ISCHE)
foi fundado em 1978. Disponível em http://www.inrp.fr/she/ische/history.htm,
acesso em 8/3/2008.

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destinado a reunir, conservar, classificar e expor obras, objetos e


documentos”.
A começar pela palavra museu, que etimologicamente
quer dizer “templo das Musas”, uma espécie de academia ou
colégio onde se cultivava as artes (HOUAISS, Antonio.
Dicionário Houaiss, 2000, p. 1985), as modificações de sentido e
função foram consideráveis nos últimos séculos. É possível
constatar tais mudanças no cotejamento das várias edições do
Dicionário da Academia Francesa, cujas páginas estão on-line, ao
alcance de todos internautas.4 Por meio das iniciativas
empreendidas sobretudo depois de 1789, na França, e através da
comparação entre as diversas edições percebe-se que a atribuição
de lugar que guarda os “monumentos” dignos de serem
conservados data do século XVIII:

Dictionnaire de L'Académie française, 4th Edition


(1762)
MUSÉE. s.m. Lieu destiné à l'étude des beaux Arts, des
Sciences & des Lettres. (Page 190)
Dictionnaire de L'Académie française, 5th Edition
(1798)
MUSÉE. substantif masculin. Lieu destiné, soit à l'étude
des Beaux-Arts, des Sciences et des Lettres, soit à
rassembler des monumens relatifs aux Arts, aux Sciences
et aux Lettres. (Page 143)
Dictionnaire de L'Académie française, 6th Edition
(1832-5)
MUSÉE. s. m. Lieu destiné, soit à l'étude des lettres, des
sciences et des beaux-arts, soit à rassembler les
productions, les monuments qui y sont relatifs. Le musée
des antiques. Le musée Clémentin. Le musée
britannique. Le musée d'histoire naturelle. (Page 2:247)
Dictionnaire de L'Académie française, 8th Edition
(1932-5)

4
Disponível em: http://portail.atilf.fr/cgi-bin/dico1look.pl?strippedhw=
musee&dicoid=ALL&articletype=ALL, acessado em 28/03/2008.

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Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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MUSÉE. n. m. Lieu destiné à réunir, conserver, classer
et exposer les oeuvres d'art, les objets et les documents
intéressant les sciences et leurs applications. Le musée du
Louvre. Le musée des antiques. Le musée d'Artillerie. Le
musée pédagogique. Musée d'Histoire naturelle. (Page
2:218).

Já os museus pedagógicos começaram a se formar bem


mais tarde, na segunda metade do século XIX. Porém, eles não
foram criados com o objetivo de preservar acervos e coleções
documentais antigas. Muito pelo contrário, os museus pedagógicos
foram constituídos como vitrines do progresso, na esteira das
Exposições Universais, para difundir métodos e materiais de
ensino, comparando-os com os anteriores. O principal objetivo
destas instituições era contribuir para a consolidação de um novo
modelo de educação popular, que vinha sendo implantado e
patrocinado por estados nacionais da Europa e América.
Este modelo de educação elementar para o povo, que se
tornaria hegemônico e acabaria configurando sistemas nacionais
de ensino público, estava fundamentado nos princípios da
obrigatoriedade, gratuidade e neutralidade religiosa, e funcionava
dentro de uma lógica que considerava a escola alavanca do
progresso e símbolo de civilização, valores celebrados e
amplamente difundidos nas Exposições Universais e congressos
pedagógicos (KUHLMANN JÚNIOR, 2001).
No verbete “Musée Pédagogique”, do Dictionnaire de
pédagogie et d'instruction primaire, obra coletiva dirigida por
Ferdinand Buisson, publicada entre 1882 e 1893, cujos quatro
volumes também estão disponibilizados na internet5, fica patente o
caráter de inovação educacional que cercava esta instituição, a
importância dada aos acervos de livros e a proliferação de
iniciativas parecidas em outros países, variando as designações

5
Disponível em: http://gallica.bnf.fr/Catalogue/noticesInd/FRBNF30175079.
htm, acessado em 28/03/2008.

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entre “museu pedagógico, exposição escolar permanente, museu de


educação e museu escolar” (Fig. 1).

Fig. 1 (Buisson, 1888, Parte I, v. 2, p. 1982)

Outra passagem do mesmo verbete informa sobre as


várias seções que constituíam o Museu Pedagógico da França,
então considerado um dos mais completos da Europa. Além de
três bibliotecas, o museu francês reunia plantas de prédios
escolares, mobiliário de classe, aparelhos de ensino, mapas,
coleções de imagens, trabalhos de alunos, documentos relativos à
história da educação. Já o material estrangeiro que dispunha, tanto
livros como móveis e objetos, provinham da Exposição Universal
de Paris, de 1878 (Fig. 2).

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Fig. 2 (Buisson, 1888, Parte I, v. 2, p. 1984)

Nos anos de 1990, o interesse pela constituição de


museus e acervos escolares aumentou. Em alguns casos, as
comemorações do centenário das escolas elementares havia
resultado na reunião e tratamento de acervos, assim como na
formação de centros de memória, os quais foram reorganizados
nesta década. Muitas dessas iniciativas são tributárias da ação
direta dos professores das escolas primárias, ou de pesquisadores de
história da educação, assim como de docentes de outras áreas, “a
favor de uma história de sua própria disciplina” (Chervel, 1990, p.
177).
Com a generalização da internet, os museus escolares
passaram a contar com sítios, que, geralmente, veiculam
informações sobre as coleções, as exposições temporárias, o serviço
cultural, agendamento de visita, horário de funcionamento,
localização, contatos e condições oferecidas aos investigadores,
quando há um centro de pesquisa.
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Além destas informações, no sítio do Museu Nacional


de Educação, da França, reformulado em 2004, encontra-se
também um banco de dados para consulta on-line, onde é possível
fazer buscas e adiantar o processo de pesquisa, antes da visita ao
museu. A instituição, que fica na cidade de Rouen, próxima de
Paris, possui uma casa medieval no centro, onde ocorrem as
exposições temporárias e visitas do público em geral e de escolas, e
conta com um centro de pesquisa, na área universitária, onde fica
guardada a reserva técnica.6
Destinado aos pesquisadores de história da educação e de
história da infância, neste precioso banco de dados, intitulado
Mnemosyne, o internauta encontrará, ao mesmo tempo, um
catálogo das diversas coleções do museu, assim como terá acesso a
uma base de imagens, com informações sobre os objetos
conservados e expostos.
Há, ainda, outros museus escolares na França, os quais
possuem igualmente sítios na internet, mas nenhum possui a
dimensão e importância do Museu Nacional de Educação, de
Rouen. No sítio da Associação Patrimônio e Educação
encontram-se 20 links destes pequenos museus regionais, sendo
alguns originados de escolas rurais.7
Há museus escolares com sítios na internet em várias
partes da Europa e América, especialmente na Alemanha,
Argentina, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados
Unidos, Holanda, Itália, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suíça,
Uruguai.
No Brasil, fora a experiência malograda do Pedagogium,
do Rio de Janeiro, a primeira iniciativa recente de organizar um
museu escolar ocorreu em Minas Gerais, com o Museu da Escola

6
Disponível em: http://www.inrp.fr/mnemo/web/formSimple.php, acessado em
28/03/2008.
7
Disponível em: http://www.ac-grenoble.fr/patrimoine-education/repertoire/
index.htm, acessado em 28/03/2008.

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de Minas Gerais, inaugurado em 1994, e instalado no antigo


prédio da Secretaria da Educação, na praça da Liberdade, em Belo
Horizonte. Patrocinado pelo governo estadual, o museu foi criado
junto ao Centro de Referencia do Professor, e o trabalho foi
coordenado por Ana Maria Casassanta Peixoto, professora de
história da educação da Universidade Federal de Minas Gerais e
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, cuja
minuciosa pesquisa e garimpagem resultaram na recolha inicial de
4.000 peças, formando coleções de manuais escolares, móveis e
objetos de ensino, além de fotografias e de um acervo de memória
oral.
Infelizmente, apesar dos protestos e apelos da
comunidade científica, em 2007, o Museu da Escola de Minas
Gerais foi desalojado do prédio da praça da República, e seu acervo
foi desmantelado: os objetos, móveis e materiais de ensino foram
realocados no prédio da Escola Normal, no centro da capital
mineira; já os livros didáticos seguiram para uma biblioteca
pública, a Metropolitana A, que fica no bairro de Santo Antonio.
O Museu da Escola Catarinense, cujo projeto foi
iniciado em 1992, por professores da Universidade Estadual de
Santa Catarina, aprovado pelo Conselho universitário em 2000,
foi inaugurado em 2005, no prédio reabilitado da antiga escola
normal, em Florianópolis.8
Outra iniciativa que pode interessar aos pesquisadores de
história da educação foi a constituição do Memorial da Educação,
junto ao Centro de Referencia em Educação Mário Covas, órgão
da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Inaugurado
em março de 2002, junto com uma exposição física e virtual sobre
a história da escola pública no estado, da qual participei desde a
etapa da pesquisa até sua fixação no sítio da instituição.9
8
Disponível em: http://www.museudaescola.udesc.br/index.htm, acessado em
28/03/2008.
9
Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/memorial.php, acessado em
28/03/2008.

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Voltado para projetos de preservação do patrimônio


histórico e cultural das escolas públicas estaduais, o Memorial da
Educação trata, organiza e disponibiliza aos investigadores,
mediante agendamento prévio, o acervo da Escola Estadual
Caetano de Campos, escola normal fundada em 1846, na capital
paulista.
Além dos museus escolares, destacam-se as coleções de
livros e manuais entre os diferentes tipos de acervos que ganharam
maior atenção dos pesquisadores em história da educação. Desde
acervos mais antigos, constituídos em museus, bibliotecas ou
escolas normais, até os mais recentes, formados em decorrência
dos estudos de grupos de pesquisa de história da educação e de
outros ramos da Educação e de outras áreas como Letras,
Comunicação, além da própria História. Passemos aos acervos de
livros didáticos.

A constelação Gutenberg:
livros, bibliotecas, bancos de dados digitais

Os anos de 1990 foram férteis na organização de bancos


de dados, inventariando acervos e coleções das mais variadas
espécies, seja nas bibliotecas, nas escolas ou nos museus, inclusive
nos escolares. Embora os bancos informatizados (alguns, feitos
com o programa Micro Isis) viessem facilitar imensamente a
pesquisa, o controle e a atualização dos acervos de cada instituição
que aderiu a eles, os dados não circulavam para além de suas
paredes, havendo sempre a necessidade de se deslocar até as
bibliotecas, arquivos e museus, para consultar tanto o banco de
dados, como livros, materiais e objetos listados.
A funcionalidade e circulação de informações mudaram
sensivelmente quando se tornou possível o desenvolvimento de
bancos de dados em plataformas para a internet, com linguagens e
transmissão de dados cada vez mais rápidos e leves, enquanto
máquinas, programas e suportes de armazenamento ficavam cada
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vez mais potentes e capazes de guardar e transmitir quantidades


imensas de dados. Com vários tipos de financiamentos, públicos e
privados, e com vários tipos de associações entre instituições de
pesquisa e programas de cooperação, constelações de dados
passaram a fazer parte do cotidiano de milhões de internautas em
todo o mundo. As bibliotecas digitais tornaram-se realidade e hoje
são complementos indispensáveis e indissociáveis de seus centros
físicos, constituindo-se em ferramenta de trabalho de qualquer
área do conhecimento.
Entre os milhões de páginas disponíveis na web, convém
ressaltar o programa do Center for Research Libraries (CRL), um
consórcio de universidades americanas, faculdades e bibliotecas
particulares que adquire e preserva material de pesquisa e de ensino
de forma tradicional e em formato digital, tornando-os disponíveis
aos membros das instituições participantes. Faz parte do CRL e
do Latin American Microform Project (LAMP), a produção

de imagens digitais de séries de publicações emitidas pelo


Poder Executivo do Governo do Brasil entre 1821 e
1993, e pelos governos das províncias desde as mais
antigas disponível para cada província até o fim do
Império em 1889. O projeto proporciona acesso via
Internet aos documentos, facilitando assim a sua
utilização por pesquisadores e prestando apoio às
pesquisas latino-americanas nesta iniciativa patrocinada
no hemisfério pela Fundação Andrew W. Mellon.10

De acordo com o relatório final, o projeto teve início em


1994 e escaneou cerca de 700.000 páginas de documentos do
governo brasileiro que estavam armazenados em microfilmes,
promovendo o acesso do material através da internet. O projeto foi
concluído no ano 2000, e tornou-se uma fonte de pesquisa muito
importante sobre o Brasil.

10
Disponível em http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33&l4=22,
acesso em 25/3/2008.

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Com relação à história da educação, é possível encontrar


muitas informações sobre diversos aspectos da educação pública
brasileira nos séculos XIX e XX. No índice por províncias, por
exemplo, encontrei no relatório de 1859, da província do Rio
Grande do Sul, uma preciosa relação de livros e materiais
escolares enviados às escolas públicas de instrução primária.
Através da quantidade, do tipo de material e dos livros enviados
pode-se deduzir as práticas escolares do ler-escrever-e-contar,
constatar a adoção de livros e a predominância de autores e textos
que circulavam na escola elementar na época.
A comparação deste e de outros dados entre várias
províncias num mesmo período, permitiu que fosse traçado um
estudo sobre os instrumentos de escrita e as práticas que eles
fomentavam na escola. O resultado da pesquisa foi publicado no
capítulo “Instrumentos de escrita na escola elementar: tecnologias
e práticas”, do livro Cadernos à vista: escola, memória e cultura
escrita, organizado por Ana Chrystina Mignot (2008).
Como vimos no caso do CRL, a mídia digital veio
substituir o microfilme e é uma solução bem-vinda para
documentos manuscritos e obras impressas de acesso restrito, que
se tornaram raros porque estão em vias de desaparecer, por falta de
condições de preservação, ou por haver um único exemplar. A
digitalização preserva o original, que não terá mais que ser
manuseado, e coloca o conteúdo à disposição de um número
enorme de pessoas, dadas as facilidades de reprodução do material
digitalizado. Recentemente, o escaneamento de imagens foi
substituído pela fotografia digital, o que melhorou ainda mais a
passagem para a mídia digital, pois a luz do scaner prejudicava a
preservação dos manuscritos e impressos.
Por tudo isso, quase toda grande biblioteca, sobretudo as
públicas e nacionais, possuem um sítio na internet e uma seção de
obras digitalizadas. Em língua portuguesa, destaca-se a lista de
obras oferecidas para consulta on-line, do projeto Memória, da

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Biblioteca Nacional de Lisboa, que incluiu vários livros de


educação.11
A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro também
disponibiliza pela internet diversos tipos de documentos e obras
inteiras digitalizadas, que podem servir de fontes para pesquisas em
história da educação. A seção intitulada Biblioteca Nacional sem
Fronteiras “visa democratizar o acesso” a jornais, obras raras,
música, manuscritos e iconografia e, “em especial, os tesouros da
Biblioteca Nacional”.12
Há, por exemplo, uma edição de 1539 da Grammatica
da lingua portuguesa, com os mandamentos da santa madre igreja,
de João de Barros; e o contrato manuscrito de cessão de direitos
autorais das Lições de Chorographia brazileira, celebrado entre
Joaquim Manuel de Macedo e a editora Garnier, em 1873.13
No referido contrato com a editora Garnier, de 1873,
Joaquim Manuel de Macedo deve ter recebido 1:500$000 (um
conto e quinhentos mil réis) pelos direitos das Lições de
Chorographia brazileira, valor estipulado no contrato, uma vez que
ele receberia 500 réis por exemplar, sendo a primeira edição de
3.000 exemplares.
No Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa
Provincial do Rio de Janeiro, pelo presidente da província, dr.
Martinho Alvares da Silva Campos, em 1881, consta que havia
dois manuscritos de Joaquim Manuel de Macedo na Inspectoria da
Instrucção Pública, a História do Brasil e a Chorographia da
Província do Rio de Janeiro, ambos dirigidos ao ensino primários, os
quais aguardavam publicação para serem distribuídos às escolas. O

11
Disponível em http://purl.pt/401/1/educacao/educacao-lista-obras.html, acesso
em 25/3/2008.
12
Disponível em http://www.bn.br/fbn/bibsemfronteiras/, acesso em 25/3/2008.
13
Disponíveis em http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/
or814512.pdf e http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/literatura/
mss_I_07_09_019.pdf, acessos em 25/3/2008.

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valor dos originais pago pelo governo ao autor foi de 4:000$000


(quatro contos de réis), ou seja, o custo final dos livros seria muito
superior ao valor de mercado, se comparado com o contrato da
Garnier, pois os livros adquiridos pelo governo teriam que ser
ainda impressos. A diferença poderia estar no tipo de contrato.
Com a Garnier foi contratada uma edição, enquanto que o
governo do Rio de Janeiro adquiriu o direito total das obras.14
Com relação aos acervos específicos de livros didáticos,
de início verifica-se a tendência de reunir materialmente obras
didáticas, que passaram a ser cada vez mais usadas como fonte
e/ou como objeto de pesquisa de história da educação, procurando
atender às necessidades técnicas de conservação. Dentre as
iniciativas, assinalam-se aquelas promovidas por grupos de
pesquisa, geralmente interinstitucionais, com o objetivo de
concentrar grande quantidade de informações em bancos de dados
específicos, cuja divulgação aumentou exponencialmente com a
internet.
Entre estas, destacam-se o projeto francês,
EMMANUELLE15, lançado em 1980, pelo Institut National de
Recherche Pédagogique (INRP); o projeto espanhol e latino-
americano, MANES16, constituído em 1992 pela Universidad
Nacional de Educación a Distancia, depois reformulado no
PATRES MANES; o projeto argentino HISTELEA17,
organizado em 1996 na Universidad Nacional de Luján; o projeto
canadense, MSQ18, inaugurado em 1997 pela Université Laval; e
14
Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/813/000210.html, acesso em
25/3/2008.
15
Disponível em http://bdd.inrp.fr:8080/Emma/EmaWelcome.html, acesso em
25/3/2008.
16
Disponível em http://www.uned.es/manesvirtual/portalmanes.html, acesso em
25/3/2008.
17
Disponível em http://www.histelea.unlu.edu.ar/index.html, acessado em
25/3/2008.
18
Disponível em http://www.bibl.ulaval.ca/ress/manscol/, acesso em 26/3/2008.
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o projeto brasileiro, LIVRES19, desenvolvido na Universidade de


São Paulo, entre 2003 e 2007, do qual participei. Alguns desses
projetos incluem, ainda, a digitalização de documentos ou livros
inteiros, o que tem contribuído para a preservação dos mais raros
ou daqueles que se encontram em péssimo estado de conservação.
Todos esses bancos de dados permitem buscas on-line, o
que facilita o levantamento das obras, a delimitação do tema e a
localização física dos manuais escolares para consulta posterior,
contribuindo para a ampliação das pesquisas em história da
educação, sua divulgação, assim como para o intercâmbio entre os
estudos em diversas universidades.
Além do pioneirismo de Alain Choppin (1980), convém
assinalar as publicações que fazem um balanço sobre vários
aspectos da história do livro didático: Les Manuels scolaires,
histoire et actualité (CHOPPIN, 1992); Textbooks in the
Caleidoscope (JOHNSEN, 1993); Historia ilustrada del libro
escolar em España (ESCOLANO, 1997-1998); L’Immagine e
l’idea di Europa nei manuali scolastici, 1999-1945
(GENOVESI, 2000); e Los manuales escolares como fuente para
la historia de la educación en América Latina. (OSSENBACH e
SOMOZA, 2001). Entre as várias pesquisas na América Latina,
destaco os trabalhos de Berta Braslawki e Rubén Cucuzza
(CUCUZZA e PINEAU, 2002), na Argentina; e os de Circe
Bittencourt (1993) e Kazumi Munakata (1997), no Brasil, depois
articulados em grupos de pesquisa.20
Tais recursos de informática, assim como a fotografia
digital e outras tecnologias que surgem a cada dia, longe de afastar
os pesquisadores dos arquivos, multiplicam as possibilidades de
trabalho, encurtam distâncias, mas também impõem desafios e

19
Disponível em http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/index.htm, acesso em
25/3/2008.
20
Consultar extensa bibliografia em http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/
biblio.htm, acesso em 26/5/2007.

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limites às pesquisas, às discussões sobre a conservação do


patrimônio histórico educacional e às formas de divulgação
científica. Os processadores, os programas, os suportes, enfim,
todo o aparato informático está constantemente em mutação, o
que obriga uma contínua atualização da parafernália digital, sob o
risco de não haver mais como consultar um determinado
documento armazenado num suporte antigo. O exemplo pode ser
dado pela rápida substituição (e conseqüente desaparecimento) dos
suportes de armazenamento de dados, que conheceu sucessivos
tamanhos e densidades de disquetes, desde 1971, até chegar aos
atuais CDs, DVDs, pendrivers e cartões de memória.
Na era dos vídeos disponibilizados em sítios como o
YouTube, em que milhões de gigabytes cruzam os oceanos digitais,
com uma velocidade cada vez maior, o trabalho de atualização de
acervos tem que ser constante para não tornar as fontes obsoletas e
impedir o acesso aos dados dos arquivos. O custo para as
instituições é enorme, tanto em termos materiais como de mão-
de-obra, mas não há como parar no tempo. Não se pode esquecer
que a mutação frenética é uma das características principais das
novas tecnologias digitais, pois todo seu processo (criação,
práticas, usos, reformulações, interações) é coletivo e colaborativo,
ligado em rede mundial. Os sítios que oferecem programas
gratuitos para download, as páginas com tutoriais de ajuda e o
sucesso de práticas de compartilhamento de arquivos são
indicações seguras dessa dinâmica de funcionamento, ainda que
haja, em contrapartida, os vírus, os hackers, as fraudes e toda sorte
de crimes e contravenções.
Obviamente o acesso ao documento pela internet não
substituiu o contato pessoal e único do pesquisador com as fontes
e documentos, nem afastou o estudioso dos arquivos. Pelo
contrário, quando se vai explorar um acervo e há informação
previamente disponível por meio da internet, esta primeira
aproximação e garimpagem podem ajudar a encontrar mais
rapidamente (e em número maior) os dados procurados.

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As mídias digitais fornecem filtros para as informações


que buscamos, mas quem propõe as buscas, faz a filtragem e
cruzamento de dados e atribui significados a eles é o pesquisador.
E, quando o programa permite uma busca mais minuciosa, por
termo, dentro do texto, como é o caso dos dicionários citados
anteriormente, fornecidos em arquivos PDF (Portable Document
Format), a rapidez com que se consegue localizar uma informação
é infinitamente maior e mais efetiva do que jamais se pôde prever
antes.
Com as novas possibilidades de pesquisa que tais
ferramentas trouxeram é preciso estar atento para novas formas de
produção e de circulação do conhecimento histórico, assim como,
estar ciente dos seus limites, sem perder a dimensão fundamental
do ofício, como nos lembra Paul Veyne, que “o primeiro dever de
um historiador não é tratar de seu assunto, mas de criá-lo. Essa
história em liberdade, desembaraçada de seus limites
convencionais, é uma história completa”. (VEYNE, 1982, p.
147)

Referências

BITTENCOURT, Circe M. F. (1993) Livro didático e


conhecimento histórico: uma história do saber escolar. Tese
(Doutorado em História Social). São Paulo: Universidade de São
Paulo/FFLCH.

________. (2003) “Disciplinas escolares: história e pesquisa”. In:


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disciplinas escolares no Brasil: contribuições para o debate.
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BUISSON, Ferdinand. Dictionnaire de pédagogie et


d'instruction primaire. Paris: Hachette, 1882-1893, 4 vol.

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CHOPPIN, Alain (1980) L'histoire des manuels scolaires: une


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Marcia de Paula Gregorio Razzini é Professora da sub-área


Leitura e Literatura do CEFIEL – Centro de Formação
Continuada de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem,
da Unicamp, disponível em http://www.iel.unicamp.br/cefiel/ e
pesquisadora do Grupo História das Disciplinas Escolares e dos
Livros Didáticos, EHPS-PUC-SP, disponível em
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=007
17080407URY, acessados em 18/03/2008.
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da
Linguagem, CEFIEL Centro de Formação Continuada de
Professores.
Cidade Universitária Zeferino Vaz
Barão Geraldo
13084-971 - Campinas, SP - Brasil - Caixa-Postal: 6045
Telefone: (19) 35211707 Fax: (19) 1935211707
E-mail: mrazzini2004@yahoo.com.br

Recebido em: 28/01/2008


Aprovado em: 15/05/2008

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UM ESTUDO ACERCA
DA HISTÓRIA DE VIDA PROFISSIONAL
DE PROFESSORAS PRIMÁRIAS LEIGAS
Lisiane Sias Manke

Resumo
O artigo evidencia a história de vida profissional de professoras
primárias que iniciaram a profissão docente sem formação específica,
denominadas como professoras leigas. Buscando estabelecer uma
discussão sobre como se tornaram professoras e a forma pela qual
desenvolveram a prática pedagógica. A pesquisa foi realizada com
base na história de vida profissional de treze professoras primárias.
Desta forma, a memória apresenta-se como a principal fonte deste
estudo. As treze professoras analisadas iniciaram as atividades
profissionais na zona rural do município do Pelotas, entre as décadas
de 1960 e 1980, com escolaridade variando entre 5ª série do ensino
primário e o ginasial.
Palavras-chave: História da Educação; Memória; Professoras
Primárias Leigas.

A STUDY ABOUT PROFESSIONAL LIFE HISTORY OF


PRIMARY SCHOOLS TEACHERS
Abstract
This article illustrates the professional history of elementary teachers
who started their careers without any specific teaching background
education, being named as non- experienced teachers. The objective
here is to establish a questioning on how they have become teachers,
and the way through which they developed their pedagogical practice.
This research has been based on historical data on the careers of
thirteen teachers. So, some records made throughout their
professional activities are presented as the main source of this study.
All the teachers started their careers in the countryside, in Pelotas,
between the decades of 1960 and 1980, with formal instruction
varying from the fifth grade to high school.
Keywords: History of Education; Records; Non-experienced
Elementary Teachers.

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UN ESTUDIO ACERCA DE LA HISTORIA DE VIDA
PROFESIONAL DE PROFESORAS PRIMÁRIAS LEIGAS
Resumen
El artículo evidencia la historia de vida profesional de profesoras
primarias que iniciaron la profesión docente sin formación específica,
denominadas como profesoras leigas. Buscando establecer una
discusión sobre como se tornaron profesoras y la forma por la cual
desenvolvieron la práctica pedagógica. La pesquisa fue realizada con
base en la historia de vida profesional de trece profesoras primarias.
De esta forma, la memoria se presenta como la principal fuente de
este estudio. Las trece profesoras analizadas iniciaron las actividades
profesionales en la zona rural del municipio de Pelotas, entre las
décadas de 1960 y 1980, con escolaridad variando entre 5ª serie de
enseñanza primaria y el gimnasial.
Palabras clave: Historia de la Educación; Memoria; Profesoras
Primarias Leigas.

UN ÉTUDE SUR L’HISTOIRE DE VIE


PROFESSIONNELLE D’INSTITUTRICES “LAÏQUES”
Résumé
L’article met en évidence l’histoire de vie professionnelle
d’institutrices qui ont commencé la profession enseignante sans une
formation spécifique, nommées des institutrices “laïques”. Il cherche
établir une discussion sur la manière comme elles sont devenues dês
institutrices et la manière par laquelle elles ont developpé la pratique
pédagogique. La recherche fut réalisée en se basant sur l’histoire de
vie professionnelle de treize institutrices. De cette façon, la mémoire
se présent comme la principale source de cet étude. Les treize
institutrices analysées ont commencé leurs activités professionnelles
dans la zone rurale de Pelotas, entre les décades de 1960 et 1980,
avec scolarité qui varie entre lê 5ème année de l’enseignement
primaire et lê cours secondaire.
Mots-clés: Histoire de l’Éducation; Mémoire; Institutrices laïques.

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Introdução

O presente estudo é resultado da pesquisa realizada para


a dissertação de Mestrado em Educação, a qual abordou aspectos
relacionados com a história de vida profissional de professoras
primárias leigas. O foco da investigação centrou-se em dois
aspectos da vida profissional destas professoras: o ingresso na
profissão e a realização da prática pedagógica. Buscando entender
como as profissionais em evidência tornaram-se professoras e de
que forma realizaram a prática pedagógica, sem formação
específica para o desempenho da profissão. O termo - leigas - é
utilizado como indicativo de professoras que não possuem uma
formação básica para lecionar, especificamente, neste caso, no
magistério primário.
A partir dos objetivos propostos foram definidos aspectos
teórico-metodológicos que viessem a contribuir com o estudo.
Dessa forma, a história oral tornou-se a principal ferramenta de
pesquisa, sendo a principal fonte de investigação à memória das
professoras entrevistadas. Portanto, os sujeitos desta pesquisa são
caracterizados pela docência leiga, mais especificamente, são
professoras que ingressaram entre as décadas de 60 e 80 no ensino
primário da rede municipal de Pelotas, sem formação específica
para o desempenho da profissão, e constituíram-se professoras no
contexto escolar. Foram investigadas treze histórias de vida de
professoras que iniciaram a profissão docente com escolaridade
variando entre a 5ª série do ensino primário e o ginasial completo.
Ainda, incluiu-se ao conjunto de fontes uma entrevista com uma
Orientadora de Ensino que atuou na Secretaria de Educação de
Pelotas no período investigado, além de fontes escritas que foram
sendo localizadas no decorrer da investigação e somaram-se aos
depoimentos orais, favorecendo e enriquecendo o desenvolvimento
da pesquisa.

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Aspectos teórico-metodológicos do estudo

Entende-se que a escolha por determinada teoria ou


metodologia de pesquisa é orientada por pressupostos que a
sustentam, vinculados à especificidade da problemática definida.
Conforme observa De Certeau (1995, p.18), “uma prática sem
teoria leva necessariamente, num momento ou noutro, ao
dogmatismo de ‘valores eternos’ ou à apologia de um ‘intemporal’.
A suspeita não conseguiria alcançar toda a análise teórica”. A
teoria, portanto, deve estar vinculada à prática, de maneira a
articulá-la em relação ao objeto do estudo e aos procedimentos de
análise, pois, segundo o mesmo autor, não há discurso “científico”
que consiga estabelecer-se de forma contundente se não buscar a
relação com o “corpo” social que está sendo estudado (DE
CERTEAU, 1995). Assim, esta análise histórica aproxima-se da
corrente teórica proposta pela Nova História que, na busca pela
superação dos limites da historiografia tradicional, pauta-se pela
construção racional de uma história totalizante. Essa nova
concepção do fazer histórico, recusa à idéia de neutralidade do
pesquisador, tendo por base a concepção de que a realidade é social
e culturalmente construída, abrindo espaço, desta forma, para
novas perspectivas de estudo. Compreende-se que estas novas
percepções do fazer histórico, com a incorporação de novos temas
e fontes de pesquisa, oferecem grandes contribuições ao
conhecimento histórico, em especial à História da Educação, com
a qual este estudo está relacionado.
Neste sentido, a história oral apresenta-se como
metodologia que oferece a possibilidade de sanar lacunas deixadas
pela história tradicional, não lhe cabendo registrar outro tipo de
história distinta daquela que utiliza fontes escritas, mas de
contribuir para o registro de uma história mais ampla e completa.
Alcàzar i Garrido (1991/1993) diz contundentemente que: “as
fontes orais não são uma alternativa às fontes escritas; são outro
tipo de fonte, não apenas necessárias, mas imprescindível para se
fazer história” (p.48). Desta forma, a história oral, neste estudo,
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tornou-se uma ferramenta de aproximação com a memória das


professoras primárias leigas.
No entanto, o uso da memória como fonte histórica
requer alguns cuidados, como, por exemplo, “saber distinguir
separadamente o fenômeno histórico e a memória que o indivíduo
ou grupo de indivíduos mantêm daquele fenômeno” (ALCÀZAR I
GARRIDO, 1992/1993, p.39). Aspecto que deve ser
especialmente observado, tendo em vista que a percepção do
sujeito ou do grupo em relação a um acontecimento difere do “fato
real”. Em cada fala que narra um acontecimento, existe uma carga
de subjetividade, construída por meio de vivências e recordações
que o tempo tratou de modelar. Assim, entende-se que a memória
é mediada pelo presente, não deixando de ser uma forma legítima
de reconstrução do fato passado, uma vez que, o processo de
afloramento das lembranças contribui para explorar os significados
subjetivos das experiências vividas e, assim, as distorções da
memória, tornam-se um recurso na análise dos dados pesquisados.
Portanto, ao analisar a história de professoras leigas,
busca-se o conjunto, o grupo, onde as relações profissionais são
estabelecidas, a partir da história individual de cada uma das
professoras se extrai a história coletiva, salvaguardando-se a
individualidade de cada história de vida. E, desta forma, a história
oral valoriza o indivíduo que narra a sua história, conforme
Thomson (1996, p.71), “a exploração coletiva de histórias de vida
em projetos participativos pode ajudar as pessoas a reconhecer e
valorizar experiências que foram silenciadas, ou a enfrentar
aspectos difíceis e dolorosos de suas vidas”. No caso específico
desta pesquisa, o próprio fato de serem entrevistadas fez com que
as professoras se sentissem gratificadas, pois, de certa forma, o
contexto em que se tornaram professoras passou a ser importante
para alguém e falar sobre ele foi motivo de satisfação, na maioria
dos casos.
O grupo pesquisado caracteriza-se pelo ingresso
profissional sem formação específica, no entanto, parte-se das
características individuais de cada sujeito investigado a fim de
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compreender a história da coletividade. A seguir se observa o nome


das professoras entrevistadas, a idade e a escolaridade que tinham
quando ingressaram na profissão.

Nome Idade Escolaridade Período de Atuação


Flora 17 anos 5ª série do primário 1956 a 1986 – 30 anos
Alda 16 anos Ginasial Completo 1960 a 2005 – 45 anos
Geni 17 anos 5ª série do primário 1961 a 1994 – 33 anos
Terezinha 17 anos 5ª série do primário 1964 a 1989 – 25 anos
Ieda 18 anos Ginasial Completo 1964 a 1968 – 5 anos
Romilda 18 anos 5ª série do primário 1964 a 1989- 25 anos
Sonia 25 anos Técnico em Contabilidade 1976 a 2005- 29 anos
Sueli 28 anos Ginasial Incompleto 1977 a 2005- 28 anos
Carmem 18 anos Ginasial Completo 1977 a 2005- 28 anos
Mª Jurema 18 anos Ginasial Incompleto 1977 a 2001- 24 anos
Neli 19 anos Técn. em Aux. de Escritório 1978 a 2002- 24 anos
Zila 19 anos Ginasial Incompleto 1979 a 2005- 26 anos
Loreni 22 anos Ginasial Completo 1981 a 2001- 24 anos

A idade das professoras ao iniciarem a profissão docente


surpreende inclusive as próprias professoras, pois estas
argumentam que além do despreparo para a profissão, eram muito
jovens. Apenas três professoras tinham mais de vinte anos, fato
este, que traz, ao mesmo tempo, certo orgulho as professoras, por
terem assumido tamanha responsabilidade bastante cedo, mas, que
traz também a lembrança de que naquele momento ainda tinham
muito a aprender. Uma vez que, ao apontar as dificuldades do
início da carreira profissional, as professoras referem-se à idade
como um dos fatores relevantes para o difícil início profissional.
Em relação à escolaridade que tinham quando
ingressaram na profissão, constata-se que das treze professoras
apenas quatro contavam com o Curso Ginasial completo
(equivalente ao Ensino Fundamental) e duas tinham cursos
técnicos, as demais iniciaram com o Ginasial incompleto ou
apenas a 5ª série do Ensino Primário. Todas as professoras
ingressaram em escolas localizadas na zona rural do município de

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Pelotas, aspecto considerado de grande relevância na história de


vida destas.
As décadas de 1960 e 1980 apresentam-se como o
período de ingresso profissional destas professoras no magistério
primário, que somaram vários anos de experiência docente. A
maioria das professoras (dez) têm entre vinte e trinta anos de
profissão, uma professora tem mais de trinta anos e outra
quarenta e cinco anos de trabalho docente.
Ao analisar as treze histórias de vida percebe-se a
singularidade de cada uma, todas possuem aspectos específicos que
as caracterizam. No entanto, as histórias se entrelaçam
constantemente, porque fazem parte de uma coletividade
específica. Sendo assim, mesmo ao apresentar cada uma das
professoras busca-se o conjunto, o todo que estas compõem.

