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História da comunicação humana.

1.1 E no princípio eram somente sons....

Hoje todos sabemos que a fala é um dos principais meios para


estabelecermos comunicação com os outros. O que nem todos sabem,
entretanto, é que nem sempre foi assim. Por isso o título acima.
Vamos começar nosso curso fazendo um exercício de imaginação.
Fantasiemos que estamos vivendo em alguma região do continente africano há
mais ou menos cinco ou quatro milhões de anos atrás. Naquela ocasião,
segundo a paleantropologia, ainda não éramos classificados como humanos
e sim como membros de uma espécie da ordem dos primatas, que, na
realidade, surgiu há, pelo menos, 70 milhões de anos.
A ordem dos primatas é constituída por várias famílias, dentre as quais a
dos hominídeos, considerados como primatas superiores ou antropóides, ou
seja, seres que possuíam a forma semelhante à do homem. É dessa família
que surgirá, em mais alguns milhões de anos, o gênero homo, cujo
representante mais antigo é o homo habilis, sobre o qual falaremos mais
adiante.
Continuando com nossa fantasia, tentemos imaginar como seria a
comunicação entre esses pré-hominídeos e hominídeos. De nossa parte, como
não existem provas concretas que nos contestem, só podemos supor que a
comunicação entre eles era semelhante à dos demais mamíferos, ou seja,
gritos, urros, grunhidos, rosnados e determinadas posturas corporais que
procuravam traduzir a necessidade de comer, de acasalar, de brincar, e
também, por outro lado, revelavam ameaça ou aviso de perigo. (Ver SAIBA
MAIS)
Tal situação começou a mudar com surgimento dos primeiros homo
habilis, que significa homem com habilidade manual, homem habilidoso, entre
2,5 e 1,8 milhões de anos. Essa classificação lhes foi dada em decorrência de
os pesquisadores terem encontrado entre seus fósseis vestígios de
ferramentas rudimentares feitas de pedras lascadas.
Mesmo que ainda haja muita discussão entre os especialistas se ou não
o homo habilis pertence ao gênero homo, principalmente por suas
características – uma forma bípede com características faciais mais primitivas e
um cérebro menor do que a do homo erectus –, a maioria dos
paleoantropólogos afirma que sua inteligência e sua rudimentar organização
social eram bem mais sofisticadas que as de seus antecessores, os
australopithecus.
Nesse processo evolutivo da espécie humana, os homo habilis foram
sendo naturalmente substituídos pelos homo rudolfensis, homo erectus, homo
ergaster e homo sapiens. Acredita-se que até aqui, como dissemos
anteriormente, esses grupos pré-históricos ainda mantinham formas de
comunicação semelhantes às dos animais mamíferos, só que, gradativamente,
com o aumento de sua massa cerebral, o que era uma linguagem natural nos
pré-hominídeos e primeiros hominídeos passou a ser uma linguagem
intencionalmente imitativa dos sons emitidos pelos animais e dos sons da
natureza.
A complexificação dessa linguagem onomatopéica, assim como a
sofisticação da linguagem corporal, permitiu que esses grupos e bandos
desenvolvessem regras de interpretação comuns e complementassem o
entendimento dos meros sinais naturais com a instituição de símbolos que
procuravam determinar a que grupos pertenciam, a definir certa orientação
para as caçadas, a delimitar fronteiras e, até mesmo, para expressar as
relações de poder. (VER ATENÇÃO)
Você pode observar aqui que nossos remotos antepassados foram
gradualmente abandonando a mera impressão sensória pela invenção,
interpretação e compreensão dos símbolos em sua função significante. Mas,
você deve estar se perguntando, o que isso significa? Significa que ao
desenvolver sua faculdade de representação simbólica esses homens pré-
históricos deram o passo inicial para o nascimento do pensamento, da
linguagem e da sociedade como a conhecemos.
Apenas como ilustração, procuramos algumas imagens que
representassem a evolução de nossa espécie, assim como alguns desenhos
que buscaram simular algumas cenas desse mundo pré-histórico. Vejam

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abaixo.

Do macaco ao homem moderno


[Imagem encontrada em http://www.splendoroftruth.com/curtjester/Pics/evolution.jpg]

Homo habilis usando suas primeiras ferramentas e em grupo.


