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A História (Quase) Definitiva de Monty Python: Cinco britânicos e um americano que reinventaram o nonsense e viraram o mundo de ponta-cabeça
A História (Quase) Definitiva de Monty Python: Cinco britânicos e um americano que reinventaram o nonsense e viraram o mundo de ponta-cabeça
A História (Quase) Definitiva de Monty Python: Cinco britânicos e um americano que reinventaram o nonsense e viraram o mundo de ponta-cabeça
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A História (Quase) Definitiva de Monty Python: Cinco britânicos e um americano que reinventaram o nonsense e viraram o mundo de ponta-cabeça

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"A História (quase) Definitiva de Monty Python" conta a trajetória do grupo, recheado de curiosidades de todos os trabalhos, e todas as vezes em que os produtores quase acabaram com a série, simplesmente porque não riam das piadas.

AVISO! Este livro contém termos que podem chocar a tradicional família brasileira, então eu sugiro que você o leia em voz alta.
LanguagePortuguês
PublisherViseu
Release dateMay 1, 2019
ISBN9788554549176
A História (Quase) Definitiva de Monty Python: Cinco britânicos e um americano que reinventaram o nonsense e viraram o mundo de ponta-cabeça

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    Book preview

    A História (Quase) Definitiva de Monty Python - Thiago Meister Carneiro

    www.eviseu.com

    O NOSSO CURTA-METRAGEM

    Introdução

    Vinte anos chorando... de rir

    Em 1996, que é MCMXCVI em algarismos romanos (um ano bissexto que começou numa segunda-feira), foi o ano do Rato (segundo o horóscopo chinês). O filme brasileiro O Quatrilho foi indicado ao Oscar, e perdeu; também perdemos o Renato Russo; a dupla Sandy & Junior ainda era uma dupla; Michael Jackson (que a gente ainda não tinha perdido e nem era uma dupla) veio ao Brasil gravar um videoclipe; e eu assisti a série Monty Python’s Flying Circus pela primeira vez.

    Lembro-me de estar deitado no sofá da sala, com o controle remoto na mão zapeando por vários canais da televisão, sem pretensão alguma, quando parei no Multishow. Cinco homens bobos vestindo terno e de chapéus estavam participando de uma espécie de competição – que parecia ser tão boba quanto eles – onde tinham que ultrapassar obstáculos cada vez mais bobos (como tentar pular por uma minúscula parede feita de caixas de fósforos empilhados ou tentar retirar o sutiã de um manequim de loja), sem muito sucesso.

    Mesmo não entendendo patavina do que acontecia, foi uma das coisas mais engraçadas que eu já tinha visto até então. Em certo momento, percebi que lágrimas escorriam pela minha face. Eu literalmente estava chorando de rir daquilo. Foi a primeira vez que eu tive contato com aquele tipo de humor, e eu nunca imaginaria que aquela experiência mudaria a minha vida.

    Só que no dia seguinte, aquele programa não passou. Na verdade, nunca mais aquele programa passou na tevê, e eu nunca mais experimentei a sensação de chorar de rir novamente (pelo menos, não daquele jeito). A única coisa que eu sabia daquilo era o nome do programa, que eu tinha encontrado na revista da TV a cabo: Monty Python’s Flying Circus.

    Nenhuma enciclopédia me explicava o que foi aquilo que presenciei, nenhum amigo sabia o que era, nenhum jornal nem nada. Eu havia ficado órfão de algo que mal sabia o que era.

    Eu podia muito bem ter deixado para lá e vivido a minha vida em paz. Mas não, aquele programa tinha me deixado com uma espécie de coceira existencial. Alguns tantos anos depois, surgiu essa ferramenta maravilhosa chamada internet. Não deu outra: um dos primeiros sites que eu acessei foi o Pythonline.com, que era o site oficial do grupo.

    Mas, como estava tudo em inglês, não adiantou muita coisa. O site era bem humilde, com alguns gifs animados, fotos e textos. Era tudo o que eu tinha sobre eles. E tudo o mais que eu encontrava sobre o grupo estava em inglês. Mais alguns anos depois, veio a Wikipédia. Só que o verbete Monty Python na Wikipédia em português oferecia pouquíssimas informações, a não ser a versão em inglês, que tinha muitas informações, mas era em inglês.

