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Políticos, jornalistas,
comentadores, analistas, assessores, consultores e mais recentemente
os chamados think tanks (em inglês é mais intelectual, é mais in), falam e
escrevem sobre o bloqueio a Cuba. Mas saberão, no concreto, sobre o
que se pronunciam? E o que escondem deliberadamente nas suas
elucubrações?
Através de um documento desclassificado em 1991, ficou a conhecer-se que a 6 de Abril de
1960, o então subsecretário de Estado adjunto para os Assuntos Inter-Americanos, Lester
Dewitt Mallory, escreveu num memorando discutido numa reunião dirigida pelo presidente dos
Estados Unidos John Kennedy: «Não existe uma oposição política efectiva em Cuba; portanto,
o único meio previsível que temos hoje para alienar o apoio interno à Revolução é através do
desencantamento e do desânimo, baseados na insatisfação e nas dificuldades económicas.
Deve utilizar-se prontamente qualquer meio concebível para debilitar a vida económica de
Cuba. Negar dinheiro e abastecimentos a Cuba, para diminuir os salários reais e monetários, a
fim de causar fome, desespero e a derrocada do governo». (negritos meus). Isto, sublinhe-
se, um ano antes da invasão da Baía dos Porcos organizada pelos EUA contra Cuba.
Democracia à americana
Em 1992 foi aprovado pelo Congresso norte-americano a «Lei para a Democracia Cubana», ou
Lei Torricelli. Esta lei consiste, essencialmente, na intromissão directa dos EUA nos assuntos
internos não só do povo cubano, mas também nos de outros povos. Proíbe, por um período de
180 dias (contados à data da sua saída de Cuba), a entrada nos portos americanos a navios
que toquem portos cubanos. Sanciona as instituições norte-americanas sediadas no exterior
que negoceiem com a ilha (mesmo contrariando a lei dos respectivos países onde se
radiquem). Viola assim claramente o Direito Internacional e as leis estabelecidas pela
Organização Mundial do Comércio.
Quatro anos mais tarde, em 1996, foi promulgada a «Lei para a Liberdade e a Solidariedade
Democrática Cubana» (o leitor já reparou bem nos nomes destas leis?...), conhecida como Lei
Helms-Burton (não apoiada, até hoje, por nenhum país do mundo). Com a desintegração dos
países ex-socialistas, Cuba perde, literalmente de um dia para o outro, os mercados onde
comerciava, a preços favoráveis, 85% das suas exportações. Vê-se por isso forçada a reduzir
drasticamente as suas importações em 75%. O país conhece, de imediato, a falta de alimentos,
medicamentos, petróleo, transportes e tudo o que é de mais essencial à economia de um
Estado e à vida de um povo. Impedida, por força do bloqueio americano, de recorrer a
financiamentos e créditos externos, os EUA acreditaram que estava na hora de Cuba se render
pela fome.
A Lei Helms-Burton tinha esse objectivo. É evidente a intenção de impedir os investimentos
estrangeiros na ilha e, desta forma, impossibilitar o seu desenvolvimento económico. Nos
termos desta lei fica proibido que subsidiárias norte-americanas sediadas em terceiros países
realizem qualquer tipo de transacção com empresas em Cuba. Que empresas de terceiros
países exportem para os Estados Unidos produtos de origem cubana ou produtos que na sua
elaboração contenham algum componente dessa origem. Que empresas de terceiros países
vendam bens ou serviços a Cuba, cuja tecnologia contenha mais do que 10% de componentes
com origem nos EUA, ainda que os seus proprietários sejam nacionais desses países. Que
entrem nos portos dos Estados Unidos navios que transportem produtos desde ou para Cuba,
independentemente do país de matrícula. Que bancos de terceiros países abram contas em
dólares norte-americanos a pessoas jurídicas ou naturais cubanas ou realizem transacções
financeiras nessa moeda com entidades ou pessoas cubanas.
Esta legislação proíbe ainda os cidadãos americanos ou cubano-americanos de viajarem para
Cuba. Impõe restrições às relações entre cubanos residentes em Cuba e nos EUA. Retém
ajuda a qualquer país, entidade ou empresa que forneça assistência técnica ou financeira para
completar a Central Nuclear de Juragua, na cidade de Cienfuegos. Estabelece a negação de
vistos para entrar nos EUA a pessoas, de qualquer nacionalidade (e seus familiares), ou
representantes de empresas, que comprem, arrendem ou obtenham benefício de propriedades
expropriadas em Cuba depois de 1959. Etc., etc., etc..
Um Avante! inteiro não chegava para enumerar todas as acções e respectivas consequências
para o povo de Cuba. Desde logo o facto, muito esquecido, de que cerca de 7 milhões, dos
mais de 11 milhões que constituem a população cubana, nasceram sob o estigma do bloqueio.
Que, saliente-se, dura há 46 anos e tem afectado sem distinção de sexo, idade, credo religioso
ou posição social todo povo da Ilha.
