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Por esta via tortuosa (desleal) “Sociedade Primitiva” de Morgan tornou-se um dos
cânones da ortodoxia (doutrina) marxista. A versão inglesa foi repetidamente reeditada
por um editor socialista em Chicago, cada nova impressão tornava-se mais ilegível do
que a anterior. A fama de Morgan aumentou, mas nos círculos profissionais
antropológicos americanos, a hostilidade para com as doutrinas evolucionistas
tornaram-se suspeitas e confundiram-se com preconceitos políticos. Os defensores de
Morgan argumentaram sempre que ele foi tratado injustamente pelos seus críticos. Logo
que em 1891 Engels fez a sugestão ridícula de que a versão inglesa tinha sido
sistematicamente suprimida por causa das suas perigosas implicações políticas, e que
mesmo na actual edição o professor Leslie White, que fez da defesa de Morgan o
trabalho da sua vida e que aqui expõe um ponto de vista isento do trabalho de Morgan,
ainda parece acreditar que o apoio inglês a McLennan, contra o seu herói só teve espaço
devido a um preconceito nacional de pessoas pouco cultas (informadas); ele ignorou o
facto de ter sido um inglês, W. H. R. Rivers, quem em 1807 pela primeira vez resuscitou
Morgan de um período de negligência (descuido) antropológica. Na verdade Morgan foi
sempre mais respeitado pelos antropólogos ingleses do que pelos seus colegas
americanos. A moderna e despreconceituosa visão (opinião) é de que um dos muitos
pontos de discussão ao redor dos quais Morgan e McLennan conduziram o seu debate
publico, ambas as partes estavam igualmente em falta, mas ainda que em alguns pontos
McLennan estivesse certo e Morgan errado, Morgan é actualmente sem dúvida (de
longe) uma figura mais importante. No entanto a maior contribuição que ele deu não
foram de todo aquelas que Marx e Engels apoiaram. Eu penso serem aquelas às quais o
professor White dedicou especial atenção.
Mas quem era afinal Morgan, e porque é que ele merece a nossa atenção? Lewis Henry
Morgan nasceu em Aurora, estado de Nova York em 1818 e passou a maior parte da sua
vida lá e próximo de Rochester. Enquanto estudava direito no início dos seus 20 anos
interessou-se pelos índios Iroqueses que viviam próximo da sua casa. Ele veio a
compreender a organização da vida tribal muito melhor do que qualquer um dos seus
antecessores, e a sua “A língua dos Iroqueses” (1851) foi muito bem referida como
“primeiro trabalho científica de uma tribo indígena alguma vez dada a conhecer ao
mundo”. Nos primeiros 10 anos anteriores a 1856, Morgan dedicou a maior parte da sua
energia ao exercício do direito e então voltou-se para a antropologia. Embora nunca
tenha tirado um grau académico, nos últimos 25 anos da sua vida dedicou-se quase que
inteiramente à investigação etnológica. Morreu em 1881.
O entusiasmo marxista por Morgan resultou do facto de ele ter postulado que cada um
dos seus tipos de sistema de parentesco estava originalmente associado a um tipo
particular de produção económica, a qual ele designou (nomeou) “subsistência natural”,
“subsistência de peixe”, “subsistência de cereais”, “subsistência de carne e leite”, e
“subsistência limitada pela agricultura”. Isto ligava-se bem com o tema (tese) marxista
de que se se muda o modo de produção necessariamente se muda (altera) toda a ordem
social. Morgan declarou que os seus tipos de sistemas de parentesco estavam não só
associados a meios particulares de produção, mas também com tipos particulares de
organização familiar. Por exemplo, no tipo de termos de parentesco aos quais Morgan
chama Malaios, uma criança irá tratar todos os membros mais velhos da sua
comunidade como parentes, todos os homens sendo classificados por m termo ao qual
Morgan disse significar “pai” e todas as mulheres por um termo significando “mãe”.
Morgan declarou que este costume reflectia a forma de organização social o qual
inicialmente era de absoluta promiscuidade entre os sexos, de modo que o parentesco
das crianças era completamente incerto. No entanto, ele era extremamente dogmático
nas suas opiniões… “todas as conclusões apontam nesta direcção portanto
decididamente à que excluir qualquer outra hipótese…é impossível explicar o (sistema)
de alguma outra hipótese, do que a referida desde esta forma de casamento unicamente
pode dar a chave para a sua interpretação”. A grande polémica com McLennan foi à
volta deste assunto. McLennan tinha sensatamente argumentado que estes hábitos
denotavam status e não ma relação sanguínea. Ele estava certamente correcto.
