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Gelo azul
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Gelo azul

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Um tesouro de grande importância sentimental esconde uma verdade muito perigosa...

Para a conservadora de museu Summer Hawthorne, aquele vaso de cerâmica azul, que a sua ama japonesa lhe oferecera, era um tesouro de grande importância sentimental... até alguém tentar matá-la para ficar com o objecto.
Aquela relíquia de valor incalculável estava prestes a iniciar uma luta a que Summer teria de pôr fim custasse o que custasse. Era uma situação muito complicada e o agente internacional Takashi O'Brien recebera ordens precisas: ninguém era imprescindível. Ninguém. E muito menos aquela mulher que estava a aproximar-se perigosamente à medida que aquele jogo letal se aproximava também das montanhas do Japão, onde a verdade podia ser tão sedutora como mortal...
LanguagePortuguês
Release dateMar 16, 2012
ISBN9788490106907
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    Gelo azul - Anne Stuart

    Um

    Summer Hawthorne não estava a gostar muito da noite, apesar de sorrir e de dizer o correcto às pessoas adequadas. Passara toda a noite a sentir que alguém a observava, mas não sabia de quem se tratava nem porque o fazia.

    A festa era muito exclusiva. O pequeno, mas elegante, Museu Sansone, situado nas montanhas de Santa Mónica, tinha organizado uma exposição fantástica de cerâmica japonesa e só os mais ricos e poderosos tinham sido convidados para a inauguração. Além disso, embora não gostasse muito de um dos convidados, a pessoa em questão não tinha razão alguma para a observar.

    Micah Jones, o seu assistente, aproximou-se naquele momento e disse, com um sorriso:

    – Vou-me embora, querida. Isto já está a acabar e tenho uma oferta que não posso rejeitar.

    – És tão mau, vais deixar-me sozinha e desamparada… Vá lá, vai-te embora, tenho tudo controlado. Até sua Santidade.

    Micah olhou para o convidado de honra e fingiu um calafrio.

    – Posso ficar para te dar uma ajuda…

    – Nem pensar! Os membros da Irmandade do Verdadeiro Conhecimento e o farsante do seu líder são uns loucos inofensivos, que têm os miolos queimados pela religião da moda em Hollywood. Além disso, não paras de te queixar de que passaste demasiado tempo celibatário.

    – Se não te vestisses sempre de preto, tu também apanharias alguém. Embora a verdade seja que estás fantástica.

    – És um mentiroso, mas adoro-te de qualquer forma… mesmo que me deixes abandonada no meio da festa.

    – O amor verdadeiro não espera por ninguém – disse Micah, com um grande sorriso. Deu-lhe um beijo efusivo e acrescentou: – Sabes que tens o teu quarto preparado, no caso de precisares, só terás de ignorar os gemidos de prazer que saírem do meu.

    – És muito mau – disse ela, com carinho. – Estou bem, garanto-te. Vá lá, vai divertir-te.

    Micah lançou-lhe um beijo com a mão antes de se afastar e Summer seguiu-o com o olhar enquanto tentava ignorar a pontada de inquietação irracional que sentiu ao perceber novamente que alguém a observava.

    Esteve tentada a chamar o seu amigo e a pedir-lhe para esperar. A festa duraria mais meia hora no máximo e, então, poderia ir com ele e livrar-se daquela sensação estranha. No entanto, não tinha chegado tão longe na sua vida a ceder a medos irracionais. Certamente, a sua inquietação devia-se à presença de sua Santidade, o Shirosama, porque pensando bem, ele tinha uma possível razão para a observar com os seus olhos descoloridos: a sua mãe, Lianne, tinha cometido a insensatez de prometer àquele homem um valioso objecto e ela era a única coisa que se interpunha no seu caminho.

    O Shirosama tornara-se líder de um movimento espiritual de alcance internacional e sabia como conseguir o que queria. Naquele momento, cobiçava um vaso japonês dela e estava tão decidido a tê-lo como ela estava empenhada em impedir que caísse nas suas mãos. O vaso fora um presente que a sua ama japonesa lhe dera pouco antes de morrer num acidente de viação e fora a causa de a sua própria mãe a trair mais uma vez, embora àquela altura já estivesse habituada a suportar a sua atitude egoísta.

    Tinha emprestado o vaso ao museu para o qual trabalhava, com o único propósito de o manter afastada daquele enganador, mas sabia que aquele homem ia conseguir a peça cobiçada mais cedo ou mais tarde e que ela não podia fazer grande coisa para o impedir, por isso, pelo menos, tinha atrasado a derrota, por enquanto.

