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CAPÍTULO QUATRO

TEORIAS EVIDENCIALISTAS DO CONHECIMENTO E DA JUSTIFICAÇÃO

Se alguma coisa como a versão modificada de Análise Tradicional do Conhecimento


proposta no capítulo 3 é correta, então a justificação é uma condição necessária crucial para o
conhecimento. Além do mais, a justificação é um conceito interessante e enigmático por si mesma.
Ela será o foco deste capítulo e daquele que segue. O presente capítulo cobre uma formulação da
justificação tradicional e amplamente aceita. O próximo capítulo introduzirá formulações da
justificação (e do conhecimento) mais recentes e bastante diferentes.
Para ajudar a enfocar claramente as questões centrais, será melhor usar um exemplo no
qual duas pessoas acreditam na mesma coisa, mas uma está justificada nessa crença e a outra não.

Exemplo 4.1: O Roubo


Alguém invadiu a casa de Art e roubou uma valiosa pintura. O policial Careful investiga o
caso e termina com a evidência conclusiva de que Filcher cometeu o crime. Careful encontra a
pintura na posse de Filcher, encontra as impressões digitais de Filcher na cena do crime, e assim
por diante. Careful acaba acreditando:

1. Filcher roubou a pintura.

Enquanto isso, Hasty também ouviu sobre o roubo. Acontece que Hasty mora ao lado de
Filcher e tem tido alguns problemas com ele. Hasty detesta Filcher e o culpa por muitas das coisas
ruins que acontecem. Hasty tem uma vaga idéia de que Filcher trabalha com comércio de arte mas
não tem qualquer conhecimento específico sobre o que ele faz. Sem mais nada em que se basear,
Hasty também crê (1).
A Perspectiva Standard sustenta que no exemplo 4.1 Careful está inteiramente justificado
em crer (1) mas Hasty não está. Se você precisa acrescentar algo mais à história para se convencer
daquelas avaliações, pode fazer os acréscimos. Entretanto, o exemplo deveria ser bastante
persuasivo tal como está.
O objetivo do presente capítulo é descrever de uma maneira sistemática e útil o que
distingue a crença de Careful da crença de Hasty e, mais geralmente, identificar as características
gerais que distinguem as crenças justificadas das crenças injustificadas. Há muitas diferenças entre
a crença de Careful e a crença de Hasty que são irrelevantes para este projeto. Por exemplo, a
crença de Hasty é sobre seu vizinho, mas a crença de Careful não é sobre seu (de Careful) vizinho.
Isto é verdade, mas não é o que faz com que uma esteja justificada e a outra não esteja. Crenças
sobre a vizinhança podem estar justificadas, e não é sequer remotamente plausível que isto tenha
alguma importância em termos de justificação. Em geral, nada sobre aquilo de que trata uma crença
provavelmente será, por si só, de algum valor para responder a questão, pois as pessoas podem ter
tanto crenças justificadas quanto crenças injustificadas sobre praticamente qualquer tópico. Qual é,
então, a diferença?1
Ao pensar sobre esta questão será útil ter em mente a seguinte idéia. Se uma crença está
justificada ou injustificada, seu status epistêmico é um fato avaliativo sobre a crença. A reflexão
sobre isto sugere que o status epistêmico deve depender de outros fatos não-epistêmicos. Pode
ser mais fácil entender a idéia considerando primeiro uma analogia. Suponha que uma professora
devolva um conjunto de trabalhos avaliados para os estudantes de sua turma. Ela diz que um
trabalho está excelente e dá a ele uma nota muito alta. Ela diz que outro trabalho está ruim e dá a ele
uma nota baixa. A professora então atribui então certas propriedades avaliativas a estes trabalhos.
Estas são propriedades que se referem à qualidade dos trabalhos. (Embora não seja crucial para a
discussão que se segue, suponha que haja uma verdade objetiva sobre a qualidade de cada
trabalho.) A qualidade do trabalho é depende de outras características do trabalho. Por exemplo,
palavras mal escritas diminuem a qualidade do trabalho, assim como também o fazem sentenças
gramaticalmente erradas. Talvez estar escrito claramente aumente sua qualidade. Há vários outros
fatores que entram na avaliação. Estes fatores envolvem as propriedades descritivas dos trabalhos.
A idéia chave a entender é que, se existe uma diferença avaliativa nos trabalhos, então deve haver
uma diferença descritiva. Em outras palavras, se não há diferença descritiva, então também não há
diferença avaliativa. O princípio seguinte captura a idéia:

Necessariamente, se dois trabalhos têm as mesmas propriedades descritivas, então eles


têm as mesmas propriedades avaliativas.

Isto é ás vezes descrito como sendo a tese da superveniência – as propriedades avaliativas


dos trabalhos sobrevêm às suas propriedades descritivas, ou dependem delas.
A plausibilidade da tese da superveniência sobre os dois trabalhos pode ser apreciada
considerando a situação de um estudante que tira uma nota baixa. Suponha que um tal estudante
pergunte à professora sobre o que tornou seu trabalho inferior ao trabalho de um colega que ficou
com uma nota mais alta. Seguramente haveria algo de errado com um professor que respondesse
ao seu estudante, “Não há diferença descritiva entre os dois trabalhos. Eles são exatamente iguais
de todas as maneiras descritivas. Ocorre simplesmente que, infelizmente, o seu trabalho não é tão
bom quanto aquele.” Este estudante pode reclamar apropriadamente que, se o seu trabalho não é
tão bom quanto o outro, deve haver alguma coisa sobre os dois trabalhos que revele esta diferença
avaliativa.
Uma coisa semelhante é verdadeira em epistemologia. Estar justificada ou injustificada é
uma propriedade epistêmica avaliativa de uma crença. Fatos sobre as causas de uma crença, sobre
se ela é verdadeira, sobre se outras pessoas também acreditam na mesma coisa, são fatos não-
avaliativos sobre a crença.Além disso, fatos sobre que experiências uma pessoa está tendo, sobre
que outras coisas a pessoa acredita, e assim por diante, são todos fatos não-epistêmicos. Os fatos
epistêmicos avaliativos dependem destes outros fatos. Logo, se uma crença está justificada e outra
1
não está, deve haver alguma diferença não-avaliativa entre as duas crenças que de conta dessa
diferença avaliativa. Esta idéia pode ser sumariada no seguinte princípio da superveniência
epistêmica:

Necessariamente, se duas crenças têm as mesmas propriedades não-epistêmicas, então


elas têm as mesmas propriedades epistêmicas. (Se duas crenças são exatamente iguais não-
epistemicamente, então, ou ambas estão justificadas ou ambas não estão justificadas, ou elas estão
justificadas no mesmo grau.)

Os defensores de todas as teorias da justificação que serão considerados neste e no


próximo capítulos concordam com esta tese. A diferença entre as várias teorias se refere a que
propriedades determinam o status epistêmico, ou quais fatos descritivos fazem diferença
epistêmica.

I. EVIDENCIALISMO

A nossa questão acerca do exemplo 4.1 se referia ao que tornou Careful justificado em crer
(1), mas Hasty injustificado em crer nessa proposição. Pode parecer que a resposta à nossa
questão seja bastante simples: Careful tem boas razões, ou evidências, para crer (1) enquanto
Hasty não as tem. É a posse de evidência que é a marca de uma crença justificada. Nós chamamos a
isto teoria evidencialista da justificação, ou evidencialismo.
Ainda que o evidencialismo esteja correto, tal como formulado até aqui ele não é uma teoria
bem-desenvolvida. Os filósofos que concordam que a justificação seja uma questão de se ter boas
razões diferem acentuadamente acerca do que está implicado em se ter boas razões. Há, então,
mais a ser feito para desenvolver uma descrição satisfatória da justificação. As questões se tornarão
mais claras na medida em que examinarmos a idéia mais cuidadosamente.

A. Avaliações Epistêmicas

Em um famoso ensaio, “The Ethics of Belief,” publicado em 1877, William K. Clifford


descreve o seguinte exemplo:

Exemplo 4.2 O Dono de Barco Negligente


Um dono de barco negligente decide, sem fazer quaisquer checagens cuidadosas, que
seu barco tem condições de navegabilidade. O barco lança velas, e então afunda. Muitas vidas são
perdidas, em larga medida porque o dono do barco acreditou que seu barco tinha condições de
navegabilidade sem se importar em checar isto.2

2
Clifford tira uma conclusão dura sobre este dono de barco. E elaborando este exemplo e
alguns outros, ele formula uma conclusão geral que merece um exame. Essa conclusão é a tese de
Clifford, (C):

C. É errado sempre, em qualquer lugar, e para qualquer um, crer em qualquer coisa a partir
de evidência insuficiente.3

Há questões óbvias para fazermos a respeito, mais notadamente, “O que conta como uma
evidência insuficiente?” Nós podemos contornar esta questão por enquanto, assumindo apenas o
seguinte: se uma pessoa tem mais e melhor evidência para a conclusão de que a proposição p é
falsa do que para a conclusão de que a proposição p é verdadeira, então essa pessoa tem
evidência insuficiente para crer que p seja verdadeira. Talvez Clifford pense que ter evidência
suficiente requeira ainda mais, alguma coisa como uma evidência muito forte. Mas nós podemos
colocar uma questão referente a (C) usando essa condição mais fraca. Ao discutir e defender (C),
Clifford escreve:

Não é apenas o líder de homens, o estadista, o filósofo, ou o


poeta, que têm esse dever imperioso para com a humanidade. Qualquer
camponês que apresente suas lentas e raras sentenças no bar de sua
vila, pode ajudar a matar ou a manter vivas as superstições fatais que
amarram sua raça. Qualquer esposa diligente de um artesão pode
transmitir às suas crianças crenças que podem manter a sociedade unida
ou fazê-la em pedaços. Nenhuma simplicidade de espírito, nenhuma
obscuridade de classe [obscurity of station], pode escapar ao dever
universal de questionarmos tudo aquilo em que acreditamos.4

Sua idéia é que, ao crer a partir de evidência insuficiente, ajuda-se a manter vivas as
“superstições fatais” e que, ao fracassar em seguir as evidências que se tem, a sociedade é dividida
(“feita em pedaços”). Embora as alegações de Clifford possam parecer um tanto extremas, talvez
haja algum mérito em seu tese.
Alguns críticos podem objetar a tese de Clifford com base em que uma pequena
quantidade de evidência, especialmente nos casos em que uma decisão deve ser tomada
rapidamente, pode tornar a crença aceitável. Eis aqui um exemplo projetado para ilustrar o ponto.

Exemplo 4.3: Dores no Peito


Você está pronto para sair de férias. Pouco antes da hora da partida, você sente algumas
leves dores no peito. Você sabe que tais dores estão tipicamente associadas com indigestão, mas
elas podem ser sinais de problemas cardíacos. Preocupado com que possa ser um problema sério,

4
você chama seu médico.

Esta é uma ação sensata. Ainda assim, a evidência que você tem é bastante fraca. Você
não tem evidência para acreditar que possa ter um problema médico sério. Por isso, pode-se
concluir que a tese de Clifford está errada. Algumas vezes uma pequena evidência é boa o
suficiente.
Clifford tem uma boa resposta para esta objeção. (C) não é uma tese sobre quanto é errado
agir. Ela é uma tese sobre quanto é errado ter uma crença. Assim, se este exemplo causa algum
problema para (C), o exemplo deve ser um no qual ter uma crença não é errado, ainda que não se
tenha evidência suficiente para ela. Se a situação é como aquela recém descrita, seria errado
concluir que você tem problemas cardíacos (se os sintomas descritos são as únicas razões que
você tem para pensar isto). Você está absurdamente indo muito além da sua evidência se você
acredita nisso. Mas você tem evidência suficiente para acreditar numa proposição diferente, a
saber, que existe uma possibilidade de que você tenha problemas cardíacos. Além do mais, esta
crença proporciona uma boa razão para tomar uma ação preventiva. Não há nada de errado com esta
crença ou com a ação baseada nela. Assim, distinguir uma crença da ação relacionada com ela, e
distinguir a proposição de que existe uma chance de que você tenha problemas cardíacos da
proposição de que você tem problemas cardíacos, proporciona tudo o que é necessário para
escapar desta objeção.
No entanto, existem algumas outras objeções à tese de Clifford que são mais efetivas.