{Imagens localizadas em http://cas.bellarmine.edu e www.mamnounas-salukis.de]

Homo erectus
[Imagens encontradas em http://www.baa.duke.edu/classes/course_images/Homo%20erectus.jpg e
http://www.nhm.ac.uk/hosted_sites/paleonet/Forum/vol2no5/BL/BL_oval1.Html]

Homo sapiens sapiens [Imagem encontrada em www.wsu.edu/gened/learn-


modules/top_longfor/timeline/h-sapiens-sapiens/images/e-group-using-tools.jpeg]

1.2 E, então, fez-se o verbo.

Entre 40.000 e 10.000 anos atrás surgiu na França, na região de Cro-


Magnon, o antecessor direto do homem moderno. Os homens de Cro-Magnon
já possuíam um grande desenvolvimento cultural e, ao invés de fabricarem
seus instrumentos com pedras lascadas, trabalhavam com uma pedra muito
mais dura, o sílex, além do marfim e ossos, produzindo utensílios, armadilhas,
anzóis e armas de caça, como, por exemplo, dardos, lanças e o arco e flecha.
Já haviam dominado o fogo, praticavam uma economia coletora de
subsistência, cultuavam seus mortos e dominavam os primeiros sinais de uma
linguagem articulada.
Dentre suas práticas espirituais, além dos ritos funerários, os homens de
cro-magnon praticavam ritos mágicos com o intuito de assegurar o
abastecimento de alimentos e a caça. Esses ritos traduziam-se principalmente
por pinturas nas paredes das cavernas representando caçadores e animais
como mamutes, bisões ou renas. Executavam também esculturas em pedra de
figuras femininas, com significativas deformações: seios grandes e enormes
ventres, que simbolizavam a fertilidade, a fecundidade e a abundância. Com a
arte rupestre e as estatuetas do paleolítico começou também a história da

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arte.
Por falar em história da arte, você sabia que talvez a mais antiga
representação da deusa Vênus era esculpida em calcário e foi encontrada em
Willendorf, uma cidade da Áustria, e por isso ficou conhecida como Vênus de
Willendorf? Não que ela tenha sido a única. Esses nossos antepassados
cultuavam muito a figura feminina, pois a identificavam com a deusa da
fertilidade ou com a Deusa-Mãe, a Mãe-Terra. Outras Vênus, ou estatuetas
femininas pré-históricas são a Vênus de Lespugne, encontrada na França, a
Dama de Brassempouy, encontrada também na França, e talvez a mais antiga
representação de uma face humana, a estatueta de Kostienki, na Rússia, entre
outras.
Abaixo imagens da Vênus de Willendorf e de uma pintura de animais na
caverna de Lascaux, na França.

[Imagem encontrada em www.arthistory.upenn.edu/smr04/101910/Slide6.jpg]

[Imagem encontrada em www.artlex.com/ArtLex/s/images/stoneag_lascauxanimls.lg.JPG]

Do que vimos até agora podemos concluir que os homens de Cro-


Magnon já possuíam um raciocínio que lhes permitia planejar e conceber,
plantar e caçar de forma mais coordenada, domesticar animais, defender-se
mais eficazmente, e explorar melhor outras regiões, expandindo-se para o
Oriente Médio, ao longo dos rios Tigre e Eufrates, para o Mediterrâneo, o maior
mar interior do mundo, compreendido entre a Europa meridional, a Ásia
ocidental e a África do norte, e para o sul, até o rio Nilo, na África.
Como dissemos anteriormente, esses homens já dominavam a fala e,
sem dúvida, possuíam uma linguagem que, mesmo rudimentar e escassa, lhe
possibilitava a comunicação com outros membros de seu grupo ou com grupos
de outras regiões, uma vez que, à medida que a humanidade ia se espalhando
por novas regiões, a linguagem ia se diversificando e novas maneiras de falar
eram criadas e incorporadas no dia a dia das pessoas.
Aqui, sem dúvida, seremos obrigadas a abrir um parêntese para
ingressarmos na narrativa mítica que, segundo o lingüista José Luiz Fiorin
[2002], todas as sociedades possuem para explicar a origem da linguagem e a