O ingresso profissional leigo

A profissão foi/é algo de grande destaque na vida das


professoras investigadas, são, neste sentido “mulheres-
professoras”, ou seja, a profissão as caracteriza fortemente. O
início profissional foi assinalado pelas professoras como um
momento em que lhes foi oferecida a “oportunidade” de serem
professoras. Para algumas, essa oportunidade significou o início de
uma desejada profissão, a realização de um “sonho de infância”. A
maioria das professoras, no entanto, ingressou na profissão
docente por ser uma atividade remunerada, que possibilitava a
independência financeira; ou por vontade da família, que
reconhecia a docência como atividade feminina. Com se pode
observar em alguns relatos:

Bom, a princípio eu nunca tinha pensado em ser


professora, foi uma profissão que eu iniciei sem nunca
um dia ter sonhado em ser professora. Eu casei muito
cedo, eu sou da zona rural, interior de Pelotas hoje Capão

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do Leão, e muito cedo eu me separei e daí eu tinha que
trabalhar, eu tinha 19 anos (Zila, 2005).

Eu estava procurando serviço, estava acabando o curso de


auxiliar de escritório, quando me avisaram que a
Secretaria de Educação estava admitindo professoras.... e
continuei sempre, eu já estava naquilo, e acabei me
acostumando e gostando. E depois o serviço estava muito
difícil, era muito difícil arrumar uma boa colocação
(Neli, 2005).

Eu terminei o ginásio, naquela época, e aí, eu queria ser


aeromoça ou entrar para o colégio agrícola, meu pai não
deixou, ele queria que eu fosse professora. Bom, então se
ele quer que eu seja professora, eu vou entrar agora,
porque naquela época tinha umas quantas amigas que
entravam só com o ginásio. (Ieda, 2005).

Para além dos três depoimentos acima, foram diversos os


motivos apresentados pelas professoras para justificar a escolha
profissional, entre estes, opção própria, influência familiar,
questões de gênero, como também, a representação social da
profissão. Observa-se, contudo, que a possibilidade de dar início a
docência sem formação específica deve ser considerada como uma
das principais razões para o ingresso na carreira docente, foi, nesse
sentido, a oportunidade que as “fez professoras”.
Ao considerar-se os motivos que possibilitaram o
ingresso de professoras leigas no magistério primário, encontra-se
como principal justificativa a ausência de profissionais formados
para atender a demanda das escolas municipais, em especial as
localizadas na zona rural. No survey realizado no Rio Grande do
Sul para o INEP em 1955, Roberto Moreira (1955, p.80)
constata que além de haver um pequeno número de profissionais
formados, o Estado absorvia a grande maioria destes,
principalmente por oferecer melhores salários. Assim, restava aos
municípios recrutar pessoas sem formação para preencherem as
vagas das escolas municipais.

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As professoras entrevistadas, ao relatarem a forma pela


qual obtiveram uma vaga no ensino primário, descrevem duas
maneiras: inscreveram-se na Secretaria de Educação, no momento
em que abria inscrições para a contratação de novos professores
primários, ou ainda, entraram em contato diretamente com
autoridades municipais, indicadas por uma pessoa da localidade
que carecia de professor. Como se observa nos depoimentos:

A Secretaria de Educação estava fazendo uma solicitação


de professores, eu fui lá e fiz a minha inscrição, e eles me
deram uma escola na zona rural. Só que até aí, eu não
tinha concluído o meu 2º grau, mas como era para a
zona rural e não havia professores, eles me deram uma
vaga e eu fui para a escola José Saturnino, que pertencia
a Capão do Leão, então eu comecei a trabalhar de 1ª a 5ª
(Sueli, 2005).

Eu tinha na época 7ª série, e os pais como gostavam de


mim e eu era da localidade, e eles por saberem que eu
estudava na cidade, já era uma situação diferente da deles,
e então eles reivindicaram junto a Secretaria, fizeram um
abaixo assinado solicitando que eu fosse dar aula nesta
escolinha. E então eu comecei, no dia 21 de março de
1979, na Escola Professora Maria Teresa Vasconcelos de
Lemos, no Passo das Pedras de Cima, comecei como
professora unidocente, tinha de 1ª a 4ª série num turno
só (Zila, 2005).

Aspecto relevante é a preferência dos pais por moças da


comunidade rural, procedimento que se justificava, provavelmente,
pelo fato dos pais entenderem que por ser do mesmo ambiente
rural a professora teria melhor interação com a comunidade,
fazendo com que os hábitos, costumes e crenças fossem
preservados, o que contribuía para a contratação de professoras
sem formação que pertencessem à comunidade local.
De uma forma ou de outra todas as professoras
iniciaram o trabalho na zona rural do município de Pelotas. Das
professoras entrevistadas, sete moravam na localidade onde

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começaram a trabalhar. Para estas, as dificuldades iniciais devido


ao despreparo para o desempenho da profissão foram amenizadas
pelo fato de estarem em uma escola de sua comunidade, evitando,
por exemplo, o transtorno da locomoção e da adaptação à outra
localidade. As demais, seis professoras, relatam que realizaram
verdadeiras “maratonas” para atenderem as escolas para as quais
foram designadas: “Passei a morar na escola, a gente cozinhava lá, e
onde era a secretaria a gente fez um quarto porque não tinha ônibus
para ir e voltar (Neli, 2005)”; “era um horror, a gente sentia uma
solidão imensa (Ieda,2005)”.
Iniciar as atividades docentes na zona rural era uma
exigência da Secretaria Municipal de Educação, em consonância
com a lei 1469 referente ao ensino primário municipal, que exigia
o cumprimento de estágio durante dois anos na zona rural do
município. Segundo a Orientadora Marlene era um teste que
deveria ser realizado na zona rural, justificado pela falta de
professores nestas localidades, mas que se propunha a preparar
estes professores para a atuação na zona urbana, onde “o meio
sócio-econômico era outro” (Orientadora Marlene, 2005), e ao que
parece, “exigia” professoras mais preparadas e com maior
experiência profissional.
Todas as professoras somaram experiências de atuação
em escolas rurais e urbanas, com exceção da professora Flora que
sempre trabalhou em escolas rurais. A maioria das professoras,
depois de cumprir estágio em escolas rurais, pedia a transferência
para escolas mais próximas do centro urbano, a principal
justificativa apresentada era a necessidade de dar continuidade aos
estudos. No entanto, nem todas as professoras concluíram a
formação específica para a atuação no magistério primário,
permanecendo “leigas até o fim” da carreira, mas, todas afirmam
terem se mantido atualizadas através de cursos, especialmente os
promovidos pela SME durante as férias escolares.
Em relação à formação pedagógica, constatou-se que das
treze professoras entrevistadas, apenas quatro (4) atuaram por um
período inferior a 12 anos sem formação específica. Sete (7)
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professoras atuaram por um longo período sem formação,


considerando-se de 20 a 30 anos de atuação no ensino primário de
forma leiga; destas sete professoras apenas uma realizou o Curso
Superior em Pedagogia, após 22 anos de profissão. E, ainda, cita-
se duas (2) exceções, a professora Romilda que afastou-se do
magistério após cinco anos de atuação e a professora Zila que
durante 15 anos trabalhou com o ensino primário, sem ter
formação pedagógica, após este período, tendo concluído o Curso
Superior em Educação Artística com Habilitação para Música,
passou a atuar como professora de música no Curso de Magistério.
Sendo assim, apenas cinco professoras realizaram a
formação para atuar no ensino primário, através do Curso Normal
ou do Ensino Superior. As demais, não realizaram formação
específica para o magistério primário.
O fato de terem concluído, ou não, a formação
pedagógica apresenta-se com grandes particularidades em cada
história de vida. Acredita-se que ao observar as diferenças
existentes nessas histórias, em relação ao nível de escolaridade,
deve-se considerar principalmente os aspectos pessoais e sociais
que contribuíram para a busca, ou não, da formação. Desta forma,
as cinco professoras que realizaram a formação para o magistério
primário, e ainda, a professora que fez Licenciatura em Educação
Artística, expressam, nos relatos, a preocupação que tinham em
relação aos estudos e a imensa satisfação pessoal e profissional por
terem concluído a formação. As demais, sete professoras,
demonstraram que as dificuldades e os problemas da vida pessoal
foram mais fortes, impedindo que avançassem além do Ginasial ou
do Curso Secundário.
No entanto, para além da formação alcançada, os
depoimentos apresentam uma forte tendência, de todas as treze
professoras, em valorizar o conhecimento adquirido na prática.
Mesmo aquelas professoras que realizaram a formação pedagógica
não deixam de mencionar o grande significado do conhecimento
prático, embora admitam que a teoria tenha contribuído para o
aperfeiçoamento da profissão. A professora Ieda, que atuou menos
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tempo sem formação, somando apenas seis anos de docência leiga,


considera que “a formação não mudou o meu trabalho, porque já
tinha muita prática”. Diante dos depoimentos, pode-se avaliar que
a formação aperfeiçoou e influenciou o trabalho destas professoras,
no entanto, o início profissional de forma leiga contribui para que
o saber pedagógico adquirido na prática docente fosse fortemente
valorizado por estas.

A realização da prática pedagógica

Em relação ao desenvolvimento das atividades


pedagógicas por estas professoras que iniciaram a profissão sem
nenhum conhecimento teórico, constatou-se que as práticas
escolares foram resultado das relações estabelecidas dentro e fora
da escola. A interação com “os atores educativos” e com o “mundo
exterior” influenciou de forma significativa as práticas pedagógicas
que foram construídas diariamente no interior na sala de aula. A
partir desta interação estabeleceram-se as estratégias de ensino, a
utilização de materiais didáticos, programas escolares, planos de
aulas, exames e avaliações, enfim, formas de fazer e viver o dia-a-
dia da escola.
No entanto, o início da profissão docente não foi algo
fácil para as professoras entrevistadas, os depoimentos apontam
para um início profissional conturbado e difícil, apesar de todo o
esforço e empenho despendido por elas. O primeiro dia de aula, a
insegurança, as dúvidas, os erros, ficaram registrados na memória
dessas professoras e serviram de base para a construção da carreira
profissional.
Foi muito difícil, eu não estava preparada. Claro, eu
queria, mas foi de uma hora para outra, praticamente do
dia para a noite. Foi muito difícil no início, mas muito
bom também! (Loreni, 2005).

Eu nunca me esqueci quando pela primeira vez eu fiz um


ditado para eles, eu comecei a ditar e achei que eles
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deveriam saber onde que era ponto e letra maiúscula, e
quando eu estava no meio do ditado, eu disse: ah, o que
estou fazendo? Eles são pequenos, eles não sabem, só na
leitura eles não iriam descobrir onde era o ponto e a letra
maiúscula (Carmem, 2005).

Mas é uma coisa engraçada, tu chega, entra numa sala de


aula e vê aquele monte de carinha ali te olhando, e tu
pensa: e agora, o que que eu faço? O que eu quero com
essas crianças aqui na minha frente? Eu estava
apavorada. Quando eu comecei, peguei a 2ª e a 3ª série,
as duas turmas juntas, mas eu repartia o quadro e dava
aula para uma e para outra (Neli, 2005).

Situações simples do dia-dia tornavam-se complicadas


no momento em que a inexperiência somava-se ao despreparo
profissional. Além disso, as condições de trabalho normalmente
eram difíceis, as escolas eram distantes e não contavam com uma
estrutura adequada, as turmas eram multisseriadas, sendo
necessário que o trabalho fosse desdobrado entre as diferentes
séries em uma mesma sala de aula. Mas, apesar das dificuldades,
era preciso dar continuidade ao trabalho e criar meios eficientes
para o desempenho da profissão docente. Desta forma, as
professoras afirmam que na organização do trabalho diário,
diversas estratégias eram utilizadas, as tarefas eram divididas, os
alunos trabalhavam em conjunto, os mais adiantados auxiliavam
os colegas, os recursos didáticos (quadro, cadernos, livros) eram
organizados de forma que todos os alunos tivessem acesso. Assim,
as professoras foram aprendendo formas de realizar o trabalho
escolar, a partir da prática cotidiana.
No entanto, organizar as atividades escolares não era
suficiente, mais do que isso as professoras tiveram que buscar
subsídios que as auxiliassem na tarefa de ensino-aprendizagem dos
alunos. Quando questionadas a respeito de como “aprenderam a
dar aulas”, as respostas foram variadas. Foi citado o empenho
pessoal em estudar os conteúdos que deveriam ser aplicados, a
utilização de métodos das suas antigas professoras, a busca de

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auxílio com outras professoras mais experientes, enfim, a


construção da prática pedagógica se deu de diversas maneiras e sob
diferentes influências. Contudo, pode-se considerar que as
experiências escolares da infância influenciaram sobremaneira no
desempenho da profissão, sendo a identificação com o trabalho de
antigas professoras fundamental na prática escolar das professoras
leigas. Diante do despreparo para a realização do trabalho, as
referências se voltaram para as vivências enquanto alunas, para as
experiências que outrora tiveram no ambiente escolar.
Se a prática pedagógica foi mediada por relações internas
e externas à escola, o que acontecia em relação aos conteúdos a
serem desenvolvidos? Neste caso, a presença da Secretaria
Municipal de Educação foi determinante. As professoras recebiam
as listagens de todos os conteúdos a serem trabalhos e sugestões de
como desenvolvê-los. Além disso, o trabalho era periodicamente
acompanhado por orientadoras pedagógicas, através de visitas às
escolas e de reuniões mensais com as professoras. Essas atividades
não se restringiam apenas a professoras leigas, todas as professoras
municipais, em especial as que atuavam na zona rural, recebiam o
acompanhamento periódico da Secretaria de Educação. No
entanto, a presença deste órgão municipal teve significativo papel
na história de vida das professoras leigas, seja pela forte supervisão
realizada diante da insegurança e despreparo das professoras, ou
ainda, pelo auxílio pedagógico, que contribuiu na construção de
suas práticas escolares. De uma forma ou de outra, a Secretaria
Municipal de Educação esteve presente no desenvolvimento das
atividades docentes das professoras em questão.
Ao observar a maneira como esses conteúdos eram
disponibilizados às professoras pela Secretaria Municipal de
Educação, tomou-se como exemplo um dos documentos
encontrados junto ao arquivo da Escola Garibaldi. Trata-se do
“Subsídio Orientador nº 89/79 – Plano de Ensino para o mês de
outubro de 1979”. Nesse Plano de Ensino, destinado à 1ª série,
encontra-se os conteúdos de Matemática, Linguagem, Ciências,
Estudos Sociais, Religião e Artes a serem desenvolvidos durante o
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mês de outubro. Além do conteúdo prescrito, o documento traz os


objetivos, os procedimentos e a avaliação referente a cada um dos
conteúdos a serem aplicados. Em alguns casos observa-se que o
conteúdo era proposto de forma bastante detalhada, no item 1, por
exemplo, é apresentado como objetivo a ser alcançado a leitura e a
escrita envolvendo padrões silábicos das páginas 23, 24 e 25 da
cartilha “Ler a Jato”, e ainda estipula os procedimentos que
deveriam ser tomados no desenvolvimento do conteúdo, propondo
inclusive o percentual de acertos que o aluno deveria alcançar.
Assim, restava à professora seguir as instruções e buscar na
cartilha os exercícios a serem aplicados.
Desta forma, percebe-se que a Secretaria de Educação
determinava os conteúdos, estabelecia os objetivos, sugeria
atividades a serem desenvolvidas, e propunha formas de avaliação.
No entanto, as narrativas demonstram que as professoras não
deixavam de buscar estratégias para desenvolver o conteúdo
programado. Alguns relatos chamam a atenção pelo fato de se
tratar de professoras leigas que, apesar da ausência de formação
específica, não mediram esforços para realizar o trabalho de forma
criativa. Como salienta a professora Alda, ao observar que, apesar
do conteúdo ser todo prescrito e determinado pela Secretaria de
Educação, não deixou de fazer aquilo que acreditava, mesmo sem
“idéia de formação pedagógica”.
No entanto, todo o trabalho era orientado pela
Secretaria de Educação através de uma supervisão periódica, com
reuniões mensais e visitas às escolas. As visitas ocorriam de forma
casual e nessas oportunidades o trabalho das professoras era
avaliado por coordenadoras pedagógicas, através da análise do
material utilizado nas aulas, dos cadernos dos alunos e da
documentação administrativa. As visitas inesperadas forçavam as
professoras a estarem com o trabalho sempre atualizado, pois a
qualquer momento poderiam ser submetidas à avaliação.
Outra forma de acompanhamento do trabalho docente
eram as reuniões mensais realizadas pela Secretaria de Educação,
nas quais os conteúdos eram estudados e as professoras recebiam
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orientações para o desenvolvimento das atividades escolares: “nós


tínhamos reuniões pedagógicas e administrativas, todos os meses,
então tínhamos que ir para Pelotas” (Flora,2005). Essas reuniões
eram ministradas por dois Departamentos de Ensino: Assessoria
Técnica Administrativa e Serviço Técnico Pedagógico. Nessa
oportunidade as professoras deveriam levar os documentos
administrativos da escola (livro de presença dos alunos, registro de
matrículas, etc.) assim como os materiais pedagógicos utilizados
na realização das aulas, para serem avaliados. Conforme relata a
orientadora Marlene:

Nós, na Secretaria de Educação, fazíamos reuniões e


dávamos orientações. Assim, orientações rigorosamente
mensais, eles vinham e nós preparávamos os assuntos,
então lá nós orientávamos cartilhas, as partes que
deveriam ser trabalhadas, é..., rigorosamente aquela
seleção de conteúdos, distribuíamos exercícios e
elaborávamos as provas para os alunos, as provinhas
mensais. Então era dessa forma que a gente orientava os
professores, eles vinham à cidade, nós marcávamos
reuniões com eles, e eles traziam todas as dúvidas que
tinham, se um aluno não tinha conseguido vencer aquela
dificuldade, os problemas de aprendizagem que tinham, a
grafia, a ortografia, enfim, que a gente era especialista
para orientar (2005).

Percebe-se, pelo depoimento da orientadora, que era


realizado um acompanhamento “rigoroso” junto às escolas. As
professoras recebiam as instruções de como e o quê trabalhar e,
posteriormente, deveriam “prestar contas” das atividades
realizadas. Estando sujeitas, desta forma, a um sistema
educacional que restringia o trabalho docente a aplicar conteúdos e
comprovar a sua realização. Podendo ser classificadas, conforme
Holly (1995), como professoras técnicas, que dedicavam-se a
desenvolver materiais estandardizados, o que teoricamente não
contribuía para o seu desenvolvimento profissional. Não se pode,
no entanto, deixar de considerar a necessidade de

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acompanhamento e orientação dessas professoras, devido à


ausência da formação pedagógica; porém deve-se atentar para o
que diz Holly sobre esse aspecto ao afirmar que:

Embora haja muitos aspectos da perspectiva tecnicista


que são úteis ao desenvolvimento profissional, o
predomínio dos materiais estandardizados pode contribuir
para o enfraquecimento do desenvolvimento profissional
dos professores e das suas personalidades. Quanto mais
restritivos e estandardizados são os materiais e os
procedimentos de que os professores devem fazer uso,
menos predispostos estão para sentir que desenvolvem a
sua própria capacidade profissional (1995, 87).

Embora algumas professoras desenvolvessem estratégias


de ensino, buscando formas diferenciadas de trabalho, percebe-se
que essa não era a prática mais recorrente. Diante dos materiais
pedagógicos recebidos mensalmente, as professoras trabalhavam,
principalmente, a partir das instruções recebidas, havendo, inclusive,
receio em não estar realizando as atividades de acordo com a
orientação da Secretaria de Educação. A forma como o trabalho das
professoras era supervisionado marcou o início de suas carreiras
profissionais. Os relatos expressam a insegurança e o despreparo das
professoras diante da supervisão realizada nas escolas, como observa
a professora Loreni (2005): “Lembro que, quando a gente trabalhava
lá fora, seguido ia o pessoal da SME visitar a gente. E como não se
tinha formação, então, quando vinha aquela caminhonete subindo lá na
estrada, a gente ficava num vermelhão!”. A expressão da professora
demonstra o sentimento de aflição e inquietação diante da
supervisão da Secretaria de Educação.
Esse trabalho de orientação/supervisão não se destinava
apenas a atender professoras leigas, mas, a princípio, era
desenvolvido em toda a rede de ensino. No entanto, a partir dos
depoimentos, constata-se que este procedimento era realizado de
forma especial nas escolas localizadas na zona rural do município,
onde, via de regra, as professoras que ingressavam na profissão

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docente deviam iniciar o trabalho. Sabe-se que um considerável


número de professoras ingressava no magistério primário sem
formação pedagógica, desta forma, conclui-se que o
acompanhamento das atividades escolares periodicamente ocorria,
principalmente, pelo fato de as professoras da zona rural não
terem formação para o desempenho da profissão docente.
A supervisão e o controle do trabalho docente era
realizado pelos Departamentos de Assessoria Técnico
Administrativo e do Serviço Técnico Pedagógico, que, ao que
parece, pela documentação emitida e pelo trabalho desenvolvido
com as professoras, realizavam papel semelhante ao do CPOE
(Centro de Pesquisa e Orientação Educacional), órgão vinculado à
Secretaria de Educação Estadual, criado em 1943. Segundo Peres
(2000), o CPOE, após a década de 40, assumiu o processo de
produção e de divulgação dos princípios da renovação pedagógica
no Rio Grande do Sul, com o objetivo de defender um ensino de
base científico-experimental, baseado na Psicologia infantil, na
Pedagogia Experimental e nos princípios da Escola Renovada.
Desta forma, “a renovação pedagógica foi um movimento que
pretendeu, fundamentalmente, fixar bases científicas para o
ensino” (p.125). Percebe-se a influência da política educacional
implantada pelo CPOE na organização educacional do município
de Pelotas, especialmente, através da atuação do Departamento de
Ensino de Serviço Técnico Pedagógico. Segundo a documentação
consultada e os depoimentos analisados, era este departamento o
responsável pela organização curricular, fiscalização do trabalho
docente através de visitas, emissão de documentos contendo
instruções e procedimentos de ensino, além de realizar estudos
pedagógicos periódicos em reuniões na Secretaria de Educação,
que também se destinavam a verificar o andamento das atividades
desenvolvidas pelas professoras. Ainda, era responsabilidade desde
departamento a realização da avaliação de alunos e professoras,
através de exames finais.
Entre os meios utilizados pela Secretaria de Educação
para acompanhar, controlar e direcionar as atividades docentes
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encontra-se a utilização de cadernos diários e a prática de provas


finais. As professoras revelam que, além das reuniões e visitas às
escolas, os cadernos diários e, principalmente, as provas finais
faziam com que o trabalho fosse constantemente submetido à
apreciação da Secretaria de Educação: “não se podia fazer as coisas
de qualquer jeito...” (Zila, 2005). O trabalho precisava ser
planejado e desenvolvido dentro das especificações recebidas, uma
vez que, no final do ano, o aluno era avaliado por este órgão
municipal, como também, as professoras eram avaliadas em
função da porcentagem de aprovação de seus alunos.
No caderno diário o conteúdo trabalhado pela professora
era registrado pelo aluno. Assim, todos os dias um aluno, além de
copiar em seu próprio caderno, era encarregado de copiar as
atividades desenvolvidas em aula no “caderno diário”, para que,
desta forma, o trabalho da professora fosse efetivamente
comprovado. Como observa a Orientadora Marlene (2005): “Tudo
que o professor dava o aluno copiava, então a nossa avaliação era feita
de acordo com aquele diário e o caderno do professor”. Outra forma de
avaliação, tanto dos alunos como das professoras, eram as provas
finais, aplicadas em todas as escolas municipais por professores
enviados pela Secretaria de Educação do município. Todas as
professoras entrevistadas passaram por esta experiência, algumas por
mais tempo, outras por menos. Mas todas são unânimes em afirmar
a situação de desconforto causada por essa prática:

Era um nervosismo geral para gente que era professora,


porque nós recebíamos o conteúdo programático que nos
tínhamos que dar durante o ano, e as provas dentro
daquele conteúdo eram elaboradas pela Secretaria de
Educação. A gente não tinha acesso a nada, só que elas
chegavam nos dias das provas e distribuíam para as
crianças e deu. Era um nervosismo da parte da gente, que
nem sei, e para as crianças também (Ieda, 2005).

As provas finais tinham, assim, uma ampla função, pois


eram utilizadas tanto para a organização e controle do trabalho

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docente como para a promoção do corpo discente. As treze


professoras fizeram referência, de forma espontânea nas
entrevistas, em relação às “provas finais” e aos transtornos que
essas provocavam. As marcas negativas dessa experiência
sobressaíram-se nos relatos. A exigência de que as professoras não
podiam estar presentes na sala durante a realização das provas era
um fato que incomodava às docentes de forma especial.
Percebe-se, portanto, que desempenhar a profissão
docente exigia disciplina e comprometimento. Cumprir a
programação curricular extremamente estruturada, além de um
desafio, era a principal tarefa a ser desempenhada pelas
professoras. A organização educacional e curricular desenvolvida
pela Secretaria de Educação com o propósito de auxiliar o trabalho
das professoras, teoricamente não preparadas, desdobrava-se em
um forte controle sobre o trabalho docente.
As exigências por parte da Secretaria de Educação eram
grandes, no entanto, as professoras não rememoram de forma
negativa o controle ao qual eram submetidas, mas salientam que
havia uma grande quantidade de trabalho que precisava ser
realizado, além das aulas ministradas. Havendo, assim, uma
infinidade de tarefas técnicas a serem realizadas, como as provas
de sabatina: “fazia as sabatinas, no caso, de mês a mês, preparava
as provas e não tinha computador, não tinha mimeógrafo, nem
máquina de escrever, era tudo manual” (Geni, 2004); os gráficos
com o rendimento dos alunos, para: “quando a orientadora chegasse
na escola o gráfico estava na parede” (Flora, 2005); a organização
do caderno diário copiado pelos alunos, com abertura e
fechamento diariamente; os materiais didáticos que eram
submetidos à supervisão: “pois nós pedíamos mensalmente quando
viessem a reunião trazer o material para nós avaliar” (Orientadora
Marlene). Além disso, havia os documentos administrativos que
ficavam a cargo das professoras, “durante os três primeiros meses eu
sempre ficava além do horário, às vezes até 2 ou 3 horas da tarde,
mexendo nos documentos, para poder entender os livros de ata, e tive
que botar aquele material todo em dia” (Zila, 2005). Este contexto,
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no qual as professoras deveriam desenvolver uma gama de


atividades, levava à intensificação do trabalho docente. Para Apple
(1995), vários aspectos da intensificação são encontrados
“especialmente naquelas escolas que são dominadas por currículos
comportamentalmente pré-especificados, testes freqüentes, e por
sistemas de prestações de contas reducionistas e estritos” (p.40).
Assim, ressalta-se que o início da profissão dessas
professoras foi marcado, não só pelas dificuldades decorrentes,
entre outras coisas, da ausência de formação específica para o
exercício do magistério, diante de erros e acertos e da necessidade
de criar estratégias de ensino; como também pela rotina escolar,
que resultava em cumprir detalhadamente o conteúdo curricular,
realizar avaliações mensais, sempre visando os exames finais;
organizar materiais que comprovassem o trabalho diário (como os
diários de classe), além do desenvolver atividades administrativas.

Considerações finais

Considera-se que esta investigação tenha contribuído de


forma significativa para elucidar aspectos relacionados à trajetória de
vida profissional de professoras leigas. Através da análise realizada
tornou-se possível conhecer os motivos que levaram essas mulheres
a tornarem-se professoras, os meios utilizados para enfrentarem o
difícil início profissional, ao realizarem a prática pedagógica diante
da ausência de formação específica, isso, frente a uma forte
supervisão e controle da Secretária Municipal de Educação.
Embora a oportunidade de ingresso no magistério sem
formação tenha representado no início um “bom negócio
profissional” para algumas professoras, constatou-se que, do grupo
de treze professoras, uma desistiu da profissão após cinco anos de
atuação, por questões familiares. As demais construíram uma
carreira profissional que soma, em média, mais de 20 anos de
docência, e justificam a permanência no magistério por terem se
envolvido demasiadamente com a docência, “nunca pensei em
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desistir..., com o tempo eu peguei um amor muito grande naquilo que


eu fazia” (Ieda, 2005). Aspecto relevante é o fato de todas as
professoras terem iniciado a profissão na zona rural, o que causou
transtornos, especialmente, para as professoras oriundas da zona
urbana. No entanto, as professoras consideram que o início
profissional na zona rural contribuiu para o bom desempenho da
profissão, uma vez que avaliam a relação de afetividade e respeito
existente nas comunidades rurais como um fator positivo, que lhes
ajudou a desempenhar a profissão em um momento em que a
inexperiência somava-se à falta de conhecimentos pedagógicos e
didáticos.
A prática pedagógica foi sendo realizada através do
esforço diário, os métodos de ensino foram definidos a partir da
referência que guardavam de antigas professoras, além da troca de
experiências com professoras mais experientes. Um imenso valor é
atribuído ao trabalho desenvolvido no contexto escolar, a prática
cotidiana constituiu-se em um aprendizado que, para a maioria
das professoras, representa mais do que a formação em uma
instituição de ensino. O contato com teorias pedagógicas, no
início da profissão, ocorreu fundamentalmente através de cursos
de férias promovidos pela Secretária de Educação. Porém,
nenhuma das professoras indicou esses cursos como auxiliadores
essenciais para a realização das práticas escolares. Mesmo para
aquelas que, após alguns anos como professoras leigas, realizaram
a formação pedagógica, o real valor é atribuído à prática cotidiana,
mesmo reconhecendo que a formação possa ter aperfeiçoado a
prática pedagógica. O que, provavelmente, para além das
justificativas apresentadas, explique o fato de apenas seis
professoras, de um grupo de treze, terem realizado a formação
pedagógica, sendo que apenas cinco realizaram a formação
específica para o magistério primário.
Observou-se, ainda, que havia um tratamento
diferenciado da Secretaria de Educação em relação às escolas
localizadas na zona rural, especialmente, porque nelas ingressavam
professoras inexperientes, com ou sem formação, assim, o controle
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a que estavam submetidas as professoras dessas escolas era


expressivo e constante. Percebe-se que a mediação das práticas
escolares pela Secretaria de Educação não ocorria unicamente por
haver professoras sem formação na rede de ensino, mas por fazer
parte de uma política pedagógica que visava uma provável qualidade
do ensino a partir de estratégias de controle, de regulação e de
intervenção na vida escolar. No entanto, esta política de supervisão
diferenciava-se em relação às escolas da zona rural, conforme a
Orientadora Marlene, o trabalho de orientação mais “rigoroso”
perdurou por maior tempo na zona rural, principalmente porque “os
professores leigos quando vinham para a cidade já era com uma
condição, que se atualizassem” (Marlene, 2005). Desta forma, as
professoras das escolas urbanas por terem formação ou maior
experiência profissional passavam a ter maior autonomia para a
realização do trabalho docente. A forma rígida de controle e
supervisão a que estavam submetidas às professoras leigas que
atuavam na zona rural, contraditoriamente, de alguma forma,
amenizou o difícil início da carreira docente dessas, devido à
ausência de formação para o magistério. Além disso, esta era uma
forma de garantir a unidade educacional, que assegurava, a todas as
escolas municipais os mesmos critérios de ensino-aprendizagem. O
que não é percebido no nordeste, por exemplo, no estudo realizado
por Davis e Gatti (1993) no Piauí, onde constatam total
isolamento de uma professora leiga que atuava em uma escola rural
isolada, sem dispor de qualquer subsídio pedagógico para realizar o
trabalho escolar, não lhe sendo oferecido nenhum parâmetro de
normatividade para a prática docente.
As tarefas técnicas e o controle a que estavam
submetidas estas professoras, apesar de exigirem empenho e
dedicação, são reconhecidos por essas como um auxílio ao trabalho
que realizavam. Além disso, as professoras, ao receberem a
aprovação da Secretaria de Educação, diante de um trabalho
realizado, ou ao obterem um bom número de alunos aprovados
nos exames finais, recebiam um “certificado” de eficiência
profissional, por estarem realizando suas atividades com eficácia.
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De certa forma, o sistema educacional ao qual estavam submetidas


garantia-lhes o reconhecimento profissional, e oferecia
autoconfiança para a realização da prática pedagógica diante do
despreparo profissional. Considera-se, assim, a dependência
profissional destas professoras como a principal especificidade da
prática pedagógica leiga.
Ainda, salienta-se as singularidades desta pesquisa,
principalmente pelo fato das “professoras primárias leigas” não
constituírem outra categoria profissional; pois, embora sem
formação, eram professoras primárias. Assim, as professoras
analisadas trazem na história de vida as marcas do “início
profissional leigo”, no entanto, a forma como tornaram-se
professoras e os meios pelos quais buscaram subsídios para a
realização da prática pedagógica não distingue-se por completo da
história de vida de professoras com formação, como observou-se
em outros estudos, como, por exemplo, na tese de doutorado de
Peres (2000). No entanto, na análise realizada, buscou-se
salientar as características da docência leiga, que
conseqüentemente está permeada por aspectos relacionados com a
profissão docente de forma geral.

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Depoimentos Orais:
1. Entrevistada Profª. Geni. Capão do Leão, 28/07/2004.
Retorno: 31/08/2004

2. Entrevistada Profª. Romilda. Pelotas, 22/02/2005.

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3. Entrevistada Profª. Ieda. Pelotas, 28/02/2005.

4. Entrevistada Profª. Terezinha. Pelotas, 03/03/2005.

5. Entrevistada Profª. Sueli. Pelotas, 08/03/2005.

6. Entrevistada Profª. Alda. Pelotas, 19/04/2005.

7. Entrevistada Orientadora de Ensino Profª. Marlene. Pelotas,


26/07/2005.