Exemplo 4.4: O Rebatedor Otimista


Um jogador de beisebol da primeira divisão vai rebater numa situação crucial. Este jogador é
um bom rebatedor: ele acerta em cerca de um terço das vezes em que tenta rebater. Ainda assim,
ele erra mais freqüentemente do que acerta. Como muitos outros jogadores da primeira divisão, ele
é extremamente confiante: a cada vez que ele vai rebater ele acredita que vai acertar. Este tipo de
confiança, podemos supor, é de auxílio. Os jogadores se dão melhor quanto estão confiantes
(acreditam que terão sucesso) e se dão mal quando perdem sua confiança.

Os detalhes do exemplo 4.4 sugerem que não é errado para o rebatedor acreditar que ele
acertará. De fato, parece muito melhor para ele acreditar nisto. Ainda assim, ele não tem “evidência
suficiente” para a proposição de que ele acertará.

Exemplo 4.5: A Recuperação


Uma pessoa tem uma doença séria, da qual poucas pessoas se recuperam. Mas esta
pessoa não está disposta a se entregar à sua doença. Ela está segura de que ela será um dos
afortunados. E a confiança ajuda: Aqueles que são otimistas tendem a se dar um pouco melhor,
ainda que, desafortunadamente, a maioria deles tampouco se recupere.

A tese de Clifford diz que é errado para o paciente acreditar que ele irá se recuperar. E este
juízo pare ser muito cruel. Imagine criticar o esperançoso paciente, alegando que ele está errado
em ser otimista. Se o otimismo ajuda, é difícil achar que é errado para ele ser otimista.
Estes exemplos parecem mostrar que há casos nos quais não é errado acreditar em alguma
coisa, ainda que não se tenha boa evidência para ela. Ainda assim, Clifford pode estar certo em
pensar que todo caso de crença a partir de evidência insuficiente tem uma característica ruim: ela
corre o risco de encorajar maus hábitos de pensamento. Entretanto, (C) depende da idéia de que
este fato sempre supera outras considerações. Os exemplos recém considerados mostram outra
coisa. Algumas vezes o benefício de se acreditar a partir de evidência insuficiente supera os danos
potenciais.
Você pode pensar que está divido sobre estes casos. Por um lado, a performance passada
sugere que o rebatedor do exemplo 4.4 não irá acertar. Isto parece indicar que há alguma coisa de
errada com a crença de que ele irá acertar desta vez. Por outro lado, o fato de que acreditar que ele
irá acertar tende a melhorar sua performance sugere que não é errado para ele pensar que irá
acertar. Afinal de contas, esta crença ajuda sua performance, da mesma forma como o faz a
concentração, o manejo correto do taco, e, talvez, coçar-se e cuspir. Considerações semelhantes
se aplicam ao exemplo 4.5. As estatísticas sobre a recuperação da doença sugerem que há alguma
coisa errada com a crença de que o paciente se recuperará. A crença “ignora os fatos” [“flies in the
face of the facts”]. Ainda assim, esta é a sua melhor chance de se recuperar. Como nós podemos
condenar uma pessoa por tentar?
Uma boa maneira de resolver estes aparentes conflitos é dizer que há duas (ou mais)
noções diferentes de incorreção sob consideração aqui. Uma noção se refere à moralidade (ou à
prudência, ou ao auto-interesse). A outra é mais intelectual ou epistemológica. Uma coisa plausível
de se dizer é que nestes exemplos as crenças estão moralmente corretas mas epistemicamente
incorretas. Nós não precisamos entrar em qualquer discussão detalhada a respeito da moralidade
aqui. Será suficiente dizer que, tipicamente, o comportamento é imoral quando ele tem efeitos
ruins sobre os outros (ou sobre si mesmo) e não há benefício compensatório. Acreditar a partir de
evidência insuficiente pode ter os efeitos ruins que Clifford observa. No entanto, nos exemplos 4.4
e 4.5 há evidentes ganhos compensatórios. A tese de Clifford é completamente geral. Ele diz “Em
todo lugar e sempre” é errado crer a partir de evidência insuficiente. Se a tese de Clifford é sobre
moralidade, como ela parece ser, então ela é incorreta. Simplesmente não é imoral ter crenças
otimistas e benéficas nestas circunstâncias. Logo, é provável que Clifford tenha ido longe demais
ao afirmar (C) de modo geral. Algumas vezes não é moralmente errado crer a partir de evidência
insuficiente.
No entanto, pensar sobre estes exemplos e a tese de Clifford pode nos ajudar a enfocar as
questões epistemológicas mais centrais. Suponha que uma pessoa interessada unicamente em
alcançar a verdade esteja na posição das pessoas de nossos exemplos eu esteja formando uma
crença sobre aquelas pessoas baseada exatamente na evidência que elas têm. Uma tal pessoa iria
colocar de lado preocupações de auto-interesse tais como ganhar o jogo ou se recuperar de uma
doença. (Você pode pensar numa pessoa que está fazendo apostas nos resultados e está
interessada apenas em ganhar as apostas.) Essa pessoa iria estar interessada apenas no que de
fato é verdadeiro. O que essa pessoa iria acreditar nessa situação? É claro que um tal crente
desinteressado não acreditaria que o rebatedor acertará ou que o paciente se recuperará. Você
pode destacar este ponto dizendo que, nestas situações, com a evidência tal como foi descrita,
haveria algo errado em crer nestas coisas. Mas este não é um problema moral. É um problema de
racionalidade ou de razoabilidade. Em outras palavras, é epistemicamente errado acreditar nestas
coisas nas situações descritas.
A idéia chave a se tirar disto é que nós podemos avaliar as crenças de duas maneiras. Nós
podemos avaliá-las moralmente5 – elas são benéficas? Elas causam algum dano significativo? Nos
dois exemplos, as crenças são benéficas (quando sustentadas pelo rebatedor ou pelo paciente).
Elas ganham, portanto, uma avaliação moral favorável. Nós podemos também avaliar as crenças
epistemicamente. Neste ponto de vista sobre epistemologia em discussão aqui, isto é determinado
por se elas vão contra a evidência. Se Clifford tivesse dito que é epistemicamente errado crer a
partir de evidência insuficiente, ele teria afirmado um ponto de vista que muitos filósofos tomam
como correta. Mas sua alegação sobre a moralidade está equivocada.
A discussão de Clifford nos ajuda e enfocar a noção de alguma coisa ser epistemicamente
errada. É sobre esta avaliação que trata a condição de justificação da ATC. Uma crença
epistemicamente justificada é uma crença que é avaliada favoravelmente de um ponto de vista
epistemológico, não importa qual seja o seu status moral ou prudencial.

B. Formulando o Evidencialismo

A idéia central do evidencialismo pode ser estabelecida desde o seguinte princípio


evidencialista da justificação

EJ. Crer p está justificado para S sse a evidência de S em t sustenta p.

Uma versão de (EJ) que cobre outras atitudes também é possível. Ela diz que a atitude
justificada – a crença, a descrença ou a suspensão do juízo – é aquela que se encaixa na evidência.
Uma teoria evidencialista completamente desenvolvida diria alguma coisa sobre aquilo em que
consiste a evidência de uma pessoa e sobre o que é para essa evidência sustentar uma crença em
particular.
Em geral, os evidencialistas dirão que a evidência que a pessoa tem num dado momento
consiste em toda a informação de que a pessoa dispõe naquele momento. Isto incluirá as
lembranças que a pessoa tem e as outras crenças justificadas que ela tem. Quando os
evidencialistas falam de uma pessoa “tendo evidência,” eles não querem dizer a mesma coisa que
uma pessoa discutindo questões legais pode querer dizer com a mesma expressão. Suponha que
um certo documento seja um item crucial num caso. Você tem essa coisa entre suas posses, mas
você não sabe nobre ela. No sentido legal de “ter evidência,” você pode ter a evidência relevante.
5
Mas no sentido pretendido aqui, ela, e os fatos sobre ela, não são parte da sua evidência. A
evidência que você tem consiste na informação que está disponível, em um sentido difícil-de-
especificar, para o seu uso. A idéia chave, então, é que a evidência que uma pessoa tem consiste
nos dados que a pessoa dispõe para formar crenças, não no itens que a pessoa possui fisicamente.
Para ser verdade que a evidência de uma pessoa sustenta uma proposição, deve ocorrer
que a evidência total da pessoa, ao ser avaliada, sustente essa proposição. É possível ter alguma
evidência que sustente uma proposição e alguma evidência que sustente a negação dessa
proposição. Se estes dois corpos de evidência têm o mesmo peso, e a pessoa não tem outra
evidência relevante, então a evidência total da pessoa é neutra e a suspensão de juízo sobre a
proposição é a atitude justificada. Se uma porção da evidência é mais forte do que a outra, então a
atitude correspondente é aquela justificada. Em todos os casos, é a evidência total que determina
qual a atitude é a justificada. Chame a isto de condição de evidência total.
Há uma distinção, até agora não mencionada, que é importante para o evidencialismo. Uma
analogia com a ética tornará clara a distinção. Uma pessoa pode fazer a coisa eticamente correta
pelas razões erradas. Por exemplo, suponha que uma pessoa rica seja solicitada a dar algum
dinheiro para a caridade e concorda em transferir os fundos eletronicamente. A instituição de
caridade dá a ela o número da conta de modo a que ela possa transferir o dinheiro. Armado com
esta informação, a pessoa decide pegar dinheiro da instituição de caridade ao invés de dar dinheiro
a ela. Entretanto, por engano ela aperta o botão errado e transfere dinheiro para a instituição de
caridade. Ela faz a coisa certa, mas a faz por engano. Sua ação é correta, mas não é “bem
intencionada” ou “bem motivada.” Ela é condenável por seu caráter e suas motivações, ainda que
ela tenha feito a coisa certa.
Há um análogo epistemológico deste exemplo. Suponha que você tenha boas razões para
crer em alguma coisa e você crê nela. No entanto, você acredita nela, não com base naquelas boas
razões, mas por causa de uma predição astrológica ou como resultado de erro lógico. Você acredita
na coisa certa pelas razões erradas. Em tais casos, acreditar nessa proposição de fato está de
acordo com a sua evidência e, assim, de acordo com (EJ), crer é a atitude justificada. Mas ela é uma
crença epistemicamente “má.” Você não está agindo corretamente, falando epistemicamente, ao
manter essa crença.
Estes exemplos mostram que existem duas idéias relacionadas de justificação que nós
precisamos distinguir. Uma está apropriadamente formulada em (EJ). É o análogo epistêmico da
ação que de fato é boa, i.e., a melhor coisa a fazer, dada a situação. Há muitas maneiras diferentes
de expressar esta idéia:

S está justificado em crer p.


Crer p é justificado para S.
S tem uma justificação para crer p.

Nenhuma desta implica que S de fato creia p. Elas implicam apenas que S tem o que é
necessário para tornar a crença em p epistemicamente apropriada.
O segundo tipo de justificação é o análogo epistemológico da idéia de fazer a coisa certa
pelas razões certas. Esta é a idéia de uma crença “bem-formada” ou “bem-fundada.” Nós
expressamos tipicamente esta idéia dizendo coisas tais como

A crença de S em p está justificada.


A crença de S em p está bem fundada.
S crê justificadamente p.

As sentenças destas formas implicam que S creia p e que S o faz pelas razões certas. Eis
aqui uma formulação mais precisa deste conceito:

CJ. A crença de S de que p no momento t está justificada (bem fundada) sse (i) crer p é
justificado para S em t; (ii) S crê p na base de evidência que sustenta p.6
A cláusula (ii) de (CJ) pretende capturar a idéia de crer com base em razões certas. Chame a
isto de condição embasadora. Uma versão generalizada de (CJ) aplicada à descrença e à
suspensão de juízo também poderia ser desenvolvida.
O evidencialismo afirma tanto (EJ) quanto (CJ). Ele sustenta que a atitude justificada em
relação a uma proposição para uma pessoa em qualquer momento é a atitude que corresponde à
evidência total da pessoa naquele momento. E uma crença (ou uma outra atitude) está de fato
justificada (bem-fundada) dado que ela corresponda à evidência da pessoa e que a crença seja
mantida com base em evidência que realmente a sustente.

