You are on page 1of 7

Justiça condena TV Globo a indenizar donos da Escola Base

A Rede Globo foi condenada a pagar R$ 1,35 milhão para reparar os danos morais sofridos pelos donos e
pelo motorista da Escola Base. Segundo informou o Consultor Jurídico, os donos da escola, Icushiro
Shimada, Maria Aparecida Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga, devem receber, cada um, o
equivalente a 1.500 salários mínimos (R$ 450 mil). Antes da Globo, outros veículos de comunicação,
como jornais e emissoras de tevê, também foram condenados a pagar indenização. Em todos os casos, no
entanto, ainda cabe recurso.
A decisão foi tomada na manhã de quarta-feira, dia 14, pela 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo. Os desembargadores negaram o recurso da Globo e concederam em parte o pedido
dos donos da escola, mantendo o valor da indenização fixado em primeira instância e aumentando os
honorários do advogado.
Entre as teses de defesa acolhidas pelo TJ, há a alegação de que o direito de informação e a liberdade de
imprensa não se sustentam no espetáculo nem no linchamento, mas na cautela para com a honra e
dignidade das pessoas. A Justiça entendeu, ainda, que a atuação da imprensa deve ter o cuidado na
divulgação ou veiculação de fatos ofensivos à dignidade e aos direitos de cidadania.
Para entender o caso
A história ocorreu em março de 1994, quando a imprensa publicou reportagens sobre seis pessoas que
estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, alunas da Escola Base, localizada no Bairro da Aclimação,
na capital. Jornais, revistas, emissoras de rádio e de tevê basearam-se em fontes oficiais - polícia e laudos
médicos - e em depoimentos de pais de alunos.
No entanto, foi um equívoco que, porém, ao ser descoberto, a escola já havia sido depredada, os donos
estavam falidos e eram ameaçados de morte em telefonemas anônimos.
A Justiça determinou, em 1996, que o governo paulista pagasse R$ 100 mil para cada um, a título de
reparação moral, e uma quantia a ser calculada para ressarcir os danos materiais. A professora Maria
Aparecida Shimada iria receber, ainda, uma pensão vitalícia, por ter sido obrigada a abandonar a profissão.
Insatisfeitas, as partes recorreram ao Superior Tribunal de Justiça. A Segunda Turma do STJ reformou a
decisão e condenou o Estado de São Paulo a pagar indenização de R$ 250 mil a cada um. O caso ainda está
na Justiça por causa de um Recurso Extraordinário interposto pela Fazenda do Estado contra a decisão do
STJ.
Vera Jardim

A última aula da Escola Base

Cobrança de indenização milionária pode forçar a imprensa


a pagar por seus erros num assassinato social

Os sinos dobraram de novo pela Escola Base. Na primeira quinzena de dezembro, o caso voltou ao
noticiário quando o juiz Paulo Aliende Ribeiro, da 5ª Vara da Fazenda Pública, condenou o governo do
Estado de São Paulo a pagar uma indenização de cem salários mínimos a dois donos da escola, Icushiro
Shimada e sua mulher Maria Aparecida, e um colaborador, Maurício de Alvarenga. A indenização cobre
apenas os danos morais, devendo ser feita uma perícia para avaliar os prejuízos materiais das vítimas. O
advogado Kalil Abdalla disse que vai recorrer e insistir em cobrar do Estado uma indenização de R$ 2,8
milhões para cada um. Essa é a parte do Estado. Como fica o erro da imprensa?

“Eu acho que a imprensa tem a sua parcela de culpa”, disse Shimada no programa Opinião Nacional da TV
Cultura de São Paulo em 12/12. No entanto, seu advogado não quer briga com os meios de comunicação.
Mas a advogada Maria Elisa Munhol, que representa o casal Saulo e Mara Nunes, outros denunciados no
episódio, já está processando as TVs Globo e SBT e os jornais Folha de S.Paulo, Folha da Tarde e Notícias
Populares. Ela quer que esses meios de comunicação paguem R$ 3,2 milhões a cada um dos seus clientes
(JB, 11/12).

