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COMENTÁRIO À PROPOSTA DO GOVERNO DE REGIME JURÍDICO

DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

http://jvcosta.planetaclix.pt/artigos/jfg10.html

texto – conceitos com que concordo;


texto – conceitos dúbios, desnecessários
texto – conceitos que concordo desde que #####
texto – conceitos que discordo TOTALMENTE E SEMPRE
texto – palha de enchimento

O texto recentemente divulgado pelo Governo é demasiado longo, detalhado e


desequilibrado para assumir o estatuto de uma lei aprovada na Assembleia da República.
Deveria ser aprovada uma lei enunciando os princípios básicos e as normas gerais que fosse
depois desenvolvida em instrumentos legais de mais baixo nível que fossem susceptíveis de
alteração ou afinação à medida que isso se mostrasse necessário. Esta proposta contém
normas que surgem claramente de necessidades circunstanciais (casos de polícia em
algumas instituições privadas que usam o título de universidade) ou de lobby específico de
certas instituições mais próximas do poder. O sistema português de educação superior
merece um enquadramento mais geral e mais focado no desenvolvimento da qualidade e no
serviço ao país.

O grande mérito desta proposta que podemos dar já por adquirido, independentemente das
alterações que venha a sofrer ao longo da tramitação parlamentar, é o fim dos órgãos
multitudinários saídos da conjuntura pós revolucionária de 1976 que não puderam ser
ultrapassados em mais de 30 anos. O governo das instituições de educação superior será
entregue a órgãos unipessoais e a colectivos mais pequenos onde a responsabilização
individual será explícita e o envolvimento pessoal melhor compensado pelos resultados
alcançáveis. Certamente, surgirão críticas de saudosistas da suposta democracia do modelo
actual, mas democracia não é. É certamente auto-gestão, mas isso é outra coisa desde que
os barões ingleses se juntaram em Westminster para decidir como o rei João os poderia
tributar. Num sentido inverso e contra as tendências europeias, o último governo PP espanhol
adoptou em 2001 um sistema de eleição do reitor por sufrágio universal para suprir a
distorção política que julgava ver nas tendências políticas dos eleitos em colégio dominado
pelos docentes. O resultado foi a ampliação desta eventual distorção e a politização da
eleição.

A diferenciação entre educação universitária e educação politécnica parece estar a ganhar


terreno na opinião pública e poderá ter efeitos muito positivos no país se forem criados
novos instrumentos indutores desta diferenciação, o que nunca foi feito no quarto de século
de instalação dos institutos politécnicos.

Pela primeira vez é assumida a necessidade de criar um enquadramento comum para todas
as instituições, independentemente de serem ou não propriedade do estado. Contudo, não
são ainda tiradas todas as consequências do facto de as instituições terem o mesmo fim de
servirem a população carente de educação superior.

A autonomia das instituições académicas é um preceito constitucional que deve ser


entendido como exigência da natureza própria destas instituições e dos seus fins e não como
um privilégio dos seus membros. Neste quadro, deve ser clarificado o seu conteúdo que
implicará todas as instituições, independentemente da propriedade. Outra coisa, são os
direitos e obrigações da entidade proprietária e a forma como o estado resolva o problema
da presença do interesse público nas instituições de que é proprietário.

Esta proposta adopta a perspectiva popular em Portugal de que as instituições (estaduais)


devem ter a capacidade para desenvolverem modelos de governação muito diversos. É uma
posição curiosa que resulta mais da dificuldade de obter um consenso para um novo modelo
de governação do que dos méritos próprios dessa diversidade. De facto, são muito raros no
mundo os exemplos onde universidades saíram da administração pública para adoptarem
modelos de governação de sua livre escolha. Mesmo no caso Norueguês os efeitos foram
muito modestos. Deve notar-se que em países onde há uma forte tradição de iniciativa da
agora chamada sociedade civil como o Reino Unido e os Estados Unidos da América, os
modelos de governação a que se chegou têm muitos elementos comuns que permitem uma
fácil homologia entre instituições com histórias muito diversas e com propriedade pública ou
não. Nos países do continente europeu que fizeram a grande experiência de saída do sistema
da administração pública (Holanda nos anos de 1970 e muito recentemente a Dinamarca e a
Áustria) os governos criaram um modelo comum que não impediu o desenvolvimento de
grande diversidade de missões.

