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Guilherme Kujawski
O quadro político e social dos dois brasiis era bem definido e sua
população podia ser separada em duas grandes fatias: de um
lado, ou seja, da metade do topo da pirâmide para cima, vivia a
casta tipo A: uma classe formada por farmacêuticos indígenas,
cartolas esportivos, empresários automotivos e notórios Chefes
de Estado do Partido; e, neste mesmo patamar, estava inserida
a casta tipo B – formada por servidores públicos, funcionários do
Partido e simpatizantes autenticados. A geometria do outro lado
da pirâmide era um pouco mais complexa e contrariava a
matemática dos compartimentos, pois no restante da área – da
base do ínfimo topo à base geral da figura – estava enquadrada
a casta tipo C, uma imensa massa crítica de rebeldes sem
causa, camelôs, indigentes super-humanos, perdedores
compulsivos, bêbados por ideologia, altistas drogados,
pregadores da Igreja Quadrangular, da Igreja dos Gideões, sem-
empresas, sem-computadores, sem-intelecto, pedintes clássicos
e, principalmente, os mendigos escritores, os maníacos de rua
que estavam em voga. Para o Partido, a pirâmide de
classificação social era um bloco único de rocha monolítica
aninhada no fulcro da Terra, o que tornava injustificável – e
intolerável – a dissidência pura e simples da casta tipo C. A
recusa do provimento – pregavam delirantes os mendigos
escritores em estado de necessidade voluntária – era aceitar a
anulação do improvável e a manutenção da morte súbita. Os
rebeldes não se conformavam com o excesso de boas intenções
infernais do Estado e, para não morrerem calados, resolveram
abrir mão do direito vitalício de "reter" (o direito de "ter" havia
sido revogado no início do segundo milênio).
INI-Nh%$*nHlmT5q34$&^2#-FIN.
- Como não?
- Como não?
Raimundo recapitulou:
- Definitivamente, não.
- Despachado.
Um outro consultor, que sabia que aquela última frase não era
uma metáfora, engoliu a seco e explicou sucintamente os
detalhes do desfile do Carnaval Unionista:
- Sim, senhor.
- VIVA O PARTIDO!!
E isso foi como jogar sal numa ferida ainda com o sangue rubro.
- Plano B?
- Se você for jogar Lan hoje à noite, nem tente me tocar. Vai ficar
com seu nervo exposto na mão. Não vou perdoar, mesmo
depois de você ter aumentado seu pênis com a bomba à vácuo.
- Estou bocejando.
A alma do povo não fazia limite com a flor da pele para melhor
captar as considerações de um mundo sensual ou ter uma
relação privilegiada com as coisas, mas para absorver sem dor o
horror puro de uma política canhestra. A tática secundária do
Partido era articular uma triangulação moral, delegando poderes
festivos limitados ao povo (coisa moral); proporcionando uma
desgastante luta interna entre as duas classes menos
privilegiadas (expectativa imoral); e, por fim, reunificando
geograficamente os dois blocos (coisa de moral duvidosa). A
moral tinha a mesma consistência de uma onda aérea que se
desfaz por métodos eletrônicos.
- Glu-glu-glu
Para uma falta ser marcada, era preciso ter sido movida por um
princípio passional, e esse era o expediente interpretativo mais
utilizado pelos juizes para amainar o ânimo dos jogadores e criar
uma trégua temporária. Os juizes interpretaram a cama-de-gato
dos vermelhos como falta e silvaram um zumbido de apito. Uma
falta na beira da meia-lua significava meio-pênalti. Uma falta
mais que perigosa. Não havia a figura do goleiro no futebol-de-
xisto, pois não havia voluntários para essa posição, daí a
diminuição das traves. O comitê de desportos havia determinado
sem nenhum motivo a substituição das traves pelo anel de
pedra. Um capricho, nada mais.
A primeira:
A terceira:
“...Pilar em um almofariz:
2 onças de raiz de ibicuíba mascada.
2 gramas de sal marinho.
2 ...
2 arráteis de azeite de amendoim.
2 ...”
A quarta:
(03202-53): “Como você pode ver, tenho quase todos os
elementos e faltam apenas dois itens para eu obter a receita
completa. A missão é quase impossível, pois eu tenho que
encontrar um jeito natural de representar números usando letras,
e vice-versa. Eu tenho que encontrar um jeito de converter a
linguagem de máquina para a linguagem de gente, e vice-versa.
<Curupira>.
- Não entendo desse assunto. Mas diga por quê você trancou o
caso da ibicuíba a sete chaves?
- Quem?
- Não sei.
- Que coisas?
- Há! Que a rainha Luzia sonhou que não podia gritar de medo
de uma mulher com um seio só?
- Como assim?
- Ridículo.
- Fale logo!
- O óbvio.
- Sobre Guaçu.
- Escute, princesa. Hoje vou ficar com você. Prometo que não
vou ao Pavilhão.
- Meu doce. Faça o que quiser. Gosto de tudo que você faz na
cozinha.
- O paraplégico?
- Sim.
- Não.
- Ajucá significa matar, em tupi. A conjugação é a-juca, re-juca,
o-juca...
- Mateus_Leme??!
- Não... Curupira.
- Curupira? Mas... ?
- Quem busca sempre alcança, com ou sem robôs. Você não
precisa mais de um robô e não precisa mais folhear o calhamaço
do Contentis Mundi. Abraão não precisa mais sacrificar Isaac.
Tome a receita completa da pasta de ibicuíba, o passe livre para
entrar no CPD, e sua "partícula da revelação" turbinada.
Entregue a receita para seu amigo Raimundo... Ele é um homem
de bem. Quanto àquele funcionário do Partido que estava no seu
encalço em ambos os mundos, não se preocupe. Virou um pobre
quelônio... Uma última coisa, a porta simbólica do cubo de
cobalto fica na terceira candeia da rua principal de Cubatão.
- Interessante... Continue.
- Qual palavra?
- “Io”.
- Rio, água, líquido...
- Hum. O dez?
- E?
Fim