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CAPÍTULO V – OS VÍRUS
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A descoberta destes organismos remonta a mais de um século. Em 1898, o
microbiólogo holandês Beijerinck (Fig. 45) demonstrou que o agente infeccioso
responsável pelo mosaico-do-tabaco tinha um tamanho inferior ao de todas as
bactérias conhecidas e parecia comportar-se como uma molécula. Seria preciso
esperar por 1932, ano da construção do microscópio electrónico, para observar
aquela nova entidade. As primeiras fotografias foram publicadas em 1939. O
vírus do mosaico-do-tabaco aparece aí sob a forma de bastonete de 300 nm de
comprimento.
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decifrarem sozinhos., recorrendo a um hospedeiro para o fazer. Eis porque os
vírus são parasitas obrigatórios.
Quer infectem uma célula animal, quer vegetal, a sua replicação desenvolve-se
sempre em 3 fases: injecção do material genético, multiplicação e libertação.
O vírus começa por se fixar à célula hospedeira antes de injectar o material
genético, seja perfurando a membrana celular, seja pela fusão do seu invólucro
com esta. Uma vez chegado ao interior, as proteínas da sua cápside dissociam-
se do material genético viral, o qual será replicado. De seguida, as proteínas da
célula, não distinguido o património genético do vírus do da célula, traduzem o
genoma do vírus e sintetizam as proteínas virais e reúnem-nas para formar
novos vírus. A sua libertação faz-se por rebentamento da célula hospedeira ou
por fusão de bolhas contendo os vírus com a membrana das células. É
modificando o programa genético das células, ou eliminando-o, que os vírus
provocam doenças. Uma vez multiplicados e libertos, os vírus vão infectar
outras células, perpetuando assim o ciclo. Podem ainda atingir outro organismo
através das vias respiratórias, por meio gastrointestinal ou sexual.
Já foram identificadas alguns milhares de espécies de vírus. Os cientistas
estabeleceram uma classificação que assenta em dois critérios: natureza do
material genético e morfologia da partícula viral. Assim distinguem-se os vírus
que possuem ADN dos que contêm ARN; cada um destes dois grandes grupos
subdivide-se em dois, dependendo do material genético viral ter uma ou duas
cadeias.
O segundo tipo de distinção, de ordem morfológica, permite classificar os
vírus em famílias. Opõem-se os vírus de invólucro (por exemplo os da gripe e
da SIDA) – que geralmente têm a forma de uma esfera, embora possam
adquirir outro aspecto – aos vírus nus. Estes devem a sua forma à cápside:
construída a partir de várias proteínas reunidas simetricamente em hélice ou
em icosaedro, constitui a maior parte do virião. Os vírus helicoidais, nos quais
o genoma se enrola em volta da cápside, têm a forma de um bastonete
(mosaico-do-tabaco, Fig. 46) ou o aspecto de um longo filamento (o vírus que
infecta a batata). As cápsides icosaédricas fornecem aos viriões o aspecto de
pequenos cristais: é o caso das partículas virais do rinovírus responsável pela
bronquite. Uma outra estrutura complexa é ilustrada por certos
bacteriófagos, os vírus que parasitam as bactérias: são dotados de uma cabeça
(a cápside que contém o material genético) e de uma cauda (um pequeno tubo
oco que permite ao vírus injectar o seu ADN no interior da bactéria).
É com estruturas tão simples que os vírus roçam as fronteiras da vida. Ainda
mais perto deste limite encontram-se os viróides, constituídos por uma única
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cadeia de ARN. Os priões – presumíveis agentes infecciosos de certas
encefalopatias espongiformes – desafiam a ciência: nunca sabemos se estas
proteínas anormais podem, por si sós, veicular informação biológica
2. CARACTERÍSTICAS GERAIS
Desde 1892 até hoje muitas têm sido as definições apresentadas para os
vírus. Contudo, esta parece-nos ser actualizada e consistente; foi desenhada
por Salvador Luria e diz que podemos definir vírus como entidades
potencialmente patogénicas cujos genomas são ácidos nucleicos que se
replicam no interior de células vivas, usando a maquinaria sintética
celular, e que causam a síntese de partículas que podem transferir o
genoma para outras células.