1. Sistema binário de educação universitária e politécnica.

O desenvolvimento de sistemas binários de educação superior tem encontrado dificuldades


em vários países europeus pelo que a nossa pequena história não deve ser vista com
surpresa. O esforço do governo actual para retomar esta diferenciação é de aplaudir mas
vem ao arrepio de toda a tradição. Lembre-se a criação de escolas politécnicas dentro de
universidades com presença no mesmo senado académico sem aparentes preocupações com
o desenvolvimento de culturas bem diferenciadas.

Lembremos os incidentes da passagem do ensino da enfermagem e das tecnologias da saúde


para a educação superior onde a pertença ao subsector universitário ou politécnico pareceu
depender mais de factores geográficos do que de uma visão clara do desejável ambiente
educativo. Na Holanda e na Alemanha, a separação está bem estabelecida mas isso
consegue-se através da diferenciação do percurso educativo já na parte final do secundário.
No caso holandês, os estudantes ficam no secundário mais um ano a preparar o exame final
que lhes dá a entrada nas instituições que poderemos considerar equivalentes aos nossos
politécnicos. Na Espanha, a reforma da educação superior de 1983 inseriu as escolas mais
vocacionais nas universidades, estando a absorção a ser consumada com a nova legislação
recentemente introduzida, ficando o ensino vocacional fora do superior. Na França, os IUT
(Instituts Universitaires de Technologie) têm uma presença ainda limitada mas uma grande
adesão dos jovens e dos empregadores. A proximidade entre a instituição de educação
superior mais vocacional e o mercado de emprego regional é uma realidade necessária mas
muito difícil de construir. Nesta lógica, a formação de professores não caberia nunca no
sector politécnico mas a urgência de formar professores rapidamente para acorrer às lacunas
de uma massificação tardia levou a que as Escolas Superiores de Educação se tornassem
numa das componentes principais dos politécnicos nascentes.

Para garantir a diferenciação das culturas de aprendizagem da educação universitária, da


politécnica e da pós-secundária, há que garantir o desenvolvimento separado das escolas
respectivas. Isto não significa que não possa haver partilha ao nível do proprietário ou do
órgão de topo do governo que tenha funções de governo patrimonial, de supervisão e de
orientação estratégica. Em relação à situação actual, isto significa que será de evitar a
convivência num senado académico ou a junção na função executiva mas que poderão
coexistir um braço universitário, um braço politécnico e uma área póssecundária numa
mesma entidade em que apenas o órgão de topo (não executivo) seja comum. Poderá até
haver vantagens nesta partilha do órgão de topo para garantir o desenvolvimento de missões
diferenciadas.

2. Natureza e regime jurídico

Uma universidade ou instituto politécnico é uma instituição que goza de determinadas


autonomias académica (científica e pedagógica) e cultural e cuja dimensão e diversidade
interna garante uma representatividade de áreas do saber e de níveis de intervenção.
Institutos universitários ou escolas politécnicas serão instituições com autonomias mais
limitadas e menor dimensão e diversidade interna. Qualquer destas instituições pode ser
propriedade da entidade pública ou de uma entidade particular sem fins lucrativos. A
existência de instituições de ensino e formação com fins de lucro poderá não ser excluída
mas terão outro espaço de intervenção. A lei deve estabelecer as relações entre os órgãos
sociais da entidade proprietária e a instituição de educação superior, no sentido de garantir a
autonomia académica e cultural desta. Para as entidades detidas pelo estado, a lei
estabelecerá o regime jurídico destas entidades. Na proposta, prevê-se que a entidade
proprietária coincida com a instituição de educação superior, tendo um Conselho Geral como
órgão de topo. Esta proposta tem vantagens em relação à situação actual mas não elimina
as ambiguidades que têm gerado um conflito permanente com a tutela e, especialmente,
com o Ministério das Finanças. A alternativa da ”fundação de direito privado” aparecia na
versão original com um conselho de curadores nomeado pelo ministro da tutela o que, em
Portugal, representaria um enorme risco de partidarização. A versão oficial da proposta é
omissa e será certamente possível encontrar um equilíbrio em que os membros deste
conselho sejam escolhidos, pelo menos em parte, do interior da instituição.

