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Um clássico da antropologia

Esta maravilhosa obra e soberbo livro é um dos grandes clássicos da literatura


antropológica. Teve pela primeira vez a apresentação merecida. A história da sua
publicação inicial é curiosa e interessante. Em 1877 o autor tinha pensado como um
sumário e conclusões da numerosa documentação do seu “Sistemas de Consanguinidade
e Afinidade da Família Humana”, Editado em 1870 sob a protecção do Smithsonian
Instituion. “Sociedade Primitiva” recebeu críticas favoráveis da scholary critics (críticos
literários) na América, mas os comentários em Inglaterra foram bastante frios, sem
dúvida porque o livro incluía um apêndice que atacava directamente os pontos de vista
(opiniões) do respeitado antropólogo inglês, J.F. McLennan. As vendas foram lentas
(poucas) mas entre os seus primeiros leitores estava Karl Marx, que residia nessa altura
em Londres. Marx considerava que as especulações de Morgan forneciam
independentes evidências para as suas próprias teorias de evolução social e fez
numerosas notas para resumir o trabalho de Morgan. Estas notas foram postumamente
trabalhadas por Engels em “A Origem da Família”, publicado pela primeira vez em
alemão, em Zurique (1884).

Por esta via tortuosa (desleal) “Sociedade Primitiva” de Morgan tornou-se um dos
cânones da ortodoxia (doutrina) marxista. A versão inglesa foi repetidamente reeditada
por um editor socialista em Chicago, cada nova impressão tornava-se mais ilegível do
que a anterior. A fama de Morgan aumentou, mas nos círculos profissionais
antropológicos americanos, a hostilidade para com as doutrinas evolucionistas
tornaram-se suspeitas e confundiram-se com preconceitos políticos. Os defensores de
Morgan argumentaram sempre que ele foi tratado injustamente pelos seus críticos. Logo
que em 1891 Engels fez a sugestão ridícula de que a versão inglesa tinha sido
sistematicamente suprimida por causa das suas perigosas implicações políticas, e que
mesmo na actual edição o professor Leslie White, que fez da defesa de Morgan o
trabalho da sua vida e que aqui expõe um ponto de vista isento do trabalho de Morgan,
ainda parece acreditar que o apoio inglês a McLennan, contra o seu herói só teve espaço
devido a um preconceito nacional de pessoas pouco cultas (informadas); ele ignorou o
facto de ter sido um inglês, W. H. R. Rivers, quem em 1807 pela primeira vez resuscitou
Morgan de um período de negligência (descuido) antropológica. Na verdade Morgan foi
sempre mais respeitado pelos antropólogos ingleses do que pelos seus colegas
americanos. A moderna e despreconceituosa visão (opinião) é de que um dos muitos
pontos de discussão ao redor dos quais Morgan e McLennan conduziram o seu debate
publico, ambas as partes estavam igualmente em falta, mas ainda que em alguns pontos
McLennan estivesse certo e Morgan errado, Morgan é actualmente sem dúvida (de
longe) uma figura mais importante. No entanto a maior contribuição que ele deu não
foram de todo aquelas que Marx e Engels apoiaram. Eu penso serem aquelas às quais o
professor White dedicou especial atenção.
Mas quem era afinal Morgan, e porque é que ele merece a nossa atenção? Lewis Henry
Morgan nasceu em Aurora, estado de Nova York em 1818 e passou a maior parte da sua
vida lá e próximo de Rochester. Enquanto estudava direito no início dos seus 20 anos
interessou-se pelos índios Iroqueses que viviam próximo da sua casa. Ele veio a
compreender a organização da vida tribal muito melhor do que qualquer um dos seus
antecessores, e a sua “A língua dos Iroqueses” (1851) foi muito bem referida como
“primeiro trabalho científica de uma tribo indígena alguma vez dada a conhecer ao
mundo”. Nos primeiros 10 anos anteriores a 1856, Morgan dedicou a maior parte da sua
energia ao exercício do direito e então voltou-se para a antropologia. Embora nunca
tenha tirado um grau académico, nos últimos 25 anos da sua vida dedicou-se quase que
inteiramente à investigação etnológica. Morreu em 1881.