    Mas nem o Shirosama nem nenhum dos seus sequazes pareciam estar a observá-la. Ao sentir o olhar fixo nas suas costas, virou-se para tentar apanhar a pessoa in fraganti… Era impossível que se tratasse do casal idoso asiático que estava junto dos queimadores de incenso do século XIV, ou o homem alto e musculado com óculos de sol que parecia muito mais interessado no decote da loira com que estava a falar do que na exposição. Talvez fosse apenas imaginação dela.

    Só conhecia metade dos convidados que enchia o museu, mas nenhum deles devia ter o mínimo interesse na modesta directora do Museu Sansone. Quase ninguém conhecia a sua vinculação a Lianne e Ralph Lovitz, que estavam imersos no estilo de vida de Hollywood. Segundo os padrões da Califórnia, a sua aparência era comum e ela esforçava-se para cultivar essa normalidade.

    – Sua Santidade deseja falar consigo.

    Summer era uma perita em esconder as suas emoções e virou-se para olhar com calma para o monge… Se é que aquele homem podia chamar-se assim. Apesar de, supostamente, serem um grupo de ascetas, os seguidores da Irmandade do Verdadeiro Conhecimento costumavam estar muito bem alimentados e aquele não era nenhuma excepção. Tinha a cara rechonchuda, a cabeça rapada e a expressão devota, como todos, e despertava-lhe uma vontade terrível de lhe dar uma boa pisadela.

    Sabia que estava a ser muito infantil, mas apesar de poder inventar alguma desculpa, a festa estava a acabar e os membros do conselho de administração estavam a despedir-se dos convidados, portanto carecia de uma razão de peso para evitar o convidado de honra.

    – É claro – respondeu.

    Esforçou-se para pôr algum calor no seu tom de voz, mas não foi fácil. Alguém revistara a sua casa há três noites e, apesar de não terem levado nada, sabia o que tinham esperado encontrar. O vaso japonês que ansiavam possuir estava mesmo à frente dos seus narizes, protegido por um excelente sistema de segurança.

    Sentiu-se como uma prisioneira a caminho da sua execução enquanto atravessava a sala. Continuava a sentir um olhar fixo nas costas, apesar de ter todo o séquito do Shirosama à sua frente, incluindo ele próprio. Deu uma olhadela por cima do ombro, mas como só viu a loira e o seu acompanhante, supôs que devia estar um pouco paranóica. Além disso, não fazia sentido procurar possíveis ameaças atrás de si quando tinha uma à sua frente.

    – Menina Hawthorne, honra-me com a sua companhia – cumprimentou-a ele, num tom suave.

    Era um comentário de uma mordacidade subtil, já que em teoria era ele quem honrava aquele lugar com a sua presença. O Shirosama era um homem muito cobiçado e conseguir a sua presença em algum evento social considerava-se um sucesso.

    Ao contrário dos seus seguidores, ele não rapara a cabeça e o seu cabelo de um branco imaculado caía-lhe sobre os ombros e criava uma moldura perfeita para a sua pele pálida e os seus olhos rosados descoloridos. Uma toga branca cobria o seu corpo gorducho e tinha umas mãos rechonchudas. Podia parecer muito carismático para as pessoas facilmente influenciáveis como a sua mãe, para além de inofensivo. No entanto, as coisas mudavam quando alguém se interpunha no seu caminho e, naquele momento, ela era um obstáculo.

    Mas conhecia as regras do jogo, portanto obrigou-se a responder com calma:

    – É o senhor que nos honra com a sua presença, Santidade.

    – Este é o vaso de que a sua mãe me falou, não é? É de estranhar que o tenha incluído na exposição, apesar de a sua procedência não poder ser provada.

    O homem manteve o tom de voz suave e amável, mas ambos sabiam que ela tinha exposto o vaso para que estivesse fora do seu alcance.

    – Estamos a investigar as suas origens, sua Santidade – disse, com total sinceridade. – Mas pensámos que uma peça tão bonita devia mostrar-se e, como estávamos prestes a inaugurar a exposição de cerâmica japonesa, pareceu-nos lógico inclui-la.

    – Claro, muito lógico. Interessar-me-ia conhecer qualquer informação que descubra sobre esta peça, sou bastante perito em cerâmica e nunca tinha visto um tom de azul parecido. Talvez possa emprestar-ma para que possa examiná-la mais de perto, sem dúvida, poderia ajudá-la com a sua investigação.