8. Entrevistada Profª. Sonia. Pelotas, 14/10/2005.

9. Entrevistada Profª. Carmem. Pelotas, 21/10/2005.

10. Entrevistada Profª. Maria Jurema. Pelotas, 26/10/2005.

11. Entrevistada Profª. Loreni. Pelotas, 31/10/2005.

12. Entrevistada Profª. Neli. Pelotas, 16/11/2005.

13. Entrevistada Profª. Zila. Pelotas, 16/11/2005.

14. Entrevistada Profª. Flora. Canguçu, 06/12/2005.

Lisiane Sias Manke é Doutoranda em Educação no


PPGE/FaE/UFPel. Mestre em Ciências da Educação
(FaE/UFPel), Licenciada em História (ICH/UFPel).
Pesquisadora do Grupo HISALES (FaE/UFPel).
Rua Alberto Rosa, 154
Cep. 96010-700 – Pelotas, RS. Brasil
E-mail: lisianemanke@yahoo.com.br

Recebido em: 25/09/2007


Aprovado em: 15/05/2208
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 153-178, Maio/Ago 2008.
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
EDUCAÇÃO, ÉTICA E CIDADANIA:
REFERENCIAIS PARA AS ESCOLAS
DA REDE SINODAL DE EDUCAÇÃO1
Alvori Ahlert

Resumo
Este texto estuda as concepções de educação, ética e cidadania como
referenciais para a Rede Sinodal de Educação. Parte-se da análise
desses conceitos no contexto da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei Federal n. 9.394/96 que, apesar de
representar a hegemonia do movimento neoliberal daquele período,
possibilitou a construção de uma concepção emancipadora e
libertadora de educação intercruzada com a ética e a cidadania. Para
a Rede Sinodal de Educação, esta possibilidade passa pela
compreensão de que a escola comunitária confessional luterana é
uma escola pública não-estatal. E, ao assumir esta condição, ela pode
reencontrar em Lutero e Comenius a concepção de uma educação
emancipadora da pessoa humana fundada na ética e na cidadania;
concepções e princípios que perpassaram os séculos e estiveram
presentes na história das escolas comunitárias confessionais luteranas
aqui erguidas pelos imigrantes alemães. Entretanto, o afastamento
entre igreja e comunidades mantenedoras e as escolas comunitárias
levou essas escolas a uma crise de identidade, de ética e de cidadania,
sofrendo, assim, um processo de privatização empreendida pelas elites
do seu entorno social. nas décadas de 1980 e 1990. Neste sentido, a
presente tese defende que o resgate da legitimidade das escolas
comunitárias filiadas à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil - IECLB passa pela ressignificação da concepção de educação
emancipadora, adotando uma gestão administrativa e pedagógica
democrática e participativa. Trata-se de uma ressignificação do
ensino e da aprendizagem imbricada com o cotidiano da vida e uma
avaliação humana que permite a autonomia do educando a partir dos
princípios de uma política educacional da IECLB construída
coletivamente, sustentada em princípios educacionais emancipadores
e em princípios de uma concepção de ética e de cidadania gestados na

1
Este texto é uma síntese da pesquisa desenvolvida no Instituto Ecumênico de
Pós-Graduação em Teologia, da Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo,
RS, para a obtenção do grau de Doutor em Teologia, entre os anos de 2001 a
2004. (AHLERT, 2004)

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 179-208, Maio/Ago 2008.


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180
história da cultura protestante com Martin Lutero e John Amos
Comenius como expoentes da reforma luterana e da construção de
um projeto pedagógico humanista, respectivamente, em consonância
com os valores da pessoa humana.
Palavras-chave: Educação; Ética; Cidadania; História da Educação.

EDUCATION, ETHICS AND CITZENSHIP:


GUIDELINES FOR SINODALS SCHOOLS
Abstract
This text study the conceptions of education, ethics and citizenship
as references for the Sinodal Net of Education. It starts from the
analysis of these concepts into the context of the Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional N. 9.344\96 that, instead of
representing the hegemony of the neoliberal movement of that
period, giving the possibility for the construction of an
emanancipative and liberating of the intercrossing education with the
ethics and the citizenship for the Sinodal Net Education, this
possibility passes through the comprehensions that the Lutheran
Confessional Community School is a non-stately public school.
When assuming this condition, it can find again in Luther and
Comenius the conceptions of an emancipative education of the
human being based on ethics and citizenship, conceptions and
principles that passed by the centuries and were present in the history
of the Lutheran Confessional Community Schools built here by the
German immigrants. Otherwise, the separation between the church
community mantainantence and the community schools took these
such schools to an identity, ethics and citizenship crises, suffering
like this a privatization process in the decades of 80 and 90
attempted by the elites of its social environment. On this way, the
present thesis defends that the rescue of the legitimacy of the
community schools affiliated to IECLB passes by the ressignificance
of the emancipative education conception, adopting an
administrative and participative democratic pedagogical management
a teaching and learning ressignificance connected to a life quotidian
and to a human evaluation that forbids autonomy to the student,
from the principles of an educational politics of the IECLB
collectivity built, based on emancipative educational principles and
on principles of an ethical and citizenship conception managed onto
Protestant Culture History with Martin Luthero and John Amos
Comenius as exponents of the Lutheran Reform and of a humanist
pedagogical project construction respectively, according to the human
being’s values.
Keywords: Education; Etchics; Citizenship; Educational History.

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181
EDUCACIÓN, ETICA Y CIUDADANIA:
REFERENCIALES PARA LAS ESCUELAS DE LA RED
SINODAL DE EDUCACIÓN
Resumen
Este texto estudia las concepciones de educación, ética y ciudadanía
como referenciales para la Red Sinodal de Educación. Parte del
análisis de estos conceptos en el contexto de Lei de Directrices y
Bases de la Educación Nacional, Ley Federal n. 9.394/96 que, a
pesar de representar la hegemonía del movimiento neoliberal de aquel
período, posibilitó la construcción de una concepción emancipadora y
libertadora de educación entrecruzada con la ética y la ciudadanía.
Para la Red Sinodal de Educación, esta posibilidad pasa por el
entendimiento de que la escuela comunitaria confesional luterana es
una escuela pública no-estatal. Y, al asumir esta condición, ella puede
reencontrar en Lutero y Comenius la concepción de una educación
emancipadora de la persona humana fundada em la ética y en la
ciudadanía; concepciones y principios que perpasaron los siglos y
estuvieron presentes en la historia de las escuelas comunitarias
confesionales luteranas aquí erguidas por los inmigrantes alemanes.
Sin embargo, el distanciamiento entre iglesia y comunidades
mantenedoras y las escuelas comunitarias llevó a esas escuelas a una
crisis de identidad, de ética y de ciudadanía, sufriendo, así, un
proceso de privatización emprendida por las elites de su entorno
social. En las décadas de 1980 y 1990. En este sentido, esta tesis
defiende que el rescate de la legitimidad de las escuelas comunitarias
filiadas a la Iglesia Evangélica de Confesión Luterana en Brasil -
IECLB pasa por la resignificación de la concepción de Educación
emancipadora, adoptando una gestión administrativa y pedagógica
democrática y participativa. Se trata de una resignificación de la
enseñanza y del aprendizaje implica con el cotidiano de la vida y una
evaluación humana que permite la autonomía del educando a partir
de los principios de una política educacional de la IECLB construida
colectivamente, sustentada en principios educacionales
emancipadores y en principios de una concepción de ética y de
ciudadanía gestados en la historia de la cultura protestante con
Martin Lutero y John Amos Comenius como exponentes de la
reforma luterana y de la construcción de un proyecto pedagógico
humanista, respectivamente, en consonancia con los valores de la
persona humana.
Palabras clave: Educación; Ética; Ciudadanía; Historia de la
Educación.

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EDUCATION, ÉTHIQUE ET CITOYENNETÉ: DES
RÉFÉRENTIELS POUR LES ÉCOLES DU RÉSEAU
SYNODAL D’EDUCATION
Résumé
Ce texte etude les conceptions d’éducation, éthique et citoyenneté
comme des référentiels pour le Réseau Synodal d’Education. On part
de l’analyse de ces concepts dans lê contexte de la Loi de Directrices
et Bases de l’Education National, Loi Fédérale n. 9.394/96 qui,
malgré représenter l’hégémonie du mouvement neoliberal de cette
période-là, elle a rendu possible la construction d’une conception
émancipatrice et libératrice de l’éducation entrecroisée avec l’éthique
et la citoyenneté. Pour le Réseau Synodal d’Education, cette
possibilité passé par la comprehension de que l’école communautaire
confessionnelle luthérienne est une école publique non-étatique. Et,
quand elle assume cette condition, elle peut retrouver à Louther et
Comenius la conception d’une education émancipatrice de la
personne humaine fondée sur l’éthique et la citoyenneté; des
conceptions et des principes qui ont passé les siècles et ont été
presents dans l’histoire des écoles communautaires confessionnelles
luthériennes ici érigées par les immigrants allemands. Cependant,
l’éloignement entre l’église et les communautés entrepreneuses et les
écoles communautaires a amené ces écoles à une crise d’identité,
d’éthique et de citoyenneté et, ainsi, elles ont subi un process de
privatization entrepris par les élites de son entourage social dans les
décades de 1980 et 1990. Dans ce sens, cette thèse-ci défend l’idée
de que le rachat de la légitimité des écoles communautaires affiliées à
l’Eglise Evangelique de Confession Luthérienne au Brésil – IECLB
passe par une nouvelle signification de la conception d’éducation
émancipatrice, en adoptant une gestion administrative et pédagogique
démocratique et participative. Ils s’agit d’une nouvelle signification de
l’enseignement et de l’apprentissage imbriquée dans le quotidien de l
avie et une évaluation humaine qui permet l’autonomie de l’élève à
partir des príncipes d’une politique d’éducation de la IECLB
construite collectivement, soutenue dans des príncipes d’éducation
émancipateurs et des et des príncipes d’une conception éthique et de
citoyenneté engendres dans l’histoire de la culture protestante avec
Martin Luther et John Amos Comenius comme des exposants de la
reforme luthérienne et de la construction d’um projet pédagogique
humaniste, respectivement, conforníement les valeurs de l’être
humain.
Mots-clés: Éducation; Éthique; Citoyenneté; Histoire de
l’Éducation.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 179-208, Maio/Ago 2008.


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183

Introdução

O século XX, as décadas de 80 e 90 foram de muitas e


profundas transformações no mundo e em nosso país. Por um
lado, a abertura política forjada e construída pela participação de
sindicatos e igrejas significou um retorno da possibilidade do
exercício da democracia. Nesta conjuntura, a sociedade civil
organizada, juntamente com os representantes do povo nos
parlamentos, possibilitaram a construção de uma Constituição que
acolheu muitos dos anseios e clamores da população. Entretanto,
o revés imposto pelo movimento neoliberal inibiu o efetivo avanço
de políticas públicas democráticas. Na área da educação, a Nova
LDB –Lei N. 9.394/96 refreou os impulsos de grandes
mudanças, mas mesmo assim permitiu a inclusão de algumas
questões importantes para um projeto educacional emancipador e
libertador ao comprometer a educação com a formação de um
sujeito ético e cidadão através da inclusão de temas transversais
como a ética e a cidadania e de bases e exigências de uma gestão
democrática, além da construção de projetos políticos pedagógicos
participativos via comunidades escolares.
Por outro lado, o revés imposto pelo movimento
neoliberal significou também o controle político das elites
globalizadas sobre a educação, transformando-a na grande solução
para todos os problemas, desde que fosse, não mais um direito,
mas um serviço, um produto a ser comercializado segundo os
padrões de qualidade total estabelecidos pelas políticas empresariais
do capitalismo voraz do movimento neoliberal. Assim, cooptaram
os conceitos de educação, ética e cidadania como elementos
privativos do ideário neoliberal.
Por isso nossa investigação buscou reencontrar as
discussões sobre um conceito de educação que significa a
emancipação e a libertação do ser humano a partir de sua realidade
e de sua cultura. Dessa forma, fundamentados em teóricos do
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projeto humanista, desenvolvemos a idéia da inseparabilidade entre


educação, ética e cidadania. Cada uma pertença à outra, pois são
três dimensões da humanização do ser humano que são
interdependentes na busca da emancipação e da libertação.
Portanto, trata-se de uma ética do ser humano, que busca a defesa
da vida e da construção de ações e políticas que se contraponham à
objetificação ou coisificação do ser humano e a mercantilização da
vida levado a cabo pela privatização dos corações, das mentes e das
almas de quem está envolvido no processo educativo. Por isso,
uma educação que transforme seu caráter para possibilitar a
construção da humanização do ser humano deve ser instrumento
de aprendizagens coletivas; promover a discussão pública, aberta e
participativa de todos os seres humanos; construir conhecimentos
que superem o individualismo e o egoísmo liberal e estimulem a
cooperação e a solidariedade.
Somente esta educação ética pode gestar o verdadeiro
cidadão. Não num processo primeiramente teórico para que esse
sujeito venha a exercer a cidadania posteriormente, mas uma
cidadania que se construa no próprio processo ético-educativo,
conduzido através de ações democráticas e participativas de todos
os envolvidos na formação escolar e não-escolar. Uma cidadania
que não se realiza por meio de decretos, mas que significa
participação ativa capaz de conduzir a educação para o confronto
com as reais condições sociais, políticas e econômicas que
demandam justiça e eqüidade política, social e econômica. Uma
cidadania que supere a democracia representativa e desenvolva
uma democracia direta para um efetivo controle do Estado por
parte da população e que, assim, possibilite a construção de
políticas públicas humanizadas e inclusivas. Essa educação para a
cidadania é, pois, pressuposto para a vivência da democracia. Uma
educação que se constitui num ato ético e político através da
cidadania ativa, onde todos são responsáveis por todos.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 179-208, Maio/Ago 2008.


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Distinções entre educação privada


e educação comunitária

A partir desses elementos, discutimos a relação entre


ensino privado e ensino comunitário. Considerando que a Nova
LDB–N.9.394/96 define as categorias de instituições de direito
privado em particulares em sentido estrito, comunitárias,
confessionais e filantrópicas, buscamos a distinção entre o
comunitário e o privado com vistas ao nosso projeto relacionado
com as escolas da Rede Sinodal de Educação. Do ponto de vista
legal, ético e histórico definimos a escola evangélica luterana como
uma escola confessional comunitária. Isto significa que ela é uma
escola pública não-estatal. Sua origem comunitária foi atestada
pelos seus elementos históricos constitutivos arrolados e descritos
no capítulo dois.
A história da educação no Brasil tem na educação
confessional comunitária sua base fundacional. Ainda que tenha
sido uma transposição da cultura, a educação jesuítica embrionou
a educação comunitária no Brasil. Com o processo imigratório, as
outras confessionalidades também desenvolveram uma significativa
rede de educação comunitária. Esta educação comunitária tem
passado por longas polêmicas, por que, por uma falta de clareza
definitória, muitas vezes tem sido confundida com educação
privada. Ela própria muitas vezes tem assumido a condição de
instituição privada descaracterizando sua identidade e seu
condicionamento histórico.
Neste contexto, as experiências do ensino superior têm
dado a melhor contribuição de conhecimentos e discussões
acumuladas sobre a distinção entre o privado e o comunitário em
educação. Suas demandas e necessidades obrigaram a definição de
sua atuação no campo legal no contexto da referida LDB. São
experiências que nasceram de comunidades locais e regionais e
permitiram o controle social destas comunidades sobre estas
instituições. Suas condições de instituições públicas não-estatais
devem ser exemplo para a concepção de educação, de gestão
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democrática e de construção participativa do projeto político


educacional para as escolas comunitárias filiadas à Rede Sinodal
de educação.
Com o entendimento de que as escolas evangélicas de
confissão luterana são efetivamente escolas comunitárias,
portanto, públicas não-estatais, acreditamos que se abre para elas
um importante horizonte para justificar e definir sua existência
nos sistemas estaduais e federais de educação. Justificativas de
definições que obrigam a uma gestão democrática e participativa
dos recursos para sua aplicação ética e socialmente cidadã e a
construção de seu projeto político pedagógico amplamente
consensuado pela comunidade escolar, comunidade mantenedora e
entorno social.

Concepção protestante de educação, ética e cidadania

Esta perspectiva nos levou a uma leitura interpretativa


das concepções protestantes sobre educação, ética e cidadania em
Lutero e Comenius. Para Lutero a educação é instrumento
fundamental para o exercício da vida cristã. Assim, a Reforma
tornou-se a primeira escola do povo alemão, impulsionando a
educação pública. Lutero desafiou a sociedade de então para a
responsabilidade com a educação e a formação da juventude. Não
se trata de uma educação apenas direcionada para a formação de
quadros para a igreja, mas de uma educação que objetivava a
formação integral do ser humano. Educação integral, de
perspectiva construtivista e lúdica, que preparasse a pessoa para o
conhecimento de Deus, o conhecimento do mundo no sentido de
viver este mundo segundo os critérios cristãos, de justiça,
honestidade e responsabilidade pública. Uma educação que
premonizou a concepção freireana que vê na educação um
processo de humanização do ser humano; uma forma de tornar o
ser humano mais ser humano. Segundo Lutero, esta educação
deveria ser assumida pelo Estado, em parceria com a família e a
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comunidade confessional. Esta defesa permitiu afirmar que no


contexto luterano as proposições de Lutero deram início à escola
público-comunitária sustentada pelo Estado e por quem pode
contribuir financeiramente com ela.
Lutero desenvolveu o embrião para uma compreensão
sobre a importância e as possibilidades do poder local. Um poder
que está próximo da população. Esta perspectiva se construiu,
sobretudo, na luta contra a pobreza e a mendicância, por meio de
uma assistência social organizada de forma democrática. “Lutero é
um dos principais líderes religiosos a fundamentar uma ética
democrática.” (PAULY, 2002, p.149)
A organização da assistência social decorre da reforma
do culto que Lutero promoveu. Sua teologia reivindica a
superação do dualismo que permitia uma separação entre a vida
espiritual e as ações concretas do cotidiano. Sua hermenêutica
bíblica permitiu-lhe restaurar o sentido do culto cristão. Este deve
traduzir-se para dentro da vida, do cotidiano das pessoas. Por isso,
o sacramento da Ceia do Senhor deve provocar uma nova ética
social, pois, como sinal de uma comunhão radical em Cristo,
compromete o ser humano a viver concretamente esta comunhão
com a comunidade e com a cidade. A comunidade e a cidade
tornam-se um só corpo e seus cidadãos pertencem uns aos outros.

A analogia feita por Lutero entre a relação mútua de


sacramento e ética social e os benefícios e
responsabilidades da cidadania é notável no que diz
respeito à relação entre a Reforma e as cidades. O uso
correto do sacramento edifica a comunidade. Desta
forma, a pessoa em necessidade recebe a recomendação de
que dirija-se alegremente ao Sacramento do Altar e
deponha seu pesar na comunidade, busque ajuda junto a
todo o corpo espiritual, assim como um cidadão pediria
auxílio às autoridades e concidadãos. (LINDBERG,
2001, p.142)

Essa ética social constitui-se em uma experiência


político-econônica democrática e cidadã introduzida inicialmente
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em duas cidades. A primeira foi em Wittenberg. Em janeiro de


1522 esta cidade aprovou sua Constituição através de um
conselho da cidade. Nela Lutero e Karlstadt fizeram contribuições
substanciais. Conforme Lindberg, dos 17 artigos, l4 legislavam em
favor de auxiliar os pobres e enfrentar a pobreza. Foi instituída
uma caixa comum para servir de custeio aos necessitados, e
possibilitar captação de recursos para emprestar a juros baixos para
trabalhadores e pequenos artesões com o objetivo de melhorar sua
situação de vida e possibilitar melhorias no trabalho e na
produção. Mas, para o nosso interesse, a principal contribuição da
caixa municipal era o financiamento da educação para as crianças
pobres. A captação dos recursos se dava por meio de orçamentos
das instituições religiosas e de propriedades pertencentes a igrejas,
que foram desfeitas pelo conflito. Quando os recursos não supriam
as necessidades, um artigo constitucional previa a arrecadação de
impostos entre as diferentes camadas da população.

Muitas das caixas – e ordens esmoleiras, foram publicadas


por meio de impressos. Especialmente visíveis e
exemplares foram as que Karlstadt influenciou através da
Ordem louvável do principado de Wittenberg, de l522,
que foi precedida desde 1521 por variadas ordens
mendicantes pela inspiração de Lutero, assim como a do
prefácio dele que guarnece a caixa comum de Leisnig, de
1523. (LAUBE, 1983, p.148-19)

A Constituição de Leisnig, elaborada pelo Conselho da


cidade, recebeu importante contribuição de Lutero. Nela são
definidos os estatutos para a administração da caixa comum, sobre
as orientações de como lidar com as propriedades comuns da
igreja, sobre o direito e a autoridade das assembléias comunitárias
e sobre a nova ordem do culto nas comunidades. Os objetivos da
caixa comum não se restringiram a um assistencialismo para com
a população pobre, conforme já apresentado acima. Tratava-se de
um programa mais global para superar a pobreza.

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Em termos de assistência direta aos pobres, a
constituição regulamentou desembolsos em empréstimos
e doações para recém-chegados a fim de auxiliá-los a se
estabelecer na cidade: para os pobres com casa que,
depauperados por circunstâncias fora de seu controle,
moravam em sua própria residência e não pediam esmolas
em público, a fim de ajudá-los a se firmar num negócio
ou numa ocupação; e para os órfãos, dependentes
menores, inválidos e idosos, a fim de prover seu sustento
diário. (LINDBERG, 2001, p.148)

Não há dúvida que por detrás dessa organização estava


uma dimensão política de cidadania democrática bem significativa
e, de certa forma, deslocada no seu tempo. Tal democracia
participativa estava adiantada em vários séculos. Em meio ao
regime feudal, as cidades inspiradas nestes princípios buscavam,
por meio da participação popular, a sua organização política,
econômica e social. No Acordo fraternal da caixa comunitária de
toda a comunidade de Leisnig (1523), no título que trata sobre
bens, reservas e receitas da caixa comunitária, transparece
claramente que as decisões acerca do assunto foram construídas
coletivamente através de assembléias comunitárias. Vale a pena
reproduzir o referido acordo.

A fim de que nossa fé cristã, na qual todo temporal e


eterno foi obtido e a nós comunicado por pura graça e
misericórdia pelo Deus eterno através de nosso senhor e
redentor Cristo, venha a produzir e seja levada a produzir
o fruto verdadeiro do amor fraternal e este amor se
concretize na verdade e nas obras de bondade e
humildade, nós, a assembléia geral antes mencionada,
ordenamos, instalamos e estabelecemos unanimemente
para nós e nossos descendentes uma caixa comum. Por
este documento e por força deste nosso acordo fraternal,
ordenamos, instalamos e estabelecemos a mesma para o
propósito e da maneira e forma a seguir arrolados.

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Atribuições e recursos da caixa comum:

Portanto, nós, a assembléia paroquial e nossos


descendentes, doravante queremos alimentar, prover e
manter com recursos de nossa caixa comum e através de
nossos dez administradores eleitos, na medida de nossos
bens e com a graça de Deus, os seguintes títulos de
despesas, conforme o respectivo caso, ou seja: despesas
com o ministério pastoral; despesas com a sacristia;
despesas com a escola; despesas com os inválidos e idosos
pobres; despesas com o cuidado das crianças órfãs e
pobres; despesas com o cuidado de pessoas sem casa;
despesas com o cuidado de migrantes; despesas com
manutenção e construção de prédios; despesas com a
compra de cereais para estoque [regulador] comum;
acrescentar à caixa comum qualquer receita [auferida].
(ALTMANN, 1994, p.213-214)

A pesquisa de Carter Lindberg (2001, p.146-147) atesta


a organização democrática e participativa da constituição da caixa
comunitária. A administração se efetivava através de
representantes eleitos pela comunidade. Tratava-se de dez
administradores: dois membros indicados pela nobreza, dois
membros do Conselho da cidade, três cidadãos comuns da cidade e
três representantes dos camponeses. Toda a movimentação
financeira devia ser registrada em livros guardados em caixa-forte
da igreja, trancados com diferentes chaves segundo os grupos
envolvidos no processo. Relatórios trienais deviam ser apresentados
à comunidade pelos seus diretores.
Concluímos que a grande tarefa dessa escola é a
formação de pessoas éticas e cidadãs. Pessoas capazes de organizar
o convívio social, político e econômico segundo critérios bíblicos
de justiça, honestidade e retidão, para que cada comunidade e
cidade se organizem de tal forma para que todos tenham acesso à
educação, a um trabalho que permita o acesso ao pão de cada dia.
E que aqueles que não puderem realizá-lo por alguma deficiência
sejam carregados pela comunidade diaconal. Tudo isso a partir da
caixa comunitária, administrada democraticamente por um
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conselho representativo de todos os segmentos sociais, conforme a


Constituição de Leisnig.
Na esteira destas proposições, Comenius aprofundou
estes ideais da educação. Este teólogo e pedagogo, aproximando
Teologia com Pedagogia, radicalizou a democratização da
educação, exigindo igualdade de acesso para homens, mulheres,
ricos e pobres, indistintamente. “Jogou todas as fichas” na
educação. Uma educação grávida de um humanismo profundo,
fundamentada na pessoa de Jesus Cristo. Uma educação que
respeita e valoriza o professor e que tem como função especial a
humanização do ser humano. Esta perspectiva também levou-o a
desenvolver seu conceito de educação que deve formar para a
autonomia, para que o ser humano não seja apenas um espectador
do mundo, mas um ator que participa de sua transformação.
Por isso sua concepção de educação estava imbricada
com as dimensões da ética e da cidadania. Do ponto de vista da
ética, defendeu uma educação que ensinasse as virtudes, a retidão,
a honestidade, a prudência, a fortaleza e a justiça. Virtudes a
serem aprendidas não através de palavras, mas através de ações
concretas no contexto escolar e social.
Em suma, tanto em Lutero quanto em Comenius, a
historiografia educacional, que no nosso entender ainda não
reconheceu devidamente estes pensadores, tem uma referência
importante para a concepção humanista de educação e sua
inseparabilidade com a ética e a cidadania. Com suas críticas e
propostas educacionais, ambos os pensadores humanistas
vislumbraram e projetaram a ética e a cidadania como lugares
privilegiados da educação.
Estas bases históricas e filosóficas acima apresentadas
nos deram a lente para a leitura interpretativa da história da rede
de escolas evangélicas no Brasil e de suas concepções educacionais
pensadas, construídas e refletidas no período mais recente
compreendendo as últimas duas décadas do séc. XX, segundo os
documentos oficiais das agremiações que representam a direção da

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Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB e de


sua rede de escolas hoje reunidas na Rede Sinodal de Educação.

A constituição da escola comunitária evangélica


de confissão luterana e sua concepção de educação,
ética e cidadania nas décadas de 80 e 90

A história dessas escolas comunitárias confunde-se com


a própria história da IECLB. Como igreja de imigração, seus
precursores formaram comunidades religiosas e sociológicas
sustentadas na fé luterana e na educação comunitária. Os
exemplos históricos acima apresentados mostram que as escolas
evangélicas têm sua origem no esforço comunitário, tanto na sua
construção quanto na manutenção. Esta rede de escolas, de
significativo número nas primeiras décadas da imigração, recebeu
importante impulso na era do pastor Hermann Gottlieb Dohms,
cujo o projeto eclesiástico demandou forte investimento numa
estrutura escolar. Isso significou que naquele período, primeira
década do século passado, as escolas evangélicas possuíam um
objetivo bem definido e, portanto, uma identidade com a função
de preparar as lideranças comunitárias. Tinham um programa de
formação de pastores e professores provenientes do grupo étnico
teuto-brasileiro, para fomentar a constituição de comunidades
confessionais luteranas de bases populares e independentes em solo
brasileiro.
Na maioria dos países da América Latina as primeiras
escolas foram construídas pelas igrejas. São as escolas
confessionais ou comunitárias. No catolicismo destacaram-se as
escolas ligadas a ordens religiosas, como os jesuítas, os maristas, os
camilianos, os salesianos, etc. Também as igrejas protestantes
trouxeram a educação como um dos pilares fundamentais de sua
missão.

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Muitas comunidades evangélicas conjugavam com
naturalidade, no mesmo ambiente, a atividade escolar e a
celebração de ofícios religiosos. As escolas confessionais,
também chamadas de comunitárias, exercem até hoje um
papel importante na tarefa educativa dos cidadãos.
(STRECK & WACHS, 1998, p. 255)

Com o processo imigratório da Europa no século XIX,


experimentou-se um vistoso florescimento de escolas elementares
comunitárias no Brasil. Lúcio Kreutz afirma que, “[...] o número
mais expressivo de escolas étnicas foi dos imigrantes alemães, com
1.579 escolas, em 1937, seguindo-se os italianos, com 396
escolas em 1913 (e 167 na década de trinta). Os imigrantes
poloneses tiveram 349 escolas e os japoneses 178 (ou 260, ou
486?), também na década de trinta” (KREUTZ, 2000, p. 161).
Assim como o missionarismo católico apostólico romano, também
o protestantismo trouxe importante contribuição para a educação
brasileira a partir do século XIX.
No caso da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil – IECLB, havia, no início da década de 70, cerca de cem
escolas de ensino primário ou fundamental e trinta escolas de
ensino médio, entre elas algumas escolas com cursos técnicos.
Neste período, o conjunto de educandários ligados a IECLB
contava com cerca de vinte mil alunos matriculados. O trabalho
era coordenado pelo Departamento de Educação e de Catequese da
IECLB (cf. KELLER, 1970, p. 56). Conforme Danilo R.
Streck, “Para suprir a lacuna da falta de escolas públicas chegou a
haver, nos sínodos, mais de 400 escolas confessionais luteranas,
contra as pouco mais de 100 que existem (ou resistem)
atualmente”. (STRECK, 1995, p. 31)
Já nas décadas de 50 e 60, as escolas enfrentaram duras
crises decorrentes da nacionalização imposta pelo Estado Novo. O
reerguimento das escolas comunitárias evangélicas, mais uma vez,
teve nas comunidades evangélicas seu mais forte sustento.
No início da década de 80 foram instituídos o Conselho
de Educação da IECLB e a Associação Evangélica de Educação
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afetos ao Departamento de Educação da IECLB. Conforme seu


regimento, o Departamento de Educação tem o objetivo de
coordenar as ações da IECLB no campo da educação formal,
portanto, gerir sua política educacional. A Associação Evangélica
de educação e ao Conselho de Educação cabem a análise da
realidade escolar, o lançamento das bases do Departamento de
Educação, o apoio à rede de escolas no seu posicionamento e
inserção na realidade educacional do país; o acompanhamento das
ações da Secretaria Executiva, entre outros.
Mas, as transformações ocorridas dentro da IECLB ao
longo das duas décadas em questão também provocaram a
reestruturação e adequações nas escolas evangélicas, originando a
Rede Sinodal de Educação, atualmente constituída de 53 escolas
com cerca de 35.000 matrículas na Educação Infantil, Educação
Básica e Ensino Superior.

A constituição da Rede Sinodal de Educação

Até 1980, a relação orgânica estrutural, para além da


relação direta que sempre houve entre comunidade confessional
local e escola comunitária, se estabelecia através do Departamento
de Educação e do Centro de Diretores de Escolas Evangélicas
(CDEE). Em 24 de fevereiro de 1981, nas dependências da Sede
da IECLB, em Porto Alegre/RS, foi instituído o primeiro
Conselho de Educação da IECLB. O ato de instalação aconteceu
com um culto celebrado pelo Presidente da IECLB, P. Augusto
Ernesto Kunnert. (Cf. IECLB - Departamento de Educação.
Livro de Atas do Conselho de Educação (1981-1985), folha 2)
Neste mesmo dia, o Centro de Diretores de Escolas Evangélicas
(CDEE) transformou-se na Associação Evangélica de Educação.
“Aos 24 dias de fevereiro de 1981 reuniu-se em sua Primeira
Assembléia Geral Ordinária a Associação Evangélica de
Educação, em Porto Alegre, em dependências da Igreja Evangélica
de Confissão Luterana no Brasil, com a presença dos
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representantes supra – assinados.” (IECLB - Departamento de


Educação. Livro de Atas da Associação Evangélica de Educação
(AEE): 1981-1990, folha 2 verso).
A partir de então, o Departamento de Educação passou
a ser constituído pelos seguintes órgãos: a) Associação Evangélica
de Educação; b) Conselho de Educação – IECLB. c) Direção
Executiva. O citado Regulamento do Departamento de Educação
especifica, assim, seus objetivos no artigo 6o:

a) coordenar os esforços da Igreja Evangélica de


Confissão Luterana no Brasil - IECLB no campo
educacional escolar;
b) exercer a orientação geral dos estabelecimentos de
ensino evangélicos no desempenho de sua tarefa, visando
uma unidade de propósitos em função do vínculo que os
caracteriza, respeitada a autodeterminação de cada
entidade mantenedora;
c) estimular o intercâmbio e o congraçamento de todos os
estabelecimentos escolares no âmbito da Igreja Evangélica
de Confissão Luterana no Brasil - IECLB;
d) participar, através de suas estruturas de representação,
da condução dos processos da educação no país, mediante
colaboração em todos os órgãos educacionais - oficiais ou
não - a que tiver acesso;
e) promover o aperfeiçoamento do ensino em geral e do
ensino religioso, em particular, bem como dos setores
administrativos das escolas evangélicas;
f) cultivar o intercâmbio com entidades congêneres;
g) promover congressos, seminários, cursos de
aperfeiçoamento, encontros de estudos - nacionais ou
regionais - de acordo com as necessidades;
h) editar, divulgar ou intermediar periódicos, trabalhos e
publicações que visem ao aprimoramento no trabalho das
escolas;
i) expedir recomendações de ordem geral, inclusive sobre
remuneração do pessoal docente e administrativo;

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j) prestar assistência técnica aos estabelecimentos,
assessorando-os conforme a necessidade. (Departamento
de Educação IECLB. Regulamento).

O mesmo regulamento também define as competências


da Associação Evangélica de Educação (AEE), hoje denominada
de Rede Sinodal de Educação, e do Conselho de Educação,
respectivamente:

a) analisar a realidade escolar, debater alternativas e


levantar sugestões de atividades;
b) informar-se de todos os assuntos que sejam do
interesse das Escolas;
c) lançar as bases de trabalho do Departamento de
Educação para o período seguinte;
d) apreciar o Relatório de Atividades do Diretor-
Executivo;
e) tomar conhecimento do Relatório do Presidente do
Conselho de Educação;
f) nomear Conselheiros do Conselho de Educação;
g) resolver sobre as contribuições financeiras para a
manutenção do Departamento de Educação;
h) resolver ou encaminhar para solução todos os assuntos
que lhe forem submetidos à apreciação;
i) decidir sobre a admissão de novos associados;
j) decidir sobre a alteração do presente Regulamento.
(Art. 13).
a) analisar questões da educação, procurando interpretar e
posicionar-se diante da realidade educacional brasileira;
b) interpretar o pensamento da Associação Evangélica de
Educação, na forma dos registros de decisões tomadas
pelas Assembléias Gerais, traduzindo-o em diretrizes para
a ação concreta da Direção-Executiva;
c) emitir pareceres ou orientação sobre assuntos
específicos, submetidos a sua apreciação;
d) emitir normas para o funcionamento da Direção-
Executiva, quando necessário;

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e) fixar a remuneração de pessoal ligado à Direção
Executiva;
f) indicar ao Conselho Diretor da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil - IECLB, ouvida a
Assembléia Geral da Associação Evangélica de Educação,
para aprovação, o Diretor-Executivo a ser nomeado pela
Diretoria da Instituição Sinodal de Assistência,
Educação e Cultura - ISAEC;
g) pronunciar-se sobre qualquer assunto que lhe seja
submetido pela Direção-Executiva;
h) elaborar seu Regimento. (Art. 21).

