A12 Internacional

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QUARTA-FEIRA, 1 DE JUNHO DE 2011 O ESTADO DE S. PAULO

A PRISÃO DO GENOCIDA. O que está por vir

versoquanto opresidenteSlobodanMi- abateu sobre a Sérvia em razão das

GILLES losevic ou o autoproclamado presiden-
teda“repúblicasérviadaBósnia”,Rado-
guerras cruéis que Belgrado travou e
também por causa da impunidade no

LAPOUGE vanKaradzic, psiquiatraexaltado e poe-

tamedíocre,quefezversoscomemoran-
do o fato de “a cidade de Sarajevo quei-
●
✽ gilles.lapouge@wanadoo.fr
mar como incenso”.
Os ódios étnicos, que devastaram a
antiga Iugoslávia durante dez anos de
caso dos criminosos sérvios. A Sérvia
está de olho na União Europeia e a
prisão de Mladic também teve essa
missão: abrir as portas da UE para o
país.
E essas portas se abrirão rápido?

As manobras de Mladic guerra, não desapareceram. E a prisão

de Mladic os reacendeu. Na Sérvia, os
saudosistas da Grande Sérvia, manifes-
taram nas ruas seu amor pelo carrasco
Não é certo. De um lado, a Europa
está tão ampliada que hesita em au-
mentar o número de membros. Além
do que, a situação econômica da Sér-

A
Justiça rejeitou apelo feito
por Ratko Mladic contra
seu envio para o Tribunal
Penal Internacional para a
ex-Iugoslávia, na Holanda. Mladic, o
general que estrangulou Sarajevo de
1992 a 1995 e, em 1995, ordenou o as-
sassinato, em Srebrenica, na Bósnia,
de 8 mil bósnios cujo único crime era
serem muçulmanos, foi transferido
para Haia.
Ele fez tudo para escapar da extra-
dição. Seu advogado alegou que, se
fosse transferido para a prisão de
Scheveningen, na Holanda, ele não
viveriapara assistiraofim de seu pro-
cesso. Um argumento comovente, já
que outro famoso criminoso sérvio, o
presidente Slobodan Milosevic, tam-
bém preso em Scheveningen, morreu
no meio do seu processo.
Ao mesmo tempo, Mladic tentou eli-
minar sua culpa. Jurou para seu filho,
Darko, que não teve nada a ver com os
assassinatos em Srebrenica. Todas as
suas manobras falharam e ele vai res-
ponder por seus crimes.
São muitas as testemunhas ainda vi-
vas para que o general, com sua brutali-
dade estampada no rosto, consiga ne-
gar a verdade. Em 12 de julho de 1995,
depois de três anos de cerco, as tropas
sérvias entraram no enclave muçulma-
no de Srebrenica. Mladic estava de bom
humornessedia.Conversoucomosmo-
radores. Estava sorridente, gentil. Algu-
mas horas depois, ordenou as mortes.
Essa ignomínia era bem do estilo de
Mladic. Fanaticamente sérvio, ele que-
ria livrar seu país de todos os estrangei-
ros, especialmente os bósnios, que cha-
mava com desprezo de “turcos”, por-
que eles, embora eslavos de origem, fo-
ram “islamizados” na época otomana.
“Desde tempos remotos, as fronteiras
da Iugoslávia foram traçadas com san-
gue”, filosofava.
Mladic foi apelidado de “o açouguei-
ro de Srebrenica”, expressão que retor-
nou aos jornais desde a sua prisão. Mla-
dic era militar. Sem dúvida não tão per-
de Srebrenica. Na própria Bósnia, mais
exatamentena“repúblicasérvia da Bós-
nia”, ocorreram grandes concentra-
ções. Em Banja Luka, 10 mil sérvios
(muitos vindos da vizinha Sérvia) desfi-
laram com bandeirolas e cartazes com
inscrições como: “Resista, general”. E,
fazendo menção ao atual presidente da
Sérvia, Boris Tadik, que ordenou a pri-
são de Mladic, outros cartazes diziam
“Você deve ter vergonha, Tadik. Você
traiu Mladic. Traiu a Sérvia!”.
A prisão de Mladic vai consolidar ou
enfraquecer Tadik? Ele deu essa ordem
terrível por razões morais, e também
por cálculo político: seu objetivo é aca-
bar com o ostracismo político que se
via é catastrófica. E o descontenta-
mento social beneficia os nacionalis-
tas de direita. Ora, para seduzir a UE,
opaís deverá,antes detudo, normali-
zarsuasrelaçõescomovizinho Koso-
vo e levar a cabo reformas comple-
xas.Doisobjetivosaosquais osnacio-
nalistas de direita, já irritados com a
prisão de Mladic, com certeza vão se
opor. Portanto, a candidatura da Sér-
via à UE está mais do que nunca na
ordem do dia. Mas muito longe de se
tornar realidade. / TRADUÇÃO DE
TEREZINHA MARTINO
✽
É CORRESPONDENTE EM PARIS

