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UNIVERSIDADE

DE ÉVORA Saul José Semião-Santos


Professor Auxiliar Convidado
Departamento de Biologia

www.dbio.uevora.pt
CAPÍTULO V – OS VÍRUS

1. O MUNDO DOS VÍRUS (UMA INTRODUÇÃO)

O material genético de um vírus é o seu principal constituinte.


Desprovidos de elementos essenciais à sua reprodução, este organismo é
obrigado a parasitar células vivas para se multiplicar, podendo provocar
doenças.

Os vírus, parasitas absolutos, são incapazes de sobreviverem fora de uma


célula viva. Para subsistirem e se reproduzirem, estes microorganismos
manipulam em seu proveito o material celular do hospedeiro. Unidos por esta
característica comum, os vírus, muito numerosos, são de resto variados na sua
forma, dimensão, material genético e no tipo de hospedeiro que infectam.

FIG. 45 – O MICROBIÓLOGO HOLANDÊS BEIJERINCK QUE EM 1898


DEMONSTROU QUE O AGENTE INFECCIOSO RESPONSÁVEL PELO
MOSAICO-DO-TABACO, UMA DOENÇA QUE PROVOCA MANCHAS
AMARELAS OU CASTANHAS NAS FOLHAS DA PLANTA, ERA
SUFICIENTEMENTE PEQUENO PARA ATRAVESSAR OS MELHORES
FILTROS.

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A descoberta destes organismos remonta a mais de um século. Em 1898, o
microbiólogo holandês Beijerinck (Fig. 45) demonstrou que o agente infeccioso
responsável pelo mosaico-do-tabaco tinha um tamanho inferior ao de todas as
bactérias conhecidas e parecia comportar-se como uma molécula. Seria preciso
esperar por 1932, ano da construção do microscópio electrónico, para observar
aquela nova entidade. As primeiras fotografias foram publicadas em 1939. O
vírus do mosaico-do-tabaco aparece aí sob a forma de bastonete de 300 nm de
comprimento.

FIG. 46 – O VIRUS MOSAICO-DO-TABACO (AMPLIAÇÃO 49.500 X)


UM VÍRUS DE RNA QUE PROVOCA A INFECÇÃO NAS PLANTAS.

Depois, os cientistas identificaram os principais componentes dos vírus:


possuem o material genético inscrito numa molécula de ácido
desoxirribonucleico (ADN) ou de ácido ribonucleico (ARN). Esta molécula
encontra-se protegida por uma cápside, um revestimento proteico que facilita
a penetração do vírus na célula hospedeira. Para além destes dois elementos,
alguns vírus estão dotados de uma protecção suplementar: um invólucro
lipídico. O conjunto constitui um virião, ou partícula viral. Os vírus encerram o
“código de fabrico” das suas proteínas virais, mas são incapazes de o

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decifrarem sozinhos., recorrendo a um hospedeiro para o fazer. Eis porque os
vírus são parasitas obrigatórios.
Quer infectem uma célula animal, quer vegetal, a sua replicação desenvolve-se
sempre em 3 fases: injecção do material genético, multiplicação e libertação.
O vírus começa por se fixar à célula hospedeira antes de injectar o material
genético, seja perfurando a membrana celular, seja pela fusão do seu invólucro
com esta. Uma vez chegado ao interior, as proteínas da sua cápside dissociam-
se do material genético viral, o qual será replicado. De seguida, as proteínas da
célula, não distinguido o património genético do vírus do da célula, traduzem o
genoma do vírus e sintetizam as proteínas virais e reúnem-nas para formar
novos vírus. A sua libertação faz-se por rebentamento da célula hospedeira ou
por fusão de bolhas contendo os vírus com a membrana das células. É
modificando o programa genético das células, ou eliminando-o, que os vírus
provocam doenças. Uma vez multiplicados e libertos, os vírus vão infectar
outras células, perpetuando assim o ciclo. Podem ainda atingir outro organismo
através das vias respiratórias, por meio gastrointestinal ou sexual.
Já foram identificadas alguns milhares de espécies de vírus. Os cientistas
estabeleceram uma classificação que assenta em dois critérios: natureza do
material genético e morfologia da partícula viral. Assim distinguem-se os vírus
que possuem ADN dos que contêm ARN; cada um destes dois grandes grupos
subdivide-se em dois, dependendo do material genético viral ter uma ou duas
cadeias.
O segundo tipo de distinção, de ordem morfológica, permite classificar os
vírus em famílias. Opõem-se os vírus de invólucro (por exemplo os da gripe e
da SIDA) – que geralmente têm a forma de uma esfera, embora possam
adquirir outro aspecto – aos vírus nus. Estes devem a sua forma à cápside:
construída a partir de várias proteínas reunidas simetricamente em hélice ou
em icosaedro, constitui a maior parte do virião. Os vírus helicoidais, nos quais
o genoma se enrola em volta da cápside, têm a forma de um bastonete
(mosaico-do-tabaco, Fig. 46) ou o aspecto de um longo filamento (o vírus que
infecta a batata). As cápsides icosaédricas fornecem aos viriões o aspecto de
pequenos cristais: é o caso das partículas virais do rinovírus responsável pela
bronquite. Uma outra estrutura complexa é ilustrada por certos
bacteriófagos, os vírus que parasitam as bactérias: são dotados de uma cabeça
(a cápside que contém o material genético) e de uma cauda (um pequeno tubo
oco que permite ao vírus injectar o seu ADN no interior da bactéria).
É com estruturas tão simples que os vírus roçam as fronteiras da vida. Ainda
mais perto deste limite encontram-se os viróides, constituídos por uma única

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cadeia de ARN. Os priões – presumíveis agentes infecciosos de certas
encefalopatias espongiformes – desafiam a ciência: nunca sabemos se estas
proteínas anormais podem, por si sós, veicular informação biológica

2. CARACTERÍSTICAS GERAIS

Desde 1892 até hoje muitas têm sido as definições apresentadas para os
vírus. Contudo, esta parece-nos ser actualizada e consistente; foi desenhada
por Salvador Luria e diz que podemos definir vírus como entidades
potencialmente patogénicas cujos genomas são ácidos nucleicos que se
replicam no interior de células vivas, usando a maquinaria sintética
celular, e que causam a síntese de partículas que podem transferir o
genoma para outras células.
Esta definição realça as duas propriedades essenciais dos vírus:

• 1ª - A posse de material genético próprio que utiliza a maquinaria


bioquímica da célula infectada, num processo que podemos designar
como parasitismo a nível genético;
• 2ª - A existência de uma fase extracelular sob a forma de partículas
inertes, produzidas pela célula sob comando do vírus para introdução da
informação genética viral em novas células.

Os vírus não têm metabolismo, não produzem energia, não crescem e não se
dividem. Nos casos mais simples limitam-se a fornecer à célula infectada a
informação genética a ser expressa pelo equipamento celular e à custa de
energia obtida pela célula. Assim é problemático considerar os vírus como
organismos, no sentido clássico do termo, zoológico, botânico ou mesmo
microbiológico.
Existem inclusivamente algumas ambiguidades. Por exemplo, os plasmídeos têm
replicação autónoma, codificam proteínas e são transmissíveis. Mas, ao
contrário dos vírus, não evoluíram autonomamente para a capacidade de
formar partículas que lhe garantam estabilidade no meio extra-celular, uma
característica única dos vírus.
Os viróides são agentes patogénicos de plantas, constituídos apenas por uma
molécula de ARN de cadeia simples, mas extensamente emparelhada entre si,
em cadeia dupla, desprovida de genes, e que não é encapsidada em partícula

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viral. Pelo contrário, os agentes das encefalopatias espongiformes
transmissíveis (o “scrapie” das ovelhas, a doença humana de Creutzfeldt-
Jakob, a encefalopatia espongiforme bovina – Fig. 47 - ou a doença das vacas
loucas) parecem ser desprovidos de ácido núcleico, sendo constituídos apenas
por uma proteína celular mutada, formando partículas ou agregados
infecciosos denominados priões.