Assim, o Departamento de Educação é o órgão da


IECLB que coordena as atividades relativas ao setor da educação
formal, ou seja, as escolas que possuem vínculos com comunidades
ou paróquias e as entidades mantenedoras das escolas que possuem
algum vínculo com a IECLB.
A Rede Sinodal de Educação, constituída pelas escolas
filiadas, busca hoje uma expansão em duas frentes. Num
crescimento horizontal, quer alcançar as áreas de colonização mais
recentes, como, por exemplo, o Instituto Luterano de Educação de
Parecis, Campo Novo do Parecis/MT, fundado em 1996. Numa
tentativa de verticalização, foram criados cursos de nível superior e
de pós–graduação lato sensu, em Curitiba/PR, Joinville/SC,
Ivoti/RS, Três de Maio/RS, Horizontina/RS, além da Escola
Superior de Teologia que já possuía curso de pós–graduação stricto
sensu (mestrado e doutorado) com nível de excelência segundo a
avaliação do MEC.2
O Ingresso de instituições da rede de escolas no ensino
superior foi um processo lento e tímido até o momento. Ao final
da década de 60 o Conselho de Educação entendia que a igreja

2
Cf. Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Avaliação da Pós-Graduação. SÍNTESE DA AVALIAÇÃO. Período
Avaliação: 1998/2000 – Avaliação. EST - RS TEOLOGIA M/D. Cons. 7.
24/08/01 às 18:50 1 de 1.

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deveria relacionar-se com o ensino superior através de um outro


tipo de ações, como acompanhamento dos estudantes e docentes
envolvidos nas universidades, além de contribuir com infra-
estrutura para estudantes poderem se manter na universidade com
a mobilização dos luteranos em favor de bolsas de estudo para
jovens se manterem na universidade. Somente 20 anos depois é
que o Conselho de Educação emitiu seu primeiro parecer favorável
para o ingresso da IECLB no ensino superior.
É dessa realidade, estrutura e vínculos entre IECLB e
escolas que emanaram os elementos de uma concepção
educacional da IECLB. E um dos elementos que contribuiu para
o conceito de educação da rede de escolas foi o posicionamento
ético, social e político da IECLB através do Manifesto de Curitiba,
que significou uma posição corajosa frente a uma realidade de
opressão, tortura, mordaça, terror e medo. Este documento fez a
defesa de uma educação democrática e integral para o ser humano.
Tal posicionamento veio na seqüência de um manifesto
dos docentes da Faculdade de Teologia, que em 1978 também
haviam se pronunciado em favor de uma educação libertadora, que
promovesse aprendizagens colocadas na inter-relação entre o
estudo teórico e a prática eclesial dentro da realidade brasileira.
Esta consciência libertadora ao final da década de 70 e
início dos anos 80, exerceu uma pressão bastante forte sobre as
escolas. Uma das primeiras ações da Secretaria Executiva da Rede
e do Conselho de Educação foi a realização de uma pesquisa sobre
a visão que os Obreiros e comunidades da IECLB tinham das
escolas evangélicas. E os resultados foram a esposição de críticas
contundentes contra a elitização da escola evangélica. Isto
provocou uma reação do Conselho de Educação no sentido de
buscar uma concepção de educação para a sua rede de escolas. E as
primeiras posições sobre essa concepção foram firmadas pelo
Conselho de Educação que propôs uma educação que
proporcionasse o desenvolvimento das potencialidades dos alunos;
o desenvolvimento da capacidade de pensar; a busca da verdade e
do caráter; que provocasse transformações do ser humano e da
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sociedade; que ligasse o conhecimento como a verdade e a


afetividade. Esta concepção deveria impulsionar a sociedade para
um processo emancipador e libertador. Para isso a educação
deveria ser planejada a partir da realidade, o que pressupõe o
envolvimento da comunidade escolar e eclesial e um currículo
construído a partir da realidade.
Estas concepções foram ratificadas e aprofundadas
através de palestras que permitiram vincular estas concepções ao
resgate dos princípios luteranos de educação para que a educação
pudesse atingir especialmente os mais necessitados e
marginalizados. Uma educação integral, formadora da pessoa toda,
em todas as esferas de sua existência, que promovesse o
desenvolvimento comunitário e que contribuísse para o
desenvolvimento de um pensamento crítico e autônomo contra
uma realidade ideologizada e escravizante.
Estas posições levaram a uma proposição de uma
educação popular, construída de baixo para cima, isto é, a partir da
base, para que o saber do povo pudesse expressar e articular seus
anseios por emancipação e libertação. Estas posições foram
desenvolvidas ao longo do ano de 1985, com o Tema da IECLB:
“Educação: compromisso com a verdade e a vida.”
O referido Tema do Ano permitiu o debate dos grandes
temas nacionais da educação, como o acesso à educação e o
compromisso com uma educação libertadora por meio de uma
práxis dialética, portanto processual. Esta concepção ainda
significou uma aproximação da concepção luterana de educação
com a pedagogia freireana de educação libertadora.
Havia, até este momento, uma relativa congruência
entre as lideranças e obreiros eclesiásticos da IECLB e o Conselho
de Educação no tocante aos conceitos e tarefas da educação
evangélica de confissão luterana. Neste período o Conselho chegou
a emitir um posicionamento favorável a educação popular. Propôs
uma educação para a formação de um ser humano crítico,
solidário e livre, capaz de exercer a denúncia da injustiça, o

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anúncio da Boa Nova do Evangelho e serviço ao próximo, ao


outro.
Estas concepções e conceitos também apontaram para
um conceito de escola evangélica. Entretanto, começou a
perceber-se uma perda do vínculo entre as comunidades
mantenedoras e suas escolas, creditada na época à quebra da
homogeneidade social, econômica e cultural sentida com
intensidade em meados da década de 80. Reclamou-se uma
definição mais clara para os objetivos da escola evangélica e sobre
os grupos com os quais ela deveria atuar prioritariamente.
Na mesma direção se posicionaram os Concílios Gerais,
órgãos máximos decisórios da IECLB constituídos por
representantes das paróquias e comunidades, defendendo uma
educação de base popular que visasse a realidade brasileira e a
formação de um ser humano participativo, ético, honesto e lutador
contra a corrupção.
Todas estas ações levaram a um posicionamento do
Conselho de Educação com vistas ao processo da Constituinte
brasileira em construção na segunda metade da década de 80
quanto à área da educação. Por meio de um documento emanado
do XVI Congresso Nacional de Professores Evangélicos,
reafirmaram-se os objetivos e diretrizes para a formação de um ser
humano íntegro, crítico, participativo e solidário, bem como a
reivindicação do reconhecimento da escola comunitária no sistema
educacional do país.
Outra contribuição importante desse documento é a
afirmação da necessidade em resgatar a comunidade como o lugar
e a expressão da verdadeira e autêntica ação pública, devolvendo ao
cidadão sua condição de partícipe da construção de uma sociedade
democrática. Neste período o Conselho de Educação também
emitiu parecer sobre princípios para o ensino superior. Estes
princípios afirmam que o ensino superior deveria primar pela visão
antropológica que caracteriza os princípios pregados pela IECLB,
segundo o Evangelho de Jesus Cristo e a identidade luterana.

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Ainda propôs a gestão democrática da administração, com base em


estruturas de Fundação Comunitária.
No início da década de 90 o Conselho Diretor da
IECLB, juntamente com um representante do Conselho de
Educação, aprovou as diretrizes de uma política educacional da
IECLB. Este documento justificou teológico e biblicamente a
responsabilidade da igreja para com a educação. Propôs uma
educação transformadora da realidade socialmente injusta, através
da integração da escola, família e igreja; o desenvolvimento da
formação integral do ser humano; o fortalecimento dos laços de
solidariedade; do favorecimento da liberdade, da honestidade e de
compromissos responsáveis com uma vida familiar, profissional,
social e comunitária; e uma educação como condição permanente
e sempre inacabada.
Entretanto, os limites dessas diretrizes estão no próprio
processo de construção, no qual toda a riqueza de participação
comunitária experienciada pelos debates do Tema da IECLB sobre
educação não foram aprofundadas, porque as diretrizes saíram de
um grupo de “notáveis”, ou seja, de um processo democrático
apenas representativo tornando-se, assim, um documento de
consumo sem explicitar a quem se dirige. E o principal sintoma
desse processo veio logo em seguida com a decisão do Conselho
Diretor da IECLB em desligar o vínculo deste com a rede de
escolas, dando autonomia absoluta à rede de escolas. A partir daí
enfraqueceram-se cada vez mais os elos entre a igreja e suas
comunidades com a rede de escolas evangélicas.
Este distanciamento provocou uma perda da identidade
luterana da rede de escolas, jogando a rede para uma prática
individualista e para uma centralização do poder segundo critérios
políticos do movimento neoliberal, a ponto de o Conselho de
Educação chegar a publicar em 1994, uma cartilha de qualidade
total para as suas escolas, totalmente descaracterizada de sua
concepção luterana de educação ética e cidadã. Este manual
assumiu critérios pedagógicos duvidosos, como por exemplo, na
área da avaliação.
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Este vácuo de rumos e planejamentos, com uma


identidade luterana clara e bem definida, levou no final dos anos
90 a uma Pré-Consulta sobre Educação Formal patrocinada pela
IECLB e pelo Conselho de Educação. Este evento veio ratificar
com clareza que a rede de escolas perdera sua identidade luterana,
seus princípios educacionais historicamente construídos desde a
Reforma Luterana. As proposições assumidas nesta Pré-Consulta
já não conseguiram alcançar a clareza e o vigor dos
posicionamentos políticos, sociais e econômicos anteriores, uma
característica da postura luterana. Da mesma forma não
conseguiram se aproximar de uma concepção mais clara de
educação outrora construída e divulgada. Perdeu-se a convicção
emancipadora e libertadora da educação.
Da mesma forma o documento reafirmou, acomodou e
aceitou o distanciamento entre a escola comunitária e sua
comunidade mantenedora como um fato natural. Isso significou a
reafirmação da política implementada no início da década de 90
quando se firmou a independência da rede de escolas em pleno
auge de vivências do movimento neoliberal, ideário que entrou no
país com força naquele período, o que levou a uma centralização
do poder na rede de escolas e um rompimento pernicioso do
controle comunitário sobre a escola comunitária pública não-estatal.
Ainda defendemos a tese de que, a partir dos embates
das políticas públicas de educação nas décadas de 80 e 90, são
reais as necessidades de uma educação emancipadora e libertadora
fundada em valores éticos e cidadãos, o que, por força das
organizações populares, foi incluído nos compromissos e desafios
estabelecidos na Nova LDB N. 9.394, de 20 de Dezembro de
1996; que as escolas da Rede Sinodal de Educação são escolas
efetivamente comunitárias e, por isso, escolas públicas não-
estatais, e que, portanto, devem ser geridas de forma transparente,
democrática e participativa; que não podem ter fins lucrativos; que
devem ter sua administração subordinada às mantenedoras, para
que o controle da administração e da gestão financeira de todos os
seus recursos sejam feitas pela comunidade mantenedora e escolar;
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que isso significa a elaboração e a publicação das demonstrações


financeiras certificadas por auditoria independente; que devem
submeter-se à auditoria pelo Poder Público a qualquer tempo para
que possam ser credenciadas e recredenciadas como instituições
comunitárias. Que, por isso, devem adotar uma gestão pedagógica
democrática e participativa a partir das diretrizes de uma política
educacional da IECLB, sustentada em princípios educacionais,
princípios de ética e cidadania gestados na história da cultura
protestante com Martin Lutero e John Amos Comenius como
expoentes da Reforma Luterana e da construção de um projeto
pedagógico humanista, respectivamente, em consonância com os
valores desenvolvidos pelo comunitarismo cristão, e, hoje
aprofundados e refletidos nos grandes pensadores humanistas de
nosso tempo como Paulo Freire e Jürgen Habermas.
Outrossim, nossa tese também assevera que a IECLB e
suas escolas comunitárias (Rede Sinodal de Educação), por não
desenvolverem um projeto político educacional claro e
fundamentado nos valores acima refletidos, estudados e
interpretados segundo critérios de uma democracia participativa,
se afastaram mutuamente e, assim, permitiram que a escola
comunitária evangélica luterana sofresse um processo de elitização,
uma espécie de privatização, pela ação das classes sociais mais
abastadas e politicamente conservadoras, intensificada no início da
década de 90 com o movimento neoliberal; que isso levou estas
escolas para uma crise de identidade, uma crise de gestão e uma
crise ético-cidadã, negando, assim, ao processo educativo nelas
desenvolvido um aprendizado efetivo da ética e da cidadania por
todos os seus concernidos: comunidade escolar, comunidade
mantenedora e entorno social dessas escolas.

Considerações finais

Ao concluirmos, defendemos a necessidade da


democratização da escola comunitária, pública não-estatal, para
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que ela possa ressignificar sua concepção de educação herdada da


história das escolas comunitárias de confissão luterana, ou seja, a
concepção de uma educação enquanto um que fazer para tornar o
ser humano mais ser humano através de uma educação
emancipadora e libertadora. Isto significa que a concepção de
educação comunitária de confissão luterana e seus princípios de
ética e cidadania construídos historicamente podem ser um
referencial para as escolas da Rede Sinodal de Educação.
Entretanto, isso passa pela adoção de princípios e
processos democráticos participativos como a gestão transparente e
democrática das instituições; por uma ressignificação do ensino
aprendizagem em sala de aula segundo os critérios da ética e da
cidadania participativa; pela construção coletiva de seu projeto
político pedagógico; e pela superação dos modelos neoliberais de
avaliação. Estes elementos são fundantes para a construção de
uma cidadania participativa.

Referências

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Alvori Ahlert é Doutor em Teologia, Área Religião e Educação


pelo IEPG/EST, RS, Mestre em Educação nas Ciências, pela
UNIJUÍ, RS, Professor Adjunto da UNIOESTE, membro do
GEPEFE – Grupo de Extensão e Pesquisa em Educação Física
Escolar e do Grupo de Pesquisa Cultura, Fronteira e
Desenvolvimento Regional.
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Centro de Ciências
Humanas Educação e Letras, Campus Marechal Cândido
Rondon.
RUA PERNAMBUCO, 1777 - CENTRO
85960-000 - Marechal Candido Rondon, PR - Brasil
Telefone: (45) 32847878 Fax: (45) 32847879
E-mail: alvoriahlert@hotmail.com, alvoriahlert@yahoo.com.br

Recebido em: 12/11/2007


Aprovado em: 15/05/2008

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ESTADO ABSOLUTO E ENSINO DAS
PRIMEIRAS LETRAS: AS ESCOLAS RÉGIAS
(1772-1794), NA TESE DE ÁUREA ADÃO (1997)
Maria Juraci Maia Cavalcante

Resumo
A análise aqui apresentada do estudo de Áurea Adão sobre as Aulas
Régias instituidas pela política pombalina, na segunda metade do
século XVIII, integra uma pesquisa mais ampla sobre a História
educacional portuguesa. A obra enfocada tem qualidades em demasia
para que entendamos o significado muito especial que adquiriu, no
conjunto de iniciativas daquela historiografia, seja por tratar a
História como ofício, atenta às exigências de rigor metodológico, o
que é demonstrado pelo modo como lida com as fontes documentais
e suas lacunas; seja pela atitude de cautela que adota em suas
explicações e avaliações do significado da Reforma de Pombal e dos
seus desdobramentos no Reinado de D. Maria, em relação ao ensino
elementar e no confronto estabelecido com a historiografia
consultada. A sua posição como historiadora parece ser de equilíbrio
permanente, evitando reproduzir juízos ideológicos muito comuns
que recaem em apologias claras ou críticas infundadas, porque se
apoia na leitura interrogativa das fontes escolhidas e no confronto
historiográfico, no que respeita à busca de entendimento acerca da
influência recebida por aquela reforma do ambiente ideológico e
político da Europa iluminista no período analisado. Considerado do
ponto de vista temporal, o seu estudo, embora esteja centrado no
curto período já assinalado, se apoia claramente numa habilidosa
estratégia de recuos e avanços, que a leva a reconstruir a reforma
Pombalina, a partir do confronto entre os seus antecedentes e
dinâmica posterior ao reinado de D. José, para examinar de onde
aquela reforma partiu em termos de estrutura escolar e aonde chegou,
na fase posterior à queda do Ministro Pombal, recriando, assim, a
tríade passado/presente/futuro como lugar de observação da história e
evitando a narrativa de base cronológico-linear, tão comum aos
estudos de história educacional baseados em fontes documentais e
arquivos oficiais.
Palavras-chave: História da educação; Aulas Régias; Aurea Adão.

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ABSOLUTIST STATE AND ALPHABETIZATION
CLASSES: ESCOLAS RÉGIAS (1772-1794), AS
POSTULATES ÁUREA ADÃO (1997)
Abstract
The study of Aurea Adão regarding the “aulas régias”, which were
instituted by pombalina reform in the second half of the XVIII
century, presented in this study is part of a larger research about the
Portuguese Educational History. The object of that study has too
many qualities which make clear why it was so relevantly considered
among many other findings in that historiography, either for treating
history as a trade, taking into consideration its methodologies, which
can be shown by the way documental sources and gaps are dealt with,
or for the author’s prudence in the explanations and evaluations
about the meaning of the Pombal Reform and its developments in
the Reign of D. Maria, regarding elementary school, and in the
confrontation with the consulted historiography. The position of the
author, as a historian, shows a steady balance when she tries to
understand the influence received by the reform in the ideological
and political environment of Illuminist Europe, avoiding ideological
judgments, which produce clear eulogy or unfounded critics. If we
look at it form the perspective of time, her study, although centered
in a short period of time, is clearly supported on a strategy to look
both at the past and future, which allows her to reconstruct the
Pombalina reform from the confrontation between what was
happening before it and its future dynamic in the Reign of D. José.
She examined the school structure where the reform originated and
what happened with the end of the carrier of Pombal Minister,
recreating the past/present/future as a place to be observed in history,
avoiding the linear-chronological narrative, usually observed in
studies of educational history that are based on official documents
and archives.
Keywords: History of Education; Aulas Régias; Aurea Adão.

ESTADO ABSOLUTO Y ENSEÑANZA DE LAS


PRIMERAS LETRAS: LAS ESCUELAS RÉGIAS (1772-
1794), EN LA TESIS DE ÁUREA ADÃO (1997)
Resumen
El análisis aquí presentado sobre el estudio de Áurea Adão de las
clases Régias instituídas por la política pombalina, en la segunda
mitad del siglo XVIII, integra una pesquisa mas amplia sobre la
História educacional portuguesa. La obra enfocada contiene
cualidades por demás para que podamos entender el significado muy
especial que adquirió, en el conjunto de iniciativas de aquella
historiografia, sea por tratar la Historia como oficio, atenta a las
exigencias de rigor metodológico, lo que es demostrado por el modo

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como lida con las fuentes documentales y sus lacunas; sea por la
actitud de cautela que adopta en sus explicaciones y evaluaciones del
significado de la Reforma de Pombal y de sus divisiones en el
Reinado de D. Maria, en relación a la enseñanza elemental y en
confronto establecido con la historiografia consultada. Su posición
con la historiadora parece ser de equilibrio permanente, evitando
reproducir juicios ideológicos muy comunes que recaen en apologías
claras o críticas infundadas, porque se apoya en la lectura
interrogativa de las fuentes elegidas y en el confronto historiográfico,
en lo que respecta a la busca de entendimiento acerca de la influencia
recibida por aquella reforma del ambiente ideológico y político de la
Europa iluminísta en el período analizado. Considerado del punto de
vista temporal, su estudio, aunque esté centrado en el corto período
ya señalado, se apoya claramente en una habilidosa estrategia de
retrocesos y avances, que la lleva a reconstruir la reforma Pombalina,
a partir de la confrontación entre sus antecedentes y la dinámica
posterior al reinado de D. José, para examinar de donde aquella
reforma partió en términos de estructura escolar y adonde llegó, en la
fase posterior a la caída del Ministro Pombal, recriando, así, la tríada
pasado/presente/futuro como lugar de observación de la historia y
evitando la narrativa de base cronológico-linear, tan común a los
estudios de historia educacional basados en fuentes documentales y
archivos oficiales.
Palabras clave: Historia de la Educación; Clases Régias; Aurea
Adão.

ETAT ABSOLU ET “ENSEIGNEMENT DES PREMIÈRES


LETTRES: LÊS “ECOLES ROYALES” (1772-1794), DANS
LA THESE D’AUREA ADÃO (1997)
Résumé
L’analyse de l’étude d’Aurea Adão sur les “cours royaux”, institués
par la politique du marquis de Pombal à la deuxième moitié du siècle
XVIII, ici présentée, integre une recherche plus ample sur l’histoire
de l’éducation portugaise. L’oeuvre abordée a des qualités à l’excès
pour que nous comprenions la signification três spéciale qu’elle a
acquis dans l’ensemble d’imitiatives de cette historiographie-là, soit
pour considérer l’histoire comme un office, appliquée aux exigences
du rigueur métodologique, ce que c’est démontré par la manière
comme elle traite les sources des documents et leurs lacunes, soit par
l’attitude de précaution qu’elle adopte dans ses explications et ses
évaluations de la signification de la Réforme de Pombal et de ses
dédoublements pendant le règne de D. Maria, concernant
l’enseignement élémentaire et la confrontation établie avec
l’historiographie consultée. Sa position en tant qu’ historienne a l’air
d’être en equilibre permanent, en évitant de reproduire des jugements

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idéologiques três communs qui tombent sur des apologies claires ou
des critiques sans fondement parce qu’elle se base sur la lecture
intérrogative dês sources choisies et dans la confrontation
historiographique, à l’égard de la recherche de la compréhension de
l’influence reçue, par cette reforme-là, de l’ambiance idéologique et
politique de l’Europe illuministe dans la période analysée. Considéré
du point de vue temporel, son étude, bien qu’il soit centré dans la
courte période déjà signalée, se base évidemment sur une ingénieuse
stratégie de reculs et d’avancements, qui reconstruit la reforme de
Pombal à partir de la confrontation entre ses antécédents et la
dynamique postérieure au règne de D. José, pour observer d’où cette
reforme-là a parti relativement à la structure scolaire et où est-elle
arrivée dans la phase postérieuse à la chute du Ministre Pombal.
Ainsi elle recrée la tríade passé/présent/futur comme place
d’observation de l’Histoire et elle évite la narration de base
chronologique-linéaire, si freqüente dans les études d’histoire de
l’éducation basés sur des sources documentaires et des archives
officielles.
Mots-clés: Histoire de l’éducation; Cours Royaux; Áurea Adão.

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Para analisar uma contribuição particular referente ao


capítulo das Aulas ou Escolas Régias, nos marcos da história
política de Portugal, começaremos por tecer algumas
considerações preambulares sobre o lugar que a mesma ocupa no
interior da sua produção historiográfica.1 Ainda que a obra de
Áurea Adão não pretenda alcançar os desdobramentos da reforma
de Pombal sobre a então colônia do Brasil, a não ser na alusão que
faz ao ato de expulsão dos Jesuítas, consideramos imprescindível
enfocá-la, exatamente por ser este um período pouco estudado e
porque acreditamos que para bem entender a nossa própria
história, precisamos vinculá-la à de Portugal, em especial, no seu
passado anterior à independência, sob pena de projetarmos um
olhar, quantas vezes, desavisadamente republicano sobre uma
época em que imperava o regime colonial.
Seguindo a tradição mais geral de formação do campo, a
História da Educação portuguesa partiu do mapeamento das idéias
pedagógicas e da legislação educacional, para depois ocupar-se com
o entendimento do ensino escolar e da formação de professores,
em especial, nas quatro últimas décadas do século XX, quando as
pesquisas em andamento na área acompanham uma tendência
mais geral oriunda da França, que tem tido na “história do livro e
da leitura” e das “instituições e práticas educacionais” dois fortes
esteios. Assim, a reflexão sobre os seus marcos de periodização
tem ficado subjugada aos resultados de investigações de
envergadura cultural bem mais ampla, do que a busca mera e
simples por uma história geral da escola, com base na ação do
Estado e da sua legislação educacional, o que a tem afastado,

1
Este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre a questão da
temporalidade e concepção de história na historiografia portuguesa, realizada por
ocasião do nosso Estágio Pós-Doutoral junto à Universidade de Lisboa, no
período de maio de 2006 à abril de 2007, sob a coordenação do historiador
Justino Pereira de Magalhães, com bolsa de estudos concedida pela CAPES.

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gradativamente, do formato estrito de uma história política e


oficial2.
Isso explica a ênfase atual dada à história da
alfabetização, aos usos sociais da leitura e do livro, bem como de
sua circulação, agora não mais circunscrita ao espaço institucional
da escola, embora esta funcione como contraponto ao universo
social que a circunda e extrapola. Todavia, os dois recortes
temáticos e metodológicos de história da educação parecem
conviver, lado a lado, porque ela incide tanto sobre a construção
das instituições e reformas escolares, quanto busca a história da
leitura e da escrita, vista como prática cultural mais ampla,
interessada, inclusive em entender a sua relação com as atividades
administrativas, eclesiais e comerciais3, a oralidade, a dimensão
étnica identitária, a infância e a divisão social de género, com
ênfase na educação da mulher.
O estudo de Áurea Adão sobre a reforma pombalina 4
pode ser agrupado na primeira tendência, embora também tenha

2
Diversas têm sido as iniciativas de balanço da produção no campo da história
educacional em Portugal, nas duas últimas décadas; dentre elas, nos apoiamos
aqui na coletânea organizada por Joaquim Ferreira Gomes, Rogério Fernandes e
Rui Grácio, sob o título História da Educação em Portugal (1988); no livro
organizado por Justino Pereira de Magalhães, Fazer e Ensinar História da
Educação(1998); na obra retrospectiva de Joaquim Ferreira Gomes, Novos
Estudos de História da Educação(2001) e na contribuição de A. Reis Monteiro,
História da Educação: uma Perspectiva (2005).
3
Um marco dessa tendência é a tese de Justino Pereira de Magalhães(1994) Ler
e Escrever no Mundo rural do Antigo regime: um contributo para a história da
alfabetização e da escolarização em Portugal. Sob o prisma da história local, o
Autor explora em fontes paroquiais o significado das assinaturas como indicador
capaz de alimentar a reconstituição demográfica do letramento, no mundo rural,
como contraponto à tendência, criada a partir do século XIX, de rastreamento
dos níveis de alfabetização no espaço escolar e urbano.
4
Trata-se de um livro em edição esgotada, que hoje só pode ser encontrado em
alfarrabistas, bibliotecas públicas e privadas. Esclarecemos que a apreciação que
ora fazemos do estudo de Adão não está a ele restrito, posto que, além de integrar
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traços da outra, o que a situa no ponto de intersecção entre as


duas, trazendo-lhe esta posição a vantagem de cotejo e
aproveitamento profícuo do que haja de melhor nas duas formas
de fazer História educacional. Sendo uma investigação que
procura aprofundar um período considerado crucial para a história
educacional de Portugal, e também para o Brasil, está entre os
mais importantes trabalhos daquela historiografia, nas últimas
décadas, preenchendo uma lacuna já bastante comentada em nossa
área.5
Na apresentação do estudo da Autora, produzida que foi
sob o feitio de tese de doutoramento, Rogério Fernandes, tece as
seguintes considerações, as quais queremos citar na íntegra, para
efeito de visualização do plano geral da referida tese e da impressão

um projeto maior de pesquisa sobre a historiografia educacional portuguesa, só


foi possível realizá-la após inúmeras outras consultas bibliográficas na área.
5
Áurea Adão – A autora começou a ocupar-se com pesquisa social no Centro de
Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian, na década de 1970.
Licenciada em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, defendeu tese sobre
os liceus portugueses, base da sua posterior dissertação de mestrado, publicada
sob o título A criação e instalação dos primeiros liceus portugueses: organização
administrativa e pedagógica (1836-1860). Como bolseira da FCG, deu início ao
seu Doutoramento em Bordéus/França, onde apresentou a Tese Estatuto
socioprofissional do professor primário em Portugal (1901-1951), publicada em
1984, pela mesma Fundação, onde também participou da organização do I
Encontro de Historiadores da Educação (1987). Mais tarde, viria a concluir
Doutoramento na Universidade de Lisboa, sob a orientação de Rogério
Fernandes, com a Tese Estado Absoluto e Ensino das primeiras Letras: As
Escolas Régias (1772-1794), publicado em 1997, onde opera com um período
curto e considerado muito significativo da história educacional de Portugal, por
inaugurar a estatização da escola. Teve participação destacada em eventos
internacionais da ISCHE, onde representou Portugal em sua comissão
executiva; tem ainda participado activamente dos congressos Luso-Brasileiros de
História da Educação (1996-2006), realizados a cada dois anos, sendo através
deles também muito reconhecida no Brasil. Publicou vários outros trabalhos e,
actualmente, é do quadro docente da Universidade Lusófona, em Lisboa,
participa da Rede MANES de pesquisadores e da organização da Universidade
Lusófona no Cabo Verde/África.

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que causa no seu próprio Orientador de estudo, no momento de


sua publicação, sabendo ser essa apreciação portadora de um
conjunto de interrogações que estiveram presentes no percurso da
investigação, funcionando como uma espécie de guia para as
buscas por fontes diversas encetadas por Adão e, ao mesmo tempo,
como indicativo da relação dialógica que foi estabelecida no
processo de construção da sua tese e regime de orientação, numa
parceria investigativa que vinha se formando em fase anterior,
quando ambos integravam o mesmo grupo de pesquisa e tratavam
da organização da área em Portugal:

Na realidade, Áurea Adão escolhe apropriadamente o


quadro temporal em que vai operar porque o seu desígnio
foi o estudo da emergência da escola oficial de ler,
escrever e contar no âmbito do pombalismo e nas
realidades escolares que lhe foram pré-existentes. Tal
questão, porém, enreda-se com outras interrogações, a
justo título consideradas fulcrais: qual foi o lugar ocupado
por Portugal na realidade educativa europeia, qual o papel
do estado no processo de implantação nacional do novo
paradigma mediante a sua intervenção administrativa e
gestionária, que novas condições foram acaso
reconhecidas àqueles que tinham a responsabilidade de
ensinar e quais aos que tinham possibilidade de aprender
gratuitamente.
Tal conjunto de questões centrais desdobra-se ao longo de
quinhentas páginas, densas e excelentemente informadas.
Áurea Adão começa por abordar os antecedentes das
escolas pombalinas, centrando-se na acção da Igreja
mediante a Companhia de Jesus e a Congregação do
Oratório e nas comunidades locais quanto ao primeiro
ensino das crianças.
Do plano das iniciativas práticas passa a investigadora ao
das conceptualizações e concretizações: a definição da
política Josefina, as reformas postas em prática e as
reacções que provocaram, conjunto de temas que nos
introduz na política de D. Maria I em relação ao ensino
elementar. Em seguida analisa com muito rigor a questão
da uniformização deste sector e, logo depois, a sua

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diferenciação mediante a criação das escolas régias
femininas.
O capítulo III abre-se todo ele ao magno problema da
administração do ensino, designadamente a direcção, o
financiamento e a inspecção, tema que, em regra, é
menosprezado.
Após uma análise fina da rede escolar e do sistema de
ensino elementar, abrangendo escolas régias e
conventuais, desbrava um terreno que também é
esquecido com frequência: o da infância abandonada. É
esse o tema do quarto capítulo, que nos traz importantes
novidades.
Conteúdos e práticas de ensino, professores e alunos são
temas que rematam o trabalho de Áurea Adão. De
destacar, o capítulo VI, dedicado ao pessoal docente,
onde achamos fartos motivos de informação e de reflexão.
Por fim, registe-se a inserção de uma abundante
bibliografia, de documentação anexa e de preciosas
informações acerca de fontes manuscritas e impressas,
nomeadamente sobre manuais e livros escolares utilizados
ao tempo.