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diversidade das línguas.
Para Fiorin, “As línguas e a linguagem inscrevem-se num espaço real,
num tempo histórico e são faladas por seres situados nesse espaço e nesse
tempo. No entanto suas origens dão-se num tempo mítico, num mundo
desaparecido e os protagonistas de seu aparecimento são os heróis
fundadores”. No caso das civilizações judaico-cristãs encontramos seus
protagonistas nos relatos de Moisés sobre a Criação, o Dilúvio e sobre o
Começo das Nações e dos Idiomas, eventos citados no livro do Gênesis, o
primeiro dos cinco livros bíblicos que compõem o Pentateuco.
No capítulo 1 do Gênesis, que, como vocês sabem, significa Origem,
Nascimento, lemos que no princípio de tudo a terra era sem forma e vazia e,
nesse momento, Deus cria o mundo falando. “Deus disse: haja luz. E houve
luz. Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas”. Por
ser a linguagem um atributo da divindade, ao mesmo tempo em que Deus vai
fazendo as coisas, vai também nomeando-as: “E Deus chamou à luz dia, e às
trevas noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro”. (Ver SAIBA MAIS)
Nos capítulos seguintes vamos entendendo a criação do primeiro
homem, Adão, e de seus descendentes, a procedência das nações e das
línguas. Tudo começou no sexto dia. Depois de criar os animais e os répteis,
Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança”. E o homem foi feito, modelado com o pó da terra e com o sopro
divino, que o transformou numa alma vivente. Deus atribui ao homem o dom da
linguagem, já que é ele quem nomeará todas as coisas viventes, inclusive a
mulher que havia sido feita de sua costela: “Esta é agora osso dos meus
ossos, e carne da minha carne; ela será chamada varoa, porquanto do varão
foi tomada”.
Expulsos do Jardim do Éden por terem comido o fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal, Adão e Eva foram lavrar a terra e, de seus
descendentes, nascerão Sem, Cam e Jafé, filhos de Noé, que depois do
dilúvio, gerarão suas famílias que serão responsáveis pelo povoamento da
terra, dando origem às nações e às línguas, finalizando o predomínio da
linguagem primordial, a língua adâmica.
No capítulo 11 Moisés narra que até então a terra tinha uma só língua e
um só idioma e que os descendentes de Sem haviam se deslocado para a

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região de Sinar, no extremo sul da Mesopotâmia, nome dado pela Bíblia à
Suméria. Ali eles começaram a edificar uma cidade e uma torre “cujo cume
toque no céu, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados
sobre a face de toda a terra”.
Ao ver a cidade e a torre Deus entendeu que, se os filhos do homem
continuassem, não haveria restrições para suas pretensões. Decidiu ali mesmo
confundir a linguagem, para que um não entendesse a língua do outro, e
espalhou-os sobre a face de toda a terra. A essa região Deus deu o nome de
Babel.
Se acreditamos ou não no mito, não é passível de discussão nesse
curso. Mas, segundo Forin, foi a narrativa do dilúvio que serviu de fundamento
para a hipótese da monogênese das línguas e as primeiras famílias lingüísticas
descobertas foram denominadas a partir dos nomes dos três filhos de Noé. A
família de Sem suscitou as línguas semíticas, da linhagem de Cam nasceram
as línguas camíticas, enquanto os descendentes de Jafé fomentaram as
línguas jaféticas.
Atualmente, embora existam várias famílias lingüísticas, os maiores
grupos em termos de línguas são os das famílias Níger-Congo, Austronésia,
Trans-Nova Guineense, Indo-européia, Sino-tibetana e Afro-asiática, conforme
dados coletados por Raymond Gordon Jr, editor do Ethnologue: Languages
of the World1, em 2005.
Fechando o parêntese, voltemos aos homens de Cro-Magnon. Como
vocês já devem ter percebido, quando nós falamos sobre os homens de
Cro-Magnon, ou nos referimos ao homem de Neanderthal, ao homem de
Java, etc,, estamos falando sobre um ou vários grupos de pessoas que
possuíam características e hábitos semelhantes. Entretanto, isso não
quer dizer que esses grupos habitavam necessariamente os mesmos
locais, Os homens de Cro-Magnon, por exemplo, habitavam tanto em
algumas regiões da Europa quanto no Oriente Médio.
Vimos antes que esses homens já haviam começado a desenvolver uma
economia de subsistência, a domesticação de animais, como cães, ovinos e
bovinos, e, o que é mais importante, dado início ao plantio de tubérculos, frutas
e hortaliças, ou seja, começavam a abandonar o nomadismo por uma vida