O prejuízo económico directo causado ao povo cubano pela aplicação do bloqueio, em cálculos
estimados, ultrapassou os 89 mil milhões de dólares. Este número não inclui os danos
directos causados a objectivos económicos e sociais do país pelas sabotagens e actos
terroristas fomentados, organizados e financiados pelos Estados Unidos. Também não inclui o
valor dos produtos deixados de produzir ou os prejuízos derivados das onerosas condições de
crédito impostas a Cuba. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba elevou o total de
perdas estimadas da economia cubana durante 45 anos (1962/2007) de bloqueio a 222 mil
milhões de dólares. Quase duas vezes o PIB de um país como Portugal.
Vejamos mais em pormenor alguns dos numerosos exemplos desta realidade quotidiana:
Estima-se que só em 2006 o comércio internacional cubano foi afectado pelo bloqueio em
valores que ultrapassaram os 1 305 mil milhões de dólares. Os maiores impactos registaram-se
pela impossibilidade de aceder ao mercado dos EUA. As importações que Cuba realiza não
subiram apenas como resultado de preços mais altos, da utilização de intermediários e da
necessidade de triangulação para determinados produtos. Encareceram também pelo
transporte desde mercados mais longínquos, com o consequente aumento dos fretes e
seguros.
No final de 2001, pressionado pelo sector agro-exportador norte-americano, o Congresso dos
EUA aprovou legislação autorizando que Cuba comprasse alimentos aos produtores do país.
No entanto, essas importações são acompanhadas por severas restrições. Cuba tem de pagar
adiantado, sem a possibilidade de obter créditos financeiros, mesmo privados. Em 2004, essas
importações atingiram a casa dos 474,1 milhões de dólares. A venda e o transporte de
mercadorias requerem a obtenção de licenças especiais para cada operação. Cuba não pode
utilizar sua própria frota mercante para realizar esse transporte, devendo recorrer a navios de
outros países, especialmente dos próprios EUA. E os pagamentos são feitos através de bancos
de outros países, uma vez que as relações bancárias directas com Cuba estão proibidas.
Carência quase absoluta de meios de transporte de passageiros e de mercadorias. O sector
ferroviário é paradigmático. Há anos que o governo tem planos para renovar seu parque de
locomotivas. Mas a manutenção e reparação das máquinas requer diversos componentes
norte-americanos. Cuba também não tem conseguido alugar navios, devido à pressão
realizada pelo governo norte-americano sobre as locadoras. Assim, o governo cubano vê-se
obrigado a pagar fretes elevadíssimos.
Falta de medicamentos,
equipamentos e material consumível no sector da saúde. Em sete anos, 1998/2005, os custos
do bloqueio ascenderam a 2 269 milhões de dólares. Apenas 50 milhões teriam sido suficientes
para remodelar todas as clínicas e hospitais. Sem quantificar, por não terem preço, a dor e o
sofrimento provocados por esta política criminosa. O que não impedia que, em Junho de 2006,
mais de 30 mil funcionários cubanos da área de saúde estivessem espalhados pelo mundo,
trabalhando em missões humanitárias, cuidando especialmente de vítimas de catástrofes e
fenómenos naturais. Há décadas que Cuba é vanguarda nesse tipo de acção.
A importação de matérias-primas, materiais e equipamentos de uso escolar para assegurar o
processo docente educativo, como meios audiovisuais, computadores, equipamento de
laboratório, reagentes, etc., é seriamente afectada. A cada dia que passa diminuem os
intermediários que se atrevem a correr o risco de realizar transacções com Cuba. O que se
traduz num aumento de 20% (e mesmo de 100% nalguns casos), dos preços dos produtos
adquiridos.
Nem a Internet escapa. Em Cuba, o acesso à rede é lento, caro e limitado. A ilha está
impossibilitada de se conectar aos cabos de fibra óptica que passam muito perto de suas
costas. Como alternativa utiliza desde 1996 uma ligação via satélite que torna as conexões
muito mais lentas e caras. Qualquer modificação do canal exige licença do Departamento do
Tesouro dos EUA. O governo aponta essa situação, assim como sua estratégia de prioridades
sociais no uso da rede, para explicar as restrições que aplica ao acesso à Internet. Limitações
que poderão ser reduzidas em poucos anos por meio de um cabo submarino alternativo de 1
550 km que ligará Cuba à rede da Venezuela. Refira-se ainda que, as instituições e cidadãos
dos Estados Unidos estão proibidos de utilizar a Web para transacções electrónicas com
instituições cubanas. O bloqueio de downloads de software e informações (inclusive gratuitas)
é outra realidade.
É sistematicamente negado aos artistas cubanos o direito a participar nas cerimónias dos
prémios Grammy e Grammy Latino. Razão evocada: os regulamentos sobre a imigração, que
proíbem a entrada nos Estados Unidos a qualquer indivíduo que possa ser prejudicial aos
interesses desse país. O mesmo se aplica a cineastas, ao Ballet Nacional de Cuba, a
conferencistas universitários, etc., etc., etc..