No seu trabalho entre os Iroqueses Morgan apercebeu-se de que a sua classificação de


parentes era bastante diferente da utilizada em inglês. Por exemplo, o irmão do pai era
chamado “pai” e os seus filhos eram “irmão” e “irmã”; a irmã da mãe era “mãe” e os
seus filhos eram “irmão” e “irmã”; um homem chamava aos filhos do seu irmão “filho”
e “filha” mas os filhos da sua irmã eram “sobrinho” e “sobrinha”. Em 1858 Morgan
ficou perplexo ao descobrir que os índios Ojibwa, que pertenciam a uma família
linguística completamente diferente dos Iroqueses, no entanto classificavam os seus
parentes substancialmente da mesma forma. Isto levou a uma extraordinária perspectiva
(conclusão), conduzida em parte por questionários, nos quais Morgan reuniu informação
há cerca de sistemas de parentesco de quase todo o mundo. A sua amostra não foi feita
ao acaso, mas quando se considera a novidade da sua investigação e a maneira como foi
feita os resultados obtidos são deveras marcantes. Os questionários que ele dirigiu aos
consulados americanos oficiais e missionários em todo o mundo pediam aos
informadores para preencher 270 respostas independentes para cada língua. Com estes
procedimentos Morgan, ficou habilitado para saber que embora houvesse milhares de
línguas diferentes no mundo os sistemas de parentesco de todos se traduziam em menos
de uma dúzia de tipos principais. Grosseiramente falando, esta descoberta foi
confirmada por trabalho à posterior. Morgan então postulou que estes tipos de
classificação de parentesco na maioria correspondem a algumas diferenças maiores dos
tipos de organização social com os quais eles estão associados.

O entusiasmo marxista por Morgan resultou do facto de ele ter postulado que cada um
dos seus tipos de sistema de parentesco estava originalmente associado a um tipo
particular de produção económica, a qual ele designou (nomeou) “subsistência natural”,
“subsistência de peixe”, “subsistência de cereais”, “subsistência de carne e leite”, e
“subsistência limitada pela agricultura”. Isto ligava-se bem com o tema (tese) marxista
de que se se muda o modo de produção necessariamente se muda (altera) toda a ordem
social. Morgan declarou que os seus tipos de sistemas de parentesco estavam não só
associados a meios particulares de produção, mas também com tipos particulares de
organização familiar. Por exemplo, no tipo de termos de parentesco aos quais Morgan
chama Malaios, uma criança irá tratar todos os membros mais velhos da sua
comunidade como parentes, todos os homens sendo classificados por m termo ao qual
Morgan disse significar “pai” e todas as mulheres por um termo significando “mãe”.
Morgan declarou que este costume reflectia a forma de organização social o qual
inicialmente era de absoluta promiscuidade entre os sexos, de modo que o parentesco
das crianças era completamente incerto. No entanto, ele era extremamente dogmático
nas suas opiniões… “todas as conclusões apontam nesta direcção portanto
decididamente à que excluir qualquer outra hipótese…é impossível explicar o (sistema)
de alguma outra hipótese, do que a referida desde esta forma de casamento unicamente
pode dar a chave para a sua interpretação”. A grande polémica com McLennan foi à
volta deste assunto. McLennan tinha sensatamente argumentado que estes hábitos
denotavam status e não ma relação sanguínea. Ele estava certamente correcto.

A maior parte da discussão sobre as quais estes homens instruídos conduziram as suas
disputas (discussões) eram tão hipotéticos que vieram a ter pouca relevância para o
pensamento antropológico moderno, mas vale a pena referir que Morgan pode sempre
sobrepor-se aos seus opositores porque ele estudou os Índios no campo (no âmago). É
porque Morgan está por vezes a falar de factos reais directamente observados que ele
permanece interessante.

Quando Morgan começou as suas pesquisas em terminologia de parentesco a sua


intenção era provar algo sobre a origem asiática dos índios americanos, mas na época
em que escreveu “ Sociedade Primitiva”, em parte como consequência de conversas
com o seu amigo professor McIlvane de Princeton e em parte como resultado do seu
debate com Mclennan, Morgan acreditou que podia escrever a história da civilização
humana com base nos seus argumentos prioritários (iniciais). “A Sociedade Primitiva”
além de sumariar as descobertas de os “sistemas de consaguinidade” faz uma grandiosa
tentativa para descrever as características de todo um conjunto de estádios de
desenvolvimento social aplicáveis a toda a história da humanidade. Tipos de sociedade
são classificados de acordo com as instituições económicas, políticas, legais e familiares
que prevalecem no seu interior. É assumido que dentro de cada uma destas
classificações a evolução procede da mesma forma, passo a passo, sempre na mesma
ordem sequencial. Por muito atractivo que isto possa parecer aos Marxistas ortodoxos
modernos, tem muito pouca relevância para a antropologia moderna. As sociedades
reais do mundo real não podem ser simplesmente arrumadas desta forma. Com efeito as
tentativas nesse sentido, tal como a de etiquetar a China antes de 1947 de “feudal”, só
podem conduzir à total confusão das categorias sociológicas. A sociedade humana
evolui seguramente, quer socialmente quer economicamente, mas isso não aconteceu do
modo como Morgan o imaginou. Contudo à partes de “Sociedade Primitiva” que
continuam a ter uma importância fundamental.