Esta definição realça as duas propriedades essenciais dos vírus:
Os vírus não têm metabolismo, não produzem energia, não crescem e não se
dividem. Nos casos mais simples limitam-se a fornecer à célula infectada a
informação genética a ser expressa pelo equipamento celular e à custa de
energia obtida pela célula. Assim é problemático considerar os vírus como
organismos, no sentido clássico do termo, zoológico, botânico ou mesmo
microbiológico.
Existem inclusivamente algumas ambiguidades. Por exemplo, os plasmídeos têm
replicação autónoma, codificam proteínas e são transmissíveis. Mas, ao
contrário dos vírus, não evoluíram autonomamente para a capacidade de
formar partículas que lhe garantam estabilidade no meio extra-celular, uma
característica única dos vírus.
Os viróides são agentes patogénicos de plantas, constituídos apenas por uma
molécula de ARN de cadeia simples, mas extensamente emparelhada entre si,
em cadeia dupla, desprovida de genes, e que não é encapsidada em partícula
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viral. Pelo contrário, os agentes das encefalopatias espongiformes
transmissíveis (o “scrapie” das ovelhas, a doença humana de Creutzfeldt-
Jakob, a encefalopatia espongiforme bovina – Fig. 47 - ou a doença das vacas
loucas) parecem ser desprovidos de ácido núcleico, sendo constituídos apenas
por uma proteína celular mutada, formando partículas ou agregados
infecciosos denominados priões.
Existem pelo menos três teorias para explicar a origem dos vírus; uma matéria
aliás que como seria de esperar tem gerado e continua a gerar imensa
polémica.
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1ª Teoria – Evolução regressiva: os vírus são formas vivas degenerativas que
perderam a maioria das funções que os outros organismos possuem e apenas
retiveram a informação genética, essencial para a sua forma de vida
parasitária;
2ª Teoria – Origens celulares: os vírus são sub-celulares, ajuntamentos
funcionais de macromoléculas que escaparam às suas origens no interior das
células;
3ª Teoria – Entidades independentes: os vírus evoluíram paralelamente aos
organismos celulares a partir da molécula de auto-replicação que se pensa ter
existido no mundo pré-biótico – o mundo do ARN.
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FIG. 48 – AS VÁRIAS FORMAS QUE OS VÍRUS PODEM TOMAR
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Vírus com ADN e ARN
Retrovírus
Nem todo vírus de ARN é classificado como retrovírus, somente aqueles que
usam o ARN como molde para síntese de ADN. Em 1980 foi isolado o primeiro
retrovírus na espécie humana: o HTLV-1 - um retrovírus que infecta linfócitos
T e causa um tipo de leucemia (cancro do sangue). Dois anos mais tarde, foi
descoberto outro retrovírus, o HTLV-2, que causa outro tipo de leucemia. Em
1981 foi diagnosticado o primeiro caso de SIDA e somente em 1983 conseguiu-
se provar que essa síndroma é causada por um novo tipo de retrovírus, que
recebeu o nome de Vírus da Imunodeficiência Humana ou HIV .
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5. MORFOLOGIA DOS VÍRUS
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final. As excepções a estes dois tipos de estrutura são os viriões complexos
dos poxvírus (Fig. 51) e a estrutura mista de muitos bacteriófagos (Fig. 51),
isto é, vírus de bactérias, com uma cabeça icosaédrica e uma cauda helicoidal,
por onde penetra na célula o ADN viral.
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FIG. 52 – ESTRUTURA DO BACTERIÓFAGO T4
6. ESPECIFICIDADE
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rubéola, etc.), vírus pneumotrópicos (gripe, resfriado, etc.) vírus neurotrópicos
(raiva, poliomielite, encefalites, etc.), vírus hepatotrópicos (febre-amarela,
hepatite) e vírus linfo e glandulotrópicos (papeira, linfogranuloma inguinal).
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Após a inoculação, procede-se à selagem com gelatina, do orifício feito com
estilete e incuba-se o ovo. Os vírus podem reproduzir-se apenas nalgumas
zonas, daí que devam ser injectados na zona certa. Por exemplo alguns deles
crescem bem na membrana córionalantóide enquanto outras crescem melhor na
cavidade alantóide. A infecção pode produzir um dano tissular a que se dá o
nome de pústula (e que é típico na varíola, por exemplo). Esta aparição é muito
característica dos vírus.