Esclarecemos que o foco da nossa investigação recai


sobre a dimensão da temporalidade inscrita na historiografia
educacional portuguesa, o que envolve o exame de decisões
metodológicas cruciais, como a utilização de cronologias, critérios
de periodização e operações de confronto, avanços e recuos no
tempo para o entendimento do fluxo dos acontecimentos,
procedimentos que definem o que há de mais essencial na pesquisa
histórica. A esse respeito, chama a nossa atenção, inicialmente, a
datação e o curto período definido para a realização do estudo de
Adão: 1772-1794. Sobre essa escolha, a própria autora tem uma
justificativa:

As balizas cronológicas de delimitação do período a


estudar, 1772 e 1794, não foram estabelecidas
acidentalmente. O ano de 1772 marca a criação das
escolas régias de ler, escrever e contar, cuja direcção e
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administração estava a cargo da Real Mesa Censória e, a
partir de 1787, da sua sucessora, a Real Mesa da
Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros,
abolida a 17 de Dezembro de 1794. Este final de ano
constitui também o termo da nossa investigação. No
entanto, como é óbvio, as fronteiras do período não são
escrupulosamente respeitadas, pois será necessário fazer
referências temporalmente posteriores e anteriores. (…)
(p. 07)

O critério adotado parece então ter em vista focar a sua


atenção entre dois atos governamentais: 1) de “criação das escolas
régias de ler, escrever e contar”; 2) o que abole a estrutura
administrativa responsável pelo controle e fiscalização da rede
escolar. Enquadra-se o estudo, portanto, no campo da história
política da educação, no que respeita aos critérios de recorte
temporal, muito embora a autora a transcenda, ao lidar
ativamente com as fontes documentais, inquirindo-as porque quer
perceber justamente a dinâmica escolar, a partir do perfil de alunos
e professores, bem como de suas reações ao controle
administrativo. Além disso, Áurea Adão também ultrapassa os
marcos da sua periodização, em recuos e avanços no tempo,
sempre que julga pertinente fazê-lo, a começar pela busca daquilo
que ela própria denomina de “antecedentes das escolas régias
pombalinas”:

Como é natural, a reforma pombalina dos Estudos


menores de 6 de Novembro de 1772 não constituiu o
ponto de partida para a abertura de escolas públicas de ler
e escrever. Anteriormente, existia já uma rede escolar
abrangendo todo o Reino, a cargo das câmaras, da igreja,
de congregações religiosas e dos próprios pais. (p.11)

É preciso destacar também que Adão não limita o seu


período de estudo à ação de Pombal, estendendo-o para além da
sua queda como Ministro, ocorrida em 1777, e incorporando a
ação de D. Maria, como propulsora da reforma iniciada sob a
regência de D. José, ao contrário do que nos faz pensar a
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historiografia educacional alinhada com a exaltação do


pombalismo, que vê na sua saída um retrocesso educacional. Da
mesma forma, agirá a historiadora, ao mostrar que, antes de
Pombal, havia iniciativas várias de ensino das primeiras letras,
tanto por necessidades do aparato administrativo, especialmente, a
partir dos Descobrimentos, quanto da própria Igreja Católica e das
várias Ordens religiosas, no âmbito da educação moral e cristã.
Destaca a seguir que o sempre referido “monopólio” dos Jesuítas
no campo do ensino, não corresponde à realidade porque, além de
ter sido dividido com outras ordens, como é o caso dos
Oratorianos, não incidia sobre as primeiras letras e sim,
“especialmente nos níveis médio e superior, não sendo o ensino
elementar considerado como parte indispensável do seu programa
educativo”. (…) (p.20)
A posição da autora contraria sobremaneira outras
apreciações contidas na história educacional portuguesa que
colocam a reforma pombalina como inauguradora da escola
elementar pública e /ou a expulsão dos Jesuítas como um ato de
expansão e transferência do ensino para as mãos exclusivas do
Estado. As ponderações que faz ao confrontar os antecedentes
daquela reforma com os seus desdobramentos posteriores, bem
como a atenção que dá aos diferentes graus e às especificidades
locais do ensino, oferecem um contraponto matizado e mais
detalhado acerca do alcance das rupturas e, ao mesmo tempo, das
continuidades existentes no âmbito da política de ensino e dos
seus resultados, entre os períodos que estão fora do campo da ação
do Ministro de D. José.6 A esse respeito é por demais elucidativa a
seguinte conclusão de Adão:

6
A propósito do significado da política pombalina para a história educacional de
Portugal, para efeito de um paralelo com a tese de Adão, temos a indicação de
Justino Magalhães(1994), que, ao buscar estabelecer uma “periodização do
processo de alfabetização dos portugueses”, mostra os avanços e recuos da procura
por letramento desde o século XVI; no que respeita ao século XVIII, ele afirma
que “é ainda com as gerações nascidas entre as décadas de 1730 e 1740(gerações
adultas ao tempo de Pombal) que o número de alfabetizados cresce rapidamente
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Como vimos, até à reforma pombalina, o Estado não
tinha papel decisivo no domínio do ensino elementar.
Competia, em muitos casos, às câmaras a escolha e
pagamento do mestre, ainda que a sua nomeação
dependesse de autorização régia sempre que envolvia
dinheiros de impostos cobrados pelo poder central. Por
seu lado, a Igreja pretendia exercer uma inspecção sobre o
ensino da Doutrina Cristã, inspecção esta acerca da qual
não sabemos, porém, até que ponto foi exercida na
prática.
A proibição do ensino jesuítico, em 1759, não significou
grande prejuízo para o primeiro grau de ensino, tendo em
atenção que a Companhia não possuía uma extensa rede
de escolas. No entanto, houve localidades que, a partir
daí, ficaram sem aulas públicas, como o caso de Vila
Nova de Portimão. (p. 33/34)

Ao tratar da relação entre as idéias educativas e a


legislação de Pombal, Adão procura caracterizar o século XVIII
em Portugal, como sendo de estabilidade política e, na Europa, de
uma grande efervescência das idéias filosóficas de teor iluminista.
Lembra que Pombal “tinha vivido dez anos em Londres e Viena” e
que “conhecia o estado em que Portugal se encontrava em relação
à Europa culta”, o que o levou inclusive a tecer a sua impressão
sobre o assunto, aqui registrada e referida em texto da autora:

“Enquanto uma nova luz se derramou na terra, Portugal


só, ficou nas trevas da mais espessa ignorância. (…) e as
artes liberais penetraram por todas as nações do mundo,
só o não puderam fazer em Portugal”. E afirmava. “O

para atingir um pico elevado por volta de 1760. O período final do século XVIII
é de novo marcado por uma grande procura na alfabetização, a que não
correspondem índices elevados no que se refere à prática da leitura e da escrita.
Essas gerações, nascidas entre 1750 e 1760, sofreram os efeitos de uma certa
desagregação das estruturas alfabetizadoras tradicionais na sequência da política
pombalina, tardando a restabelecer-se o movimento de recuperação. É já a partir
das últimas décadas do século XVIII e primeiras décadas do século XIX, que volta
a crescer a taxa de alfabetizados”. (…) (p.517).

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governo político não se refina, senão à proporção, que as
ciências especulativas lançam novas luzes nos espíritos da
nação, ou vendo-se outras cortes. Há uma progressão
contínua no sistema da Europa, que toma seu princípio
nas belas artes. Se um Estado, se não sustem
continuamente ao nível com os outros, nesta parte, fica
sempre atrasado”. Mais tarde, imputou toda a
responsabilidade do nosso atraso intelectual à Companhia
de Jesus. (p. 41)

Como sabemos, o discurso de Pombal ficou


poderosamente inscrito na memória nacional e inebria, há séculos,
várias gerações de intelectuais e políticos portugueses, não sendo
demasiado lembrar que é sobre ele que se edificará, em grande
parte, a “crônica do atraso”de Portugal na história política do
século XIX e na história educacional escrita no século XX. Áurea
Adão, porém, não parece se deixar seduzir pela retórica do
Marquês, do que resulta uma atitude por demais cautelosa de sua
parte na apreciação que faz da reforma pombalina, sempre atenta
aos exageros da historiografia consultada e a outras vozes
dissonantes, inclusive quanto à imagem obscurantista que os
adeptos de Pombal tentaram passar dos Jesuítas7, o que a leva a se

7
Sobre a peleja entre Pombal e a Companhia de Jesus, o estudo de José Eduardo
Franco(2006) O Mito dos Jesuítas: em Portugal, no Brasil e no Oriente(Séculos
XVI a XX), oferece uma análise bem fundamentada em fontes diversas, onde
mostra os antecedentes e sucedâneos do mito criado pela política pombalina de
hostilidade aos Jesuítas. Para o Autor, “ainda hoje o entendimento das
motivações que nortearam a acção política desta figura não é uma questão
totalmente pacificada na nossa historiografia”(…); Franco lembra que naquela os
campos se dividem, “vendo-se facilmente, de um lado, os autores simpatizantes
ou adeptos militantes do antijesuitismo a valorizarem Pombal e a recriminarem
os Jesuítas e, do outro, os filojesuítas a criminalizarem Pombal, fazendo-o um
Nero dos tempos modernos, e a vitimizarem os inacianos, elegendo-os como os
mártires do depotismo iluminado e ímpio.”(p. 322/323) Na historiografia
brasileira, ocorreu muito fortemente, como sabemos, a começar pelo clássico
estudo de Fernando de Azevedo, a defesa dos Jesuítas e a rejeição ao ato de
expulsão da Companhia, por ser ela a organizadora do ensino e as Aulas Régias
não terem funcionado, senão precariamente.

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debruçar pessoalmente sobre os documentos oficiais do poder


central, das localidades, de outras instituições e intelectuais, que
tomaram parte da organização do ensino português. Sobre esse
aspecto, vejamos o seguinte trecho:

(…) No início da segunda metade do século XVIII, já


Ribeiro Sanches defendia que ao monarca competia
servir-se das Luzes para o bem público: é do jus da
Majestade fomentar e promover a utilidade pública e
particular, com decência; e que nenhuma requer maior
atenção no ânimo do Soberano, do que a Educação da
Mocidade, que deve toda empregar-se no conhecimento, e
na prática das virtudes sociáveis referidas, e em todos os
conhecimentos necessários para servir a sua pátria”.
Quanto a nós, as reformas que se foram realizando
obedecem a estes critérios, pois foram fruto da situação
histórica e das condições da sociedade portuguesa. De
acordo com J.S. da Silva Dias, o fulcro da sensibilidade
de Pombal era a política: “Não se identificava com o
cultural, o económico, o diplomático, o ideológico, o
eclesiástico, enquanto valores em si mesmos, mas
enquanto instrumentos de uma política nacional e global,
vocacionada para o engrandecimento do país no concerto
europeu e para o progresso da sociedade, à escala do
interno português.” (…) (p. 42/43)

Adão chama ainda atenção para o facto que, Pombal,


“embora tenha recebido, em Maio de 1756, a pasta do Reino que
abarcava todos os sectores da administração interna”, a reforma do
ensino só será realizada anos depois, visto que as medidas mais
urgentes a tomar, incidiam sobre os “assuntos comerciais e
militares”. Assim, a cronologia da política educativa de D. José
que a autora apresenta, merece ser destacada, face ao
detalhamento que faz de todos os principais passos daquele
governante em relação à execução de sua reforma educacional, nos
diferentes graus de ensino, incluindo aquelas manobras adotadas
em função de inesperados obstáculos à sua ação:

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A primeira medida legislativa referente ao ensino no
Reino foi tomada por Pombal a 19 de Abril de 1759,
quando aprovou os Estatutos de uma Aula do Comércio,
sediada em Lisboa. (…) Durante os primeiros anos de
governo pombalino, a Companhia de Jesus manteve a
superintendência em quase todo o ensino preparatório
para os Estudos maiores. Com a publicação da sentença
de sua expulsão de todo o território português, em 12 de
Janeiro de 1759, por crime de lesa-majestade e com a
confiscação de todos os seus bens, Pombal ficou
confrontado com a inexistência de estabelecimentos de
ensino que pudessem receber os estudantes dos colégios
jesuíticos. Por isso (…) D. José publicou a 28 de Junho
de 1759 uma ‘geral reforma’ destinada a ser aplicada “no
ensino das classes, e no estudo das Letras Humanas”(…)
A Lei de 28 de Junho de 1759 impunha pela primeira
vez uma centralização régia directiva (…) de ensino, com
a criação do cargo de Director Geral dos Estudos”(…) foi
criado em Lisboa, a 7 de Março de 1761, o Real Colégio
dos Nobres(…), “que veio a abrir em 1766(…). Entre
1760 e 1769, a preocupação central do governo
pombalino incidiu, primeiro, sobre problemas militares e,
depois, procurou debelar a crise económica com o reforço
dos privilégios mercantis e o melhoramento da cobrança
de impostos. A quarta fase (1770-1777), de fomento
industrial, resultou da crise do ouro do Brasil e das
produções coloniais, obrigando a estimular a produção de
artigos portugueses que pudessem abastecer o mercado
interno. Foi neste último período que se registaram as
duas reformas de ensino mais importantes: a reforma da
Universidade e a dos estudos menores. (p. 43-47)

Uma posição inovadora da historiadora Áurea Adão diz


respeito ao modo como ela caracteriza as influências de concepção
recebidas para a elaboração da lei que instituiu a reforma
Pombalina do ensino, a começar pela busca em ressaltar a
contribuição dada pela “prata da casa”, muito embora se queixe de
fontes seguras acerca do assunto. Chama atenção, todavia, a
dúvida por ela lançada acerca do peso efetivo das idéias iluministas

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e estrangeiras naquela legislação, conforme podemos observar no


trecho abaixo:

Na elaboração da lei parece não ter havido influência


directa de modelos de países mais adiantados, mas a
experiência da história portuguesa e dos acontecimentos
mais recentes. As influências são especialmente de Luís
A. Verney mas pouco se sabe de quem trabalhou no
projecto. O preâmbulo da lei informa ter sido recolhido
“o parecer dos homens mais doutos, e instruídos nesse
género de erudições. De acordo com António Cruz,
haveria contributos do lente da Universidade de Coimbra,
António Dinis de Araújo, do professor António Félix
Mendes e de Frei Luís de Monte Carmelo. Nesta
primeira reforma dos Estudos menores, que revestiu
principalmente um carácter executivo, as concepções
iluministas são escassas. Apenas se afirmava que “da
cultura das Ciências depende a felicidade das Monarquias,
conservando-se por meio delas a Religião, e a justiça na
sua pureza, e igualdade” e que “foram sempre as mesmas
Ciências o objecto mais digno do cuidado dos Senhores
Reis(…) que com as suas reais providências
estabeleceram, e animaram os Estudos Públicos. (p. 46)

Contudo, mais adiante, Adão irá admitir a influência


inclusive de Pombal, no texto da Lei, contidas em suas exposições,
com base em sua experiência como diplomata na Áustria, onde
tivera contacto também com outros governos, e recebera,
particularmente, “inspiração nos diplomas que os reis da Prússia
publicaram com o objectivo de colocar a educação subordinada ao
Estado”, lembrando que, “na segunda metade do século XVIII, a
acção escolar de Frederico II tornou o ensino público totalmente
independente da Igreja.” (p. 53/55)
Procedendo a um balanço sobre o tratamento dado à
reforma de Pombal pela historiografia portuguesa, Adão chama
atenção para a existência de duas posições possíveis: 1) do seu
sentido de “renovação cultural”; 2) ou de exemplo ruinoso. Lista
então alguns autores que enaltecem a obra de Pombal: Emygdio

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Garcia, Agostinho Fortes, Alves dos Santos, D. António da Costa


e António Ferrão. (p.59/60)
Lembra a esse respeito que, até os anos 1980, o estudo
de António Ferrão, sob o título O Marquez de Pombal e as
reformas dos Estudos Menores(1915), era visto como referência
obrigatória. (p.49) Revisita alguns outros estudos que se lhe
seguem. Informa que, por ocasião do bicentenário da morte de
Pombal, em Colóquio internacional, no conjunto de
comunicações publicadas em 1984, é visível a preocupação dos
historiadores com a sua ação governamental, mas que havia apenas
“um pequeno número de trabalhos sobre os Estudos Menores.
Prossegue dizendo que “depois das comemorações, são as teses de
doutoramento dos historiadores António Nóvoa(1987) e de
Rogério Fernandes(1994) que dedicam maior interesse ao tema.”
(p.50)
Caracteriza a seguir os atributos inovadores da Reforma
dos Estudos Menores, após enfatizar que ela ocorre mais de uma
década após a expulsão dos Jesuítas, com as seguintes
características: “1) um sistema de Instrução Pública nacional; 2)
gratuidade do ensino; 3) conversão dos mestres em funcionários
do Estado, 4) administração estatizada das estruturas escolares.”
Destaca, contudo, que “as escolas de ler, escrever e contar”, então
criadas, não excluem o “ensino da Doutrina Cristã” e, como
novidade, inserem o “ensino das Regras de Civilidade”. Salienta
que, “no contexto europeu, a reforma de Pombal de 06/11/1772
constitui uma das primeiras tentativas de organização de um
sistema de ensino elementar oficial, na Europa, com excepção da
Prússia, que o criara muitos anos antes”. Desconfia que um
documento de exposição sobre “a decadência do ensino de
Primeiras Letras, apresentado por dois mestres de Lisboa,
examinado pela Real Mesa Censória” possa ter contribuído para a
instalação da Reforma de Pombal. Alude à realização do primeiro
censo escolar em Portugal, com base em ofício dirigido pelo Poder
Central a pedir informações sobre o número de escolas existentes.
Afirma que “o projecto de reforma da responsabilidade da Real
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Mesa Censória ficou concluído no verão de 1772, tendo sido


enviado ao rei, sob a forma de “consulta”, em 3 de Agosto”. (p.
50-53)
A autora defende a posição contrária aos que acreditam
ter sido a Reforma pombalina de carácter popular irrestrito, pois
“com a criação das escolas régias de ler, escrever e contar, o
Marquês de Pombal não tinha em vista alfabetizar as classes
populares, mas tão só beneficiar a nobreza de toga, os proprietários
fundiários e a burguesia em geral”; salienta que o ensino régio “se
dirigia aos rapazes que iriam seguir as artes liberais, aos que iriam
trabalhar no comércio e em algumas artes mecânicas, bem como
alguns filhos de cultivadores proprietários e arrendatários; cita o
preâmbulo do diploma da lei, onde se lê um destaque sobre “os que
ficarão afastados do ensino”: “os que são necessariamente
empregados nos serviços rústicos e nas Artes Fabris, que
ministrarão o sustento dos Povos que constituem os braços do
Corpo Político”, para quem bastava o ensino da doutrina Cristã
ministrado pelos párocos.” Adão lembra ser necessário distinguir
Iluminismo e Classes Populares, mesmo em se tratando da
França; apoiada em Richelieu, mostra que o pensamento
mercantilista é contrário à educação popular; que mesmo Voltaire
chegou a afirmações como: “parece-me essencial que haja pobres
ignorantes”. (p.60-61)
Em suas considerações gerais sobre a Reforma de
Pombal, Adão apresenta suas conclusões sobre o assunto,
desmascarando o seu caráter supostamente laico e evidenciando
que se o Estado Absoluto português não desejava mais partilhar o
poder administrativo sobre o ensino com a Igreja, também não
queria dela se apartar:

As reformas pombalinas de ensino não foram de oposição


clara à Igreja e a tudo o que era religioso; procuraram,
isso sim, que esta instituição perdesse a capacidade de
administrar o sistema escolar. O que se pretendia era a
centralização de todo o ensino no poder régio e nos seus
funcionários, não abandonando, todavia, os princípios

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religiosos. Não se impôs uma laicização do corpo
docente, nem tão pouco foram afastados os conceitos
religiosos dos conteúdos do ensino. (p.65/66)

Chama ainda atenção para o entendimento que D. José e


o seu Ministro tinham de Regalismo, lembrando que ambos
consideravam “o poder temporal como autónomo e independente
do poder espiritual, emanado directamente de deus para o rei”. A
esse respeito, contudo, enfatiza Adão que, “no entanto, nunca
existiu emancipação do estado relativamente à religião e o culto
católico nunca foi suprimido.”(p. 67)
O tratamento cronológico minucioso com que opera a
sua investigação para elucidar passo a passo a política de Pombal
no campo do ensino é outra característica importante do estudo
em foco, que lhe permite examinar o alcance da cada medida
governamental, a começar pela datação mais famosa de
inauguração da estatização:

O primeiro passo de estatização do ensino deu-se em


1759, ao nível das Aulas de latim e de Humanidades,
com a abolição do ensino jesuítico e a criação do cargo de
Director Geral dos Estudos, que seria preenchido por
indicação do próprio rei e dele dependente directamente,
com “jurisdição privativa, exclusiva de toda e qualquer
outra jurisdição”. (…) A estatização do ensino elementar
teve lugar em 1771, com a entrega da sua direcção à Real
Mesa Censória, que, tal como o Director Geral dos
Estudos, ficava dependente do rei. (p.68)

A Autora examina também com acuidade a relação entre


Iluminismo e Catolicismo na condução da Reforma do ensino,
chegando mesmo a falar “do carácter católico do Iluminismo
português”, o qual considera ter sido posto em dúvida algumas
vezes ou mal interpretado pela historiografia, face ao episódio da
expulsão dos Jesuítas que inaugurou o processo reformista. Sobre
esse aspecto crucial daquela reforma, ela afirma:

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Não encontrámos textos da Real Mesa Censória que
reflectissem o seu espírito regalista como acontecera com
o Director Geral dos Estudos. Em consonância com o
carácter católico do Iluminismo português, não se pôs em
questão o papel da formação religiosa, o valor e os
benefícios da religião. Não pretendia o Rei nem a Real
Mesa Censória, afastar das populações o ensino da
Doutrina Cristã. Até mesmo para aquele grupo a quem se
vedava a frequência escolar eram preconizadas as
“instruções do pároco”. A dimensão religiosa da
actividade educativa era considerada essencial e um dos
objectivos práticos do ensino elementar. Os textos
destinados à leitura e escrita continuavam ligados a
matérias da Igreja e toda a educação moral da criança
revestia um carácter religioso(…) A 16 de Fevereiro de
1760, o Director Geral dos Estudos recomendava ao
Comissário do Lamego que na constituição dos primeiros
júris dos exames dos professores régios, se houvesse
“pessoas doutas que sejam ou cónegos ou ministros ou
seculares ou eclesiásticos, e de boa honra e consciência
que queiram, convidados, fazer esse serviço a Sua
Majestade seria de aproveitá-los”. (…) Embora sem o
estatuto de escolas régias, durante o governo pombalino
algumas ordens religiosos mantinham escolas públicas,
como era o caso dos religiosos de Santo Agostinho, dos
paulistas e dos Oratorianos. (p. 68-70)

Um outro aspecto que mereceu a atenção de Adão diz


respeito às reacções de oposição e de crítica à Reforma pombalina,
a começar pelo próprio Ribeiro Sanches, que, para ela, “afirmava
ser “prejudicial ao jus da majestade a ao bem do Reino” que os
eclesiásticos fossem mestres da juventude, por ser “destinada a
servir à pátria no tempo de paz e da guerra”(…). Assegura a autora
que havia muitas frentes contrárias à Reforma, sendo que “umas
provinham da parte da hierarquia eclesiástica que não aceitava o
processo de estatização do ensino e temia a sua perda de
influência; outras eram manifestadas localmente por pessoas
influentes, saudosas do ensino jesuítico e que não aceitavam
qualquer tipo de inovação ou mudança; finalmente, outras eram

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fomentadas por professores e mestres particulares que


experimentavam prejuízos pessoais com a fuga dos alunos para as
aulas gratuitas. (…)” (p.71)
Mas, ao nosso ver, o mais inovador de sua estratégia de
análise é o tratamento dado ao período posterior à saída de
Pombal, quando a reforma estará sob a direção do governo de D.
Maria, de 1777 à 1792. A esse propósito, ao mesmo tempo que
Adão mostra a “evolução do ensino elementar”, discute a posição
de alguns historiadores que consideram o período mariano como
de retrocesso no campo do ensino, à luz de medidas da Real Mesa
Censória para a aprovação da expansão da rede escolar e aumento
de “mais 726 lugares para todo o Reino”:

No início deste século, Alves dos Santos afirmava que se


tinha destruído a organização pombalina e que fora “uma
verdadeira catástrofe para a instrução do povo”; para ele,
a “vitória do obscurantismo não podia ser mais rápida,
nem mais completa.” Contudo, na realidade, no ensino
elementar a acção foi positiva, tendo sido aproveitado o
que fora promulgado e prosseguido o crescimento da rede
escolar, podendo neste domínio ser aplicada a noção dada
por Caetano Beirão quanto ao termo “viradeira”:
“reacção contra o que estava é certo, mas em que as
perseguições se reduziram ao indispensável, as reparações
se estenderam ao que se pôde e se tratou de, aproveitando
o que de útil fora antes feito, conjugar o tradicional, que
havia sido ofendido, com as inovações de uma época
progressiva. (p. 75)

Adão examina ainda o carácter limitado do alcance


numérico do acesso ao ensino, à época da política de Pombal e,
depois, de D. Maria, especialmente nas áreas rurais, em fins do
século XVIII, quando “possuir conhecimentos elementares
continuava a não representar uma primeira necessidade para a
maior parte da população. Nas regiões rurais, a escola pouco
importava para aqueles que estavam imersos em uma cultura oral e
que nada vislumbravam para além do horizonte da sua aldeia.”(…)
(p.79) Mostra também que não foi alcançada a “uniformização do
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ensino”, ficando este submetido aos mestres. Ocupa-se com a


“educação do sexo feminino”, evidenciando a predominância da
imagem de inferioridade intelectual da mulher à época e as
resistências das autoridades governamentais em estender o ensino
às moças, o que só acabou sendo feito por iniciativa das ordens
religiosas, como é o caso das Ursulinas e da Visitação. Lembra,
porém, que, no ano de 1790, a Real Mesa Censória daria
autorização para a instalação de 18 mestras na Corte para ensinar
gratuitamente às meninas, o que considera uma medida avançada
do reinado de D. Maria. (p.87-88)
Em seu balanço final do capítulo, a autora, contrariando
a tese da famosa corrente em defesa do retrocesso educacional que
teria acompanhado a queda do Ministro de D. José, mais uma vez,
assim se posiciona:

Após a morte de D. José e o afastamento de Pombal, não


podemos afirmar que o ensino régio de ler, escrever e
contar fosse abandonado ou, muito menos, entrasse em
declínio. Com a lei de 16 de Agosto de 1779, antes se
registou um alargamento muito considerável da rede
escolar, na qual o ensino conventual não chegou a
corresponder a um quinto do total de lugares previstos.
As populações e os seus directos representantes tiveram
então papel activo.
Até ao final do século, não se publicou qualquer outra
reforma, embora os governantes tenham manifestado em
mais de uma ocasião a necessidade de se proceder a
modificações. (p.89)

Não iremos nos deter aqui no exame pormenorizado da


dinâmica administrativa e pedagógica do ensino que Adão
apresenta, a partir do terceiro capítulo do seu livro, mas
gostaríamos de ressaltar, à guisa de resumo, que a sua análise
continuará a ser pautada na análise criteriosa, exploração
meticulosa e hábil das fontes documentais consultadas, para
entender, desta feita, o funcionamento da Reforma Pombalina,
nos dois períodos governamentais, que envolvem o reinado de D.
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José e de D. Maria. Focaliza o sentido da criação da Real Mesa


Censória, em 1768, de sua reforma, em 1787 e extinção em
1794; sua composição e papel central na administração do ensino,
por 36 anos; as querelas que enfrenta com os agentes periféricos e
intermediários nas localidades; o financiamento do ensino e o
imposto literário, as irregularidades na sua aplicação e a
dificuldade da actividade de inspecção. Analisará, nos 4 capítulos
seguintes, o “sistema de ensino elementar”, a rede escolar montada
em Portugal, evidenciando as diversas formas que a escola assumiu
efectivamente, coexistindo ao lado das escolas régias, as
congregações religiosas, escolas pagas por doações, colégios
particulares e os mestres itinerantes que davam aulas nas casas de
família; o mapa de pagamento dos ordenados dos mestres, como
meio de conhecer a distribuição e quantidade das escolas em rede,
nas diversas regiões e comarcas do país, a distinção entre escolas
dos centros urbanos e áreas mais rurais, como as conventuais;
escolas de irmandades para raparigas. Chegará ao exame de
conteúdos e práticas do ensino, perfil e acção docente e do
alunado.
O estudo de Áurea Adão, com vimos, tem qualidades em
demasia para que entendamos o significado muito especial que
adquiriu, no conjunto de iniciativas da historiografia educacional
portuguesa, seja por tratar a História como ofício, atenta às
exigências de rigor metodológico, o que é demonstrado pelo modo
como lida com as fontes documentais e suas lacunas; seja pela
atitude de cautela que adota em suas explicações e avaliações do
significado da Reforma de Pombal e dos seus desdobramentos no
Reinado de D. Maria, em relação ao ensino elementar e no
confronto estabelecido com a historiografia consultada. A sua
posição como historiadora parece ser de equilíbrio permanente,
evitando reproduzir juízos ideológicos muito comuns que recaem
em apologias claras ou críticas infundadas, porque se apoia na
leitura interrogativa das fontes escolhidas e no confronto
historiográfico, no que respeita à busca de entendimento acerca da

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influência recebida por aquela reforma do ambiente ideológico e


político da Europa iluminista no período analisado.
Considerado do ponto de vista temporal, o seu estudo,
embora esteja centrado no curto período já assinalado, se apoia
claramente numa habilidosa estratégia de recuos e avanços, que a
leva a reconstruir a reforma Pombalina, a partir do confronto
entre os seus antecedentes e dinâmica posterior ao reinado de D.
José, para examinar de onde aquela reforma partiu em termos de
estrutura escolar e aonde chegou, na fase posterior à queda do
Ministro Pombal, recriando, assim, a tríade
passado/presente/futuro como lugar de observação da história e
evitando a narrativa de base cronológico-linear, tão comum aos
estudos de história educacional baseados em fontes documentais e
arquivos oficiais.
Nem por isso, contudo, Adão despreza a cronologia
oficial inscrita na legislação que dá materialidade àquela reforma
do ensino, na qualidade de ação política estatal. Também não se
limita aos textos da legislação, na medida que investiga o seu
alcance efectivo em práticas pedagógicas. Procura ainda entender a
reforma pombalina em atitude de respeito ao espírito e horizontes
políticos e ideológicos do século XVIII, não imputando a ela
valores republicanos ou do tempo de onde parte para investigá-la.
Certamente, por isso, evita enunciados de natureza valorativa
como a do “atraso” de Portugal, até porque compreende que, no
caso da Reforma que analisa, Portugal está politicamente à frente
dos demais países da Europa, excepto da Prússia, ao promover
uma reforma que leva à estatização do ensino. Convém não
esquecer que essa iniciativa parte de um Estado Absoluto e
Monárquico, trinta anos antes da famosa Revolução francesa
abalar o alicerce do chamado Antigo Regime na Europa e
disseminar a proposta de que a educação pública seja tarefa
primordial do Estado republicano.

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Maria Juraci Maia Cavalcante tem doutorado em Ciências


Sociais e Econômicas pela Universidade de Oldenburgo na
Alemanha (1995); é Pós-Doutora em Política Educacional pela
Universidade de Colônia na Alemanha (1999); e Pós-Doutora em
História Educacional pela Universidade de Lisboa, de Portugal
(2006-2007). É Professora Titular da FACED/UFC, desde
1998.
Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação,
Departamento de Estudos Especializados.
Rua Walderi Uchoa, 01
Benfica
60020-110 - Fortaleza, CE - Brasil
Telefone: (85) 40097679 Fax: (85) 40097680
E-mail: juramaia@hotmail.com

Recebido em: 18/11/2007


Aprovado em: 15/05/2008

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ANGICOS (FREIRE) E BARBIANA (MILANI):
LEITURAS DE MUNDO
E RADICALIDADE PEDAGÓGICA1
Danilo R. Streck

Resumo
O artigo faz um estudo comparativo entre Paulo Freire (Brasil) e
Lorenzo Milani (Itália), tendo como eixo da reflexão o caráter radical
e revolucionário de suas práticas educativas. O título remete às
experiências pelas quais os dois educadores se tornaram conhecidos,
respectivamente Angicos, no Nordeste brasileir, e Barbiana, um
vilarejo nas proximidades de Florença. Na análise são destacados os
seguintes elementos que contribuem para a compreensão de suas
práticas como revolucionárias: a) o caráter profético-testemunhal de
ambos enquanto educadores; b) o respeito pelo diferente que se
transforma na pedagogia do outro; c) a leitura da realidade e o
concomitante poder transformador da palavra. No contexto de um
panorama global em que se fazem necessárias propostas pedagógicas
abrangentes, o estudo evidencia a importância de ler
comparativamente autores que em seus contextos sociais e históricos
ousaram propor alternativas pedagógicas emancipatórias.
Palavras-chave: Paulo Freire; Lorenzo Milani; Escola de Barbiana;
Angicos; Pedagogia Radical.

ANGICOS (FREIRE) AND BARBIANA (MILANI): WHAT


DEFINES AN EDUCATIONAL APPROACH AS
REVOLUTIONARY?
Abstract
The article presents a comparative study between Paulo Freire
(Brasil) and Lorenzo Milani (Italy) with special attention to the
radical and revolutionary character of their educational practices. The
title refers to the experiences through which both educators became
known, respectively, Angicos, a small town in Brazilian Northeast,
and Barbiana, a village in the proximities of Florence. The analysis
highlights the following elements which contribute for the

1
Este trabalho faz parte de projeto de pesquisa apoiado pelo CNPq. O projeto
com a colaboração dos seguintes bolsistas de iniciação científica: Vítor Schütz
(UNIBIC), Diulli Trindade (FAPERGS), Josiete Schneider (CNPq) e Daiane
Azevedo (CNPq).

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identification of their practices as revolutionary: a) the testimonial-
prophetic character of their work as educators; b) the respect for the
other as originating a pedagogy of the other; c) the reading of reality,
and the concomitant transformative power of the word. In a global
panorama where it is necessary that pedagogical approaches develop a
broad perspective, the study reveals the importance of a comparative
reading of authors who in their social and historical contexts took the
risk of proposing emanicipatory pedagogical alternatives.
Keywords: Paulo Freire; Lorenzo Milani; School of Barbiana;
Angicos; Radical Pedagogy.

ANGICOS (FREIRE) Y BARBIANA (MILANI): QUE ES


LO QUE TORNA UNA PRÁCTICA EDUCATIVA
REVOLUCIONÁRIA?
Resumen
El artículo hace un estudio comparativo entre Paulo Freire (Brasil) y
Lorenzo Milani (Italia), teniendo como elemento de la reflexión el
carácter radical y revolucionario de sus prácticas educativas. El título
remite a las experiencias por las cuales los dos educadores se tornaron
conocidos, respectivamente Angicos, en el Nordeste brasilero y
Barbiana, una pequeña villa en las proximidades de Florencia. En el
análisis son destacados los siguientes elementos que contribuyen para
la comprensión de sus prácticas como revolucionarias: a)el carácter
profético-testemuñal de ambos en cuanto educadores; b) el respeto
por lo diferente que se transforma en la pedagogía del otro; c) la
lectura de la realidad y el concomitante poder transformador de la
palabra. El estudio pone en evidencia la importancia de leer
comparativamente autores que en sus contextos sociales e históricos
tuvieron coraje de proponer alternativas pedagógicas emancipatorias.
Palabras-clave: Paulo Freire; Lorenzo Milani; Escuela de Barbiana;
Angicos; Pedagogia Revolucionaria.

ANGICOS (FREIRE) ET BARBIANA (MILANI): QU’EST-


CE QUE REND RÉVOLUTIONNAIRE UNE PRATIQUE
EDUCATIVE?
Résumé
L’article fait un étude comparatif entre Paulo Freire (Brésil) et
Lorenzo Milani (Italie), ayant comme axé de la réflexion le caractere
radical et révolutionnaire de leurs pratiques éducatives. Le titre remet
aux expériences par lesquelles les deux éducateurs ont devenu connus,
respectivement Angicos, au Nord-est brésilien, et Barbiana, un petit
village tout pres de Florence. Dans l’analyse sont détachés les
éléments suivants qui contribuent pour la comprehension de leurs
pratiques comme révolutionnaires: a) le caractère prophétique et de
témoignage des deux en tant qu’éducateurs; b) le respect par le

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différent qui se transforme dans la pédagogie de l’autre; c) la lecture
de la réalité et le concomitant pouvoir transformeur de la parole. On
met en évidence dans l’étude d’importance de lire comparativement
des auteurs qui ont osé proposer des alternatives pédagogiques
émancipatrices dans leurs contextes sociaux et historiques.
Mots-clés: Paulo Freire; Lorenzo Milani; École de Barbiana;
Angicos; Pédagogie révolutionnaire.

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A ação baseada num princípio, a percepção e execução do


direito, modifica coisas e relações; é essencialmente
revolucionária e não condiz inteiramente com nada que
lhe seja anterior (Thoureau, 2007, p. 24)

Utopias pedagógicas do século XX

O século XX, que mal acabamos de deixar pra trás,


começa a revelar-se diante de nossos olhos como um rico
manancial de experiências sociais e pedagógicas inscritas em
sonhos e projetos para uma outra sociedade e para um outro
mundo.2 Se o lema do Fórum Social Mundial (2002) – Um outro
mundo é possível - anunciava um novo século e milênio, ele
também traduzia as esperanças que foram se formando no século
que findava. Talvez haja nesta visão um pouco de nostalgia de um
outro tempo, provocada pela sensação de um consenso pedagógico
que parece sugerir o fim da própria pedagogia. Os problemas da
educação são cada vez mais tratados como dificuldades pontuais de
ampliação de cursos e melhora do nível de eficiência, quando não
como questão de defasagem no uso das novas tecnologias.
Gostaria de ver neste estudo, no entanto, sobretudo o esforço para
não desperdiçar a reserva ético-política conquistada por pessoas
como Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Madre Teresa, D.
Hélder Câmara, as Mães da Praça de Maio, Chico Mendes, entre
tantos e muitos outros que viveram o seu tempo com uma
radicalidade e profundidade singular.
Na educação não é difícil identificar práticas e idéias que
estão na origem de movimentos transformadores com grande
repercussão. Myles Horton (Freire & Horton, 2003), no Centro
Highlander, formou lideranças para o movimento de direitos civis
nos Estados Unidos. James Coady (1939), articulando a educação

2
Algumas dessas pedagogias, entre as quais as de Paulo Freire e Lorenzo Milani
estão reunidas no livro Pedagogias do século XX (2003).