C. Duas Objeções ao Evidencialismo

C1. Objeção 1: Irresponsabilidade Epistêmica


Exemplo 4.6: A hora do filme
Um professor e a sua esposa estão indo ao cinema ver Star Wars, Episódio 68. O professor
tem em suas mão o jornal do dia, o qual contém a lista do filmes em cartaz e seus horários. Ele
lembra que o jornal de ontem dizia que Star Wars, Episódio 68 estava passando às 8:00 horas.
Sabendo que os filmes usualmente são exibidos no mesmo horário todos os dias, ele crê que o
filme será exibido hoje também às 8:00 horas. Ele não olha no jornal de hoje. Quando eles chegam
ao cinema, descobrem que o filme começou às 7:30 horas. Quando eles reclamam na bilheteria
sobre a mudança, é dito a eles que a hora certa estava indicada no jornal de hoje. A esposa do
professor diz que ele deveria ter olhado no jornal de hoje e que ele não estava justificado em
pensar que o filme começaria às 8:00 horas.

Este exemplo é projetado para ser um contra-exemplo tanto para (EJ) quanto para (CJ).
Restringiremos a nossa discussão a (CJ), mas as questões destacadas poderiam facilmente ser
6
revisadas para ser aplicadas a (EJ). Uma vez que o professor foi desleixado ao não olhar o jornal de
hoje, ele perdeu alguma evidência sobre quando o filme começaria. Como resultado, é verdade
que

2. Acreditar que o filme começaria às 8:00 horas corresponde à evidência que o professor
efetivamente tinha (quando ele estava dirigindo para o cinema), e ele baseou sua crença nesta
evidência.

Dado (2), (CJ) tem o resultado de que sua crença estava justificada (bem fundada). No
entanto, os críticos do evidencialismo (e a esposa do professor) dizem que

3. A crença do professor de que o filme começaria às 8:00 horas não estava justificada
(porque ele deveria ter olhado o jornal e, desse modo, arranjado mais evidência, a qual não teria
sustentado essa crença.)

Assim, (CJ) está errada, uma vez que ela implica que esta crença está justificada.
Este exemplo depende de um princípio de acordo com o qual a justificação depende em
parte de evidência que se deveria ter tido. Chame a isto de Principio Consiga a Evidência (PCE):

PCE: Se a evidência corrente de S sustenta p, mas S deveria ter tido evidência adicional, e
esta evidência adicional não sustentaria p, então a crença de S em p não está justificada.

O (PCE) pode parecer sensato, e é fácil ver porque os críticos do evidencialismo poderiam
ser persuadidos pelos exemplos, tais como o exemplo 4.6, que apelam para ele. Aplicado a este
exemplo o (PCE) implica que a crença do professor não estava justificada uma vez que ele tinha
evidência prontamente disponível, e ele deveria ter olhado para esta evidência, e esta evidência
adicional não sustentaria sua crença sobre a hora do filme.7
No entanto, os evidencialistas têm uma boa resposta para esta objeção. Nós deveríamos
distinguir a justificação epistêmica de outras questões. A questão relevante para o evidencialismo,
e para as teorias da justificação epistêmica de um modo geral, é “O que S deveria crer agora, dada a
situação na qual ele de fato está?” Aplique esta questão ao exemplo 4.6. Enquanto o professor
está dirigindo para o cinema, seria inteiramente irracional para ele fazer qualquer coisa além de crer
que o filme começa às 8:00 horas. Afinal de contas, ele sabe que o filme começou às 8:00 horas
ontem e que os cinemas usualmente exibem os filmes no mesmo horário todas as noites. Ele não
tem razão alguma para pensar que o filme começa em qualquer outro horário que nas às 8:00 horas.
Seria inteiramente irracional para ele crer que o filme começa às 7:30 horas. Assim, dada a situação
na qual ele efetivamente está, esta é a atitude justificada. O evidencialismo produz exatamente o
resultado correto neste caso.
7
É importante distinguir algumas questões relacionadas. Essa recém discutida tem a ver com
o que é razoável crer dada a situação na qual efetivamente se está. Outras questões têm a ver com
se se deveria conseguir mais evidência (ou se colocar numa situação diferente). Suponha que seja
verdade que o professor deveria ter olhado o jornal de hoje. Ele se confundiu e não fez isso. Ainda
assim, a questão se mantém, a saber, dado que ele foi negligente e não fez o que deveria ter feito,
o que é mais razoável para ele acreditar? A resposta é que é mais razoável para ele acreditar que o
filme começa às 8:00 horas. De maneira geral, é mais razoável crer no que é sustentado pela
evidência que se dispõe. Uma vez que não se sabe o que a evidência que não se tem iria sustentar,
seria irracional ser guiado por essa evidência. Assim, o (PCE) está equivocado. Mesmo que se
devesse conseguir mais evidência, a coisa a fazer em qualquer dado momento é ser guiado pela
evidência que se tem.
No exemplo, talvez tivesse sido uma boa idéia olhar o jornal do dia. No entanto, antes de
tirar essa conclusão vale a pena observar que é quase sempre possível ser mais cuidadoso e
procurar por mais evidência. O professor tinha uma boa razão para pensar que o filme começaria às
8:00 horas e para acreditar que o jornal diria isto. Vendo retrospectivamente, é fácil criticá-lo. Mas se
ele deveria ter checado o jornal de hoje, então talvez ele devesse ter checado também os horários
dos filmes on-line, ou devesse ter ligado para o cinema para confirmar o que o jornal dissera. Talvez
ele devesse ter ligado uma segunda vez para que alguém confirmasse o que lhe fora dito na
gravação ouvida durante a primeira chamada. Checagens adicionais são sempre possíveis.
Dependendo da seriedade da situação, a probabilidade de que novas informações sejam úteis, e
outros fatores, é às vezes de seu interesse fazer alguma checagem adicional. No entanto,
seguramente não é sempre sensato ficar checando. Mas tudo isto é independente da
razoabilidade de crer no que ele crê dada a situação na qual ele efetivamente se encontrava.

C2. Objeção : Lealdade


Exemplo 4.7: A Acusação
Um bom amigo é acusado de um crime, e você está ciente de alguma evidência
incriminadora. Você também conhece bem o seu amigo e tem evidência de que seu caráter não
permitiria que ele cometesse um tal crime. Seu amigo está terrivelmente perturbado pelas
acusações levantadas contra ele, e ele pede auxílio a você. Por lealdade a seu amigo, e dada a
qualidade mista da sua evidência, você crê que seu amigo não é culpado.

Esta é uma reação louvável. Ela mostra lealdade em relação a um amigo em dificuldades.
Pode-se ser tentado a dizer que crer que seu amigo não é culpado está justificado, ainda que sua
evidência não sustente essa crença. É plausível, talvez, dizer que as questões de lealdade e
amizade têm precedência aqui, e que é melhor para você ir contra a evidência neste caso. Isto pode
parecer ser um problema para o evidencialismo, uma vez que o evidencialismo diz que a evidência
sozinha determina o que está justificado. Ele desconsidera inteiramente as considerações de
lealdade, de amizade, e outras do mesmo tipo. Isto, você pode pensar, é um equívoco.
A resposta evidencialista aponta para um ponto discutido antes neste capítulo. A
epistemologia de modo geral, e o evidencialismo em particular, tratam da natureza da crença
racional. Elas não levantam questões sobre a moralidade. A atitude racional neste caso é, como o
evidencialismo afirma, suspender o juízo, ou talvez crer que seu amigo seja culpado. Este pode ser
um caso no qual uma pessoa moralmente boa irá colocar a racionalidade de lado. Mas essa é uma
outra questão. Os fatos não colocam em dúvida o veredicto do evidencialismo sobre qual seja a
atitude epistemicamente racional neste exemplo.8
Logo, o evidencialismo é capaz de resistir estas objeções iniciais. Questões difíceis
permanecem. Lembre da lista de coisas que a Perspectiva Standard diz que nós conhecemos.
Existem questões difíceis sobre qual seja exatamente a nossa evidência para estas coisas e como
essa evidência chega a proporcionar sustentação para as nossas crenças. Nos voltaremos em
seguida para essas perspectivas sobre como estas coisas funcionam. Estas não são alternativas ao
evidencialismo. Elas são, ao invés, algumas maneiras pelas quais os detalhes do evidencialismo
poderiam ser formulados. Nós usaremos um dos mais famosos argumentos da história da filosofia
como um caminho para começar a discussão destas questões: o Argumento do Regresso Infinito.

II. O ARGUMENTO DO REGRESSO INFINITO

Enunciados do Argumento do Regresso Infinito são muito antigos – alguns o atribuem a


Sexto Empírico (século III), outros a Aristóteles (quarto século A.C.). O argumento começa com a
observação de que o que torna uma crença justificada, ao menos num caso típico, são outras
crenças ou razões. Isto parece ser simplesmente um enunciado do próprio evidencialismo. Mas se
você pensar sobre isto por um momento, você notará que um problema aparece. Se uma crença
está baseada em algumas razões, mas aquelas razões não têm uma base elas próprias, então
parece como se o que depende daquelas razões não esteja mais bem justificado do que uma
crença para a qual não se têm razões algumas. Por exemplo, se, como no exemplo 4.1, Hasty
inventasse do nada uma história completa sobre como Filcher roubou a pintura, ele poderia ser
capaz de citar esta história como sua “razão” para crer (1). Mas se ele não tiver nenhuma boa razão
para crer na história que sustenta, então, ao final, ele não tem nenhuma boa razão para crer (1). Em
resumo, parece que você precisa de razões para as suas razões se a sua crença for justificada. E
isto parece ser um problema. Há um regresso ameaçando: você precisa de razões para suas razões,
e precisa de razões para aquelas razões, e assim por diante. Mas não parece que qualquer um de
nós disponha alguma vez desse suprimento infinito de razões.
O problema recém colocado tem tido um papel central na epistemologia, tanto porque ele
tem sido influente historicamente quanto porque ele é útil para organizar as teorias na base de
como elas respondem a ele. Alguma terminologia será de ajuda na discussão que segue. Parece
que, por uma questão de lógica, existem duas possibilidades a propósito das crenças justificadas:
ou toda crença justificada está justificada porque ela é sustentada por algumas outras crenças, ou
8
então existem algumas crenças justificadas que não dependem de outras crenças. Crenças do
último tipo são ditas serem crenças justificadas básicas. Outros termos para a mesma categoria são
crenças imediatamente justificadas e crenças não-inferencialmente justificadas. Nós podemos
formular isto como uma definição formal:

JB. B é uma crença básica justificada = df. B é justificada, mas não é justificada com base em
qualquer outra crença.

Crenças justificadas Não-básicas (crenças mediatamente justificadas, crenças


inferencialmente justificadas) então, são crenças justificadas com base em outras crenças.
Outra idéia útil é a de uma cadeia de razões ou de uma cadeia de evidências. Esta é uma
seqüência estruturada de crenças, cada uma das quais é justificada por suas predecessoras. É
importante observar que uma cadeia de evidências não precisa ter apenas uma única proposição
em cada ligação ou nível. Por exemplo, ao traçar a cadeia de evidências associada com a crença de
Careful em (1), nós podemos ter os fatos sobre as impressões digitais e a posse das pinturas como
razões para (1). Haverá razões adicionais para cada uma destas, talvez envolvendo os resultados
dos testes das impressões digitais e coisas do gênero.
Parece haver um número limitado de maneiras pelas quais as cadeias de evidências podem
ser estruturadas. Uma possibilidade é que elas sejam infinitamente longas – para cada passo existe
uma razão anterior. Outra possibilidade é que elas dêem voltas ou façam círculos – se você rastrear
as razões de uma crença, eventualmente encontrará de novo essa mesma crença. Outra
possibilidade é que as cadeias de evidências tenham de fato um começo. No começo de qualquer
cadeia de evidências estão as crenças justificadas básicas. Uma possibilidade final é que as cadeias
de evidências sejam rastreadas até crenças que simplesmente não estejam justificadas.
Este é um conjunto intrigante de opções. Nenhuma delas parece inteiramente satisfatória.
Como poderia haver uma série infinita de crenças justificadas? Como poderia uma crença ser
justificada se ela remonta a si mesma? Esse parece um raciocínio circular flagrantemente objetável.
Como poderia uma crença ser justificada sem a sustentação de outras crenças – como poderia
haver crenças justificadas básicas? Como as crenças poderiam ser justificadas se elas remontam a
crenças que não são elas próprias justificadas? Qualquer descrição das cadeias de evidências
parece pouco prometedora.
Nós podemos formular estas considerações em um argumento preciso. O principal valor de
formular este argumento é que ele torna explícita uma variedade de idéias e de suposições
envolvidas nas considerações recém avançadas. Além do mais, as teorias sobre a justificação
podem ser adequadamente agrupadas de acordo com a maneira como elas respondem a este
argumento.

