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Seleção de contos bem humorados sobre histórias vividas e ouvidas pelo personagem título. Toda a leveza, a irreverência e o carisma do homem brasileiro.
Copyright © 2015, João Raggio
Edição
Isabella Souza Nicolas
Capa e projeto gráfico
Flávio Soares
Revisão
Laura Nicolli
Foto da capa
Kate Cavanaugh
Estagiária de Produção Editorial
Elisa Cuoco
Produção gráfica
Milton Peçanha
Impressão
Rotaplan Gráfica e Editora
Produção de ebook
S2 Books
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7- 5880
R142z Raggio, João
Z histórias / João Raggio . -- Rio de Janeiro :
Editora Própria, 2015.
192 p. ; 21 cm .
ISBN: 978-85-68218-02-0
Textos alternados em prosa e efeito espelhado.
1. Prosa – Literatura brasileira.2. Relações humanas.3.
Relação homem-mulher. I. Título.
CDD B869.3
Índice para catálogo sistemático:
1. Prosa – Literatura brasileira
2. Relações humanas
3. Relação homem-mulher
SUMÁRIO
Capa
Folha de rosto
Créditos
Agradecimentos
Dedicatória
Balcão de negócios
Vizinhos
Vida injusta
Fidel
À flor da pele
Dando uma força
Dando aula
Questão de método
Homens que prestam
Intimidade
Paternidade artística
Intimidades públicas
Quinze minutos
De perto todo mundo é interessante
Meu lado B (Mr. Hyde)
Mr.Hyde a serviço do bem
Interesses humanitários
Trauma de infância
Elogio da loucura
O lado B de Fidel
Cosméticos verbais
O mundo é dos malucos
Os diferenciados
Tolerância zero
Velocitá
Agradecimento a
Isabella Souza Nicolas e Carmem Hanning,
que fizeram este livro acontecer.
Repara bem no que não digo.
Paulo Leminski
Para Maria José, minha mãe.
Madu chegou da terapia dizendo que precisávamos conversar. Eu estava entretido assistindo ao meu futebol e nem dei bola. Ela sempre volta dessas consultas com interpretações mirabolantes para tudo o que nos acontece.
– Minha terapeuta acha que precisamos negociar
mais, lindo. Isso evitaria um monte de briguinhas que estão desgastando a nossa relação.
– Negociar?
– Exatamente. Comunicação é o elemento mais importante de um relacionamento e não estamos nos comunicando bem. É assim que tudo se resolve, sabe?
– Claro...
– Precisamos ter mais boa vontade um com o outro, negociar, ceder. Você faz o que eu quero aqui, eu faço o que você quer ali, e por aí vai...
– Assim parece a máfia...
– Minha terapeuta também disse que vários casais que se amam acabam terminando porque não conseguem conversar direito...
– Entendi, faz todo sentido. E ela não falou mais nada da gente? Alguma interpretação desta vez? Você contou que voltei a lutar judô? Isso pode ser sintoma de alguma coisa, um trauma da minha infância...
– Ah, Z, na boa, vai ficar de brincadeira?! Estou falando sério, pô! Gasto uma grana com terapia e ainda tenho que aturar essas suas babaquices! Você pode ser parceiro?! Pode colaborar?! Estou cansada de lutar sozinha por nós dois, sabe?
– Sei, claro... Mas... É só isso? Conversar, negociar...?
– É só isso.
– Sem problemas, linda, pode contar comigo.
Por que discutir?, pensei. Deixo ela brincar de terapia e está tudo certo, ficamos todos felizes. Não imaginava, então, o que estava por vir.
Madu me estendeu a mão.
– Fechado?
– Como assim?
– É pra você se acostumar. Vamos negociar tudo daqui pra frente.
– Ah, claro, fechado.
Apertamos as mãos. Foi um erro.
No dia seguinte, caminhando de volta ao carro depois de assistir a Rocky VI
no cinema, Madu disse:
– Lindo, você não acha que esse filme é um retrato da nossa decadência cultural?
– Já falei que o Rocky marcou a minha infância, só isso. Não estou discutindo a qualidade do filme. Assisti por curiosidade.
– Então, você concorda que é um modelo desgastado, uma repetição? E que é desgastante sair de casa pra assistir a isso? Poderiam colocar o Rodrigo Santoro no lugar do Stallone, pelo menos...
– Madu, as suas novelas também são um modelo desgastado. Agora, imagine assistir a um episódio de Rocky todos os dias na hora do jantar. Se soubesse que você odiaria tanto, não teria te convidado.
– Mas eu vim. E agora isso representa uma dívida.
– Dívida?!
– Sim. Fiz um programa que você pediu e chegou a sua vez de fazer um programa que eu pedir.
– Eu não sabia que te convidar pro cinema me custaria alguma coisa...
– Claro que sabia, nós combinamos isso ontem.
– O quê? Eu não combinei nada!
– Combinou, sim... Ontem, combinamos que tudo será negociado, que vamos ter mais boa vontade um com o outro, que vamos fazer coisas um pelo outro... Você até me chamou de mafiosa...