    Então eu pensei: Por que eu mesmo não faço um site sobre Monty Python, só que em português? Afinal de contas, deve existir mais algum fã perdido por aí.

    Foi assim que, no dia 16 de fevereiro de 2013 resolvi criar O Ministro do Andar Tolo, que era um blog com algumas informações traduzidas da Wikipédia em inglês.

    A cada informação que eu traduzia, eu percebia que o meu gosto pelo assunto era mais gostado do que eu achava que fosse. Então me aprofundei muito mais, saindo daquela superficialidade e pesquisando entrevistas e matérias ao redor do mundo.

    No final de 2013, com o intuito de transformar a história do Monty Python em livro, juntei todas as informações que eu tinha publicado no site – além das muitas atualizações nas informações que eu já tinha. As pesquisas (e o meu amor pelo Monty Python) não pararam mais e, depois de muitos anos de pesquisa, o livro saiu mais de vinte anos depois de eu ter chorado de rir pela primeira vez ao ver o grupo em ação.

    Introdução (déjà vu)

    Seis caras completamente diferentes

    Considere a seguinte situação hipotética: Você, formado em (seja lá em que você seja formado), está sentado no sofá de sua casa, assistindo televisão. De repente, você recebe uma ligação. É o seu melhor amigo, formado em Odontologia, que pergunta se você quer abrir com ele um escritório de advocacia. Você, claro, aceita sem pestanejar.

    Mas antes, você se lembra de um veterinário que conheceu num bar, e que ele contava ótimas histórias. Então, o convida para trabalhar no escritório também.

    Chegando lá, você e seu amigo veterinário percebem que seu amigo odontólogo convidou outros dois amigos dele para serem sócios do escritório, um engenheiro mecânico e um fisioterapeuta. Para completar, um acadêmico do curso de Arquitetura deixou um currículo e logo foi contratado por vocês.

    Pronto! O escritório de advocacia está completo! Com um odontólogo, um veterinário, um engenheiro mecânico, um fisioterapeuta, um arquiteto e um (seja lá em que você seja formado), esse escritório vai, alguns anos mais tarde, ser considerado o melhor escritório de advocacia do mundo!

    Diferente de um escritório de advocacia, o Monty Python (quase) foi formado mais ou menos assim, com seis homens mergulhados em conhecimentos variados de humor: tinha o que gostava de comédia chapliniana, o que fazia trocadilhos insanos, o que criava animações absurdas, o que pensava piadas curtas, o que criava personagens autoritários e por aí vai.

    Em mais de cinco anos de pesquisa, aprendi que o Monty Python é um grupo que, desde o seu nascimento, funcionou direitinho. Direitinho no sentido de que tudo o que eles fizeram foi sucesso, independente da mídia utilizada: televisão, cinema, música ou jogos de computador. E, o mais importante, porque foi um grupo construído como um prédio bagunçado, sem dono. Só que a bagunça sempre foi de forma super organizada, sendo sustentado por quatro importantes pilares do humor: a ironia, a sátira, o pastelão e, principalmente, o nonsense descompromissado com a razão.

    Ah, se faz necessário incluir nessa matemática um quinto pilar, porém não menos interessante que os outros quatro: a influência. É importante citar que cinco deles nasceram no Reino Unido, ou seja, aquele humor fino britânico sempre esteve pulsando em suas veias, e um deles trabalhou com Harvey Kurtzman, criador e editor-chefe da revista Mad, ou seja, teve uma ótima escola no quesito quanto mais tiração de sarro melhor.

    Além disso, em uma entrevista, o neto do cineasta espanhol Luís Buñuel disse que o Monty Python escreveu um obituário em que cita seu avô como a maior inspiração do grupo para o surrealismo¹. Acrescento aqui o termo subversivo, que prova que Monty Python não provoca apenas risos, mas atiça algum tipo de pensamento, e deixa o público com a mesma coceira existencial que eu tive naquele dia.

    Apesar de ser conhecido no mundo inteiro (até o Dalai Lama afirmou ser fã), ser referência quando o assunto é humor e ser influência de 10 entre 10 humoristas, o Monty Python nunca foi um grupo dos mais populares. Mesmo sendo referência para cinco gerações de fãs.