Argumento 4.1: O Argumento do Regresso Infinito


1-1. Ou existem crenças justificadas básicas ou toda crença justificada em uma cadeia de
evidências que ou
(a) termina com uma crença injustificada
(b) é um regresso infinito de crenças
(c) é circular
1-2. Porém, as crenças baseadas em crenças injustificadas não são elas próprias
justificadas, e assim nenhuma crença justificada poderia ter uma cadeia de evidência que
terminasse em uma crença injustificada (isto é, não (a)).
1-3. Nenhuma pessoa poderia ter uma série infinita de crenças, e assim nenhuma crença
justificada poderia ter uma cadeia de evidências que fosse um regresso infinito de crenças (isto é,
não (b)).
1-4. Nenhuma crença poderia ser justificada por ela mesma, e assim nenhuma crença
justificada poderia ter uma cadeia de evidências que fosse circular (isto é, não (c)).
1-5. Existem crenças justificadas básicas (1-1) – (1-5).

Este argumento é válido. Isto é, se as premissas do argumento estão corretas, então a


conclusão também deve estar correta. Se o argumento está de algum modo errado, então ele deve
ter uma premissa falsa. Logo, ou nós precisamos aceitar a conclusão de que existem crenças
justificadas básicas, ou então não devemos rejeitar uma das premissas. As teorias em epistemologia
podem ser classificadas em parte pelo que elas dizem sobre este argumento:

Fundacionismo: O argumento é sólido. Existem crenças justificadas básicas, e elas são os


fundamentos sobre o qual todas as outras crenças justificadas repousam.

Coerentismo: O argumento erra na premissa (1-4). A justificação para uma proposição pode
ser uma outra, que é ela mesma justificada por ainda outras. De forma geral, a crença de uma pessoa
está justificada quando ela se encaixa com as outras crenças da pessoa de uma maneira coerente.
Logo, uma crença é justificada pelo sistema inteiro do qual ela é uma parte. Por isso, uma crença é
parcialmente justificada por ela mesma, e (1-4) é falsa.

Ceticismo: Uma vez que nem o fundacionismo e nem o coerentismo são plausíveis, e não
há nada de errado com o argumento, ele deve estar errado desde o início ao assumir que existam
crenças justificadas. Não podem haver quaisquer crenças justificadas.

Outras respostas ao argumento são possíveis. Alguns filósofos têm dito que as cadeias de
evidências terminam em crenças que não são justificadas, e assim eles rejeitam (1-2). Outros têm
dito que cadeias infinitas de razões são possíveis. E assim, eles rejeitam (1-3). Nós não
consideraremos tais perspectivas aqui.
Por muito tempo, o fundacionismo foi a perspectiva predominante e a questão central foi se
os fundacionistas dispunham de alguma maneira plausível de defender o seu ponto de vista contra
o ceticismo. Boa parte deste trabalho envolveu esclarecer quais eram exatamente as implicações
do fundacionismo – explicar exatamente que tipo de coisa é uma crença básica. Em anos mas
recentes, muitos filósofos rejeitaram o fundacionismo e alguns aceitaram o coerentismo. O
fundacionismo e o coerentismo são o foco do restante deste capítulo.

III. O FUNDACIONISMO CARTESIANO

O Fundacionismo envolve duas alegações fundamentais:

F1. Existem crenças justificadas básicas


F2. Todas as crenças justificadas não-básicas são justificadas em virtude de sua relação
com as crenças justificadas básicas.

Estas afirmações colocam as seguintes questões aos fundacionistas:

QF1. Sobre que tipo de coisas tratam as nossas crenças justificadas básicas? Quais crenças
são justificadas e básicas?
QF2. Como são justificadas essas crenças básicas? Se elas não são justificadas por outras
crenças, como elas se tornam justificadas?
QF3. Que tipo de conexão uma crença não-básicas deve ter com uma crença básica a fim
de estar justificada?

Diferentes versões do fundacionismo podem ser identificadas por suas respostas a estes
questões.

A. A Idéia Principal do Fundacionismo Cartesiano

René Descartes foi um filósofo do século XVII extremamente influente. Ele é bastante
conhecido como um defensor de uma versão em particular do fundacionismo. No entanto, é difícil
extrair de seus escritos a versão do fundacionismo freqüentemente atribuída a ele.9 Chamaremos o
ponto de vista a ser discutida de fundacionismo cartesiano, e em alguns lugares introduziremos
aspectos deste ponto de vista dizendo “O ponto de vista cartesiano é ...”, ainda que seja
improvável que Descartes de fato concordasse com todos os aspectos do ponto de vista a ser
descrito.
Os fundacionistas cartesianos respondem à (QF1) escolhendo como crenças básicas as
nossas crenças sobre os nossos próprios estados mentais. As proposições que descrevem o que
alguém parece ver, o que alguém pensa, o que alguém sente, etc. são básicas. Descartes parece
ter pensado que as crenças básicas são fossem crenças fossem, em algum sentido, indubitáveis ou
livres de toda possibilidade de erro. Ele observou que a sua própria crença de que você existe não
9
pode estar errada, e isto pareceu colocá-la na classe das crenças básicas. O restante do que nós
sabemos, de acordo com o fundacionismo cartesiano, é o que nós podemos deduzir das nossas
crenças básicas. Assim, se nós temos conhecimento do mundo ao nosso redor, é porque nós
podemos deduzir as coisas que nós conhecemos a partir destas crenças básicas.

B. Uma Formulação Detalhada do Fundacionismo Cartesiano

É importante entender apropriadamente as crenças que Descartes conta como básicas.


Considere uma sentença tal como:

4. René parece ver uma árvore.

Podem não haver de fato coisas do tipo que René parece ver. (4) descreve simplesmente
como as coisas parecem para ele. As coisas podem parecer dessa maneira quando ele realmente
vê uma árvore. Mas elas também podem parecer dessa maneira em outras circunstâncias, tais como
quando ele está sonhando ou tendo uma ilusão. (4) simplesmente descreve seu estado mental
interno. Descartes pensa na sensação de dor de uma maneira análoga. Pode-se “sentir dor”
mesmo quando nada esteja acontecendo com a parte do corpo que parece estar sendo
machucada.
Em geral, então, a resposta de Descartes para (QF1) diz que as crenças básicas incluem as
crenças sobre os estados mentais – crenças sobre como as coisas se parecem ou soam para você,
do que você parece se lembrar, etc. Estas crenças são crenças de aparência e os estados internos
que elas descrevem são as aparências. É importante compreender que as crenças de aparência
não estão limitadas às crenças sobre como as coisas se parecem. Elas incluem crenças sobre como
elas soam, que gosto elas têm, como elas são sentidas e como elas cheiram. Além disso, crenças
sobre o que você parece se lembrar e talvez crenças sobre o que você mesmo acredita estão
incluídas. Em geral, crenças de aparência são crenças sobre os atuais conteúdos de sua própria
mente.
As crenças de aparência por si mesmas não implicam nada sobre o que está no mundo fora
da própria mente de uma pessoa. Em outras palavras, por si mesmas elas não implicam nada sobre o
mundo externo. Em princípio, você poderia ter o mesmo estado interno em um sonho, numa
alucinação, ou com a percepção normal. Tal como os filósofos usam a expressão mundo externo,
então, ela se refere a tudo o que está fora da própria mente de uma pessoa. Assim, as suas próprias
experiências e as suas crenças sobre elas estão dentro de sua mente. Tudo o mais, desde sua
perspectiva, é parte do mundo externo. Logo, as coisas nas mentes de seus amigos e vizinhos
são, desde sua perspectiva, parte do mundo externo.
Há uma distinção que vale observar aqui. Você poderia tomar “Me parece que p”
significando “Eu creio que p.” De forma semelhante, você poderia tomar (4) significando que René
acredita que ele vê uma árvore. Não é isto o que nós queremos dizer. Em vez disso, nós queremos
dizer que seu estado mental é o de parecer ver uma árvore. A imagem diante de sua mente é do
“tipo-árvore.” Tal como nós entendemos (4), Descartes acreditaria (4), e ela seria verdadeira, se ele
tivesse uma imagem tipo-árvore diante de sua mente que ele soubesse ter sido artificialmente
induzida em algum tipo de experimento psicológico. Num tal caso ele poderia dizer, “Me parece ver
uma árvore, mas eu não creio que realmente veja uma árvore.”
Uma interpretação da resposta do fundacionismo cartesiano à (QF2) se baseia na idéia de
que as crenças básicas são crenças em proposições das quais não se pode duvidar. Elas são ditas
serem indubitáveis. Em outras palavras, as crenças básicas são crenças de aparência das quais não
se pode duvidar, ou descrer. Talvez quando uma imagem tipo-árvore esteja diante de sua mente,
você não possa evitar crer que lhe pareça ver uma árvore. Se esta é a idéia por detrás da resposta à
(QF2), então a resposta geral parece ser que as crenças básicas estão justificadas porque elas são
crenças em proposições que, dadas as circunstâncias, somos incapazes de duvidar. Mas esta não é
uma boa resposta à (QF2). A inabilidade em duvidar de uma proposição não torna epistemicamente
justificada a crença nela. Isto pode, ao invés, ser o resultado de uma limitação psicológica. Suponha
que uma pessoa seja tão dependente psicologicamente do amor de sua mãe que ela não possa
duvidar que sua a ame. Isto não torna a crença epistemicamente justificada. A pessoa pode ter
muitas boas razões para crer diferentemente, mas carecer da capacidade de acreditar no que suas
razões sustentam. Assim, a inabilidade de duvidar não torna alguma coisa justificada e, logo, não
podem explicar porque ela é uma crença justificada básica.
Há um outro tema nos escritos de Descartes. Ele sugere que crenças sobre os nossos
próprios estados internos são crenças que não poderiam estar erradas. A idéia é que se ele acredita
numa coisa tal como (4), então ele não poderia estar errado sobre isso. Ele poderia estar errado
sobre se há realmente uma árvore ali, mas não sobre se parece como se houvesse uma árvore ali.
De maneira geral, a idéia é que as crenças básicas estão justificadas porque elas são crenças em
proposições sobre as quais nós não podemos estar errados. Em outras palavras, nós somos
infalíveis a esse respeito. Assim, nós iríamos tomar a resposta do fundacionismo cartesiano à (QF2)
como sendo que as crenças básicas estão justificadas porque nós não podemos estar errados.
Considere a seguir o que é comumente tomado como sendo a resposta de Descartes à
(QF3). Ele aparentemente pensou que tudo o mais que está justificado deve ser deduzido das
crenças justificadas básicas. Logo, ele sustentou que para tornar justificadas as crenças sobre o
mundo externo você deve combinar as crenças básicas de maneira que garantam a verdade
daquelas crenças sobre o mundo. Uma vez que enunciados sobre como as coisas se parecem não
têm uma tal garantia, esta é uma tarefa difícil. A abordagem do próprio Descartes se deu da seguinte
maneira.10 Ele alegou que certas crenças elementares sobre questões lógicas e conceituais
também fossem básicas. Talvez sua idéia fosse que proposições elementares sobre estas
questões fossem aquelas que nós simplesmente podemos ver que são verdadeiras ao refletir
sobre elas. Os exemplos podem ser a proposição de que qualquer coisa é idêntica a si mesma ou a
proposição de que se a conjunção P e Q é verdadeira, então P é verdadeira. Sem examinar esta
questão em detalhe aqui, será suficiente identificar esta classe de crenças básicas com as verdades
10
elementares da lógica e atribuir a Descartes o ponto de vista de que as nossas crenças nestas
proposições também são crenças justificadas básicas.
A maneira de Descartes argumentar que algumas crenças sobre o mundo externo estão
justificadas, dadas suas respostas para (QF1), (QF2) e (QF3), foi argumentar que as verdades
elementares da lógica incluíam proposições na base das quais ele estava apto a provar
conclusivamente que Deus existe e que Deus não iria ou não poderia ser um enganador. Porém,
se nossas crenças de aparências estivessem erradas, então Deus seria um enganador. Usando
esta conclusão combinada com suas crenças de aparência, ele derivou um grande número de
crenças sobre o mundo externo. Desta maneira, ele concluiu que nós temos conhecimento de
muitos fatos do mundo.
O fundacionismo cartesiano, então, é o ponto de vista caracterizado pelas três alegações
seguintes, as quais compreendem respostas às três questões para os fundacionistas:

AF1. Crenças sobre os estados mentais próprios de uma pessoa (crenças de aparência) e
crenças sobre verdades elementares da lógica são crenças justificadas básicas.
AF2. Crenças justificadas básicas estão justificadas porque nós não podemos estar errados
sobre elas. Nós somos “infalíveis” em tais questões.
AF3. O restante de nossas crenças justificadas (e.g., nossas crenças sobre o mundo
externo) está justificado porque elas podem ser deduzidas de nossas crenças básicas.

