Guerreiros de Cristo na Terra de Santa Cruz: Os Cavaleiros Templários e a Expansão Ultramarina Ibérica
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Ao se colocar em desacordo com a interpretação predominante que considera a expansão ultramarina como consequência de intuições e conjunções factuais aleatórias, nessa obra o autor privilegia a perspectiva geopolítica ao pôr em relevância a importância estratégica do litoral brasileiro no controle da rota atlântica da Carreira da Índia. Ao abordar o processo de consolidação do poder da Coroa de Portugal na América, traz à tona o papel institucional da Ordem de Cristo como de importância maior, não só na exploração marítima como na orientação do processo missionário, empreendido pela Companhia de Jesus, voltado à apropriação da força guerreira nativa como aliada no embate contra a presença europeia concorrente.
Tendo por base a tese de doutorado do autor, a obra traz a proposta metodológica de superar a normatização historiográfica centrada em fontes documentais escritas, ao fazer uso da abordagem interdisciplinar. Assim, documentação primária se encontra aqui incorporada a informações advindas da conjuntura geopolítica ibérica, da cartografia e da náutica, de condicionamentos ambientais e da etno-história tupi-guarani.
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Book preview
Guerreiros de Cristo na Terra de Santa Cruz - Renato Pereira Brandão
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
1- O TEMA
2- BREVE DISCUSSÃO METODOLÓGICA
PARTE I - UM NOVO CONTINENTE NA ROTA DO ORIENTE: O ATLÂNTICO E AS COORDENADAS DO NOVO MUNDO
I. A ARTE DE NAVEGAR NO ATLÂNTICO NORTE: COLOMBO NA PROCURA DE CIPANGO
II. A ARTE DE NAVEGAR NO ATLÂNTICO SUL: CABRAL E A ESTRATÉGIA DE CONQUISTA DO ÍNDICO
III. A ARTE DE DIVIDIR O NOVO MUNDO: TORDESILHAS, O MAPA DE CANTINO E OS LIMITES DAS CAPITANIAS DOS IRMÃOS SOUSA
PARTE II - A GEOPOLÍTICA DOS DESCOBRIMENTOS E OS CAVALEIROS DE CRISTO
I. OS MONGES GUERREIROS DO TEMPLO DE SALOMÃO
II. A ORDEM DE CRISTO E A EXPANSÃO ULTRAMARINA DE PORTUGAL
III. A COMPANHIA DE JESUS, O TUPI-GUARANI E O FREI HOSPITALÁRIO NA GUANABARA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES
A CARTOGRAFIA RENASCENTISTA E A NÁUTICA DOS DESCOBRIMENTOS: CONHECER O CÉU PARA DESCOBRIR A TERRA
I- A CARTOGRAFIA DOS DESCOBRIMENTOS
II- A NÁUTICA DOS DESCOBRIMENTOS
III- AS EMBARCAÇÕES DOS DESCOBRIMENTOS
RESUMO CRONOLÓGICO
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
Este livro é dedicado a Marta, companheira nesse duro caminhar do magistério e pesquisa, e aos nossos seis filhos. A eles agradeço o afeto e, quando da elaboração da tese, paciência ao ouvir as enfáticas reclamações às sonoridades advindas das constantes arruaças e travessuras da então petizada. Estendo hoje a dedicatórias aos sete netos, d´aquém e d´além-mar.
PREFÁCIO
Esta obra tem por base a tese de doutoramento intitulada A Cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História – Concentração em História Social, da Universidade Federal Fluminense (UFF) no mês de abril do ano de 1999.
A pesquisa que a embasou teve início, e se fez como continuidade, da realizada para a elaboração da dissertação de mestrado intitulada "O Aldeamento Jesuítico de São Lourenço: a herança templária na construção da espacialidade brasileira, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Arte – Concentração em Antropologia da Arte, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1991.
Essa pesquisa teve como foco o estudo do espaço missioneiro do Aldeamento de São Lourenço, que abrangia a maior parte do espaço urbano da atual cidade de Niterói-RJ, do padrão arquitetônico jesuítico de sua igreja e da estética maneirista do retábulo que adorna o interior do templo.