No caso Dinamarquês, o Parlamento forçou a que a maioria externa dos membros do órgão
equivalente fosse escolhida pelo senado académico, o que veio a dar excelentes resultados.
O estatuto de entidade pública empresarial talvez tivesse vantagens e constituísse uma
solução tecnicamente mais coerente. Este órgão de topo deve ser responsável pela escolha
do Reitor da Universidade, ou pelo Presidente do Instituto Politécnico, ou ainda pelo director
do Instituto Universitário ou Escola Politécnica, conforme o caso. Terá ainda funções de
supervisão (não executiva) da gestão, cabendo-lhe aprovar os estatutos que estabelecerão a
organização interna e regras de funcionamento. A lei não tem necessidade de estabelecer
normas relativas às unidades orgânicas, limitando-se a exigir que cada programa académico
deva ser organizado sob a responsabilidade de um órgão académico bem identificado. Muito
menos será de permitir-se dotar unidades orgânicas de autonomias e órgãos semelhantes
aos da própria entidade.

3. Unidades orgânicas

A lei deve ser omissa quanto à organização interna da instituição de educação superior, salvo
no que se refere às áreas de competência dos órgãos académicos a criar nos estatutos. O
n.1 do Art.º95 deve desaparecer por coarctar o desejável funcionamento harmonioso das
instituições. A tendência clara da organização das instituições de educação superior mais
dinâmicas é estarem dotadas de maior capacidade de decisão estratégica. A cada vez mais
importante visibilidade internacional exige uma maior massa crítica e uma capacidade de
acção coordenada que seria inibida pela autonomia de governo de unidades orgânicas ditas
“de grande dimensão e complexidade”.

A tradicional estruturação da instituição universitária em faculdades com culturas diferentes


e autonomias consideráveis tem sido abandonada em favor de uma organização centrada
nos diversos tipos de funções que se esperam de uma instituição moderna e dinâmica. As
antigas barreiras rígidas entre os diferentes saberes não fazem mais sentido e a existências
de unidades orgânicas autónomas aparece muitas vezes como um obstáculo à esperada
agilidade de resposta. Parece assim preferível que toda a organização interna seja definida a
nível estatutário e, eventualmente, varie de instituição para instituição.

4. Unidades de investigação & desenvolvimento

É uma inovação que haja menção das unidades de investigação num regime jurídico das
instituições mas o conteúdo do art.º 13 acaba por ser decepcionante. A prática corrente é
que as unidades orgânicas são responsáveis pelos primeiros e segundos ciclos, enquanto que
a investigação e os doutoramentos decorrem efectivamente dentro das estruturas de
investigação, tendo a unidade orgânica uma intervenção apenas formal em muitos casos.
Sendo a função de investigação central à vida universitária e, com alguma adaptação,
também importante na politécnica, faz todo o sentido que as estruturas sejam inseridas
organicamente na organização da instituição de educação superior. Se o legislador optar por
manter na lei alguns preceitos relativos às unidades orgânicas, então deverá estabelecer
qual o lugar a ocupar pela investigação, mas só em termos muito genéricos.

É necessário clarificar o que se espera de universidades e de institutos politécnicos como


contribuição para o esforço nacional em investigação, desenvolvimento experimental e
inovação (I&D+i). A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (e as suas antecessoras desde
os anos de 1950) desenvolveram um modelo de investigação com avaliação
internacionalizada que se tem afirmado bem e que as universidades dentro da sua
autonomia seriam totalmente incapazes de desenvolver. Alguns países criaram agências de
outro tipo para estimularem também a investigação aplicada e a inovação. Não é justo pedir
aos institutos politécnicos outro tipo de trabalho sem que exista uma agência pública que
ajude a desenvolver essa missão diferenciada. Nesse processo, as universidades seriam
também ajudadas a clarificar a sua missão que em muitos casos parece entrar no terreno
que os documentos oficiais apontam como próprio do politécnico e ficar-se por aí.