Ao estudar os Iroqueses, Morgan descobriu uma sociedade organizada num princípio


segmetário na qual as unidades segmentárias eram aquilo a que nós hoje chamaríamos
matriliniares, o que quer dizer que eles são descendentes de grupos baseados no
princípio da descendência pelo lado materno. Morgan verificou, porque ele tinha
observado o sistema em acção, que este princípio matrilinear que vincula mais uma
sucessão de tio para sobrinho do que de pai para filho não sustenta nenhuma
semelhança com o sistema de matriarcado ( regra pela mulher ) que os sábios Europeus
evocaram das fábulas clássicas das Amazonas.

Morgan descreveu o matriliniar Iroquoes como o “gens Iroqueses” (latim gens; grego
genos; sanscrito genas ). Mas o gens da antiguidade clássica tinha sido um grupo
patriliniar e para os críticos ingleses de Morgan parecia pouco erudito que ele parecia
deste modo confundir os princípios contrastantes do patriarcado e do matriarcado. Só 70
anos depois os antrpólogos académicos ortodoxos apanharam Morgam e perceberam do
que é que ele estava a falar. Morgan tinha descoberto que uma sociedade composta por
uma estrutura segmentária de grupos matrilinerares pode ser do um ponto de vista
estrutural muito semelhante a uma sociedade organizada em grupos patriliniares. É
verdade que ele pensou que a linha paterna era de alguma forma “mais avançada” do
que a linha materna, mas ele também escreveu (pág. 201) “ quando o gens dos
Iroqueses, tal como aparecia no mais baixo status do basbarismo, é colocado ao lado do
gens das tribos gregas, tal como aparecia nos extractos superiores, é impossível não
Perceber que eles são a mesma organização.” Isto, no seu tempo, era uma observação
profundamente original. Os antropólogos modernos que podem mais facilmente tirar
proveito da leituraa de Morgan são aqueles que concebem a continuidade da sociedade
como uma continuidade da estrutura, em vez de uma continuidade da uma forma
cultural. Muitos antropólogos americanos orientaram-se mais por Boas do que por
Morgan, que defendem que a cultura é uma questão de aparências exteriores, de
comportamentos claros. Mas Morgan, que viu que os dois sistemas de parentesco
podiam ser do mesmo tipo, mesmo quando eles pertenciam a sistemas de linguagem
totalmente diferentes estava fundamentalmente preocupado não com as aparências mas
com as estruturas. Hoje um interesse em sublinhar a estrutura dos fenómenos culturais
domina tanto a antropologia inglesa como a francesa (tal como no trabalho de Radeliffe-
Brown, Evans-Pritchard, Lévi-Strauss) mas o interesse sobre a estrutura é pouco central
na antropologia americana. Esta pode ser uma das razões porque o professor White
enquanto se viu muitas vezes academicamente isolado, enquanto defensor das teorias de
Morgan.

Tal como Maine antes dele e Tonnies depois dele, Morgan pensou que se nós
classificamos as sociedades numa escala de desenvolvimento evolucionário nós
devemos reconhecer uma maior descontinuidade que é marcada pela diferença entre os
conceitos “Societas” e “Civitas” ( sociedade versus estado; Gemeinshaft versus
Gesellschaft). Morgan faz a esclarecedora sugestão de que esta ruptura fundamental
corresponde à decadência do grupo de descendência uniliniar como princípio
fundamental da organização da sociedade. Ao antropólogos britânicos contemporâneos
que se especializaram nas condições africanas modernas encontraram muito do que é
relevante e significante nesta ideia.

Claro que as diferentes partes do livro de Morgan não tiveram todas a mesma
importância. O curioso esquema de estádios evolucionários esboçados no capítulo I da
parte I, ou os estranhos argumentos sobre a evolução do comportamento sexual da
promiscuidade, da poligamia até à monogamia que aparece na parte III são hoje apenas
curiosidades históricas, mas a parte II que tem o título geral de “crescimento da ideia de
governo” e que dá uma discussão detalhada da natureza dos sistemas uniliniares
segmentários como exemplificado pelo matriliniar Iroques, e depois compara isto com a
organização dos primeiros cidades-estados gregas e romanas, merece ainda uma grande
atenção dos antropólogos. A parte IV, “ crescimento da ideia de propriedade”, é
igualmente de um valor duradouro.

Com a edição do livro de Morgan e com o imenso trabalho de todos os detalhes ficamos
com uma grande divida para com o professor White. Ele verificou todas as notas de
rodapé elucidando muitas que eram quase incompreensíveis. Ele juntou muitas
anotações suas baseado no seu conhecimento impar dos diários e papelada dispersa de
Morgan. E ele incorporou no texto com indicações apropriadas numerosas correcções e
adendas manuscritas pelo próprio Morgan na sua cópia pessoal do livro a qual está
agora nos arquivos da biblioteca da universidade de Rocherster. Ele teve até o trabalho
de tentar identificar os numerosos revisores anónimos da edição original do livro de
Morgan. Isto é um modelo do que uma nova edição de um trabalho clássico deve de ser

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