Ao procurar sustentação histórica para os estudos e análises em questão, tivemos a atenção voltada pelo fato de Araribóia, líder dos indígenas formadores do Aldeamento de São Lourenço, ter sido agraciado, além da sesmaria concedida, com o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo. Procuramos então melhor conhecer o significado de tal honraria, outorgada como reconhecimento pela participação decisiva de tal liderança indígena, na luta contra a ocupação francesa da baía da Guanabara. Fomos surpreendidos com a então total falta de informação sobre a relação da Ordem de Cristo com o Brasil. Pesquisando na Biblioteca Nacional, constatamos que, apesar de ter sido a instituição monástica que detinha o poder do Padroado religioso na América portuguesa, afora algumas breves referências superficiais, nada havia sido ainda publicado sobre o significado institucional do Padroado da Ordem de Cristo.
A constatação de que a Ordem de Cristo seria originária de uma das três ordens militares surgida na Terra Santa durantes as Cruzadas, a Ordem dos Templários, e que esta teve papel relevante na construção espacial de Portugal, nos levou conceber que o sucesso na expulsão dos franceses se deveu a uma bem concebida estratégia de cooptação da força guerreira nativa, efetivada pela ação missionária da Companhia de Jesus, o que se coaduna com o papel institucional de uma ordem monástica militar como detentora do poder do Padroado.
Por sua vez, o projeto de pesquisa desenvolvido inicialmente no doutorado tinha como tema central a formação espacial da Capitania do Rio de Janeiro, tendo em consideração o fato desse espaço não ter tido sua dimensão especificada em referente carta de doação, conforme ocorrido com as capitanias em geral. Contudo, ao estudar os limites das capitanias distribuídas ao longo do litoral sudeste-sul da América portuguesa, constatamos precisão referente a determinada coordenada geográfica documentalmente especificada, a nosso ver incompatível com o então conhecimento geográfico dessa extensa região costeira, a princípio ainda não devidamente explorada e mapeada. Essa constatação nos levou a dar outra orientação temática à pesquisa de tese, direcionada à Cartografia Histórica e Náutica Quinhentista. Essa nova abordagem fez com que a tese tivesse como objeto central, não mais a Capitania do Rio de Janeiro, mas sim em procurar demonstrar que a região costeira meridional atlântica do continente que viria a ser, erroneamente, denominada de América fora já explorada, e em parte mapeada, em tempos ainda anteriores ao seu descobrimento
. Como modelo hipotético decorrente, procuramos estabelecer conexões mais sólidas no processo de expansão ultramarina entre a Coroa de Portugal e a Ordem de Cristo, usualmente vista unicamente como principal financiadora da expansão ultramarina portuguesa. Nesse aspecto, enfocamos a Ordem de Cristo como promotora de saberes náuticos e cartográficos, como também considerando a possibilidade, por ter sido herdeira do patrimônio material e espiritual templário em Portugal, de depositária de anteriores conhecimentos dessa natureza, advindos da Ordem dos Templários,
Após o doutoramento, a continuidade do nosso trabalho de pesquisa resultou em diversos artigos e trabalhos publicados, alguns deles referenciados ao eixo central da tese, porém nenhum outro tendo enfoque na questão da participação das ordens militares no processo de expansão ultramarina ibérica. A isso se deve ao fato de ter constatado que essa proposta temática trazia um caráter de tal forma polêmico que, apesar de secundário, acreditávamos poder então trazer interpretações distorcidas sobre os fundamentos historiográficos da pesquisa.
Passadas duas décadas, acreditamos hoje poder retomar de forma objetiva à participação da Ordem de Cristo e dos Templários nos descobrimentos ibéricos, por não estar mais a temática das ordens militares associada a interpretações romanceadas, esotéricas ou teorias conspiratórias, conforme ocorrido quando da apresentação da tese.
