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Theodor Wiesengrund Adorno — Gesammelte Schriften V, VII e XIII, Suhrkamp Verlag, Frankfurt an Main, 1970 e 1971. Na segunda metade de 1970, um ano depois da morte de Theodor W. Adorno, foi inic'ada a edicio completa de sua obra, que deverd abranger vinte ¢ dois vo- Jumes. Cada volume questiona a propria possibilidade de resenha. Seu denso e com- plexo “rebolado” dialético resiste ao resumo: a simplificagdo seria sua morte, a puta recepco congelaria um movimento, Adorno, além de fildsofo, socidlogo ec critico de arte, também foi compositor. Seus textos tedricos guardam algo duma composigio musical: temas sio expostos e variados de todas as manciras, procurando exprimir o inexprimfvel. Nada é apenas o que é; tudo é também o que nao é, Por isso é arriscado afirmar que ele pensa deste ou daquele modo; ele também pensa o contrério disto. A prépria negacio € absorvida no processo do pensamento, sem pretender chegar a uma sintese positiva e sem descrever isoladamente cada um dos momentos numa evolucéo esquemitica. Escorregadio e sutil, escapa entre os dedos e torna dificil a exposigéo. A tinica saida verdadeira é a leitura minuciosa dos textos. O volume V — Zur Metakritik der Erkenntnistheorie, Drei Studien sw Hegel (386 paginas) — € constituido por duas partes: 1) “Para a Metacritica da Teoria do Conhecimento — Estudos sobre Husserl e as antinomias fenomenolé- gicas”; 2) “Trés Estudos sobre Hegel’. “Para a Metacritica da Teoria do Conhecimento”, publicado em 1956, baseia-se num manuscrito elaborado em Oxford de 1934 a 1937, durante o tempo do exilio, Destinado inicialmente a obtengio do doutoramento por aquela Universidade, foi suspenso em favor do “Versuch iiber Wagner”, escritor para a revista do “Institut itir Sozialforschung”. Além da introdugio, contém qua- tro partes: critica do absolutismo légico; espécie e intencdo; pela dialética dos conceitos da teoria do conhecimento; a esséncia e o eu puro. Husserl é tomado como modelo concreto, mas Adorno transcende-o, ques- tionando a possibilidade e verdade da teoria do conhecimento. Nega assim a assertiva do proprio Husserl, de que a fenomenologia néo é uma teoria do conhecimento, Critica-o dum ponto de vista neo-hegeliano, que nao deixa de incluir também uma critica ao préprio Hegel. O ensinamento hegeliano da mediagaZo de tudo, até mesmo do imediato, mostra-se irreconciliavel com © impulso husserliano de reducio. 1294 Para Husserl, a matemitica era o ideal do conhecimento, Adorno inicia, portanto, com uma critica & matematica e ao pitagorismo. Pela metafisica dos niimeros torna-se exemplar a hipostase do espirito, que tece sobre as coisas dominadas a sua teia, até impé-la como sendo © proprio ser oculto. A dificul- dade de definir 0 conceito dos nameros provém do fato de sua propria esséncia ser 0 mecanismo de constituicéio dos conceitos. Os nimeros reduzem o variado da experiéncia & sua abstracio, Q matemiatico ocupa-se com objetos ideais como o paleontélogo com fésseis. O trabalho matematico sé pode ser realizado através da reificagio, através do abandono da atualizagio do significado. Para 0 realismo ¢ 0 nominalismo, pensar metodologicamente significa postular um primeiro “original”, para que o “caminho” nao se interrompa e nao termine no acaso. Ora, Adorno critica e nega a existéncia de um primeiro (Derrida assume uma posi¢éo semelhante em seus livros de 1967, sem, contudo, citar Adorno.). O proceso de desmi‘ologizacao (1), que leva a uma segunda mito- logizagio (a da ciéncia e da tecnologia), revela a nao-verdade da propria idéia de primeiro: este torna-se cada vez mais abstrato, até nao dizer e nao funda- mentar mais nada. O proprio contetido do residuo fenomenoldgico de Husserl €, segundo Adorno, escasso e vazio. Enquanto a idéia da filosofia da origem se dirige monisticamente & idéia da pura identidade, a imanéncia subje- tiva, em que o absoluto primeiro quer estar descansadamente consigo mesmo, nao se deixa levar aquéla pura identidade. O fascimo tentou realizar a filosofia da origem: o mais antigo, o que estA ai ha mais tempo, deveria dominar imediata ¢ literalmente (Notam-se aqui flechadas contra Heidegger, sem que este seja citado.). Como tanto o espirito quanto 0 dado sao essencialmente mediatizados, ambos