    – É muito amável, mas estou convencida de que o valor material do vaso é muito pequeno. Para mim, tem um valor sentimental, porque me foi oferecido pela minha ama, mas se fosse um objecto valioso, devolvê-lo-ia ao governo japonês.

    O sorriso benevolente do Shirosama permaneceu imperturbável.

    – É tão honrada e generosa como a sua mãe.

    Summer conteve a vontade de dar uma gargalhada irónica. Aparentemente, a Irmandade do Verdadeiro Conhecimento tinha uma necessidade insaciável de dinheiro, porque as quantias consideráveis que Lianne lhes dava nunca eram suficientes. Estava decidida a não deixar que ficassem com o seu vaso, apesar de parecerem cobiçá-lo muito. Lianne queria livrar-se dele porque Ralph lhe dissera que era valioso e porque sempre tinha tido ciúmes da sua ama. Nunca tinha tido tempo para ser uma verdadeira mãe para ela e fora Hana-san que a amara, que a protegera e educara, que a ouvira.

    Finalmente, Lianne conseguira mandá-la para um internato e despedir Hana e o vaso fora uma das lembranças que a ama lhe dera. Prometera-lhe que o guardaria até a ama voltar para ir buscá-la, mas Hana tinha morrido de forma inesperada. Lianne mostrara o seu egoísmo mais uma vez e quisera entregá-lo ao seu guia espiritual do momento, mas ela estava decidida a impedi-la.

    – A sua mãe disse-me como está triste porque não a vê há algum tempo, deseja fazer as pazes consigo – acrescentou ele, no seu tom de voz suave.

    – Que amável da sua parte – murmurou Summer. Sabia que a sua mãe, Lianne Lovitz, preferia tê-la o mais longe possível. Ao fim e ao cabo, era muito difícil convencer o mundo de que tinha quarenta e poucos anos se estivesse perto de uma filha que já estava perto dos trinta. O Shirosama parecia esperar que acrescentasse alguma coisa, mas ela permaneceu em silêncio porque a relação que tinha com a sua mãe não lhe dizia respeito.

    Ele virou-se para olhar para o vaso de cerâmica e perguntou:

    – Sabe que a sua mãe prometeu que me daria esta peça?

    – Sim, mas, como não é dela, não tem o direito de a dar a ninguém – respondeu Summer, com uma amabilidade impecável, apesar de ter a certeza de que a sua mãe já explicara a situação em detalhe.

    – Estou a ver – murmurou o Shirosama. – Mas não acha que devia voltar para o Japão, para o santuário a que pertence?

    – Quase tudo o que está nesta sala devia voltar para o Japão – Summer incluiu aquele homem na lista de coisas que deviam regressar ao país em questão, mas limitou-se a acrescentar: – Talvez devesse entrar em contacto com o Ministério de Cultura, para ver se estão interessados.

    O rosto sem pigmentação do Shirosama pareceu empalidecer ainda mais.

    – Não acho que isso seja necessário. Tenciono regressar ao Japão em breve, poderia fazer algumas averiguações para si, se quisesse.

    Summer inclinou-se em sinal de respeito, tal como Hana lhe ensinara, e respondeu:

    – É muito amável.

    Dizia-se que o Shirosama e os seus seguidores não eram muito bem vistos no Japão, certamente, devido à desconfiança que tinha surgido com o ataque com gás sarin no metro de Tóquio, perpetrado por um grupo de fanáticos. O governo japonês costumava desconfiar das religiões alternativas, mesmo das que pareciam ter boas intenções como a Irmandade do Verdadeiro Conhecimento. No entanto, o Shirosama era muito bom no que fazia, portanto, certamente, contava com adeptos dentro do governo. Se ela entregasse o vaso às autoridades, era muito provável que acabasse nas mãos daquele homem.

    – Prometi à sua mãe que a levaria a vê-la esta noite, depois da festa – comentou ele, enquanto observava o vaso. – Está desejosa de voltar a vê-la, para esclarecer qualquer mal-entendido que possa haver entre as duas.

    – Receio que não seja possível, estou muito ocupada. Telefonar-lhe-ei para saber se podemos almoçar um dia destes.

    – Quer vê-la esta noite e unir uma mãe com a sua filha é uma responsabilidade que não posso evitar.

    O ligeiro matiz cortante da sua voz profunda e suave foi quase imperceptível. Era compreensível que fosse capaz de cativar milhares de pessoas, mas ela não estava disposta a deixar-se enganar.