Deste modo, apesar da pesquisa ter tido continuidade, esta obra tem a proposta de apresentar a tese em praticamente sua integridade, afora algumas adequações da redação e algumas poucas inclusões, restritas ao que consideramos como absolutamente necessárias. Quanto à apresentação dos capítulos, optamos por transpor o primeiro deles para o Apêndice. Apesar de imprescindível ao entendimento para aqueles não conhecedores dos saberes básicos da náutica e da cartografia quinhentista, mas, por se tratar um texto de caráter exclusivamente didático, consideramos mais adequado o colocar a parte, como complemento.
Para facilitar o entendimento ao público maior, não necessariamente com formação em História ou áreas afins, mesmo que nos afastando da norma atualmente vigente, orientada à redução das extensões das notas em produção de cunho acadêmico, essas foram mantidas integralmente, conforme consta na tese, onde, por diversas vezes, estão reproduzidos os trechos mais significativos referentes às obras citadas.
Aproveito a oportunidade para agradecer à orientadora da tese Profa. Dra. Lana Lage da Gama Lima (UFF), e aos membros da banca avaliadora – Profa. Dra. Vania Leite Fróes (UFF); Prof. Dr. Ronaldo Vainfas (UFF); Prof. Dr. Fernando A. Novais (USP); Prof. Dr. Ondemar Dias Júnior (UFRJ). As valiosas críticas e sugestões feitas na ocasião da apresentação da tese foram diligentemente incorporadas na redação definitiva da presente obra.
Expresso ainda minha profunda gratidão aos colegas docentes do Curso de Arqueologia da Universidade Estácio de Sá, em especial a Profa. Gláucia Silva e os Profs. Vladimir Luft e Paulo Seda, por muito me assessorar quanto às passagens relativas à etnologia e arqueologia de sociedades nativas. Como professor de História Moderna do Curso de Relações Internacionais tive a grata satisfação do convívio dos colegas Profa. Marta Fernandéz, Prof. Ronald Paschoal e Prof. Marcello Cappucci, que muito me assessoraram, especialmente quanto à expansão islâmica e comércio mediterrâneo, imprescindíveis para o melhor entendimento do papel institucional das ordens militares no processo de Reconquista da Península Ibérica e da transposição do eixo mercantil do Mediterrâneo para o Atlântico
Por fim, reitero muito penhoradamente o agradecimento à Profa. Gláucia Silva, agora pelo honroso convite em participar como Pesquisador Colaborador do Laboratório de Estudos Socioantropológicos Sobre o Conhecimento e a Natureza- Lescon (CGAP/PPGA UFF), sob sua coordenação, possibilitando assim que, após a aposentadoria como Professor Titular da UNESA, pudesse dar prosseguimento às atividades de pesquisa sob o convívio universitário.
Renato P. Brandão
INTRODUÇÃO
1- O TEMA
A expansão ultramarina europeia, ocorrida no início do Período Moderno, permanece ainda envolta em dúvidas e passagens não devidamente entendidas, em que pese os recentes avanços historiográficos. O medievalista José Mattoso, apesar de reconhecer os avanços historiográficos hoje apresentados, destaca a questão demográfica como ainda enigmática.
(...)Tudo isto é importante, e pode-se considerar como matéria adquirida, mas não satisfaz plenamente. Em termos globais, pode-se perguntar, por exemplo, o seguinte: Se o Ocidente passava, desde meados do século XIV, por um período de crise demográfica e de recessão econômica, como se compreende esta tendência para a expansão ultramarina? Onde estão os excedentes populacionais que alimentam a constante sangria de gente? Se os Europeus se mantiveram durante tantos séculos encerrados dentro dos limites do continente, mesmo numa época de crescimento demográfico, como foi a dos séculos XI e XII, por que é que sentem agora a necessidade de conhecer novos mundos fora da sua área civilizacional? Se até então concebiam a relação com outras culturas de forma agressiva, inconciliável; donde vem agora a curiosidade por costumes diferentes, o ímpecto para comunicar com povos de língua desconhecida, a coragem de navegar através do oceano cheio de perigo?" (Mattoso, 1987: 296-7)
No caso de Portugal, a questão demográfica ganha contorno extremo, como em nenhuma outra nação envolvida. Apesar de imprecisos os dados demográficos referentes ao século XV, se sabe que, quando então, sua população não excederia a 1,5 milhões de habitantes. Como pode então esse pequeno reino empreender uma ação de conquista colonialista que se estendeu de forma contínua das Ilhas Atlânticas ao Extremo Oriente, construindo uma extensa e densa rede interligando todos os continentes; Europa, América, África e Ásia? Ou seja, não se tem ainda como explicar quais foram os mecanismos que possibilitaram Portugal empreender esse grande processo expansionista, construtor da primeira rede verdadeiramente global, contando com um potencial humano que, a princípio, seria expressamente insuficiente para um empreendimento de tal envergadura.