FIG. 47 - “DOENÇA DA VACA LOUCA” OU ENCEFALOPATIA


ESPONGIFORME, É CAUSADA POR UM MICRORGANISMO PRIMITIVO
(CONHECIDO POR PRIÃO). O PRIÃO É MAIS SIMPLES QUE O VÍRUS,
TEM MATERIAL GENÉTICO CAPAZ DE REPLICAR, E NÃO TEM
INVÓLUCRO.

Por razões históricas e práticas, podemos continuar a incluir os vírus, viróides


e priões num único grupo de agentes infecciosos sub-celulares.

3. A ORIGEM DOS VÍRUS

Existem pelo menos três teorias para explicar a origem dos vírus; uma matéria
aliás que como seria de esperar tem gerado e continua a gerar imensa
polémica.

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1ª Teoria – Evolução regressiva: os vírus são formas vivas degenerativas que
perderam a maioria das funções que os outros organismos possuem e apenas
retiveram a informação genética, essencial para a sua forma de vida
parasitária;
2ª Teoria – Origens celulares: os vírus são sub-celulares, ajuntamentos
funcionais de macromoléculas que escaparam às suas origens no interior das
células;
3ª Teoria – Entidades independentes: os vírus evoluíram paralelamente aos
organismos celulares a partir da molécula de auto-replicação que se pensa ter
existido no mundo pré-biótico – o mundo do ARN.

4. DIMENSÕES DOS VÍRUS

As dimensões dos vírus, evidenciadas por estudos eletromicroscópicos, de


ultrafiltração e ultracentrifugação, variam de 10 a 350 mμ de diâmetro; o
comprimento chega até 2.000 mμ. A título de comparação, os glóbulos
vermelhos do sangue humano têm 7.500 mμ de diâmetro e, dentro de uma
célula bacteriana, podem caber mais de 1 milhão de partículas de vírus.
A partícula viral, quando fora da célula hospedeira, é genericamente
denominada vírião. Cada tipo de vírus possui uma forma característica, mas
todos eles são extremamente pequenos, geralmente muito menores do que as
menores bactérias conhecidas, sendo visíveis, como já vimos somente ao
microscópio eletrónico. Os vírus apresentam uma grande variedade de forma e
de tamanho. O diâmetro dos principais vírus oscila de 15-300 nm. O vírus da
varíola é o maior vírus humano que se conhece (300x250x100 nm), enquanto
que o da poliomielite é o menor vírus humano (20 nm de diâmetro). O vírus da
febre aftosa, responsável por uma doença em gado, possui 15 nm, sendo
portanto, menor que o poliovírus. Num só grupo, as medidas citadas por
diferentes autores, podem variar consideravelmente. Isto deve-se em parte, a
certas diferenças nas técnicas empregadas. Vírus de diferentes famílias
apresentam diferentes morfologias que podem ser prontamente distinguidas
pelo microscópio eletrónico. Esta relação é útil para o diagnóstico de doenças
virais e, especialmente para reconhecer novos vírus responsáveis por
infecções. Alguns vírus têm formas parecidas, daí ser importante o uso da
imunomicroscopia eletrónica. Um vírião pode apresentar-se sob vários
formatos: esférico (vírus da influenza),de ladrilho (poxvírus),de bastão (vírus
do mosaico do tabaco) e de projéctil (vírus da raiva) – Fig.48.

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FIG. 48 – AS VÁRIAS FORMAS QUE OS VÍRUS PODEM TOMAR

Como também já vimos, os vírus são extremamente simples e diferem dos


seres vivos pela inexistência de organização celular, por não possuírem
metabolismo próprio e por não serem capazes de se reproduzir, sendo
replicados apenas no interior de uma célula hospedeira. São considerados
parasitas intracelulares obrigatórios, e, em consequência disso, são
responsáveis por várias doenças infecciosas.
As diferentes proteínas virais interagem de modo específico com proteínas
expostas nas membranas celulares, determinando, assim, as células que são
susceptíveis a certos vírus. O vírus da poliomielite, por exemplo, é altamente
específico, infectando apenas células nervosas, intestinais e da mucosa da
garganta. Já o vírus da rubéola e o vírus da varíola conseguem infectar maior
número de tecidos humanos.
Existem vírus que infectam apenas bactérias, denominados bacteriófagos ou
simplesmente fagos; os que infectam apenas fungos, denominados micófagos;
os que infectam plantas, vírus de plantas e os que infectam animais
denominados vírus de animais.

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Vírus com ADN e ARN

Quando o ácido nucleico é o ADN, ele é transcrito em várias moléculas de ARN


(pela bactéria) que servirão de molde para a síntese de proteínas virais. É o
caso do vírus da varíola, do herpes, do adenovírus (provoca infecções
respiratórias), da hepatite B.
Quando o ácido nucleico é o ARN, dois processos podem ocorrer: O ARN viral
é transcrito em várias moléculas de ARN mensageiro, que comandarão a
síntese protéica. É o que ocorre com a maior parte dos vírus animais, como o
vírus da raiva, da gripe; o vírus da poliomielite e de algumas encefalites têm o
ARN que já funciona como ARN mensageiro. Nos vírus conhecidos como
retrovírus, como é o caso do vírus da SIDA (HIV), o ARN é transcrito em
ADN por uma enzima: a transcriptase reversa. A partir da acção dessa
enzima, o ARN serve de molde a uma molécula de ADN, que penetra no núcleo
da célula, e integra-se ao cromossoma do hospedeiro.
O ADN viral integrado ao cromossoma celular é chamado de provírus. Ele é
reconhecido e transcrito pelas enzimas da célula hospedeira, de modo que logo
começam a surgir moléculas de ARN com informações para síntese de
transcriptase reversa e das proteínas da capsíde. Algumas dessas moléculas
de ARN são empacotadas juntamente com moléculas de transcriptase reversa,
originando centenas de vírus completos (víriões). A infecção por retrovírus
geralmente não leva à morte da célula hospedeira, e esta pode-se dividir e
transmitir o provírus integrado às células-filhas.

Retrovírus

Nem todo vírus de ARN é classificado como retrovírus, somente aqueles que
usam o ARN como molde para síntese de ADN. Em 1980 foi isolado o primeiro
retrovírus na espécie humana: o HTLV-1 - um retrovírus que infecta linfócitos
T e causa um tipo de leucemia (cancro do sangue). Dois anos mais tarde, foi
descoberto outro retrovírus, o HTLV-2, que causa outro tipo de leucemia. Em
1981 foi diagnosticado o primeiro caso de SIDA e somente em 1983 conseguiu-
se provar que essa síndroma é causada por um novo tipo de retrovírus, que
recebeu o nome de Vírus da Imunodeficiência Humana ou HIV .

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5. MORFOLOGIA DOS VÍRUS

As partículas virais, ou viriões, são, como já referimos, constituídas por uma


cápsula proteica, a cápside, que encerra um nucleóide, composto pelo ácido
núcleico viral, em regra associado a proteínas. O conjunto da cápside e do
nucleóide designa-se como nucleocápside. Muitos viriões são ainda revestidos
por um invólucro derivado da membrana celular no processo de saída do vírus.
Os viriões têm forma, estrutura e dimensões muito diferentes. Há, como já
vimos, vírus quase esféricos, outros em bastonete rígido, outros em filamento
flexível, outros ainda em forma de bala (Fig. 48).
Apesar da sua grande diversidade, obedecem a princípios gerais de
arquitectura, que os distribuem por dois ou três tipos essenciais de estrutura.
Isto deve-se a que os vírus codificam por um número limitado de proteínas,
sendo por isto a cápside uma estrutura repetitiva, constituída por subunidades
– os capsómeros – que, nos vírus mais simples, são combinações idênticas de
proteínas virais.
Ao longo da evolução dos vírus, e apesar da sua enorme diversidade, apenas
dois tipos fundamentais de estrutura foram seleccionados: icosaédrica, com
simetria cúbica (Fig.49) e helicoidal (Fig.50).