    – Lamento, mas estou muito ocupada – declarou, com firmeza.

    Antes de ele conseguir responder, virou-se e dirigiu-se para a relativa segurança do bufete. Escondeu-se atrás dos empregados enquanto ele se dirigia para a saída com o seu típico passo pausado, rodeado pelo seu séquito.

    Esteve prestes a começar a pegar em copos de champanhe e a levá-los para a cozinha para se manter ocupada, mas teria sido estranho porque havia um verdadeiro batalhão de empregados de mesa. Já todos os convidados se tinham ido embora, incluindo o homem alto com a loira. A estranha sensação nas costas tinha passado para o estômago, já que estava convencida de que fora o Shirosama que estivera a observá-la com animosidade nessa noite.

    Os empregados eram muito eficientes e arrumaram tudo num tempo recorde, portanto ficou sozinha durante meia hora à espera que chegassem os vigilantes do turno da noite. Embora a festa tivesse acabado cedo, o sistema de alarme do museu era muito bom, por isso não havia razão para se preocupar com as obras de arte. O vaso que Hana-san lhe dera estava a salvo, o Shirosama sabia onde estava e ninguém ia voltar a revistar a sua casa. Expor aquela obra de arte fora uma medida preventiva muito eficiente.

    Depois de apagar as luzes e de ligar o sistema de alarme, que tinha raios infravermelhos e sensores de calor, tirou os sapatos de salto alto que tivera de suportar durante toda a noite e atravessou descalça o enorme hall de mármore, que simulava uma villa grega.

    Ao sair para o exterior, ficou imóvel durante alguns segundos, a observar a beleza serena da noite. A lua crescente levantava-se sobre as montanhas e brilhava com um resplendor claro e intenso, apesar das luzes da cidade. Fora um dia longo e enervante, mas estava prestes a acabar. Só tinha de entrar no seu Volvo station wagon e conduzir até sua casa, onde poderia tirar a roupa, beber um copo de vinho e relaxar na banheira de madeira que comprara como capricho.

    De repente, soube que não estava sozinha. Sentiu outra vez aquele olhar fixo nela, tão intenso que era quase tangível. Não viu ninguém quando deu uma olhadela à sua volta com dissimulação, mas no terreno do museu havia muitos lugares onde as pessoas podiam esconder-se. Alguém podia estar a observá-la do caramanchão do século XVIII que havia no jardim que tinha à sua direita ou da vegetação da esquerda.

    Deixara o carro no extremo mais afastado do estacionamento para deixar espaço para os convidados e estava escondido sob as sombras das árvores. Durante um instante de covardia, esteve prestes a voltar a entrar no museu para esperar pelos vigilantes, mas estava cansada e pensou que a sua inquietação era fruto da sua imaginação. Tinha estado a dormir em casa de Micah desde que tinham assaltado a dela, mas não queria ser um obstáculo para a vida amorosa do seu amigo. Além disso, sentia a falta da sua própria cama.

    Os vigilantes iam chegar em breve e, mesmo que aparecesse um batalhão inteiro de ladrões, ela não seria de nenhuma ajuda. O mais provável era que adormecesse ao volante se esperasse muito e, de qualquer forma, o seu comportamento era absurdo e paranóico. Ninguém a perseguia, nem sequer o Shirosama. Por alguma razão desconhecida, aquele homem estava muito interessado no vaso, mas não se importava com ela.

    Dirigiu-se para o carro e praguejou quando o cascalho se cravou nas plantas descalças dos seus pés. Não estava disposta a voltar a calçar os sapatos de salto alto, mas talvez devesse tentar convencer a direcção de que era necessário pavimentar o caminho da entrada.

    O seu carro era demasiado velho para ter fechadura automática, portanto só conseguiu abri-lo quando chegou junto dele. Ao pôr a chave na fechadura, achou ouvir um ruído quase imperceptível e olhou por cima do ombro imediatamente. Estudou as sombras que a rodeavam enquanto sentia novamente o peso daquele olhar, mas, de repente, a porta do Volvo abriu-se e precipitam-se sobre ela e atiraram-na ao chão. Sentiu que os seixos se cravavam nas suas costas, uma espécie de tecido cobriu-lhe a cara e perdeu-se numa escuridão asfixiante.

