You are on page 1of 119
Dados Internacionais de Catalogasio na Publicagdo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bobbio, Norberto, 1909 — (© Postivismo Juridica: Ligdes de filosoia do dicto / Norbert Bobbio, compilaas por Nello Morr: tadusSo esol Marcio Pushes, son Bin, Carlos E: Rodrigues. — Sto Paulo: lone, 1098 ISBN 85.274.05285 1. iret 2, Dizeito — Filosofia 3. Positivism I. Mora, Nelo, I Tio, 95.0822 cbu-340.12 Indices para catilog. 1. Positvismojuriic: Ditto: Filosofia 40.2 NORBERTO BOBBIO O POSITIVISMO JURIDICO LIGOES DE FILOSOFIA DO DIREITO ccompiladas pelo Dr. NELLO MORRA Tradugio © notas Marcio Pugliesi, da Faculdade de Dieito da Universidade de Sto Paulo, son Bini, da Faculdade de Filosofia da Universidade de Sdo Paulo, ‘Carlos E, Rodrigues, da Faculdade de Diteito da Pontificia Universidace Catlin de So Paulo, ee © G. Giapicheli Eaitore SRL. ‘Torino — lia © Direitos Reservados para lingua portuguesa feone Bditora Lids, 1999. Colegio Elementos de Dieito Coordenagio Técnica (Carlos E, Rodrigues MarcioPugliesi Producio ¢ Capa Aniziode Oliveira Diagramagio Rosicler Freitas Teodoro Revisio Rosa Maria Cury Cardoso Proibida a reprodugio total ou parcial desta obra, de qualquer forma ‘ou meio eletnico, mecnico, inclusive através de processos ‘xerograioos, sem permissio expressa do editor (Leint $988, 14/12/1973). ‘Todos os direitos reservados pela iCONEEDITORA LTDA. Rua das Palmeiras, 213 — Sta Cesta. ‘CEP 01226-010 —-Sio Paulo — SP ‘Tels/Fax: (011)3666-3095 INDICE Preticio & nova edigio. Parte 1 [AS ORIGENS HISTORICAS Do PostTIvISMO JURIDIC INTRODUCAO 1. Diteto naturale ditto postivo no pensamento cléssico 2. Diteto naturale direitopostivo no pensamento medieval... 3. Direito naturale direto positive no pensamento dos jusnaturalstas dos séeulos XVII XVII. 4. Critéros de dstingio entre dieito natural drcto positivo Capitulo | — OS PRESSUPOSTOS HISTORICOS 5. RelagSes entre dreito naturale diritapostivo 6. O context histrico do positivism juridico. ‘A posicdo do juz quanto Tormacio do dreto antes e depois do surgimento do Estado modern. 7. Os eventos histércos do direito romano 8. “Common law” “statute law" na Inglaterra: sir Baward Coke e Thomas Hobbes. = {9. A monopolizago do dteito por atte do legislador na ‘eoncepeio absolutista ena liberal, Montesquiewe Beccari, 10. A sobrevivéncia do direito natural nas concepes jusilos6fieas do racioalismo no século XVI ‘As “Tacunas do diteito” a 15 19 2 26 32 37 Capitulo Il — AS ORIGENS DO POSsITIVISMO TURIDICO NA ALEMANHA, 11, AEscolahistérica do dizeto” como predecessora ‘do positivisme jridica. Gustavo Hugo, 12, Ascaractersticas do historicismo. De Maistre, Burke, Moser 13, A escola histirica da dteito. C.F. SavignY soon 14, O movimento pela coiticago do desta. Thibaut 15, A polémica entre Thibaut Sevigny sobre a coditicacSo {do direito na Alemanha Capitulo Ill — 0 CODIGO DE NAPOLEAO EAS ORIGENS DO POSITIVISMO JURIDICO NA FRANCA 16. Ossiniticado histirico do Codigo de Napotedo A codificugo Jusiniana ea napalednica 17. Asconcepgéesfilosbfico-jridicas do iluminismo inspiradoras da coiticag francesa Assos programs ds AsseriGat evolucioi on . 18, Or ro dati danni: Cambacérés 18, Aclaboraio ea aprovagio do projet definitive: Poralis 31 45 a7 33 st 63 64 or 7 20, As relages ente 0 jue lei sogundo oat. 4 do Cédigo Civil © diseurso preliminar de Portals 21, A escola da exegese: as causashistéricas do seu vento, 22. A escola da exegese: seus maioresexpoenes suas ‘caractersticasfondamentais : Capitulo IV — AS ORIGENS DO POSITIVISMO JURIDICO NAINGLATERRA: BENTHAM E AUSTIN 23. Bena: assign A pi mint de sa on wits en 73 8 83 9 24. 25. 2, 2. 28 Bentham: a extca 8 common law e a teora da codificagio 96 Austin: a tenativa de mediacio ente a escola histérica lems eo utilitarismo inglés . 101 Austin: sua concepeo do ditto positiv0 a. 105 Austin: a distineSo entre dirito legislativo e ditcito Jdicidrio: a ertia a0 dieitojudicario 109 ‘Austin: o problema da couificagio. vows AHL CONCLUSAO DA PARTE HISTORICA 29. 0 fatohistérico da produgio lepsltiva do direito€o funda mento do postvismo juridico;o significado da legisla «119 30. A cotiticagioinexistente na Alemanht fungio histrica do Aieio cientitien vo vow 121 231. Ihering: © método da cigncia juries osu ve 122 Parte I ‘A DOUTRINA DO POSITIVISMO JURIDICO INTRODUGAO 3, (0 pomtosfundaments da doutrina juspo tne BL Capitulo |— 0 POSITIVISMO JURIDIC CoM 33 x. 35. ABORDAGEM AVALORATIVA DO DIREITO © positivism juriico como posta centifica frente a0 diteito juizo de validade€ jui2o de VAlO sexsncen 135 Ciencia do diteitoe ilosofia do dirito:definighes avalorativas edefinigdes valortvis rn 138 “Positivism judi e“realismo juridico” a dfinigho 4o ireito como norma valida ou como norma ef anue M2 36, 37 38 (0 “formalismo” como caractristica da definigzo {uspositivista do dzeto sents 1M Capitulo Il — A DEFINICAO DO DIREITO FM FUNCAO DA coacao [As origenshistricas da concepso coercitiva do direito: ‘Tomasi a “7 ‘A teorizagio da concepgéo coercitiva: Kant e Ihering. Objecies 8 eS8 eo snes ISI ». ‘A moderna formuagio a toi acoso Kelsen e Ross 135 Capitulo TI — A TEORIA DAS FONTES DO DIREITO: A LEL 40, 4 2 48 44, 45, COMO UNICA FONTE DE QUALIFICAGAO (0 significado tenico da expresso “fontes do dirito” a. 161 ‘Condigbes necessiras para que num ordenamento juridico ‘evista Uma fone predominante nnn 1, Fontes de qualificaio jriica; fntes de conhecimento jurdico (Fontes reconhecidas e fones delegadas) 16s ( costume como fone de dreto a histria do pensamento {uriicne na histria das instituigbes postive 166 [A deciso do juiz como fonte de ditto. A eqUidade ara. 171 ‘A chamada “natureza das coisas” como fone Je diet0 ow. 175 Capitulo [V — A TEORIA IMPERATIVISTA DA. NORMA JURIDICA 1 da norma jridica como comando, Distingio entre comand e conselho. Austin €Tho8 nn 18L A construsio imperatvista das norms permissivas 186 A caracterizagio do imperativo juidico: tentativasinsatisftéia. 189 . ‘A caracterizagio do imperative jurico dito como imperativohipottico, sone IH Capitulo V— A TEORIA DO ORDENAMENTO JURIDICO 50, SL 32. 53 54 ‘A teora do ordenamento juriieo como contbuigio ‘original do positvismo jurdico 8 teria geal do dirito .. 197 ‘A unidade do ordenamentojuridico. A weoriakelseniana (norma fandame ta 199 Relagies entre caeréncia e compleitude do ordenamento jurigico rn 202 ‘A coeréncia do ordenamento jurdico, Os critrios para elimina as antinomias 208 A completitude do ordenamento juriicn, ( problema das lacunas da lei : 207 Capitulo VI— A FUNCAO INTERPRETATIVA 55. 56 si. DA JURISPRUDENCIA (© papel da jurispradéncta, A nogia de “interpetagio™ 211 (0s meios hermenéutios do poitvismo judi: a intrpretagio decarativ; a nterretagio integraiva (wanalogia) 24 A concepeojuspostvita da cigneajuridica ‘formalism eieniico” ven 220 Capitulo VII — 0 POSTTIVISMo JURIDICO COMO 58 39, IDEOLOGIA DO DIREITO “Teoria” ¢“ideologa". © aspecto ideokigicn do positivism jurdicn, Cten 8 teria e&ideologa da juspositivisto 223, (O conteido eo significado da versio extremista da ‘deologia jospositivista as suas vias justifcages histrico-filosstieas 1 228 (60, A versio moderada do positvismo étco:&ordem como Valor proprio do dtt0 nnn sone 229 CONCLUSAO GERAL 61. Os tes aspectos fundamentas do positivismo juridico: nossa avaliagéo — or) [APENDICE, ot a 239 10 PREFACIO A NOVA EDICAO Estas ies sobre opositivismojuridico, publicads primeiramen= te sob form de fascfulos pela Cooperaiva Libraria Universitaria “Torinese, hi muito tempo esgotades, foram desenvolvidas por mim no sano académico de 1960-1961. Sua publicaco foi possivel pela diligén- cia e pea periciacom que foram compiladas pelo doutor Nello Morraa {quem apesir de tantos anos passados, expresso a mais viva gratido. Foram concebides como comentirio histrico e como sintese twérica de dois cursos precedents sobre a Teoria da norma juridica® © sobre 8 Teoria do ordenamento juridico**, desenvolvids tespectiva- mente nos anos académicos de 1957-1958 e 1959-1960, publicados pelo editor Giappichelc, dferentemente das presents