C. Três Objeções ao Fundacionismo Cartesiano

C1. Nós Não Somos Infalíveis Quanto Aos Nossos Próprios Estados
Mentais
A combinação de (AF1) e (AF2) pode ser refutada se puder ser mostrado que nós não
somos infalíveis quanto aos nossos próprios estados mentais. O exemplo seguinte mostra que há
uma boa razão para pensar que nós podemos estar errados mesmo sobre estas questões.

Exemplo 4.8: A Frigideira


Você está caminhando em direção a um balcão que tem uma frigideira sobre ele. Foi dito a
você para ser cuidadoso uma vez que a frigideira está muito quente. À medida que você se
aproxima do balcão, tropeça e estica sua mão para deter a queda. Desafortunadamente, sua mão vai
direto para a frigideira. Você imediatamente a retira, pensando:

5. Eu estou tendo agora uma sensação de extremo calor.

De fato, como você logo nota, a frigideira não está realmente quente. Você não sentiu calor
algum.11

11
É alegado que neste tipo de exemplo você acredita (5), que (5) é uma proposição sobre o
seu próprio estado mental corrente, e que (5) é falsa. Se tudo isto está correto, então você não é
infalível acerca de seus próprios estados mentais.
Para avaliar este exemplo, é importante ser cuidadoso sobre o que (5) diz exatamente. A
palavra sensação é ambígua. Ela pode ser usada de maneira que implique que exista realmente
uma coisa externa que esteja sendo sentida. Ela também pode ser usada para se referir a um
estado puramente interno. De acordo com o primeiro uso, (5) é verdadeira apenas se há de fato um
contato com uma coisa muito quente. Assim entendida, (5) não expressa o tipo de crença que os
fundacionistas cartesianos alegam ser básica. Ela não é sobre o estado mental próprio de uma
pessoa. Ao invés, ela é sobre as causas externas à mente da experiência corrente. Nesta
interpretação, (5) diz que uma coisa extremamente quente está causando a atual sensação de
calor.
A segunda interpretação de (5) a toma como sendo somente sobre o seu estado interno.
Ela diz apenas que você está tendo uma sensação ardente, que você sente calor. Ela nada diz
sobre qualquer fonte externa desta sensação. Este é o tipo de crença que os cartesianos têm em
mente como básica. Desafortunadamente para o fundacionismo cartesiano, a objeção parece
funcionar quando (5) é interpretada desta segunda maneira. Poder-se-ia argumentar
plausivelmente que não apenas você tem a crença incorreta grosso modo equivalente à “Eu toquei
uma coisa muito quente.” Você equivocadamente pensa que está tendo a sensação ardente. Se o
exemplo é possível quando entendido desta segunda maneira, então nós realmente podemos
estar equivocados sobre as nossas experiências. Isto é um problema para o fundacionismo
cartesiano. E o exemplo parece possível. O que impede as pessoas de cometerem equívocos
sobre suas experiências?
Há coisas que os defensores do fundacionismo cartesiano poderiam dizer em resposta a
este exemplo.12 Por exemplo, a objeção requer que seja possível que as expectativas afetem as
nossas crenças sobre as nossas sensações. Isso de fato parece possível. No entanto, pode
ocorrer que as expectativas também afetem as próprias sensações. Isto é, se este tipo de coisa
fosse ocorrer, talvez a pessoa efetivamente sentisse uma sensação de calor por um momento. Se
isto é o que acontece, então a crença não seria absolutamente falsa. Logo, aquilo em que os
proponentes do exemplo confiam é que a expectativa e a antecipação afetam o que você crê sobre
uma sensação, mas não afeta a sensação ela mesma. Se ela altera a sensação, então afinal de
contas você não se engana acerca de seu estado interno.
Ainda assim, para defender o fundacionismo cartesiano deve-se argumentar que as
expectativas devem afetar sempre, ou tanto a sensação quanto a crença, ou nenhum deles. É difícil
ver porque isso seja verdadeiro. Além do mais, um fundacionista cartesiano que usasse esta réplica
teria uma descrição bastante enigmática do que acontece no exemplo. Há um momento de
compreensão no exemplo, o ponto no qual você compreende que a frigideira não está quente.
12
Mas se você realmente está tendo uma sensação de calor quando você pensa que está, o que é
exatamente que faz a sua sensação (e a sua crença) mudar? Por que você decide que ela está
errada? Afinal de contas, a réplica diz que as coisas de fato parecem como você pensa que elas são.
O crítico do cartesianismo, em contraste, tem uma descrição plausível do momento de
compreensão. Após um momento, você compreende que não se sente da maneira que pensava
se sentir. Suas crenças mudam, mas não a sua sensação. Você se equivocou sobre sua sensação.
Outro exemplo aponta para a mesma conclusão. Em um de tais exemplos, é dito a uma
pessoa que a coceira é um caso moderado de dor.13 A pessoa sente uma coceira, acredita que ela
está sentindo uma coceira, e infere que ela está portanto sentindo uma dor. No entanto, esta
conclusão é equivocada. Coceiras não são dores, e ela não está tendo uma sensação de dor. Mais
uma vez, nós não somos infalíveis a esse respeito.
Estes exemplos refutam qualquer versão do fundacionismo que implique que todas as
crenças sobre as próprias sensações de uma pessoa sejam verdadeiras; Talvez o fundacionismo
cartesiano implique isto. Mas uma forma modificada da teoria, a ser discutida mais tarde neste
capítulo, evita este resultado.
Há uma razão adicional para não aceitar (AF2). É muito difícil ver porque o fato (se ele é um
fato) de que você não possa estar enganado sobre alguma coisa seja um fato justificador. Suponha
que uma proposição não pudesse ser falsa. Ela é uma lei da lógica, ou talvez uma lei da natureza,
que é verdadeira. Se você acredita nessa proposição, então a sua crença não pode estar errada.
Mas a sua crença poderia ser um mero palpite feliz ou o resultado de uma série que erros que
aconteceu de conduzir a uma crença verdadeira. Se você soubesse que não poderia estar errado,
isso proporcionaria a você uma razão. Mas se você não sabe disso, não é claro porque esse fato
torne a sua crença justificada. Assim, (AF2) implica que, se uma crença não pode estar errada, então
ela está justificada. E isto parece, sob reflexão, estar errado.
A nossa falibilidade acerca de nossos próprios estados mentais não é o único problema
para o fundacionismo cartesiano. Nos voltamos agora para um segundo problema.

C2. Crença Sobre Estados Internos São Incomuns


O fundacionismo cartesiano diz que toda a justificação parte das crenças básicas
justificadas, crenças que são sobre os nossos próprios estados internos. Mas em circunstâncias
ordinárias nós não formamos crenças sobre os nossos estados internos. Quando olha ao redor da
sala, via de regra você não crê em coisas tais como “Eu pareço estar vendo alguma coisa com o
formato de uma cadeira ali” e então infere “Há uma cadeira ali.” Você simplesmente crê “Há uma
cadeira logo ali.” Considere também o exemplo com o qual nós começamos o capítulo. Nesse
exemplo Careful acreditava que Filcher roubara uma pintura. O fundacionismo consideraria estar
esta crença bem fundada somente se Careful tivesse baseado sua crença, em última instância,
sobre seus próprios estados mentais atuais. Quase não é possível imaginar Careful fazendo isto.
Ele poderia formar crenças sobre os sons e imagens diante de sua mente, inferir deles algumas
13
coisas sobre a existência e a natureza de um crime e, então, em última instância, inferir que Filcher
roubou a pintura. Mas esta seria uma cadeira de raciocínio complexa e tediosa. Dificilmente alguém
alguma vez fez algo assim.
Logo, o fundacionismo cartesiano parece estar sujeito à seguinte objeção:

Argumento 4.2: O Argumento de que As Crenças Sobre Estados Internos são Raras
2-1. As pessoas raramente baseiam suas crenças sobre o mundo externo em crenças
sobre seus próprios estados internos.
2-2. Se o fundacionismo cartesiano é verdadeiro, então as crenças sobre o mundo externo
estão bem fundadas somente se elas estão baseadas em crenças sobre os próprios estados
internos de uma pessoa.
2-3. Se o fundacionismo cartesiano é verdadeiro, então as pessoas raramente têm crenças
bem-fundadas sobre o mundo externo. (2-1), (2-2)
2-4. Não é verdade que as pessoas apenas raramente têm crenças bem-fundadas sobre o
mundo externo. (A Perspectiva Standard)
2-5. O fundacionismo cartesiano não é verdadeiro. (2-3), (2-4)

Este é um argumento perturbador para os fundacionistas cartesianos. A premissa (2-1)


parece ser uma descrição acurada da maneira pela qual nós formamos crenças. A premissa (2-2) é
uma conseqüência clara do fundacionismo cartesiano. A premissa (2-4) é uma conseqüência clara
da Perspectiva Standard, que por enquanto nós estamos assumindo como verdadeira. A
conclusão se segue destas premissas. Os fundacionistas cartesianos podem defender seu ponto
de vista somente se ele puderem encontrar uma maneira de rejeitar uma destas premissas, e (2-1)
parece ser o melhor candidato. Outras versões do fundacionismo podem evitar a objeção
propondo uma nova resposta para (QF1). Antes de nos voltarmos para aquelas teorias, será útil
considerarmos se há qualquer razão plausível para rejeitar a premissa (2-1) deste argumento.
O que é claramente verdadeiro, e o que é oferecido para sustentar a premissa (2-1), é a
observação de que ao longo do dia nós não consideramos conscientemente proposição sobre os
conteúdos de nossas mentes. Nós não formamos conscientemente pensamentos tais como “Eu
estou agora parecendo ver alguma coisa com o formato de uma cadeira” ou “Eu estou agora
parecendo ouvir alguma coisa como o som de um sino.” No entanto, há razões para pensar que em
qualquer momento nós temos muito mais crenças do que aquelas que nós conscientemente
consideramos nesse momento. Ao menos três categorias de tais crenças se apresentam. A
primeira categoria consiste em crença que estão armazenadas na memória. Presumivelmente, você
tinha um momento atrás crenças sobre o seu próprio nome, quem é o presidente, e assim por
diante. Você não estava pensando sobre aquelas questões naquele momento. Assim, crenças
armazenadas formam uma classe de crenças que existem sem serem consideradas
conscientemente.
Uma segunda possível categoria de crenças não-conscientes é a de crenças que ajudam a
explicar o comportamento. Suponha que você caminhe por uma sala e perceba que a luz não está
ligada. Você quer ler, e assim caminha até o interruptor mais próximo e o aciona. Se perguntado
sobre o seu comportamento, você pode dizer que queria ligar a luz e acreditava que o interruptor
controlava a luz. Esta explicação parece boa, mesmo que você não tenha dito para si mesmo algo
como “Este interruptor aciona esta luz.” Esta crença não precisa ter sido conscientemente
formulada. Não obstante, você teve essa crença e ela jogou um papel em seu comportamento.
Uma última possível categoria de crenças não-conscientes consiste em crenças que são
inteiramente óbvias uma vez consideradas, mesmo que você não tenha pensado sobre elas
anteriormente. Suponha que alguém diga a você que George Washington nunca visitou a
Disneylândia. Você pode nunca ter pensado sobre isso antes. Mas dificilmente isso soa como
novidade para você. Dado tudo o mais que você sabe, isso é óbvio. Talvez isto sugeria que você já
acreditava nisso, embora não de uma maneira consciente.
Todos estes exemplos são difíceis, e eles levantam questões difíceis sobre o que é crer
em alguma coisa. Resta ser visto é se eles podem ajudar os defensores do fundacionismo
cartesiano. Um defensor deste aspecto do fundacionismo cartesiano, Timothy McGrew, propôs
que essas crenças sobre os nossos próprios estados conscientes constituem outra categoria de
crenças não-conscientes. McGrew diz que “a consciência [awwareness] de estímulos visuais, táteis
e auditivos é freqüentemente subconsciente, mas não como conseqüência irrelevante para a
justificação de crenças empíricas.”14 A idéia dele parece ser que nós temos o como uma
consciência subconsciente das características de nossas experiências, que portanto temos
crenças subconscientes sobre estas características, e que estas são as crenças básicas que
justificam as nossas crenças sobre o mundo externo. Se ele está certo sobre a existência destas
crenças, então a premissa (2-1) do Argumento de que As Crenças Sobre Estados Internos são
Raras é falsa.
A posição de McGrew tem algum mérito. Existem, entretanto, razões para questioná-la.
Para citar uma, haver a “consciência do estímulo” é diferente de se ter crenças sobre o estímulo.
Dizer que nós estamos conscientes de certos estímulos é dizer que nós temos uma experiência
consciente daqueles estímulos.. Logo, se você caminha por uma sala e vê uma cadeira, então você
tem uma experiência perceptiva com certas características. Você está consciente de certos
estímulos. Mas não se segue daí que você forma uma crença de que você está experimentando
aqueles estímulos. Uma tal crença pareceria envolver um tipo de monitoramento das experiências
de uma pessoa que nós não fazemos ordinariamente.
Além do mais, nos exemplos de crenças não-conscientes antes mencionadas é ao menos
tipicamente o caso que o crente reconhecerá as crenças se perguntado sobre elas. Mas as crenças
de aparência não são absolutamente assim. É freqüentemente difícil fazer as pessoas pensarem
em tais questões. Muitos estariam inclinados a dizer que não têm tais crenças senão em
circunstâncias extraordinárias nas quais devem consideram a possibilidade de alucinações, de
ilusões perceptivas e coisas do gênero. Isto lança algumas dúvidas sobre a idéia de que as pessoas
estejam, não obstante, rotineiramente formando crenças sobre estas questões.
14
Por fim, a descrição de McGrew torna a justificação dependente de detalhes de nossos
sistemas psicológicos de uma maneira peculiar. Um exemplo ilustrará isto. Suponha que duas
pessoas caminhem numa sala em que há uma cadeira claramente visível. Ambas olham em direção à
cadeira e formam a crença de que a cadeira está presente. Por fim, suponha que uma delas forma a
crença subconsciente de que ele parece ver uma cadeira, enquanto que a outra pula esse passo e
vai diretamente da experiência para a crença de que há uma cadeira ali. A proposta de McGrew
aparentemente tem o resultado de que o primeiro está justificado em crer que há uma cadeira ali,
mas não o último. É difícil crer que esta diferença psicológica subconsciente possa fazer diferença
para a justificação.
Estas considerações não refutam definitivamente a sugestão de McGrew. As questões
dependem em parte das difíceis questões sobre a natureza de crença e da maneira como nós
processamos informação. Ainda assim, elas são significantes o suficiente para tornar razoável
procurar por um versão melhor do fundacionismo.

