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11
dezembro
2008
ficina
O Conde
Lucanor
um clássico da Literatura
medieval espanhola
Nesta edição: Coelho Neto, Ricardo Palma, Camões e mais...
SAMIZDAT 11
dezembro de 2008
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Sumário
Por que Samizdat? 6
Henry Alfred Bugalho
ENTREVISTA
Carlos Henrique Iotti 8
MICROCONTOS
Henry Alfred Bugalho 12
Volmar Camargo Junior 13
RECOMENDAÇÕES DE LEITURA
O homo absurdus de Camus 14
Henry Alfred Bugalho
Sonetos 24
Camões
CONTOS
O Sabão Milagroso 26
Volmar Camargo Junior
O Aniversário de J.S.B. 28
Henry Alfred Bugalho
Paulette na cidade 32
Joaquim Bispo
Conspiração ZHAARP 35
Dênis Moura
A Surpresa 38
Guilherme Rodrigues
Para lá do Muro 40
José Espírito Santo
No Elevador 42
Zulmar Lopes
Dezessete 44
Pedro Faria
Descobertas 48
Marcia Szajnbok
Gosto Refinado 47
Pedro Faria
Alice por trás do espelho 52
Giselle Natsu Sato
TRADUÇÃO
O Conde Lucanor 54
Don Juan Manuel
A Festa de São Simão Esgaratujo 68
Ricardo Palma
TEORIA LITERÁRIA
Enchendo Lingüística: Ficção sob Pressão 61
Volmar Camargo Junior
A Tese na Literatura 70
Henry Alfred Bugalho
CRÔNICA
Erótico ou Pornográfico: eis a questão 74
Giselle Natsu Sato
A Vida Continua 76
Joaquim Bispo
POESIA
Laboratório Poético - Indriso 80
Volmar Camargo Junior
Urbanidade 81
Carlos Alberto Barros
SEÇÃO DO LEITOR
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nha Literária, Teoria Literária, Autores em Língua Portuguesa, Tradução e Autor Convi-
dado.
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Por que Samizdat?
“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
distribuo e posso ser preso por causa disto”
Vladimir Bukovsky
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Entrevista
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Iotti: É uma variante que tiras futuras? e não apenas um produto
mistura o italiano e o por- comercial. Qual é a tua
tuguês – utilizando a foné- opinião em relação a isso?
tica do colono, transpondo Iotti: Na verdade foi um E como você vê o espaço
isso para a grafia sem editor que ficou com receio do cartunista nesse meio?
nenhum filtro. de publicar em virtude de Você se considera um
uns leitores bem religiosos. artista?
A maioria das pessoas cos-
Quando ingressou na tuma me dar um retorno
faculdade, sua intenção bacana, mas polêmica sem- Os quadrinhos aos poucos
já era atuar como ilustra- pre é bom, instiga a fazer foram galgando um lugar
dor ou você tinha outras mais coisas. muito legal, de espaço, de
aspirações? visibilidade, de patamar
artístico também. Há sem-
Qual considera o seu pre quadrinhos muito legais
Iotti: O desenho foi um melhor desempenho: a e gente que tem um traço
caminho natural. Eu sim- imagem ou o texto? Qual que eu admiro muito. Eu
plesmente não parei de custa mais a apurar? gosto muito dos desenhistas
desenhar, locais. O Santiago e o Edgar
como de Vasques são chargistas
modo geral Se você quiser Iotti: De-
que eu conheço e admiro.
as pessoas ser um chargista pende, tem
Também tem o Jaguar, que
fazem quan- realmente, vai dias que a
é carioca, que foi editor
do “crescem”. imagem é
do Pasquim, um marco
precisar de muita melhor do
no jornalismo brasileiro.
persistência. que o texto e
Gosto ainda do Ziraldo e
A sua «du- vice-versa.
do Angeli, que é o criador
pla da
do Chiclete com Banana
criação» foi
Há quem e atualmente está fazendo
objeto de
diga que os quadrinhos as charges na Folha de São
protestos por parte de al-
Paulo. A maioria do pessoal
guns leitores. Como é que já se aproximam de um
patamar de arte, como que lida com quadrinhos
você lida com os protes-
uma forma de literatura está lutando muito ainda
tos? Influenciam as suas
Coordenadora da entrevista:
Maristela Deves
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Microcontos
As viravoltas da vida
Henry Alfred Bugalho
Sexo virtual
Henry Alfred Bugalho
Medalhista de Ouro
Henry Alfred Bugalho
http://www1.pictures.gi.zimbio.com/2003+Victoria+Secret+Fashion+Show+vvTHm88Qpynl.jpg
http://www.pedagogy.ca/Sanzio_01_Plato_Aristotle.jpg
Volmar Camargo Junior
Voyeurismo
Orlando reconheceu na rua a menina por
quem havia se apaixonado nos tempos
do primário, e correu para dar-lhe um
abraço. Thereza, abordada por um desco-
Volmar Camargo Junior nhecido com tamanha intimidade, achou
que seria descortês dizer-lhe que foi um
Todos os dias, o menino espiava pelo bu- engano, mas evitou o contato físico. Sol-
raco no muro do vizinho, e do outro lado dado Juarez, à paisana, viu na cena um
via um gramado e, à distância, uma caba- princípio de assalto, e com dois golpes
na na árvore. Tocado pelo remorso, o pai fulminantes nocauteou e imobilizou o
esmerou-se para fazer um bela plataforma suspeito. Um cinegrafista amador filmou
de madeira, sustentada pelos galhos da com a câmera do telefone celular a ação
mangueira que havia em seu próprio pátio. do policial responsável pela captura de
Feliz da vida, o menino correu até seu baú Orlando Silva da Silva, estelionatário, que
de brinquedos, tirando de lá o binóculo estava foragido havia meses. Nem depois
que ganhara no Natal. Finalmente teria de a foto do dito cujo sair nas manchetes
uma vista privilegiada da tão amada caba- dos noticiários Thereza associou aquela
ninha do quintal ao lado. cara à do gorducho que lhe deu um beijo
babado na quarta-série. Naquela época, ela
só tinha olhos para o Roberto Carlos.
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Recomendações de Leitura
O homo absurdus
de Camus
Henry Alfred Bugalho
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ignorar a presença da morte uma rocha até o topo dum
e vive uma vida de fingimen- penhasco, por toda a eterni-
to, considerando o mundo dade. Toda vez que a rocha
como familiar, quando, na era carregada até o cimo, ela
verdade, o mundo é hostil, rolava morro abaixo. Sísifo
inóspito, absurdo e não for- deveria, então, perfazer esta
nece respostas.” tarefa inglória e sem sentido
por toda sua existência. Para
A saída para este abismo Camus, somos como Sísifo,
- representado pelo absurdo realizando projetos e tarefas
da existência - não é o suicí- sem sentido e que sempre re-
dio, por ela ser a negação da dundam em nada, ou condu-
existência, mas sim a revolta. zindo-nos para a morte.
Quando o Homem compre-
ende-se em sua absurdez, ele A obra deste autor francês,
deixa de buscar o sentido, e laureado pelo Prêmio Nobel O Estrangeiro
passa a criá-lo. em 1957, é profunda, apesar
da superficial leveza, e causa Autor: Albert Camus
A metáfora para este homo o mal-estar de toda quebra
Editora: Record
absurdus, para Camus, é o de paradigmas.
mito de Sísifo, aquele que, Publicação: 2001
na mitologia grega, desa-
fiou os deuses olímpicos e
foi condenado a empurrar
Jane Eyre,
de Charlotte Brönte
Guilherme Rodrigues orrer. O tempo se passou,
m
ela, uma mulher à frente de
seu tempo, foi aprendendo as
Jane Eyre é um romance lições até se tornar profes-
gótico escrito pela escritora sora de Lowood School. No
inglesa Charlotte Brontë e entanto, com a partida de sua
publicado pela primeira vez amiga e aliada, a senhorita
em 1847. Temple, que havia se casado,
procurou um novo trabalho.