alas, permanente mente redid. Seguiram-sea ais eusos alguns outos sobre ditcto natura, dos quas alguns tragos podem ser lorigados no volume de fasciculos, Looke ¢ 0 direito natural, editado pelo mesmo Giappichelli cm 1963. (© problems da natueza do significado histrieo do positivismo juridicoestava na ordem do dia naqueles anos, particularmente depois do ensaio que HL. A Hart havia escrito em defesa do posiivismo juridico em si polémica com Lon L. Fuller, Positivism and Separation ‘of Lav and Morals na Harvard Lave Review, vol 71, 1988, pp. 593- 630 (trauzido ao italiano na coletinea de esrtos de Hat, Comeibuti ail” analisi det dirt, sob coordenacio de Vitorio Frosini, Milo, Giutfee, 1968, p. 107-166). No mesmo ano fo editada a principal obra de Alf Ross, On Law and Justice, Londres, Steve & Sons (radugio italiana por Giacomo Givazzi, Einaudi, Turim, 1968). Em 1961, 0 an0 a primeira cdigio desis fasfculos, foi editadaa obra principal de Hart, ‘The Concept of Law, Oxford, Clarendon Press (radu italian a cargo {de Mario A. Catanco, também pela Einaudi, Trim, 1965°*"). No ano anterior hava sido editada 4 obra conclusva de Hans Kelsen, a nova tedigio de Reine Rechtslehre, Viena, Franz Deutick (radugio n cargo de Mario Losuno, Binaudi, 1966****), No verio de 1960, ‘Alessandro Passerin d’Entreves ¢ eu, com a colaboragio de Renato ‘reves, convidamos os professors Hart ¢ Ross com alguns de seus alunos € outros jovens estdiosos italianos para um semindro sobre 0 positivismo juridico, com cerca de duas semanas de duragio, na Villa Serbelion i Bellagio, sob os auspicios da Rockefeller Foundation, Foi sobretudo deste seminario que obiveinspragio,ealém da insprac ‘muito material, para desenvolve todo um curso sobre oassunto, Adela que 0 embasa e jusifica sua articulagéo foi exposta por mim em um artigo, “Sul positivsmogiurdieo”,publicado a Revista di Filosofia, no primeizofasciculo de 1961 (pp. 144). Emus primeira edigioestecurso tee ahonr de ser doutsinten- samente apreciado, no sem algumasjustas observagies eriicas, na Revita trimestrale di dirito ¢ procedure eivile (ano XV, 1961, pp 1476-1480) por Guido Fass, ujo precoce desaparecimento constitu rave perda para 0 meio estudioso. Dedico esta reimpressio& sua cara ini dizer que o curso se ressente do tempo em que foi esc «ede um debate que nto maisse desenvolve nos ermos de entdo. Mas no orevisei,nemoatualze. Apesar de toda gua que passou sob as pontes 4d positivismo jurieo, os pares centmis resisiram. A presente reimpressio repioduz exatamente a primeira edigio, silvo algumas equenas correqaes formas. Nonacer0 Bosse PARTET AS ORIGENS HISTORICAS DO POSITIVISMO JURIDICO INTRODUCAO 1. Direto natural e dieito positive no pensamento cléssco © curso a ser ministrado este ano € dedicado 20 positivismo Juridico edivisi-se-4-em dus partes, primeira dediada a problemas histirioose a segunda a prblemas wesricos, Acxpressiopostvismo juridico” nto deriva daquelade“positivis- mo" em sti filsstieo, embora no séulo passado tena havido uma ‘cera ligacio entre os dostermos, posto que alguns positivist jurdicos ‘ram também postvistas em sentido filos6tico: mas em suas origens (que se enconizam no inicio do séeulo XIX) nada tem a ver com 0 positivism ilossfico— tanto €verdade que, enquanto.o ra Alemaaha, 0 segundo surge na Panga. A expressio "postvismo jurdico”derivada locucio divetopostivo contrapostaaquelade direto ‘natural. Para com-preender 0 significado do posiivismo juridico, portato, é necessrio esclarecero sentido da expresso direito postive ‘Toda a radio do pensamento juridieo ocidental € dominada pla Aistingio entre “Wireto postivo” e “Wieito natura”, dstingio que, {quanto uo coateido concetual,jé se encontra no pensamento grego ¢ latino; o uso da expresso “direito positvo" é, earetant,rlatvamente recene, de ver que se encontra apents nos textos latinos medievais, [No latim da epoca romana, 0 uso do tema pasitvus em sentido andlogo aquele a ser assumido na expresso “dieitopostivo” &encon- teado em apenas um texto. ‘Trata-se de uma passagem das Nott Attiche de Aulo Geli, onde sedis Quod P. Nigidus arguisime docuit nomi non posi ese, sed satura. ‘Como se vé, nesta passagem a contrapesicio entre “positive” e “natura” fit telativamente 4 natureza no do dieito mas da lingua gem: esta raz io problema (que jf encontramos nas dispotas entre Séerates ¢ 0 sofistas) da distingao entre aquilo que € por natureza {lysis} eaguilo que € porconvengso ou posto pelos homens (hess). problema quc se pe pela linguagem, isto 6, se algo & “natural” ow *convencionl”, poe analogamente também paraoditeto vez que se enconia no latim pés-lissico a expresso pasitvustferia 20 dieito € numa passigem do Commento de Caleidio ao Timeu de Platéo* (esta obra de Calcio, um neoplatinico ou camentador de Platio, fo durante um longo tempo — até séeulo XII— a nica fonte 4o conhecimento medieval de Plato). Diz-se nee: Ex qu adparet in hoc Ho list &, no Tiel principale id ag ‘ontemplationem consideraionemgucinstutnon postive, sednatura- es its justia aque aqua quae nscripae insite leis descrtendse formals ibui ex eruina moderation substantia Aqui o termo “positivo"refere-se 8 justiga: a passagem pretende expressar precisamente que o Timeu tata justiga mataral” (sto das leis naturais que regem o cosmos, e, portanto, a cosmologa, a eriagio e 8 constituigio do universo) e nao da justiga posiiva” (ist das leis reguladoras da vida social), ‘Como dissemos, a distingio conceitual entre diteito natural e ireitopostvo ja se enconia em Platdoe em AristStles, Este tltimo inicia deste modo o capitulo VU do livio V de su Etioa a Nicémaco: Ds jstiga civil uma pate 6 de cxigem natural, our se fanda em ai Natura € quel justiga que mantém em tod paste omesmoeeitoe nid ‘depen do fato de que paeea boa a alguém ou mi fandada na le acl, ao contro, de quedo porn sess engens so estas 08 aguelassmassim como uma vez sancionads.(Datadugiode A Plebe, cd. Laer. pp 18845 )+* Neste texto o ditto postive &chamado “direito legal” (nomikn dlikaion) 0 natural € dito “physikén’s observamos que & impréprio teaduzir 0 termo dikaion pela palavea “direito” (ainda que 0 fagamos ‘assim por motivospritcos) uma vez que o grego dikaion (bem como 0 latino as) tem um significado dal indicando o mesmo tempo ideia de “justiga”e de “direito”. Dois sio os ertéios pelos quais Aristeles Aistingueo dreto naturale positive: =item inc Gein tnd tatepsade ‘hom ne eae foc pS oak eden 6 4) odireito natural é aqele que tem em toda pate (pantachoa) a mesma efiedcia ( ildsofo emprega o exemplo do fogo que queima em ‘qualquer parte), enquanto 9 dieto positivo tem eficcia apenas nas ‘comunidades poitea singulares em que ¢ post; 10 witeto natural presereve ages cujo Valor nfo depende do {vizo que sobre elas tenho sujeito, mas existe independentemente do fato de parecerem boas alguns ov més a outtos. Prescreve, pois, gies ‘ja bondade ¢objetiva(aghes que so boas em si mesmas, diam os ‘escoldsicos medievss) O diteita positive, a0 contro, € aquele que ‘estabelece ages. que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de vm modo ou de outro mas, uma vez reguladas pela Tei importa (isto €: €corretoenecessrio) que Sejam deserapenhadas do modo presrito pel le, Aritoeles dé este exemplo: antes da existéncia {ée uma lei ritual € indiferentesacifcar a uma divindade um ovelha ou (duascabras; mas uma vez existente uma lei que ordena sarifcar uma ‘ovlha, ito se tora obrigatrio: & correla sacifcar uma ovelha eno ‘duascabras no porque esta agi Se boa por sua natreza, mas Porque conform uma lei que dispae desta manera. Esta dicolomia também € encontrada no direito romano, onde & formolada como dstingio entre “direito natural” (e 6 preciso notar que também o jus gent € mutes vezes includ neste) us cvile (no em sentido estrito— contraposto a0 jus honorarium —masem sentido lato = contraposto ao jus gentum ou 20 jus naturale). Assim, no inicio das Instuigdes se. enconta a triple distingio ene jus naturale, jus ‘gent c jus civil A primeira categoria ius naturale) — definida ‘como “quod natura omnis