Não há notícia, no Brasil, de uma indenização tão alta por danos morais ou materiais. Os juízes preferem
arbitrar valores simbólicos que demarcam, mas não desestimulam a repetição do erro. “Nos Estados Unidos
custa caro indenizar por falsa acusação”, tripudiou a revista Veja ao noticiar (18/12) a indenização paga em
acordo extrajudicial pela rede de televisão NBC ao guarda de segurança Richard Jewell, acusado por muitos
jornais, rádios e Tvs americanos de ter armado a bomba que explodiu no estádio do Centenário durante a
Olimpíada de Atlanta.

Jewell foi citado como suspeito pelo FBI e a mídia o tratou como culpado — algumas vezes em longas
reportagens onde nem a expressão “segundo fontes do FBI” foi usada como aval da calúnia. O ex-guarda
de segurança ameaça processar cada um deles, a menos que, como se antecipou a NBC, façam acordos de
indenização. A quantia não foi revelada, mas, como no Brasil quem não sabe inventa, Veja inventou: “... é
coisa pra lá de milhão.”

No país da impunidade, o caso Escola Base é um dos mais eloqüentes da crônica policial desde que Pedro
Álvares Cabral largou aqui criminosos degredados de Portugal. Em 28 de março de 1994, duas mães de
alunos, Lúcia Eiko Tanoi e Cléa Parente, queixaram-se na delegacia do bairro do Cambuci de que seus filhos
de quatro e cinco anos estavam sendo molestados sexualmente na escola e talvez levados numa Kombi
para orgias num motel, onde seriam fotografados e filmados.

O delegado Edélcio Lemos e a maior parte da mídia encamparam a denúncia como fato provado, mas ao
final do inquérito os acusados foram declarados inocentes. Eles sofreram um assassinato social: perderam
os empregos, a paz e isolaram-se da comunidade.

Registre-se que a denúncia das mães era notícia de primeira página

O pecado original foi da polícia, mas é cristalino que a mídia espetacularizou a denúncia e a seguir assumiu
as acusações como verdade provada e fechou os olhos para o linchamento dos acusados. Registre-se que a
denúncia das mães era notícia de primeira página. Qualquer pai com filho na escola, em qualquer escola,
possivelmente sentiu um frio na espinha ao saber da suspeita de pornografia com crianças. Mas era só
notícia, não linchamento.

Já nos primeiros dias da cobertura deveria ter sido aceso o sinal amarelo diante do desequilíbrio do
delegado Edélcio Lemos. Ele assegurava, com convicção de vidente, a culpa dos acusados. Não parecia um
investigador, mas uma testemunha ocular. Sua única “prova”, além do depoimento tatibitate das crianças,
devidamente pajeadas pelas mães, era um telex do Instituto Médico Legal sugerindo violação sexual de um
menino. Mais tarde, o laudo do IML foi dúbio e incapaz de se contrapor à evidência de que o garoto sofria
de assaduras crônicas. “Ciente da fragilidade das provas que tinha em mãos, agiu [o delegado] com culpa,
nas modalidades de imprudência e imperícia”, disse o juiz Paulo Ribeiro na sentença (JB, 11/12).

Prudência e perícia se afastaram também do noticiário. “Perua escolar carregava crianças para orgia”,
estampou a Folha da Tarde. Notícias Populares, um pasquim indigno da liberdade de imprensa, afirmava:
“Kombi era motel na escolinha do sexo”. A orgia das invencionices alterava os hormônios da imprensa de
elite. “Escola de horrores”, sentenciou a revista Veja.

A cobertura escrachada não preservou ninguém, nem mesmo as crianças, reconhecíveis pela identificação
dos pais e atazanadas em noticiários da TV. Em pleno jornal do meio-dia, emissoras pediam a um menino
de quatro anos que contasse detalhes escabrosos do suposto molestamento sexual. “A tia passou a mão
em você?”, sugeria a repórter da Globo à criança inocente que brincava com o microfone.

A TV Cultura educava seus telespectadores com um jornalismo espúrio, conforme o diálogo do repórter com
um garotinho, reproduzido pelo jornalista Alex Ribeiro no livro Caso Escola Base - Os abusos da imprensa:

“— Esta mulher, ela deitava em cima de você?