Mais recentemente os vírus têm sido cultivados em culturas de tecidos de
células animais. Esta técnica só é possível graças à combinação do
desenvolvimento do meio de crescimento para células animais com a
administração de antibióticos susceptíveis de prevenir a contaminação
bacteriana e fúngica.
Através de uma técnica especial é possível formarem-se áreas específicas de
destruição celular e lise a que se chamam placas (ou manchas) (Fig. 54 e 55).
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FIG. 55 – PLACAS VIRAIS FORMADAS NA LINHA CELULAR FRHK-4,
CORADA COM CRISTAL DE VIOLETA – A PARTIR DA ESQUERDA:
CULTURA UNINOCULADA; PLACAS DE POLIOVÍRUS DEPOIS DE 5
DIAS DE INCUBAÇÃO A 37°C; PLACAS DE VÍRUS DA HEPATITE A
APÓS 16 DIAS DE INCUBAÇÃO A 37°C.
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Purificação de vírus
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FIG. 57 – VIRUS DA INFLUENZA A (AMPLIAÇÃO: 31,710 X) – VÍRUS
DE ARN, DA FAMÍLIA ORTHOMYXOVIRIDAE, RESPONSÁVEL PELA
INFECÇÃO HUMANA VULGARMENTE CONHECIDA POR GRIPE.
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serológicos (caso das ELISA’s para aumentar a reprodutibilidade, a
sensibilidade e a especificidade).
9. BIOLOGIA MOLECULAR
Hibridização
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10. INFECÇÕES VIRAIS: INTRODUÇÃO
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FIG. 60 – A PAPEIRA É GERALMENTE PRECEDIDA POR UM CONJUNTO
DE SINTOMAS, NOMEADAMENTE, FEBRE BAIXA, MAL-ESTAR E
MIALGIA. A PAROTIDITE (PROVOCADA PELO VÍRUS DA PAROTIDITE),
QUANDO SE DESENVOLVE, OCORRE USUALMENTE NAS 24 H
SEGUINTES, MAS PODE RETARDAR-SE ATÉ UMA SEMANA.
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FIGURAS 62 E 63 – A VARICELA. TRATA-SE DE UMA DOENÇA
ALTAMENTE CONTAGIOSA ESPECIALMENTE EM CRIANÇAS ENTRE OS
2 E OS 7 ANOS. O AGENTE QUE CAUSA A DOENÇA É O VÍRUS
VARICELLA-ZOOSTER, MEMBRO DA FAMÍLIA HERPESVIRIDAE QUE
SE ADQUIRE ATRAVÉS DA INALAÇÃO DE GOTÍCULAS PARA O
SISTEMA RESPIRATÓRIO. APÓS UM PERÍODO DE INCUBAÇÃO DE 10
A 23 DIAS SURGEM PEQUENAS VESÍCULAS QUE ENCHEM A FACE E A
PARTE SUPERIOR DO TRONCO, CHEIS DE PÛS, QUE DEPOIS
REBENTAM E SE COBREM COM UMA CROSTA. A CURA DAS
VESÍCULAS DURA CERCA DE 10 DIAS. DURANTE ESTA FASE O
DOENTE SENTE MUITA COMICHÃO. O TRATAMENTO FAZ-SE COM
ACICLOVIR.
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salas de aulas, creches e infantários. Para que se propaguem apenas será
necessária uma criança infectada.
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FIG 66 – CICLO DE UM VÍRUS QUE INFECTA UMA CÉLULA HUMANA –
ESTA É OBRIGADA A FABRICAR INÚMEROS VÍRUS, QUE SE
LIBERTAM QUANDO A CÉLULA SE ROMPE.
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da história da medicina combateram as doenças virais: a varíola (Fig. 67), em
1796, e a raiva, em 1885.
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crianças com menos de um ano, posteriormente as com menos de 5 anos e
finalmente todas as crianças, sem excepção, a fim de quebrar a cadeia de
transmissão do vírus. Actualmente, esta transmissão está circunscrita ao
subcontinente indiano e á África subsariana, nomeadamente aos países em
guerra (Somália, Sudão…).