    Dois

    Summer não estava disposta a render-se sem lutar. Tentou dar pontapés com força, mas os seus pés não eram defesa suficiente contra a força do seu atacante. Quando a rodearam com os braços por cima do tecido e começaram a arrastá-la pelo cascalho, começou a gritar e a pedir auxílio, mas só conseguiu fazer com que lhe batessem na cabeça. Ouviu vozes abafadas e o som do porta-bagagem de um carro que se abria. Começou a lutar outra vez, mas outra pessoa agarrou-a e, numa questão de segundos, puseram-na no porta-bagagem e fecharam-no com ela lá dentro.

    Livrou-se imediatamente da manta que a cobria e começou a dar pontapés e a bater na porta do porta-bagagem. Estava num espaço amplo e acolchoado, portanto devia tratar-se de um carro de luxo e estava quase certa de quem estava por trás daquele ataque. A Irmandade do Verdadeiro Conhecimento tinha reputação de conseguir o que queria e o Shirosama era a única pessoa que podia ter algum interesse nela. Voltou a dar pontapés e a gritar para que a soltassem, até alguém bater no porta-bagagem do exterior com tanta força que teria amolgado a carroçaria de um carro mais barato.

    Segundos depois, o carro começou a andar e afastou-se a toda a velocidade do museu pelo caminho longo e sinuoso de entrada. O movimento do veículo sacudiu-a de um lado para o outro como um saco de batatas e, quando bateu com a cabeça contra a lateral de metal, lutou para se segurar. Gritar era uma perda de tempo, porque ninguém conseguiria ouvi-la com o ruído da estrada. Além disso, precisava de energia para tentar fugir.

    Percebeu que o carro entrava na estrada principal, porque o veículo se estabilizou e o condutor diminuiu a velocidade. Estava claro que não queriam chamar a atenção com uma mulher dentro do porta-bagagem. Aguçou o ouvido para tentar ouvir alguma coisa que pudesse indicar-lhe o que queriam fazer, mas, na parte dianteira do carro, reinava um silêncio absoluto. Nem sequer tinha a certeza de que havia duas pessoas, porque não sabia se quem ajudara a pô-la no porta-bagagem tinha entrado também no carro. Se só tivesse de enfrentar um homem e estivesse preparada, talvez tivesse alguma possibilidade de fugir quando parasse…

    Uma aceleração súbita atirou-a contra a parte posterior do compartimento. Deu um grito quando bateu com o joelho no mecanismo de fechadura, mas o som ficou abafado no espaço acolchoado.

    – Acalma-te – disse, em voz alta. O som da sua própria voz foi inquietante no meio da escuridão, mas obrigou-se a pensar em algum modo de sair dali. Não podia continuar a sacudir-se de um lado para o outro indefinidamente.

    Ao perceber que era possível que os seus sequestradores tivessem ferramentas para mudar as rodas por baixo do acolchoado, apalpou até encontrar uma espécie de fecho. O seu próprio peso impediu-a de o levantar, portanto arrastou-se para um lado até conseguir o seu objectivo. Sentiu-se esperançada ao encontrar uma roda e um macaco e continuou à procura com decisão renovada.

    Esteve prestes a ignorar o pequeno saco de couro cheio de ferramentas. Lá dentro havia uma barra de ferro de trinta centímetros com que conseguiria partir alguns ossos e, apesar de a ideia a repugnar, era uma alternativa preferível a continuar raptada. Voltou a baixar a coberta acolchoada, pôs-se em cima e introduziu a barra na manga comprida do seu vestido. No caso de ser necessário, até poderia pô-la no olho do seu atacante.

    Iam muito depressa, ainda mais depressa do que quando se tinham afastado do museu, e teve de se esforçar para se segurar. O carro derrapou quando o condutor fez uma curva a demasiada velocidade e acelerou ainda mais assim que o veículo se endireitou.

    De repente, ouviu o motor de outro carro que parecia estar demasiado perto e foi então que percebeu que estavam a persegui-los. Não soube se devia alegrar-se ou não, porque o facto de não se ouvirem sirenes revelava que não se tratava da polícia.

    Ao ouvir uns barulhos inconfundíveis, pôs-se de barriga para baixo e tapou a cabeça com as mãos. Alguém estava a disparar e duvidava muito que se tratasse de algum cavaleiro andante que queria salvá-la. Ninguém tinha presenciado o seu sequestro e se alguém estivesse a tentar salvá-la não estaria a pô-la em perigo com uma pistola.

    Houve uma forte sacudidela quando o veículo que os perseguia bateu na parte posterior da sua prisão e, então, tudo aconteceu simultaneamente enquanto o tempo parecia parar: o som dos tiros, o golpe de metal contra metal, o barulho dos pneus enquanto o condutor lutava para manter o controlo e o carro patinava para um lado…

    – Bolas, bolas, bolas… – murmurou.