animalia docuit” —nio nos interessa porque estamos examinando a categoria da jus gentium que cortesponde 20 fonceto de direito natural, bem como o de jus civile correspond 20 rosso conceita de dieto positive. Formulase a distingSo entre jus _gentium jus civle meses terms: Jus naturals quod natura oma animaladocut.. Juste chile ‘et gent ta dvr omnes popu qu Tegibus et moribus eguntur, pertin soo promi, parti communt omni honda jure went fam qu sue ppl ips sb jus const, id pus proprium Citas ex vowatarg as cle, quas jus propria isis cia: (quad verasttals rai inter met omnes consid apd omnes ” ‘populosperacqueeusoditurvocaturgue jus gentium, quas quo jure ‘nes gente untur (11,2, 1)" (0 jus gent eo jus cle correspondem & nossa dstngéo entre ieitonatuta edizeto postive, visto que primeira se efereAnatureza (naturals ratio) co segundo is estates do populus. Das distingSes ‘ofa apresentadas tems que so dois os erties par distnguiro direto positive (jus cle) do dirito natural (us gentium): 8) primeiro limita-se a um determinado povo, 0 passo que © ‘segundo nio tem limites; 'b)0 primeiro poste pelo povo (isto €, por uma entidade soci ‘rida pelos homens), enquanto 0 segundo € posto pela naturals ratio, [Numa passagem posterior & inoduzido um tereeitocrtéio dis- ‘Sed natural quidem jure quacapud omnes gemespareequeervantar, living quam providenia conta semper firmus ional permanent: ca vero, qua ipsa sbi quaeque chs const, saepe fmucarisolent vel acu consensu popu ve aia posta lege lata (1,2, ms Enguanto, ois, diteito natural permanece imutivel no tempo, 0 positivo muda (assim como no espaco) também ao tempo, uma norma pode ser anulada ov mudaéa seja por costume (costume ab-rogativo) seja por efeito de uma outa lei Um outa defini céebreéencontrada num fragmento de Paulo ce apresentad a0 Digest: Jus plaids mols dir: uno modo, cum id qu Semper aequum ae ‘bonuses dicta, atest narrate alter mado, quod omnibus arts qu cvtate ale est ut xt jus ie (D1 1s) Dois si os eitrios sobre os qua se basciaadistingio de Paulo centre dreto naturale drei civil )odireto natural universe imutivel (semper) enquanta.civil € particular (no tempo eno espago): byodizeitonaturaestabelece aquilo que bom (bonum etaequum), enquanto o civil estabelece agulo que € sti: 0 juizo correspondente a0 primeirofunda-se num rtéro moral, ao passa que oelativo ao segundo baseiase num eitéro econdmico ow uit, 2, Direito natural edireto positive no pensamento medieval. De acordo com os resultados obtidos por Kuttne,em suas pesqui- ‘1s, primeiro uso da formula jus positium se enconta mum flésofo ‘medieval, em fins do século XI, precisamente, em Abelarda (segundo investigasGes anteriores de Kantarowic, ao contro, aereditavase que © primeiro uso de fal termo adviesse de Damaso, no século XII; © & provivel que pesquitas mais acuradas permitissem remontat tal uso sinda anteriormentea Abelado)- Este timo autor assim escreveem seu ialogus inter philosophum,judacum etchristianum: pore autem in hs quae adjust pertinent, nom solu naturals, enim etiam positoae sta ramitem nan excedere Jusquippe dad naturale aad postivam dcr Depois de haverdefinido o dieito natura, mass fildsofo pros- segue definindo o dizeito postivos Positive autem justia id et gud ah hominbus institu, a luitaiem se el honestatem is manic, sola consuctdine ‘ur seep mtr auctoritate Pat. lat 178, 1856), Segundo Abelardo, entio, o dieito posiiva “ill est quod ab hhominibus instittur”s isto ga sua earactristca 6 ade ser post pelos hhomens, em contaste com diteto natural que nog posto poresses;mas poralgo (oualguém) queestialém desses, como naturez (oxo proprio Deus) "Ess distin ene dirito mature direito positive se encontraem {todos os eseritores medievas telogos, filésofs,canonistas. Na Summa theologca (IU. ae, g. 90) de Santo Tomas, por exemplo, hi uma extensissima disseacio reatva aos diferentes tpos de lei, O autor istingue quato, saber: “lex eterna”, alex naturals, lex humana ea 19 “lex divina”. Esquecendo-nos da primera eda quar destas categoria (2 levaeterna ex dvina) que nio nos interessam aqui, consderemos alex ‘naturals ea lex humana: as lis corespondem a distingo entre direto ratura e drito positive; em verdad, Santo Temis mio chama positiva a Tex humana apenas porque também fx divina psiiva A lex naturals €definida pelo fil6sofo como: Partecipai less acerna in rational crear A Ler humana, continua ele, deriva da natural por obra do legisla dor que pe ea faz valer, mas tl derivagbo pode ocorrer segundo dois. diferentes modes, ou se, per conclusionem ou per determinationem. 8) tem-sederivagio per conclusionem quando ale positva deriva "amos numa sociedad sem saber om preciso que obrigngSesassumi. A suhordinacio dos juizs tle tende a garanti um valor muito importante: a seguranga da dirt, de modo que 0 cidadiosaiba com cetteza seo proprio comportumento € ou nio conforme Ali Estes concetos sio relomados por Beccaria na sua célebre obra Dos delitose das penas(1764)* Unadas pssagens maiselebrese fre= ‘qentementecitadas na polémica antpositvisaacha-se no pardgrafo 3 ‘A primeira conseqéncia destespincipios€ que somente as ks podem ‘ecrtar as peas sobre os deli cesta auloridae 6 pode resi jumo 10 legisladr, qu tepreseataasocedade una pr um coma social [Agar Beccaria ape para eoncepsto comratalista para demonstat| ‘quo pose do letistadorndo€arbitiio mas e funda m sociedad feito para asociedade| Neahum magisrado, qu & pare da sociedad, pode com justia inl penas contra um oatto membre da mesma Sociedade Mas uma pena arescia ale do limite fixao plas leis €3 nj, ras uma bar pena; portant, no pode um massed, {ualquerpreteto de zl, ou hem pablo, acescer pen estbeleid ‘um ido dlingent Beccaria enuncia aguio principio dito de “estritalegalidade do Aireito penal”, que seexprime na maxima: “nullum erimen, nulla poena sine lege”. Nopardgrato 4, insite, ademais,emsuss afrmagies sobre as relagGes entre 9 juize ale. O juiz no 6 no pode itrogarpenas @ nao ‘ser os catos e nos limites prevstos pel li, como também ao pode imerpretar a norma juriica, porque a interprctago dt lei um sentido siversodaquee que Ihe foi dado pelo legisiado (uma posigio extremists ue hoje nem mesmo o mais obstnado positvstaestaria disposto & acita) (uaa consegignla:tampoen a autre de interpreter a isp ras pose se atibuto do juizes crimin, pea azdo dead stem leysladones- Ov juizes no receheram as leis demons anepusados ‘como uma tadgso domestics em festmento que aso deitasse sos piston seniowcudado de obec; receberam asim da sociedad ‘Viva, ou do soberano representa dela, come legitimo deposit do tivo tesla da vorade de todos receberam-ni no como brig ese un antigo jusinent, no porque leg votade no existent, nique porque reuzia ox homens 8 estado de soiedde a estado de rebanh, mis com efeitos de um cit express jurameto gi as ‘ontadsrvinidas don sito vs fizeram so soberan, como vinculos rnecesiios para fear reger fermen intestino dos ineresespat- calares. (0) ‘Osea ser ent legime interpret da ei? © soberan, at © depositrio dasefetivas vontades de todos, oo juz eu ofa & Somentecxaminar seo tal homer havia eomeigo ou no uma ago sonra seis? Em fod delito deve faze o jui um silgismo prfeito: a maior deve ser lei gras amen,» ago conform ou nasa conse fa, Herd ou pen Quando ui for constrangio oo dese fazer também dos ilogsmos somene, abirse- a port incerta. ‘Nao hi cosa mais perigosa do que agus axioms comm: “E preciso costo esprit” uma baragem romps Trente 8 torrente ds opines, Aqui Bocearia expen “eoria do silogismo”, bem conhecida pelos jurists, segundo a qual o juz ao apicar as les deve fazer como aguele {que vedi conclisio de wm silogism, Assim fazendo le nioctianada ‘de novo, apenas toma explictoagulo que jest implicto ma premissa maior. Beccars que, sem mis, ue osilogismo seja“perfelto": no scti assim aguee rcieinio do jurista que se fondasse numa interpreta ‘glo unaldgica de ums norma juridica (este caso de fat, 0 silogismo é Togicamenteimperfeito), a 10. A sobrevivéneta do direito natural na concepgbesjusfloséfieas {do racionalismo no século XVIIL. As “lacunas do direito”. Vimos que os eseitoresracionalists do séoulo XVII teorizaram sobre onipotéacia do leislador. Com eles, entctanto, anda no chegamos ao posiivismo juriico propriamente dito. E preciso lembrar fq nesse século direito natural ainda est vivo tem um dos seus florescimentos mais ntensos, no sé no plano doutrndrio como também no pritico. Basi recordar ainflugncia que o pensamento jusnaturlista teve na formacio da Consituigio americana © das ConstitigBes da Revolugio Frances. No pensamento do séeulo XVIN tm ainda pleno valor osconceitos-base da filosofi jusnaturalisa, tas como oestado de natura, fei natural (eoncebida como um complexo de norms que se coloca a0 lado — ou melhor acima — do ordenamento positivo), 0 ie jutista. Assim, por exemplo, Aubry e Rau, embora fo negando “a existéncia de certs prinepiosabsoluts eimutaveis, anteriores supe, riores a toda legislacio positiva",afirmam, todavia, que "0 dircto natural no consitui um corpo completo de preceitos abslutos. ¢ imatives” visto que tuisprincipios absolutes sio muito vagose podem ‘er determinados somente pelo direito positvo, ao qual exclusivamente se deve dirigir jurist: o mote de Aubry era:"woda-a le. mada a ndo sera let" (Bonnecase, op cit, pp. 161, Paricularmentecaracterstica€ 8 opinio de Demolombe, segundo a qual, emiboraexistindo o ditito natural dstnto do positvo ele ¢irrelevante para jurist enquanto no for incorporada ali (0 jurisconsltonio deve se prender aun modelo maisou menos peri ‘0,1 um tipo mais ou mens del. dio natural par eles a0 € sempre melhor, nem o mais exeeene; mas eto natural posive, Pratcivelrealizavel €aquee sobretide, que se conforma se sai Imzihor ao espitito, aos prinpos eas tendenias gras da Iegilagho ‘sri; ees por que peso qe € sempre nessa mesma lislagao que £ neces ating, dietamene ou iaditetamenes todas egress soles juss (Bonnecsse, opt, no, p. 170), Demalome fet, pois, uma inversio tipicamente positivist das relagies ence dieto naturale dieito postive, Em lugar de mensurar a validade do direto positive com base na sua conformidade com 0 natura firma que este ttm & tanto mais relevante quanto sea con sagrido pelo primeiro. Esta jnversio levaditetamente a um formulagio ogicamente contraditria, no momento em que o autor diz que oditito ‘natural nfo € necessaiamente 0 melhor dirito, dado que a propria ‘etinigio de dieto natural comport a iia da sua excelenea eda sua superioridade relativamente a0 diet postive, A escola da exegese impulsions a concep tradicional das es entre dieito natura edireito positvo também com respeto & ‘um outro problema, © da aplicabilidade em via subsidiria do direito natural em caso de lacunas no ditita postive, Segundo a interpretagao «dada por Portalis no seu dscutso preliminar (vero § 20), 0 art. 42 do Cédigo de Napoleio admit tal fungia subsidira do direto natural; mas a escola da exegese aller interpretagio desse ato, afirmnd ‘que com base neleo juz dove se fundar unicamente n ei para resolver ‘quaisquer controversias. Assim Demolombe esereve a5 arec-me que tumbéan em mara iil, eo syjelt avo ao invocar, pars sinensis pretenio, nad senao uma para era de ditto na Fal agossneionadasequor india onieplictament el ei, ojve m0 ‘levers dspemar-the a beneticia de sn concusies [to no deve scaler seu pedi «depois de haverindieado alguns aspects da interpretagio do at. 4,0 autor conlui que, com base ele jue no poe lealmente pretender que let no te proporcions os sneios pure resolver a causa que Ihe & submetids (Boanecse, op. ct, 68). A intorpreagio do at. 4 dade por Demolombe leva portant 3 afirmaro principio da completiude da lei 'b) Um segundo aspect €representado pela concepsorigidamen te estaal do direto, segundo 8 qual juridicas io exclusivamente as. normas post pelo Estado, ov, de qualquer forma, ue conduzam a um reconhecimento por parte dele Tal coneopsio implies no principio da ‘nipoténcia do legislador do qual falamosouras vezes; este principio fifo coincide com negagio genérics do direito natural, porque importa também 1 negacio de toda tipo de dircito postivo diferente daguele posto pela lei, como o direito consuetudinrio, 0 dieito judiciio e Principalmenteodireitociemiieo. As seguintesalirmagies de Mourton podem ser consideradas uma simula das concepgées do juspositivismo francés sobre o problema das fontes do dite: ara cusps oadvqado gra ojuz exile md dito, o iret positve que se define: o conjunto das leis que o legislador mln prs gua tetas oehomeente Ase ‘ie ov mors as, com feo, abigatarengano ao fren ‘Shcionodas petals -Aolegslaors cabo dtd term tar ergs to muneroave, vere ao cotroveas do dio natal eta ue iguliene cigs Dale de ton om mira mia sa resi dant da rés da es poise Cosa pr ula segend eae no prs lla Nad ain Gate oum ipnges soo retenode sues sata Suna naamaine gue prevent Ey juin SOB ouhiver re msrarsve date manegtatad que sso Seite doe (Bomeseon i 15 86 Fica portanto claro que, segundo a escola da exepese, le n ‘deve se interpreta segundo raza eos ertris valorativos daguele {que deve aplici-1a. mas, a0 contri, este deve submeterse completa ‘mente i razio express na propria le: neste sentido um expoente det escola, D' Argent, assoverava ‘Stultasapiemia quae vue lege spientio ese (Bonnecase, op. et p-IS}). 6) esta attude diamte a lei nasce um tereeiro aspecto do Positivismo urdieo frances: a interpreta dali fundada ma ntengo do legislador. Tatase de uma concep da inerpetagio que tem una rand importincia na hstéia e ma pti da jurisprudéncia, senda Aacatada até os nosos dias perfeitamentecoerente com os postulados fundamentais da escola da exegese: eo tnicodieitoéaquelecontidona i, compreendida como manifesticio escrita da vontade do Estado, ‘orna-seentio natural coneeber a nterpeetueio do dirito como a busca! ‘a vontade do tesislador naqueles casos (obscuriade ou lacuna dale) nos quais ela nfo deluiimediatamente do pripio texto legislative, € todas as técnias hermenéuticas — estudo dos trabalhos preparatrio, ‘da finaidae para a qual a lei foi emiid, da inguagem leislatva, das relagies logieosistemsticas entre uma dada disposi legilativae as ‘utras disposigbes ele. — so empregadas pars atingr tal propésito, Distingue-sea vontad dolegishadorem vontade real vontade presum da busci-se a vontade teal do legislador no caso em que ale dsciplina ‘cae cientfico com significados muito variados¢ também nalinguagem jurigiea tem sido usado para indicar uma plraidade de conceitos diversos. Para evitar confuses, acescentaremos ao temo formalismo ‘um agjtivo que Ihe precise aacepeio. Assim, com referencia & concep io do direito ora exposta, falamos de formalism juridico. Disto as ‘permanccem distntoso formalism cienifico eo formalismo éico, que ‘io as dois outtas principals accpodes com as quais este termo & ‘empregado na linguazem dos jurists. '8) Entende-se por formalism eienfico a concepeto da ciéncia jridica que dé rlevo predominante& interpretacio légico-sistematic, de preferéncia 8 teleologie; segundo & concepeto formalist ds inter™ pretagio (carcteristcs, como ji vimos, da escola da exegese), as ‘coneretsregulaedecidendi sto extraida da norma legslativa, descon- ‘ideandoa inalidude perseguida por esta, 0 confit de ineresses que se deve dirimir e assim por dante, mas essencalmente com base numa ‘peragode caster logic. by Bntende-se por formalismo ético a concepcio propria do posiivisma jriico como Weltansehauong, segundo aqua a ago usta consist porae simplesmente no cumprimento do deverimposto pela, qualquer que sea esta, qualquer que sja seu contesido (neste sentido se fala também de concepeao legalista da moral) [Estas duasoutras concepges do termo "formalism" tremos oc sido de encontraraseguirem nosswexpsicio da doutina do positivismo jurdico.F necessri, porém, esclaecer as relagies entre a concepcéo positivist concepedo formalista do dieito. Estas duas doutrnas nio se identficam nem sioestanhas uma 4 ouras demos antes que so duas douttinas diferentes que possuem, todavia, muitos pontos em ‘comm que se acompanhan em seu desenvolvimento histrieo, 146 7 CAPITULO TL ADEFINICAO DO