Jane Eyre, a personagem- Então, Jane mudou-se para
protagonista, órfã de pai e Thornfield Hall, a casa do
mãe, vive terríveis dias na senhor Edward, para cuidar
casa de seu tio após seu fa- da pequena Adele. Seu vín-
lecimento. Passa a ser criada culo como professora foi se
pela senhora Reed, esposa ampliando e logo conseguiu
do falecido, uma pessoa com suas habilidades em
cruel que a deixava presa línguas e pintura, também
num quarto escuro para mexer com o senhor Edward.
amedrontá-la e afastá-la de
seu filho John. O qual sem- Tudo do melhor que um
pre batia na pobre e indefesa romance gótico poderia ter.
Jane. Certo dia, ela resolveu, O cenário sombrio, o mis-
então mandá-la para Lowood terioso, o terror e a névoa
School cuja escola era des- envolvem o leitor para um
tinada para crianças órfãs. mundo fantástico e sobrena-
Esta instituição, administrada tural.
pelo clérigo Brocklehurst, ho- O livro pode ser consi-
mem religioso, mas de gestos derado uma autobiografia
desumanos e cruéis com seus de Charlotte Brontë, pois há
subalternos. Ele, influencia- muitas semelhanças entre
do pela senhora Reed, dizia ela e Jane Eyre. Eram órfãs,
ser ela uma menina rebelde, viveram em orfanatos, foram
mentirosa e que não merecia professoras e mulheres inde-
a confiança de ninguém. No pendentes.
entanto, Jane encontrou uma Jane Eyre mostra que já
aliada na escola, a senhorita naquela época a mulher,
Temple, a quem tinha amiza-
de e a defendia dos impro-
muito desprezada e encar- O livro pode ser
regada de cuidar das tarefas
périos do administrador de considerado uma
domésticas apenas, podia ser
Lowood School. Jane fez ami- independente e demonstrar autobiografia de
zades com suas colegas, mas, sua capacidade perante a Charlotte Brontë, pois
infelizmente, a escola não sociedade. há muitas semelhanças
era um lugar feliz e algumas
de suas amigas vieram a entre ela e Jane Eyre.
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Recomendações de Leitura
Orgulho e
Preconceito,
de Jane Austen
Guilherme Rodrigues
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Autor em Língua Portuguesa
O DUPLO
Coelho Neto em andar contando essa remoques e deixei-o com
história por aí. os tais mocinhos, que lhe
- Temos, então, um caso aplaudem os versos quando
- Que tem?
de desdobramento da per- ele lhes paga a cerveja ou
sonalidade do meu querido - Ora! Que tem... Há o chá, aí por essas casas.
amigo? dias, em casa do Leivas, Não ando a pregar dou-
pouco faltou para que eu trinas: não sou sectário,
- Quem te disse ?
rompesse com o Malveiro, não freqüento sessões nem
- Laura. a propósito do que se deu leio, sequer, as tais obras de
Benito Soares ficou um comigo, e que lhe contaram propaganda que pretendem
momento encarado no não sei onde, entendeu que revelar o que se passa no
coronel. Por fim, meneando me devia tomar à sua conta, Além da morte. Sou religio-
com a cabeça, desabafou expondo-me à risota de uns so à velha moda, observan-
contrariando: petimetres ridículos que o do a doutrina que aprendi,
cercam. Fiz-lhe sentir que ainda que não ande beata-
- Laura... Laura faz mal
não me agradavam os seus
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meus companheiros laterais, raciocinava. Sim, mas o debate-se agoniadamente
porque ambos voltaram-se corpo não esfria de repente conseguindo elevar-se à
encarando-se de má som- e tais pensamentos e tais tona e gritar a socorro.
bra. raciocínios podiam ser ain- E tudo isso, meu ami-
Pasmado, sem poder da restos de energia d’alma go, não durou, talvez, um
desfitar os olhos daquele que me houvessem ficado minuto e eu guardo de
reflexo, que era, em tudo, nas células, como fica nas tais instantes a impressão
eu: nas feições, na atitude, polias o movimento ainda penosa de um século de
no trajo, não parecido, mas depois do motor parado. sofrimento.
reproduzido em exterioriza- Sentia-me rígido, petri- Eis o meu caso, o caso
ção, pensei de mim comigo: ficado e tinha a sensação que tantos aborrecimentos
“Se tal se dá é que o meu de frio, como se me fosse me tem trazido pela taga-
espírito, alma, ou lá o que congelando, a começar relice de Laura, a quem o
seja, exalou-se de mim, pelos pés. E o outro sempre contei, e que o repete por
deixando-me apenas o cor- encarado em mim. aí, a todo o mundo.
po, como a borboleta deixa Fiz um esforço supremo E crença que D. Juan de
o casulo em que se opera a como se quisesse levantar o Maraña, encontrando-se,
metamorfose. Assim, pois, o bonde com todos os pas- certa noite, com um sai-
que ali se achava, no bon- sageiros que ele continha mento, perguntou a um dos
de, era uma massa inerte, e, arremessando os braços, que conduziam o esquife: ‘~
sustida pelos dois corpanzis pus-me de pé. Quem era o morto?” E logo
que ladeavam. E, em menos A matrona levantou a lhe foi respondido:
de um segundo, vi todo o cabeça com atrevimento e
horror da cena, que seria - É D. Juan de Maraña.
olhou-me com tal carranca Querendo o fidalgo verifi-
cômica, se não fosse trágica, que eu pensei que me fosse
que se daria com a retirada car o que lhe dizia o farri-
agatafunhar ou, com a força coco e outros sinistramente
de um daqueles gordos. dos braços, que eram duas repetiam, afastou o sudário
Desamparado, o meu coxas, atirar-me do bonde e viu. Efetivamente: o de-
corpo vazio tombaria. Dar- abaixo e o ruivo roncou funto era ele. E tal visão
se-ia, então, o alarma: todos ameaçadoramente, apru- foi que o levou ao arre-
os passageiros de pé, a mando a cabeçorra quadra- pendimento. Pois comigo
verificação da minha morte, da de ulano com entono de a coisa foi num bonde. Eu
o reconhecimento do meu desafio. vi-me, como te estou vendo;
cadáver pelo condutor e a Mas que me importavam a mim, entendes? a mim!
minha entrada fúnebre em ameaças A minha alegria Como explicas tal coisa?
casa”. era grande e tornou-se - Essas coisas, meu amigo,
Que angústia, meu ami- maior quando, ao procurar não se explicam: registam-
go! E o outro lá estava em com os olhos o meu outro se, são observações, fatos,
frente a olhar-me, como se “eu”, não o vi mais. elementos para a Ciência
gozasse com o meu sofri- Teria descido? Não ! Não do Futuro, que será, talvez,
mento. Lembrei-me, então, descera. Tornara a mim, Ciência da Verdade.
de fazer um movimento atraído pela vontade, na
com os braços, com as ânsia de viver, no desespero
mãos; o receio, porém, de em que me vi, só compará-
ser a minha vontade aten- vel ao de alguém que, indo
dida pelos nervos fez-me ao fundo, sem saber nadar,
hesitar. Mas eu pensava,
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Autor em Língua Portuguesa
XIX
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
SONETOS
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste. Camões
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Contos
Lavadeiras (detalhe)
Cândido Portinari
óleo sobre tela
1944
O Sabão
Milagroso
26 SAMIZDAT dezembro de 2008
26
Volmar Camargo Junior A fábrica estava tendo do suas técnicas-lavadeiras
v.camargo.junior@gmail.com êxito, mandando carrega- terminaram com quase
mentos para os quatro can- quinhentos quilos de rou-
No tempo em não tos do Rio Grande, quando pa suja sem diminuir um
existia nem água encana- o proprietário da fábrica, milímetro. E, ainda mais
da, instalou-se na cidade Doutor Jorge Gusmão, En- estranho, ficava tudo impe-
uma fábrica de sabão. Era genheiro Químico, (cha- cavelmente limpo, sem nem
uma coisa de outro mun- mado às escondidas “Jorge precisar deixar quarando.