    Para escrever este livro, consultei sites de jornais e revistas de várias partes do mundo (principalmente os britânicos), li vários livros sobre o assunto, ouvi e pesquisei a letra de todas as músicas de todos os álbuns do grupo já lançados até agora, vasculhei a internet em busca de fotos de bastidores e da vida pessoal de cada Python e assisti a (quase) mais de 121 horas de material pythonesco (entre filmes, shows, entrevistas e séries). Foi um trabalho deveras cansativo e, ao mesmo tempo, a coisa mais divertida que já fiz na vida.

    Boa leitura e, lembrem-se sempre: Always look on the bright side of life e cuidado com a Inquisição Espanhola!


    1 ‘Sempre fui fã de Star Wars e James Bond’, diz neto de Luis Buñuel, de Fabiano Ristow. O Globo, 18 de agosto de 2016

    PARTE I

    APENAS UM NOME ENGRAÇADO

    CAPÍTULO 1

    Uma (quase) tentativa de explicar o que é Monty Python

    Dia 1 de julho, um dia para ficar na memória de todo fã de Monty Python. Nesse dia, um dos maiores estádios de Londres estava lotado de gente que compareceu para assistir os seis maiores humoristas do mundo. A expectativa era enorme, tanto da plateia quanto dos humoristas, pois seria a primeira vez que eles subiriam no palco.

    Logo depois da já famosa – e muito esperada – música de abertura do espetáculo, um distinto homem inglês chamado Graham Chapman apareceu em cena, e recebeu uma saraivada de palmas da multidão. Então, entraram cinco homens chamados John Cleese, Terry Jones, Michael Palin, Terry Gilliam e Eric Idle, também sob aplausos e gritos.

    Finalmente, os humoristas do Monty Python iriam se apresentar ao vivo pela primeira vez.

    A noite prometia. O público, que tinha lotado o estádio, queria isso.

    Durante quase três horas, o Monty Python apresentou esquetes já famosos como A Última Ceia, O Futebol de Filósofos, O Papagaio Morto e Nudge, Nudge, entre muitos outros.

    O público presente – mais de 15 mil pessoas, entre crianças, adultos e idosos – ficou boquiaberto com aquela apresentação. Boquiaberto e satisfeito por ter assistido ao vivo os seis homens mais engraçados do mundo.

    Esse show aconteceu no dia 1 de julho de 2014, e foi o primeiro de dez apresentações no ginásio O2 Arena, em Londres. Essas apresentações renderam a cada Python cerca de 3,7 milhões de dólares.

    Como eu disse ali em cima, nesses shows, os humoristas do Monty Python iriam se apresentar ao vivo pela primeira vez... depois de quase 30 anos sem fazer nada juntos.

    Bem, se for possível explicar o que é Monty Python de uma forma resumida, eu simplesmente diria que é um grupo que ficou bastante famoso no mundo inteiro por causa do filme Monty Python Em Busca do Cálice Sagrado (aquele da cena do cavaleiro que perde os braços e as pernas, num filme que consegue ser tão maluco quanto a própria cena).

    Do grupo fizeram parte cinco britânicos e um americano que é mais britânico que os britânicos: John Cleese, Terry Jones, Eric Idle, Graham Chapman, Michael Palin e Terry Gilliam.

    Apesar de todos já terem ultrapassado os 75 anos de idade, o único deles que já morreu foi Graham Chapman, ou seja, ele não é mais desde 1989. Parou de existir. Expirou a data de validade e foi se encontrar com o Criador. É um ex-Graham. Falecido. Sem vida. Abotoou o paletó de madeira. Bateu as botas. Está comendo capim pela raiz. Está morto como uma pedra e, por fim, abriu as cortinas e juntou-se ao coral invisível.

    Por falar nisso, no livro The Pythons: Autobiography há uma previsão um tanto quanto mórbida sobre o triste fim deles: Cleese vai morrer em 2028, Jones em 2030; Palin em 2034 (filmando um documentário sobre o deserto do Kalahari); Gilliam em 2046 (durante o mês inteiro de agosto) e Idle em 3039 (ele disse que vai viver mais do que o resto dos canalhas!).