AP

‘Ele matou meu pai;

espero que tenha
uma pena longa’
Hoje com 24 anos, Izudin Alic – o garoto bósnio que ganhou
chocolate de Mladic antes de início do massacre – é localizado
BELGRADO e eu disse ‘Izudin’”, declarou
Alic,lembrandoque elenãoesta-
O vídeo horrorizou o mundo: Ex-general visita vanervoso,poisestavainteressa-
um sorridente Ratko Mladic do no doce.
passando a mão na cabeça de túmulo da filha O pai de Alic tinha proibido o
um jovem muçulmano e asse- em Belgrado menino de ir, mas ele se esguei-
gurando que todos na área de rou pela fábrica onde a família
Srebrenica estavam sãos e sal- estava escondida, pois não con-
vos – poucas horas antes do as- ● Antes de embarcar para Haia, seguiu resistir à vontade de co-
sassinato de 8 mil homens e jo- o ex-general servo-bósnio Ratko mer chocolate. Alic estava devo-
vens bósnios muçulmanos. O Mladic deixou sua cela em Bel- rando a barra com prazer en-
menino que aparece no vídeo grado para visitar o túmulo da quanto seu pai, Sahzet, estava
é hoje um homem de 24 anos. filha que se suicidou durante a sendo caçado pelos homens de
Ele relembra claramente o dia Guerra da Bósnia. Ana Mladic, Mladic nas florestas próximas.
ensolarado em julho de 1995 então estudante de medicina, se “Ele foi encontrado anos atrás
quando conheceu o coman- matou em 1994 com a pistola do em uma das valas coletivas”, dis-
dante servo-bósnio que lhe pai por não suportar mais vê-lo se Alic, mostrando uma foto do
deu chocolate. acusado de atrocidades durante pai e da família no jardim de sua
“Eu tinha 8 anos e não sabia o a guerra. Mladic, no entanto, nun- casa. “Fiquei satisfeito (com a
que ia acontecer ou quem Ratko ca aceitou a conclusão das inves- prisão de Mladic)”, disse Alic. “E
Mladic era”, disse Izudin Alic à tigações oficiais e acredita que espero que ele receba a mais lon-
agência Associated Press em uma ela tenha sido assassinada por ga pena possível. Ele matou meu
entrevista exclusiva. seus inimigos. / EFE pai, meu tio e muitos de nossa
Em 1995, Alic estava entre os gente.” / AP
milhares de bósnios muçulma-
nos que tinham fugido para a dizer,umimportantesoldadoes-
área de Srebrenica em busca da tava distribuindo chocolate. TV Estadão
proteçãodasforças da ONU.Na- “Fui pra lá com outras crian-
quela tarde de julho, ele se jun- ças e recebi aquela barra de cho- Vídeo.Entrevista com Izudin Alic
touaoutrascriançasemumcam- colate de Ratko Mladic”, disse http://tv.estadao.com.br/videos
po onde, segundo tinha ouvido Alic. “Ele perguntou meu nome Cicatrizes. Acima, o garoto Alic ganha doces de Mladic (à esq.); abaixo, rapaz revê a imagem

China, tem criticado a Otan.