do, porque desde sempre Sabão”) tomou conhecimen-
só se usava daquele sabão to que as vendas estavam Formou-se o rebuli-
brabo feito em casa. Os diminuindo drasticamente ço. Doutor Jorge Gusmão
ingredientes eram coisas na cidade-sede da fábrica. investiu do próprio dinhei-
comuns, como banha de Percorrendo Pereirópolis ro para adquirir todas as
porco, soda, cinzas, essas ele mesmo, de vendinha barras do sabão milagroso
coisas. O sabão da fábri- em vendinha, e mesmo da concorrente. Vendeu
ca, coisa fina, tinha um no “mercadão” do finado o carro alemão, os ternos
componente que até então Malaquias, encontrou cai- italianos, o cavalo árabe e
ninguém havia sentido xas empoeiradas do sabão as botas de Uruguaiana.
falta: perfume. Depois que perfumado, encalhadas nas Comprou para Dona Ma-
as primeiras barras apare- prateleiras e nos depósitos. ricota uma fazendinha na
ceram — tanto no Mercado “Agora, só querem saber do França, garantindo-lhe uma
Público quanto no Bolichão sabão milagroso da Dona formidável aposentadoria
do Ataliba, as donas-de- Maricota” diziam os co- que, em dinheiro de hoje,
casa abandonaram com- merciantes. daria uns bons cinco mil
pletamente o sabãozinho por mês.
caseiro. Em pouco tempo, Doutor Jorge Gusmão,
Engenheiro Químico, quis O sabão perfumado
ninguém mais sabia a voltou a ser um sucesso.
receita. conhecer o produto da
concorrência. Doutor Jorge Gusmão, En-
Bom, dizer ninguém é genheiro Químico, teve que
um exagero. Uma pessoa A primeira coisa que inventar muitas variedades
ainda sabia. notou era que o sabão da para poder manter a con-
Dona Maricota não tinha corrente bem longe.
Dona Maricota era uma cheiro algum. A textura
mestiça de gringa com era muito parecida a de Dona Maricota, todavia,
bugre, gorducha, que a uma... pedra-sabão. Subme- nem lembrava mais de Pe-
essa época já estava meio teu-o a todos os testes quí- reirópolis. A última notícia
senil. Era do tipo de gente micos possíveis para saber que se teve dela é que os
para quem o século XIX de que era feito – e para vinicultores da Borgonha
não tinha acabado, nem o sua grata surpresa, não andavam arrancando os
século XX tinha começa- tinha nenhum dos compo- cabelos por causa de uma
do, nem sabia nada dessa nentes importados do seu. certa velhinha que apren-
coisa de séculos. Pois Dona O problema foi quando deu a fabricar champanha.
Maricota não se importava submeteram o tal “sabão Dizem que as garrafas que
com o perfume do sabão milagroso” ao teste defi- ela vendia, por mais que
da fábrica – e insistia em nitivo: o tanque de roupa se bebesse, não esvaziavam
teimar com as comadres suja. Doutor Jorge Gusmão, nunca.
que sabão perfumado não Engenheiro Químico, não
servia para lavar roupa. conseguia acreditar quan-
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Contos
O Aniversário
de J.S.B. Henry Alfred Bugalho
henrybugalho@gmail.com
Durante as comemo-
rações do aniversário de
sessenta anos de Johann
Sebastian Bach, um con-
curso foi organizado para
determinar quem era
o melhor organista da
Europa.
Na verdade, o intuito
era apenas confirmar o
que todos — concorren-
tes, jurados e até o pró-
prio homenageado — já
sabiam: Bach era o maior
dos virtuosi.
Músicos de todos os
países, de todas as ci-
dades e paróquias se
congregaram em Leipzig
para o festival, com dura-
ção de três dias.
Os moradores deco-
raram as casas e as ruas,
mais cheias de vida do
que nunca, invadidas pela
multidão de pessoas e
idiomas, artistas e curio-
sos.
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parar para o embate. No verá ser dado a ele. tificação, encontraram a
entanto, Bach não conse- ossada dum homem, pé
Os organizadores des-
guiu conter a ansiedade esquerdo amputado.
cobriram que o jovem se
e, durante os ensaios, se
chamava Wolfram Benja- Pesquisadores estuda-
escondeu num canto da
min, organista em Ham- ram os restos mortais,
igreja para ouvir e cons-
burgo, na casa dos trinta vasculharam documentos
tatar a perícia dos desa-
anos, genial e arrogante. da congregação, manus-
fiantes.
Nem mesmo a ausência critos e concluíram: aque-
Após todos terem dei- do pé esquerdo — am- le era Wolfram Benjamin,
tado os dedos no teclado putado por causa dum assassinado com um
do órgão, um dos orga- tumor — reduzia sua golpe de objeto rombudo
nizadores da celebração desenvoltura nas peda- no crânio.
indagou Bach: leiras. Além de brilhante
O escândalo se ins-
intérprete, era um com-
— E então? São bons taurou no mundo da
positor incomparável. A
músicos? música, vários críticos,
constatação de que Bach
musicólogos e especialis-
— Todos, sem exceção. não mentia os levou ao
tas se posicionaram em
Aqui estão os melhores desespero, o festival seria
lados distintos da disputa,
do mundo. arruinado.
alguns defendiam a ge-
O organizador limpou A data do aniversário nialidade de Bach, outros,
com um lenço o suor chegou e, um a um, os a interrompida carreira
que lhe escorria pelas competidores se apre- dum prodígio.
têmporas: sentaram. Bach assistia a
O governo de Ham-
tudo em silêncio, sentado
— E dará tudo certo? burgo exigiu retratação
na primeira fila.
Imagino que nenhum de- por parte do de Leipzig,
les se equipare a você. Mas em nenhum dos além da redação duma
três dias Wolfram Benja- nota pública expondo os
— Eu não teria tanta min tocou. Ele simples- fatos e afirmando que o
certeza... — Bach gaguejou mente não compareceu organista hamburguense
— Há um jovem com um ao desafio. teria morrido por causa
talento extraordinário, dum único crime — ser
muito mais hábil do que A última apresentação melhor do que Bach.
eu. foi de Johann Sebastian
Bach. Leipzig não cedeu, ale-
— Impossível! Sua ins- gou desconhecimento do
piração é divina, Sr. Bach. O clamor se ergueu, de assunto e, segundo dizem,
boca em boca, pelas ruas ocultou evidências, des-
— Se minha inspira- de Leipzig: Bach havia truiu documentos histó-
ção é divina, então é a vencido. ricos, tudo para apagar
própria mão de Deus
Isto até 1994, quando quaisquer vestígios da
que toca através daquele
foram necessárias refor- presença de Benjamin
rapaz. Se quisermos ser
mas no cemitério da igre- durante o aniversário de
justos, o título de melhor
ja. Numa cova sem iden- J. S. Bach.
organista do mundo de-
E a contenda pros-
segue, com acusações,
mentiras e evidências
duvidosas.
http://content.answers.com/main/content/img/getty/0/6/2661706.jpg
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Contos
Paulette na
cidade Joaquim Bispo
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time, posso ganhar uns assomara à casca fechou-se olhos lúbricos e esmigalha-
dinheirinhos e ter tempo logo a seguir. – Mas não é vam com mãos papudas o
para estudar. trabalho para vocês. Não resto de casca e de pelícu-
têm este cheiro! la que as castanhas ainda
– Olha, este é para mim!
mantinham. E depois – oh
– entusiasmou-se a Avelã – Da Amêndoa e da Avelã,
horror! – de uma só denta-
«Chocolataria procura avelã nem sinal. A Castanha da
da comiam-nas. Inteiras.
grada. Paga bem». Se ganhar Índia teve que voltar ao tra-
muito dinheiro, compro um balho. A Noz e a Castanha Escapou-se-lhes um «Oh!»
pulverizador à minha mãe. esperaram ainda umas duas involuntário. O homem das
horas, e como as outras não castanhas viu-as e baixou-
– Hum, não sei o que
vinham, foram responder se para as apanhar. Estava
este é – disse a Castanha
ao anúncio para a Paulette. quase a agarrar Paulette
carregando o sobrolho –
quando a Noz, ginasticada
«Castanhas nacionais e es- Era numa rua estreita e
e enraivecida pela repulsa,
trangeiras. Quentes e boas!». o local de trabalho, envolto
saltou. Apontou uma cabe-
É capaz de ser uma empre- em fumo, não passava des-
çada aos dentes do homem.
sa de trabalho temporário. percebido. Aproximaram-se,
O lábio superior deste
Mas não há mais nada! sem dizer nada, e ficaram à
interpôs-se e ficou esmaga-
espreita, para descobrir qual
Combinaram que cada do entre os próprios dentes
era o ramo do patrão. Este,
uma iria responder ao seu e a cabeça dura da Noz.
de bigodinho e cabelo com
anúncio e que voltariam a O homem gritou agarrado
gel, pegava nas castanhas,
juntar-se de tarde, excepto ao lábio a sangrar. Várias
dava-lhes um golpe na
Paulette que ficou à espera cabeças de homens se vol-
casca e atirava-as para um
de saber se havia vagas no taram. A Castanha e a Noz
pote esburacado que tinha
trabalho da Castanha da sentiram aquelas dezenas
sobre brasas.