— Deitava.
— O que ela fazia, o que ela queria?
Diante da relutância do garoto, o jornalista sugeriu a resposta:
— Te beijar a boca?
O garoto respondeu com um aceno de cabeça...”

Os erros da polícia e da mídia na Escola Base nada tiveram de originais. Apenas reiteraram a versão
reforçada de uma sucessão de disparates profissionais, truculência, prepotência, desrespeito aos direitos
humanos a que estão acostumados a polícia e a imprensa. E tome autocrítica: nunca a imprensa se
penitenciou tanto de um erro, mas o fez genericamente.

Se um erro grave foi cometido numa reportagem, deve ser feita uma reportagem grave sobre o erro.
Ninguém fez isso. A autocrítica no jornalismo só é aceitável com jornalismo: cabe ao meio de comunicação
reconhecer que errou (mentiu? inventou?) ao noticiar determinada fantasia ou barbaridade. Se um erro
grave foi cometido numa reportagem, deve ser feita uma reportagem grave sobre o erro.
Ninguém fez isso. A autocrítica genérica, ao debitar a trapalhada na costa larga “da imprensa”, serve para
que tudo continue como sempre foi: erra-se e pede-se desculpa para ter direito a outro erro.

A principal causa da tragédia foi o barbarismo policial e a conivência da mídia com esse barbarismo. Uma é
o espelho canibal da outra. A polícia não investiga, condena e divulga. A imprensa divulga, condena e não
investiga. Ao final, as vítimas se amontoam na próprio infortúnio, a polícia nunca é responsabilizada e a
imprensa se defende com a alegação invariável que apenas publicou o que lhe disseram.

Desde o número 1 deste boletim, lançado em março de 1995, a autocrítica da mídia no Caso Escola Base
tem sido tratada como lágrimas de crocodilo:
“O que a imprensa aprendeu com o caso da Escola Base — aquele em que, escudada num delegado afoito,
crucificou, achincalhou inocentes e depois fez uma fugaz autocrítica ? Aparentemente, nada. O efeito Escola
Base é nulo, por que é o método de trabalho das redações que forja esses casos, e de pouco adianta a má
consciência posterior dos jornalistas. Como não mudaram os métodos, os escândalos com a reputação
alheia continuam. Uma autocrítica profícua produziria mudanças na aceitação — às vezes, provocação —
das levianas deduções da polícia.

A imprensa joga fichas viciadas na roleta das investigações policiais, e ganha notícias que um
questionamento mínimo deixaria inéditas. A imprensa não duvida da suposta eficiência com que, uma hora
depois do crime, delegados saciam repórteres com teorias de Sherlock Holmes.

A autocrítica foi tão inócua que dentro do Caso Escola Base a imprensa logo se esqueceu do erro e forjou
outro — e desta vez dispensou a ajuda da polícia e mentiu sozinha. O delegado Lemos já estava afastado e
em seu lugar assumira Jorge Carrasco quando, em abril, foi preso o americano Richard Pedicini, sob a
suspeita de ceder o casarão em que morava, no bairro da Aclimação, para as “orgias” com as crianças.
Levadas para reconhecer camas redondas e espelhos no teto, as crianças não reconheceram nada. Os
policiais concordaram em que não houvera a identificação do local e despistaram os repórteres.

No dia seguinte, abastecidos em off-de-record pelo advogado das mães, Artur Proppmair, alguns jornais
detonaram os torpedos habituais: “Alunos da Escola Base reconhecem a casa do americano”, disse o
Estadão; “Criança liga americano a abuso de escola”, disse a Folha. Note-se que em plena temporada de
autocrítica a recidiva foi tão grave quanto a epidemia original. “No dia seguinte, até os delegados estavam
indignados com aquela história”, escreveu o jornalista Alex Ribeiro.