1 Em www.ethnologue.com/. Consulta realizada em 10/2006.

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mais sedentária, o que, por sua vez, provocou o estabelecimento definitivo de
uma vida em sociedade e, consequentemente, os avanços culturais que tal
feito acarreta.
Foram construídas as primeiras casas de barro, junco ou madeira,
surgindo as primeiras aldeias. A necessidade de armazenar os alimentos e as
sementes para cultivo levou à criação de peças de cerâmica, que foram pouco
a pouco ganhando fins decorativos. Gradualmente começaram a abandonar a
pedra e o osso na confecção de seus instrumentos substituindo-os pelo cobre,
o bronze e pelo ferro. Estabeleceram uma divisão sexual do trabalho:
enquanto as mulheres teciam, faziam cestos e cuidavam da plantação, os
homens cuidavam dos animais e construíam casas e paliçadas.
Todos esses fatores, mais o aumento natural das populações e os
eventuais excessos da produção agrícola, levaram as várias tribos existentes a
estabelecerem contatos tanto com as aldeias mais próximas quanto com as
mais distantes, estimulando o intercâmbio cultural e econômico. Como vocês
podem deduzir os conflitos desencadeados pelos mais variados motivos
tornaram necessário o surgimento de regras e acordos para evitá-los ou
resolvê-los. Estamos a um passo de deixarmos a pré-história para entrarmos
na historia e na civilização. Adivinharam o que falta?

1.3 O nascimento da escrita.

Vocês já sabem que os homens de Cro-Magnon representavam animais


e caçadores nas cavernas que habitavam, provavelmente como uma parte
importante de seus rituais de magia. Talvez no princípio faziam isso de maneira
aleatória, mas, com certeza, com o tempo foram desenvolvendo significados
padronizados para suas representações pictóricas.
Com a instauração da agricultura, o crescimento da atividade comercial
e outras necessidades pertinentes a uma economia agrícola, esses homens
ainda pré-históricos passaram a criar desenhos padronizados, embora bastante
toscos, que representassem aquilo que desejavam registrar. Se as pinturas
rupestres podem ser vistas hoje como a primeira tentativa de armazenar
informações, aqueles símbolos gráficos inventados passaram a ser
convencionados de tal maneira que qualquer pessoa que os visse os

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entenderiam. Em outras palavras, aquelas pictografias passaram a ter
significado.
Segundo os pesquisadores Philippe Breton e Serge Proulx [2202: 18], a
história da invenção da escrita, como técnica de transcrição da língua falada,
se realiza em duas grandes ondas sucessivas, correspondentes a dois modos
de escrita materialmente diferentes: a escrita ideográfica e a escrita alfabética.

As cifras correspondentes a quantidades dessas mercadorias eram


representadas por seixos de diferentes tamanhos que foram progressivamente
desaparecendo e sendo substituídos por inscrições na própria argila e, com o
tempo, foram trocadas por figuras que representavam as quantidades de
animais e objetos negociados. De fácil compreensão entre todos os povos,
esse sistema, com o tempo, apresentou um grave problema: o volume
excessivo dos símbolos que ia aumentando em conformidade com o avanço
social, econômico e cultural das civilizações.

E, então, fez-se o verbo.

Considerada a mais antiga das civilizações, o povo sumério, localizado


na região sul da Mesopotâmia, foi o primeiro a usar esse sistema pictográfico,
por volta de 3400 a.C., assim como foi o primeiro a tentar tirar de seus
caracteres a conotação com as coisas representadas. Da estilização das
imagens começaram a tentar caracterizar os sons da linguagem falada,
surgindo daí a escrita silábica. Como as ferramentas utilizadas para gravar os
pictogramas, ideogramas, e, depois, os caracteres silábicos tinham a ponta em
formato de cunha essa escrita passou a ser denominada como cuneiforme.
Esses registros eram gravados em tabuletas de argila úmida que eram postas
para secar ao sol ou cozidas numa espécie de forno, garantindo sua
durabilidade e longevidade.