Índia. À hora aprazada che- de olhos sobre si. Um medo
gou a Noz muito zangada. Só então, horrorizadas, imenso apoderou-se delas.
Tinha ido responder a um se aperceberam do cheiro Fugiram dali tão depressa
anúncio para Segurança e a castanhas assadas que quanto conseguiram, sem
tinham-lhe dito que era um enchia o ar, e as viram olhar para trás. Ao virar
estágio não remunerado. amontoadas num grande uma esquina, quase foram
tabuleiro. Estavam irreco- esmagadas por um carro.
– Lá na terra nunca me Atiraram-se para o lado às
nhecíveis. A casca golpeada
fizeram uma proposta tão cegas e caíram numa sar-
encanecera como noiva
desavergonhada! jeta. No escuro húmido e
adiada e abrira-se pela
acção do calor, deixando ver fétido, olharam em volta
– Eu cá, estou contente
o delicado véu interior, que tentando enxergar o que
com o trabalho – disse a
se separara do corpo ex- quer que fosse. Só três pares
Castanha da Índia. – Fiquei
pondo o miolo dourado das de olhos brilhantes guin-
a trabalhar em casa duma
castanhas. «Que degradante! chavam.
velhota simpática e o que
tenho que fazer é só ficar Porquê estas atrocidades,
numa gaveta de roupa a porquê?» – perguntavam-se.
afugentar as traças. – O Observaram então como os
sorriso de orgulho que lhe homens se aproximavam de
Conspiração ZHAARP
“Em 2068, por todos os segue: ela. Devemos firmar agora o
lugares do mundo, de um lado, - Vejam esta constela- compromisso de que nossas
sessenta famílias controlando ção de satélites ao redor da Industrias nunca mais pro-
toda a riqueza do planeta Terra. A maioria deles estão duzirão eletrônicos. Tiremos
enquanto seus aparatos de equipados com canhões assim a ferramenta com que
poder reagem violentamente Zhaarp que disparados em os baderneiros se mobilizam
ao que chamam de desordem direção a todas as cidades e retomaremos o controle do
das massas. Do outro, mi- da Terra, inutilizarão todos mundo, a tranqüilidade dos
lhões de pessoas invadem no os equipamentos eletrônicos. nossos negócios.
mesmo instante os gabinetes Será o fim da Internet e com Todos aplaudem exultan-
corporativos e governamentais. ela todas as mobilizações que tes. Pequenos hologramas
São os braços de três bilhões atentam contra a liberdade em frente de cada magnata
de sobreviventes que se orga- dos empreendimentos. coletam suas assinaturas
nizam mundialmente através biométricas. Cada corpo-
da Grande Rede e deliberam - Mas sem Internet como
ficarão nossos negócios? Se ração recebe uma parte a
regras para regular a desor- ser cumprida no plano. O
dem esgotadora de pessoas e voltarmos à era do papel, dos
contratos através de correios, grande holograma central se
natureza que perdurou por transforma em um imenso
mais de cinco séculos.” nossos lucros cessarão. Diz
um gordo senhor. cronômetro em contagem
- Não deixaremos que esta regressiva mostrando o tem-
anarquia continue a assolar o - Muito simples, senhor po inicial de seis horas, seis
mundo. - Diz um bigodudo Carl Johnson. A partir de minutos e seis segundos.
senhor no meio da imensa amanhã passará a funcionar
mesa de sessenta lugares a mundial rede fotônica, úni-
ocupados. ca imune aos pulsos Zhaarp. (Capítulo 4 do Romance
Todas as nossas operações “RETORNO AO BIG BANG
- De hoje não passará, passarão a utilizá-la. Dife- MICROCÓSMICO”)
senhor Karl Mittali. Apre- rente da Internet baseada em
sento-lhes o plano que nossas eletrônicos e totalmente des-
corporações deverão seguir. controlada, a rede fotônica http://bigbangmicrocosmico.
Todos olham ansiosos (que utiliza somente raios lu- blogspot.com/
para o grande holograma minosos) será centralizada e
que surgiu no auto da mesa. apenas os conteúdos que nos
Walton Lee Rockefeller pros- interessam trafegarão por
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Contos
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Contos
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A Surpresa
Guilherme Rodrigues Depois daquele dia, mar- e filha. Crianças pequenas.
camos de nos encontrarmos, O menino, que era dois anos
na semana seguinte, na sorve- mais velho que a menina,
teria “Bola de Neve”, a melhor estava com a cara inteiri-
da cidade. nha lambuzada de sorvete e
mergulhava seu boneco nele.
Fazia um tempo fresco e A mãe gritando. A menina
ensolarado, eu já aguardava chorava e dizia querer pastel,
no local. Cheguei dez mi- não sorvete. E a mãe gritan-
nutos mais cedo, como de do. Enquanto o pai tomava o
costume. Nesse tempo come- seu sorvete sossegadamente
cei a observar ao meu redor. e olhava o movimento na
Uns onze metros à frente, rua. E a mãe gritando. No
uma família, pai, mãe, filho lado interno, no canto, ti-
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Contos
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Para lá do Muro
José Espírito Santo
A cada ser a sua arte. A da barata sionista das nossas modestas em volta da lareira aquecía-
é resistir, contornar, construções. Tão perto... tão mos os ossos e alimentáva-
encontrar novos caminhos rodean- à bica! No topo um longo mos a alma com tudo o que
do os obstáculos. Só corredor feito calha servia de conseguíamos escutar.
não a virem de cabeça para baixo auto-estrada por onde desli- Parece que alguns lou-
Anónimo zavam velozes e silenciosos os cos tentaram escalá-lo ou
pequenos “robot”. contorná-lo. De alguma
A enorme massa branca Cresci brincando em forma vencer aquela barreira,
e sólida estava ali desde que redor deste monstro marco esgotá-la, encontrar-lhe um
me conheço. Fria e imponen- de fronteira, habituando-me fim. Foi assim com o homem
te com seus sessenta metros gradualmente à sua presença. que chegou um dia vindo do
de altura, numa vizinhança Meus pais e avós referiam o horizonte feito de pó para
próxima, em frente a minha artefacto nas suas histórias de logo partir duas horas após
janela, travando com sucesso nossos serões dos domingos chegar à nossa cidadela. Com
silencioso o ímpeto expan- de inverno quando, reunidos o seu ar cansado e a longa
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Contos
NO ELEVADOR
Zulmar Lopes
Voltar para casa o de- humilhações e o desprezo late. Bastava o cheiro para
primia. A expectativa de, iam minando, dia após dia, nauseá-lo.
após um dia de trabalho o que ele e a esposa ainda Sua angústia diária tinha
ouvindo os berros ani- fingiam ser um casamento. início dentro do elevador
malescos de seu Djalma - Bancário! – exclamava do prédio onde morava.
tratando-o como um reles a esposa carregando no Acompanhava o lento pas-
vassalo; abrir a porta de desprezo, boca marrom sar da cabine pelo andares
casa e topar com a megera, de chocolate – Não pas- até chegar àquele palco seu
estendida no sofá, devoran- sas de um medíocre e vil tormento. “Lar, doce lar”,
do bombons e metida em bancário! E pensar que eu resmungava em tom irôni-
um enorme robe cor-de- podia estar casada com o co.
rosa era um desajuste para Deputado! Que triste sina a
qualquer mortal. Fosse só Naquele final de tarde
minha! tudo parecia caminhar
isto, ele até que poderia
tolerar, mas as cobranças, No decorrer dos anos, para a mesma rotina de
passou a ter nojo de choco- achincalhes promovidos
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Contos
DEZESSETE
Pedro Faria
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fazendo-a cair sentada numa sionando o corpo dela contra dela.
poltrona. a poltrona, ele começou o vai Seu suor escorria sobre
Ela começou a gritar. e vem dentro dela. Ela cho- o corpo dela, e ele achava
rava, implorava para que pa- que ia desmaiar. Notou que
Após fechar a porta, ele se rasse, mas ele não se impor-
aproximou dela. estava muito fácil penetrá-
tava. Estava adorando aquilo. la. Mesmo que o corpo dela
“Não, agora você vai ficar Estava finalmente tomando o tivesse se ajustado, estava
sentada aí e me ouvir! Eu fiz que sabia ser seu de direito. muito fácil.
tudo para você, tudo mesmo. Sangue pingava no chão.