Texto do Boletim do Instituto Gutenberg

Cautela na pauta do repórter

Valmir Salaro conta o que aprendeu na cobertura da Escola Base


O repórter Valmir Salaro, da Rede Globo, deu a primeira notícia sobre a Escola Base, abateu-se com o
linchamento moral dos denunciados e desde então faz o que o conjunto da mídia deveria fazer: por mais
espetacular que seja a notícia e mais eloquente o delegado, Salaro checa antes de divulgar. Mais de uma
vez convenceu os chefes de que a notícia era boa mas seu efeito ruim demais para que fosse publicada
sem equidade. Mais de uma vez, viu a notícia nos concorrentes enquanto aprofundava sua investigação.
Hoje eu sinto muita, muita dificuldade para fazer reportagem policial. Sinto-me usado, me sinto como um
carrasco, quando o papel do repórter teria de ser outro; ele teria que fiscalizar a polícia e ajudar a
sociedade. Hoje você acaba sendo uma espécie da ponta-de-lança da polícia. Se a polícia apresenta uma
pessoa como sendo um “grande bandido”, você acaba embarcando e divulgando essa versão, e muitas
vezes prejudica a vida desse suposto bandido que na verdade não passa de um coitado.
Recentemente acompanhei o caso de um ex-segurança que acusou a família Matarazzo. Depois o suspeito
foi preso e desmentiu tudo. Fiz duas horas de entrevista, sem ele saber, com uma câmera escondida, e não
colocamos a matéria no ar. O Diário Popular deu manchete, escrachou a dona Maria Pia; a Veja embarcou
na história, o Jornal da Tarde fez matéria de páginas. O caso não teve tanta repercussão como erro da
imprensa, mas eu o qualifico como semelhante ao da Escola Base. Acontece que as pessoas que foram
denunciadas têm muito dinheiro, e isso acabou não abalando a vida delas. A Maria Pia não se manifestou, e
todo mundo já esqueceu a notícia.
Teve um caso recente de um promotor de Justiça que fez uma investigação pessoal com base numa
informação de um delegado. Segundo a investigação, toda quarta-feira, num restaurante na Marginal, um
grupo de políticos, comandantes da PM, delegados, deputados e um procurador de Justiça almoçavam com
um homem que seria braço direito do bicheiro Ivo Noal, com um passado na contravenção. A denúncia era
muito forte, mas sem prova.
Todo esse material veio pra minha mão inclusive com uma fita gravada. A decisão do promotor era mandar
apurar. Só que a gente não divulgou porque não tinha uma prova concreta. A rádio Bandeirantes divulgou,
o Diário Popular divulgou, o Jornal da Tarde divulgou, o SBT divulgou. Resultado: todos os envolvidos —
acho que são 35 delegados, um procurador e oficiais da PM — estão processando a imprensa, porque não
ficou comprovado o envolvimento deles com o tal homem. A princípio todos são inocentes.
Esses erros estão sendo cometidos todos os dias. Quando eu saio pra rua pra fazer uma matéria fico
preocupado: será que vou acertar, vou errar, vou precisar de quatro, cinco dias pra investigar a história, a
minha chefia vai admitir que eu faça essa investigação durante todos esses dias, a minha concorrência
como é que fica? Quer dizer, o repórter hoje está sendo superquestionado, e tem que ser mesmo.
Não vejo uma saída a princípio para isso, a não ser reconhecer o erro imediatamente, imediatamente dar o
mesmo espaço ou espaço ainda maior para o desmentido, se for necessário. No caso do pessoal da Escola
Base eu virei testemunha de acusação contra o delegado. E fiz várias matérias sobre o drama que vivem
hoje os seis inocentes.
O que estou reavaliando é como vou lidar com essas fontes, em quais fontes posso realmente confiar, e,
mesmo confiando, ir buscar outras alternativas para checar a informação, quer dizer, redobrar a minha
atenção, ficar sempre atento. O grande mal é a polícia partir do suposto suspeito para esclarecer o crime.
Ninguém controla a polícia. É um poder paralelo. Eu fiz uma matéria que me assustou: onze policiais
envolvidos com droga, craque e álcool. Imagina os policiais de rua loucos de tanto fumar craque. Qual o
equilíbrio que um homem desses tem?
Não adianta discutir o jornalismo policial se não discutir esses programas de TV que estimulam a
truculência, a violência e a impunidade dos policiais: Aqui Agora, Cidade Alerta, Rota do Crime. Esse tipo de
imprensa acaba contribuindo para fortalecer o poder da polícia. As equipes do Aqui Agora chegam junto
com a polícia. Um dia desses Rota do Crime pediu pra PM fazer uma batida numa periferia da Zona Leste.
Os PMs espancaram todo mundo, mulher grávida, crianças, um absurdo, e foi tudo filmado. Isso era motivo
para prender todos, imediatamente, tirar os policiais da rua e tirar esse programa do ar...
A corrupção, a prepotência estão enraizadas em alguns setores da polícia. Um suspeito é levado para a
delegacia e muitas vezes é torturado para confessar. Você não pode confiar na polícia, nunca pôde e agora