FIG. 49 – IMAGEM SIMULADA POR COMPUTADOR DE UM


POLYOMAVÍRUS (COM ESTRUTURA ICOSAÉDRICA), COM 72
CAPSÓMEROS. ESTE VÍRUS CAUSA UMA DOENÇA RARA DO SISTEMA
NERVOSO CENTRAL QUE PROVOCA DESMIELINIZAÇÃO

Neste último caso, pode acontecer que as cápsides helicoidais, em bastonete,


estejam envolvidas por um invólucro que dê às partículas a forma esférica

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final. As excepções a estes dois tipos de estrutura são os viriões complexos
dos poxvírus (Fig. 51) e a estrutura mista de muitos bacteriófagos (Fig. 51),
isto é, vírus de bactérias, com uma cabeça icosaédrica e uma cauda helicoidal,
por onde penetra na célula o ADN viral.

FIG. 50 – ILUSTRAÇÃO DA ESTRUTURA DO VÍRUS DO MOSAICO-DO-


TABACO (HELICOIDAL). REPARE-SE QUE A NUCLEOCÁPSIDE É
COMPOSTA POR UMA SÉRIE DE PROTÓMEROS HELICOIDAIS COM O
ARN ESPIRALIZADO NO SEU INTERIOR. AO LADO UM MODELO DO
MESMO VÍRUS.

FIG. 51 – DIAGRAMA DA ESTRUTURA DA VACCINIA (POXVÍRUS)


AGENTE ETIOLÓGICO DA VARÍOLA.

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FIG. 52 – ESTRUTURA DO BACTERIÓFAGO T4

6. ESPECIFICIDADE

Em geral, um tipo de vírus ataca um ou poucos tipos de célula. Isso porque um


determinado tipo de vírus só consegue infectar uma célula que possua, na
membrana, substâncias às quais ele se possa ligar. O vírus da Poliomielite, por
exemplo, é altamente específico, infectando apenas células nervosas,
intestinais e da mucosa da garganta. Já os vírus da Rubéola e da Varíola
conseguem infectar maior número de tecidos humanos. Os vírus da Gripe são
bastante versáteis e podem infectar diversos tipos de células humanas e
também células de diferentes animais, como patos, cavalos e porcos. Em
muitos casos, essa capacidade deve-se ao facto desses vírus se conseguirem
ligar a substâncias presentes em células de diversos tipos de organismos. Os
vírus, tanto de plantas como de animais, apresentam uma gama determinada de
hospedeiros. Assim, o vírus da febre-amarela urbana tem como hospedeiros
somente o homem (transmissor: mosquito do género Aedes); o da febre
amarela-silvestre, o macaco e o homem (transmissor: Haemogogus). Em vírus
animais a especificidade vai até o nível histológico, servindo de base para
classificá-los em vírus: vírus dermotrópicos (varíola, varicela, sarampo,

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rubéola, etc.), vírus pneumotrópicos (gripe, resfriado, etc.) vírus neurotrópicos
(raiva, poliomielite, encefalites, etc.), vírus hepatotrópicos (febre-amarela,
hepatite) e vírus linfo e glandulotrópicos (papeira, linfogranuloma inguinal).

7. COMO SE CULTIVAM OS VÍRUS

Uma vez que, como já vimos, os vírus não se conseguem reproduzir


independentemente das células vivas, então, não podem ser cultivados da
mesma forma que as bactérias ou os microorganismos eucarióticos.
Durante muitos anos os cientistas cultivaram os vírus animais através da
inoculação de hospedeiros favoráveis ou ovos embrionários – ovos de galinha
fertilizados cerca de 6 a 8 dias após a postura. Para preparar um ovo para
cultivação de vírus, desinfecta-se a casca superficial com iodina e depois
utiliza-se um fino estilete estéril para a penetrar (Fig. 53).

FIG. 53 - CULTIVO DE VÍRUS RECORRENDO À UTILIZAÇÃO DE UM


OVO EMBRIONADO – EXISTEM DOIS LOCAIS QUE SÃO
HABITUALMENTE UTILIZADOS PARA CRESCER VÍRUS ANIMAIS. NO
CASO DESTE OVO ONDE SE OBSERVA UM EMBRIÃO DE GALINHA
COM 9 DIAS PODEMOS OBSERVAR AS INOCULAÇÕES AO NÍVEL DA
MEMBRANA CÓRIONALANTÓIDE E DA CAVIDADE CÓRIONALANTÓIDE

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Após a inoculação, procede-se à selagem com gelatina, do orifício feito com
estilete e incuba-se o ovo. Os vírus podem reproduzir-se apenas nalgumas
zonas, daí que devam ser injectados na zona certa. Por exemplo alguns deles
crescem bem na membrana córionalantóide enquanto outras crescem melhor na
cavidade alantóide. A infecção pode produzir um dano tissular a que se dá o
nome de pústula (e que é típico na varíola, por exemplo). Esta aparição é muito
característica dos vírus.
Mais recentemente os vírus têm sido cultivados em culturas de tecidos de
células animais. Esta técnica só é possível graças à combinação do
desenvolvimento do meio de crescimento para células animais com a
administração de antibióticos susceptíveis de prevenir a contaminação
bacteriana e fúngica.
Através de uma técnica especial é possível formarem-se áreas específicas de
destruição celular e lise a que se chamam placas (ou manchas) (Fig. 54 e 55).

FIG. 54 – PLACAS VIRAIS (MANCHAS CLARAS) EM MEIO DE CULTURA


EM CAIXA DE PETRI.

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FIG. 55 – PLACAS VIRAIS FORMADAS NA LINHA CELULAR FRHK-4,
CORADA COM CRISTAL DE VIOLETA – A PARTIR DA ESQUERDA:
CULTURA UNINOCULADA; PLACAS DE POLIOVÍRUS DEPOIS DE 5
DIAS DE INCUBAÇÃO A 37°C; PLACAS DE VÍRUS DA HEPATITE A
APÓS 16 DIAS DE INCUBAÇÃO A 37°C.

Por seu lado os vírus de bactérias (bacteriófagos) – Fig. 52 - tanto podem


cultivar-se em meio de caldo de carne como em cultura de agar de células
bacterianas novas. Os vírus das plantas cultivam-se de várias formas: podem-
se utilizar culturas em tecidos vegetais, culturas em células isoladas ou
culturas de protoplastos.
Nos últimos anos temos assistido à utilização de uma nova tecnologia que tem
servido para estudar os efeitos dos vírus nos organismos hospedeiros (Fig.
56): a criação de animais e plantas transgénicos através da inserção de todo

FIG. 56 – TIPO DE HOSPEDEIRO UTILIZADO FREQUENTEMENTE NAS


EXPERIÊNCIAS TRANSGÉNICAS.

ou parte do genoma do vírus no ADN do organismo experimental. O resultado


está na expressão do ARN mensageiro e de proteínas do vírus ao nível das
células somáticas (e às vezes até nas células da linha germinativa).

8. A PURIFICAÇÃO E OS ENSAIOS DOS VÍRUS

Os virologistas são obrigados a conseguir purificar os vírus e determinar a sua


concentração para que possam estudar a sua estrutura, reprodução e outros
aspectos da sua biologia. Estes métodos são de tal forma importantes que
todo o desenvolvimento da virologia enquanto disciplina moderna depende da
sua aplicação e melhoramento.

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Purificação de vírus

Existem quatro formas para isolar vírus: (i) centrifugação diferencial e de


densidade de gradientes; (ii) precipitação dos vírus; (iii) desnaturação de
contaminantes; (iv) digestão enzimática dos constituintes celulares.