DIREITO EM FUNCAO DACOACAO 37. As origenshistrieas da concepsio cvercitiva do "Thomasivs, © positivsmo juriico ¢ earacerizado pelo fato de definir cons- tantementeodieito em fungin da coagi, no sentido que v8 nesta tia tum elemento essencial tipico do die ‘Aanies de prossegui, porém, énecessrio fazer dois esclarecimen= tos importantes fureos de uma vez por todas: quando se diz que ‘uma cert douting é prpria do positivism juridico, em primeizo lugar, alo se que dizer que tal dourin sejasusteniada po odos os pensadores ‘que pertencem a ess corrente — para ser um postvita juridico no € recessirio acolher todos os sete ponts enunciadas na Inrodugio desta Parte: em segundo lugar. no se quer igualmente dizer que tal doutina ten sido enunciada pela primeira vez pelos juspositivsts, mas s0- mente que estes a formulatam com maior rigor e a conservaram Isto vale também para 2 concepeio enercitva do dirit, Esta, firmando-se no elemento da vis coactiva (coma diam os esclésticos), implicitamente nos remete& organizagio socal que possu al frga de modi eminente exclusive, o Estado; logo, defini dzeto em fungio ‘da coergosigniticuconsierarodireito do ponto de Vista do Estado. A Jefinigao coerctiva se funda, portanto, numa concepgio estatal Jo ireito. Esta concepsio é, de fto, contempdrines da formagio do Estado moderno, qu foi teorizado no século XVI por Hobbes, embora ‘aja na época do positivism jeriica que tal concepgéoeelebrou seus ‘ulunfos miximos (especialmente na aba de Ihering, como veremos). Elicit estabelecera data de nascimento da definigio coeritiva 4o dreto. teadigo retere-se a0 pensamento de Christian Thomas, ‘um dos mus importantes expeentes do jusnaturalismo racionalistae que ur viveu ns Alemanhs enite 0 fim do século XVIL€0 principio do século XVIIL Diseipulo de Pufendort, as suas. Instiutiones jurisprudentiae divinge (de 1688) representam a retomada de temas tipicamente ppufendorfinos. Mas ma sua obra fundamental, os Fundamenta juris Inaturae ct gentim (de 1708), expoe uma teoria pessoal, precedente Ristério da teorisclissia da coagio, [Nilo que a precedente tradigio da jusnaturalismo racionalista Jgnorasse a dstngio entre regras que podem e egras que ao podem se fazer valereoercitivamente, mas tal distingio era formulada em termes ‘iro pau poder faeroposigio ao matiméaio dos Ses parents, pot ‘ualqver cha gue ote sa celebrago, 188 Esta norma ime o dever dos xpos judicdrios de acolherem solictagio dos paentes lepitimados para que o matrimenio sea impe doe poderia ser express de forma imperativa, como norma que orden, tis drgios acolher (ou ndo epelit) a solicitagio em questo, 48. caracterizagio do imperative juridico: fentativas insatisfatrias. Um outro problema colocido pela concepsio imperativista do Uieito é 0 da caracterizagio dos imperatives juriicos, problema que pode ser formulado nos seguintes termos: as normas juridias so ‘mperaivas de um determinado tipo? Ou, dito de outra mancira, existe um tipo particular de imperative qu sea pr6prio das normasjurdicas? ‘A doulrinarecoreua diversas distincbes,procurando caracterizat 0s imperativos juidioos, mas sem chegar muitas vezes resultados satisfatrios. Assim huscou utiliza distin ent 1) Imperativos postivas « imperativos negatvos. Como n08 lembramos (ver § 37), Thomas haviasustetado que odieito, die: rentemente da moral, impoe somente obrigagSes negativas, Esta sua afirmacio dev lugar e uma célebre polémica com Leibniz que, 20 contririo, afimava que odireito cotinha também obrigagespositivs. ‘A opinido de Leibniz € atwalmente acolhida por todos. Esta prim Aistingio, ponanto no serve para caracerzat 0 imperatvo juridico. 2) mperaivosaudnomoseimperaisosheterénomos. (Imperatives ‘aunomes so aqueles nos quais quem esabelece a norma e quem deve ‘egui-la sio a mesma pessoa; imperatives heterOnomos sio aqueles nos {quais quem estabelece norma & uma pessoa diferente daquela que deve Segui.) Houve autores qu quiseram empregaresta distingsoafirmando {que ositaperativos jurdicos si heteronomes, masa solugsondo parece convincente. AS noras juridicas podem ser tanto avtbnomas como Ihterdnomas. Recordemos, por exempo, que segundo Rousseau a de- ‘mocraca conssteem dar leis @ si mesmas;e Kelsen utiliza a dstingso entre autonomia eheteronomia no direto, para earacterizarrespectivas mente os ordenamentos jridis democrtions e of autocrtieas. Na ese do dteit privado so imperativos juridioas auOnomos as norms «stabelecidas com base no poder negocal dos particulars; porexemplo, ‘ contato€ 0 to com o qual os contraenes doa Si mesmos uma cet 189 3) Imperatives pessoais¢ imperatvosimpessous. (Com referén- cia a0 sujito que poe « norma, 0s imperativs distinguem-se em pessoaiseimpessoai conforme a norma provenha ou no de una pessoa fleterminids,) Aigunsestudiosos sutentam que as normas juridicas sio sempre imperativos impessauis,vislo que no sio imputiveis a uma Sinica pessoa especificamente determinada, mas provém sempre de uma coletividade qualquer, Esta slucio também nio é convincente, porque Sse indubtavelmente as notmas lepisltivas de um Estado parlamentar ‘ho impessoais, nfo se pode dizer 0 mesmo das normas emanadas pelo soberano de um Estado absoluto; ¢ mesmo no Esto democrtico ‘existe normas pessoas (por exempo, a8 contidas numa determinacio ‘esanada pelo prefeit) +4) Imperativos geras e imperativos individuais, (Com reeréncia 80. sujeito destinatdrio da norma, os imperatives se distinguem. em feta individusis segundo se dirijam a uma coltividae de individuos ‘ua um nico sujeito especifieamentedeterminado.) E uma afirmagio muito difundide na dovtrina juridica que o dreto & constitido por imperatives persis mas al afirmacio ende atvalmentea serabandonada pata se admitc existénci de imperatives juridieus individuals, pots também a sentenga (que contém um comando individual) € considerada uma norma jaridica 5) Imperativosabstrtos e imperativas caneretos. (Em rego 30 ‘conteido, imperatives se distinguem em abstratoseeoncretos confor ‘me ocomportamentaprescritoconsita nummaclasse ou categoria abstata de agies, ov, vice-versa, numa acio singular) A doutrina tradicional ‘considera 4s normas juridicas como imperativos abstates, mas esta ‘piniio no pode sce scotia porque mesmo o direito pode preserever ‘uma aio singular (porexemplo, we le elitral estabelecida para uma {nica eeigo presereve uma acio singular, emboracomplexa,endo uma categoria Je agbes;diga-e 0 mesmo de uma ordem de mobilizacso eral), 49. A caructerizagio do imperativo juridic: ‘ direito como imperative hipotéticn. Resta gu examinar uma iltima distingio que, ferentemente das ‘examinadas no parigrafo anterior, parece suscetvel de er proficuamen- 190 ‘te utlzada para caracterizar imperativo juridico. Trata-e da dstingso entre imperaivo catgorico © imperativo hipotéica. © imperative ‘atepricnupresent a seguinte form Deve reslizat A: ‘ohipotético tem a segvinte form Se quiserB, deve wealizat A. sta distin fo ormulada por Kant que, em Fundamentagao d -Metajisica dos Costumes «usa para distnguit o iemperativos moras (que sioimperativos categories) de todos os outros imperativos (que So imperaivos hipotticos). © limperativo categsrico comanda uma ago que ¢ boa em si mesma, bos incondicionalmente, ist indepen- dentemente de qualquer fim que por elas poss tingit. Assim, quando Aigo: "Nao deves mentit™ formulo um imperativocategérico, que, se ‘me perguntas:"Por que no devo mentir?”s6 poss responder: “Porque ‘io deves meni” (produzindo assim ums tautoogia), ou entio: “Por ‘que no menti ¢ um ago os em si mesma”. (© imperative hipottic preserve uma go que no 6 boa em si mesma, mas¢ bot apenas condicinalmente, so 6, para ating um dado fim. Assim quando digo :"Se queres comprar selos, deves rao coreio", ormulo um imperative hiptético visto que ir ao correionioéuma agio ‘bos em si, que se impoe incondicionalmente, mas uma ago boa que se impie somente se quero obter sclos. Logo, enquanto © imperativo ‘atlegrico me indica um fim que devo eseother, 0 imperative hipotético ime indica somente o meio que devo escolher, se dese atingir um certo