[Imagem 1 – Exemplo de uma tabuleta sumeriana. In http://i-cias.com/e.o/cuneiform_img.htm]

A escrita pictográfica era utilizada também pelos egípcios que, em torno


de 3100 a.C. desenvolveram a sua hierós glyphós, ou “escrita sagrada”, como

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os gregos a chamavam. A escrita hieroglífica além de pictográfica era ao
mesmo tempo ideográfica, ou seja, além de usar imagens bastante
simplificadas para representar objetos concretos, usava-as também para
representar idéias abstratas. Empregava o princípio do rébus, o ideograma no
estágio em que deixa de significar diretamente o objeto que representa para
indicar o fonograma correspondente ao nome desse objeto.
Segundo a calígrafa Izabel Cecchini, como essas imagens eram
freqüentemente mal interpretadas, já que o mesmo som era utilizado em várias
palavras, foram introduzidos mais dois sinais, sendo um para indicar como elas
deveriam ser lidas e outro para lhes dar um sentido geral. Os hieróglifos eram
escritos em vários sentidos, da esquerda para a direita, da direita para a
esquerda ou mesmo de cima para baixo. A colocação das palavras, do ponto
de vista gramatical, era seqüencial, primeiro o verbo, seguido pelo sujeito e
pelos objetos direto e indireto.
A escrita hieroglífica era monumental e religiosa, uma vez que era
utilizada principalmente para inscrições formais nas paredes de templos e
túmulos e para registrar os acontecimentos mais importantes do império. Para
o uso cotidiano, os egípcios desenvolveram mais dois tipos de escrita: a
hierática, por volta de 2400 a.C., escrita cursiva utilizada na maior parte dos
textos literários, administrativos e jurídicos, e o demótico, a escrita do povo, por
volta de 500 anos antes de nossa era. A escrita demótica era uma simplificação
da escrita hierática, que, por sua vez, era uma redução da hieroglífica.

[Imagem 2 – A pedra de Roseta2, no Museu Britânico. In http://i-cias.com/e.o/index.htm]

Para Melvin L. DeFleur e Sandra Ball-Rokeach [1993], os egípcios foram


os criadores da primeira mídia portátil: o papiro.
A utilização da pedra como suporte de registro tinha a capacidade da
durabilidade, mas não a da transportabilidade através do espaço, o que exigiu
dos povos antigos a necessidade de desenvolver novos meios com os quais a
escrita pudesse ser transportada mais facilmente.

2 A pedra de Roseta foi descoberta em 1799 pelos soldados de Napoleão na cidade de Rashid (Roseta), a
leste de Alexandria.e tem gravado um decreto de Ptolomeu V, datado de 196 A.C., registrado em
caracteres hieróglifos, em caracteres demóticos e em caracteres gregos. A pedra foi decifrada pelo francês
Jean François Champollion em dois anos, de 1822 a1824.

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Por volta de 2500 a 2200 a.C. os egípcios descobriram que podiam
utilizar as películas da parte exterior da haste da planta aquática papiro como
suporte para seus registros. Primeiro eles cortavam as películas em lâminas
muito finas e as colavam formando uma espécie de compensado de folhas.
Essas folhas eram superpostas com as fibras cruzadas para aumentar a
espessura e a resistência do produto, eram polidas com óleo, colocadas para
secar e comprimidas com uma pedra lisa.

[Imagem 3 – Papyrus of Nes-Min. In http://www.dia.org/collections/ancient/egypt/1988.10.13larger.html]

Como suporte de escrita o papiro foi adotado pelos gregos, romanos,


bizantinos e árabes, provocando uma mudança significativa na organização
social e cultural da sociedade. Mas, em conseqüência das transformações
sociais e comerciais que aquelas civilizações vinham passando, o movimento
da escrita foi progressivamente afastando-se da representação mesmo que
estilizada dos objetos. Para Philippe Breton e Serge Proulx [2002], essa
separação progressiva da dimensão analógica da imagem talvez deva ser
relacionada, pelo menos no que concerne às principais línguas semíticas, à
recusa de representar Deus pela imagem, no judaísmo, ou todo ser vivente, no
islã, duas religiões que se exprimem em escrita alfabética.
Outro ponto que podemos adicionar à necessidade dessa separação
refere-se, como dito anteriormente, à imensa quantidade de caracteres
existentes tanto nas escritas cuneiforme e hieroglífica quanto na chinesa e na
dos maias, surgidas aproximadamente no mesmo período que as duas
primeiras.
Durante um bom período de tempo, os sistemas de escrita da
Mesopotâmia e do Egito atendiam às necessidades dos demais povos.
Entretanto, os grandes comerciantes que circulavam pelo Mediterrâneo não
tinham compromisso algum com essas culturas e logo perceberam as
vantagens de unir a praticidade do silabário cuneiforme, que permitia que com
poucos caracteres se escrevesse qualquer palavra, com o grafismo da escrita
egípcia, mais especificamente da escrita hierática, mais atraente tanto para ser
escrita quanto lida, principalmente nas atividades cotidianas.
Em 1905, em Serabit el Khadim, na península do Sinai, arqueólogos
descobriram 30, ou 31, inscrições, de 1600 a.C., que mostram tanto signos