    Monty Python é um grupo de comediantes que fez acontecer no mundo. Eles criaram sátiras de tudo e de todos: política, religião, realeza, sexo, vida, morte, vida após a morte, homossexuais, juízes, juízes homossexuais, policiais, ladrões, idosos, machistas, militares, vendedores de enciclopédias, papagaios mortos, franceses, frutas frescas, nazistas e minorias (quando estão em situação de autoridade), entre milhares de motivos para fazer rir. Para eles, tudo sempre foi motivo para criar uma boa piada.

    Para se ter uma ideia da insanidade dos caras, a música de abertura da série que deu início ao grupo, em 1969, só foi escolhida porque era de graça e porque não tinha nada a ver.

    No documentário Live At Aspen, lançado em março de 1998, eles afirmaram que o nome Monty foi escolhido por Eric Idle numa espécie de brainstorm do grupo, onde cada um ia escrevendo palavras aleatórias na parede. O nome escolhido seria um tributo a Lord Bernard Montgomery, um marechal britânico que participou do desembarque na Normandia, durante a Segunda Guerra Mundial. Eles ainda decidiram que esse nome exigia um sobrenome, e escolheram Python porque combinava.

    Só que estamos lidando com as pessoas mais tiradoras de sarro do mundo, então, é claro que, a cada menção desse assunto eles dão uma resposta diferente (como a vez em que Idle afirmou que Monty era o nome de um companheiro de bebidas que ele conheceu num pub de Liverpool). Teve uma vez em que Idle insistiu que Monty também era algo relacionado a um pub, mas, dessa vez, era o nome de uma bebida que ele adorava, e sempre ouvia os clientes gritarem Give me a Monty! (Dê-me uma Monty!)

    Terry Jones explicou que o nome surgiu porque a emissora BBC estava começando a pressionar os Pythons, já que tinha que produzir a série de comédia deles, e sequer tinha nome. "Tivemos de decidir sobre ele naquela mesma tarde, porque eles já iam começar a usá-lo no dia seguinte. Então, John disse: ‘Que tal algo escorregadio como uma cobra píton (python)?’ E Eric disse: ‘Que tal Monty?’ E alguém disse: ‘Que tal Monty Python?’ E nós dissemos: ‘Maravilha!’ Fui para casa e contei isso ao meu pai, e ele disse: ‘Isso nunca vai funcionar’²".

    Os executivos da emissora achavam que o nome da série, Monty Python’s Flying Circus, soava ridículo, e queriam que o pessoal o trocasse. E o que os humoristas fizeram? Como a teimosia falou mais alto, eles ameaçaram mudar o nome do programa a cada semana.

    Graham Chapman sugeriu Owl Stretching Time, e Terry Jones queria A Horse, a Bucket and a Spoon. Já Michael Palin insistiu em Sex and Violence. Os executivos não tiveram outra opção, a não ser ceder.

    Se não tivessem cedido e a ideia de mudar o nome da série a cada episódio fosse realmente levada a sério, outros possíveis nomes cogitados foram The Toad Elevating Moment, Arthur Megapode’s Flying Circus, Bumwacket, Buzzard, Stubble and Boot, Gwen Dibley’s Flying Circus e Barão Von Took’s Flying Circus (em homenagem a Barry Took, que teve um papel crucial na criação do grupo).

    Anos mais tarde, a alta cúpula da BBC descreveu o nome escolhido como o nome perfeito para um agente de entretenimento desprezível. A verdade é que todos os Pythons concordam que o único significado do nome é que ele soa engraçado. Apenas isso. Nós rimos muito com o nome, e no dia seguinte continuamos gostando da ideia, afirmou Cleese.

    Sobre respostas diferentes a cada entrevista, eles logo perceberam que tudo o que falavam para a imprensa era tido como verdade e publicado. Teve uma vez em que John Cleese afirmou para o jornal Daily Mail que tinha trabalhado como ministro da Defesa da Grã-Bretanha em alguma época, e que sua mãe era uma acrobata.

    O jornal publicou como sendo informação verídica.

    Não tardou muito para que a convenção social incluísse Monty Python no mesmo patamar dos Beatles, devido às inovações a cada trabalho apresentado (principalmente depois das experimentações do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band), e até mesmo à fama mundial. Todos os tipos de comparação foram usados para tentar adjetivar o grupo, como quando chegaram a ser comparados à influência dos franceses na culinária mundial.