fim, mas me deixa live quanto a escolher o¥ nio este dino. Kant hima de normas éticas os imperatives eategoricos (visto ‘que precisimente as normas moras impoem uma agio incondicio- rnadamente) de mormas Kenieas os imperatives hipottics, visto que ‘estes ims so proprio das artes, ds profits, ito 6 das atividades hhumanas que no incidem na esfera moral assim, por exemplo, um ‘manual para 4 conduedo de um automével, ou outro para o jogo de bridge conte normas tenicas; outa tanto se pode dizer dos doutrins mi dores politicos dos séculos XVI e XVI, como. Principe, de Maguiavel, Visto que eles indicam es meios que Se devem usar para conseguir € ‘onservare poder, sto, para conseguir um dado fim, sem se pronunciat Sobre valde moral da propio fim). Posta esta distngio, a qe categoria pertencem a normas juni cas? Aos impertivos categéricos ou aos hipotticos? A dovtrina getalmente considera as norms joridicas como norma hipotéticas ou {éenicas. Assim Adolfo Ravi em seuestuda sobre Odireto como norma ‘éenica (publicado em 1911 eepublicado em 1980 em O dircito eo Esiadona mora idealist), aliema que odireto € constiuide por norms ‘éenicas, visto que tem como seu elemento essencial a sangio; dada a presencs desta slim, 0 comando juridica pode ser formulado como Imperaivo hipotético do seguinte modo: “Se queres evtar a sang sdeves obedecer ao comand da lei". agi prescrita pela lei nfo &, portant, boa em si mesma, nio se impée incondicionadamente, mas € boa ese impo somente se se desta evita a sangio, enguanto a norma moral 6 categsric, porque despravida de sano, ‘Se examinarmoso mecanismo da sano, poderemos precisa que cle funciona de dois modos diferentes. 4) Primeito: e ajo sem respeita o comandojuridien, a sangdo me faz atingir um fim diferente daquele a que me havia proposto. Assim, ddevido 3 norma que probe © furto, se eu Furto, ao invés de enriquecet como era meu propssito,acabo na prio. A norma juridica, portant, ‘me estima ter ocomportamento por ela desejado com afinalidade de evitaratingir um fim que no € por mim desejado (a sangio). Se ‘chamarmos de 4 3 sangio B a condua preset, oesquema da norma neste primeira caso Se no queres A, doves B. 'b) Segundo: se jo sem respitaroprecito,asangiome impede de atingiro fim que dese. Assim, se redijo um testament sem respeitaras formas estabelecidas pela lei, esta toma nuloo proprio testament portanto, me impede de ating a inaidade a que me tnha proposto 20 fedigi-o, Se chamarmos de A 20 resultado jridico desejado e de B a0 ‘comportamento prescrito, 0 esquema da norma neste segundo caso €: Se queres A, deves B. (Chegs-se também 3 formulago do direito como norma hipotéica por outa vis, Se digo que & norma jurdica ¢ acompanhada da sancio, we posso dstnguir na norms dois aspectos formuli-laem dois momentos. No primeizo momento, a norma prescreve o comportamento que © destinatiio deve tr (1) Deves realizar A, "No segundo momento, norma estabelece que, seo comportamen= ‘o exigido nio for acatado, deverd ser aplicada a sungio (B) @) Senio 6A, deve ser B. (Observe-se que a norma (1) io tem existneia autdnomaprépri, sendo, a contri, apenas um eflexo da norms (2). Se chamarmos de A ilct, isto & 2 conduta & qual esti vinculada a sangéo, e de B a ‘angio, a nonma juridicaapresena a seguinte estrutu Se€ A, deve se B. E esta a formulagio da norma juridica dada por Kelsen, que, especialmente nas suas primelras obras, apresentou a sua eoncepeio ‘como um eitiea ao imperaivismo, 1Narealidae, « dourina kelseniana no 6 uma doutrina anim: Perativsti, mas um certo modo de formular o imperative jurico, “enguanto.o formula como imperative hiplético, Sea norma juridica mio ‘ontivesse um comando, ela deveria ser formulada com proposicéo desriiva, da Seguinte mancita: "Se 6 A, é B"; mas esta, como nota o proprio Kelsen, forma propriada relacio causa, egulada por umalei natural, € nio pela juridca, a qual, 20 contirio, € formulada numa proposicio do seguine teor: “Se € A, deve ser BY; esta sltima roposicio nio €descitiva mas presciiva ‘Maso que significa deve ser? est um dos pontos mai obscuros| da eoriakeseniana*. Em nossa opinso, para dar um significado preciso Afdrmula“Se6 A, dove ser B",é mister convert nesta outa: "Se A, BB deve ser execulado”. Mas agora € mister também indica quem deve ‘execuar B, visto que sendo o dteito propria da esera humana, também este B (a sino) deve ser imputivel a um sujeto humano, Pois bem, {quem aplica suncio € o6rgio udicsrio, pornto kelsenianodeve ser indica uma ordem dirgida a0 juz, formula de Kelsen pode assim ser Tormlada com maior clareza preciso nos seguintes erm: ‘esate, rtm ot NV Ae Rt ene Ta Spo 193 Se 6 A, 0 juz deve cumprir B. Em acrésvimo a este pono, € necesirioobservar que a teoria do Arete como norma hipotctica apresentou duss formlagSes diversas Na primeira formulagio o direito se configura como norma téenica Airigda aos sites Se queres A, deves B, ‘onde A indica “evita Sango" oy “conseguir um resulta juriico”,€ Bindicaocomportamento preseito. Nasepunda formulagio configura como norma condicionada diigid a0 juizes SeAé, Bedeve ser, fonde A indica o comportament (cto) seguido pelos siditos © B a sangio que o juz deve aplicar. ‘Como se vé, a passagem da primeira para a segunda formulacio ‘comport a alteragio dos destinatios da noma. Na primeira os dest ‘alitios soos cidadios, na segunda soos juizes. Ja vimos (ef. § 38) que ‘primero formulador da douttina que consideraosjuzes como destin trios da norma foi Ihering, segundo qual « verdadeira norma juidiea 6 56, que regula aplicagio da sangio, enquanto a que presereve 408 ‘idaios um dado comportamento represent apenas 0 pressuposto de fato a que se submete 0 acionamento do mecanismo sincionador por parte do jui Deste modo, o idados no si destintiros de verdadet os comandos, sendo eles somente mostrada uma lternativade fato:ou respeila lei ov sofrera sang, ‘A teoriadosjuzesdestinatirios da norma jriica fi aeolhida por Kelsen, que, subvertendo a terminclogia tradicional, chama de “norma principal” aquela que se drige aos juizes, dispondo a aplicagio da sangio,¢ “norma secundaria” aquela que se dirge os cidados,dispon- dom preceto visio que ele considera esta Gia um simples eflexo da primeira, que € notma jurdica na sua estrutura completa: ‘A norma que determina condutaque evita acoergo...temosigniticn- ‘do de wnt norma juriica somente quando se presse que com el se ‘devaexprimi, de forma abreviada, por eomodiade de expresso, guilo {que sb propesigiojrdia eaunca de mod complete corel, 06, ‘ue dada» condigan da condatacontrra deva haver um ato coative ‘Somo consegatnes Esta € x nora jr na su forma primi. A ‘norma que ordenao comportamento que evila a sang pode Valet, 198 Portano,unicamente eam norma jriicasecundiis (Lr dowtrina ra del dri, te, Tai, 1982, p. 49, Coneluindo: na doutin do imperativismo juridico ocorew uma evolutions qual pode-sedistinguir dus ase, qualificsveis respectiva- mente come imperatsismo ingénuo e imperativisma etic 1) O imperativisme ingénuo (que vai de Hobbes 3 Austin e 20 qual pertence 0 proprio Thon) considera © dreto como um conjunto de comands ditgidos pelo soberano aos cidadsos, sem analisr ulterior- mente a estutura Jo imperative jure. 2) 0 imperatvismo ertico (que tem como um dos seus maiores ‘expoentes em Kelsen precisa os earacteres do imperativo juridico sob dois aspectos: 8) norma juridia € um imperative hipotéticn; b) a norma juridica € um imperative que se diige nio 20s cldados, mas aos juizes. 