Ouvi seus lamentos, tratei de Olhou para baixo, e gritou.
suas feridas, enxuguei suas A posição estava ficando As nádegas dele lhe envol-
lágrimas. E você, nada!” desconfortável para ele. En- viam a barriga. Ele estava en-
tão, ele a segurou por baixo, trando nela, como ele sempre
Ele estava errático. Seus para levantar seu corpo na
olhos desfocados, como se quis. Estava se tornando parte
poltrona. dela, para sempre. Achou que
estivesse drogado.
Quando a mão dele tocou deveria estar feliz.
Ela tentou se levantar e no meio das coxas dela, uma
fugir, mas ele a segurou de Mas não estava. A úni-
surpresa: Ela estava enchar- ca coisa que sentia era um
bruços na poltrona. cada, seu mel lambuzando os medo paralisante.
“Eu vou fazer o que tenho dedos dele.
que fazer. Eu vim fazer a “Isso, agora sim, mais forte!
A puta estava gostando! Somos apenas eu e você ago-
cobrança”.
Esquecendo qualquer des- ra, amor.”
Havia uma estante atrás conforto que pudesse estar
da poltrona. Ele puxou seu Ele gritou, e algo o atingiu
sentindo, ele continuou mais no rosto.
cinto e prendeu as mãos forte.
acima da cabeça, amarrando Olhando bem, ele viu que
o cinto na estante. Aí, ela riu. era o chão. Estava caído em
Com seu joelho nas costas Ele parou. A risada dela seu quarto, o suor do pesade-
dela, ele tirou suas calças e não era apenas fora de lugar, lo lhe ensopava a camisa.
a cueca. Toda aquela briga o era horrível. Seu sangue con- Esfregando o rosto, ele
havia deixado excitado. gelou. se levantou. As imagens do
Arrancou a bermuda dela, “É só isso? Vamos, mais sonho iam e vinham em sua
e a calcinha. As nádegas dela forte! Vamos lá! Vai me dizer mente, e ele estava tonto com
estavam quentes, e ela cho- que já entrou tudo? É só isso a queda. A última coisa que
rava. mesmo? lembrava era de ter ido dei-
Você me enoja! Precisa tar com raiva.
Ele queria que ela não
gostasse. me pegar desprevenida, me Aí ele se lembrou dela, e
amarrar, para fazer o que deu um soco na parede.
Enfiou as mãos entre as não teria coragem. Você é
pernas dela. Ela chutava e Estava cansado dela em
um fraco. sua cabeça.
gritava.
Mais! Você começou agora Levantou-se. Daria um
Ele ignorou a vagina dela. você vai terminar.
Não, ali seria fácil demais. passeio.
Mais forte! Mais, mais!” Isso o acalmaria.
Então ele a penetrou no
orifício entre suas nádegas, Ele continuou se movendo, Sim.
de uma vez só. O grito dela a risada dela ecoando em sua
mente, suas palavras flutuan- Uma caminhada. Talvez
foi horrível. uma volta num ônibus.
do pela sala, ditas com uma
Com as duas mãos pres- voz gutural, que não era a E tudo ficaria bem.
http://www.flickr.com/photos/laurenclose/496054348/sizes/o/
Pedro Faria
Eu sempre tive uma fanta- Congelei de medo, porém mum. Ele segurava com as
sia com as pernas dela. Não sabia que não tinha como duas mãos a perna esquerda
com os seios, com a boca ou ela ter me visto, e, além disso, dela, decepada na altura da
com a bunda. eu não tinha feito nenhum cintura, um machado san-
barulho. grento deitado no tapete
Além do mais, era sempre junto à cama. Ele a tinha
o mesmo sonho: O facão, Eu sabia que se desistisse lambuzado com algo, e esta-
o sangue, o pote de molho agora, eu nunca ficaria livre va arrancando com os dentes,
barbecue... dos sonhos. grandes pedaços da parte
Fico duro só de pensar. Então me dirigi de encon- carnuda da coxa.
tro ao som. A situação seria cômica; e
Acordei ontem de manhã
depois da, não sei, milésima Com o ouvido encostado de fato foi, por alguns se-
vez que sonhei com aquelas na porta, eu consegui ouvi- gundos, nós três nos olhando
pernas grossas dela. Tinha la, berrando e chorando, e com expressões de surpresa
sujado meus lençóis, e deci- gritando com uma voz mais estampadas em nossos rostos,
di que não agüentava mais. aguda do que eu pensei ser nossos olhos arregalados. Até
Esperei chegar a noite (só possível para um ser huma- que os gritos dela voltaram,
a antecipação me obrigou no. lavando a graça embora.
“liberar a tensão” cinco vezes Uma expressão de fúria
durante o dia), pus uma toca Assustado, chutei a porta
com força suficiente para tomou conta de minha face,
preta, peguei o facão que e eu o encurralei, meu facão
guardo com minhas ferra- arrancá-la das dobradiças, e
o que eu vi, eu nunca esque- em seu pescoço.
mentas no galpão e marchei
até a casa dela. cerei enquanto viver: “Mas o que é isso?”, gritei.
Todas as luzes estavam Ela estava deitada na cama, Seu olhar era o de um
apagadas, menos a do quarto o choro interrompido, subs- homem morto.
dela no segundo andar. Subi tituído por um olhar que era
na árvore e abri a janela do misto de dor e surpresa. “Você está usando mostar-
outro quarto. da?!”
Havia um homem de pé
Entrei, e assim que saí ao lado dela, um homem que E nós dois caímos na
para o corredor, ouvi um eu reconheci como sendo risada.
grito vindo de seu quarto. um vizinho nosso em co-
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Contos
DESCOBERTAS
Marcia Szajnbok
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percorria todas as salas de ritmo: Ouviu vozes no corredor
aula como que invisível. - La-á-Dó-Lá-Si-í-Dó-Ré- e passos que se aproxima-
No que devia ter sido ou- Si-Sol... João repetia men- vam. Apavorado, João cor-
trora um porão, havia um talmente essa linguagem reu a se esconder atrás da
pequeno anfiteatro, onde estranha e monossilábica. cortina de uma das janelas.
os alunos tinham aulas de Mesmo sem ter nenhuma Respirava devagar para que
canto com o Maestro. idéia do significado daquele ninguém notasse sua pre-
amontoado de sons, achava sença. E então, ouviu. Era
- Meninos, cantemos! O um som límpido, suave, um
coração que canta não co- bonito o grupo todo decla-
mando aquela ladainha em som que parecia falar-lhe,
nhece tristeza! – era sempre lindo. Pôs um só olho para
com esse bordão e a batuta uníssono.
fora e viu que, diante do
levantada, que ele dava iní- No entanto, o melhor es- móvel estranho, uma me-
cio às sessões de cantoria. tava no andar de cima. Era nina mexia na grande boca
Encolhido em alguma preciso vencer a escadaria aberta e, a seu lado, uma se-
cadeira da última fila, João rangente, mas sempre valia nhora lhe corrigia os erros.