Contudo, além da questão de ordem demográfica, outras também se impõe. Consta nos livros, especialmente didáticos, mas não só, que, no caso da expansão ibérica, a motivação maior seria de ordem mercantil. Apoiados na experiência náutica acumulada nos descobrimentos de ilhas e na exploração do litoral ocidental africano, navegantes portugueses e espanhóis procuraram dar uma resposta ao bloqueio do comércio de especiarias com o Ocidente, imposto pelos turcos após a tomada de Constantinopla, em 1453. Procuravam, assim, não um Novo Mundo, mas chegar aos entrepostos orientais, onde poderiam obter diretamente as especiarias. Enquanto portugueses procuravam atingir a Índia navegando diretamente em direção ao Oriente, o navegante genovês Cristóvão Colombo, acreditando convictamente na esfericidade da Terra, propôs aos reis de Espanha uma rota contrária a perseguida pelos portugueses, ou seja, atingir o Oriente navegando na direção do Ocidente. Ao atingir a América acreditando ter chegado ao Oriente, Colombo acabou por revelar a existência de um Novo Mundo. Pouco depois, o português Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, ao seguir o rumo indicado por Vasco da Gama, descobridor do caminho marítimo para a Índia. Estavam então abertas as portas da América e dos entrepostos mercantis orientais aos monarcas ibéricos.
Contudo, essa é uma versão equivocada, ao trazer a referência errônea de que os turcos teriam bloqueado o tráfico mediterrâneo de especiarias, no final do século XV. Na verdade, a queda de Constantinopla pouco alterou o tráfico de especiarias com o Oriente, pois ele fluía também não só pelos portos da Síria, abastecidos pela rota do Golfo Pérsico como, e principalmente, pelo porto de Alexandria, no Egito que, a partir do século XI, passou a ser o de maior importância no tráfico de especiarias orientais para o Ocidente. Assim, abastecida pela rota do Índico e Mar Vermelho, Alexandria acolhia principalmente as frotas dos mercadores venezianos que, após derrotar Gênova na batalha de Chioggia em 1380, passaram a deter o monopólio do tráfico mediterrâneo de especiarias para o Ocidente.
Um outro aspecto que tem sido negligenciado é que, a princípio, a rota atlântica não seria economicamente competitiva em relação à mediterrânea, pois, ao se navegar diretamente da Europa para a Ásia, tanto m direção ao Oriente, conforme proposto por Colombo, como em direção ao Ocidente, a distância a ser percorrida seria cerca de dez vezes maior do que pela rota Mediterrâneo-Golfo Pérsico. Assim, mesmo estabelecendo um fluxo mercantil marítimo que permitiria adquirir especiarias diretamente com a Índia, o custo logístico poderia inviabilizar tal fluxo, caso os mercadores venezianos reduzissem, mesmo que temporariamente, suas vultosas margens de lucro.
Considerando tanto a conjuntura demográfica quanto a geopolítica, a nossa questão central está em contextualizar o Descobrimento do Brasil, e início de seu processo colonial, ao contexto histórico que possibilitou Portugal consolidar a rota do Atlântico Sul como a principal via de abastecimento de especiarias, em detrimento da rota do Mediterrâneo.
2- BREVE DISCUSSÃO METODOLÓGICA
A maior dificuldade no estudo não só do desenvolvimento da náutica e da cartografia como do processo global, que possibilitou a expansão ultramarina portuguesa, está na escassez de fontes documentais primárias correlatas. Até o presente, não se localizou um único acervo reunindo cartas e roteiros náuticos de uso dos nautas desbravadores portugueses.