A duração da imunidade varia de um vírus para outro: a vacina contra a febre-
amarela confere uma imunidade de 10 anos, enquanto que a vacina anti-gripal
deve ser renovada todos os anos. Continuam as pesquisas para uma vacina
contra a sida, a hepatite C e também contra os papilomavírus, subgrupo de
vírus a que pertencem agentes implicados no cancro do colo do útero.
A capacidade de sobrevivência dos vírus depende – tal como aliás se passa com
outros microorganismos – da existência de diversos elos da cadeia
epidemiológica em que eles, com outros elementos, participam.
Podemos todavia dizer, e em concordância com D. Beytout (1988), que o
desenvolvimento de uma infecção viral, numa população, implica a existência
de:
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podem manter durante semanas, por vezes meses, em águas de esgotos, ou em
águas poluídas por dejectos humanos. Vírus frágeis perante o meio ambiente,
sensíveis nomeadamente à temperatura e aos agentes químicos, são os
herpesvírus, vírus da gripe, vírus do sarampo, arbovírus, além de muitos
outros. Todos estes vírus são possuidores de invólucro.
Muitos vírus possuem também a capacidade de alterar a sua estrutura, mesmo
no interior do indivíduo que infectam, seleccionando variantes de diversa
especificidade antigénica, produzindo mutantes, arranjando, em suma,
estratégias que lhes permitam evitar a resposta imunitária do hospedeiro e,
assim, conseguir renovar as suas potencialidades infecciosas. São hoje bem
conhecidas as consideráveis variações produzidas ao longo do tempo no
invólucro glicoproteíco do vírus da imunodeficiência humana (HIV) – Fig. 68 –
nos indivíduos infectados.
No que respeita ao modo de transmissão dos vírus, pode dizer-se que ele
está intimamente relacionado com as suas vias de eliminação a partir do
hospedeiro infectado.
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Então como é que os vírus podem ser eliminados?
1º - Via cutâneo-mucosa (pele e mucosas da boca e dos órgãos genitais,
incluindo exsudados), por via aérea ou respiratória, fecal, através da urina,
pelo leite materno, através do sangue (golpes ou escoriações da pele ou das
mucosas com sangramento, transfusões), através da placenta;
2º - De mãe infectada para filho, a chamada transmissão vertical – e, em
situações raras muito especiais de canibalismo, tanto humano, como animal.
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FIG 69 – VÍRUS DA HEPATITE B (AMPLIAÇÃO DE 52,880 X) – TRATA-
SE DA CAUSA DA “HEPATITE SÉRICA” OU HEPATITE B. É UM VÍRUS
DE ADN (DE CADEIA DUPLA) COM APROXIMADAMENTE 40
NANÓMETROS DE DIÂMETRO. ATACA O FÍGADO PROVOCANDO A
SUA INFLAMAÇÃO, SINTOMAS SEMELHANTES AO DA GRIPE
SEGUIDOS DE ICTERÍCIA. A INFLAMAÇÃO RESULTA DA RESPOSTA
IMUNITÁRIA AO VÍRUS QUANDO INVADE AS CÉLULAS HEPÁTICAS E
SE REPLICA. O VÍRUS POSSUI UMA CÁPSIDE COM GLICOPROTEÍNAS
SUPERFICIAIS. TRANSMITE-SE ATRAVÉS DE SANGUE INFECTADO,
POR TRANSFUSÕES, TATOAGENS, ACUPUNCTURA E EM SERINGAS
PARTILHADAS POR TOXICODEPENDENTES.
O vírus quando penetra no organismo do hospedeiro, irá fazê-lo por uma ou por
várias portas de entrada de que dispõe. Os tegumentos – pele e mucosas –
representam uma superfície extensa (a pele é o maior órgão do organismo) por
onde aqueles agentes podem entrar.