C3. A Dedução É Muito Restritiva


A objeção final ao fundacionismo cartesiano é a mais decisiva. Ela concerne à (AF3), ao
requisito de que crenças justificadas não-básicas sejam dedutíveis das crenças básicas. Suponha,
para fins argumentativos, que hajam respostas satisfatórias para as objeções consideradas até aqui
e que (AF1) e (AF2) estejam corretas. Logo, nós estamos assumindo para fins argumentativos que,
por exemplo, quando você caminha por uma sala você tem um bom número de crenças justificadas
sobre como as coisas parecem para você. Nós podemos acrescentar que você tem um bom
estoque de crenças justificadas sobre as suas memórias de aparência e sobre outros aspectos de
seus estados mentais correntes. Se as suas crenças sobre o mundo externo estão justificadas,
dada (AF3), você deve estar apto a deduzir desta coleção de crenças básicas coisas tais como que
há uma cadeira na sala, que as luzes estão ligadas, e assim por diante. Aplicando as mesmas
considerações ao exemplo 4.1, se Careful está justificado em crer que Filcher roubou a pintura,
então esta conclusão deve ser dedutível da combinação das crenças de aparência de Careful. No
entanto, este requisito simplesmente não está satisfeito.
Dizer que as proposições sobre o mundo externo podem ser deduzidas das proposições
de aparência é dizer que não é sequer possível para as proposições de aparência serem
verdadeiras se as proposições sobre o mundo externo forem falsas. Desafortunadamente, é
possível. É possível ter um sonho ou uma alucinação na qual você tem experiências exatamente
como aquelas que você tem quando entra no quarto. Careful poderia ter tido as experiências que
ele teve como resultado de algum elaborado esquema pelo qual Filcher seria incriminado pelo
crime. Em geral, nenhum conjunto de proposições garante logicamente quaisquer proposições
sobre o mundo externo em particular. A condição da dedução de (AF3) é muito restritiva.

D. Conclusões Sobre o Fundacionismo Cartesiano

É claro que o fundacionismo cartesiano não é uma teoria satisfatória, dada a verdade da
Perspectiva Standard. Existem os seguintes problemas:

1. Crenças sobre os estados mentais próprios de uma pessoa não são imunes ao erro.
Assim, se as crenças sobre eles são básicas, o que quer que as torne justificadas tem a ver com
alguma outra coisa que não esta propriedade. Nós precisamos de uma explicação diferente daquilo
que torna as crenças básicas justificadas. Assim, (AF2) precisa ser revisada.
2. Nem todas as crenças sobre os estados mentais próprios de uma pessoa são crenças
básicas justificadas. Crenças sobre os estados mentais próprios de uma pessoa podem ser
derivadas de outras crenças e, logo, não-básicas. Crenças sobre eles podem ser injustificadas.
3. As coisas que o fundacionismo cartesiano conta como básicas são as coisas nas quais
nós absolutamente não acreditamos em circunstâncias ordinárias. Parece que o ponto de partida
das nossas crenças são as observações ordinárias do mundo e não a introspecção. Assim, (AF1)
precisa ser revisada. (Naturalmente, este ponto é controverso.)
4. Muito do que nós conhecemos (de acordo com a Perspectiva Standard) não pode ser
deduzido do que é básico. Isto é claramente verdadeiro se as nossas crenças básicas forem
crenças sobre os nossos próprios estados internos. Mas mesmo que nós tomemos juízos
espontâneos sobre o mundo como sendo básicos, muito do que nós conhecemos vai além do que
pode ser deduzido disso.

Antes de examinarmos uma versão do fundacionismo que tenta fazer as mudanças que
estes pontos sugerem, será útil considerar a outra abordagem à justificação que tem sido influente
na história da filosofia, o coerentismo.

IV. O COERENTISMO

A. A Idéia Central do Coerentismo


A idéia central das teorias coerentistas da justificação é que toda crença justificada é
justificada em virtude de suas relações com outras crenças. Em outras palavras, não existem
crenças fundacionais ou básicas. Assim, os coerentistas rejeitam a premissa (1-4) do Argumento do
Regresso Infinito, o passo do argumento do regresso que rejeita cadeias circulares de evidências.
Isto não porque eles pensem que você pode justificar uma crença com outra, essa segunda por
uma terceira, e então justificar a terceira pela primeira. Em vez disso, a idéia deles é que a
justificação é uma questão mais sistemática e holística, que cada crença é justificada pela maneira
como ela se encaixa no sistema inteiro de crenças.
Logo, os coerentistas endossam as duas seguintes idéias centrais:

C1. Apenas crenças podem justificar outras crenças. Nada além de uma crença pode
contribuir para a justificação.
C2. Cada crença justificada depende em parte de outras crenças para a sua justificação.
(Não há crenças justificadas básicas.)15

Os coerentistas pensam que uma crença está justificada quando ela coere com, ou se
encaixa bem com, as outras crenças de uma pessoa. Esta idéia tem uma considerável força intuitiva,
como é destacado pelos seguintes exemplos.

Exemplo 4.9: O Cabelo Que Cresce


Harry tem geralmente uma atitude muito prática no que concerne à efetividade de
medicamentos. Ele sempre quer ver a evidência antes de acreditar que eles funcionam. Ele rejeita
alegações despropositadas baseadas em testemunhos individuais. Ele sensatamente duvida das
alegadas curas milagrosas alardeadas nos anúncios. Mas Harry está começando a perder seu
cabelo e está muito chateado com isto. Certo dia ele ouve alguém dizer que Miraclegro cura a
calvície, e acredita nisso.

Deve parecer a você que a crença de Harry de que

6. Miraclegro cura a calvície

não está justificada. E o que é particularmente notável é que a crença é muito incongruente
para Harry. Você poderia dizer que ele deveria pensar melhor [know better] ao invés de crer numa
tal coisa. E, de fato, ele pensa melhor, pois seus próprios princípios dizem a ele para não crer (6)
nestas circunstâncias. Os coerentistas concordariam. Eles diriam que esta crença é incoerente para
ele – ela não se encaixa co as outras crenças dele. Harry aceita algo como

P. Um tratamento médico é efetivo somente se existe boa evidência clínica mostrando que
ele é efetivo, e não há boa evidência clínica de que Miraclegro seja efetivo.

Ainda assim, Harry crê (6) na ausência da evidência necessária. Podemos ver um tipo de
incoerência em seu sistema. A crença sobre Miraclegro se destaca como a crença “ruim” de seu
sistema.
O exemplo 4.9 ilustra uma maneira pela qual uma crença pode fracassar em coerir com as
outras crenças de uma pessoa. Ela é uma crença individual que viola os próprios princípios gerais
do crente. Outro exemplo ilustra outra maneira pela qual uma crença pode fracassar em coerir.

Exemplo 4.10: Os Galhos Que Caem da Árvore


A família de Storm possui dois carros – um mais novo e uma lata velha. Todas as noites os
carros ficam estacionados na rua. Uma noite ocorre uma forte tempestade de neve e uma grande
quantidade de neve se forma sobre os galhos das árvores, fazendo com que os ramos se quebrem
15
e caiam. Há uma árvore que se estende sobre a rua. Storm ouve o som de um ramo batendo num
carro na rua. Storm acredita que o ramo deve ter atingido a lata velha.

O exemplo 4.10 é semelhante ao exemplo 4.9 já que algum tipo de pensamento positivo
está envolvido. No entanto, no exemplo 4.10 Storm pode não estar violando qualquer princípio
geral que ele aceite. A menos que ele tenha outras crenças sobre a localização específica do cardo
e o som do ramo, sua crença sobre o carro é simplesmente jogada dentro do sistema sem qualquer
coisa para sustentá-la. Nós podemos dizer que no exemplo 4.10 a crença de Storm carece de
coerência positiva. Não há um apoio positivo para ela no sistema. Em contraste, no exemplo 4.9 a
crença de Harry tinha uma coerência negativa: ela estava em conflito com o restante do sistema.
Para uma crença ser justificada, de acordo com o coerentismo, ela não deve ser como nenhum
destes casos. No entanto, estas considerações não conduzem a uma descrição precisa do que
seja a coerência. Nada dito até aqui se constitui numa explicação clara de que tipo de conflito com
outras crenças exclui a coerência nem de que tipo de sustentação interna é necessário para a
coerência. Além do mais, como ficará claro na próxima seção, há uma questão importante sobre
exatamente com o que é que uma crença deve coerir a fim de estar justificada de acordo com os
standards coerentistas.
Uma formulação inicial do coerentismo, então, é a seguinte:

TC. S está justificado em crer p sse p coere com o sistema de crenças de S.

Para desenvolver uma teoria coerentista razoavelmente precisa, os coerentistas devem


tratar de duas questões

QC1. O que conta como o sistema de crenças de S?


QC2. O que é para uma crença coerir com o sistema de crenças?

Para ver a força destas questões, suponha que os coerentistas façam duas suposições:

S1. O sistema de crenças de S = tudo que S crê.


S2. Uma proposição coere com um sistema de crenças desde que ela se siga logicamente
da conjunção de tudo que está no sistema.

A aplicação de (S1) e (S2) à (TC) produz a seguinte teoria coerentista:

TC1. S está justificada em crer p sse p se segue logicamente da conjunção de tudo que S
crê.