tornam-se imprestaveis para servirem de “principio ori- ginario”; se se quisesse tomar a medigio como principio origindrio, estar-se- ia confundindo um conceito de relagio com um de substancia. A metacritica da teoria do conhecimento requer a reflexio construtiva deste relacionamento como sendo um de crime e castigo, de erro necessério e correcio. A teoria do conhecimento sé é verdadeira enquanto considera a impossibilidade de sua prépria pretensio e se deixa levar pela insuficiéncia da coisa. Para Adorno, o processo real da vida social 6 © cerne do contetido légico, A entronizagao do abstrato puro é, socialmente, a da mera forma de organizagio, sem levar em conta seu contetido social, que por bons motivos é descurado. A ontologia, diz Adorno, compor‘a-se, hoje, como se estivesse confinada numa casa de vidro, com paredes indevassiveis mas translicidas, através das quais divisasse a ver- dade 14 fora, como estrelas fixas mas inatingiveis — meras palavras, cuja sa- cralidade pudesse ser violada pelo simples questionar de seu significado. A tentativa de ver o novo no velho, em vez de sdmente o velho do novo, é dialética. Portanto, além de constatar certas “perdas” em Husserl, Adorno procura ver o que é possivel “salvar” nele. Apesar da palavra de (1) cf. Horkheimer und Theodor Adorno. Dialektik der Aufklérung, Querido Verlag, Amsterdam, 1947. — 225 — ordem “is coisas”, os textos de Husserl so, especialmente em suas partes mais fecundas, acima de tudo formais e cheios de distingSes terminolégicas. Toda dialética em sua filosofia ocorre contra a sua vontade. Sua tese, de que nao importa como ocorre uma experiéncia, mas sim qual o contetido que ela deve ter para se tornar objetivamente valida, nao leva em conta que o proprio contetido da experiéncia jé é um “surgir”, no qual momentos subjetivos e objetivos se encontram inextricavelmente ligados. Seu esforgo de arrancar a esséncia de sua circunstancia falha, porque nao vai além da propria individua- G0, nfo abre 0 Atomo como um campo de forsas. ‘A fenomenologia poderia ser definida como a tentativa paradoxal duma teoria livre de teoria, Ela sofre as conseqiiéncias disso: 0 que é para ser em si (an sich), 6 s6 para ela (fiir sie); © que cla contempla, ela mesma inventou, para fundamentar que contempla. Ela permanece teoria, pois reflete necessaria~ mente sobre o conhecimento e nao julga diretamente algo da empiria; ela gostaria de ser livre de teoria, por preferir tornar toda assertiva num dado e assim escapar a possibilidade, quer duma concluséo errada, quer da critica. A consciéncia fenomenolégica, na busca do “o que”, a que se refere, encontra sempre de novo apenas a si mesma. Quanto mais a socializagio se torna total e todo o humano é preformado, e quanto menos a consciéncia isolada con- segue contrapor-se a isso, tanto mais as formas a priori assumem o carater fatal de entes em si. Um pensar reificado é a reprodugéo do mundo reificado. O fenomendlogo esquece, de modo forgado, a sintese e fita com obsessio ma- niaca o mundo das coisas autofabricadas, reduzido & eternidade e, portanto, fantasmagérico. Mesmo evitando falar de sistema, Husserl terminou por cons- tituir um. Husserl foi o tmico filosofo académico da época a defender o direito cri- tico da razio, sem dai tentar deduzir o mundo de conceitos. Este pesquisador insiste tanto no rigido e estranho objeto do conhecimento, que ele acaba ceden- do ante o olhar mediisico, E exatamente a aceitagio e a andlise da reificagao, através duma filosofia que sé queria ser descritiva e sem especulagdes, que leva a seu achado central: a histéria se Ihe torna manifesta — assim o conceito de achado descritivo se supera. O unico contetdo reacionario da fenomenologia é seu dio contra a atualidade. Drei Studien 2u Hegel & formado por trés ensaios: “Aspekte”, “Erfah- rungsgehalt” e “Skoteinos oder Wie zu lesen sei”, escritos, respectivamente, em 1957, 1938 © 1963, Derivam de seminarios, realizados na Universidade de Frankfurt, sobre certas questdes basicas para o entendimento de Hegel. Ser- vem como preparagio para um novo conceito de dialética, desenvolvido na Negative Dialektik (2) (2) Theodor W. Adorno. Negative Dialektik, Suhrkamp Verlag, Frank- furt a.M., 1966.

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