Ensaios para os vírus

A quantidade de vírus numa amostra pode determinar-se através da contagem


do número de partículas ou através da medição da unidade de concentração
infecciosa. A contagem directa de partículas virais efectua-se recorrendo ao
microscópio electrónico.
Para analisar os vírus em termos de infectividade utilizam-se as técnicas de
cultivo anteriormente descritas. É o caso do teste das placas (manchas):
contam-se as unidades de formação de placa (CFP – “plaque-forming units –
PFV”).
Em 1941 Hirst observou a hemaglutinação de eritrócitos pelo vírus de
influenza (Fig. 57 e 58). Este provou ser um importante instrumento não só
para estudar a gripe, mas para estudar outras doenças geradas por outros
tipos de vírus (como por exemplo, a rubéola).
A partir de 1960 muitos outros métodos foram desenvolvidos no sentido de
apurar a detecção dos vírus: testes de fixação do complemento,
imunofluorescência (para detecção directa de antigénios virais em células
infectadas ou tecidos), testes radioimunitários, ELISA’s, precipitação
radioimunitária e testes de “Western-blot”.
Em 1975, Kohler e Milstein isolaram os primeiros anticorpos monoclonais a
partir de clones de células relacionadas in vitro para produzir um anticorpo de
especificidade única direccionado contra um alvo antigénico particular. Esta
técnica veio permitir aos virologistas não só olharem para todo o vírus como
também para regiões específicas – os epítopes – de antigénios virais
específicos.

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FIG. 57 – VIRUS DA INFLUENZA A (AMPLIAÇÃO: 31,710 X) – VÍRUS
DE ARN, DA FAMÍLIA ORTHOMYXOVIRIDAE, RESPONSÁVEL PELA
INFECÇÃO HUMANA VULGARMENTE CONHECIDA POR GRIPE.

FIG. 58 – ASPECTO DE UMA MICROPLACA COM UM TESTE DE


HEMAGLUTINAÇÃO DE ERITRÓCITOS PELO VÍRUS DE INFLUENZA

Nos últimos anos, esta capacidade veio desenvolver imenso o nosso


conhecimento sobre a função das proteínas virais individualizadas. Os
anticorpos monoclonais constituem uma técnica que se repercutiu por todo o
mundo científico e que tem também sido aplicada em vários tipos de ensaios

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serológicos (caso das ELISA’s para aumentar a reprodutibilidade, a
sensibilidade e a especificidade).

9. BIOLOGIA MOLECULAR

A infecção de um vírus foi muitas vezes utilizada para sondar o funcionamento


das células normais (isto é, não infectadas) – por exemplo, a síntese
macromolecular. Estamos a falar da aplicação de bacteriófagos em genética
bacteriana e também como sucede muitas vezes onde os vírus dos eucariotas
revelam informação fundamental sobre a biologia celular e a organização
genómica dos organismos superiores.
Hoje em dia é possível determinar as sequências nucleótidas de genomas
completos de vírus começando pelo mais pequeno dos bacteriófagos (que foi
feito em meados da década de 70) até ao mais longo dos genomas virais (caso
dos herpesvírus e dos poxvírus) alguns dos quais já se encontram
determinados.

Hibridização

Esta tecnologia centrada nos ácidos nucleicos permitiu grande avanço na


detecção de viroses e infecções víricas, envolvendo técnicas de hibridização
de ácido núcleico. Uma sonda de hibridização (ou “probe”), acoplada no
sentido de facilitar a detecção, coloca-se a reagir com uma mistura de ácidos
núcleicos. A interacção específica da sequência da sonda com sequências
complementares codificadas de vírus, às quais se liga entre os pares de bases
complementares, através de pontes de hidrogénio, é reveladora de material
genético viral.
Devido à natureza digital das sequências nucleótidas, os computadores
constituem meios ideais de armazenamento e processamento de informação.
Para além disso conseguem fazer projecções, razoavelmente precisas, de
sequências proteicas (e detectando outras regiões funcionais) a partir de
sequências de nucleótidos.
Existem nos dias que correm, várias bases internacionais de dados sobre
sequências nucleótidas e proteicas. Foram compiladas e podem actualmente
ser rapidamente consultadas através de computadores. Com elas, comparam-se
novas sequências com aquelas já intensamente estudadas.

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10. INFECÇÕES VIRAIS: INTRODUÇÃO

Os vírus são agentes infecciosos, parasitas das células hospedeiras.


Atacam animais, vegetais e bactérias, estando na origem de múltiplas
infecções no homem. A vacinação é a forma de protecção mais eficaz.

Atendendo à classificação dos vírus em função do ácido nucleico que contêm,


façamos um breve e superficial registo de alguns dos vírus mais importantes
no que diz respeito às infecções virais que provocam.
Os vírus ARN de cápside helicoidal com invólucro compreendem os vírus da
gripe (ortomixovírus) – Fig. 57 -, da parotidite – Fig. 59 e 60 e do sarampo
(paramixovírus), da raiva (rabdovírus) – Fig. 61 - e da sida (retrovírus HIV).

FIG. 59 – ASPECTO DIAGRAMÁTICO DO VIRUS DA PAROTIDITE (UM


PARAMIXOVÍRUS)

Os vírus ARN cúbicos incluem os picornavírus (responsáveis pela poliomelite,


hepatite A e meningite), os rinovírus (agentes das constipações e de diversas
infecções respiratórias) e os togavírus (que provocam a febre-amarela e as
febres hemorrágicas.

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FIG. 60 – A PAPEIRA É GERALMENTE PRECEDIDA POR UM CONJUNTO
DE SINTOMAS, NOMEADAMENTE, FEBRE BAIXA, MAL-ESTAR E
MIALGIA. A PAROTIDITE (PROVOCADA PELO VÍRUS DA PAROTIDITE),
QUANDO SE DESENVOLVE, OCORRE USUALMENTE NAS 24 H
SEGUINTES, MAS PODE RETARDAR-SE ATÉ UMA SEMANA.

FIG. 61 – VÍRUS DA RAIVA – IMAGEM AO MICROSCÓPIO


ELECTRÓNICO DESTE VÍRUS, UM VÍRUS ARN TRANSMITIDO PELAS
MORDEDURAS DO GATO OU DO CÃO. ESTA GRAVE INFECÇÃO
PROVOCA PERTURBAÇÕES NEUROLÓGICAS.

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FIGURAS 62 E 63 – A VARICELA. TRATA-SE DE UMA DOENÇA
ALTAMENTE CONTAGIOSA ESPECIALMENTE EM CRIANÇAS ENTRE OS
2 E OS 7 ANOS. O AGENTE QUE CAUSA A DOENÇA É O VÍRUS
VARICELLA-ZOOSTER, MEMBRO DA FAMÍLIA HERPESVIRIDAE QUE
SE ADQUIRE ATRAVÉS DA INALAÇÃO DE GOTÍCULAS PARA O
SISTEMA RESPIRATÓRIO. APÓS UM PERÍODO DE INCUBAÇÃO DE 10
A 23 DIAS SURGEM PEQUENAS VESÍCULAS QUE ENCHEM A FACE E A
PARTE SUPERIOR DO TRONCO, CHEIS DE PÛS, QUE DEPOIS
REBENTAM E SE COBREM COM UMA CROSTA. A CURA DAS
VESÍCULAS DURA CERCA DE 10 DIAS. DURANTE ESTA FASE O
DOENTE SENTE MUITA COMICHÃO. O TRATAMENTO FAZ-SE COM
ACICLOVIR.

Os vírus ADN cúbicos reúnem principalmente os adenovírus, que originam as


infecções pulmonares, os papovírus responsáveis pelas verrugas e pelos
papilomas, e a grande família dos vírus do herpes, que compreende os agentes
do herpes comum, da varicela (Fig. 62 e 63) e da zona (Fig. 64 e 65), os
citomegalovírus e o vírus de Epstein-Barr (implicado na mononuclose infecciosa
e em diversas formas de cancro).
Tanto a papeira como a varicela são doenças cujo aumento coincide com as
novas populações de crianças sensíveis que todos os anos chegam de novo às

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salas de aulas, creches e infantários. Para que se propaguem apenas será
necessária uma criança infectada.

