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A caverna é asseada
O povo caminha direções predestinadas
O lagarto de metal abre suas bocarras
O lagarto de metal fecha suas bocarras
Obtém sentar-se.
Os músculos esculpem uma aparência cansada
Tal que todos, e, tal que todos, atento embora.
Esgueiram olhares
que buscam fixar-se no vazio
Desde que nada lhes interessará
Nada lhes será accessível
Amalgamados
arrastam os desejos para um quarto perfumado
Despem os corpos, as mãos trocadas
Ao sopro dos afogados
O calor aguça vontade maior que a premeditada
Os gestos, porém, mesmo grosseiros, ora suaves
lapidam as carnes
ao polimento das almas
Conhecem, então, preliminares
e nisso são pródigos
O cérebro é um labirinto
Em que fomos encarcerados para sempre
A saída ficou para trás
Ao centro reside um deus condenado
Pobre diabo!
Ver nossa imagem modelada em carne
Ser obrigado a reconhecer nela nossa identidade
Efêmera identidade
Precária identidade
Metade, metade da metade, menos que metade
Para sempre metade de uma ínfima parte que nem metade é
Ah! Saber da nossa imagem modelada em carne
E aprender a existir
No entanto, sabemos:
já que saímos das águas
Das terras sairemos
Ela resmunga ininteligências
Ele busca refúgio no corpo amolecido
O inverno se foi
O sol afasta a peste e os maus presságios
Tudo o que importa é efêmero
Quando as juntas femininas se umedecem
e alagam salivas masculinas
Há igualdade no desejo
Ultrapassando religiões e enrugamentos
Quanto a ele, é um dos que cavalgam o próprio corpo
Tem a barba por fazer e roupas de qualquer um
Também sente a ânsia das ruas
A sugar luz e calor da grande estrela se aproximando
Do desejo pela primeira mulher nasce o desejo por todas, por isso
Pretende ser terno
Relações unas e duradouras são relações de propriedade
(nem importa o sexo de quem manda)
Essa microfísica do poder
A cidade é palco de rebeldias nas primaveras
Mulheres abrem portas e janelas
Homens oferecem lanças esticadas
(Sim! Cavalgamos todos os próprios corpos)
Caretas de riso, a menina (com que então era mesmo ainda tão menina!)
Mas esses olhos cinzas, com águas marinhas
A negar os temas e as molduras, enquanto
A mãe enruga a testa e ele ouve um canto místico de um recôndito
passado
Melhor é:
contemplar o desespero dos outros (loucos!)
enquanto não lhe castram os absurdos (tolos!)
Coisas de casulo:
sons de casulo
palavras de casulo
imagens de casulo
E todo esse enorme ego de casulo
(estúpido! que importam harmonias de casulo?)
Quanto a ele
(delicadeza é - definitivamente - amor)
O coração comovido, a ternura dos gestos
E um surdo súbito absurdo refrão a gritar pelos neurônios:
que fruta madura se come no pé
fruta madura se come no pé
fruta madura se come no pé
Alcançam o leito, antes misógino e cansado
Senhor de todos os sentidos é um animal metafórico
Um lobisomem se agarra às grades e balança os músculos
Ao ritmo dos gritos lancinantes que invadem as janelas:
Buzinas
Sirenes
Motores (os humanos)
Se perguntando quem é
Há um quasar no salão
Enquanto mastigam azeitonas e amendoins e ovos de codorna
os olhos, quais faróis
encontram a boca entreaberta
Ajeita o gancho das calças, disfarça
que tais coisas gelam qualquer mulher
Um fogo-fátuo
a quatro brasas
Adivinha um frêmito
(kundalínico)
Na pele que adivinha nua
Medita
(a quantos saltos a corça não se assusta)
Duas interjeições
e se aproximam
Tudo o mais são razões que desconhecem
Retesada
a coxa é falsa guardiã de segredos, última barricada
Esfinge, arregala os olhos (decifra-me que te devoro)
Guerreiro, é tal um louva-a-deusa
No entanto, lá longe