    Nunca um povo foi tão satirizado quanto o povo francês. Na verdade, é melhor contar que as piadas não foram direcionadas apenas aos franceses, mas escoceses, irlandeses, islandeses, noruegueses e muitos outros eses. Também peruanos, italianos, espanhóis, americanos, australianos e... ah, digamos que o mundo inteiro caiu nas suas graças.

    O Brasil é citado em quatro ocasiões: Na série Monty Python’s Flying Circus, num episódio em que a empregada de uma casa segura uma tal adaga brasileira; no especial Ao Vivo no Hollywood Bowl, em que Bormann, um atleta brasileiro, participa das Olimpíadas Tolas; e no Esquete Médico, com a citação do piloto de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi. E, por fim, temos a série documental de viagens Brazil With Michael Palin.

    O grupo continua influenciando até hoje, tanto que, se você procurar pelas palavras surreal ou absurdo nos dicionários de língua inglesa vai encontrar a palavra pythonesque (pythonesco) como resultado. Terry Jones comentou a sua decepção com a existência desse termo, alegando que o objetivo inicial do Monty Python era criar algo novo e impossível de encaixar em alguma categoria, e que o fato de que pythonesque é agora uma palavra no Dicionário Oxford de Inglês mostra que falhamos³.

    Se influência mundial é sinal de fracasso, podemos afirmar que o Monty Python sempre cumpriu bem o seu papel de fracassado. Um exemplo disso é a entrevista que o ex-ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, cedeu para o The Guardian logo após sua renúncia.

    Sempre reconhecido pela irreverência, ele contou ao jornal que uma importante influência política durante a sua gestão foi Monty Python, cuja qualidade do país sempre se manifestou na apreciação do ridículo.

    Os Pythons logo teceram suas opiniões sobre a fala do grego: Finalmente, a crise grega começa a fazer sentido, disse Michael Palin. E Terry Gilliam completou: Logo, a felicidade será deles. Será que vão nos agradecer?

    Basicamente, Monty Python é isso. Quer se aprofundar mais?


    2 Monty Python’s Terry Jones on Graham Chapman’s Biopic, de Steve Marsh. Vulture, 30 de outubro de 2012

    3 Monty Python reunion: no one else has the nerve to do what Python do, de Robbie Collin. The Telegraph, 21 de novembro de 2013

    CAPÍTULO 2

    É de comer?

    O carro-chefe do grupo era a série Monty Python’s Flying Circus , que foi ao ar de 1969 até 1974 na BBC. Em muitos esquetes dessa série, as piadas eram tão complicadas de se entender (ou, simplesmente, não tinha como criar um final lógico) que um coronel aparecia do nada e mandava todo mundo parar porque a piada já estava começando a ficar muito boba.

    Agora, se alguém perguntar se Monty Python é de comer, respondo que não. A não ser que você vá numa lanchonete onde só sirvam lanches com spam.

    Sabe spam, aqueles emails em massa que só servem para encher a sua caixa postal? Surgiu de um esquete deles, que satirizava a Inglaterra dos tempos da Segunda Guerra Mundial.

    É que, durante os anos 1940, o governo britânico teve que reduzir a quantidade de comida trazida do exterior, já que existia o perigo dos submarinos alemães atacarem os navios. Foi então que o governo instituiu um sistema de racionamento de alimentos. Isso daria a certeza de que cada pessoa receberia a mesma quantidade a cada semana.

    Todos os Pythons viveram essa época triste.

    Não havia supermercados e, quando as pessoas queriam comprar comida, os lojistas riscavam os itens adquiridos da lista de racionamento de cada família. Praticamente todo tipo de comida era racionada, como bacon, manteiga, açúcar, carne, queijo, ovos, tomate e arroz, entre outros. Para se ter uma ideia da situação, alguns alimentos continuaram racionados até mesmo depois do fim da guerra, como a carne (a carne de cavalo não era racionada, e era um dos itens que podia ser comido à vontade). Em 1946, o pão foi adicionado à ração.

    O único alimento que tinha em abundância era presunto apimentado, de uma marca vinda dos Estados Unidos. O nome do presunto? Spam (sigla para spiced ham, ou seja, presunto apimentado). E eles comeram muito disso.

    Quando a série Monty Python’s Flying Circus entrou em sua segunda temporada, os Pythons tiveram a ideia de satirizar aquele momento de racionamento de comida, criando um dos esquetes mais memoráveis do grupo.