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hieroglíficos quanto sinais da língua semítica ocidental. Esses pesquisadores
nomearam essa escrita como proto-sinaítica e a consideram como o sistema
precursor do primeiro alfabeto consonantal, uma vez que conseguiram
identificar de maneira inequívoca as letras B, H, L, M, N, Q, T e dois sons
hebraicos, aleph e ayin.
Esse primeiro alfabeto foi criado e disseminado pelos fenícios entre 2000
e 1700 a.C e era constituído por vinte e oito letras, das quais vinte e seis eram
consoantes. Com o tempo, o alfabeto passou a ter apenas vinte e duas letras e
foi adaptado por vários povos em consonância com suas línguas, tais como a
árabe, a hebraica, a aramaica, a tamúdica, a púnica e, principalmente, a grega.
Embora fosse utilizado por praticamente todas as culturas, o alfabeto
fenício, pela ausência de vogais, terminava por dar margem a muitas
ambigüidades. Se os semitas e fenícios provocaram uma verdadeira revolução
na estrutura social e cultural da antiguidade com a criação do alfabeto
consonantal, foram os gregos, entre os séculos VIII e IV antes de nossa era, os
responsáveis por uma das mais significativas realizações dos seres humanos:
a inserção de vogais no alfabeto fenício, sendo um dos fatores históricos
preponderantes para o desencadeamento dos grandes movimentos da ciência,
das artes e da religião.

[Imagem 4 – Tabela do alfabeto grego com os vários tipos de sinais usados pelas diferentes
polis. In http://victorian.fortunecity.com/vangogh/555/Spell/Gk-alph2.gif].

Em paralelo à evolução das formas escritas, o desenvolvimento de


outras técnicas também foi fundamental nesse processo de emancipação.
Podemos resumir esse longo período histórico parafraseando Ésquilo, em
Prometeu acorrentado: os “seres indefesos chamados humanos”, agora
dotados de lucidez e razão, aprenderam também a construir casas com tijolos
endurecidos pelo sol e a usar a madeira, foram instruídos sobre a ciência
básica da elevação e do crepúsculo dos astros e sobre a ciência dos números
e das letras, aprenderam a subjugar as bestas e a atrelar os carros aos
cavalos, a construir navios e a usar as folhas e frutos que serviriam como
alimentos, remédios e bálsamos e adquiriram conhecimento sobre as artes
divinatórias, os presságios e sobre os sonhos.

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Descobriram também que era sua capacidade de produzir, armazenar e
fazer circular a informação a força motriz de sua evolução e sobrevivência
como espécie humana.

As informações começam a circular.

Os primeiros registros de um serviço postal datam de aproximadamente


2000 a.C., e foi utilizado primeiro pelos egípcios. Eram basicamente despachos
governamentais levados por cavaleiros de uma região a outra. Os persas, os
chineses e os gregos usavam o mesmo sistema e, em casos de longa
distância, utilizavam-se de um sistema de revezamento. A cada número de
quilômetros, o mensageiro parava em uma casa postal para trocar de cavalo ou
para passar a correspondência a outro emissário que a levaria adiante.
Foram os romanos que desenvolveram o mais eficiente, seguro e
duradouro serviço postal da antiguidade, o cursus publicus. Seus mensageiros
chegavam a percorrer, por dia, 70 quilômetros a pé ou 200 quilômetros a
cavalo Havia, ainda, um sistema de inspeção constante para prevenir seu uso
abusivo pra propósitos privados.
Breton e Proulx defendem a idéia de que Roma, tanto na República
quanto no Império, foi, por excelência, uma sociedade de comunicação e nela
tudo se organizava em torno da vontade de fazer da comunicação social uma
das figuras centrais da vida cotidiana. Tanto assim que difundiram e
universalizaram, no tempo e no espaço, a cultura latina e foi o pragmatismo de
sua língua que permitiu o nascimento da idéia de informação, ou seja, de um
conhecimento que se pode elaborar, sustentar, e, sobretudo, de um
conhecimento transmissível, notadamente por meio do ensino.
A palavra latina informatio designa, de um lado, a ação de moldar, de dar
forma. De outro, significa, de acordo com o contexto, ensino e instrução, ou
idéia, noção, representação. A coexistência desses dois sentidos, segundo os
autores acima mencionados, indica que, ao contrário da cultura grega, a cultura
romana não dissociava a técnica do conhecimento.
Por essa altura, o rolo de papiro já havia sido substituído pelo
pergaminho, produto feito geralmente com peles de gado, antílopes, cabras e
ovelhas, especialmente animais recém-nascidos, por este ser mais flexível