Um momento de reflexão revela que (TC1) tem a conseqüência absurda de que qualquer
coisa em que qualquer um acredita está justificado. O argumento para isto é simples. Suponha que
S creia p. A conjunção de tudo o que S acredita era então ser uma longa conjunção, um conjunto
que tem o próprio p como um de seus elementos. Uma lei da lógica simples é que uma conjunção
implica cada um dos elementos da conjunção. Logo, se S crê p, q, r, s, e assim por diante, então a
conjunção de tudo em que S acredita será a longa proposição “p e q e r e s ...” Trivialmente, esta
conjunção implica p. De acordo com (TC1), se segue que a crença de S de que p está justificada,
não importando o que seja p e não importando o quão bem ela se encaixe com o restante das
crenças de S. De acordo com esta teoria, então, as crenças de Harry no exemplo 4.9 e de Storm no
exemplo 4.10 estão justificadas. Isto é exatamente o que o coerentismo supostamente iria evitar.
Os coerentistas precisam de alguma coisa melhor do que (CT1).
Ao tentar desenvolver uma versão melhor do coerentismo, é importante manter em mente
o seguinte ponto. Suponha, para fins argumentativos, que nós tenhamos um entendimento
razoavelmente claro da idéia de um sistema coerente de crenças. Usando esta idéia, nós podemos
formular a seguinte proposta:

TC2. S está justificado em crer p sse o sistema de crenças de S é coerente e inclui uma
crença em p.

A idéia por trás da (TC2) é que crenças justificadas são crenças que compõem sistemas
coerentes e crenças injustificadas são componentes de sistemas que não são coerentes. Dada
uma idéia razoavelmente clara do que é a coerência, (TC2) seria uma proposta razoavelmente clara.
No entanto, (TC2) não é nem um pouco plausível. Pode haver alguma coisa desejável em
se ter sistemas coerentes de crenças. No entanto, pouco de nós alcançam isto. Todos nós
cometemos alguns enganos, sucumbimos ao pensamento positivo, fracassamos em compreender
as conseqüências de nossas crenças. Existem, em todos os casos realistas, algumas crenças que
tornam nossos sistemas incoerentes ao menos em algum grau. De acordo com (TC2), se esse é o
caso, então nenhum de nós jamais está justificado em coisa alguma. Considere a sua crença de que
você existe. Mesmo que você esteja cometendo alguns grandes enganos em outras questões,
isto é algo em que você está justificado em crer. De acordo com (TC2), essa crença está justificada
somente se você acredita que você existe e o seu sistema de crenças é coerente. Como notado,
se você se parece com um ser humano normal no que diz respeito às suas crenças, então o seu
sistema de crenças não é coerente. Por isso, de acordo com (TC2) a sua crença de que você existe
não está justificada.
O problema com (TC2) pode ser colocado de uma maneira mais geral. Ela diz que todas as
crenças de um sistema coerente estão justificadas e todas as crenças de um sistema não-coerente
não estão justificadas. Qualquer sistema de crenças individual ou é coerente ou não é coerente.
Assim a teoria implica que, para cada indivíduo, ou todas as suas crenças estão justificadas ou
nenhuma delas está justificada. Uma vez que, de fato, qualquer pessoa real fica aquém de um
sistema coerente, a teoria implica em que nenhuma pessoa real tenha qualquer crença justificada.
No entanto, a verdade sobre cada um de nós não é tão extrema. Cada um de nós tem algumas
crenças justificadas e algumas crenças injustificadas. (TC2) não pode dar conta deste simples fato.
Uma versão do coerentismo precisa ser mais seletiva do que o é (TC2) a fim de ter sucesso.
Dizer que o grau em que uma crença está justificada depende do nível de coerência do
sistema inteiro do crente não irá resolver o problema. Suponha que o seu sistema de crença seja,
como um todo, moderadamente coerente. A presente proposta produziria o resultado de todas as
suas crenças também estão moderadamente justificadas. Isto fracassa em distinguir
apropriadamente entre a suas crenças bem-justificadas e as suas especulações desenfreadas.
É claro, então, que os coerentistas precisam de novas e melhores respostas para (QC1) e
(QC2). De alguma forma, o coerentismo tem de ser formulado de uma maneira que o habilite a
identificar algumas crenças como justificadas e algumas como injustificadas.

B. Uma Versão do Coerentismo

A coerência, o que quer que seja ela exatamente, é uma propriedade que um sistema de
crenças pode ter num maior ou menor grau. Um sistema de crenças pode ser mais coerente do que
outro. Os filósofos têm proposto várias coisas que aumentam ou diminuem a coerência.16 É mais
fácil compreender estas idéias considerando sistemas de crenças que são muito semelhantes, com
apenas algumas diferenças introduzidas para realçar os fatores que afetam a coerência. Por
exemplo, suponha duas pessoas, cada uma das quais creia numa grande número de proposições –
p, q, r, e assim por diante. Vamos supor que não existam conflitos lógicos entre as proposições em
que estas pessoas acreditam. Isto é, é ao menos possível que todas as suas crenças sejam
verdadeiras. E então suponha que uma das pessoas forma a crença de que p é falsa, e a pessoa
simplesmente acrescente essa crença em seu sistema. Agora há uma contradição no sistema de
crenças. Ela inclui tanto a crença em p quanto a crença em ~p. Estas não podem ser ambas
verdadeiras. Agora o sistema contém uma inconsistência. E isto o torna menos coerente. As
inconsistências não precisam se tão óbvias quanto a recém descrita. Uma pessoa poderia crer em
várias proposições e fracassar em compreender que elas implicam a negação de uma outra
proposição em que ela acredita. Este sistema também é inconsistente, embora a inconsistência não
seja tão ostensiva. Em qualquer caso, a inconsistência diminui a coerência.
Uma coisa que aumenta a coerência de um sistema é o fato de que ele contenha crenças
que se constituam em explicações de outras crenças do sistema. Suponha que o jardineiro #1 creia
que todas as plantas de seu jardim estejam murchas e que não chove há muito tempo. Suponha
que o jardineiro #2 creia nestas coisas e também creia que as plantas murcham quando não
recebem água por muito tempo. (Talvez o jardineiro #2 também creia que a chuva proporciona água
para as plantas.) O jardineiro #2 tem um sistema de crenças mais rico e desenvolvido. A riqueza vem
em parte da forma como ele articula em conjunto crenças que estão isoladas uma da outra no
sistema de crenças do jardineiro #1. Haver este tipo de conexões é freqüentemente pensado
aumentar a coerência de um sistema de crenças.
Talvez ter crenças individuais que conflitem com os princípios gerais de uma pessoa
16
também diminua o valor da coerência do sistema de crenças da pessoa.
Nós diremos que fatores tais como estes determinam o valor da coerência de um sistema
de crenças. Isto não constitui uma descrição completa dos valores da coerência, mas proporciona
alguma explicação da idéia. Os coerentistas podem fazer uso dos valores da coerência de um
sistema de crenças para formular uma versão do coerentismo que contorne as dificuldades iniciais
cobertas na seção anterior.17 Nós podemos formular a teoria desta maneira:

TC3. S está justificado em crer p sse o valor da coerência do sistema de crenças de S seria
maior se ele incluísse a crença em p do que se não incluísse essa crença.

As implicações pretendidas de (TC3) podem ser mais bem vistas considerando duas
situações, uma na qual a pessoa já acredita na proposição e uma na qual a pessoa não acredita nela.
Se a pessoa crê na proposição, então o valor de coerência do sistema tal como ele é atualmente
pode ser comparado o seu valor da coerência obtido com a remoção da crença do sistema. Se a
remoção da crença diminui o valor de coerência do sistema, então a crença nessa proposição está
justificada. Se a pessoa ainda não crê na proposição, então o valor da coerência do sistema atual
pode ser comparado com o valor do sistema que seria formado se a crença fosse acrescentada.
(TC3) diz que quando a versão do sistema coma crença tem um valor mais alto do que a versão sem
ela, então a crença está justificada. De acordo com (TC3), nós diremos que uma crença coere com
um sistema de crenças quando ela aumenta o valor da coerência desse sistema. Logo, (TC3)
preserva a idéia de que uma crença está justificada quando ela coere com o sistema de crenças de
uma pessoa.
(Tc3) pode lidar razoavelmente bem com os exemplo 4.9 e 4.10. No exemplo 4.9, Harry
tinha uma crença geral sobre os tratamentos efetivos e uma crença específica sobre Miraclegro que
não se encaixavam bem. Intuitivamente, a crença sobre Miraclegro era o bandido. É plausível
sustentar que o sistema de crenças de Harry seria mais coerente se essa crença fosse descartada.
Assim, (TC3) dá o resultado correto de que ela não está justificada. NO exemplo 4.10, Storm tem
uma crença que está desconectada de suas outras crenças. Assim, talvez seu sistema ganhasse
em coerência ao descartá-la. Mais uma vez, (TC3) parece ter os resultados corretos neste caso.
Existem, entretanto, detalhes incômodos que necessitam ser desenvolvidos por (TC3).
Considere mais uma vez Harry no exemplo 4.9. Harry tem uma crença injustificada em (6), a
proposição de que Miraclegro cura a calvície. Intuitivamente, nós julgamos que seu sistema de
crenças seria mais coerente se ele descartasse esta crença. (TC3) avalia a justificação olhando para
o que aconteceria com o valor da coerência do sistema se só esta crença fosse descartada. O
problema com isto é que Harry pode muito bem crer em numerosas outras proposições que estão
conectadas com (6) de maneiras cruciais. Por exemplo, se ele tivesse acabado de comprar um
pouco de Miraclegro, então ele poderia crer

17
7. Eu acabo de comprar alguma coisa que cura a calvície.

Se nós avaliarmos a justificação de (6) olhando para ver o que acontece com o sistema se
apenas ela for descartada, então nós avaliaremos o valor da coerência do sistema de Harry no caso
dele parar de crer (6) mas continuar a crer (7). Ele pode também acreditar em muitas outras
proposições estreitamente relacionadas com (6). Por exemplo, ele pode acreditar

8. Miraclegro cura a calvície mas a tinta spray não a cura.

Seu sistema pode perder coerência se ele continuar a acreditar coisas como (7) e (8) mas
descartar (6). Devido às suas conexões com outras crenças, então, descartar apenas (6) pode
diminuir a coerência, ainda que crer (6) não seja justificado. Por isso, não é claro que (TC3) de fato
lide apropriadamente com este exemplo. O fato de que qualquer crença, mesmo que ela não seja
justificada, possa ainda assim ter conexões lógicas com muitas outras crenças, coloca um difícil
problema para os coerentistas. Não é claro como revisar o coerentismo para evitar este problema.
Há um outro problema que os advogados da (TC3) devem enfrentar. Considere a crença
justificada de Harry em (P), a proposição que diz que tratamentos não funcionam sem evidência
clínica de sua efetividade e que não há evidência efetividade de Miraclegro (para a calvície). Os
coerentistas dizem que o sistema de Harry seria mais coerente se ele descartasse (6) de seu
sistema. Ignore o problema recém discutido e suponha que isto seja verdade. No entanto, também
é verdade que ele poderia ganhar alguma coerência descartando (P) de seu sistema. Isto porque
(P) também contribui para a incoerência revelada por seu sistema. Por isso, (TC3) implica que sua
crença no princípio também não está justificada. De modo geral, quando o sistema corrente de uma
pessoa é incoerente porque duas crenças estão em conflito, há um aumento na coerência pelo
descarte de qualquer uma delas. A teoria parece implicar que nenhuma delas está justificada. Ainda
assim, isso não precisa ser o caso, como o exemplo 4.9 ilustra. Uma melhor versão do coerentismo
abrirá de alguma forma a possibilidade de que uma das crenças conflitantes, ou um grupo de
grupos conflitantes de crenças, esteja justificado. Talvez os coerentistas possam apresentar
alguma maneira de lidar com este problema.
Os dois problemas recém discutidos seguramente não mostram que o coerentismo está
errado. Eles apenas mostram que existem problemas difíceis para os coerentistas resolverem.
Talvez eles possam resolvê-los especificando de uma maneira melhor o sistema de crenças com o
qual uma crença deve ser coerente a fim de estar justificada. Por exemplo, em alguns dos exemplos
uma característica chave é que uma crença é sustentada mais como um tipo de pensamento
positivo do que como um esforço para alcançar a verdade. Os coerentistas poderiam definir a
justificação em termos de coerência com este subsistema direcionado-para-a-verdade.18
Possivelmente alguma de tais descrições evitará os problemas considerados até aqui.
Existem algumas outras objeções ao coerentismo que pretendem ir ao coração da teoria.
18
Alguns críticos argumentam que a idéia coerentista central está errada. Eles argumentam que a
justificação não é inteiramente uma questão de como as nossas crenças se articulam
conjuntamente. Nos voltamos a seguir para duas objeções que tentam capitalizar este ponto.