menos ainda. Não pode confiar na testemunha, não pode confiar nem na vítima, o que é muito mais
trágico. Você não sabe se a vítima está mentindo para se promover, para prejudicar uma outra pessoa. Está
difícil fazer jornalismo na minha área. Você lida com a incompetência, a prepotência e a violência dos
policiais. Eles acham que têm o poder para tudo, poder do bem, do mal, poder de espancar, torturar, e
ficam impunes. O presídio da Polícia Civil está cheio de policiais que roubaram, mas os que cometeram
violências físicas, espancamentos, esses não estão na cadeia. Em casos como o da Agroceres isso não
aconteceu porque tinha muita gente ali pra fiscalizar o trabalho do delegado, e ele também não era louco
de torturar o filho de um grande empresário. Mas eu ficava pensando: se isso acontece na periferia...
Um dia o delegado me ligou e disse:
— Eu tenho um laudo da Polícia Técnica que comprova que o Frederico, filho do empresário, é suspeito:
tinha partículas de metal na mão, indicando que ele matou o pai.
A partir daí nós acompanhamos a investigação durante dois meses sem colocar absolutamente nada no ar.
Só demos a notícia da morte do dono da Agroceres no dia e demos que a primeira suspeita era de suicídio.
Durante dois meses acompanhamos a investigação da polícia, não divulgamos mais nada a partir do
momento que eu tive aquela informação do delegado. Roberto Muller era o diretor da TV Globo em São
Paulo, falei com ele e ficou acertado: “Tudo bem, não vamos divulgar nada até a polícia concluir o caso”.
Acompanhamos o depoimento de testemunhas, do próprio Frederico, tudo. Passamos dois dias no Instituto
de Criminalística filmando todo trabalho de recolhimento da prova técnica, o exame residuográfico, que era
fundamental na investigação. O perito Osvaldo Negrini foi o mesmo que fez o trabalho na Casa de
Detenção, que comprovou as execuções dos 111 presos com um laudo fabuloso que hoje é exemplo de
investigação científica no Brasil. Um perito sério e independente.
Ele nos mostrou como foi feito o trabalho para coletar as partículas de metal da mão do Frederico. O
material foi colocado num equipamento da Polícia Técnica —só existem cinco no mundo — que aumenta 30
mil vezes qualquer coisinha invisível a olho nu. Eles fizeram um laudo detalhado.
Nós filmamos fase por fase o trabalho da Polícia Técnica. Os peritos dispararam a arma que o Frederico
usou, para colher com um adesivo especial as partículas. Esse material passou para o setor de química da
Polícia Técnica, depois foi analisado no microscópio eletrônico, e aí deu o resultado positivo. Com base
nisso, o delegado ouviu outras testemunhas, investigou a vida do Frederico, que tinha um relacionamento
traumático com o pai.
A prova técnica foi fundamental pra me convencer, pra convencer a polícia, o Ministério Público e a Justiça
de que ele é suspeito de matar o pai. Se houve intenção ou não, é uma outra discussão. Ele deve ir a
julgamento no começo do ano.
Pusemos uma matéria no Jornal Nacional, de cinco minutos, com todos esses detalhes da investigação. Na
entrevista, o perito diz que com base naquele laudo pode afirmar que o Frederico matou o pai. Ele fala isso
mesmo, mas eu repeti a entrevista várias vezes pra ele confirmar que estava dando o depoimento com
base no laudo: “O garoto matou o pai.”
Eu acho que esse trabalho teria de ser feito com todos os casos policiais. Hoje não tenho dúvida disso. Acho
que não se deve divulgar de primeira, como eu não dei notícia no caso dos Matarazzo, como eu não dei a
notícia no caso dos policiais, deputados e coronéis que estariam participando de um almoço suspeito, quer
dizer, a Globo não deu, as outras emissoras deram, tanto é que estão sendo processadas por “danos
morais”.
Outro caso interessante foi o do Zezinho do Ouro, que acusou muitos policiais de corrupção. Eu só coloquei
no ar o nome das pessoas que consegui ouvir. Ele acusava mais de setenta policiais e eu consegui ouvir
acho que cinco ou seis. Esses policiais foram condenados. Eu fiz questão de procurá-los para entrevistar e
eles disseram que era mentira, invenção do Zezinho do Ouro. Muitos jornalistas que deram a lista toda e
estão sendo processados.
Estou lembrando três, quatro, cinco exemplos semelhantes à Escola Base, que aconteceram depois da
Escola Base, dos quais ninguém tomou consciência. Você sabe que houve um erro mas acaba esquecendo,
e se esquece comete outros. A Escola Base vive permanentemente na minha cabeça. É um ponto de
referência. Fiz uma matéria na semana retrasada num asilo e pedi pro cinegrafista: “Não quero imagem de
rostos, nem das velhinhas nem das crianças, porque é uma segunda violência”. Mostramos as más
condições do asilo sem mostrar o rosto de ninguém.” E foram ouvidos os suspeitos.
Luís Antônio Giron responde à crítica de "mensalinho" da Veja