    No esquete, um casal (Eric Idle e Graham Chapman) entra num restaurante viking para comer algo (detalhe, eles entram flutuando), mas tudo o que os dois pedem contêm esse presunto apimentado. Todos os tipos de lanche vêm com o tal presunto.

    Por exemplo, quando a cliente pergunta para a balconista (Terry Jones) o que tem para comer, ela responde com o menu:

    – Ovo com bacon;

    – Ovo, linguiça e bacon;

    – Ovo e Spam;

    – Ovo, bacon e Spam;

    – Ovo, bacon, linguiça e Spam;

    – Spam, bacon, linguiça e Spam;

    – Spam, ovo, Spam, Spam, bacon e Spam;

    – Spam, Spam, Spam, ovo e Spam;

    – Spam, Spam, Spam, Spam, Spam, Spam, feijões cozidos, Spam, Spam e Spam;

    – Lagosta ao thermidor aux crevetes, com molho mornay, patê de frutas, brandy e um ovo frito com Spam por cima.

    Existem algumas versões sobre o uso do termo Spam na informática. A mais difundida é a de que, no final dos anos 1980, aqueles que queriam inviabilizar as primeiras discussões on-line usavam as mesmas palavras repetidamente, a fim de entupir um debate. Então, alguém sugeriu usar Spam como forma de demonstrar que o que estava acontecendo era chato e desnecessário.

    Na verdade, o spam pode ter sido obra do próprio criador do e-mail, Ray Tomlinson, falecido em março de 2016: Eu bati na tecla errada e copiei um monte de pessoas em algo que estava tentando enviar para uma única pessoa⁴.

    Tomlinson, fã de Monty Python, lembrou-se rapidamente do famoso esquete. Então, ele passou a chamar essas mensagens chatas e repetitivas de spam.

    A ideia do nome deu tão certa que ela mesma se espalhou como spam, e assim, o termo surgiu como forma de indicar emails indesejáveis que só servem para entupir nossas caixas virtuais, assim como os lanches do esquete.

    O interessante é que a Hormel, a fabricante da carne enlatada Spam, embora nunca tenha ficado feliz com o uso da sua marca como lixo eletrônico, sempre apoiou o Monty Python. A empresa emitiu uma lata especial de Spam para a estreia do musical Spamalot – baseado no filme Monty Python Em Busca do Cálice Sagrado – na Broadway. Além disso, o esquete está no museu Spam, nos Estados Unidos.

    E, já que estamos falando de informática, em 1989, o programador holandês Guido van Rossum criou uma linguagem de programação que batizou de Python. Segundo ele: Eu estava procurando por um projeto de programação como hobby. Eu escolhi o nome Python porque eu estava num humor um pouco irreverente, e também porque sou um grande fã de Monty Python.

    A série Family Guy (Uma Família da Pesada) prestou uma homenagem ao grupo na abertura do episódio Space Cadet, e o escritor americano Lemony Snicket batizou o personagem do tio Monty, no livro A Sala dos Répteis, da série Desventuras em Série, por causa de sua obsessão com cobras (sabendo que python é uma espécie desse animal).

    Essas são só algumas das mil e uma influências de Monty Python no mundo.

    Por mais bobas que as piadas do grupo possam parecer, uma coisa é certa: apenas parece. Todas elas são baseadas em um argumento muito forte nas entrelinhas, como no esquete da Rã Crocante (Crounchy Frog), que é uma sátira a uma polêmica lei britânica.

    Já o Esquete do Canibalismo (Lifeboat (Cannibalism) sketch) satiriza um (também polêmico) processo jurídico-criminal, que envolve um singelo ato de canibalismo entre marinheiros.


    4 Ray Tomlinson, the inventor of email: ‘I see email being used, by and large, exactly the way I envisioned, de Jesse Hicks. The Verge, 2 de maio de 2012

    CAPÍTULO 3

    No início era o caos, então Deus criou o teatro, e viu que isso era bom

    A década de 1960 ficou marcada como a década da busca da liberdade pelos jovens. Nos Estados Unidos, a cultura hippie emergiu como nunca se viu antes. O amor livre, o movimento feminista, o festival Woodstock e grupos musicais como Jefferson Airplane, The Doors e Grateful Dead iam ao encontro da revolução cultural buscada pelos jovens. Enquanto isso, a guerra do Vietnã já tinha feito milhares de vítimas.