Kadafi diz que não
deixará a Líbia e pede
fim de ação da Otan
Atlântico Norte (Otan) antes de
Tentativa de mediação se sentar à mesa de negociações.
sul-africana fracassa “Kadafi pediu o fim dos bom-
bardeios para negociar. Ele não
após coronel impor estádispostoadeixar opaís, ape-
condições para trégua; sardasdificuldades”,afirmaoco-
rebeldes receberão ajuda municado. “Ele expressou sua
raiva com os bombardeios da
TRÍPOLI Otan, que mataram seu filho e
doisde seusnetos,provocam da-
O líder líbio, Muamar Kadafi, nos materiais e interrompem o
não está disposto a deixar o país, cotidiano dos cidadãos líbios.”
informou ontem em comunica- Após se reunir com Kadafi na
doo governo sul-africano,após a residência dele, Zuma foi levado
visita do presidente Jacob Zuma às ruas de Trípoli para testemu-
a Trípoli, na segunda-feira. nhar os danos dos bombardeios.
AÁfricadoSultenta,semavan- No comunicado de ontem, o go-
ços,intermediarumasaídadiplo- verno de Pretória manifestou
mática para a guerra civil na Lí- também preocupação com a se-
bia. gurança pessoal do líder líbio,
O impasse entre o governo e cujo complexo residencial tem
os rebeldes continua. O Conse- sido atacado nas últimas sema-
lho Nacional Transitório nas por caças da coalizão.
(CNT),órgão dissidentecomse- É a segunda visita de Zuma à
de em Benghazi, exige a saída de Líbia desde o começo da guerra
Kadafi para discutir um acordo. civil.No começodeabril,o presi-
Ocoronel quero fimdosataques dentesul-africanoesteve emTrí-
da Organização do Tratado do poli para apresentar o plano da
Aliança matou 718
civis desde início de
ataques, diz Trípoli
● O governo líbio disse ontem
que a Organização do Atlântico
Norte (Otan) já matou 718 civis e
feriu outros 4.067 entre 19 de
março, quando começaram os
bombardeios ao país, e 26 de
maio. Segundo o porta-voz do
governo, Ibrahim Musa, 433 dos
feridos estão em estado grave. O
balanço não inclui vítimas milita-
res, uma vez que o Ministério da
Defesa líbio não divulga esses
números. / AFP
União Africana (UA) para pôr
fim no conflito. A proposta de-
fende um cessar-fogo imediato e
o fim dos ataques da Otan. O
país quer que a comunidade in-
ternacional aceite os esforços da
UA para solucionar o impasse.
“Pedimos a todos os líderes lí-
bios que encontrem uma solu-
ção para o fim da crise e colo-
quem os interesses do país em
primeiro lugar”, disse Zuma
após o encontro de segunda-fei-
ra. A África do Sul, ao lado de ou-
tros países emergentes, como a
Opaísétidocomoumdospos-
síveis destinos para um exílio
de Kadafi.
Ainda ontem, caças da
aliança atlântica bombardea-
ram cinco tanques na cidade
de Zintan, entre Trípoli e Mis-
rata, informou o porta-voz
das Forças Armadas britâni-
cas, major John Lorimer.
Em Pequim, o governo chi-
nês também defendeu uma
saídadiplomática para a crise.
“Esperamos que todos os la-
dos coloquem os interesses
da Líbia em primeiro lugar e
iniciem os planos de media-
çãopropostospelacomunida-
deinternacional”, disseopor-
ta-voz da chancelaria, Jiang
Yu.
Ajuda. Em visita a Benghazi,
o ministro de Relações Exte-
riores da Itália, Franco Fratti-
ni, prometeu ajudar os rebel-
des com o fornecimento de
combustível e dólares prove-
nientes dos bens congelados
de Kadafi. O chanceler não
deu números exatos, mas dis-
se que a ajuda pode ser de
“centenas de milhões de eu-
ros”. A maior parte do petró-
leolíbiofica emterrenorebel-
de.Asexportaçõesestãointer-
rompidas. / AP e NYT
Karzai ameaça tratar força
estrangeira como ocupação
Presidente afegão exige
fim dos bombardeios
noturnos da Otan, uma
vez que a maioria das
operações mata civis
Ray Rivera
THE NEW YORK TIMES / CABUL
Em uma das mais severas adver-
tênciasfeitas até hoje pelamorte
de civis, o presidente afegão, Ha-
mid Karzai, afirmou que as tro-
pas da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (Otan) serão
consideradas ocupantes, e não
aliadas, do país se não suspende-
rem seus ataques aéreos contra
residências afegãs.
Durante entrevista coletiva,
Karzai não disse que tipo de ação
o governo adotaria, declarando
apenas que o Afeganistão “tem
muitas maneiras para acabar
com isso”. “Se prosseguirem
com os ataques aéreos contra
nossas casas, então sua presença
mudará,deixarão deser umafor-
ça que está combatendo o terro-
rismo para se tornar outra lutan-
do contra o povo do Afeganis-
tão”, disse. “De qualquer manei-
ra, a história mostra o que os afe-
gãos fazem com intrusos e ocu-
pantes”.
Karzai já tinha usado uma lin-
guagem similar anteriormente,
mas seus comentários poderão
colocar em risco seu relaciona-
mento com os aliados ociden-
tais, já estremecido pelos ata-
ques noturnos da Otan, casos de
corrupçãoeum escândaloenvol-
vendo empréstimos duvidosos e
enormes prejuízos contabiliza-
dos pelo Banco de Cabul.
RepresentantesdaOtanreagi-
ram diplomaticamente, obser-
vando que o general David Pe-
traeus, que comanda a coalizão
no Afeganistão, compreende a
necessidade de trabalhar com o
governoafegãoparareduzironú-
merode vítimascivis etemcons-
ciênciade que, comotempo,for-
çasdelibertaçãopodemsetrans-
formar em força de ocupação.
No sábado, após a morte de
nove civis, Karzai ordenou ao
país que se encarregasse das in-
cursõesnoturnas,emvezdastro-
pas da Otan.