195 CAPITULO V A TEORIA DO ORDENAMENTO JURIDICO 50. A teoria do ordenamento juridico como conteibuicio original do positivism juridico &teoria geral do direit, Consideramos paricularmente importante ateoria do ordenamento {utiico para efeto da caracterizagao do positvismo juridica, porque fs dela chegu-se a0 coracao desta cortentejuridca. Enquanto algumas das outras teorasjuspesitvistas — como a concep coerci= tiva (ver § 37) € a imperativista do direito (ver § 46) — surgiram anteriormente © positivismo jurdico se via limitado a adequélas ¢ relabori-lus,formulando-as com maior eoerénia, a teoria do ordend- _mento jriico foi “inventada, isto 6, ntroduzida ex novo pelo proprio positivismo. Antes do seu desenvolvimento faltava no pensimento jurigico o esudo do dieito considerada no como norma singular ou ‘como um acervo de normas singulares, mas como entidede unitéria ‘constitu pelo conjuntosistemstion de todas as normas. ‘Temos um testemunho disto no campo da terminologiajuridica, Na lingua latina (que € aguela na qual majoritaiamente se expressa 0 Pensamentojurdico tradicional atéo século XVII) fala efetivamente lum temo especifio que cortesponda ao de “ordenamena juriico": $30 sada as palavras "us", Tex" e, no maximo, emprega-se © termo fev com um significado extensvo para indica aio uma norma singular ou um ato lepsltivo singular, mas um coajunto de normas (por texemplo, x civil, lex poenalis). A falta de um terma correspondente a “ordenamentojurdico” india que no fora ainda formulado o concei= to correspondent Nao sabemos dizer como e quando & expressio “ordenamento {uriico” entrou no uso correntee este € um problema que mereceria ser ‘estudad; somos, entetanto, da opiniso que Saja a maducto italiana do termoalemio Rechsordaung. A ditusioe, podemos dizer, a vulgariza- ‘glo de tal expresso na tla (que ela também passou da linguagem técnico-juridica para a comum) coube « Santi Romano, que em 1917 197 publicou um estudo (agora cissico no pensamento juridica italiano teste sécul)initulado precisamente O ordenamento juridico (embora as teses nel susentadas no sejam propriamente as do juspositivisma). (Que a origem do termo em questi seja procurada no fli alemio & italiana do pensamento juridico ¢demonsteado pel fato de que tal temo rio ¢ encontado nem na lingua francesa nem na inglesa (porque nas cultura juridicas corespondentes a dogma ea sistemiticativeram tum menor desenvolvimento). Os frances, para exprimirem 0 conceito, {de ordenamieno juridico,recorteram kexpressio ordre juridique (que, contudo, poucosatisatéria porque termo ordre é demasiado genético), ‘04 ainds 20 temo ordonnancement (que, todavia, foi acolhido poco favoravelment, tratando-se de um neologismo)-Osingleses se incinam para o termo system, mas este pode dar lugar # confusdes, porque 0 ‘ordenamento jurico pode ser considerado um sistema de ademas, mas nom fodo sistema de normas (como, por exemplo, o sistema normative moral) pode ser considerado igual, em sua estrutura, a0 ordenamento jridico, ‘A teora do ondenamentojuriico encontra a sua mais coerente expresso no pensimento de Kelsen, Por isso podemos considera este ‘ulor como 9 climax do movimento juspositvita, depois do que comeca ‘sua decadénea, isto € (sem metafora), sua erse.Aliés, que a vocagéo fundamental (embora em tal hora inconsciente) eo pontode chegada do positivismo jurdico devesem ser esa teotia se compreende pereita- mente se considerarmos sua origem: ela surg, ene 0 fim do século XVIII ¢ 0 inicio do século XIX, da exigéncia de dar unidade a um conjunto de normas juridicasfragmentiias, que constitufam um risco permanente de incertezae de abitrio (pode-se recordar, por exemplo, ‘que 0 movimiento franés pela codifcagio reclamava um diteto sim- ples, completo unitirio— ver §§ 17 ¢ 18—,e que Bentham colocava entre os requisites fundamentals da eodificagio a compltitude — ver 524), "A teori do ordenamento jurdico se baseia em ts caracteres fandamentss ae aibuidos: a unidade, a coer2ncia, a completiude; sioestastréscaractersticas ue fazem com que odieto no seu conjunto seja um ordenamento €, portant, uma entidade nova, distinta das rnormas singulates que 0 com SI. A unidade do ordenamentojuridico, A teoria kelseniana dda norma fundamental, A primeira caracteristica do ordenamentojridico€, pois, aunida de, Poder-se-a objetar que esta no é uma concepgio exclusiva do positivismo juridico, visto que mesmo os jusnaturalists pensam m0 direito como um sistema untirio de normas; ese poderia atescentar que ‘mpuso paraarealizago da unidade do direto mediante acodificagio rasce de uma concepgsojusnatraiss (ver as palavrs de Cambaceres telatudas no § 18). Tudo isto & exato, mas no contrari 8 nossa afimagio segundo qual a teora do ordenamenta jridica € propria do {uspositivismo. Hi, realmente, modes modos de conceber a unidade da sireito,e 0 modo no qual a entende ojusnatualismo ¢ profundamente sliferente daquele no qualaentende o juspositivsmo: para oprimeito, se tata de uma wnidade substancial ou material, relativaso contetido das rormas; para © segundo, tata-se de uma sidade forma, reltiva 20 ‘modo pelo qual as normas sio posts Kelsen exprime ess diferencafalando de dois tipos dversos de ‘otdenamentos normativos:o ordenamento estdtico (ao qual petencem a ‘moral e 0 dieito coneebido jusnaturalisticamente) © ordenamento dinmico, qué prdiprio doditeito concehida positivisticamente. Segun- do os jusnaturalistas, portato, o ditto constitu um sistema unitari, porque todas suas normas podem ser deduzidas por um procedimento pico uma da outraaté que se chegue uma norma totalmente gora, que 6 a base de todo o sistema e que consti um postulado moral suto- evidente (para Hobbes tl norma diz pay est quaerenda; para Santo ‘Tomis die: bomum est quaerendum, mate vitandum; pars Putendort, esa norma prescrevea busca da conserva da sociedage humana; pars ‘Thomasius.prescreve a busca da felicidade; para Kant ela exige a grantia da iberdade do homem ...). Dada, por exemplo, a norma que proibe 0 furta, se eu pergunto a um jusnatraista por que no devo furtar, cle me responde demonstranda que tal norma est implicit rnagucla mais geal nemnem laedere; ese e insisto em indagat por Que devo neminem lacdere, ele me responders demonstrando-me que tal preceto deriva, diretmente ou através de um outs norms, de um pstulado moral suto-evidente. 4 segundo os juspasitivstas, 0 contr Fio,o diteito constiui uma unidage num outro sentido: nso porque a8 suds normas possum ser deduzidas fogicamente uma da outra, mas porque elas todas sio poses (deta ou iniretamente, isto 6, mediante 199 cca que existe par os outros cansociados 0 dever de no lesa al efera, fe que existe para oeidadio cua esfera de liberdade tenha sido lesada 2 possibildave jriiea de reagir recortendo aos 6g do Estado Deixando de ldo as objegbes externas que possam ser diigidasa cesta tora, de uma perspectiva diversa daquelajuspostvist, vejamos lgumascrtcas que foram eta vind de dentro do propriopositivismo jutiico, Foi observado que os operadores do diveito(uizese jurists), ‘ quais agem no interior do diteito positivo falam freqdentemente de Tacunas do dieito, Como & possvel sto, seo direito € completo? Res- pondeu-se que quando os jurists falam de lacunas,usam 0 temo no fhum sentido tcenicojurdico, mas ideoldgico: pretendem indicat a fuuséneia no tanto de ums norma qualquer para resolver um dado 280, zmas a aséncia de uma cerla nota, de uma norma que sea conforme os ‘seus ideais de justiga, Assim fazendo, os juizes mover uma erica 40 ‘iteitovigene, consderando o caso que devem resolver ni do ponto de vista de lege lata, mas do ponto de vista de lee ferenda:abandonam, assim, o plano do irita positive, parasecolocarem no plano da politica legisativa ‘Os jurists alam de lacunas da le também mum outo sent, pars indicar normas jtieas nas quis se verfica um desajuste ene a letra ‘eo espirito ei (a men leis), ou, em outos termes, entre a vontade txpressi e a vontade presumida do legislador, no sentido de que a formulagio da noma no abrange todos os casos que © legislador pretenia dssiplinae (ex minus dixit quam voluit-O posiivismo jr Co admite a exiséncia desses casos, mas observa que nfo representam Tacunas, visto que as normas podem se completa partir do interior do sistema (auto-integracdo do drei) mediante recurso analogiae wos Drincpios peru do diteito, recurso que mio é um ato etiativo, mas puramente interprettivae, mais exitamente, itegrativo do direito 1 dogma da compltitude do dieito&estetamente conexo a0 da ‘completabilidade do proprio dieito, mas com isto entramos numa ovtra Siscusso, a da inexpretagio, que sei 0 abjto do prSximo capitulo. io de iio a todos os fates no previstos pela primeira 20 CAPITULO VI AFUNCAO INTERPRETATIVA DAJURISPRUDENCIA 55. A tarefa da jurisprudénci A nogio de “interpretacio”. Quais sto tarefa © © método da ciénca juridica? E este pro- blema pelo qual o postivismo juridico foi combatido com pasticula ‘Yeeméncis pelos movimentosuriicosa ele contri, movimentos que Pdemesindicar com 0 termo um tanto genéico de realismo juridica. ‘Tadavia,fato paradox, as posigbes juspostvstas sobre este onto ‘ada tém de revoluciontio, mas, pelo conto, representam a contin. 