FIG 64 E 65 - A ZONA. OS INDIVÍDUOS QUE RECUPERAM DE UMA


INFECÇÃO POR VARICELA FICAM IMUNES À DOENÇA, CONTUDO NÃO
SE CONSEGUEM VER LIVRES DO VÍRUS. O ADN VIRAL MANTÉM-SE
EM ESTADO LATENTE (COMO QUE ADORMECIDO) NO INTERIOR DOS
NÚCLEOS DOS NEURÓNIOS SENSORIAIS AO NÍVEL DAS RAÍZES
DOS GÂNGLIOS DORSAIS. ESTE ADN DORSAL MANTEM-SE NAS
CÉLULAS SEM SER DETECTADO (FIG 64 A). QUANDO O INDIVÍDUO
INFECTADO ATRAVESSA UM PERÍODO IMUNOCOMPROMETIDO, POR
EXEMPLO DEVIDO À IDADE, SIDA, AO STRESS PSICOLÓGICO OU
FÍSICO, OS VÍRUS PODEM ACTIVAR-SE (FIG 64 B). NESSE CASO,
MIGRAM PARA OS NERVOS SENSORIAIS, INICIAM A REPLICAÇÃO
VIRAL E PRODUZEM VESÍCULAS DOLOROSAS (FIG 64) MOTIVADAS
PELOS DANOS PROVOCADOS NOS NERVOS SENSORIAIS. A ESTA
FORMA REACTIVADA DE VARICELA, CHAMA-SE ZONA (OU HERPES
ZOOSTER). A MAIOR PARTE DOS CASOS OCORRE EM PESSOAS COM
MAIS DE 50 ANOS DE IDADE.

111
FIG 66 – CICLO DE UM VÍRUS QUE INFECTA UMA CÉLULA HUMANA –
ESTA É OBRIGADA A FABRICAR INÚMEROS VÍRUS, QUE SE
LIBERTAM QUANDO A CÉLULA SE ROMPE.

Os vírus têm a capacidade de alterar os mecanismos da célula infectada,


obrigando a célula hospedeira a reproduzi-los. No ciclo das infecções virais
(Fig. 66), tudo começa (como veremos em mais pormenor, mais à frente) pela
fixação do vírus na célula hospedeira e pela injecção do seu ácido nucleico.
Posteriormente, o genoma viral força a célula hospedeira a sintetizar os seus
constituintes (cápside, invólucro, ácidos nucleicos) para formar novos vírus.
Por vezes a infecção viral mantém-se latente até que, sob a influência de
diversos factores, o vírus reactivado provoca um reaparecimento da doença.
Este fenómeno é uma característica comum, nomeadamente a todos os vírus
herpes (Fig. 65 e 66).
Existem tratamentos antivirais para algumas doenças como a gripe ou o
herpes, mas estes tem uma eficácia variável. A maior arma contra os vírus
continua a ser a vacina, que permite prevenir a infecção. As primeiras vacinas

112
da história da medicina combateram as doenças virais: a varíola (Fig. 67), em
1796, e a raiva, em 1885.

FIG 67 – A VARÍOLA TRANSMITE-SE POR CONTACTO DIRECTO,


GOTÍCULAS DE SALIVA E ATRAVÉS DE OBJECTOS CONTAMINADOS.
O VÍRUS PENETRA PELAS MUCOSAS DAS VIAS RESPIRATÓRIAS,
DISSEMINA-SE PELA CORRENTE SANGUÍNEA E INSTALA-SE NA
PELE E MUCOSAS CAUSANDO AS ULCERAÇÕES DA DOENÇA. OS
PRIMEIROS SINTOMAS SÃO A FEBRE, DORES GENERALIZADAS,
MOLEZA E VÓMITOS. DEPOIS COMEÇAM AS ERUPÇÕES CUTÂNEAS
QUE COMEÇAM NA CABEÇA E SE ALASTRAM POR TODO O CORPO.
DEPOIS AS VESÍCULAS SECAM E DEIXAM CICATRIZES PROFUNDAS.
A PROFILAXIA DA DOENÇA FAZ-SE ATRAVÉS DA APLICAÇÃO DA
VACINA ANTIVARIÓLICA A PARTIR DOS 8 MESES DE IDADE (AGORA
QUE A VARÍOLA ESTÁ CONSIDERADA ERRADICADA A VACINAÇÃO JÁ
NÃO SE FAZ COM REGULARIDADE)

Um dos maiores sucessos das vacinas antivirais foi a erradicação da varíola


(Fig. 67), em 1979, após uma grande campanha de vacinação. Os esforços
prolongam-se na tentativa de fazer desaparecer, num futuro próximo, outras
doenças virais, tais como a poliomelite, afecção extremamente contagiosa que
atinge o sistema nervoso, provoca uma paralisia e por vezes conduz à morte. A
esperança de erradicar esta doença assenta sobretudo, na utilização de
vacinas. Em 1988, a OMS lançou uma campanha mundial de vacinação que visava
fazer desaparecer o vírus do planeta até 2005. Graças a ela, o número de
casos diminuiu em cerca de 95%, passando de 350.000, em 1988, para 20.000,
em 1999. A estratégia consiste em vacinar, num primeiro momento, todas as

113
crianças com menos de um ano, posteriormente as com menos de 5 anos e
finalmente todas as crianças, sem excepção, a fim de quebrar a cadeia de
transmissão do vírus. Actualmente, esta transmissão está circunscrita ao
subcontinente indiano e á África subsariana, nomeadamente aos países em
guerra (Somália, Sudão…).
A duração da imunidade varia de um vírus para outro: a vacina contra a febre-
amarela confere uma imunidade de 10 anos, enquanto que a vacina anti-gripal
deve ser renovada todos os anos. Continuam as pesquisas para uma vacina
contra a sida, a hepatite C e também contra os papilomavírus, subgrupo de
vírus a que pertencem agentes implicados no cancro do colo do útero.

11. PROPAGAÇÃO DOS VÍRUS

A capacidade de sobrevivência dos vírus depende – tal como aliás se passa com
outros microorganismos – da existência de diversos elos da cadeia
epidemiológica em que eles, com outros elementos, participam.
Podemos todavia dizer, e em concordância com D. Beytout (1988), que o
desenvolvimento de uma infecção viral, numa população, implica a existência
de:

• 1º - Um vírus, o agente patogénico transmissível;


• 2º - Um modo de transmissão;
• 3º - Indivíduos, membros de uma colectividade, aptos a receber o
agente infeccioso.

Existem vírus nus ou desprovidos de invólucro, de cápside icosaédrica,


habitualmente mais resistentes aos agentes físicos e químicos, incluindo
desinfectantes, e vírus com invólucro, mais frágeis, devido à presença de
glicoproteínas e de lipoproteínas nos seus plemómeros ou espículos, o que os
torna incapazes de manter a sua virulência ou de sobreviver no meio ambiente
por longos períodos de tempo. Assim, quando eliminados na Natureza, os
primeiros mantêm-se virulentos por longo tempo, tornando-se naturalmente, a
sua transmissão eficiente, enquanto que os segundos, nestas mesmas
circunstâncias, se perdem.
Como exemplos de vírus nus, resistentes a agentes físico-químicos, podemos
apontar enterovírus, adenovírus, reovírus, entre outros, vírus estes que se

114
podem manter durante semanas, por vezes meses, em águas de esgotos, ou em
águas poluídas por dejectos humanos. Vírus frágeis perante o meio ambiente,
sensíveis nomeadamente à temperatura e aos agentes químicos, são os
herpesvírus, vírus da gripe, vírus do sarampo, arbovírus, além de muitos
outros. Todos estes vírus são possuidores de invólucro.
Muitos vírus possuem também a capacidade de alterar a sua estrutura, mesmo
no interior do indivíduo que infectam, seleccionando variantes de diversa
especificidade antigénica, produzindo mutantes, arranjando, em suma,
estratégias que lhes permitam evitar a resposta imunitária do hospedeiro e,
assim, conseguir renovar as suas potencialidades infecciosas. São hoje bem
conhecidas as consideráveis variações produzidas ao longo do tempo no
invólucro glicoproteíco do vírus da imunodeficiência humana (HIV) – Fig. 68 –
nos indivíduos infectados.
No que respeita ao modo de transmissão dos vírus, pode dizer-se que ele
está intimamente relacionado com as suas vias de eliminação a partir do
hospedeiro infectado.