5. Limitações quantitativas (Art.º 62, n.4)

Salvo melhor opinião, o Art.º 62-n.4 é contraditório. Invoca a necessidade de “racionalizar a


oferta formativa e a política nacional de formação de recursos humanos”, para justificar a
imposição de limitações quantitativas às instituições públicas. Ora estes argumentos são
igualmente válidos para todas as instituições, independentemente da sua propriedade. Se
examinarmos a nossa história de intervenção do governo na definição de numerus clausus,
as razões principais (nunca expressas) foram de controlo da despesa e raramente de “política
nacional de formação de recursos humanos”. Este último argumento terá estado presente na
regulação da entrada nas áreas da saúde e não é líquido que tenha sido sempre bem
avisada. De facto a política oficial foi, durante muitos anos, de restrição da entrada em
Medicina para vir depois a inverter-se sem que, nem numa fase nem na outra, existissem
estudos sérios. Tratou-se mais de uma reacção às preocupações da corporação médica na
primeira fase e de moderação da enorme procura social nos últimos anos. A conclusão é que
a regulação administrativa da oferta de educação superior se deve fazer com grande
parcimónia e que poderá estar justificada nos cursos profissionais em que o estado seja o
empregador dominante como no caso dos professores mas então terá de ser aplicada a
todas as instituições, independentemente de quem seja o proprietário.

6. O Conselho Geral

A composição proposta para o Conselho Geral é interessante mas o mandato de dois anos é
totalmente desadequado. Este órgão deve ter um horizonte de preocupação mais longo do
que órgão executivo, o reitor ou o presidente. Se para estes parece consensual manter
mandatos de 4 anos com uma renovação possível, o mandato dos membros do Conselho
Geral deveria ser mais longo, pelo menos 5 anos com uma renovação permitida. Este
argumento não pode ser aplicado a estudantes, havendo que criar uma solução especial que
poderia basear-se em ter um ou dois estudantes com um mandato de 2 anos não renovável
sendo os outros lugares preenchidos por antigos estudantes.

A questão central é saber se com esta solução se ultrapassa o clima de suspeição


permanente entre o governo da instituição e o governo do país. Se não houver tal garantia,
poderá ser preferível diminuir a representação interna e ceder alguns lugares a
personalidades escolhidas pelo próprio governo (ou pelo Conselho Consultivo do Ensino
Superior) com mandatos desfasados dos ciclos eleitorais nacionais e excluindo políticos
activos (como na Áustria). Por exemplo, poderíamos ter 3 membros nomeados pelo governo
com mandatos de 6 anos, havendo lugar a uma nomeação (ou confirmação para segundo
mandato) de 2 em dois anos. A experiência dinamarquesa aponta para a bondade da escolha
desde o interior da instituição de personalidades externas. Embora as experiências
portuguesas de presença de personalidades externas em órgãos consultivos não seja
directamente extrapolável, é provável que um órgão misto interno/externo com
responsabilidades efectivas e capacidade de intervenção na vida da instituição atraia o
envolvimento de personalidades que regularmente se interessam pela vida académica ainda
que a compreendam mal.

Das competências do Conselho Geral devem ser excluídas todas as que se referem ao nível
académico que devem ser atribuídas a um órgão académico (omisso da proposta) que deve
ser criado. O cuidado expresso no N.3 do Art.º 80 de retirar a iniciativa ao Conselho Geral na
maioria das suas competências parece excessivo. O sucesso da sua acção depende da
discrição com que actue, cabendo sempre ao reitor ou presidente a competência executiva e
de representação da instituição de educação superior. Nas suas competências de gestão
patrimonial, de definição estratégica, de supervisão e de acompanhamento da acção do
executivo não deve haver quaisquer restrições.

7. Conclusão final
A educação superior portuguesa recebeu um forte investimento no último quarto de século.
Pela primeira vez na nossa história, ela pode começar a comparar-se com a Europa mais
desenvolvida. Ao nível da investigação, os excelentes ritmos de crescimento aproximaram-
nos já dos nossos parceiros, quer no nível de investimento público, quer nos resultados
obtidos.

Estão reunidas as condições sociológicas para a modernização do regime jurídico das


instituições e da sua governação. Se o fizermos de forma a melhorar a
cooperação/competição entre instituições, teremos reunidas as condições para assumir uma
posição de liderança na Europa do sul e só uma educação superior internacionalmente
competitiva será capaz de contribuir para que ultrapassemos a grave crise socio-económica
em que estamos mergulhados.

11.6.2007

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