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com a economia, lançou as bases para um movimento de educação


de adultos ligado à formação para o trabalho cooperativado que se
espalhou para muito além do Canadá. Ivan Illich (1972) propôs
nada menos que o ousado projeto de acabar com a escola tal como
a conhecemos por vê-la como fator constitutivo dos problemas das
sociedades modernas.
São propostas revolucionárias porque ousaram pensar e
atuar para além dos parâmetros colocados pelo seu contexto e pelo
seu tempo, não raro sofrendo duras penas por esta ousadia. Neste
ensaio revolução é entendida no sentido de radicalidade, buscando
compreender as condições geradoras de desigualdades e de
opressões e, ao mesmo tempo, correndo o risco inerente às ações
para mudar a situação. Trata-se de instaurar processos capazes de
gerar transformações qualitativas.
Paulo Freire (1921-1997) e Lorenzo Milani (1923-
1967) situam-se entre aqueles educadores e educadoras que
contribuíram para a formação de um legado utópico na pedagogia
que pode manter acesa a chama de uma educação comprometida
com a busca da justiça social. Coincidentemente ambos
explicitaram a sua rejeição de tentativas de copiá-los porque
tinham consciência de que suas práticas não estavam limitadas a
um método. Milani fala por si e por Freire quando diz a seus
alunos que “a maior infidelidade para com um morto é ser-lhe fiel”
(apud Corzo, 2004, p. XXXI). Para Freire (1977, p. 110) na
medida em que uma proposta de educação libertadora se
transforma em um conjunto de métodos e técnicas para “olhar” a
realidade social, ela é tão domesticadora quanto qualquer outra
prática educativa.
Nas obras dos dois autores consultadas para este estudo
não consta referência ao trabalho de um e de outro,
respectivamente. É pouco provável um contato de Milani com a
obra de Freire, uma vez que em 1967, o ano da morte de Milani,
Freire se encontrava em exílio no Chile e seu trabalho ainda não
havia alcançado a repercussão internacional que teve especialmente
coma a publicação de Pedagogia do Oprimido, em 1970. Da parte
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de Freire, houve contato com a obra de Milani no tempo em que


atuou no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra. Consta
(Corzo, 2004) que muito tempo depois (1992) Paulo Freire
escreveu um epílogo a um livro de um dos alunos de Barbiana.3
Essas considerações são apenas relevantes para confirmar
que tanto um como outro assumiram, em seus lugares, o
compromisso pedagógico com a sociedade a partir da opção pelos
oprimidos. Não havia para nenhum deles um programa a ser
cumprido, mas uma realidade que se colocava como desafio a ser
confrontado. Saliente-se ainda que nenhum dos dois foi pedagogo
profissional. Freire era advogado de formação e entrou no mundo
da alfabetização no Nordeste brasileiro pelas mãos de sua esposa,
Elza, pedagoga e alfabetizadora de profissão. Milani era padre
católico e criou a escola como parte de seu serviço pastoral na
comunidade de Barbiana, um lugarejo pobre nas montanhas da
Itália, para onde foi designado como reprimenda por sua rebeldia
contra a promiscuidade da igreja com o fascismo.
A vocação de ambos tem um fundo religioso, certamente
inspirado pelos ares liberalizantes e modernizantes que
antecederam e acompanharam o Vaticano II (1962-1965). Milani
vinha de família burguesa e a sua conversão ao catolicismo – a
mãe era judia - e seu ingresso no seminário representou a ruptura
com um modo de vida e com as expectativas da própria família.
Vê-se no livro Experiência Pastorais que Milani acompanhava os
movimentos da Ação Católica, dos padres trabalhadores na França
e de outras iniciativas no meio eclesial tanto para enfrentar o
mundo secularizado quanto para combater as injustiças sociais. O
cardeal Martini (1983) destacou cinco aspectos nos quais o livro
se mantém atual, do ponto de vista teológico: o primado da
Palavra, a importância do sujeito na realidade cristã, a
independência do Evangelho diante de ideologias, o primado dos

3
F. Gesualdi; J. L. Corso, Don Milani nella scrittura collettiva. Posfazione di
Paulo Freire. Turín: Gruppo Abele, 1992.

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pobres e radicalismo evangélico diante do concreto. Ao mesmo


tempo, chama atenção para aspectos nos quais a Igreja pós-
conciliar avançou para além daquilo que está no livro: em relação à
mulher, à doutrina social e à Igreja local (Apud. Corzo, 2004, p.
XXXVII).
A religião também desempenha um papel importante na
formação e, em especial, nas opções de Freire. Seu pai era espírita
e a mãe católica. Foi a religião desta que prevaleceu e ele não
escondia a influência da religião na opção de trabalhar nos becos e
nas favelas do Recife. Ele dirá que foi uma “certa camaradagem”
com Cristo que fez com que fosse aos pobres, mas que lá chegando
encontrou Marx para dar conta da realidade. Foi isso, segundo ele,
que os intelectuais europeus tiveram muita dificuldade em
compreender: como alguém podia dizer-se cristão e usar Marx
como referência em sua teoria de sociedade. Freire atribuiu esta
dificuldade ao fato de eles não tensionarem a relação entre
mundaneidade e transcendentalidade, entre subjetividade e
objetividade, sem dicotomizá-las. “A temática desta teologia (da
libertação) não pode ser outra senão a que emerge das condições
objetivas das sociedades dependentes, exploradas e invadidas. A
que emerge da necessidade de superação real das contradições que
explicam tal dependência. A que vem do desespero das classes
sociais oprimidas” (Freire, 1977, p. 126) A transcendentalidade
tem como único ponto de partida esta realidade.
Em ambos, a opção pela justiça social acompanha a sua
prática pedagógica. Freire não buscou um lugar para aplicar uma
teoria de alfabetização e Milani não entendeu Barbiana como um
experimento pedagógico. As duas práticas tinham a mesma
finalidade de ajudar as pessoas, via educação, a buscarem o seu
espaço como protagonistas na sociedade. O estudo de Peter Mayo
(2007) identifica uma série de pontos nos quais as obras de Freire
e Milani se aproximam em torno do eixo da justiça social. Depois
de destacar a influência comum do cristianismo radical, ele analisa
os seguintes aspectos: o comprometimento com valores
semelhantes, a educação como ato político, a escola da
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comunidade, o ser contraposto ao ter, a vinculação entre educação


e vida, o diálogo, a relação educador-educando, a educação
diretiva, a dimensão coletiva da aprendizagem e o papel do
professor. Vamos recorrer a este estudo e a outros na medida em
que avançarmos na discussão, mas é importante ter presente que
há aspectos em suas práticas que convidam e desafiam ao diálogo
entre si, como bem apontado por Mayo.
Além de confluências nas práticas pedagógicas, há
também uma importante semelhança na forma de comunicação de
suas experiências. A obra pedagógica clássica de Lorenzo Milani,
escrita junto com os alunos, é Carta a uma professora pelos rapazes
da escola de Barbiana (1982)4 e Paulo Freire em várias ocasiões
lança mão do recurso da carta para expressar-se: Professora sim tia
não (1993) são “Cartas a quem ousa ensinar”; tem as Cartas a
Cristina (1994), uma jovem que representa o coletivo das
educadoras; e por fim, ao morrer em 1997, estava escrevendo as
Cartas Pedagógicas, postumamente reunidas em Pedagogia da
indignação (2000). O estilo de carta combina com o tom e o
conteúdo profético dos escritos de ambos. Além disso, cartas têm
um endereço e um interlocutor identificado. Nos dois casos os
destinatários são professoras: em Milani no singular e em Freire
quase sempre no plural. O endereço da Carta é a professora da
escola que reprova e exclui porque não conhece seus alunos e
pouco se importa em conhecê-los.5 As professoras endereçadas por
Paulo Freire são colegas de profissão, supostamente interessadas
em mudar. Sabemos que ambas são reais.

4
Milani escreveu outras cartas entre as quais a Carta aos Juízes que se tornou
famosa por defender a objeção por consciência. A Carta a uma professora foi
publicada originalmente, em italiano, em 1967. Este livro será, às vezes,
identificado simplesmente como Carta.
5
Apesar deste endereço explícito, os autores advertem no Prefácio da Carta que
os verdadeiros destinatários são os pais: “Este livro não se destina aos professores,
mas aos pais. Tem como objectivo chamá-los a organizar-se.”

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Retornemos, agora, à pergunta deste ensaio. O que faz


que as práticas educativas de Freire e Milani tenham sido
consideradas e continuam sendo consideradas revolucionárias?
Que o foram, está evidenciado nas conseqüências impostas a
ambos por suas ações. Paulo Freire, como sabemos, foi acusado de
subversão e durante 15 anos esteve exilado de sua terra e de sua
gente. Milani viu seu livro banido pela cúpula eclesiástica e o seu
envio a Barbiana, um lugarejo pobre entre as montanhas na região
de Florença, com certeza não foi um gesto de solidariedade e
aprovação de suas atitudes e pensamentos. Os militares não
podiam imaginar que para Freire houvesse o Chile, Harvard, o
Conselho Mundial de Igrejas e, a partir daí, o mundo. Também as
autoridades da Igreja Católica não podiam imaginar que uma carta
coletiva, escrita com um grupo de meninos, num lugar pobre e
remoto da Itália, tivesse tamanha repercussão.
Com certeza há várias condições para que uma prática
educativa seja considerada revolucionária e é igualmente verdadeiro
que nem todos designariam as mesmas práticas com o mesmo
adjetivo. A própria idéia de revolução está, em alguns círculos,
definitivamemente marcada pela negatividade. Consciente destes
riscos, as práticas de Freire e Milani permitem identificar pelo
menos três fatores que, no caso deles, concorrem para que sejam
lembrados entre os educadores radicais do século XX. São eles: o
caráter profético-testemunhal do educador; o respeito pelo Outro e
seus saberes; a leitura crítica da realidade e a palavra como
instrumento de transformação desta realidade.
Angicos e Barbiana serão tomadas como referência,
espécie de símbolos ou marcos para a obra destes dois educadores,
embora não haja uma tentativa de apresentar sistematicamente as
duas experiências. Em primeiro lugar, porque o nome dos dois
autores está necessariamente identificado com os lugares onde se
deram as experiências: Angicos (1963), a experiência-piloto do

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que viria a ser conhecido como método Paulo Freire6; Barbiana


(1954-1965), a escola de tempo integral para os fracassados da
escola regular. Em segundo lugar, porque aproxima as experiências
no tempo: da metade da década de 1950 à metade de década de
1960. Em terceiro lugar, porque para um e para outro, estes
foram os momentos fundantes de sua obra pedagógica.

O caráter profético-testemunhal:

Com freqüência os amigos me perguntam como faço para


conduzir a escola e como faço para tê-la cheia. Insistem
para que lhes descreva um método, que detalhe para eles
os programas, as matérias, a técnica didática.
A pergunta está equivocada. Não deveriam preocupar-se
em como fazer para dar aula, mas como tem que ser para
poder dá-la.
Tem que ser...Não se pode explicar em duas palavras
como deve ser, mas ao acabar de ler este livro e, talvez,
logo compreenderão como precisa ser para fazer uma
escola popular.
É preciso ter as idéias claras a respeito dos problemas
sociais e políticos. Não se pode ser interclassista, mas é
preciso tomar partido. Tem que arder de ânsia de elevar o
pobre a um nível superior. Já nem digo igual a um nível
da atual classe dirigente. Mas superior: mais de homem,
mais espiritual, mais cristão, mais tudo” (Milani, 2004,
p. 172).

Esta passagem de Milani traduz a idéia de Freire a


respeito do educador como testemunha do ato de conhecer. O que

6
Para uma descrição a experiência de Angicos veja Carlos Lyra, As Quarenta
horas de Angicos: uma experiência pioneira em educação. São Paulo: Cortez,
1996. Em Cartas a Cristina (1994, p. 179) Paulo Freire narra o reencontro
com Angicos, depois de 30 anos, relembrando como 300 pessoas aprenderam a
ler e escrever enquanto debatiam os problemas locais regionais e nacionais. Ele
conclui, com humildade: “Angicos foi uma experiência progressista.”

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tornou as duas experiências “perigosas” do ponto de vista das


classes dominantes não foi um determinado método de ensino ou
de alfabetização. No termo de indiciamento de Paulo Freire os
seus interrogadores insistem em dizer que há outros métodos
eficientes de aprendizagem e que, afinal, não há nada de novo em
sua proposta de alfabetização. O problema estaria, diziam eles, que
ele estava fazendo a politização para subverter a ordem.7 Estavam
corretos no sentido de que métodos e técnicas de ensinar não são
revolucionários, em si mesmos. O que torna a prática
revolucionária são as opções ético-políticas que subjazem às
escolhas metodológicas. A ânsia de elevar o pobre” em Milani
corresponde, em Freire, à identificação com a realidade dura do
povo do Nordeste brasileiro. Ao refletir a prática de Danilson, um
educador popular, Freire (1997, p. 88) escreve que o seu êxito
está centralmente nesta certeza “de que é possível mudar, de que é
preciso mudar, de que preservar situações concretas de miséria é
uma imoralidade. É assim que este saber que a História vem
comprovando se erige em princípio de ação e abre caminho à
constituição, na prática, de outros saberes indispensáveis.”
Segundo, dado o caráter testemunhal do educador no
ato de conhecer, ele precisa estar aí inteiro, razão e emoção, mãos
e coração. “Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho
uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra
desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo.
Conheço com meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão
também.” (Freire, 1995, p. 18) Milani vivia na prática pedagógica
o que pode ser chamado um amor exigente. As professoras, é dito

7
“Perguntado se na experiência de Angicos, o coeficiente obtido em grau mais
elevado foi o de alfabetização, conscientização.....Perguntado se reconhece que o
seu suposto método, mesmo na parte da conscientização e politização não
contém originalidade face aos métodos usados por HITLER, MUSSOLINI,
STALIN e PERON (maiúsculas no original)...” São estas algumas das
perguntas contidas no Termo de perguntas a indiciado do Inquérito Poilicial
Militar no dia 01.07.1964. (Araújo Freire, 2006, p. 181).

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na Carta a uma Professora, seriam como os padres e as prostitutas


que se apaixonam facilmente pelas criaturas, mas uma vez que as
perdem, também as esquecem. Se a educação se dá no encontro de
pessoas inteiras, na sua unicidade, não se pode considerar que os
fracassos e as perdas na escola sejam “naturais”.
Como terceiro ponto pode ser destacada a precedência do
ser sobre o ter. Um fato interessante é que Erich Fromm
demonstrou interesse em escrever a biografia de Milani. Este teria
declinado, apontando para seus alunos como merecedores da
biografia. O que importa neste fato é a convergência de ambos, de
formas distintas, em Erich Fromm para quem o ter e o ser são
duas modalidades de existir no mundo. Fromm é uma referência
importante para Freire na elaboração do seu conceito de ser mais
como parte do movimento biofílico, em oposição ao movimento
necrofílico, associado à alienação do ter.
Por fim, o caráter testemunhal exige a coragem do
dissenso. Na Carta aos juízes Milani critica os teóricos da
obediência segundo os quais em última análise não há autor para
os crimes. Todos, ou cumprem ordens ou são vítimas do destino.
Segundo ele, “há apenas uma forma de escapar desse macabro jogo
de palavras: ter coragem de dizer aos jovens que todos são
soberanos e, por isso, a obediência não é uma virtude, mas a mais
sutil das tentações; que não pensem que podem usá-la como
escudo, nem perante os homens, nem perante Deus; que é
necessário que cada um se sinta o único responsável por tudo”
(apud Gesualdi, 2003, p. 123).
Freire, por seu turno, fala da necessidade de valorizar
pedagogicamente a rebeldia para que ela seja superada por uma
consciência mais crítica, comprometida, politizada e
metodologicamente rigorosa. “O ideal é a promoção da
consciência rebelde em revolucionária. Radical, sem se alongar em
sectária. Astuta, sem virar cínica. Hábil, sem ser oportunista.
Ética, sem tornar-se puritana, jamais” (Freire, 1994, p. 151).

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Do respeito pelo diferente à Pedagogia do Oprimido:


Senhora Professora,
Julgo que já nem se lembra do meu nome e é natural; não
foi só a mim que a senhora professora chumbou, foram
centenas...
Cá por mim pensei muitas vezes na senhora professora,
nos seus colegas, nessa instituição a que chamam ensino,
em todos os miúdos que os professores
<<chumbam>>.
Chumbam-nos, mandam-nos para os campos ou para a
fábrica e depois esquecem-se de nós.
(Carta, p. 11).

Com este libelo de um aluno reprovado na escola regular


e acolhido em Barbiana inicia a Carta a uma professora. Está aqui
também um dos princípios da prática educativa na escola de
Lorenzo Milani e que está resumido no que seria, conforme a
Carta, o único problema da escola: os alunos que perde (p. 42).
Não se trata dos custos financeiros de um aluno reprovado, mas
do significado social e humano do fato de ser deixado para trás e
relegado a uma cidadania de segunda classe.
A escola de Barbiana tinha por base uma solidariedade
fundamental entre quem lá trabalhava e estudava. Na medida em
que as crianças e os jovens aprendiam, todos eles também
ensinavam o tempo todo. A Carta relata a desconfiança de um
menino que chega à escola com os preconceitos de que a escola é
um lugar de sacrifícios e que por isso as férias seriam um direito.
“Nunca lhes tinha passado pela cabeça que se a gente vai à escola é
para aprender e que só o ir à escola é já um privilégio” (Carta, p.
17). A escola funcionava das 8 horas da manhã às 19 h 30 min da
tarde, sete dias por semana e 365 dias por ano. Este ritmo, mais a
falta de um espaço delimitado para recreio e esporte, era um dos
pontos freqüentemente criticados. Na carta é narrada a visita de
um professor graduado que defende o esporte como uma
necessidade físiopsicológica para os jovens. Mas, escreveram os
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meninos, “Falava sem sequer olhar para nós. As pessoas que


ensinam pedagogia na Universidade já nem precisam de olhar para
os miúdos. Conhecem-nos todos como a palma da sua mão, como
nós conhecemos a mesa em que trabalhamos” (Carta, p. 15).
Daí também a desconfiança daquilo que se conhece por
Pedagogia como uma ciência que na sua suposta universalidade
esconde o seu sentido parcial e classista:

Tal como está não manteríamos a pedagogia. Mas mesmo


assim não temos bem a certeza. Se fosse estudada mais a
fundo, talvez nos convencêssemos de que tem algo para
nos ensinar.
Ou talvez percebêssemos que só tem uma coisa para nos
ensinar. Que não há um miúdo igual a outro, um
momento da história, um momento da vida do próprio
miúdo igual a outro momento, que os países, os meios, as
famílias são todos radicalmente diferentes uns dos outros.
De todo o livro, guardávamos a página que dissesse isto e
o resto ia para o lixo.
Em Barbiana, não havia um só dia em que não se
abordassem problemas de pedagogia. Simplesmente, não
os designávamos por esse nome. Para nós, tinham sempre
o nome de um tipo. Caso por caso, hora por hora.
Não acredito que possa existir um tratado escrito por um
senhor muito competente que diga sobre o Gianni
alguma coisa mais do que aquilo que já sabemos.
(Carta, p. 138).

A motivação para a solidariedade se encontra no amor e


no serviço ao próximo. Milani coloca lado ao lado na formação o
gosto por aprender e o desejo de servir ao próximo. Daí se dizer
que poderia haver apenas dois tipos de escolas para os jovens. Uma
se chamaria “escola de Serviço Social” e que tomaria em mãos os
jovens dos catorze aos dezoito anos. Para lá iria quem tivesse
decidido consagrar toda a sua vida aos outros. Com os mesmos
estudos seriam formados padres, professores primários,
sindicalistas, homens políticos. Talvez pudesse haver um ano de

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especialização para cada uma das profissões. As outras poderiam


chamar-se “Escolas de Serviço do Eu” e para o funcionamento
destas bastaria manter as que já temos (Carta, p. 130).
Para Milani este próximo tem rosto e, mais do que isso,
tem um lugar na história e na sociedade. Ele defende que a
educação deve deixar de lado suas pretensões interclassistas: ao
tratar desiguais de forma igual acaba sempre privilegiando a quem
já tem mais. A escola paroquial precisa tomar partido ao lado dos
mais fracos e ser organizada “com critérios rigidamente classistas”
(Milani, 2004, p. 153). Daí também a compreensão da educação
como um ato político. Política no sentido de buscar resolver os
problemas de forma solidária e coletiva. “O professor apolítico
torna-se um dos 411.000 e muito úteis idiotas que o patrão
armou de caderneta e boletim” (Carta, p. 78). Política como uma
questão de solidariedade e de humanidade: “Conhecer os filhos dos
pobres e interessar-se por política, é a mesma coisa, senhora
professora. Não se pode amar crianças que são marcadas por leis
injustas, sem se querer instauras leis melhores” (Carta, p. 109).
O respeito pelo o próximo no sentido cristão de Milani
se transforma em Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido. Não é
uma pedagogia para pessoas, grupos ou classe que precisa ser salva
de sua ignorância ou elevada a um nível superior de conhecimento
ou consciência, mas a pedagogia do oprimido, daquele segmento
da sociedade que carrega o desejo e o potencial de mudança.
Também não é uma pedagogia pronta, para ser aplicada, mas que
se “fará e refará” concomitante com a luta pela libertação (Freire,
1981, p. 32).
Freire e Milani coincidem na crítica à pedagogia e na
necessidade de sua desconstrução como saber uniformizador a
partir da lógica dos dominantes. Para Milani, os “problemas”
pedagógicos têm nome: a preguiça de Gianni, a burrice de Sandro,
etc. Freire fará da pedagogia um exercício situado na geografia e
na história. Ambos fazem isso, como vimos antes, baseados em
princípios ético-político convergentes.

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A leitura da realidade:
o poder transformador da palavra

No programa de italiano o contrato de trabalho dos


metalúrgicos diria muito mais ao Gianni. Não leu,
senhora professora? Pois bem, se não o leu, devia ter
vergonha. Representa a vida para meio milhão de
famílias.
São os senhores que se têm uns aos outros por cultos.
Leram todos os mesmos livros. Nunca ninguém vos
perguntou nada para além do que esses livros tratam
(Carta, p. 33 e 34).

A pesquisa do que chamava de universo vocabular nos


dava assim as palavras do Povo, grávidas de mundo. Elas nos
vinham através da leitura do mundo que os grupos populares
faziam. Depois voltavam a eles, inseridas no que chamava e chamo
de codificações, que são representações da realidade (Freire, 1982,
p. 23).
A ironia da Carta na primeira citação deixa transparecer
a desconfiança de Lorenzo Milani em relação à escola. Os alunos
a retratam como desconectada da vida das crianças e da
comunidade, introduzindo com seu ensino as crianças e os jovens
na realidade sem fornecer instrumentos para questionamentos e
para mudanças. Na escola de Barbiana, a leitura dos jornais era
uma tarefa diária de todo o grupo.
Esta escola criticada não faz o que Paulo Freire
considera pré-condição para a leitura da palavra: a leitura do
mundo. Na prática pedagógica freireana a importância da leitura
do mundo está expressa no exercício de codificação e decodificação
da realidade que precedia ao processo de aprendizagem da leitura e
escrita propriamente ditas. A realidade enquanto co-constituída
com a consciência vai se desvelando na medida em que homens e
mulheres tomam consciência de seu lugar no mundo e se
assumem como sujeitos dentro da história.

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Em Milani temos um valioso exercício de leitura da


realidade no livro Experiências Pastorais. Nele o sacerdote analisa
detalhadamente todos os aspectos da vida da comunidade, a
começar pela história de San Donato, passando pela vida religiosa
do povo e entrando no mundo do trabalho, da participação
política, do lazer e da cultura. Ao analisar as casas, por exemplo,
lhe chama atenção o reduzido número de camas em relação aos
habitantes de cada uma delas. O livro é também repleto de
gráficos e estatísticas compiladas por ele mesmo. “Hoje, diz ele, as
circunstâncias puseram os problemas sociais no centro da fé”
(Milani, 2004, p. 173).
A leitura da realidade está, em ambos, ligada com a
importância da palavra e da linguagem. Para Milani é a Palavra
que confere o status de humano a homens e mulheres. Não uma
palavra qualquer, mas “Palavra escola, palavra que enriquece”
(Milani, 2004, p. 171). A pobreza não se mede só pela fome, mas
sobretudo pela função social e esta tem a ver o com o domínio da
linguagem. O que separa um engenheiro de um operário, diz
Milani, não são tanto os conhecimentos técnicos quanto a
linguagem. Ademais, não se trata de transferir uma cultura para
outra, mas de “fornecer o material técnico (lingüístico, léxico e
lógico) necessário para fabricar uma cultura nova que não tenha
nada a ver com a outra” (Milani, 2004, p. 145). Ele ilustra o fato
com a formação de padres que levam 12 anos para aprender a se
afastar da maior parte da população que paradoxalmente são
também os prediletos de Deus.
Em Barbiana lia-se o jornal e livros, estudando cada
palavras em seus vários sentidos. Há depoimentos de que o grupo
ficava três ou quatro horas discutindo uma única palavra – sua
origem, seus sentidos e usos. Barbiana também se tornou
conhecida pela ênfase no estudo de línguas estrangeiras. Milani
argumentava que era necessário que a classe trabalhadora
aprendesse línguas estrangeiras para poder fortalecer o seu
movimento em nível internacional. Havia o incentivo para que os
alunos passassem períodos em outros países para aprender a língua
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e os costumes no sentido de criar um cosmopolitanismo a partir de


baixo. “Na África, na Ásia, na América Latina, no Sul, nas
montanhas, nos campos, nas grandes cidades, milhões de homens
e de crianças esperam a igualdade. Tímidos como eu, cretinos
como o Sandro, cabeças no ar como o Gianni. São esses a
natinha da humanidade” (Carta, p. 93). O amor ao outro não
pode ficar preso nos limites nacionais e as línguas são
fundamentais para promover a compreensão e o entendimento.
Para Paulo Freire a alfabetização implicava no direito de
dizer a sua palavra que por isso é palavra-mundo, palavra-ação. Há
um poder transformador quase mágico na palavra que brota da
vida. É a mesma fé na palavra encontrada em Barbiana: “Porque
só a língua dá a igualdade. Um igual, é aquele que sabe exprimir-se
e compreender a expressão dos outros. Não interessa que seja rico
ou pobre, isso conta muito menos. O que é preciso é que fale”
(Carta, p. 112). Para Paulo Freire, dizer ou pronunciar a sua
palavra equivale a dizer ou pronunciar o mundo.
Importa ainda que seja uma palavra dita com outros,
para formar um coletivo. Os círculos de cultura de Paulo Freire
tinham esta função. Em Barbiana as aulas também se davam em
grupo, com a participação de todos. Como parte do processo de
aprendizagem da escrita, Milani criou a técnica de escrita coletiva
de textos. A Carta a uma professora é um exemplo de uma escrita
que, embora sendo de autoria coletiva, está redigida na primeira
pessoa do singular.8

Considerações finais

Paulo Freire é um “velho conhecido” para muitos de nós


que lidamos com a educação e, do ponto de vista pessoal, tem

8
“À primeira vista parece ter sido escrito por um só rapaz. Mas como autores,
éramos oito em Barbiana. Alguns dos nossos camaradas que já desistiram da
escola e agora andam a trabalhar colaboraram nele, aos domingos.” (Prefácio)

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presença mais ou menos assegurada em minhas reflexões. Quanto


a Lorenzo Milani, o conheci através de um colega e amigo da
Alemanha, Bernd Fichtner9, que me passou cópia da Carta a uma
professora, em alemão, com a recomendação de que eu a lesse.
Percebo agora que ele desejava que eu pudesse fazer a relação de
Milani com o que passou a ser conhecido na América Latina como
Educação Popular e Teologia da Libertação. As evidências de que
se trata, em lugares diferentes, da manifestação de uma mesma
luta são muitas, como deu para perceber neste breve estudo e em
outros que foram sendo apontados. Angicos e Barbiana fazem
parte da história da educação como práticas emblemáticas de
práticas pedagógicas radicais.
Tanto Freire quanto Milani, no entanto, tinham
consciência da historicidade de sua prática. A partir da
compreensão escatológica do Reino de Deus, Lorenzo Milani
(2004, p. 321) sabia que “nada do que Cristo disse é realizável
nesta terra em grande escala” e que tudo o que se fizer não passará
de uma paródia do ideal. O Reino de Deus permanecerá como
objeto de oração e de busca através da ação concreta e cotidiana na
história. Também para Paulo Freire a utopia não existe a não ser
a partir dos movimentos concretos na história, sempre imersos nas
contradições e parcialidades da vida real. O amanhã diferente que
se busca só poderá existir se houver alguma ação hoje que seja um
sinal de sua possibilidade. A história é essencialmente possibilidade
e por isso deve ser rejeitada tanto a idéia de simples adaptação
quanto os fatalismos, de direita e de esquerda.
No centro desta reflexão talvez devesse ter colocado
Gianni, o protagonista da Carta a uma professora, que representa
os tantos Joãozinhos e Mariazinhas, excluídos da escola, que
existem no Brasil e em outros países. Os professores haviam
desistido dele porque o consideravam preguiçoso e burro demais

9
Professor da Universidade de Siegen (Alemanha). O livro traduzido ao
português foi posteriormente alcançado pelo colega Newton Bryan, da
UNICAMP.

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para o estudo. Em Barbiana, Gianni não apenas compreendeu que


o professor não precisa estar do outro lado da barricada, mas que
também ele pode ensinar para os outros. “Por exemplo, aprendi
que o problema dos outros é igual ao meu. A política é a gente
conseguir fazer as coisas todos juntos, a avareza é fazê-las
sozinhos” (Carta, p. 17).
É esse provavelmente o sentido mais essencial da
educação como ato político: não o ensino de verdades políticas,
mas a vivência, no cotidiano, de formas coletivas e solidárias de
resolver os problemas da vida. Lorenzo Milani e Paulo Freire
testemunharam com suas práticas que o revolucionário na ação
pedagógico não tem a ver com complexas teorias e estratégias. Há
algo de encantadoramente simples em suas práticas e palavras.
Mas o simples, como sabemos, geralmente tem pouco a ver com o
fácil. Com certeza tem muito a ver com o possível.

Referências

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vida. Indaiatuba, SP: Villa das Letras, 2006.

CARTA A UMA PROFESSORA. 4. ed. Lisboa: Editorial


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London: Harper & Row, 1939

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FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Editora


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______. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática


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______. A importância do ato de ler: Em três artigo que se


completam. São Paulo: Editora Autores Associados; Cortez
Editora, 1982.

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______. Cartas a Cristina. Rio de Janiro: Paz e Terra, 1994.

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_____ e HORTON, Myles. O caminho se faz caminhando:


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Beatriz Monteiro da (Ed). Pedagogias do Século XX. Porto Alegre:
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ILLICH, Ivan. Deschooling Society. New York: Harper & Row,


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LYRA, Carlos. As quarenta horas de Angicos: Uma experiência


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SCUOLA DI BARBIANA: Die Schülerschule; Brief an eine


Lehrerin. Berlin: Verlag Klaus Wagenbach, 1977.

SILVA, Vânia Beatriz Monteiro da (Ed). Pedagogias do Século


XX. Porto Alegre: Artmed, 2003.

Danilo R. Streck é professor do Programa de Pós-Graduação em


Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS).
Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Av. Unisinos, 950
Cristo Rei
93022-000 - São Leopoldo, RS - Brasil - Caixa-Postal: 275
Telefone: (51) 35908117 Ramal: 1113 Fax: (51) 5908118
E-mail: dstreck@unisinos.br

Recebido em: 19/12/2007


Aprovado em: 15/05/2008

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Resenha
.
PESQUISA E HISTORIOGRAFIA
DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Sergio Ricardo Pereira Cardoso

SCOCUGLIA, Afonso Celso; MACHADO, Charliton José dos


Santos (orgs.). Pesquisa e Historiografia da Educação Brasileira.
Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

O Grupo de Pesquisa de Historiadores da Educação da


Paraíba1 é o responsável pela obra “Pesquisa e Historiografia da
Educação Brasileira”, que, apesar de predominantemente focalizar
suas pesquisas sobre a educação na Paraíba, consegue
majestosamente se conectar à historiografia da educação brasileira,
explorando o grande desafio do historiador contemporâneo: analisa
a multiplicidade e a especificidade na relação local/regional -
nacional/global.
A obra é composta de oito artigos, que contemplam a
educação na Paraíba tanto no Séc. XIX quanto no Séc. XX,
privilegiando os seguintes temas: colégios e liceus, métodos de
ensino e controle disciplinar, educação e civilização, Igreja e
educação, Imprensa e os direitos da mulher, escolas rurais,
radiofonia e educação popular, e o “I Congresso Sul-Americano
da Mulher em Defesa da Democracia”.
No artigo “Colégios e Liceus na Paraíba do Oitocentos:
Oficinas para Mandos e Ofícios da Cidade”, Maria de Lourdes
Barreto de Oliveira resgata a história dos Colégios e Liceus da

1
O Grupo de Pesquisa de Historiadores da Educação da Paraíba é formado por
pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Laboratório de
História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e do Programa de Pós-
Graduação em Educação e Saúde Coletiva da Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB).

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Paraíba através do viés da atividade docente e sua perda de


autonomia, deixando de ser o mestre-escola um “artesão” à medida
que há uma progressiva regulação do seu saber-fazer docente. A
autora, para isso, parte da análise dos preceptores e dos professores
improvisados, sentenciando que “a partir da oficialização e autores
para as aulas, além de outras medidas, põe-se em marcha o processo
de regulação do mestre-escola” (p. 14).
A autora ainda discute a transformação destas oficinas
(uma alusão ao mestre-escola-artesão) em colégios e liceus, que
construíam suas identidades humanísticas e bacharelescas ___ “Era,
pois, diminuta a iniciativa voltada para a educação profissional” (p.
26) ___ sobre as projeções sociais, políticas, intelectuais e religiosas
de seus diretores na sociedade.
Cláudia Engler Cury, em seu escrito “Métodos de Ensino
e Formas de Controle sobre o Cotidiano Escolar na Instrução Pública
da Parahyba do Norte (1835-1864)”, denomina o período
compreendido por seu estudo de “era das cadeiras isoladas” (p. 44),
referindo-se ao currículo adotado pela Instrução Pública da
Parahyba do Norte.
Partindo do estudo de leis e regulamentos sobre a antiga
província da Parahyba do Norte, a autora procura ver pelo olhar
dos legisladores a instrução pública, sendo, de acordo com ela, um
complexo de estratégias que englobam a escolha dos métodos para
as escolas de primeiras letras, a organização do tempo escolar, a
melhoria infra-estrutural das escolas elementares, além da
aplicabilidade de métodos punitivos e disciplinares (p.59).
Em “Educação e civilização na província de São Paulo”,
Ademir Gebara, tendo como fonte a obra “Província de São Paulo,
trabalho estatístico, histórico e noticioso”, de Joaquim Floriano
Godoy, publicada em 1875, detendo-se mais no capítulo
“Instrução Pública”, mais especificamente “a percepção da relação
entre o ‘ensino oficial’ e o ‘ensino livre e privado’” (p. 69).
Gebara, então, salienta interdependência de três aspectos
primordiais na história da educação brasileira: “o pensamento das
elites”, “a lei de 28 de setembro de 1871” e “a relação entre o
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público e o privado” (p.69), delineando a tese de que “ser


civilizado” no Brasil do Séc. XIX correspondia a “ser educado”,
“mas ser educado no exterior ou em colégios privados” (p. 83).
Desenvolvendo um estudo da relação institucional entre
Igreja e Estado, Wojciech Andrzej Kulesza, em “Igreja e Educação
na Primeira República”, explicita que a Igreja católica do Brasil tem
na educação sua estratégia principal para redefinir “seu papel na
sociedade republicana, recuperando e ampliando o poder que detinha
desde os tempos coloniais” (p. 90).
Para isso, Kulesza analisa a obra educacional de dom
Adauto na Paraíba, destacando-se o Colégio Diocesano (para o
ensino masculino), o Colégio Nossa Senhora das Neves (para o
ensino feminino) e o Colégio São José (para os meninos pobres).
Nos currículos destes, destacava-se a “romanização”, além dos
“valores morais e cívicos da sociedade burguesa em formação no
Brasil” (p. 96-99).
A partir do Jornal “A União”, sob a tutela do oficialato
estadual, Maria Lúcia da Silva Nunes faz um estudo de gênero
intitulado “A Imprensa Paraibana e os Diretos da Mulher: Textos
Publicados no Jornal A União na Década de 1920”, focalizando
principalmente as reivindicações femininas em prol do
reconhecimento de seus direitos, havia uma progressiva
emancipação da mulher, que saia do espaço privado em direção ao
espaço público.
Em seu artigo, Nunes esclarece que havia um temor no
imaginário social de que a mulher fosse ocupar o lugar do homem
na esfera pública, o que consequentemente viria estabelecer uma
substituição daquela por este no espaço privado. Diante disso,
exaltando-se inclusive a figura da “professora Ana Sirene,
paraibana radicada no Pará” (p. 125), que defendia um discurso
mediado de igualdade entre os dois sexos, “enfatizando a
necessidade de educação e de mais liberdade de ir e vir entre os
espaços privado e público” (p. 126), ou seja, uma liberdade limitada
pela sociedade patriarcal.