FIG 68 – O VIRIÃO DE HIV-1 É UMA ESTRUTURA COM INVÓLUCRO


QUE CONTÊM 72 EXTENSÕES EXTERNAS.ESTAS EXTENSÕES SÃO
FORMADAS POR 2 GRANDES TIPOS DE PROTEÍNAS VIRAIS DE
INVÓLUCRO: GP120 E GP41 (GP É GLICOPROTEINA E O NÚMERO
REFERE-SE À MASSA PROTEÍNA EXPRESSA EM UNIDADES DALTON).

115
Então como é que os vírus podem ser eliminados?
1º - Via cutâneo-mucosa (pele e mucosas da boca e dos órgãos genitais,
incluindo exsudados), por via aérea ou respiratória, fecal, através da urina,
pelo leite materno, através do sangue (golpes ou escoriações da pele ou das
mucosas com sangramento, transfusões), através da placenta;
2º - De mãe infectada para filho, a chamada transmissão vertical – e, em
situações raras muito especiais de canibalismo, tanto humano, como animal.

O encontro de um vírus com o novo hospedeiro pode dar-se por:

1) – Transmissão inter-humana, a partir dum indivíduo assintomático, de


individuo sofrendo de doença aguda, de portador crónico, de mãe
infectada para o feto – via placenta – ou de mãe (geralmente em período
de virémia) para a criança através do leite;
2) – Transmissão de animais para o Homem, com ou sem a participação de
vectores.

A infecção inter-humana pode englobar diversos tipos de transmissão de vírus


entre pessoas, como as que têm lugar pelas vias fecal-oral, aérea, sexual, etc…

1) – Via fecal-oral, envolvendo a difusão do vírus no meio ambiente


(exemplo: diarreia por rotavírus);
2) – Via aérea, transmitindo-se o vírus por aerossóis (exemplo: a rubéola);
3) – Via sexual, por contacto directo (exemplo: hepatite B – Fig. 69 -);
4) – Via sanguínea, por inoculação de sangue ou seus derivados
contaminados ou através de agulhas infectadas – transmissão
iatrogénica (exemplo: SIDA). A infecção transmitida por animais ao
Homem pode revestir as formas de: Mordedura de animal infectado
(exemplo: raiva); Picadas de insectos vectores (exemplo: arboviroses) –
Arboviroses são doenças transmitidas por arbovírus. Arbovírus são
vírus transmitidos biologicamente por Artrópodes (Fig. 69).

116
FIG 69 – VÍRUS DA HEPATITE B (AMPLIAÇÃO DE 52,880 X) – TRATA-
SE DA CAUSA DA “HEPATITE SÉRICA” OU HEPATITE B. É UM VÍRUS
DE ADN (DE CADEIA DUPLA) COM APROXIMADAMENTE 40
NANÓMETROS DE DIÂMETRO. ATACA O FÍGADO PROVOCANDO A
SUA INFLAMAÇÃO, SINTOMAS SEMELHANTES AO DA GRIPE
SEGUIDOS DE ICTERÍCIA. A INFLAMAÇÃO RESULTA DA RESPOSTA
IMUNITÁRIA AO VÍRUS QUANDO INVADE AS CÉLULAS HEPÁTICAS E
SE REPLICA. O VÍRUS POSSUI UMA CÁPSIDE COM GLICOPROTEÍNAS
SUPERFICIAIS. TRANSMITE-SE ATRAVÉS DE SANGUE INFECTADO,
POR TRANSFUSÕES, TATOAGENS, ACUPUNCTURA E EM SERINGAS
PARTILHADAS POR TOXICODEPENDENTES.

Portas de entrada dos vírus no organismo

O vírus quando penetra no organismo do hospedeiro, irá fazê-lo por uma ou por
várias portas de entrada de que dispõe. Os tegumentos – pele e mucosas –
representam uma superfície extensa (a pele é o maior órgão do organismo) por
onde aqueles agentes podem entrar.

117
FIG 70 – CULEX PIPIENS (AMPLIAÇÃO DE 4X) FÊMEA DE MOSQUITO
(CULEX PIPIENS) COM ANTENA E PROBÓSCIS PROEMINENTES. ESTE
É O VECTOR CONHECIDO DO VÍRUS DO WEST NILE (ARBOVIROSE)

Pele

A pele intacta dos mamíferos constitui uma barreira biológica eficaz contra a
entrada de vírus (a camada de células mortas da epiderme, por exemplo, não é
adequada à sua multiplicação). No entanto todo o tipo de feridas ou
escoriações podem possibilitar a entrada desses agentes (herpesvírus, vírus
da hepatite B e vírus dos papilomas, por exemplo). No caso em que existem
insectos vectores implicados na transmissão de vírus, o ciclo da doença é, em
regra, complexo. Na febre-amarela, tal como no dengue, existe um ciclo de
transmissão permanente entre humanos e mosquitos infectados. Estes vírus
multiplicam-se no intestino de mosquitos infectados, cumprindo primeiro um
período de incubação intrínseco, espalhando-se depois pelas glândulas
salivares daqueles, daí sendo inoculados ao indivíduo através da picada.

118
Via respiratória

A infecção que se processa através da via respiratória dá-se por meio de


aerossóis, secreções nasais ou pela saliva. A formação de aerossóis,
habitualmente ocorre pela acção de espirros, da tosse ou até por via do
simples acto de falar. Quando inalados por indivíduos susceptíveis, levam a que
os mesmos contraiam a infecção.
A entrada de vírus nas vias respiratórias requer, em relação às fossas nasais,
que aqueles agentes infecciosos consigam ultrapassar um conjunto importante
de defesas do hospedeiro (células ciliadas).
Factores relacionados com variações físicas do ambiente, como a temperatura,
humidade, correntes de vento e poluição, parecem ter alguma influência na
transmissão das infecções das vias respiratórias.
Note-se que não só os vírus designados como sendo das vias respiratórias,
penetram por elas, também os que produzem patologia sistémica por aí
penetram (rubéola e sarampo).

Via digestiva

A transmissão de certos vírus pelo aparelho gastrointestinal tem lugar quando


esses mesmos vírus contaminam alimentos ou água, utilizados para consumo.
Esta contaminação faz-se a partir de fezes de indivíduos que eliminam vírus,
as quais podem conspurcar, não só produtos hortícolas (legumes de saladas),
como frutas e água.
Populações nas quais as regras de higiene individual e colectiva são
deficientes, correm riscos acrescidos de contraírem este tipo de infecções,
sobretudo na infância.
A maioria dos vírus que se transmitem deste modo são chamados vírus
entéricos, por terem no intestino um local de passagem e/ou multiplicação.
Aqui se incluem muito picornavírus (coxsackievirus, echovírus, poliovírus e o da
hepatite A).

Via sexual

Diversos vírus podem transmitir-se por via sexual, tanto por comportamentos
homossexuais como heterosexuais. São exemplo, o herpesvírus simplex, mais

119
frequentemente o tipo 2, o vírus da hepatite B, os vírus da Imunodeficiência
Humana Adquirida 1 e 2 (HIV), citomegalovírus e diversos papilomavírus (HPV)
genitais, nomeadamente os tipos 6, 11, 16 e 18.
Tem-se verificado que nas últimas décadas, as infecções víricas de
transmissão sexual tem aumentado, exponencialmente, em todos os países do
mundo. Herpesvírus e papilomavírus são os agentes que mais se têm difundido,
além do HIV (Fig. 71).