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FIG 70 – CULEX PIPIENS (AMPLIAÇÃO DE 4X) FÊMEA DE MOSQUITO
(CULEX PIPIENS) COM ANTENA E PROBÓSCIS PROEMINENTES. ESTE
É O VECTOR CONHECIDO DO VÍRUS DO WEST NILE (ARBOVIROSE)
Pele
A pele intacta dos mamíferos constitui uma barreira biológica eficaz contra a
entrada de vírus (a camada de células mortas da epiderme, por exemplo, não é
adequada à sua multiplicação). No entanto todo o tipo de feridas ou
escoriações podem possibilitar a entrada desses agentes (herpesvírus, vírus
da hepatite B e vírus dos papilomas, por exemplo). No caso em que existem
insectos vectores implicados na transmissão de vírus, o ciclo da doença é, em
regra, complexo. Na febre-amarela, tal como no dengue, existe um ciclo de
transmissão permanente entre humanos e mosquitos infectados. Estes vírus
multiplicam-se no intestino de mosquitos infectados, cumprindo primeiro um
período de incubação intrínseco, espalhando-se depois pelas glândulas
salivares daqueles, daí sendo inoculados ao indivíduo através da picada.
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Via respiratória
Via digestiva
Via sexual
Diversos vírus podem transmitir-se por via sexual, tanto por comportamentos
homossexuais como heterosexuais. São exemplo, o herpesvírus simplex, mais
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frequentemente o tipo 2, o vírus da hepatite B, os vírus da Imunodeficiência
Humana Adquirida 1 e 2 (HIV), citomegalovírus e diversos papilomavírus (HPV)
genitais, nomeadamente os tipos 6, 11, 16 e 18.
Tem-se verificado que nas últimas décadas, as infecções víricas de
transmissão sexual tem aumentado, exponencialmente, em todos os países do
mundo. Herpesvírus e papilomavírus são os agentes que mais se têm difundido,
além do HIV (Fig. 71).
Via conjuntival
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FIG 71 – DISTRIBUIÇÃO DO HIV/SIDA EM ADULTOS POR
CONTINENTE OU REGIÃO – ESTE MAPA MOSTRA-NOS DADOS DE
1997 FORNECIDOS NUM RELATÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS. DE
ACORDO COM ESTIMATIVAS EFECTUADAS NO ANO 2000 O NÚMERO
TOTAL DE CASOS JÁ SE ENCONTRAVA NOS 30 MILHÕES.
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ou porque o genoma viral não tem informação para expressão de todas as
funções necessárias à síntese de novos vírus – caso de vírus chamados
defectivos – ou porque as células são não permissíveis, o ciclo pode ser
abortivo, com algum grau de síntese de materiais virais mas sem produção
final de vírus infeccioso. Noutro tipo de infecção por vírus oncogénicos, dá-se
a transformação (com conversão da célula a um fenótipo próximo do tumoral)
em vez do ciclo lítico. Um último tipo de infecção é a infecção latente, como
nos herpesvírus e alguns retrovírus, em que o genoma viral permanece na célula
por muito tempo, mas sem expressão dos genes necessários à formação de
novos vírus.
Todas estas fases correspondem também, em termos genéricos aos principais
processos de produção de vírus: adsorção, penetração, descapsidação, sínteses
macromoleculares, montagem dos viriões e extrusão ou libertação. A fase de
eclipse corresponde à descapsidação e sínteses macromoleculares e a
montagem corresponde ao que se chamou fase de maturação.
Outros, como o vírus da gripe fazem-no por fusão (Fig. 72) do invólucro com a
membrana celular.
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FIG 73 – VÍRUS COM INVÓLUCRO EM FUSÃO COM A MEMBRANA
PLASMÁTICA
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13. PATOGENIA DA INFECÇÃO VIRAL
Interacção vírus-célula
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lugar nas células permissivas. Nestas podem surgir alterações visíveis,
designadas de Citopáticas ou de Efeito Citopatogénico (ECP). Este fenómeno
traduz-se pelo aparecimento mais ou menos marcado, de lesões susceptíveis de
serem observadas microscópicamente. Entre tais modificações podem
encontrar-se os chamados corpos de inclusão, bem como outras alterações
celulares provocadas pela replicação dos vírus.
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Transformação celular
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FAMILIA VÍRUS TIPOS DE CANCRO
Carcinoma da nasofaringe
Vírus de Epstein-Barr Linfoma de Burkitt
Linfoma de células B
Herpesviridae Herpesvírus humano Sarcoma de Kaposi (?)
tipo 8 (HHV8)
Herpesvírus simplex Como co-factor do carcinoma do
tipo 2 (HSV2) colo do útero (?)