– Peraí, não teve negociação. Eu te convidei numa boa, só queria a sua companhia...
– Tudo bem - e você teve a minha companhia. Agora, quero a sua no casamento da minha prima.
– Madu, a gente já conversou sobre isso...
– Mas eu fiz o que você pediu, e chegou a sua vez de fazer um bonito comigo. É justo.
– Isso não é exatamente um bonito
. Por duas horas de filme, eu vou me meter num carro e viajar não sei quanto tempo pro interior de Minas Gerais, vestir um terno e ir ao casamento de uma prima sua que nem conheço. E uma prima que você não encontra desde a festa de quinze anos dela... Isso é justo?
– Z, deixa de ser imprestável, pô! Custa fazer uma única coisa que eu peço?
– Hoje mesmo já fiz várias e foram todas no 0800.
– Não interessa!
– É claro que interessa! Eu não preciso viajar dezoito horas de carro indo e voltando de Minas, pro casamento de uma prima que você não vê há mais de dez anos!
– Você vai me fazer muito feliz se for. É tudo o que tenho a dizer.
Isso foi só o começo. Gradativamente, a relação se transformou num verdadeiro comércio de favores. O que mais falávamos era: isso é justo
, isso não é justo
, isso está de graça
, isso está puxado
, isso está em promoção
... Fazíamos sacrifícios estapafúrdios, abríamos exceções inimagináveis, nos submetíamos às mais constrangedoras situações – tudo pelos negócios. Madu se revelou uma excelente negociante, a propósito, e sempre se deu bem em cima de mim. De tão organizada, chegou a rascunhar uma planilha no Excel para controlar sua contabilidade de favores. Enquanto isso, eu lia vorazmente um livro chamado A Arte de Negociar
.
Mas o sucesso de Madu nunca foi casual, é resultado de estratégias geniais. E uma delas é fazer como os políticos: criar dificuldades para vender facilidades.
– Eu fico desobrigado de ir ao aniversário de noventa e seis anos da sua bisavó e você não se preocupa com a louça por uma semana. É justo - Madu já estava se maquiando e eu precisava entrar no banho e me vestir, mas ainda tentava uma última cartada pra escapar daquela roubada.
– Você só pode estar de brincadeira, lindo.
– Primeiro: eu mal conheço a sua bisavó. Segundo: fiquei completamente deslocado no jantar do ano passado e sem ter com quem conversar. E ainda paguei um mico horroroso com aquele seu tio-avô surdo, que me pedia para gritar – Tio Everaldo, que deve estar perto dos noventa anos. Ele parecia bastante entusiasmado com uma viagem que faria a Foz do Iguaçu para ver as cataratas. Quando me disse que dedicaria dez dias a isso, tive a infeliz ideia de alertá-lo, e teve de ser aos gritos, que dez minutos seriam suficientes – acho que o senhor ficará um pouco entediado!, gritei. Foi horrível.
– Não fala assim do Tio Everaldo, ele está velhinho.
– Duas semanas. É minha última oferta.
– Lindo, a minha mãe vai perguntar por você, vou ter de inventar uma história e não gosto disso. Detesto mentir, ainda mais por besteira, sabe? A Ana Luisa, minha prima, vai com o namorado. Você pode conversar com ele.
– Ah, não! O matemático?!
– Ele é matemático?
– Claro que é, Madu, deixa de ser sonsa! Alivia aí, vai!
– Engraçado: se fosse a sua bisavó, eu nem reclamaria. Mas, como diz a Sheila, minha depiladora, você reclama que nem mulher mal comida. Vai sim e deixa de ser chato. Deve ser o último jantar de aniversário dela. Anda, Z, entra no banho. Já estou quase pronta.
– Ano passado você disse que seria o último... Ano retrasado também...
– Deixa de ser chato, Z, pô! É só uma vez por ano e você vai me fazer feliz se for! Vai logo!
– Essa história de te fazer feliz está me custando cada vez mais caro: um mês sem pensar em lavar a louça. É realmente a minha última oferta. Se você recusar, eu vou mesmo ao jantar.
– Um mês? Um mês sem tocar na louça?
– Isso.
– Fechado, lindo, as minhas unhas agradecem. Vou dizer pra minha mãe que você está com dor de garganta e febre – ela sabe que você vive com as amígdalas inflamadas. Qualquer coisa, confirme...
– Um mês lavando toda a louça por uma desculpa tão básica?!
– Não importa se a desculpa é básica, desde que funcione.
– Um mês é muito por isso, Madu. Duas semanas...
– Não, Z, um mês. Trato é trato.
Chegamos ao ponto em que não existia mais qualquer possibilidade de almoço grátis.
– Lindo, é aniversário da Ju depois de amanhã e ela combinou um chope com o pessoal.
– Beleza. Meu cachê de presença são duas voltas com o Fidel no fim de semana. E não adianta dar uma voltinha rápida no quarteirão, tem que ir
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