ouvia. Visto assim de longe, à pena. Eram três salas, No final da aula, a professo-
o Maestro nem parecia tão duas menores e uma gran- ra indagou à aluna, se tinha
mau. Várias vezes em cada de, onde aconteciam as au- gostado de tocar num piano
aula, ele interrompia, os las de instrumentos: violão, de cauda. Era isso, então!
alunos recomeçavam. E João violino, violoncelo, flauta e Um piano de cauda!
ouvia. A partir de certo piano. Na sala maior, João
encontrou um tesouro. Depois que elas saíram,
momento, seria capaz de João se aproximou nova-
cantar junto, mas só o fazia Certa vez viu a porta mente. Encheu-se de cora-
em pensamento, a voz da aberta, ninguém lá dentro, gem, e encostou um dedi-
mãe com o indicador esti- e entrou. Achou curioso nho numa das teclas. Bem
cado em seu nariz, repetia- que, numa sala tão ampla, de leve e tão devagar, que
lhe na memória: - Nem um houvesse um só móvel no não se produziu nenhum
pio, entendeu bem? Nem centro. Ele era engraçado. som. Desde então, sem-
um pio, senão você entra na Enxergou ali uma cabeça pre que podia, o garoto se
piaba! João não sabia o que disforme: a boca ampla, punha em seu esconderijo
era uma piaba, mas pelo dentes brancos e pretos atrás da cortina e acompa-
tom de sua mãe, não devia num sorriso estático, a par- nhava as aulas no piano de
ser coisa boa. te de trás com um formato cauda. Do mesmo modo
No primeiro andar, havia irregular, como um crânio que acompanhava o solfejo
a secretaria e duas salas de com a tampa aberta. Não e o canto orfeônico, aqui
aula com carteiras e lousas. resistiu. Puxou para perto também ia aprendendo as
Ali os alunos aprendiam daquela abertura o banco músicas pela repetição. A
história da música, análi- que ficava diante da boca, diferença é que o piano
se, folclore, teoria musical, e espiou lá para dentro. não cantava, e por isso foi
solfejo, harmonia. Esse voca- Várias tramas de fios so- desenvolvendo um tipo de
bulário iniciático tornou-se brepostos uns aos outros, memória diferente, pura-
familiar para o menino. pinos metálicos, tiras de mente musical, a seqüência
O que ele mais gostava de feltro vermelho recobrin- melódica sem palavras, des-
acompanhar eram as aulas do pedaços de madeira de vinculada de significados.
de solfejo: as mãos ritma- diferentes formatos. Era um E quando se via sozinho na
das batendo nas mesinhas, quebra-cabeças incompre- sala, chegava perto e acari-
a fala acompanhando o ensível. ciava as teclas, maravilhado.
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Contos
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Tradução
O Conde Lucanor
Don Juan Manuel
tradução: Henry Alfred Bugalho
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Conto XIII fazia isto, o vento, que batia sos interesses. Mas se vos
em cheio em seus olhos, prejudica voluntariamente,
o fazia chorar. Ao ver isto, rompei com ele para que
O que aconteceu a um homem uma das perdizes, que es- vossos bens e vossa fama
que caçava perdizes tava presa na malha, come- não se vejam lesionados ou
çou a dizer a suas compa- prejudicados.
nheiras:
Outra vez, o Conde O conde viu que este
Lucanor conversava com — Olhem, amigas, o que era um bom conselho que
Patronio, seu conselheiro, e acontece a este homem! Patronio lhe dava, seguiu-o
lhe disse: Ainda que nos mate, olhem e tudo ficou bem.
como ele se condói por
— Patronio, alguns nobres nossa morte e, por isto, E vendo don Juan que
muito poderosos e outros chora! o conto era bom, ordenou
nem tanto, às vezes, cau- pô-lo neste livro e fez estes
sam danos a minhas terras Mas outra perdiz que versos:
ou a meus vassalos, mas, avoava por ali, mais velha e
quando nos encontramos, mais sábia do que a outra
A quem te faz mal, mesmo
eles me pedem desculpas, que havia caído na rede,
que seja para ti pesar,
dizendo-me que fizeram-no respondeu-lhe:
Busca sempre um modo para
obrigados pela necessida-
— Amiga, dou graças a poder dele se afastar.
de, muito a contragosto e
Deus porque me salvei da
sem poderem evitar. Como
rede e agora peço a Ele que
eu gostaria de saber o que
salves a mim e a todas mi-
devo fazer em tais circuns-
nhas amigas dum homem
tâncias, suplico-vos que me
que busca nossa morte,
deis vossa opinião sobre
mesmo que dê a entender
este assunto.
com lágrimas que muito se
— Senhor Conde Lucar- condói.
no, disse Patronio, o que
Vós, senhor Conde Luca-
haveis me contado, e sobre
nor, evitai sempre aqueles
o qual me pedis conselho,
que vos causam dano, mes-
parece-se muito com o que
mo que dêem a entender
ocorreu a um homem que
que sentem muito; mas se
caçava perdizes.
algum vos prejudica, sem
O conde lhe pediu que buscar vossa desonra, e se
contasse a história. o dano não for muito grave
para vós, se se trata duma
— Senhor conde, disse pessoa à qual deveis favores,
Patronio, havia um homem e que além disto foi forçado
que estendeu suas redes a isto pelas circunstâncias,
para caçar perdizes e, quan- eu vos aconselho que não
do já apanhado bastantes, o se importeis demais, mas
caçador voltou para junto deveis procurar que tal não
da rede onde estavam suas se repita tão freqüentemen-
presas. Na medida em que te que chegue a macular
as recolhia, tirava-as da vosso bom nome ou vos-
rede e as matava e,enquanto
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Tradução
A Festa de São
Simão Esgaratujo
Ricardo Palma
tradução: Henry Alfred Bugalho
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Ricardo Palma era filho de Pedro todo o mundo
Palma Castañeda e de dona hispanófono,
Guillermina Soriano Carrillo; que o acolhe
neto paterno de Juan de Dios como um dos
Palma e de Manuela Castañeda. escritores clás-
Nasceu em Lima em 7 de feve- sicos de prosa
reiro de 1833. Desde jovem teve mais acessível
envolvimento com a política junto do continente
a ala dos liberais, a qual o incitou americano. Foi
a participar em um malfada- membro corres-
do levante contra o presidente pondente de La
Ramón Castilla, que levou a seu Real Academia
desterro ao Chile por três anos. Española, La
A política o conduziu aos cargos Real Academia
de cônsul do Peru, senador por de la Historia e
Loreto e funcionário do Ministé- de la Academia
rio de Guerra e Marinha. Mas foi Peruana de la
nas Letras a atividade em que se Lengua, assim
destacou. Desde jovem começou a como mem-
escrever poesias e peças teatrais, bro honorário
inclusive a realizar colaborações da Hispanic
em jornais do país. Teve grande Society de Nova
presença na imprensa satírica, na York. Em 1881,
qual foi um prolífico colunista e participou da
um dos baluartes da sátira política defesa de Mira-
peruana do século XIX. Começou flores durante
colaborando na folha satírica El a batalha de
Burro, para ser posteriormente Miraflores de
um dos principais redatores de La 15 de janeiros
Campana. Mais adiante, fundou a de 1881, no Forte Nº 2, sob o
revista La Broma. comando do coronel Ramón Ri-
beyro, quando as tropas invasoras
Também foi um colaborador assí- incendiaram a cidade, incluindo
duo de publicações sérias como El sua casa. Em 1883, foi nomeado
Mercurio, El Correo, La Patria, diretor e restaurador da Biblioteca
El Liberal, Revista del Pacífico e Nacional do Peru.
Revista de Sud América. Também
atuou com correspondente de Casou-se com Cristina Roman
periódicos estrangeiros durante a Olivier, com quem teve vários
Guerra do Pacífico. filhos. Seu filho, Clemente Palma,
foi um escritor de destaque, autor
Em 1872, foi publicada a primeira de contos fantásticos, geralmente
série de sua principal obra: “Tra- de terror, sob influência de Edgar
dições Peruana”. Allan Poe, e sua filha, Angélica
Palma, foi uma das fundadoras
Ao longo de sua vida, publicou
do movimento feminista peruano.
artigos históricos, trabalhos de
Morreu no distrito limenho de
investigação como Anais da Inqui-
Miraflores, em 1919.
sição de Lima e inclusive estudos
lexicográficos sobre a variedade
peruana do espanhol.