    O carro caiu por um aterro e, quando finalmente parou ao chocar com alguma coisa sólida, Summer ficou com falta de ar ao bater contra a parte dianteira do porta-bagagem. Permaneceu imóvel durante alguns segundos, atordoada. O único som que quebrava o silêncio era o ruído do motor e apesar de saber que o carro estava prestes a rebentar em chamas e que ia morrer, naquele momento tudo era indiferente e limitou-se a permanecer ali deitada, imóvel, a tentar recuperar a respiração enquanto esperava a explosão.

    No entanto, o motor do carro desligou-se e o súbito silêncio atingiu-a. Não ouviu nenhuma voz, mas assustou-se ao ouvir o ruído de passos e lutou para se endireitar enquanto tentava encontrar a barra de ferro, que tinha estado a rebolar de um lado para o outro.

    O carro estava parcialmente inclinado sobre um lado e ela sentia-se como se tivesse passado a meia hora precedente metida numa batedeira. Era uma massa de dor e de feridas e sabia que ainda não estava a salvo. A pessoa que estava no exterior do carro tinha uma arma e era possível que quisesse usá-la contra ela.

    Procurou a barra de ferro e encontrou-a quando o porta-bagagem se abriu.

    Não conseguiu ver nada. Havia alguém ali de pé, mas aparentemente estavam numa estrada deserta e os faróis do carro que os tinha perseguido envolviam tudo em sombras. Parecia mentira que houvesse uma estrada assim tão vazia tão perto de Los Angeles, mas o condutor conseguira encontrar uma. Não conseguiu tirar a barra de ferro, portanto fechou os olhos com força e esperou que lhe dessem um tiro.

    De repente, umas mãos tiraram-na do porta-bagagem e sentiu a carícia da brisa nocturna. Mal conseguia manter-se de pé, portanto o desconhecido manteve-a presa até o tremor que a sacudia abrandar. Era o homem do museu, o tipo alto… Tirara os óculos de sol e sentiu que o seu pânico aumentava ao perceber que tinha ascendência asiática, pelo menos em parte, como o Shirosama. Era mais do que duvidoso que se tratasse de uma simples coincidência.

    Apesar das sombras, percebeu que era um homem incrivelmente atraente. Tinha umas maçãs do rosto perfeitas, uns olhos exóticos cuja cor não conseguiu distinguir, um rosto firme, uma boca sensual… O seu cabelo era preto, comprido e sedoso e parecia abater-se sobre ela. Perguntou-se se estaria às ordens do Shirosama, porque tinha todo o ar de estar… pelo menos, a sua aparência ajustava-se à imagem que ela tinha de um capanga.

    – Estás bem? – perguntou-lhe ele. O seu tom de voz era tão tranquilo, que qualquer um diria que estava a perguntar se queria açúcar com o café. Ao ver que ela era incapaz de responder e que se limitava a olhar para ele em silêncio, acrescentou: – Entra no carro.

    Aquilo bastou para a arrancar do seu estado de choque. Não tencionava entrar no carro de ninguém, portanto disse, com firmeza:

    – Não.

    – Como queiras. Posso deixar-te aqui, mas não sabemos quem te encontrará primeiro. Quando o Shirosama vir que não apareces, mandará alguém para te procurar.

    – Foi ele quem tentou raptar-me?

    – Sim, a não ser que tenhas outros inimigos mortais… coisa que duvido. Entra no carro.

    Summer percebeu que não tinha outra opção, portanto começou a coxear para o carro do desconhecido. Parou para voltar a olhar para o carro em que a tinham fechado e viu alguém caído sobre o volante, vestido com uma túnica branca suja de vermelho. Hesitou por um momento e, finalmente, perguntou ao desconhecido:

    – Não devíamos ver se está bem?

    – Importas-te?

    – Claro que sim. Ainda que tenha tentado raptar-me, é um ser humano e…

    – Está morto.

    – Ah…

    Apesar de a noite ser bastante quente, Summer estava gelada de frio.

    – Entra no carro – disse o homem, antes de lhe abrir a porta do passageiro como um motorista de maneiras impecáveis.

    Summer obedeceu sem dizer uma palavra. Os bancos eram de couro e muito confortáveis, mas demorou vários segundos a conseguir pôr o cinto de segurança porque lhe tremiam as mãos. Disse para si que devia prestar atenção a tudo o que a rodeava para poder dar uma

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