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Tomando por base a designação consagrada por


Hobsbawm, Antônio Carlos Ferreira Pinheiro, a fim de romper
com a periodicidade tradicional da História da Educação,
comumente ligada à História Política, denomina seu capítulo de
“A Era das Escolas Rurais Primárias na Paraíba (1935 a 1960)”.
De acordo com o autor, as escolas rurais nos anos 30, quando, sob
um processo de industrialização e urbanização intenso, “o campo e
a cidade afiguravam-se como espaços distintos, mas intimamente
relacionados tanto econômica quanto socialmente” (p. 137).
Com o objetivo de manter o homem no campo, além de
“vencer o analfabetismo e consolidar uma noção de nacionalidade” (p.
135), o que melhora as condições infra-estruturais do meio rural
brasileiro e evitaria o êxodo rural, as escolas rurais na Paraíba
ganham força e se expandem a partir dos anos 40, principalmente
com a implementação da casa para o professor, que o fixa na
localidade.
Mesmo sem atingir os objetivos aos quais tinha se
proposto, é inegável, exclama o autor, que o sistema de escolas
rurais trouxe para o campo uma organização escolar mais
complexa, possibilitando um maior acesso da população do campo
à escolarização pública.
Afonso Celso Scocuglia, em “Rádio e Educação Popular
no Brasil (1959-1967)”, contextualiza a criação do Sistema Rádio
Educativo Nacional (SIRENA), fundado em 1957 por iniciativa
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sendo o
Sistema de Rádio Educativo da Paraíba (SIREPA) criado em
1959.
Segundo o autor, as escolas radiofônicas tinham como
meta “a alfabetização de jovens e adultos que não tiveram acesso à
escola ou que tinham sido excluídos, principalmente daqueles acima
dos 14 anos de idade” (p. 165). Scocuglia divide o processo do
SIREPA em duas fases: uma, de 1959 a 1962, em que se
organizam as equipes e infra-estruturas das escolas radiofônicas; e
uma segunda, de 1963 a 1965, momento no qual há uma
expansão vertiginosa devido ao apoio do governo estadual. No
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entanto, após a saída deste governo, em 1965, o SIREPA entra


em declínio, sendo substituído “pela Cruzada ABC e pelos milhares
de dólares que o acompanhavam” (p. 179).
Sob o título “Questões Políticas e Educacionais no I
Congresso Sul-Americano da Mulher em Defesa da Democracia
(1967)”, o último (mas não menos importante) capítulo deste
livro, escrito por Charliton José dos Santos Machado, analisa e
contextualiza as teses sobre educação defendidas pela Campanha
da Mulher pela Democracia (CAMDE), criada em 1962 com o
apoio da Igreja Católica e de diretrizes políticas e partidárias
anticomunistas. A CAMDE chegou inclusive a estimular a criação
de outras organizações femininas como, por exemplo, “a Liga da
Mulher Democrática (LIMDE), a União Cívica Feminina (UFC) e
Movimento de Arregimentação Feminina (MAF)” (p. 192), às quais
participavam predominantemente mulheres da classe média de Rio
de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
O I Congresso Sul-Americano da Mulher em Defesa da
Democracia, realizado em 1967, é o ponto culminante dessas
organizações femininas de direita, sendo exposto pelo autor o
apoio incondicional dessas entidades aos projetos autoritário das
décadas de 1960 e 1970. Pois estava explícito nas teses do
referido congresso: “imprimir uma rigorosa orientação ideológica de
direita ao debate educacional, a fim de que todos os latino-americanos
integrados ao sistema escolar ou universitário fossem educados e
moldados às disciplinas de convivência patriótica” (p. 213).
Percebe-se, então, que a obra aqui resenhada é
distribuída conforme uma cronologia temporal progressiva, mas
sempre nos remetendo a questionamentos do tempo presente.

Sergio Ricardo Pereira Cardoso é Mestre e Doutorando em


História da Educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Pelotas.
E-mail: serricardoso@yahoo.com.br

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 25, p. 259-264, Maio/Ago 2008.


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Recebida em: 18/01/2008


Aprovada em: 20/03/2008

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Documento
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AS NOTAS DE SÍLVIO ROMERO
E O CULTURALISMO DO SÉCULO XIX
Jorge Carvalho do Nascimento

A recuperação das discussões e dos textos sobre política


educacional produzidos por no Brasil do século XIX é um
importante instrumento para a compreensão do quadro das idéias
e das práticas pedagógicas nos anos 800. Esta é uma tarefa nem
sempre muito fácil de realizar, uma vez que a indigência dos
arquivos brasileiros faz com que muitos documentos importantes
se percam. Daí a importância desta iniciativa tomada pela revista
História da Educação/ASPHE, publicando aqui o texto “Notas
sobre o ensino público”, escrito e publicado por Sílvio Romero em
1884/1901.
As idéias de Sílvio Romero sobre Educação encontram
suporte nos livros que ele mantinha em sua biblioteca, quando
morreu, no ano de 1914. Na coleção de 1717 exemplares
preservada na Biblioteca Pública Epifânio Dórea, em Aracaju,
107 livros constituem um acervo especializado em temas
educacionais. Os textos do inglês Herbert Spencer foram lidos
pelo intelectual brasileiro na sua edição em francês1, do mesmo
modo que foi esta a língua na qual Romero teve acesso ao
pensamento de William James2, dois intelectuais que admirava. O
estatuto científico que a Biologia e a Psicologia vinham
oferecendo à Educação, desde as últimas décadas do século XIX,
entusiasmou Romero. No seu acervo de 107 livros sobre
1
SPENCER, Herbert. De l’éducation intellectuelle, morale et physique. 9. ed.
Paris: Félix Alcan, 1894; SPENCER, Herbert. Educación intelectual moral y
física. Valencia: F. Sempere, [18--?]; SPENCER, Herbert. Principes de
psychologie. Trad. par Th. Ribot et A. Espinas. Paris: Félix Alcan, 1874. 2 v.
2
JAMES, William. L’idée de vérité. Trad. par L. Veil et Maxime David. Paris:
Félix Alcan, 1913; JAMES, William. Philosophie de l’expérience. Trad. par E.
Le Brun et M. Paris. Paris: Ernest Flammarion, 1910.

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Educação, 33 são dedicados a temas dessa natureza. Na sua


biblioteca, todavia há pelo menos uma ausência digna de registro.
Trata-se do livro do fisiologista e reitor da Universidade de Berlim,
Du Bois-Reymond, publicado em 1867 sob o título
L’enseignement au point de vie national. O texto do intelectual
alemão tomara como base uma conferência que este fizera sob o
título de “História da civilização e da ciência”. Nele, o autor
brasileiro localizou os argumentos teóricos que esgrimiu no seu
mais importante trabalho a respeito da Educação: “Notas sobre o
ensino público”.
Batizado Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos, Romero
nasceu em Sergipe, no dia 21 de abril de 1851, na vila de
Lagarto, uma das povoações mais prósperas da Província. A partir
de 1863 foi para o Rio de Janeiro, estudar no Atheneu
Fluminense, e em 1868, aos 17 anos, ingressou na Faculdade de
Direito do Recife, tornando-se bacharel em 1873. No ano de
1874 voltou para Sergipe, onde foi promotor e deputado
provincial. A partir de 1878 estava outra vez na Corte, onde
trabalhou como juiz de Direito, em Parati, e professor do Colégio
Pedro II. Em 1897, ingressou na Academia Brasileira de Letras.
Em 1900 foi eleito deputado federal por Sergipe. Ao morrer havia
gerado uma prole de 19 filhos, resultantes de três casamentos.
As idéias de Sílvio Romero constituíram, juntamente
com o pensamento de Tobias Barreto, o núcleo da chamada
Escola do Recife, balizando o movimento que se consolidou,
durante a segunda metade do século XIX, na Faculdade de Direito
pernambucana. Articuladora de um amplo debate livre no Brasil, a
Escola do Recife abriu o pensamento brasileiro para correntes
filosóficas que tinham pouca circulação no país. A defesa das
idéias materialistas cimentou o pensamento de Sílvio Romero em
torno de posições anticlericais, transformando-o numa espécie de
missionário da ciência. A fase da vida brasileira que ele inaugurou,
ao lado de Tobias Barreto, tinha o espírito crítico como seiva. A
visão de modernidade que buscou consolidar propunha a
eliminação do que afirmava ser o prolongamento incômodo do
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dogmatismo do passado, fundado numa concepção metafísica do


homem e do mundo, que Romero condenava de maneira
veemente.
Muitas vezes tomado como entusiasta do Positivismo,
Romero produziu a maior parte das suas idéias combatendo o
projeto positivista. As polêmicas que sustentou contra o ponto de
vista de intelectuais, como José Veríssimo, são um bom atestado
da sua posição. Tendo incorporado algumas idéias comteanas nos
primeiros anos da sua vida intelectual, Sílvio rompeu com o
Positivismo e era freqüentemente contestado por vários
positivistas. O livro Doutrina contra doutrina, escrito por
Romero, tem a crítica ao Positivismo como seu objeto central.
Um artigo publicado por José Veríssimo na Revista Brazileira fez
a animosidade entre ambos chegar às raias da intolerância. A
forma como Veríssimo o criticou irritou profundamente Sílvio
Romero. Romero passou a fustigar José Veríssimo em artigos que
publicava nos jornais do Rio de Janeiro. Veríssimo respondeu
publicando, pela editora Garnier, o livro Que é Literatura? As
últimas 60 páginas do livro são dedicadas a provocar Sílvio
Romero. Em 1910, Sílvio Romero publicou o livro
Zeverissimações ineptas da crítica (repulsas e desabafos), pela
Editora do Porto. A polêmica mobilizou toda a intelectualidade
brasileira dos primeiros anos do século XX. No Recife, o então
ainda jovem jornalista Assis Chateubriand publicou cinco artigos
no Jornal Pequeno, em defesa de José Veríssimo. Os artigos foram
transformados no livro A morte da polidez. O jornalista e poeta
Osório Duque Estrada, autor da letra do Hino Nacional
Brasileiro, publicou artigos no jornal Correio da Manhã, do Rio de
Janeiro, defendendo Sílvio Romero.
Tendo se consolidado como um intelectual importante,
durante a segunda metade do século XIX, Sílvio Romero viu
chegar o século XX aos 50 anos de idade e com o reconhecimento
de ser o mais importante crítico literário brasileiro. Virulento e
passional, Sílvio era sem dúvida nenhuma um dos intelectuais
mais vaidosos dentre aqueles que viveram a segunda metade dos
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anos oitocentos. A sua coleção de desafetos era inesgotável.


Convivia socialmente com José Veríssimo, mas mantinha com
este uma acirrada disputa pelo domínio da cultura nacional.
Sílvio Romero começou a escrever e participar de
polêmicas desde os 18 anos de idade, quando estudava Direito em
Recife, causando pânico a alguns e obtendo a admiração de outros,
conforme anotou Araripe Junior. Foi muito forte no seu
pensamento, desde o início, a necessidade de desmistificar tudo
que examinava, formando uma “concepção de crítica concebida
como vasta e complexa atividade de análise realista e rejeição de
preconceitos mentais, com vistas a uma reavaliação objetiva de
toda a cultura”3. Sílvio Romero foi autor de uma História da
Literatura Brasileira e iniciador entre nós dos estudos sobre
Folclore e Literatura Popular, recolhendo e analisando romances,
chácaras, advinhas, contos populares, literatura de cordel, cantigas
e provérbios.
A reforma do pensamento foi o caminho escolhido por
Sílvio Romero como via de acesso às reformas sociais. Para ele,
estava muito claro que realizações, discursos e projetos têm valores
diferentes. Por isto, buscou um discurso através do qual pudesse
convencer a intelectualidade brasileira quanto a viabilidade de um
novo projeto. Preocupado com o que entendia ser a ausência de
um projeto nacional brasileiro, ele foi articulador de um discurso
que, a partir do tema da cultura, propunha a galvanização do
Estado nacional. A partir das duas últimas décadas do século XIX,
Romero começou a realizar leituras e a esboçar um pensamento
pedagógico entusiasmado com os novos rumos que a Pedagogia
tomava, principalmente na Alemanha, criticando de modo
contundente algumas idéias pedagógicas assumidas por intelectuais
franceses.

3
Cf. CÂNDIDO, Antônio. Sílvio Romero: Teoria, Crítica e História Literária.
Rio de Janeiro/São Paulo: Livros Técnicos e Científicos/Editora da Universidade
de São Paulo, 1978. p. XIV.

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O texto “Notas sobre o ensino público” foi inicialmente


uma monografia apresentada por Sílvio Romero durante o
Congresso de Instrução Pública que aconteceu no Rio de Janeiro,
em 1883. O texto permite compreender o debate pedagógico que
se travava no Brasil, durante o século XIX, sob a influência da
Kultur alemã.
A sua experiência docente foi adquirida no Colégio
Pedro II, onde ingressou por concurso público, em 1882. À sua
maneira, Romero lutava contra o que dizia ser a mentalidade que
chamava de “reacionária e retrógrada” do ensino brasileiro. Vários
dos seus trabalhos, que tiveram a educação como temática, foram
publicados na revista Lucros e Perdas.

Nesse período, Sílvio Romero privilegiou os estudos em


Educação a partir das questões de Filosofia e do ensino
secundário. Fez críticas ao fato de a escola brasileira
haver reduzido o ensino de Filosofia a uma só matéria –
o ensino da Lógica – e defendeu ardorosamente o ensino
de disciplinas como Psicologia, Metafísica, Ontologia e
História da Filosofia. Também, durante o período em
que trabalhou no Rio de Janeiro, para o jornal “Diário de
Notícias”, Sílvio Romero escreve muitos artigos sobre o
ensino público4.

Publicado pela primeira vez em 1884, o texto “Notas


sobre o ensino público” expressa na sua primeira edição o
engajamento de Sílvio na campanha republicana, apesar das
restrições que fazia aos positivistas. A versão que circula neste
periódico é o texto da edição de 1901, publicado em uma
coletânea intitulada Ensaios de Sociologia e Literatura. Nesta
versão, Sílvio Romero revela a sua posição de crítico da ação do
governo presidencialista republicano, incorporando observações
irônicas sobre a política educacional de Benjamin Constant.

4
Cf. NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. A cultura ocultada ou a influência
alemã na cultura brasileira durante a segunda metade do século XIX. Londrina:
Editora UEL, 1999. p. 214.

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A discussão de Sílvio Romero, no texto de 1901, gravita


em torno de sete temas básicos: o Estado nacional; ensino público
X ensino privado; a liberdade de ensino; a influência estrangeira
na Educação brasileira; o ensino primário; o ensino secundário e o
ensino superior.
Sob o seu entendimento, a consolidação do Estado
nacional moderno requeria uma expansão intelectual permanente
da população. “A expansão intelectual é uma resultante da própria
existência do agregado político e nacional”5. Esse Estado que
requeria a expansão intelectual era o responsável pela unidade do
espírito nacional, o que a seu ver justificava o caráter nacional da
Educação e do ensino que marcaram a Pedagogia do século XIX.
Um ensino desse tipo precisaria ser fundado pelas aptidões étnicas
da nação, embasado na realidade da vida, na sua história, na sua
índole, nas suas aspirações fundamentais. Um ensino que
fortalecesse as qualidades nativas da raça, robustecesse o gênio
nacional e afirmasse a individualidade das pessoas, tendo como
pano de fundo a preocupação nacionalista patriota, a consagração
do que ele chamava de indigenismo digno. A relação Estado
nacional/ensino, tal como a via Sílvio Romero, era o que dava
sentido à estima própria que todo indivíduo deveria ter de si
mesmo; – interpretava o que para as nações se traduzia como
consciência do seu valor e confiança no seu destino. Por força
desse tipo de relação, assim como o Estado deveria ter
responsabilidades como agente da promoção do progresso e
assumir tarefas na Economia, deveria destinar parte significativa
do seu orçamento para zelar pela instrução pública. Dever que no
caso do Estado nacional brasileiro teria que ser um encargo do
poder central, se executados os moldes do figurino de Romero.
Essas e as outras concepções que defendia em Educação,
o próprio Romero revelava serem inspiradas na Pedagogia e na

5
ROMERO, Sílvio. “Notas sobre o ensino público”. In: Ensaios de Sociologia e
Literatura. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1901. p. 130.

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teoria do Estado de origens alemã. Para ele, somente o modelo da


reforma educacional da Alemanha poderia ajudar a Educação
brasileira.

Jorge Carvalho do Nascimento é Professor do Departamento de


História e do Mestrado em Educação da Universidade Federal de
Sergipe. Foi coordenador do Mestrado em Educação da UFS.
Doutor em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Atuou como pesquisador
(bolsa sanduiche CAPES) na Johan Wolfgang Göethe Universität
de Frankfurt, na República Federal da Alemanha. Publicou,
dentre outros, os seguintes livros: A Escola de Baden-Powell:
cultura escoteira, associação voluntária e escotismo de Estado no
Brasil, em 2008; Intelectuais da Educação: Sílvio Romero, José
Calasans e outros professores, em 2007; Ensino superior,
Educação escolar e práticas educativas extra-escolares, em 2006;
Problemas de Educação escolar e extra-escolar, em 2005;
Memórias do Aprendizado, em 2004; Historiografia Educacional
Sergipana, em 2003; A cultura ocultada, em 1998;
Universidade Federal de Sergipe, Centro de Educação de Ciências
Humanas, Departamento de História.
Avenida Marechal Rondon s/n
Rosa Elze
49100-000 - São Cristovão, SE - Brasil
Telefone: (79) 32126740 Fax: (79) 32126759
E-mail: jorge@ufs.br

Recebido em: 20/08/2007


Aprovado em: 15/02/2008

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NOTAS SOBRE O ENSINO PÚBLICO1
Silvio Romero

I. O ensino e a União

O que pretendemos escrever sobre o ensino público entre


nós vai ser muito diverso de tudo quanto neste país tem sido
publicado nesta matéria nos derradeiros vinte anos.
E vai ser diferente, não porque o julguemos melhor; pois
que não somos tão insensatos, como a muitos agradaria acreditar;
e sim porque, em vez de um tecido de citações, como é de moda
em tais assuntos, preferimos dar apenas a nossa opinião particular,
oriunda da prática do magistério, sem a mais leve preocupação, o
mais das vezes, do que se prática lá fora. Nossa leitura pedagógica
não é, infelizmente, muito vasta e, por isso, se nos antolha mais
acertado dizer o que temos visto e examinado por nossos próprios
olhos do que cercamo-nos agora de livros e caminhar nos ombros
dos outros. De pedagocices livrescas já andamos de sobra gafos, e o
ensino nesta terra começou a desandar justamente, exatamente
depois que entramos a encher a boca de palavrões sonoros e
farfalhantes, como recentes processos, modernas orientações, intuições
realistas, instrução integral... el le reste! Um tal ou qual
conhecimento da índole do povo, que presumimos ter, por have-lo
estudado sob formas várias, quer parecer-nos, às vezes, que nos
habilita a dizer alguma coisa que não é de todo para desprezar.
E pois, vamos ao assunto e sem mais preâmbulos.
A questão do ensino público entre nós só terá um
sentido racional, quando for presa à questão geral de nossa
organização política e ainda mais as nossas condições sociais, e for

1
Texto retirado da obra “Ensaios de Sociologia e Literatura”, coletânea de textos
do autor (Rio de Janeiro, H. Garnier, 1901, p.127-216). Digitado por Tatiane
de F. Emel (PIBIC/CNPq), João P. da Rocha (BIC/FAPERGS), revisado por
Maria Helena C. Bastos (PUCRS).

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um desdobramento normal de nossas aptidões étnicas e históricas.


Fora desse plano tudo quanto se disser será, talvez muito bonito
no papel, mas sem o mínimo valor no terreno maninho da
aplicação e da prática.
Temos nós aqui o ensino primário, o secundário, o
superior e o normal mais ou menos organizados. Mas quais são os
agentes, os fatores desses vários ramos da instrução?
A União, os Estados, as municipalidades, as associações,
os indivíduos; é a resposta, por assim dizer teórica, que não
esclarece a realidade positiva dos fatos. E assim que o ensino
primário escapa de todo à influência da União, o normal
completamente lhe saiu das mãos, e o secundário e superior lhe
vão fugindo, e, até certo ponto, com razão.
Será isto acertado sob todos os pontos de vista?
Bem sabemos que é hoje uma opinião repetida e
rebutalhada em todos os sentidos a conveniência de retirar do
Estado um certo número de funções e deixá-las a sociedade, que
fará da se. Credos políticos e filosóficos de cores diversas,
separados em questões múltiplas e variadíssimas, estão, entretanto,
de acordo neste ponto. Mas numa República federativa, onde a
União cabe a função suprema de manter a coesão nacional, será de
bom aviso tirar-lhe toda e qualquer ingerência no ensino público?
A fiscalização dos governichos dos Estados, com sua
politiquice ossificada, com suas preocupações motinas de
cambalachos de campanário, será a mais conveniente sob todos os
aspectos e em toda a linha? Eis a questão, a que vamos responder,
não consultando os tratados estrangeiros; mas abrindo o livro de
nossa experiência individual.
Do ensino primário e normal não se cogita na
Constituição da República. Ali só se fala no ensino secundário e
superior. Quanto a estes a União reservou-se, mas não
privativamente, o direito de provê-los nos Estados e no Distrito
Federal (Art. 35, SS 3 e 4) Terá sido bem inspirado o legislador
constituinte? Duvidamos. A questão do ensino é uma das que
devem ser retocadas no texto constitucional, não para conferir à
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União a direção do ensino superior, do normal e de todo o


secundário, senão para lhe entregar pura e completamente o
ensino primário. Raciocinemos.
O ensino superior é, por sua complexidade, por suas
tendências especialistas, nas sociedades modernas a preparação
técnica para certas e determinadas funções e carreiras. Pressupõe
um largo desenvolvimento da cultura geral, uma vida social
adiantada, onde singulares necessidades aparecem e procuram
naturalmente sua própria realização. Nesses centros progressivos,
onde a expansão intelectual é uma resultante da própria existência
do agregado político e nacional, o ensino superior surge
espontaneamente, iniludivelmente, como uma função da sociedade
mesma e os governos podem perfeitamente abrir mão de sua
direção sem prejuízos e sem abalos. A instrução superior é, pode-se
dizer, um luxo, que cabe relativamente a poucos.
Não é tudo: é um ensino que versando sobre os mais
árduos pontos doutrinários, envolve necessariamente a vexata
questio da religião e da filosofia de cada um, terreno em que o
Estado não tem que por o pé sob pena de disparatar. Em tais
condições, nem mesmo à União caberia ter na Capital Federal
escolas superiores que fossem modelos para servirem, si et in
quantum, de paradigmas para se modelarem por elas as criações
congêneres da iniciativa particular e social deixando o resto a esta.
Nem isto, abstenção completa.
Pelo o que toca ao ensino secundário já o mesmo
proceder não seria acertado no Brasil, isto é, deixá-lo por toda a
parte entregue à nação mesma, que procurasse sair do embaraço
por meios das associações, confrarias, indivíduos, etc., conforme a
capacidade de que se mostrassem dotados, esperando que a
concorrência tivesse, neste terreno, em si mesma a indispensável
correção. A União deveria reservar para si, neste ramo de ensino, o
direito de dar na Capital Federal o modelo, que se importa não só
com a obrigatoriedade legal, mas ainda pelos métodos e pelo
pessoal docente.

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A abstinência completa no ensino superior, deixado à


sociedade, o Estado Federal, a União juntaria no secundário a
intervenção forte no centro.
E o ensino primário?
Aqui a coisa muda muito de figura. A União deveria
resolutamente, radicalmente ocupar-se dele por toda a vastidão do
país. As razões são as seguintes:
O ensino primário é a paga inadiável que o Estado deve
a todo a cidadão brasileiro, como cidadão, desde que o priva de
votar quando é analfabeto. (Art.70, S2 da Const.) O ensino
primário é a arma que toda a sociedade moderna é forçada a dar,
como ponto de partida, na luta tremenda da organização
econômica da atualidade, onde o trabalho é cheio de terríveis
exigências impostas pelo capital. É, nas sociedades democráticas
onde o governo não existe por favor de Deus ou dos grandes, mas
por necessidade do próprio povo, a condição mais elementar do
exercício do mesmo governo. Não envolve questões transcendentes
de doutrina, que corram o perigo de chocar as crenças de quem
quer que seja, a vista de sua própria elementaridade, e por isso
pode e deve ser uma função pública geral. Não importa num luxo,
não passando, ao invés, da mais urgente necessidade. Não é
técnico e especializador a ponto de requerer diferenciações: é igual
e o mesmo para todos.
É conveniente retirá-lo dos vai-vens e baixezas da
politiquice aldeã e dar-lhes um tom em que a pátria, a grande
pátria sobrepuje a tudo. É desta arte, um agente robusto e
poderoso e facílimo de união, de consolidação dos laços nacionais
que se vão afrouxando desoladoramente.
Assim como nos nossos estados por maiores que sejam e
mais populosos, se lhes deveria marcar um maximum a sua
representação no Congresso da nação, e o maximum as suas
milícias a primeira providência para que eles os Estados grandes,
não sufoquem os pequenos na Federação, como o faziam no
Império, e a segunda para que não organizem verdadeiros exércitos
que unidos os de dois ou três, excederão de muito o exército
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nacional, assim também o ensino primário, como a principal pedra


para a formação do caráter do povo, deveria ser um predicado do
governo geral.
Cremos ser esta hoje a tendência nos próprios Estados
Unidos e o fato na Inglaterra, duas nações que sabem o que
fazem. Oxalá podessemos neste ponto imitá-las!

II. Liberdade de ensino em geral. Obrigatoriedade do


primário.

Antes da discussão de teses mais especiais e técnicas,


digamos alguma coisa da liberdade doutrinaria de ensinar em geral,
e da obrigatoriedade de aprender na instrução primária.
Se existe tese discutida em todos os sentidos, relatada
para todas as faces, é a da liberdade de ensino, o que não priva,
alias, que corram mundo a sua conta certas idéias errôneas.
Algumas noções capitais, e entre elas a principal de todas
– o que seja a própria liberdade de ensino, ainda não saíram
completamente do ninho das noções obscuras.
Sobre o ponto em questão se nos deparam, antes de
quaisquer outras, duas soluções: a brasileira e a prussiana.
A teoria inconscientemente admitida no Brasil sobre
liberdade de ensino é puramente exterior, não penetra no âmago
dos fatos, é altamente nociva e de todo errônea.
Essa liberdade consiste no poder de cada um, quem quer
que seja, ensinar conforme os sistemas e programas formulados pelo
governo!...
Este modo de resolver a questão é meramente exterior;
porque não desce a levar a liberdade até à matéria e as doutrinas do
ensino, e refere-se somente ao pessoal docente a quem, aliás, não
se pedem habilitações.
É nocivo, porque, as mais das vezes, consagra à
ignorância o direito de ensinar, a qualquer indivíduo; não

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preparado, o poder de estragar inteligências, porque não pega o


problema por sua face principal.
Justamente o inverso da doutrina alemã.
Na Alemanha não existe liberdade de ensinar no sentido
de quem quer que seja, qualquer parvenu, poder lecionar. Só pode
ali ensinar quem está inteiramente habilitado, quem tem instrução
demonstrada, e, avistados a prova obtém autorização do governo.
Se há, porém, este afastamento da ignorância, deixa-se, por outro
lado, uma imensa latitude ao professor, quando os métodos e ao
que toca à natureza das doutrinas.
O professor alemão é uma força autonômica, sua classe
é estimada, sua careira oferece atrativos e a sua preocupação
principal é desenvolver a elasticidade latente dos espíritos e formar
as faculdades de exame, preparar o caráter de independência da
razão, e por isso o pedagogo alemão está sempre a repetir – que a
letra mata e o espírito vivifica.
Nós não entendemos assim; supomos, para nosso uso de
povo das exterioridades, que devemos rebaixar o ensino, pondo-o
ao alcance de ser exercido pelos ignorantes, contanto que
ilusoriamente declaremos patrimônios de todos e mostremos ao
mundo pomposos programas, mas sempre revisados pelo governo!
Nada de profundeza e autonomia da inteligência, decorem-se
fórmulas, escravize-se o raciocínio, aprendam-se inutilidades,
fuljam as douraduras aparentes, impere o charlatanismo e tudo
está feito!
Ora, nós o perguntamos: qual dos métodos, qual das
duas soluções da questão é mais verdadeira, mais progressiva? A
resposta não pode ser duvidosa, mesmo para os espíritos
obcecados.
Entendemos portanto que o dever do nosso governo se
ele quer o bem servir o país, é tornar efetiva e amplíssima na lei a
liberdade completa e radicalissima de doutrinas e métodos no
ensino, deitando por terra as compressões de um suposto ensino
oficial por um lado, e, portanto, para que esta liberdade seja uma
realidade, levantar a classe do magistério, oferecendo-lhe mais
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atrativos e maiores garantias de independência, exigindo-lhe em


troca instrução sólida.
Neste terreno temos já alguma liberdade, ainda que
bastante lacunosa, que é preciso manter e ampliar. O ensino entre
nós não é, nunca foi, senão nos tempos coloniais, o privilegio de
uma classe.
Hoje a carreira do professorado está aberta a todas as
capacidades.
Esta liberdade deve ser sempre mantida nos cursos
particulares e penetrar fortemente nos cursos oficiais; mas sem
estorvo, sem peãs de qualquer espécie.
O ideal em matéria de ensino seria, como em outras,
que o Estado não se envolvesse nele, deixando esta função pura e
exclusivamente aos particulares, especialmente no superior e em
grande parte do secundário.
Ou seja por vícios de educação, ou por qualquer outra
causa, não poderemos tão cedo alcançar essa altura. Apesar da
faculdade concedida há alguns anos por lei, o ensino superior é e
tem sido até aqui quase exclusivamente fornecido nas escolas
governamentais: o primário ainda entregue ao oficialismo das
municipalidades e dos Estados. O ensino secundário abre até certo
ponto uma exceção.
Procuremos desenvolver o espírito de iniciativa neste
ramo da atividade nacional.
E as doutrinas perigosas? perguntarão naturalmente.
E quais são as doutrinas perigosas? Serão as teorias
filosóficas ou cientificas?
Elas modificaram-se com as fases diversas que a
humanidade atravessa e não há poder nenhum político, que as
possa obstar. Será o amor livre, o mormonismo, o espiritismo, a
feitiçaria? Contra estes bastará o bom senso público e a livre
concorrência. O corretivo para o mau professor é colocar um bom
ao lado dele.
Em resumo:

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A liberdade de ensinar se refere ao pessoal a quem se


concede esta faculdade, e diz respeito principalmente as doutrinas
a transmitir.
Somos de parecer que, em relação a primeira parte, isto
é, as habilitações dos professores, o Estado deve conservar o seu
direito de intervenção, usando dele com o máximo critério; quanto
a segunda, não é da sua competência julgar de doutrinas. Para
aquilatar da capacidade do professor basta-lhe submetê-lo ao
exame de pessoas ilustradas e insuspeitas.
Para avaliar doutrinas falece-lhe todo o critério e começa
a imperar o capricho ou prejuízo. Ao Estado cabe, porém, por
todos os meios justos, zelar pela unidade do espírito nacional.
Vamos a outra questão.
Não achamos que seja ainda hoje necessário defender
teoricamente o salutar princípio da obrigatoriedade do aprendizado
primário. É um debate julgado e que passou ao domínio da
prática.
Facta Loquuntur.
O princípio da obrigatoriedade do aprendizado primário
é uma das conquistas mais esplêndidas da civilização moderna.
A Antiguidade e a Idade Média, que não tinham uma
intuição muito justa da solidariedade humana, não podiam deixar-
se imbuir das nobres aspirações de altas tendências democráticas e
cosmopolíticas. O saber, o grande operário da confraternidade
contemporânea, não era tido em muita elevada conta: era mesmo
desdenhado por certas classes, e, portanto não poderia jamais
tornar-se obrigatório.
As nações modernas, com a descoberta e desbravamento
de regiões inteiras desconhecidas, com a fundação de
nacionalidades novas, com o aumento pasmoso da população, com
a decrepitude das velhas organizações militares, com o advento de
indústrias desconhecidas, viram surgir um grande número de
problemas urgentes, iniludíveis, e compreendam, que na luta pela
existência os seus cidadãos não teriam de então em diante a contar
só com o braço, seria necessário contar, antes e acima de tudo,
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com a idéia. Daí, a alta conta em que foi tida a instrução, daí,
como a arma de aperfeiçoamento e luta, o aprendizado
obrigatório.
A nação ilustre, que se pode considerar o grande modelo
em matéria de educação intelectual, a Prússia, é a notável mestra
da escola co-ativa.
Desde os tempos do grande Frederico, a instrução
publica prussiana entrou nesse caminho evolucional de amplo e
auspicioso desenvolvimento. Esmagada em 1806 pelos exércitos
franceses, foi, como geralmente se repete, ainda à instrução que se
socorreu aquele povo para se reerguer. O resultado foi, o que todos
sabem, o engrandecimento constante da pátria de Humboldt, sua
marcha de vitória em vitória até Sedan....
Não foi, por certo, exclusivamente a obrigatoriedade da
instrução primária que a Alemanha deveu os seus triunfos: mas à
sua educação modelo deve ela grande parte se suas vantagens.
Abriguemos-nos a este exemplo, que é também o dos
Estados Unidos, Suíça, Dinamarca e Inglaterra.
E se tais modelos não nos convém, por serem de povos
protestantes, pertencentes às raças germânicas, gentes do norte,
abriguemos, nos ao exemplo recente fornecido pela nossa mestra –
a França, a quem devemos sempre e sempre obedecer, na opinião
dos seus devotos.
As objeções opostas à obrigatoriedade do ensino
primário, tais como ofensa à liberdade dos cidadãos, ataque ao
direito dos pais, etc., achamo-las tão fúteis, que não julgamos
dignas de resposta.
Os meios práticos de tornar efetiva a obrigatoriedade do
ensino são de três ordens: sua gratuidade, a difusão de escolas por
todo o país, especialmente nos centros mais populosos, e a
imposição de penas aos pais, tutores, protetores, etc..., que não
mandarem à escola seus filhos, pupilos, protegidos, etc.
Estas medidas justificam-se por si mesmas. A difusão
das escolas é uma condição indispensável para legitimar a
exigência por parte do Estado. Se ele impõe a obrigação de
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aprender aos súditos, é obvio que deve facilitar a aquisição do


ensino.
A gratuidade acha-se nas mesmíssimas condições. Na
Europa, em países onde abunda o pauperismo, além da gratuidade,
os governos e municipalidades distribuem às crianças desvalidas –
roupas, livros e utensílios indispensáveis ao ensino.
Para isto provaca-se a criação de comissões escolares
com certos fundos, etc. Quanto às penas, devem ser: multas,
perda de certos direitos políticos e prisão em casos de tenaz
reincidência.
Pertence ao tino e perspicácia do legislador graduar
convenientemente, atentas certas circunstâncias práticas, a maior
ou menor intensidade dessas penas.