Enchendo Lingüística:
Ficção sob pressão
Durante o mês de outu- quisaram sobre a vida e os da normalidade. Ao menos,
http://www.flickr.com/photos/thecaucas/2262788821/sizes/l/
bro, no tópico “Enchendo métodos de trabalho e os da normalidade que com-
Lingüística” da comunidade hábitos de escrita de escri- partilham os escritores.
da Oficina de Escritores, tores conhecidos, aclama- O resultado dessa pes-
discutimos assunto da dos, considerados literatos quisa foi tão interessante
dificuldade de escrever sob ou best-sellers. que me senti na obrigação
alguma forma de pressão: Nessa pesquisa, pudemos de dividi-lo com o leitor
de um prazo, de um tema, comparar os hábitos dos da SAMIZDAT. Como foi
de um gênero. “grandes” com os nossos, produzido a várias mãos,
Escrever sob pressão, confirmarmos se organiza- brasileiras e lusitanas, esse
assim como executar qual- ção e método influenciam texto pode apresentar al-
quer outra atividade, pode ou não a atividade dos gumas diferenças de grafia
ser tanto um estímulo escritores. E também, para entre um trecho e outro
quanto um agente promotor avaliarmos se nossas manias da biografia dos autores.
de mal-estar — do descon- e nossas crises de desespero Por hora, ainda não temos
forto ao pânico. Os ofici- (quando temos que produ- a reforma ortográfica a nos
neiros que participaram da zir contos dentro de um pressionar, mas essa tam-
discussão, todos confiden- tema, um gênero e dispo- bém não tarda.
ciaram como se relacionam mos de poucos dias para Boa leitura
com essas pressões. Como entregá-los ao organizador
uma tarefa, os colegas pes- da atividade...) estão dentro
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Jorge Luis Borges (1899 - 1986) é um au-
tor que sempre se considerou um preguiçoso.
Numa biografia que li dele, ele afirmava que não
escrevia romances porque tinha preguiça, demo-
rava muito tempo para serem escritos.
http://accel96.mettre-put-idata.over-blog.com/0/00/35/40/portraits2/jorge-luis-borges.jpg
http://www.passado.com.br/ntc/fotos/graciliano_ramos.jpg
(http://www.w2mw.com/marktwain.htm)
http://lifememory.com/upload/marktwain/images/459009eeec08e50f873c73142db6d33a.jpg
Guimarães Rosa (1908 – 1967) talvez seja o mais importan-
te escritor brasileiro desde Machado de Assis. Com uma escrita
própria e poderosa, ele criou alguns mitos literários. Dividia o
tempo entre o ofício diplomático e a escrita. Morreu poucos
dias após ter tomado posse duma cadeira na ABL. Dizem que
era um forte candidato ao Nobel.
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http://bibesjcp.no.sapo.pt/jcp.jpg
http://viniciussanfelice.files.wordpress.com/2008/08/clarice.jpg
– De manhã.
“Quando estou a escrever não existe nada a não ser o livro. Isso é
muito bom.”
“...ao acabar-se um dia de trabalho, no dia seguinte o livro inflecte. Às vezes dá-me vontade de continuar
a escrever por mais horas. O que eu faço, então, é parar, se possível, a meio de uma frase. Se possível, a meio
de uma palavra. Para tentar não torcer muito o rumo ao livro, para usar a sua expressão.”
“Tinha contado fazer esta página em quatro ou cinco dias e fi-la em dois. Isto para mim é uma coisa
muito rara.”
“Tenho que me impor uma data para começar. Fui ver ao calendário: 25 de Fevereiro. Não sei porquê.
Não é uma data que tenha, para mim, nada de especial. Calhava a uma segunda-feira. Normalmente, o que
eu fazia antigamente era esperar que houvesse um mês em que o dia um fosse a uma segunda-feira, para
começar. Era uma forma de atrasar o começo do livro.”
“Foi sempre a mesma coisa. Eu não escrevia por estar motivado. Escrevia porque tinha que escrever. Não
era uma questão de destino, nem de obrigação.”
(Revista Ler – nº 69 - Maio de 2008. http://www.ala.nletras.com/entrevistas/LER0508.htm)
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Fernando Pessoa (1888 – 1935), sobre o próprio processo de escrita:
nada na matéria.”
(trecho duma carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro)
http://bressonianas.zip.net/images/FranzKafka.jpg
“É fácil reconhecer a concentração de todas minhas forças na
escrita. Quando ficou claro ao meu organismo que a escrita era a
mais produtiva direção para o meu ser, tudo se apressou em tal di-
reção e esvaziou toda as outras habilidades que eram direcionadas
para as alegrias do sexo, da alimentação, da bebida, da reflexão
filosófica e, acima de tudo, da música. Atrofiei-me em todas estas di-
reções. Isto foi necessário porque a totalidade das minhas forças era
tão tênue que apenas coletivamente elas poderiam servir, mesmo
que a meio caminho, ao propósito da escrita.”
(Diários, 1912)
José Saramago:
http://verblogando.files.wordpress.com/2008/04/josesaramago.jpg
(http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI16184-15220-
,00-DEI+A+PROCURA+DE+IDEIAS.html)
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Honoré de Balzac (1799 – 1850) era tão
doido que chegava a escrever por dias a fio.
Sua rotina diária era absurda, como escrever
por quinze horas ininterruptas, regadas a muito
café. Além disso, Balzac sofria de um irrepa-
rável perfeccionismo. Diz-se que fazia pré-
impressões dos livros – ao ponto de ele próprio
adquirir uma pequena gráfica - ocupando
apenas o espaço central da página. Assim, fazia
inúmeras correções, e tornava a imprimir. No
caso do Balzac, cuja obra é monumental, sofria
a pressão de si mesmo.
(http://en.wikipedia.org/wiki/Balzac)
http://www.gruposummus.com.br/images/imprensa/Ryoki2.jpg
“Ao ver Ryoki no Guinness Book, Matt Moffett,
jornalista americano do Wall Street Journal, teve
sua curiosidade despertada para o processo de
criação do escritor, querendo ver pessoalmente
para crer, como alguém poderia produzir his-
tórias de sucesso em tão pouco tempo. Assim,
lançou um desafio ao escritor e aportou em São
José dos Campos (onde Ryoki morava na época),
no final de janeiro de 1996. Uma semana depois,
Moffett contou como nasceu o livro de Ryoki
Inoue - Seqüestro Fast Food, elaborado em uma
noite, mais precisamente das 23h30 às 4h - num
dos jornais mais famosos do mundo.”
(http://www.ryoki.com.br/biografia.htm)
Joaquim Bispo
Léo Borges
Maria de Fátima Santos
Volmar Camargo Junior
Conteúdo
http://oficinaeditora.org/2008/11/29/audiobook-da-oficina/
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Teoria Literária
A Tese na literatu
Henry Alfred Bugalho
henrybugalho@gmail.com
A tese, ou a proposição, é
Charles Thévenin: La
aquilo que é posto diante dos
prise de la Bastille, 1793
olhos do leitor, aquilo que o
Paris, Musée Carnavalet autor deseja apresentar.
(P.572)
Numa carta de amor entre
namorados, a tese é provar
os sentimentos amorosos
dum para o outro; num texto
teórico universitário, a tese é
a demonstração e comprova-
ção duma hipótese; em qual-
quer texto, existe uma tese,
uma idéia a ser defendida,
mesmo que ela esteja diluída
e pareça ser inexistente.