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possibilitando a dobra de suas folhas para a montagem de cadernos,
conhecidos como códices ou manuscritos. Os primeiros livros foram escritos
em pergaminho, como, por exemplo, os livros do antigo testamento, a Ilíada e a
Odisséia e as primeiras tragédias gregas. Embora o papel tenha sido inventado
na China, no ano 105, por Ts'ai Lun, um alto funcionário da corte do imperador
Chien-Ch'u, da dinastia Han (206 a.C. a 202 da era cristã) contemporânea do
reinado de Trajano em Roma, só em 1150, através dos árabes, chegou à
Espanha, onde foi criada a primeira indústria de papel da Europa.
Ainda como códice o livro começou a ser um suporte de comunicação e,
segundo Pierre Grimal, “Em Roma, as livrarias, como as salas de declamação,
eram o ponto de encontro dos connaisseurs, que debatiam problemas literários:
os jovens escutavam, os antigos clientes peroravam, em meio aos livros cujos
rolos, cuidadosamente reproduzidos, alinhavam-se acima deles. A porta da loja
era coberta de inscrições que anunciavam as obras à venda. (...) A publicidade
estendia-se nos pilares vizinhos. Essas lojas de livreiros situavam-se,
naturalmente, nas vizinhanças do fórum”3.
Foi em Roma, também, que surgiu o primeiro verdadeiro jornal, os Acta
diurna, uma publicação gravada em tábuas de pedra e afixada nos espaços
públicos, criada em 59 a.C. por ordem de Júlio César, que registrava trabalhos
do Senado, fatos administrativos, notícias militares, obituários, crônicas
esportivas, e vários outros assuntos.
Com o fim do Império Romano e antes do advento da imprensa, foram
estabelecidos pelo menos quatro tipos de redes de comunicação, segundo
estima John B. Thompson [1998]: A primeira era a estabelecida e controlada
pela Igreja Católica; a segunda, aquelas mantidas pelas autoridades políticas
dos estados e principados, que operavam tanto dentro dos territórios
particulares de cada estado quanto entre os estados que mantinham relações
diplomáticas; a terceira rede estava ligada à expansão da atividade comercial;
e, finalmente, a constituída por comerciantes, mascates e entretenedores
ambulantes. Esses disseminavam as informações nas reuniões em mercados
ou em encontros nas tabernas.
Segundo Thompson, ao longo dos séculos XV, XVI e XVII, estas redes
de comunicação foram submetidas a dois desenvolvimentos-chave. Em

3 Apud BRETO, Philippe & Prouxl, Serge.

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primeiro lugar, alguns estados começaram a estabelecer serviços postais
regulares que rapidamente cresceram em disponibilidade para uso geral, e, em
segundo, foi o uso da imprensa na produção e disseminação de notícias.

Dos incunábulos ao Le Journal de Paris.

[Imagem. 5 - Summa de vitiis et virtutibus – 1270 - Guilelmus Peraldus. In


www.dartmouth.edu/~speccoll/westmss/003104.shtml]

[Imagem 6 - Book of hours, use of Paris. Paris: Phillippe Pigouchet for Simon Vostre, 25 April 1500.
Printed on vellum. In http://www.grolierclub.org/incunabula.htm]

Os códices, tal como os rolos de papiro e pergaminho, eram,


naturalmente, escritos à mão, daí serem denominados manuscritos, e sua
confecção, principalmente na Idade Média, entre os séculos VII a XIII, tornou-
se uma atividade essencialmente monástica, principalmente pelo alto custo do
suporte e da cópia, pela lentidão em sua confecção – um bom copista
trabalhava em média duas folhas e meia por dia – e para evitar a disseminação
do conhecimento entre os homens comuns.

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