Sons traiçoeiros traem pensamentos corriqueiros
Em seguida, suspira
Abraça
Beija em gratidão
Quando nele os primeiros desejos ainda mordiscam orelhas e seios
Ainda exploram sensibilidades
Mais à frente
(aligeirando-se)
um espaldar masculino cruza o batente
Tão perto
Tão distante
Num repente, ela o alcança
Boca a boca, a língua em chamas
Como se fosse um dragão
Ainda é lasso
Nu sobre os lençóis, estirado
O cérebro cheio de cifrões
Com a mesma atenção dos papagaios ele apenas repete as falas curtas
Colhidas dos próprios discursos femininos
Aceita que as palavras podem ser carícias
De natural sentido
Sibilinas
De qualquer sorte,
Fronhas e lençóis querem dele um viajante feliz
Sexos(todos)
para dentro
ou
para fora
Sob o manto diáfano da violência dos contrários
Beijos, mordiscos
Fêmea habilidosa, acende seus minúsculos, másculos mamilos
A sugerir uma feminilidade recôndita, primeva
Que a cidade perigosamente ensina a ignorar
Ela não desfaz o laço das mãos e se aninha aos seus pés
Ele é todo ouvidos
o que ouve são histórias de mistérios, romances, aventuras
resgatando antigas cenas de pirataria, raptos de donzelas
de um mar revolto, onde reinam a solidão e o medo
Minha fêmea!, rosna o seu nervo. Meu macho!, ela responde com cheiros
Logo se sabem, logo se reconhecem
Tanto quanto sempre se sabe das infidelidades, da perda do par
Enquanto isso:
bebe café em bares
seduz uma amiga
viaja pelo país
Mais ainda:
preenche documentos
enfrenta fila de banco
reclama providências
nega favores
decide ler proust
E ela quer mais e mais, a cada vez quer mais, muito mais
para além, muito além daquele entrar e sair
A barba se agrisalha
Os músculos envelhecem
Saias coloridas esvoaçam e acirram um final de verão
Passando por ele em vão
Afogado em obrigações comezinhas, perde a noção dos espaços
perde a noção dos tempos
Faz e desfaz planos inúteis
Bate as patas em calçadas sem esquinas
E adquire hábitos vadios
Emagrece
E torna a soltar fumaça pelo nariz
São tão unidos agora que gozam antes da carne a existência da alma
a vitória sobre as forças das trevas da separação, esta sim
fonte absoluta de todo o mal
Gozam tão forte e tão fundo, que toda intimidade até então vivida despenca,
suave e despicienda
Como uma folha de outono aos ventos do entardecer
A cidade é feita de curvas femininas, aos milhares
Passam, pessoas, indiferentes à sua cara de cão
Sem dona e sem coleira, rastreia, rasteja até
Há as que se emocionam
Há as que o compreendem
Mas não têm cio
A cidade é feita de fêmeas, aos milhares
e ele é um cão vadio, sem dona
farejando apenas a poeira que levantam
Não há esperança
Desde quando se fecharam as portas brancas
As veias saltadas, as pálpebras salgadas
Tenta ignorá-la
tanto quanto busca alegrar-se aquela que lhe é tão cara
Mãos dadas, amalgamam as almas
tanto quanto amalgamavam antes as carnes
Volta o silêncio
Ela estica os braços como uma certa escultura camille claudel
Tem no rosto uma lua nova
Ela crava unhas de posse gemendo aos ouvidos sons que só para ele
cantam à harpa cúpida de eros, puros e cristalinos
Ele se firma dono de si, evita mover-se
mantendo-se colado entre as coxas alevantadas
como se fosse esse o modo natural de estar no mundo
Ela se revolve em movimentos circulares
e pressiona os calcanhares em pernas ainda musculosas
o máximo desejo
Ele sente o bafo da morte às costas desprotegidas
um misto de medo, ódio e asco
Amolece um pouco
Mas a fêmea se revolta pela sobrevivência do momento
Cruza forte braços e pernas em torno seus quadris
sussurra antigas cantigas
que resgatam, de pronto
masculinidade e desejo