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mente, quando o texto esti- tina. Victor Hugo se opu- mos um personagem sofren-
mula o leitor a concluir, por nha à pena capital e tanto do por causa da expectativa
si só, qual é a tese. nesta obra como em outras, da execução.
ele defenderá este ideal. No
Já no caso duma obra na
entanto, o que diferencia “O
qual a tese esteja implícita,
A Literatura Panfletária Último Dia dum Condenado
o autor geralmente tenta
à Morte” de “Os Miseráveis” é
falsear a tese defendida, ou
exatamente a opção do autor
apresenta uma tese contrá-
em, na primeira obra, tornar
A narrativa literária que ria que será, no decorrer da
a tese evidente, isto é, o repú-
defende explicitamente uma narrativa, refutada.
dio à pena de morte.
tese e que utiliza todos os
recursos necessários para Podemos utilizar outra
Como dissemos anterior-
persuadir o leitor de sua obra de Hugo como exemplo:
mente, esta escolha do autor
veracidade é conhecida por em “Os Miseráveis” a tese ini-
delimita o leitor que acolherá
“panfletária”. cial parece ser a de que “um
o texto, alguns concordarão
criminoso nunca se recupera,
com ela, outros discordarão
A literatura panfletária nunca mais pode ser reinse-
e, aquele que estiver indeciso,
não possui orientação po- rido na sociedade”.
poderá ser convencido pelos
lítica específica, pode tanto
argumentos, ou se constran- Como Hugo introduz esta
defender ideais esquerdis-
gerá por causa da tentativa falsa tese?
tas quanto de direita, pode
do autor em manipulá-lo.
ser tão reacionária quanto
Jean Valjean é libertado da
revolucionária, tão anárquica
prisão, mas como ele é um
quanto conservadora.
ex-condenado, ele é obrigado
A Tese Implícita
O “panfleto” não diz res- a carregar um passaporte
peito às idéias que estão pre- amarelo, o que faz com que
sentes numa obra literária, ele seja estigmatizado pela
Uma narrativa literária
mas ao modo como elas são sociedade. Nem teto para
também pode apresentar a
apresentadas. O texto panfle- dormir ele consegue encon-
sua tese sem evidenciá-la.
tário não esconde a que veio, trar.
não mascara seus objetivos. Na verdade, a Literatu-
No entanto, um bispo o
ra panfletária aborda uma
A Literatura panfletária abriga em sua casa. Naquela
tese sob a mesma ótica dum
atrai os correligionários da mesma noite, Jean Valjean
texto teórico. A tese precisa
tese defendida, ao mesmo resolve roubar a casa de seu
ser demonstrada, para tanto,
tempo em que repele quem anfitrião, ou seja, a tese pare-
apresenta-se casos nos quais
a ela se opõem. Não aceita cia ser: “Jean Valjean (e, por
ela pode ser aplicada. A
meio termo. extensão, todos os demais
ficção situa então a tese num
ex-condenados) sempre será
Um exemplo é “O Últi- caso ficcional, que através do
um criminoso”.
mo Dia dum Condenado enredo visa comprovar a tese
à Morte” de Victor Hugo. que a motiva. Retornando ao Mas o protagonista é
Nesta obra, acompanhamos exemplo da obra de Hugo, capturado e reconduzido à
um prisioneiro pouco antes para provarmos que a pena presença do bispo, que, ao
de sua execução na guilho- de morte é cruel, apresenta- invés de acusar Jean e enviá-
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Crônica
Erótico ou Pornográfico:
eis a questão
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Crônica
A vida continua
Joaquim Bispo
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Crônica
Nossa história
abandonada
Maristela Scheuer Deves
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Poesia
LABORATÓRIO POÉTICO
INDRISO Volmar Camargo Junior
v.camargo.junior@gmail.com
O sangue negro
As almas são negras
As dores são negras
Negros amores são.
http://www.flickr.com/photos/thomashobbs/94336626/sizes/o/
Da mesma negra massa somos Onde havia de mim idêntico,
Mesmo que inverso, um outro.
Todos negros irmãos.
Se a cidade eu escrevesse,
Desse jeito, não faria.
Mudaria suas vias,
Para a morte não achá-las.
Não mais sangue: vinho tinto
Nos seus cantos, suas valas.
Em suas praças, seus recintos,
Só o amor como interesse.
Se a cidade eu rabiscasse,
Muita coisa censurava:
Empregada feita escrava;
Mãe sem ter onde parir;
O menino andando roto;
Dia-a-dia sem porvir...
O acordar seria outro:
Sol sorrindo em cada face!
Se a cidade eu colorisse,
Transformava todo prédio.
E na casa entregue ao tédio,
Pintaria multicores.
Edifício arranha-céu,
De minhas mãos, teria flores,
Feito um grande carrossel,
Pr’a acolher as meninices.
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ficina
SAMIZDAT
SOBRE OS AUT
ORES DA
SAMIZDAT
SOBRE OS AUTORES DA
SAMIZDAT
s
erto Barro s-
Carlos Alb e nordestino
s, desenhi
, fi l h o d or m a d o ,
Paulistano plástico f
d e s e m p r e , artista o fi s s i o nal como
ta des a v ida pr
Come ç o u s u u seu ras-
escritor. t ã o , já deixo
, de s d e e n Culturais,
educador e l a s e Centros -
tro por ON
G’s , E s c o e pedagógi
a b a l h o s a rtísticos u ê n c i a
tr nfl
através de êm forte i
e x p e r i ê n cias que t n t e , o rganiza
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SOBRE sobre seus
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para p u b l i
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ador@hotma
carloseduc pot.com
nome.blogs
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83
Giselle Sato
Giselle Sato é autora de Meninas Malvadas, A pequena
bailarina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine
apenas como uma contadora de histórias carioca. Estudou
Belas Artes, Psicologia e foi comissária de bordo. Gosta
de retratar a realidade, dedicando-se a textos fortes que
chegam a chocar pelos detalhes, funcionando como um
eficiente panorama da sociedade em que vivemos.
gisellenatsusato@gmail.com
Guilherme Rodrigues
Estudante Letras na
Universidade do Sagrado
Coração, em Bauru, onde
sempre morou. Nutre
grande paixão por Línguas,
Literatura e Lingüística,
áreas em que se dedica
cada vez mais.
o
Henry Alfred Bugalh
a pela UFPR, com
É formado em Filosofi ra e
pecialista em Literatu
ênfase em Estética. Es as
atro romances e de du
História. Autor de qu
.
coletâneas de contos
Nova York, com sua
Mora, atualmente, em
sua cachorrinha.
esposa Denise e Bia,
.com
henrybugalho@gmail
www.maosdevaca.com
Joaquim Bispo
Ex-técnico de televisão,
xadrezista e pintor amador,
licenciado recente em His-
tória da Arte, experimenta
agora o prazer da escrita,
em Lisboa.
punksterbass@hotmail.com
Maria de Fátima Santos
http://civilizadoselvagem.blogspot.com/
Nasceu em Lagos, Algarve, mas tem Angola, onde
viveu a adolescência, como a sua mãe-terra. Licencia-
da em Física tem sido professora de Física e Química.
Com poemas em vários livros, em co-autoria, é às pe-
quenas histórias, que lhe voam no teclado, que chama
“meus contos”. O blog Repensando (www.intervalos.
blogspot.com ) tem sido seu parceiro e motivador na
escrita dos últimos anos. Escreve pelo gosto de deixar
que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.
Volmar Camargo Ju
nior é gaúcho. Form
em Letras pela Unive ado
rsidade de Cruz Alta,
leciona por sua próp nã o
ria vontade. Entrou na
em 2004, e desde en ECT
tão já morou em meia
de “Pereirópolis” pelo dúzia
Rio Grande. Atualm
vive com a esposa Na en te
tascha em Canela, na
Gaúcha. Dividem o ap Serra
artamento com Marie,
uma gata voluntario
sa e cínica.
v.camargo.junior@gm
http://recantodasletra ail.com
s.uol.com.br/autores/v
cj
Zulmar Lopes -
ca. Formado em jorna
Zulmar Lopes é cario lha
de Gama Filho, traba
lismo pela Universida ov in cia na e
prensa. Alma pr
como assessor de im m en-
contra-se provisoria
coração suburbano, en irro
olita Copacabana, ba
te exilado na cosmop es
personagens e situaçõ
fonte de inspiração de ra fu gir
ntos. Escreve pa
que compõem seus co
do marasmo. www.samizdat-pt.blogspot.com 85
Também nesta edição,
textos de