III. Espírito do ensino, principalmente primário e


secundário.

Não há dúvida: existem certos fenômenos sociais que


seguem marcha cometaria, aparecendo periodicamente em lapsos
de tempo mais ou menos longos. Tem-se notado que, de séculos a
séculos, determinados fenômenos reaparecem com uma
regularidade cíclica singular.
As questões que dizem respeito ao ensino público estão,
ao que parece, neste número. No último quartel do século XVII
estiveram elas na ordem do dia.
Desapareceram, mais ou menos completamente, da
cena, para surgirem de maneira totalmente tumultuária e desusada
nos últimos decênios do século passado. Ei-las que botam de novo
as faces de fora neste final de século e com um barulho
extraordinário.
No século XVIII o plano, a pretensão, o ideal era a
educação dos príncipes, como preparo e condição para obter a
felicidade dos povos.

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Em nosso tempo a propaganda mudou de direção, de


sistema: procura-se influir diretamente na educação do povo, no
intuito de abrir-lhe novas perspectivas de progresso e de liberdade.
Outrora os filósofos escreviam tratados para a educação
dos jovens candidatos ao trono; hoje publicam livros para a direção
imediata do aprendizado popular. Sabe-se, pela história, que a
antiga propaganda não produziu frutos que tivessem valor... E a
moderna campanha será mais feliz? Os velhos processos de ensino
eram certamente mancos e rotineiros; em compensação, porém os
novos são abstrusos, complicados, anárquicos, cheios de
dificuldades, algumas quase insuperáveis.
Os diversos sistemas filosóficos, as diferentes seitas
científicas, as múltiplas escolas literárias, os variados partidos
políticos, todos una voce, vieram meter a sua enfiada de pretensões
nas doutrinas da pedagogia, por tal arte que já hoje em dia, existe
alguma coisa de mais alarmante do que a anarquia política, ou a
anarquia industrial, é, como cremos já ter sido dito por alguém,
anarquia pedagógica.
O que podemos afirmar, por nossa prática e direta
observação, é que jamais esteve, entre nós, tão decadente o ensino
público, jamais eles se debateu com tão deplorável estado, como
atualmente, depois do abandono dos velhos sistemas, antes que
estivéssemos aptos a empregar os novos métodos.
Exatamente hoje, repetimos, quando toda a gente vive a
atordoar os ares com as questões do ensino, os nossos processos, a
moderna orientação, as normas da pedagogia moderna, a educação
científica, e quejandos brados de trefega pedanteria, precisamente
agora é que não possuímos um colégio que preste, um Liceu que
valha alguma coisa, estudantes que se apliquem com o mesmo
fervor dos velhos tempos, professores que tenham pleno gosto e
plena confiança em sua carreira.
Escusado é protestar que falamos em tese, bem longe de
personalidades, em um sentido inteiramente geral.

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Não é para juntar mais uma voz à anarquia e ao


desalento de todos que vimos folhear também o livro de nossas
desilusões em matéria de ensino.
Não somos do número daqueles que acreditam piamente
devermos voltar ao passado neste ponto. Voltar como e porque
meio? As viagens retroativas são sempre estafantes e prejudiciais
aos povos. Andar para diante é nosso dever: porém andar como,
qual deve ser o guia, que nos avise dos tropeços e sinuosidades da
estrada?
Eis a questão.
O Brasil, como outros povos da América, não escapou
às agitações pedagogistas.
O engoement chegou até nós. É força curvarmos-nos a
ele; ninguém se liberta de todo de seu meio e ainda menos de seu
tempo.
As nações americanas, distanciadas notavelmente dos
povos europeus em tudo quanto representa a cultura real, em tudo
aquilo que é o fruto do qual uma longa evolução é a flor, as nações
da América tem, todavia, um doloroso destino a cumprir: estarem
ao par dos vícios da Europa e serem a vítima deles. No que diz
respeito às dificultosas conquistas, que demandam tempo e lutas
porfiadas, a assimetria é completa; no que se refere a erros,
disparates, vícios, desvios sociais, perfeito e exato sincronismo.
Tanto é verdade, que o mal é sempre fácil de propagar-
se.
O Brasil, pois, não tinha meio de escapar à invasão da
enxurrada pedagógica. Ela veio e alastrou despoticamente.
Mas agora perguntamos nós: que havemos lucrado com
os livros, brochuras, pareceres, relatórios, revistas, projetos, planos,
e quanto outros artefatos do gênero têm aparecido sobre o
assunto?
Nada, ou quase nada. Qualquer outra resposta não será
sincera.

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Alguma outra coisa para a vista, alguma coisa para dar o


que falar, para despertar, por qualquer motivo, a atenção, e mais
nada.
Resultado benéfico, positivo, real, não conhecemos.
Nem é de hoje só o mal.
Desde o tempo do príncipe consorte as questões de
ensino foram ilusões para inglês ver, segundo a frase da moda.
Exposições pedagógicas, congresso pedagógico,
conferências pedagógicas, museu pedagógico... tudo isto era para
armar ao efeito.
Quereis uma prova? Estudai a literatura do assunto no
país.
Se fizerdes exceção de algumas paginas dos srs. Ruy
Barbosa, Herculano Bandeira, José Veríssimo e Arthur Orlando,
o resto deve ir para o fogo em quase sua totalidade.
É uma literatura de retalhos e fragmentos, muito terra a
terra, sob a forma sempre de relatórios, informações ou pareceres. –
Nada de doutrinas próprias, de observações e experiências diretas,
de mediação ou crítica original sobre os problemas precípuos ao
assunto. Os autores por via de regra, dizem sempre – em tal parte
faz-se isto ou aquilo, em tal outra parte pratica-se deste ou daquele
modo e mais nada.
E do meio dessa esterilidade, apenas talvez evitada pelos
quatro autores acima lembrados, nada pode sair de proveitoso,
porque ali falta o principal: porque falta justamente aquilo que nos
podia ilustrar: o espírito, a alma das organizações que são
materialmente indicadas sem ser compreendidas.
Há vinte anos são estudadas neste país as questões da
instrução publica.
Sabe-se que tais assuntos, para ser entendidos e
resolvidos com acerto demandam trabalhos prévios de estatística.
Quem os fez entre nós? Ninguém.
Demandam estudos de psicologia popular para que se
bem compreendam a índole, as aptidões, as tendências, os ideais
nacionais.
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Quem os fez entre nós? Ninguém.


Demandam grandes estudos históricos e geográficos
sobre o país, mandamos preparar pelo governo, por estarem acima
das forças do indivíduo isolado, numa região tão grande e de tão
difíceis comunicações.
Quem os fez metódicos, regulares, certos para serem
utilizados no ensino? Ninguém.
Toda e qualquer modificação, toda e qualquer reforma de
antiquados hábitos, só é acertada e viável quando é apenas uma
conseqüência de premissas dadas; quando, por outros termos, é
uma proteção de antecedentes históricos. E, entre nós, quem já se
lembrou de estudar e escrever a história da instrução publica nesta
parte da América?
Quais as matérias entre nós lecionadas no primeiro
século da conquista? Quais os livros de classe? Quais os métodos?
E no século seguinte? E no século XVIII? E nos tempos de D.
João VI, e mesmo de D. Pedro I? Quais as reformas operadas no
decorrer destes três séculos?
Em que proporção desenvolveu-se o ensino primário?
Qual a sua freqüência? Qual a organização do ensino secundário
ou de humanidades? Qual nele a parte da matemática? Qual a
parte das línguas clássicas? Qual o Estado do ensino das ciências
naturais até os dias da Regência?
E o ensino superior como nasceu e desenvolveu?
São questões que nunca foram levantadas no Brasil. São
perguntas a que ninguém, absolutamente ninguém, sabe responder
atualmente neste país.
E é por aí que deviam ter começado os reformadores.
Nem também nós poderemos, na precipitação de escritos
próprios de simples colaboração periódica, elucidar tão grave
obscuridade histórica já de si demasiado embaraçosa diante do
mutismo dos cronistas e escritos antigos.
As questões de educação e instrução popular não tinham
aos olhos de nossos antepassados o mesmo valor teórico e social
que hoje se lhes dá. O mesmo acontecia em geral com todos os
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assuntos, que são elementos da história da cultura humana, hoje


tão notados, tão exagerados até por vezes.
Uma nova concepção da história trouxe para o primeiro
exatamente aqueles assuntos que outrora, ocupavam o terceiro ou
quarto plano.
Os reis, as aristocracias, os grandes atores das mortíferas
batalhas deixaram a frente da tela e foram postar-se atrás dos
obscuros operários das idéias, das doutrinas, dos sistemas, atrás de
todos aqueles que hão contribuído, por qualquer forma, para
distender os raios da inteligência humana e aliviar as penas de
nossos semelhantes.
Já bem se compreende a obscuridade em que livros e
professores deveriam ficar aos olhos de nossos cronistas e velhos
historiadores.
Ainda assim, vimos alguma coisa que pode ser joeirada
em Cardim, Anchieta, Nóbrega, Jaboatão, Antonio Joaquim de
Melo, Saint Hilaire e pouquíssimos outros.
Com tão parcos elementos é impossível fazer a história
da instrução pública no Brasil nos tempos coloniais.
É, porém, praticável a restituição do espírito geral que a
animava, e, para o que pretendemos, é quanto basta.

*
* *

A espíritos superficiais, e despidos do mais elementar


senso histórico, afigura-se ter sido a tal ou qual organização do
ensino, que possuíamos no tempo do império, uma coisa caída das
nuvens, graças aos encantos de D. Pedro e de seu velho camarada,
o visconde de Bom Retiro.
Não pode haver maior cegueira. As decantadas reformas
e reorganizações da instrução pública, decretadas no tempo do
segundo imperador, quase sempre intempestivamente e por mero
capricho de ministros sem critério, tomadas em globo,
especialmente as últimas, constituem verdadeiro regresso diante do
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que já possuímos, desde os tempos da colônia. É preciso que


distingamos: consideradas em sua totalidade, as populações
brasileiras daquele tempo estavam em grande atraso, sob o ponto
de vista da instrução. Grande verdade é esta, máxima se nos
reportarmos às populações sertanejas. Ainda em começos do
século atual, um homem sério e observador perspicaz, qual Saint
Hilaire, podia escrever palavras como estas:
“Alheios às idéias elevadas e aos impulsos generosos,
quase estranhos até ao exercício das faculdades intelectuais, os
sertanejos levam uma vida animal e só saem de sua apatia para
afofar-se nos mais grosseiros prazeres. Só uma sólida instrução
religiosa e moral poderia tirar dessa espécie de bestificação e
levantar-lhes a alma à altura da dignidade humana. No atual
estado das coisas só o clero lhes poderia dar aquele ensino.
Mas nós já vimos quão pouco em Minas, em geral, o
clero se ocupava da instrução dos fiéis, e fácil é compreender que
menor ainda deve ser o zelo de alguns poucos eclesiásticos,
espalhados num país deserto, longe de toda a repressão, onde não
tem a guardar nenhum decoro, onde, em uma palavra, é difícil aos
exemplos dos leigos o não influírem sobre o proceder dos
pastores.” Tal estado de coisas, porém, é agora o mesmo: ainda
hoje, na frase de Buckle, as populações do alto centro estão, entre
nós, entregues aos mais inveterale barbarism...
Tal situação não foi privilégio dos tempos coloniais, e
podemos dizer que as populações das principais cidades,
relativamente às condições da época, estavam, no tocante do
ensino, mais adiantadas do que as de agora. Façamos abstração
dos estrangeiros instruídos que hoje tem residência entre nós,
deixemos de lado os ilusórios títulos de associações vistosas, que
nada fazem, não levemos em conta a farfalhada tapageuse de
programas assombrosos, que se não realizam, tiremos a douradura,
os papéis pintados, as fitas vermelhas, as lantejoulas iriadas do
nosso saber oficial, pedantesco, palavroso, e havemos de convir que
no fundo não passamos de uns ignorantes, tão pomposos quanto
fúteis. Nós possuímos apenas uma ilustração barata, avariada e
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enfeitada com palavras bonitas, ou que o supõe ser. Nos seis


ensinos – primário, secundário, superior, normal, artístico e
técnico, - não somos um povo conscientemente feito e preparado.
No ensino secundário, por exemplo, temos até retrogradado; no
profissional é a mesma coisa, havemos andado para trás...
Ora, estes dois ensinos, por sua índole e natureza, são os
mais valorosos como força estimulante e propulsora da vida
progressiva de uma nação.
O primeiro é o que ajuda a formar, estender e reforçar as
faculdades do homem de cultura.
E tem esta prerrogativa por vinte razões, cada qual mais
concludente. É o que acompanha o homem na época da evolução
autonômica do seu espírito, dos 12 aos 20 anos; é o que, pelo
cultivo das línguas clássicas, de ordem sintética, dá-lhe aquela
dexteridade superior da inteligência; é o que, ainda pelo cultivo
dessas línguas e literaturas, fortalece-lhe o espírito e anima-lhe o
coração, colocando-o no meio da corrente mais viva da civilização
ocidental. Para o homem, que aspira a uma cultura humana,
desinteressada e idealista, é esse o ensino fundamental.
O outro, o ensino profissional ou técnico, é o que se
destina aos futuros cultores da agricultura, do comércio, das
indústrias. É preciso ser de todo cego para lhe desconhecer a
importância.
Pois, o império a desconheceu, deixando acabarem,
deixando morrerem as criações da colônia nesse ramo do saber
prático!...Igual proceder, desarrazoado e retrógrado, teve ele para
com as humanidades.
A história da instrução popular no Brasil demonstra-o
de sobejo.
Na instrução primária e superior o império alargou, pelo
fato material do aumento da população e da riqueza, um pouco
mais a que lhe outorgara a colônia; em instrução secundária e
profissional andou, repetimos, para trás.
É assim que desapareceu completamente o estudo da
língua hebraica de que tínhamos diversas cadeiras; é assim que
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reduziu-se ao sofisma no ensino do Colégio de Pedro II a lição de


grego, de que tínhamos também diversas cadeiras; é assim que
fecharam-se algumas aulas de comércio e agricultura estabelecidas
em mais de um ponto do país. Mas não é só na morte e na
desaparição de mais de uma criação dos tempos coloniais que se
ostenta irracional a cegueira do império. Mesmo pelo espírito, pelo
método, pela severidade, pela profundeza, o ensino de
humanidades decaiu pasmosamente no Brasil.
Sabemos disto, comparando a plêiade de homens, como
Alexandre de Gusmão, Rodrigues Ferreira, os dois Câmaras, os
dois Velosos e vinte outros que foram verdadeiras notabilidades
européias, com o nosso anonimato de hoje. Sabemos disto,
comparando os Andradas e as cinqüentas figuras de gigantes que
fizeram de nós uma nação, com os pigmeus de hoje, que sabem
frases e fórmulas, mas não sabem pensar; que têm palavreado,
porém não têm idéias; que são mestres em basofias e charlatanices,
mas andam aí atordoados, sem saber dar solução à serie intermina
de desacertos que os afoga.
Sabemos disto, pondo um homem de cem ovados, como
Vieira, filho do Colégio da Bahia, de pé isolado na superfície
chata, que é hoje o Brasil, depois que cinqüenta anos de
imperialismo mataram o ensino secundário, com o seu
industrialismo, o seu filhotismo, o seu grosseiro materialismo da
instrução, para fazer exames, para pagar a matíicula, para conseguir
a carta, para obter o emprego, o que é a origem do ensino a retalho,
por caderninhos de pontos, verdadeira dosimetria da ignorância,
que envenenou as quatro últimas gerações brasileiras...
Sabemos disso, comparando alguns homens que, acaso,
ainda aí andam, que são daqueles que tiveram bons estudos
clássicos, ao geral dos nossos formados de hoje, e notando a
distância, a enorme distância que medeia entre um espírito
cultivado metodicamente, disciplinado pela cultura organizada, e
as cabeças tumultuariamente cheias, dos frangalhos desconexos de
umas modernices suspeitas.

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As questões mais sérias de hoje, em assunto pedagógico,


são as que se referem ao espírito mesmo do ensino, onde se
debatem a velha e nova intuição do mundo e da sociedade.
Homens precipitados sem capacidade filosófica e doutrina, cabeças
superficiais, desorientadas pelo espetáculo vistoso do
industrialismo hodierno, entenderam de tal ser, em definitiva, o
espírito dos modernos tempos e sonharam introduzir esse
materialismo, essa americanização, até na esfera do ensino.... E foi
justamente a instrução secundária que teve de ser sacrificada a esse
Moloch da atualidade.
Entretanto, santa e previdente reação levanta, se já de
toda a parte e começa-se a compreender que, neste assunto, a
verdadeira solução, longe de ser a negação da velha instrução
clássica e de seus métodos, é, ao contrário, a rejuvenescência
desses processos e dessa antiga cultura humanitária e elevada. E
esse renascimento vai pedir apoio justamente às mais seguras
conquistas das ciências.
O novo idealismo da cultura, firmado na doutrina da
evolução, representando a cadeia histórica do pensamento
humano, não pode desconhecer os mais belos anéis dessa cadeia,
que estão presos na Renascença, em Roma e na Grécia.
O industrialismo pedagógico não pode encontrar guarida
em espíritos verdadeiramente cultos e em corações nobremente
formados. Pois bem, havemos de ver que, neste caminho, mais
depressa encontramos auxílio em mais de um velho antecedente da
colônia do que em algumas patacoadas teatrais do império e ainda
mais da atual República.
Teríamos receio de perder-nos no vasto campo das
questões do ensino, região safara, onde não se acham veredas
seguras que possam guiar o caminhante, se não estivéssemos
resolvidos a reduzir o debate e a sistematizar as idéias.
Tem sido tão intensa e despropositada a gritaria
pedagógica deste final de século, que é essa hoje uma disciplina
pouco atraente para os espíritos que não se pagam com visagens e
declamações.
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No desejo imponderado de tudo demolir, agitaram


questões, onde questões não havia, nem se supunha que pudesse
haver.
Tudo serviu de alimento a uma polemização sem norte,
sem critério seguro, sem ideal convicto. Não nos iremos meter
nesse cipoal... sem saída, onde se perde o senso das lutas sérias e
das idéias elevadas.
Das três mil questões, dos três mil pretensos problemas
do ensino tomaremos a cautela de avistar-nos apenas com quatro
ou cinco, deixando os outros aos alquimistas do dia. Eles que se
deliciem, envolvendo-se aos mil fantasmas criados por sua própria
imaginação.
Livros e livros fúteis andam aí a pregar desarranjadas
fantasias, que muita gente tem a ingenuidade de tomar por
verdades aproveitáveis.
Nesse despenhar de extravagâncias sobre o terreno do
ensino público, este corre o risco de naufragar, debaixo do
acúmulo de inovações por vezes completamente insensatas. É
preciso muito critério para joeirar, no meio do tumulto de
doutrinas e teorias que se chocam, as idéias justas e aptas a uma
aplicação de bárbaros, em um status causoe el controverlice.
Em cada uma das três clássicas divisões da instrução,
primária, secundária e superior, é interminável a desfilada de
pretendidos problemas que pedem solução.
Somente alguns merecem atenção séria a quem se ocupe
destes assuntos.
E neste número colocaremos somente aqueles que dizem
respeito ao espírito mesmo do ensino.
Aí é que se sente bater o coração do debate.
Pode-se dizer que os adversários estão divididos em dois
grupos: de um lado, os sectários dessa modéstia hodierna,
chamada, com razão ou sem ela, a americanização da inteligência e
do caráter; de outro lado, - os pugnadores em prol de uma cultura
mais livre em seus vôos e intuitos, mais desinteressada em seus
desígnios e aspirações.
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Os primeiros apelam para a feição dos modernos tempos,


que se lhes atulham duros e intransigentes em suas exigências.
Estamos na fase do industrialismo: deixemos-nos de idealidades,
impotentes hoje.
A evolução histórica precipitou de suas alturas todas as
aristocracias e com elas também a aristocracia do talento e do
saber. A função de produzir grandes idéias, grandes doutrinas,
grandes obras de arte, não tem mais hoje por órgão especial uma
classe determinada de indivíduos selecionados pelo privilégio do
repouso e da aplicação a uma cultura determinadamente delicada e
seleta. A população transbordou sobre toda a velha Europa e vai
apagando todas as exceções tradicionais.
O mesmo é o que tem sido feito na América onde o
plebeísmo de tudo e de todos é regra que não poderá ter exceção.
É o advento do quarto estado, o domínio da democracia
pura, o reinado do proletariado em todo o mundo ocidental, desde
os montes Urais até às campinas da Austrália; passando pelos
pícaros dos Andes.
E quem diz quarto estado, democracia pura,
proletariado, diz implicitamente luta contra as primeiras
necessidades, luta pela vida no que ela tem de mais ingentemente
doloroso, luta contra a miséria, que nos acena de toda a parte, e
que vem a nós de todos os lados.
Num mundo destes, num momento social desta índole,
não havemos mister de literatos, e sim de industriais; não havemos
mister de quem saiba grego e latim, e sim de quem saiba montar
uma máquina, não havemos mister quem saiba quais as correntes
ideais de nossa civilização, o que nela dimana de hebreus, de
gregos, de romanos, e sim de quem conheça as propriedades do
ácido fluorídrico ou do manganês. Para tanto queremos, à feição,
montar as peças de nosso sistema de ensino, desde o mais
rudimentar.
Neste começaremos por manifestar tudo, seguindo à
risca – o nihil est intellectu... do filósofo. Queremos o ensino pelo
aspecto das coisas práticas, de objetos industriais acima de mais
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nada. Na aula primária meteremos os rudimentos dos ofícios mais


correntes na faina industrial, desde a agricultura até a arte de
serralheiro, de alfaiate, de carpinteiro, de ferreiro... el le reste...
Nos livros de leitura nada de cantos, de lendas, de
criações estéticas, de historias verídicas ou fantasiosas; exigiremos,
pelo contrário receitas práticas, pedaços de física e química, tiradas
sobre os sais, as tintas, suas aplicações as indústrias, sobre as
madeiras, os metais, tudo bem prático. É para, desde a mais tenra
idade, irmos preparando as cabeças dos pequenos para as lides da
vida, os ofícios, os empregos... Nada de literatices, de retorismos;
o realismo da ciência em doses adaptáveis às diversas idades e aos
diversos graus em que dividiremos o ensino primário, o realismo
da ciência, este sim, é o nosso ideal.
Na instrução secundária, às decantadas humanidades
clássicas substituiremos as humanidades modernas.
Nada de grego, nada de latim, nada de literatura, nada
de exagerados cultivos de gramática, de perdas com estudos
estéticos e históricos e morais. Em lugar de toda essa frandulagem,
- a ciência, a matemática, a física, a química, a história natural.
Mas tudo prático, visando já o fim, o ofício, a indústria, o emprego.
No ensino superior introduziremos também a feição
prática; a nossa obsessão é a prática; dei-nos a prática...
Desta arte, acrescentam os idolatras da pedagogia do
industrialismo contemporâneo, o ensino superior deve ser reduzido
àqueles cursos correspondentes às profissões, e tudo com o caráter
indefectível, indispensável de visar o fim, a imorredoura – prática.
História, moral, filologia, religiões comparadas,
arqueologia, estética, filosofia, tudo isto é fútil, porque não abre a
porta a uma carreira, não pode ser um meio de vida...
Tal é a suma das pretensões dos realistas modernos em
matéria de instrução.
Abriram renhido debate na Europa; chegaram a obter
escolas montadas ao seu gosto, especialmente na esfera do ensino
secundário. Na impossibilidade de conseguir extinção completa
dos estabelecimentos de ensino, orientados por ideais mais
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elevados, isto é, na impossibilidade de impor seu tipo de educação


e instrução aos institutos existentes, pregaram a doutrina do
dualismo escolar.
Por esta forma veio a haver na Europa um tipo de
escolas primárias para os candidatos às carreiras industriais e outro
para os pretendentes às carreiras literárias.
O mesmo dualismo para as instituições de ensino
secundário.
Em breve, felizmente, a prática veio provar a erroneidade
de semelhante plano educativo.
A escola dupla, a bifurcação dos ensinos elementares,
cuja índole deve ser harmônica e integral, deu maus, desastrosos
resultados.
A reação apareceu afinal, pondo as coisas em seu lugar,
que nem é o lugar dos ideólogos e fantasmas antigos, nem o lugar
dos americanizadores perros e anárquicos. E antes o posto que a
educação hodierna assinala é a evolução total da humanidade, que
não é por fortuna a feitura do industrialismo grosseiro, do
materialismo trôpego de uma aberração da história.
Vamos vê-lo em companhia do insígne fisiologista, reitor
da Universidade de Berlim, o célebre Du Bois-Reymond, cujas
idéias capitais sobre a instrução moderna, expostas no magnífico
discurso por ele pronunciado há cerca de 16 anos em Colônia,
constituem a base principal do excelente livro de Alfred Fouillée –
L’Enseignement au point de vue national.
Tanto a conferência de Du Bois-Reymond quanto o
livro de Fouillée, deveriam construir o programa de quem no
Brasil se quisesse ocupar com a instrução popular.
Dissemos ser o problema fundamental na questão do
ensino – determinar o espírito que deve animar e dirigir.
Dissemos ainda, que o industrialismo, o realismo
econômico e interesseiro de nossos dias, dava-se como o
representante máximo e infalível do gênio dos novos tempos.
Dissemos, finalmente, haver já uma reação contra esse
exagero, e individualizando em Du Bois-Reymond e Fouillée, um
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alemão e um francês dos mais distintos da nossa atualidade. Ao


lado deles vamos prosseguir na tarefa encetada.
Somos adversários da instrução terra a terra, sem
elevação, sem ideal, industrialística, interesseira, visadora do fim
próximo, do ganha pão imediato, reduzida a uma aptidão
mecânica, no intuito do ofício, alguma coisa do pré-determinado,
de preparado em doses, como uma receita de bolos, ou um rol de
compras ao mercado. Essa instrução não dá cultura a ninguém;
porque não toca na alma, nem fala ao coração; não melhora a
índole nem desanuvia o espírito, lançando-o, desassombrado e
descuidoso, desinteressado e entusiasta, em busca das grandes
causas e dos nobres ideais.
É uma instrução manca e mesquinha, que não educa,
porque não anima nem fortalece.
Se é certo, como disse Lessing e foi repetido por Goethe,
que a missão do homem é a atividade que em si própria tem a sua
paga e o seu encanto; se seu destino não é chorar, qual um
maníaco pessimista, nem rir aereamente, como um tolo leviano; se
o bem deve ser feito, sem se indagar quem no-lo há de retribuir; se
a verdade deve ser procurada e defendida, sem buscarmos saber que
lucros ela nos há de trazer, se a beleza deve ter seu culto,
justamente como falava Kant, na proporção do desinteresse que
nos há de inspirar; se a humanidade não renunciou a esse credo,
podemos ter confiança que o chatismo não há de passar incólume
por cima de todas as frontes e abater todos os caracteres.
Mas é preciso confessar que o espírito de rotina leva
grande culpa na reação industrialista, em matéria de instrução
desencadeada neste século em todos os países, nomeadamente, em
França e Alemanha.
O espírito dos tempos não tinha sido jamais
devidamente aquilatado, não se lhe dera o lugar que lhe competia
de direito.
Motivos variados, e quase todos presos à tradição e aos
velhos hábitos, atuaram no ânimo dos diretores do ensino, e por

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toda a parte viu-se perdurar o falso humanismo palavroso e fútil de


umas gramáticas sovadas e de uns retorismos mofentos.
Despenhou-se a tormenta reacionária e não guardou a
necessária prudência, nem precisa ponderação.
Cedo começou de confundir ciência com oficio, espírito
cientifico com espírito de ganância, educação com receituários para a
memória.
Neste caminho não mostrava, e nem mostra ainda hoje
desejos de parar.
Ao classicismo envelhecido e cansado querem substituir
a americanização estreita e mesquinha.
Contra um e outro desatino é que se deve reclamar, e,
neste sentido, é que proveitosamente pode ser invocada a
autoridade de Du Bois-Reymond.
No seu magnífico discurso – A historia da civilização e a
ciência da natureza, disse ele, depois de assinalar as demasias do
realismo contemporâneo e a atividade rotineira do velho ensino
secundário:
“Diante de tão singular situação, é o caso de perguntar
se podem as coisas prosseguir assim, ou se já não será tempo, e se
não valerá a pena tentar uma reforma.
Neste assunto, como aliás em qualquer outro, é mais
fácil apontar o mal do que descobrir o remédio, máxime, quando é
se apenas um simples espectador. Neste assunto, como aliás nas
questões complexas que se referem à administração e à vida
humana, existem em lutas variadas causas. Pegamos em qualquer
delas e desprezamos sem mais reparo, dez outras de igual
importância.
Quero, entretanto, expor-me ao perigo e não recuar
diante da expressão do meu pensamento.
Sem querer molestar os homens ilustres que tomaram
parte na organização de nossos ginásios ou nela se ocupam ainda
hoje, não posso dissimular a convicção de que o espírito do ginásio
não se há modificado tão rapidamente, quanto fora mister para
acompanhar o espírito moderno.
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Como já o disse terminantemente, tenho as vistas bem


fixadas sobre os perigos a que está exposta a nossa cultura
intelectual pelos excessos de realismo.
Mas ninguém pode ter por existente a forma nova dada
ao espírito humano pela ciência. Negar esta imensa revolução, que
eu mesmo acabei de vos esboçar, seria imitar a avestruz quando
esconde a cabeça na área. É tão insensato quanto perigoso, querer
desviar a marcha da história universal.
Até o presente, porém, o ginásio não tem tido na devida
conta esse desenvolvimento.
A despeito de algumas concessões, mais aparentes que
reais, continua a ser, no fundo, a mesma coisa que era no tempo
da Reforma, quando a ciência da natureza ainda não existia: uma
simples escola erudita, especialmente destinada a preparar para o
estudo das chamadas ciências morais. O ginásio ficou assim atrás
das exigências da nossa época, e foi isto que deu força à Realschule.
Aceito a opinião, digo-o bem alto, daqueles que querem
uma só espécie de altas escolas, de onde deverão sair preparados os
discípulos para entrar, ou nas universidades ou no exército, ou nas
academias de arquitetura. E essas escolas deverão ser os ginásios de
humanidades, reformados de um modo racional.
Para acabar com a rivalidade da Realschule bastará que o
ginásio sacrifique as exigências do presente algumas de suas
pretensões, muito respeitáveis, porém já decrépitas, e se conforme
um pouco mais com as tendências do mundo moderno. Se o
ginásio quiser de boa fé inspirar-se em novo espírito e dar uma
educação apropriada àqueles que se não consagram às ciências
morais, este rivalidade cessará por si mesma. A questão, tantas
vezes levantada, da admissão dos alunos da Realschule nas
faculdades – desaparecerá da liça, pela simples razão de voltar a
Realschule ao seu primitivo papel – de simples escola industrial,
útil, sem dúvida, em sua espera”.
Nestas palavras do ilustre professor berlinense, um dos
maiores sábios do nosso tempo, acha-se perfeitamente exposto o
problema.
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Nem velho exagero humanístico da cultura antiga, nem


a chateza de um realismo pretendidamente científico, que é, no
fundo, tão inimigo da alta cultura estética e moral, quanto da
própria ciência que ele é incapaz de interpretar no que ela possui
de mais elevado.
A mania industrial trouxe a moléstia da especialização à
outrance, e os grandes horizontes da especulação generalizadora
apertaram-se e com eles se encurtam também os altos vôos das
pesquisas desinteressadas.
Em nosso país esta ordem de discussão quase não se
acha aplicação, porque quase nada se encontra feito neste terreno.
Entre nós jamais houve luta entre o Ginásio e a
Realschule; pela simples razão de que aquele tem apenas um mal
representante no velho Colégio de D. Pedro II, e esta nunca
existiu!... Em rigor parece até desfrute estar a cogitar de lutas
entre ideais diversos em matéria de ensino numa terra onde
reinam quase a morte e o silencio em semelhante espera da
atividade racional.
Num país, onde, durante setenta anos (não falando nos
tempos coloniais) a instrução primária, circunscrita à pequena
extensão do território, cabia a uma proporção mínima da
população, e reduzia-se, quase por toda a parte, a aprender a ler e
escrever em autos velhos dos cartórios forenses e em péssimos
livrinhos banalíssimos, a aprender os rudimentos da gramática e
das quatro operações, num número relativamente insignificante de
escolas públicas e particulares, desgraçadamente mal servidas, mal
organizadas, num país, onde o ensino secundário, naquele lapso de
tempo, só tarde e a más horas, por parte da autoridade pública, se
deixou representar no Colégio Pedro II e nos três Colégios das
Artes de Pernambuco, Bahia e São Paulo, verdadeiras oficinas da
ignorância organizada, num país onde o ensino profissional,
naquele lapso de tempo, e numa extensão de oito milhões de
quilômetros quadrados, não existiu jamais em parte alguma
organizado seriamente pelo Estado, certas questões pedagógicas
não têm sentido e constituem uma perda de tempo.
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Nunca tivemos, na época do império, o verdadeiro


ensino clássico, firmado na filologia, na literatura, na estética
antigas, capaz de em nós infundir o espírito da velha cultura
greco-romana.
Nunca o possuímos, num regime de instrução
secundária, em cujo cânon e só por último começou a figurar o
cultivo da língua materna! Também, em compensação a essa
penúria do humanismo, nunca soubemos sequer o que vem a ser a
Realschule dos alemães e o ensino secundário oficial dos franceses.
Não se pode, pois, aqui dizer para onde pendeu a vitória
numa luta que não se feriu, num combate em que não se disparou
um só tiro...

[Segue no próximo número]

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