Luís Antônio Giron, jornalista das revistas Época e Bravo!

Não fui ouvido por Veja

No Brasil, não vale o ditado "quem não deve não teme". Por aqui, de fato, quem não deve tem muito a
temer. Vejam o que acaba de acontecer comigo. Eu, jornalista, com mais de 20 anos de carreira na área
cultural, estou sentindo na carne o que muitos cidadãos já sofreram: o ataque calunioso de um veículo
poderoso da imprensa e a diferença entre o espaço dado à acusação e o conferido à defesa. Fui vítima do
próprio meio em que trabalho. É também uma oportunidade para refletir outra vez sobre o papel do
jornalismo e para elaborar uma pequena meditação sobre o jabaculê, ou jabá, que é como a indústria da
música chama a propina dada a DJs e a jornalistas em troca de espaço na mídia. Mesmo que minha
consciência esteja limpa e eu não deva nada a ninguém, mesmo que minha honestidade continue
preservada, tenho tudo a temer. Estou com medo da espetacularização da notícia a qualquer preço, notícia
que chega ao leitor sem apuração, sem ouvir o outro lado, criando factóides que não se apóiam na
realidade. É a síndrome da Escolinha de Base (a escola e a reputação de seus donos destruída nos anos 90
em São Paulo por uma campanha unilateral da imprensa) aplicada aos intestinos do jornalismo.

O fato é o seguinte: a revista Veja publicou nesta semana – edição 1.925, ano 38 nº 40, datada de 5 de
outubro de 2005 – uma matéria não-assinada com o título "O mensalão da filha de Elis". Ela conta como a
cantora Maria Rita teria se valido de um expediente típico do jabaculê para divulgar seu novo CD, Segundo.
Sua gravadora, a Warner, distribuiu duas ou três dezenas de aparelhos i-Pod shuffle para diversos veículos
de comunicação brasileiros. Com isso, a cantora teria obtido matérias em revistas e jornais. Em uma
passagem que me toca especialmente, a matéria afirma que a gravadora "matou dois coelhos de uma
cajadada", valendo-se do jornalista de Época e colaborador da revista Bravo! – ou seja, eu, Luís Antônio
Giron – que ganhou um i-Pod e, em troca, fez dois favores à Warner: "ele escreveu uma matéria simpática
na revista e outra mais elogiosa ainda na Bravo!, publicada pela Editora Abril, o mesmo grupo de Veja". Em
seguida, afirma que "poucos veículos recusaram o jabá da gravadora".