    No Brasil, militares comandavam o país com mãos de ferro, e a censura estava cada vez mais acirrada.

    Na Europa, grupos musicais como Beatles e Rolling Stones ditavam as regras, e davam ao mundo um novo significado ao termo paixão de fã, cunhando também o termo beatlemania e a grande questão que afligia os pais: Você deixaria sua filha se casar com um rolling stone?.

    Em 1962, Nelson Mandela foi preso na África do Sul, onde passou quase três décadas na cadeia.

    O mundo estava em uma crescente ebulição política, tecnológica e, principalmente, artística. Além do mais, um muro dividiu a Alemanha em duas, o primeiro chip de computador foi lançado, e os Estados Unidos romperam relações com Cuba.

    Foi nesse cenário mundial efervescente que seis jovens (com idades entre 25 e 30 anos) se conheceram e formaram o maior grupo de comédia que o mundo já viu. Foi um grande momento para ser jovem. Todo mundo estava em alguma vibe confiante. Apenas o crescimento de seu cabelo e tocando música já era o suficiente para chocar. Então, nós estávamos na faculdade, e não tinha a questão de encontrar um emprego, qualquer trabalho servia, explicou um jovem inglês chamado Neil Innes.

    Em Oxford, a mais ou menos uma hora de Londres, existe uma universidade. Por uma estranha coincidência, essa universidade se chama Universidade de Oxford.

    No anfiteatro dessa universidade, um pequeno grupo de teatro amador apresentava uma peça chamada Fuenteovejuna, do dramaturgo espanhol Lope de Vega (1562-1635). Naquele dia, tudo tinha dado errado com a apresentação, e o que era pra ser um drama com forte conteúdo social acabou virando uma pequena bagunça.

    Na plateia, um jovem estudante de Letras chamado Terry Jones ria sem parar, e chegou a comentar com todos os seus colegas que foi a coisa mais engraçada que eu já vi. Ele se referia, principalmente, ao ator que fazia o papel do Quarto Camponês. Esse ator era Michael Palin, estudante de História Moderna.

    Em uma entrevista para o jornal da universidade, Palin disse que a peça era sobre camponeses do século XV, quase tão divertida quanto ter os dentes do siso arrancados sem anestesia.

    Logo depois dessa apresentação, Palin sentiu gosto pelas artes cênicas e, junto de seu colega de classe Robert Hewison, começou a escrever roteiros de sátiras e paródias de programas de televisão, que eles apresentavam no palco. Os dois faziam um ao outro rir, e foi Robert quem incentivou Palin a realmente entrar para a comédia. Ele me disse ‘Olha, nós podemos realmente fazer algum dinheiro com isso, podemos fazer um cabaré e ganhar 30 xelins por noite’. Eu nem sabia o que era um cabaré⁵, contou Palin.

    Em 1961, logo após mais um roteiro terminado, os dois viram entrar na sala de aula um aluno transferido do curso de Letras. Era Terry Jones, que rapidamente tratou de fazer amizade com o Quarto Camponês, aquele ator que o fez rir na peça Fuenteovejuna. Quem também fez amizade com eles foi Ian Davidson, que escrevia ótimas peças de humor, e que, futuramente, iria fazer algumas participações em esquetes da série Flying Circus.

    Michael Palin e Robert Hewison perceberam que Terry Jones tinha um senso de humor parecido com o deles, e o convidaram para escrever juntos. E então, ele também começou a fazer parte do grupo de teatro, que não tinha nome, e era simplesmente conhecido como Oxford Theatre Group (ou, em bom português: Grupo de Teatro de Oxford). Segundo o site oficial, o grupo foi fundado pelo cunhado de Palin e outro cavalheiro louco, em 1951, com o intuito de descobrir novos talentos.

    A primeira colaboração da dupla Palin-Jones foi uma piada chamada Custard Pie Lecture, que, quase vinte anos depois, seria reescrita e encenada no especial Ao Vivo no Hollywood Bowl.

    Paralelamente à história dos jovens de Oxford, acontecia outro fato interessante a uns 120 quilômetros dali.

    Na Universidade de Cambridge, na cidade de Cambridge (outra estranha coincidência), o estudante de Medicina Graham Chapman estava

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