A maior parte da discussão sobre as quais estes homens instruídos conduziram as suas
disputas (discussões) eram tão hipotéticos que vieram a ter pouca relevância para o
pensamento antropológico moderno, mas vale a pena referir que Morgan pode sempre
sobrepor-se aos seus opositores porque ele estudou os Índios no campo (no âmago). É
porque Morgan está por vezes a falar de factos reais directamente observados que ele
permanece interessante.
Morgan descreveu o matriliniar Iroquoes como o “gens Iroqueses” (latim gens; grego
genos; sanscrito genas ). Mas o gens da antiguidade clássica tinha sido um grupo
patriliniar e para os críticos ingleses de Morgan parecia pouco erudito que ele parecia
deste modo confundir os princípios contrastantes do patriarcado e do matriarcado. Só 70
anos depois os antrpólogos académicos ortodoxos apanharam Morgam e perceberam do
que é que ele estava a falar. Morgan tinha descoberto que uma sociedade composta por
uma estrutura segmentária de grupos matrilinerares pode ser do um ponto de vista
estrutural muito semelhante a uma sociedade organizada em grupos patriliniares. É
verdade que ele pensou que a linha paterna era de alguma forma “mais avançada” do
que a linha materna, mas ele também escreveu (pág. 201) “ quando o gens dos
Iroqueses, tal como aparecia no mais baixo status do basbarismo, é colocado ao lado do
gens das tribos gregas, tal como aparecia nos extractos superiores, é impossível não
Perceber que eles são a mesma organização.” Isto, no seu tempo, era uma observação
profundamente original. Os antropólogos modernos que podem mais facilmente tirar
proveito da leituraa de Morgan são aqueles que concebem a continuidade da sociedade
como uma continuidade da estrutura, em vez de uma continuidade da uma forma
cultural. Muitos antropólogos americanos orientaram-se mais por Boas do que por
Morgan, que defendem que a cultura é uma questão de aparências exteriores, de
comportamentos claros. Mas Morgan, que viu que os dois sistemas de parentesco
podiam ser do mesmo tipo, mesmo quando eles pertenciam a sistemas de linguagem
totalmente diferentes estava fundamentalmente preocupado não com as aparências mas
com as estruturas. Hoje um interesse em sublinhar a estrutura dos fenómenos culturais
domina tanto a antropologia inglesa como a francesa (tal como no trabalho de Radeliffe-
Brown, Evans-Pritchard, Lévi-Strauss) mas o interesse sobre a estrutura é pouco central
na antropologia americana. Esta pode ser uma das razões porque o professor White
enquanto se viu muitas vezes academicamente isolado, enquanto defensor das teorias de
Morgan.
Tal como Maine antes dele e Tonnies depois dele, Morgan pensou que se nós
classificamos as sociedades numa escala de desenvolvimento evolucionário nós
devemos reconhecer uma maior descontinuidade que é marcada pela diferença entre os
conceitos “Societas” e “Civitas” ( sociedade versus estado; Gemeinshaft versus
Gesellschaft). Morgan faz a esclarecedora sugestão de que esta ruptura fundamental
corresponde à decadência do grupo de descendência uniliniar como princípio
fundamental da organização da sociedade. Ao antropólogos britânicos contemporâneos
que se especializaram nas condições africanas modernas encontraram muito do que é
relevante e significante nesta ideia.
Claro que as diferentes partes do livro de Morgan não tiveram todas a mesma
importância. O curioso esquema de estádios evolucionários esboçados no capítulo I da
parte I, ou os estranhos argumentos sobre a evolução do comportamento sexual da
promiscuidade, da poligamia até à monogamia que aparece na parte III são hoje apenas
curiosidades históricas, mas a parte II que tem o título geral de “crescimento da ideia de
governo” e que dá uma discussão detalhada da natureza dos sistemas uniliniares
segmentários como exemplificado pelo matriliniar Iroques, e depois compara isto com a
organização dos primeiros cidades-estados gregas e romanas, merece ainda uma grande
atenção dos antropólogos. A parte IV, “ crescimento da ideia de propriedade”, é
igualmente de um valor duradouro.
Com a edição do livro de Morgan e com o imenso trabalho de todos os detalhes ficamos
com uma grande divida para com o professor White. Ele verificou todas as notas de
rodapé elucidando muitas que eram quase incompreensíveis. Ele juntou muitas
anotações suas baseado no seu conhecimento impar dos diários e papelada dispersa de
Morgan. E ele incorporou no texto com indicações apropriadas numerosas correcções e
adendas manuscritas pelo próprio Morgan na sua cópia pessoal do livro a qual está
agora nos arquivos da biblioteca da universidade de Rocherster. Ele teve até o trabalho
de tentar identificar os numerosos revisores anónimos da edição original do livro de
Morgan. Isto é um modelo do que uma nova edição de um trabalho clássico deve de ser