Hepadnaviridae Vírus da hepatite B Carcinoma primário hepatocelular
Flaviviridae Vírus da hepatite C Carcinoma primário hepatocelular
Papilomavírus humano:
HPV – 16 Tumores genitais (cervical, vulvar e
cancro do pénis)
Papovaviridae HPV – 18 Carcinoma de células escamosas
HPV – 13 Hiperplasia focal
HPV – 31 Displasia cervical
Retroviridae HTLV – 1 Leucemia de células T do adulto
HTLV – 2
Pelo que se disse e muito que ficou por dizer, podemos concluir que a
oncogénese é um processo complexo que tem lugar em várias etapas e que pode
ser iniciado por vários factores, funcionando um deles como factor
desencadeante. Este poderá ser de natureza química (produto carcinogénico)
ou poderá, como vimos, ser viral. Muitos produtos químicos que nos rodeiam
são carcinogénicos, podendo causar cancros. Estima-se que entre 30 e 60%
das neoplasias malignas tenham a sua origem em produtos químicos utilizados
na nossa alimentação. Supõe-se que muitos deles induzam mutações de genes
ou interfiram com a normal diferenciação da célula. Estima-se que 20% de
todos os casos de tumores humanos estejam associados com um dos cinco vírus
conhecidos como agentes de cancro ou como co-factores dos mesmos (Fig. 74).
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FIG 75 – VÍRUS DE EPSTEIN BARR (AO MICROSCÓPIO
ELECTRÓNICO), MEMBRO DA FAMÍLIA HERPESVIRIDAE É O AGENTE
ETIOLÓGICO DA MONONUCLEOSE INFECCIOSA, TAMBÉM
CONHECIDA POR DOENÇA DO BEIJO. CONTUDO ESTE VÍRUS MUITO
COMUM EM HUMANOS, ESTÁ ASSOCIADO COM O LINFOMA DE
BURKITT NA ÁFRICA TROPICAL E COM O CARCINOMA
NASOFARINGEAL NO SUDOESTE ASIÁTICO, NO OESTE E ESTE DE
ÁFRICA E NOS ESQUIMÓS (VÍRUS CANCERÍGENO).
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outras espécies, e com um “pool” genético intercambiável. Este critério,
obviamente, não se pode aplicar aos vírus, que não se reproduzem.
Também o critério de unidade evolutiva é de difícil aplicação, por não se poder
estabelecer relações e distâncias evolutivas globalmente coerentes, entre a
maior parte dos vírus.
É também difícil hierarquizar as características distintivas dos vírus.
Por todas estas dificuldades os vírus foram classificados durante muitos anos
apenas em grupos e tipos, com alguma arbitrariedade. A evolução dos
conhecimentos, em particular sobre a biologia molecular dos vírus, permitiu
adoptar uma classificação próxima da sistemática tradicional, com definição
de géneros e espécies e seu agrupamento em famílias, contudo sem
agrupamentos superiores (ordens ou classes (com uma excepção).
Os critérios principais usados na classificação dos vírus são:
a) – Tipo e estrutura do genoma: ADN ou ARN; se ADN, linear ou
circular, de cadeia simples ou dupla; se ARN, de cadeia dupla ou
cadeia simples e, neste caso, com sequência idêntica à do ARNm
viral (ARN de sentido positivo) ou complementar (ARN de sentido
negativo), ou ainda dividido ou não por mais de uma molécula de
ARN (genoma segmentado).
b) – Estrutura: icosaédrica, helicoidal ou mista, e, em cada caso, com
ou sem invólucro.
c) – Tipo de hospedeiro: vertebrados, invertebrados, plantas,
fungos, bactérias.
Estes grandes critérios, no essencial servem para definir as famílias,
designadas por termos terminados com o sufixo viridae (retroviridae,
herpesviridae, etc.). Os géneros por seu lado são designados por termos
terminados em vírus.
A classificação oficial mais recente abrange mais de 3600 vírus, classificando-
os em 75 famílias.
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