Via conjuntival

Alguns vírus podem causar doença localizada ao nível do globo ocular,


utilizando como porta de entrada a mucosa conjuntival. Outros podem utilizar
esta via como local de excreção ou de eliminação para o exterior.
Desde a década de 60 do século XX que têm vindo a ser registados vários
surtos epidémicos de conjuntivite hemorrágica que se tornam pandémicos em
África, Sudoeste Asiático e EUA, produzidos por um enterovírus, designado
de enterovírus 70.
De há muito conhecida é a queratoconjuntivite herpética, uma lesão grave da
córnea e da conjuntiva ocular, produzida por inoculação local de herpesvírus
simplex.
Indivíduos sofrendo de herpes labial ou nasal podem, inadvertidamente,
inocular o vírus através das mãos conspurcadas, dando origem a lesões
ulcerativas da córnea ou de queratite dendrítica, lesões que se tornam
recorrentes levando à cegueira, por via das cicatrizes que progressivamente
vão opacificando a córnea. Nalguns países desenvolvidos, como nos EUA, a
segunda causa de cegueira, por lesão da córnea, tem origem nesta infecção por
hervesvírus.
A conjuntivite (acompanhada de fotofobia), provocada pelo vírus do sarampo,
que se detecta durante a fase aguda da doença, não se deve à entrada do vírus
na conjuntiva, a partir do exterior, mas sim à sua difusão pelo organismo,
inclusive pela conjuntiva, durante o período de virémia.

120
FIG 71 – DISTRIBUIÇÃO DO HIV/SIDA EM ADULTOS POR
CONTINENTE OU REGIÃO – ESTE MAPA MOSTRA-NOS DADOS DE
1997 FORNECIDOS NUM RELATÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS. DE
ACORDO COM ESTIMATIVAS EFECTUADAS NO ANO 2000 O NÚMERO
TOTAL DE CASOS JÁ SE ENCONTRAVA NOS 30 MILHÕES.

12. O CICLO VIRAL

O ciclo infeccioso inclui diversas fases distintas. A primeira interacção do


vírus com a célula é a adsorção à membrana, a que se segue a penetração na
célula. A seguir durante algum tempo já não se consegue detectar vírus
infeccioso no interior da célula. Esta fase é designada como eclipse viral e
corresponde ao período em que se sintetizam os componentes, enzimas, ácido
nucleico e proteínas, necessários à formação de novas partículas virais, por
montagem dos seus componentes. A partir do momento em que se começam a
detectar novos vírus, entra-se na fase de maturação, com produção
exponencial de novos vírus, que vão ser libertados na fase final, de extrusão.
Estas duas últimas fases em muitos vírus, podem ser sobrepostas, sendo os
novos vírus libertados à medida que se formam. A duração do ciclo lítico, isto
é, de morte celular é variável conforme os vírus, podem ser de 6 até 48 horas
ou mais.
Este ciclo que resulta na produção de novos vírus e na morte da célula, é o
ciclo lítico ou produtivo, que ocorre em células permissivas. Em certos casos,

121
ou porque o genoma viral não tem informação para expressão de todas as
funções necessárias à síntese de novos vírus – caso de vírus chamados
defectivos – ou porque as células são não permissíveis, o ciclo pode ser
abortivo, com algum grau de síntese de materiais virais mas sem produção
final de vírus infeccioso. Noutro tipo de infecção por vírus oncogénicos, dá-se
a transformação (com conversão da célula a um fenótipo próximo do tumoral)
em vez do ciclo lítico. Um último tipo de infecção é a infecção latente, como
nos herpesvírus e alguns retrovírus, em que o genoma viral permanece na célula
por muito tempo, mas sem expressão dos genes necessários à formação de
novos vírus.
Todas estas fases correspondem também, em termos genéricos aos principais
processos de produção de vírus: adsorção, penetração, descapsidação, sínteses
macromoleculares, montagem dos viriões e extrusão ou libertação. A fase de
eclipse corresponde à descapsidação e sínteses macromoleculares e a
montagem corresponde ao que se chamou fase de maturação.

Adsorção – Os vírus adsorvem por ligação de proteínas do virião a receptores


(proteínas ou polissacáridos) da membrana celular.
Penetração – Faz-se por 3 processos distintos. Alguns vírus penetram por
translocação (Fig. 72) da partícula para o citoplasma através da membrana.

FIG 72 – PENETRAÇÃO DIRECTA OU TRANSLOCAÇÃO DE VIRUS NUS.

Outros, como o vírus da gripe fazem-no por fusão (Fig. 72) do invólucro com a
membrana celular.

122
FIG 73 – VÍRUS COM INVÓLUCRO EM FUSÃO COM A MEMBRANA
PLASMÁTICA

Outros ainda são internalizados em endossomas, por endocitose mediada por


receptores (Fig. 74).

FIG 74 – VÍRUS COM INVÓLUCRO A ENTRAR ATRAVÉS DO


FENÓMENO DE ENDOCITOSE

Descapsidação – Denomina-se assim o processo de disrupção total ou parcial


do virião, uma vez no interior da célula, com libertação do ácido nucleico viral.

Fase sintética – É o período em que ocorrem as sínteses de todas as proteínas


virais, sejam enzimáticas, reguladoras ou estruturais (isto é, componentes do
virião) e a replicação do genoma viral.

Montagem e extrusão – Na maioria dos vírus, os componentes do virião,


recém-sintetizados, são montados como partículas, de forma mais ou menos
complexa, no local de replicação, seja o núcleo, seja o citoplasma

123
13. PATOGENIA DA INFECÇÃO VIRAL

Como temos verificado, os vírus tem a particularidade de serem, sempre,


parasitas obrigatórios das células que infectam, não podendo nelas replicar,
se não tiverem ao seu dispor células permissivas. Para que possa porém, nelas
penetrar, deverão as células possuir receptores específicos devendo dispor,
igualmente, no seu interior de sites ou “locais” onde a multiplicação possa
ocorrer, isto é, deve existir maquinaria celular adequada à biossíntese que irá
ter lugar.
Os receptores virais que a célula expressa podem ser de vária índole. Certos
fagos, por exemplo necessitam que a bactéria que irão parasitar possua à sua
superfície determinados lipopolissacáridos; outros, certas proteínas; e ainda
outros que exista ao seu dispor ácido teicoico.

Interacção vírus-célula

A interacção de um qualquer vírus com uma célula, ou interacção vírus-célula,


não se processa da mesma maneira relativamente a todos os vírus nem, tão-
pouco, as células respondem, todas elas, do mesmo modo à agressão viral. Isto
é, a natureza da infecção é determinada pelas características dos vírus e das
células. É possível descrever, pelo menos, três mecanismos de interacção do
vírus com a célula:

1º Mecanismo: Infectar células e nelas replicar, provocando-lhes lise,


aquando da libertação dos viriões;

2º Mecanismo: Infectar células, sem completar o seu ciclo de replicação;

3º Mecanismo: Infectar as células e aí persistir, por períodos mais ou menos


longos, alterando-as ou transformando-as, em alguns casos profundamente.

1º Mecanismo ou infecção produtiva

No primeiro tipo de mecanismo acima referido, estamos em presença de uma


infecção produtiva, com um ciclo lítico (anteriormente referido), o qual tem

124
lugar nas células permissivas. Nestas podem surgir alterações visíveis,
designadas de Citopáticas ou de Efeito Citopatogénico (ECP). Este fenómeno
traduz-se pelo aparecimento mais ou menos marcado, de lesões susceptíveis de
serem observadas microscópicamente. Entre tais modificações podem
encontrar-se os chamados corpos de inclusão, bem como outras alterações
celulares provocadas pela replicação dos vírus.