Ficou evidente que eu não havia devolvido o i-Pod. Mas se trata de uma grande calúnia, pois não apenas
devolvi o aparelhinho , sem nem tocá-lo, à assessoria da cantora no dia 15 de setembro, dois dias depois
de ter sido entregue a mim (sem que eu pedisse), como não fiz matérias "simpáticas" à cantora. Na
matéria da Época, escrevi que Maria Rita "fracassa" ao tentar fugir da influência dos pais. Na da Bravo!, fiz
uma reflexão em estilo de improviso sobre como não consigo ouvir Maria Rita com ouvidos inocentes. De
fato, para mim, é impossível ouvi-la sem pensar na mãe. Portanto, as duas matérias, cada uma para um
fim, trataram criticamente e de forma independente em relação ao CD. Para a Época, fiz uma entrevista.
Para Bravo!, uma "pensata" crítica. E, outra vez, devo dizer que o aparelhinho com valor médio de R$ 240,
enviado a título de material suplementar aos jornalistas (o preço de uma caixa de 6 DVDs ou de muitos
outros materiais enviados à imprensa a título de divulgação, sem caracterizar o jabá, como veremos
adiante), foi devolvido gentilmente à Warner. Achei que não era lá muito justo receber um objeto do desejo
de consumo, mesmo que sem nenhum tipo de obrigação, embora não gostasse de causar qualquer
constrangimento à gravadora com algo que soasse como uma desfeita. Consultei o Diretor de Redação de
Época, devolvi o aparelho à assessoria da Warner e fiquei tranqüilo.

Não devia dar qualquer satisfação sobre isso. Mas, pelo jeito, nada disso tem importância. O fato mais
importante no caso dos redatores da reportagem de Veja foi que nem sequer tomaram o cuidado de me
ouvir, ou seja, conferir o famoso "outro lado" da investigação. Ao não fazer isso, incorreram em erro e
praticaram uma calúnia, ao dizer que o jornalista de Época reteve o aparelho. Fiquei sabendo do caso ainda
na sexta por meio da diretoria de Bravo!. Fui informado que dois velhos amigos meus trataram de produzir
a peça acusatória: um repórter de música que trabalhou no Notícias Populares na época do escândalo da
Escola de Base e com quem tive ocasião de conviver fraternalmente em várias ocasiões e o redator-chefe
de Veja, velho companheiro dos tempos de Folha e pessoa a quem devoto o maior respeito e admiração.

Bom, dirão os incautos, com amigos assim a gente não precisa de inimigos. Pois, na sexta-feira 30 de
setembro, passei o dia tentando falar com eles, ligando para a redação para que a matéria fosse corrigida.
Eu havia devolvido o i-Pod. Depois de muito esforço, Martins me ligou para se desculpar, afirmando algo
como "não sou policial, não tenho nada a ver com isso, foi matéria encomendada". Mas, Sérgio, porque
você não ligou para mim ao menos para saber se era verdade? Não ligou, disse, por vergonha. Tentei
contactar Sabino o dia todo, sem sucesso. No final da tarde, Veja disse que a matéria estava fechada, sem
possibilidade de correção. Sem saber do que se tratava, pois não me mostraram o seu conteúdo, escrevi
uma carta à redação me defendendo.

A carta saiu espremida na última página das cartas, evidentemente cortada na parte em que digo que Veja
não me ouviu. Transcrevo aqui o e-mail original (grifando o que não saiu):

"Prezados Senhores,

Quero esclarecer que o aparelho i-Pod, enviado para os jornalistas de música dos principais veículos da
imprensa, inclusive para mim, colaborador da revista Bravo e editor de Cultura da revista Época, foi
devolvido à assessoria de imprensa da cantora Maria Rita, intacto.

Meu trabalho como crítico sempre se pautou pela independência e jamais aceitei qualquer tipo de oferta em
troca de minha liberdade de opinião. Mais: minha atitude me foi prejudicial em muitas ocasiões".

Não fui ouvido por Veja.

O CD Segundo (Warner) de Maria Rita é de ótima qualidade e a cantora obteve na imprensa o


espaço que lhe é merecido. Exijo que este esclarecimento seja publicado na edição atual. Caso
contrário, tomarei as medidas legais cabíveis."