C. Objeções ao Coerentismo

C1. A Objeção dos Sistemas Alternativos


Eis aqui o enunciado de uma objeção ao coerentismo comumente expressa:

De acordo com a teoria da coerência da justificação empírica (...) o


sistema de crenças que constitui o conhecimento empírico está
epistemicamente justificado somente em virtude de sua coerência
interna. Mas um tal apelo à coerência não irá jamais sequer começar a
selecionar um único sistema de crenças justificadas já que, em qualquer
concepção plausível da coerência, haverão inúmeros, provavelmente
infinitos, sistemas de crenças diferentes e incompatíveis que são
igualmente coerentes.19

Eis aqui uma maneira de descrever esta objeção.20 Considere a objeção de que Abraham
Lincoln foi assassinado. Se, como os críticos argumentam, existem muitos sistemas de crenças
diferentes e incompatíveis, haverá alguns sistemas que incluem esta crença e outros que incluem e
a sua negação. Se essa crença é parte de seu atual sistema, você pode imaginar um sistema que
substitua tudo o que a sustenta ou o que se segue dela por proposições diferentes. Ao construir
cuidadosamente o novo sistema, você poderia chegar a um sistema tão coerente quanto o é o seu
sistema corrente. Logo, se existem todos estes diferentes sistemas coerentes, então você pode
fazer qualquer crença que você queira estar justificada simplesmente por selecionar
apropriadamente o restante de suas crenças. Isso não pode estar certo. Eis aqui um enunciado
mais formal do argumeto:

Argumento 4.3: O Argumento dos Sistemas Alternativos


3-1. Se a (TC) é verdadeira, então uma crença está justificada sse ela coere com o sistema
de crenças do crente.
3-2. Uma pessoa pode fazer qualquer crença selecionada coerir com seu sistema de
crenças ao ajustar apropriadamente o restante do sistema para fazê-la se encaixar nele.
3-3. Se a (TC) é verdadeira, então uma pessoa pode tornar justificada qualquer crença
selecionada ao ajustar apropriadamente o restante de suas crenças. (3-1), (3-2)
3-4. Mas não é o caso que se pode tornar justificada qualquer crença selecionada ao
ajustar-se o restante das crenças.

19

20
3-5. A (TC) não é verdadeira. (3-3), (3-4)

Há boas razões para duvidar que esta seja uma boa objeção ao coerentismo.21 Um
problema com este argumento é que (3-2) é falsa. As pessoas simplesmente não têm tanto
controle sobre suas crenças. Mas este não é o maior problema com o argumento.
Considere mais uma vez a crença sobre Lincoln com a qual começou esta subseção. Os
coerentistas não estão comprometidos com a absurda conclusão de que você já está justificado em
crer tanto que Lincoln foi assassinado quanto que ele não o foi. Nem estão comprometidos com a
idéia de que você tem o poder de ajustar as suas crenças para construir um sistema coerente em
torno de cada uma destas opções. Os coerentistas não estão empacados com a alegação
implausível de que nós podemos formar nossas crenças à vontade. Eles estão comprometidos com
a idéia de que alguém poderia ter a crença de que Lincoln foi assassinado, e de que esta crença
poderia ser coerente com seu sistema de crenças, e de que, portanto, esta crença poderia estar
justificada. Eles também estão comprometidos com a conclusão de que uma pessoa poderia ter a
crença de que Lincoln não foi assassinado, de que esta crença poderia também ser coerente com
um sistema diferente que ele tivesse, e de que, portanto, sua crença também poderia estar
justificada. Longe de se falsa, entretanto, esta conclusão parece perfeitamente correta. Crenças
conflitantes, em sistemas alternativos, podem estar justificadas. As pessoas que têm diferentes
experiências e que aprenderam coisas diferentes poderiam crer justificadamente em coisas muito
diferentes. Pode haver algumas pessoas que tenham aprendido coisas incomuns e que, como
resultado, têm uma crença justificada de que Lincoln não foi assassinado. Não há uma boa objeção
ao coerentismo aqui.
O Argumento dos Sistemas Alternativos é suposta estar trabalhando sobre a idéia de que o
coerentismo de alguma forma está empacado com o resultado de que sistemas alternativos de
crenças podem estar justificados, sem bases coerentistas para escolher entre eles. Pode
acontecer, entretanto, que este compromisso não seja implausível. Seguramente pessoas em
circunstâncias diferentes podem ter sistemas de crenças inteiramente diferentes e completamente
justificados que diferem grandemente um do outro. Por exemplo, uma pessoa vivendo na Idade
Média poderia ter um conjunto de crenças coerente e completamente justificado radicalmente
diferente de sua contrapartida moderna. A idéia por detrás desta objeção ao coerentismo está
equivocada.22

C2. A Objeção do Isolamento


Como nós temos visto, a idéia chave do coerentismo é a de que se uma crença está
justificada, isto depende somente das outras crenças do crente. Se somente as crenças justificam,
então a experiência não tem importância. E isso não está certo. Reconsidere o exemplo 4.1, no

21

22
qual Hasty acredita que Filcher seja culpado simplesmente por não gostar dele. Se somente as
outras crenças de Hasty tivessem importância, então, de acordo com o coerentismo, esta crença
estaria justificada se ele, ao invés de apenas crer que Filcher seja o culpado, também acreditasse
numa história mais longa sobre ele. De forma semelhante, no exemplo 4.10 Storm ouve galhos de
árvore caindo sobre o carro. Suponha que o pensamento positivo dele o fizesse acrescentar
crenças no sentido de que o som de coisas quebradas fosse do tipo que apenas um carro velho iria
produzir, de que o carro velho estava bem embaixo de um galho, etc. A menos que haja algum
input no sistema que justifique estas outras crenças, ele não está justificado em sua crença.
Meramente inventar uma história mais longa não irá conduzir à justificação. Ele precisa de alguma
forma dar conta dos “dados da experiência.” O coerentismo parece omitir isto.
Outros exemplos tornam o ponto mais agudo, embora haja um ar de irrealidade em torno
deles. Há casos nos quais as crenças de uma pessoa estão desligadas da realidade, em que elas
não estão conectadas com a sua experiência do mundo. Considere o seguinte exemplo:

Exemplo 4.11: O Estranho Caso de Magic Feldman


O professor Feldman é um professor de filosofia baixinho entusiasmado por basquete.
Magic Johnson (MJ) foi um fantástico jogador profissional de basquete. Nós podemos supor que,
enquanto jogava um jogo, MJ tinha um sistema de crenças coerente completo. Magic Feldman (MF)
é um personagem possível, embora inusual, que é uma combinação do professor e do jogador de
basquete. MF tem uma imaginação notável, tão notável que, enquanto ele dá aulas de filosofia,
pensa estar jogando basquete. De fato, ele tem exatamente as crenças que MJ tem. Uma vez que o
sistema de crenças de MJ era coerente, o sistema de crença de Mf também é coerente.

De acordo com o coerentismo, as crenças de MF estão justificadas porque elas forma um


sistema coerente. No entanto, suas crenças estão radicalmente desligadas da realidade. Não é que
elas simplesmente sejam falsas. Ainda pior, elas não levam em consideração nem mesmo a
natureza de suas próprias experiências. Suas experiências – o que ele vê e sente – são as
experiências de um professor. Suas crenças são as de uma pessoa numa situação inteiramente
diferente. Longe de estarem justificadas, elas são uma fantasia absurda.
Este argumento pode ser formulado como segue:

Argumento 4.4: O Argumento do Isolamento


4-1. Se a (TC) é verdadeira, então em todos os casos possíveis uma crença está justificada
sse ele coere com o sistema de crenças do crente. [Definição de coerentismo]
4-2. Sistema de crenças de MF = sistema de crenças de MJ. [Suposição do exemplo]
4-3. A crença de MJ de que ele está jogando basquete coere com o seu sistema de
crenças. [Suposição do exemplo]
4-4. A crença de MF de que ele está jogando basquete coere com o seu sistema de
crenças. (4-2), (4-3)
4-5. Se a (TC) é verdadeira, então a crença de MF de que ele está jogando basquete está
justificada. 94-1), (4-4)
4-6. Mas a crença de MF não está justificada. [Suposição do exemplo]
4-7. A (TC) não é verdadeira. (4-5), (4-6)

Há uma outra maneira de destacar o mesmo ponto. Se somente outras crenças podem
justificar uma crença, então, já que MF e MJ têm as mesmas crenças, MJ não tem coisa alguma para
justificar suas crenças que MF também não tenha. Assim, MJ não pode estar mais bem justificado
do que MF. Mas ele está. A razão para isto é que parte do que determina o que está justificado é o
caráter da experiência de uma pessoa.
Os coerentistas podem responder que MF não é possível. Dever ser concedido que o
exemplo é muito inusual. Ainda assim, é suficiente para destacar um ponto importante acerca do
coerentismo: ele omite de sua descrição da justificação uma coisa que parece absolutamente
central: a experiência de uma pessoa. Além do mais, os críticos não precisam recorrer a exemplos
bizarros como o de MF a fim de destacar o ponto.

Exemplo 4.12: O Experimento Psicológico


Lefty e Righty estão num experimento psicológico. Eles são pessoas extremamente
semelhantes, com todas as mesmas crenças relevantes. O experimento é um no qual eles olham
uma imagem num monitor e formam crenças sobre o que eles vêem. É-lhes dito que eles irão ver
duas linhas no monitor e formarão uma crença sobre qual é a mais comprida. Ambos são levados a
crer que a linha da direita é a mais comprida. As linhas aparecem então nos monitores e ambos
crêem que a linha da direita é a mais comprida. No entanto, as expectativas estão jogando um papel.
De fato, para um dele, Lefty, a linha da esquerda é que é a mais comprida, e ela parece assim. Lefty
simplesmente ignora o caráter da sua experiência e forma sua crença inteiramente com base no que
ele foi levado a crer.

Os críticos argumentam que como a linha se parece faz alguma diferença para o que está
justificado para Lefty. Lefty pensa que a linha da direita é a mais comprida, mas ele não presta
atenção para como a linha de fato se parece, ainda que a informação esteja bem ali diante de sua
mente. O coerentismo implica em que ele esteja justificado em crer que a linha da direita é a mais
comprida uma vez que essa crença está sustentada por suas crenças anterior e ele não tem outras
crenças que a anulem. Ainda assim, Lefty tem a evidencia experimental – a maneira como a linha se
parece – que conta contra esta crença. O coerentismo deixa isto inapropriadamente fora do
cenário. Ele diz que somente importa aquilo em que Lefty acredita. Ele dá uma descrição incorreta
deste exemplo mais realista.
Alguns defensores do coerentismo podem responder que as crenças de uma pessoa
devem se conformar às suas experiências. Se for assim, então os exemplos 4.11 e 4.12 não são
nem mesmo possíveis. No entanto, se esse é o caso, então ocorre que um elemento fundamental
do fundacionismo está afinal de contas correto – estas crenças sobre a experiência parecem ser em
algum sentido “infalíveis” ou “incorrigíveis.” Nós temos de estar certos sobre elas. Assim, se você
rejeita este argumento contra o coerentismo nestas bases, você parece estar apelando para uma
idéia fundacionista.
Isto sugere que seria uma boa idéia reconsiderar o fundacionismo num esforço para chegar
a uma versão que evite as dificuldades do fundacionismo cartesiano.

D. Conclusões Sobre o Coerentismo

1. A idéia central do coerentismo pode ser dada em duas alegações caracteristicamente


coerentistas:

A1. Somente crenças podem justificar outras crenças. Nada além de uma crença pode
contribuir para a justificação.
A2. Toda crença justificada depende em parte de outras crenças para a sua justificação.
(Não existem crenças justificadas básicas.)

2. Nós ainda não encontramos uma maneira adequada de formular a teoria coerentista.
Entre os problemas para os coerentistas estão estes: (a) distinguir sensatamente entre as crenças
efetivas para caracterizar algumas como justificadas e algumas como injustificadas; (b) dizer o que é
efetivamente a coerência.
3. Muitos críticos pensam que (A1) tenha sido refutada pelo Argumento do Isolamento.
Esse argumento mostra que a experiência tem importância para a justificação.

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