230 fel dua io un queen Hale Média ae Na atvidade relativa ao direito podemos dstinguir dois momen- tos: o momento ative ou cratvo do diretoe 0 momento tedrico ob ‘ognoscitivo do proprio direit; © primeira momento encontra a sua stagio mais tpi na lepislacio, segundo na cinciauridica ou usar um fermo menos comprometedor) na jurisprudéncia, Esta Pode ser defini como a atvidade cognoscitivadodteitovisando a sua aplicacio, Na ealidade dissenso ence ojuspsitivisma eos seus adversic rios comeca propriamente quando se trata de precisar a natureza cop. ‘oscitvadjurisprudneis Parao primeiro, esta consistemuma atividade ppuramente declaraiva os reprodutiva de um direitopreexistente, isto, zo conhecimento puramente passivo © contemplatino de um objeto ji «dado; para os segundos, a naturezacognosciiva consist numa alividade due € também criativa ou produtva de um nove ditito, ou seja, no conhecimento aiivo de um objeto que © proprio sujeito cognoscente contribu para produit Pode-se fazer ests duus concepges diferentes da jursprudéncia ‘omesponder & duss concepgies filossficas diferente, A concepeao an juspositivista da jrisprudéncia parece depender de uma gnoscologis de tipo realist (no signfieudo que a term tem nalinguagem filosstica) tr eoncepcio antipositvista parece depender de uma pnoseologia de tipo Idealist, Semelhante enquadramento realmente Ocomeu na cultura jurdic italiana das primeiras déeadas de nosso sécul, quando a ple ‘mica antipositivst era conduzida por juristas e ilGsofos do direito que ‘evocavam as concepe’es idealists de Croce e de Gentile Deixando de lado suas implicagies filosticas, 0 postvismo jurdico concche a alvidade da jurispredéncia como sendo voltada no para producir, mas pata reprodizirodireito, isto €,para explicitar com fos puramentelogice-acionas © eonteido de normas jurdicasjé {dadas, Nisio, como indica, no se faz mais do que continear uma ‘concepeio da cinciajuridica que se encontea ao longo dos s6culos de tradigd jridica, particularmente a partir do momento em que odireito econsolidou numcorpode normasposto por um lepslador (acodificago jstinian). Jos jurists medievais, que se baseavam em tl codificago, ‘consideravam ast atividade como voltada ao descobrimento nesta das reatas, i postas ao menos implicitameate pelo lepislador, que discipli- tavam todas essituagbeseasrelaghes socials. Coneuindo,o postivismo Jrdico considera tarefa da jurisprud2ncia nio a riacao, mas a inter- Dretagao do diteto. ‘Mls o que significa interpretar? Este termo, com efeito, nio 6 «exelusivodalinguagem juridia,sendo usado em muitos outros campos: fos se fala de interpretagio dis Escrituras Sagrada, de inerpretacio das insrigdesarqueologicas, de iterpretacio litera, de interpretagio ‘nusical. Pois bem, interpreta significa remontar do signo (sign) 1 coisa sipificada(designatum), isto 6, compreender 0 significado do Signo individuaizando t coisa por este indicada. Ora, a inguagem hu nana (lala ou eseit) € um eomplexo de signos,é uma species do idenus signo (tanto & verdade que é sbstituvel por outros signos, por txemplo.osgestos 64 mo, emboraseja mais perfeito porque mais rico fe maledvel), Assim, por exemplo, quando digo “cavalo”, me limito a ‘produit um som voeal, mas com isto indico uma coisa diferente de tal ‘Som. Como complexo de sgnos, a linguagem exige a interpretagio: eta Gexigida pelo Tato de que relago exislete entre 0 signo € a coist Signilicada (oeste caso, entfe a paar e a idsia) no € uma relacio ‘ecessiria, mas puramente convencional tanto que mesma idéia pode ‘Ser expressa de modos diversos(o mesmo objeto, ait, € indieado em 22 cada tingua com um som dives). Admit hé sempre um cert Sete a ips i Gm ma complera, mail do qo segunda qu serve pars exis $m aro uc uli aoe se 9 tering spends flar ou quem senor mm pl cage oe Cot igus coace alguns temo), as fomnunos complxoe de Palavas, ou propsisies. Or, depended do contexte em que et Ici, een plas eine signifindodfereses(epoden se dizer qu wn teso tem ants igicaonquanios soo coteros Ave pe ser do). 7 inerpctagio 6 oma ave mito comple qu pode er concebida de dvenot moos. Bauru reignite dis os, Signo eo ignifcado do prprio sign, sm sume sombreamenon ives segundo equines via pas ou parca desses dois plo Iepeago poe er Nigua picptmen 20 gh0 oan led preva soe ta signify on Sin pode sr rns tense cot sipicads tener a ala prover soe sino po; ale neste seni reapectvamene de Interpreagho segundo a laa ede nterpeago segundo © eprto (Gensoae nue dverat ecole de nerpeaco bbe) De un otto posto de vista, alate de intrprelgio exdace ede interpreliia finimice, dependences aiviade do netted exclevame. te recog il do gue pretentiasigniiar 0 ator ds ios, Chjeto d netpetago, oy vives, tender ao earquecimenno Co Sinicado dor sie nets, pr adel eign at ‘htada rosin Ntricosocns (pees oe veo modo {i que pode ser interpreta um echo msi). {Um dos campos em qe & meres mai se dsenvolen & aise ngnizoné od di, Ene coi por um exo oa ‘njonts de textos eidigos, olegdes leita te) que expimem Conta da pesos ea oft is & india eleva), © Tenor ep ri conic tenon Ainerpragi,ae, ‘gun posts ri consi ro Gir cost a remontr do signs condos nes textes legion b “ontae doleisdor expen tvs dea sgnos: Mas Jsomos que inept potest expeada de varosmodos. Eo nero da Concept da jriprodencia como ava ltr, acon tmosaqulemesn contact jrpostivin € anos vsmo qos [vim ao nano questo prelmiar sea jutspadenc coe 213 siste numa stividade cognoseitiva ou eiativa do direito.O positivism juridico 6, realmente, aeusado de sustentar uma concepgio estitica da Interpretacao, que deveriaconsistrsomentena econstrugio pontual da ‘ontade subjetiva do legislidor que pésasnormas, sem e preacupar em ‘aptar estas tlimas 3s condigbes¢exigéncias histrico-socaisvatia- das, como faz, a0 congiio,interpretaglo evolutiva sustentada pela ‘corrente atipesitivista ‘56. Os melos hermenéuticos do postivismo juridico:ainterpretagio declarativa; a interpretagiointegrativa (a analogia). © posiivismo juridico pe um limite intranspontvel& atividade interpreta nterprtagio €geralmente textual e, er certs cireuns- tines (quundo oooere integrar Ii), pode ser extrarertual; mas nunca ser anttetua, isto €, nunca se colocaré conta a vontade que o legis Tadorexpressou male (Os meias de interpretacao textual, Para reconstruir a vontade que ‘legisladr expressow na le, o positivismo juridico se seve prncipsl~ mente de quattoexpedientes(ditos meioshermenéutieas) que ja haviam sido claborados pela precedente tradigio jurdica 8) 0 meio leico(chamada com expresso poco corretainerpre~ tacdo gramatical), que consiste na definio do significado dos termos nsados pelo legslador, mediante a andlise ea comparagio dos contextos lingistioos nos quis tas termes sio cmpregados (se a definigio consis- tena formulagio das regris para 0 uso de um terme, pelo uso de um terme pode-se, 2 contrério, extrait sua defiigio). 1) O meio teleolégico, chamado comumente de interpretacao gica expresso impripria, visto qu se tala de um meio interpretative baseado na ratio legis, isto 6, no motivo ou fialidade para os qusis 3 ‘norma fo posta, Parindo do duplo pressuposto de que o leislador, ‘Como se raznivel, se cologue fins ¢estabeleca meios idineos a serem Atingidos, uma vez individual o fim do Tegsladr, este pode dat ‘qui esclarecimentos sobre as modalidudes de sua consecusio, isto é, sobre conteid da le ©) O meio sistematco, que implica nd0s6 no pressuposto da racio nalidae do lpislador, como também no pressuposto de que a vontade

You might also like