O fato é que acabei servindo aos propósitos da Veja, que estampou o texto para se resguardar de um
possível processo. Eu tentei me defender no escuro, pois não me foi dado o direito de ler a reportagem. E
Veja não ouviu o outro lado, não me procurou para saber a verdade. Além de ferir uma regra do
jornalismo, os jornalistas que não tiveram coragem de assinar o nome cometeram uma atrocidade,
caluniaram um colega, sob pretexto de denunciar um jabá que não existiu. A defesa, como sempre, é bem
menor que a acusação. Com amigos assim...

Arrisco afirmar que a Veja atuou dessa forma inescrupulosa, chamando essa ótima cantora de "filha de Elis"
e omitindo autores, porque, em 2003, segundo fui informado, a revista, como é de seu hábito, exigiu
exclusividade sobre a matéria e a entrevista. Não obteve o privilégio, pois Maria Rita teve o bom senso de
manter a democracia da informação. Com a negativa, a revista publicou apenas uma nota sobre o primeiro
CD, que se tornou o maior fenômeno da MPB naquele ano, tendo vendido 700 mil exemplares. Agora, com
o segundo CD, a Veja resolveu retaliar a cantora com uma matéria supostamente de denúncia. Atingiu a
reputação da cantora e dos jornalistas de outros veículos. Tudo para figurar como isenta.

A prepotência dessa revista de grande circulação é já antiga. Várias personalidades do mundo cultural já
foram vítimas de seus ataques irracionais. Mas jamais esperaria tamanha destemperança. Primeiro, porque
Maria Rita, ótima cantora, não precisa distribuir i-Pod para jornalista. Seu valor como intérprete é suficiente
para ocupar os espaços que merece. Segundo, porque a questão do jabaculê é muito outra. Jornalistas de
cultura vivem recebendo produtos de gravadoras, distribuidoras e recebendo convites para viagens e outras
mordomias. Isso não configura corrupção, se o veículo e o jornalista deixam evidente que a posição do
veículo e do autor são invendáveis. Em geral, recebemos material de trabalho. Recebe centenas de livros,
CDs e DVDs que são ruins e descarto – nas chamadas "feirinhas" da redação, quando tudo isso é
distribuído. No Natal, parte desse material é doado para crianças pobres. O material acaba sendo útil de
alguma forma. E guardo muito CD, DVD e livro que recebo. Minha obrigação é ser claro na opinião e
honesto com o leitor. A gente chama de jabá por brincadeira o material recebido – mas ele é bem-vindo e
útil. Empresas jornalísticas não têm como bancar tudo quanto é produto.

Jabaculê mesmo é outra coisa, é o ato de corrupção de uma gravadora, interessada em promover uma
música ou um artista, realizado em associação com emissoras de rádio, que exigem um dinheiro alto para
executar faixas de música. Nada a ver com o i-Pod mandado aos jornalistas. Apesar de entender o gesto da
gravadora, tratei de devolver porque seria reter um aparelho que não se esgota no produto – no caso, o CD
Segundo, de Maria Rita. Houve jornalistas que receberam o i-Pod, ficaram com ele e falaram mal do CD de
Maria Rita. Não vejo problema nisso. É uma questão de opção e consciência crítica. E a crítica tem que se
pautar pela independência, como sempre me pautei. Jabaculê mesmo é coisa séria. E nunca testemunhei
jabaculê real em redações de jornais e revistas onde trabalhei.

O patrimônio do jornalista é o seu nome. Considero obviamente inestimável o valor do meu nome; jamais
me vendi por um prato de lentilha, um aparelho de som ou mesmo por qualquer quantia. A calúnia de que
fui alvo deverá ser reparada. Sinto-me como aqueles donos da Escola de Base, que não tiveram como se
defender da sanha da grande imprensa. No meu caso, tudo vai passar, porque a verdade irá prevalecer
sobre a calúnia. Quem não deve pode temer, mas precisa ir à luta. Estou pronto para polemizar mais uma
vez. Até onde a grande imprensa pode avançar em supostas denúncias sem consultar as fontes, em nome
de razões oculltas que o público desconhece? Calúnia continua sendo crime ou a imprensa tem o direito de
fazer o que quer em nome do espetáculo?

You might also like