2º Mecanismo ou infecção abortiva

No segundo tipo de infecção acima referido, isto é, naquele em que os vírus


não completam o ciclo de replicação, a infecção é designada de abortiva ou não
produtiva.
Diversos mecanismos podem conduzir a isso, como sejam, infecções com vírus
que são ou se tornaram defectivos, com vírus que sofreram mutações, com
vírus que sofreram interferência com outros já presentes no momento da
segunda infecção viral ter lugar, ou ainda porque se desencadearam
mecanismos de defesa celular, como é o caso da acção de interferões ou de
outras citoquinas ou, até, porque houve acção de complexos processos de
defesa hormonal, postos em marcha pelo próprio hospedeiro.
Podemos resumidamente dizer, nestes casos, o “encontro” vírus-célula, ou até
num sentido mais lato, vírus-hospedeiro, não progrediu: ou por ausência de
receptores adequados – não sendo a infecção iniciada – ou porque esta ficou,
por outras razões bloqueada.

3º Mecanismo ou infecção persistente

Neste tipo de infecção, o vírus infecta a célula, mantendo-se


persistentemente no seu interior, por períodos mais ou menos longos, por
vezes toda a vida no hospedeiro.
Nalgumas situações o ácido núcleico viral liberta-se no interior da célula e
integra-se no seu património genético, multiplicando-se, neste caso
juntamente com o ADN celular. O “ácido núcleico estranho”, presente na célula
hospedeira, pode então promover a transformação celular, levando aquela a
adquirir características de malignidade que anteriormente não possuía.

125
Transformação celular

Existem na Natureza diversas causas que submetem as células a um


crescimento desordenado e acelerado, levando à formação de tumores. De
entre os mais relevantes contam-se sem dúvida alguma, os vírus. Estima-se que
cerca de 15% dos tumores humanos tenham nos vírus as suas origens. Estes
designados por vírus oncogénicos, produzem alterações a nível do
comportamento celular, designadas por transformação celular, as quais
afastam a célula das características de normalidade que, primitivamente,
possuíam. O principal mecanismo conducente a tal fenómeno assenta na
inquisição, por parte da célula, de nova informação genética, mesmo que
limitada.
Consideram-se geralmente dois padrões que conduzem à referida
transformação:

- o vírus introduz na célula um gene transformante, que é novo


ou
- o vírus induz ou altera a expressão de um gene celular (pré-existente).

Entre as características que a célula transformada/imortalizada adquire, e


que a fazem distinguir de uma célula normal, destacam-se as seguintes:

1) Perda de controlo do crescimento ou da inibição de contacto;


2) Alta densidade de saturação;
3) Aumento indefinido do número de divisões celulares;
4) Alteração de morfologia;
5) Redução da necessidade de factores de crescimento presentes no soro;
6) Capacidade para expressar novos antigénios;
7) Presença frequente de antigénios fetais;
8) Ausência de fibronectinas;
9) Indução de tumores em animais de experiências;
10)Alteração na aglutinabilidade por lectinas de plantas.

126
FAMILIA VÍRUS TIPOS DE CANCRO

Carcinoma da nasofaringe
Vírus de Epstein-Barr Linfoma de Burkitt
Linfoma de células B
Herpesviridae Herpesvírus humano Sarcoma de Kaposi (?)
tipo 8 (HHV8)
Herpesvírus simplex Como co-factor do carcinoma do
tipo 2 (HSV2) colo do útero (?)
Hepadnaviridae Vírus da hepatite B Carcinoma primário hepatocelular
Flaviviridae Vírus da hepatite C Carcinoma primário hepatocelular
Papilomavírus humano:
HPV – 16 Tumores genitais (cervical, vulvar e
cancro do pénis)
Papovaviridae HPV – 18 Carcinoma de células escamosas
HPV – 13 Hiperplasia focal
HPV – 31 Displasia cervical
Retroviridae HTLV – 1 Leucemia de células T do adulto
HTLV – 2

QUADRO 23 – VÍRUS E CANCROS HUMANOS

Pelo que se disse e muito que ficou por dizer, podemos concluir que a
oncogénese é um processo complexo que tem lugar em várias etapas e que pode
ser iniciado por vários factores, funcionando um deles como factor
desencadeante. Este poderá ser de natureza química (produto carcinogénico)
ou poderá, como vimos, ser viral. Muitos produtos químicos que nos rodeiam
são carcinogénicos, podendo causar cancros. Estima-se que entre 30 e 60%
das neoplasias malignas tenham a sua origem em produtos químicos utilizados
na nossa alimentação. Supõe-se que muitos deles induzam mutações de genes
ou interfiram com a normal diferenciação da célula. Estima-se que 20% de
todos os casos de tumores humanos estejam associados com um dos cinco vírus
conhecidos como agentes de cancro ou como co-factores dos mesmos (Fig. 74).

127
FIG 75 – VÍRUS DE EPSTEIN BARR (AO MICROSCÓPIO
ELECTRÓNICO), MEMBRO DA FAMÍLIA HERPESVIRIDAE É O AGENTE
ETIOLÓGICO DA MONONUCLEOSE INFECCIOSA, TAMBÉM
CONHECIDA POR DOENÇA DO BEIJO. CONTUDO ESTE VÍRUS MUITO
COMUM EM HUMANOS, ESTÁ ASSOCIADO COM O LINFOMA DE
BURKITT NA ÁFRICA TROPICAL E COM O CARCINOMA
NASOFARINGEAL NO SUDOESTE ASIÁTICO, NO OESTE E ESTE DE
ÁFRICA E NOS ESQUIMÓS (VÍRUS CANCERÍGENO).

Os genes causadores de cancros. Designados por oncogenes, desempenham um


papel relevante no desenvolvimento deste processo. Podem ter origem na
própria célula, proto-oncogenes ou podem ter, como já referimos uma origem
viral.

14. CLASSIFICAÇÃO E TAXONOMIA

A classificação dos vírus constitui um caso à parte e difícil da sistemática. Um


critério básico da noção de espécie é o reprodutivo, considerando-se espécie
um grupo de populações naturais que se reproduzem entre si e isoladamente de

128
outras espécies, e com um “pool” genético intercambiável. Este critério,
obviamente, não se pode aplicar aos vírus, que não se reproduzem.
Também o critério de unidade evolutiva é de difícil aplicação, por não se poder
estabelecer relações e distâncias evolutivas globalmente coerentes, entre a
maior parte dos vírus.
É também difícil hierarquizar as características distintivas dos vírus.
Por todas estas dificuldades os vírus foram classificados durante muitos anos
apenas em grupos e tipos, com alguma arbitrariedade. A evolução dos
conhecimentos, em particular sobre a biologia molecular dos vírus, permitiu
adoptar uma classificação próxima da sistemática tradicional, com definição
de géneros e espécies e seu agrupamento em famílias, contudo sem
agrupamentos superiores (ordens ou classes (com uma excepção).
Os critérios principais usados na classificação dos vírus são:
a) – Tipo e estrutura do genoma: ADN ou ARN; se ADN, linear ou
circular, de cadeia simples ou dupla; se ARN, de cadeia dupla ou
cadeia simples e, neste caso, com sequência idêntica à do ARNm
viral (ARN de sentido positivo) ou complementar (ARN de sentido
negativo), ou ainda dividido ou não por mais de uma molécula de
ARN (genoma segmentado).
b) – Estrutura: icosaédrica, helicoidal ou mista, e, em cada caso, com
ou sem invólucro.
c) – Tipo de hospedeiro: vertebrados, invertebrados, plantas,
fungos, bactérias.
Estes grandes critérios, no essencial servem para definir as famílias,
designadas por termos terminados com o sufixo viridae (retroviridae,
herpesviridae, etc.). Os géneros por seu lado são designados por termos
terminados em vírus.
A classificação oficial mais recente abrange mais de 3600 vírus, classificando-
os em 75 famílias.

129

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