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Os Descaminhos das Políticas de Combate ao Analfabetismo no Brasil

Adailton Morais de Oliveira

Comparável a escravidão no Regime Colonial, o analfabetismo persiste em


permear a história do Brasil como uma verdadeira praga social e crônica que exclui
milhões de brasileiros e brasileiras do exercício pleno da cidadania através do
letramento. Inúmeras foram as tentativas de combate e erradicação esboçadas ao
longo do tempo, sem, entretanto o sucesso merecido e necessário demandado pela
urgência do problema. Atualmente as políticas de combate ao analfabetismo não fogem
a essa perversa realidade.

A história dessas políticas de educação de jovens e adultos brasileiros


analfabetos está marcada por tentativas e iniciativas baratas e controversas para
resolver o problema. Incluindo-se aí as famosas transmissões e reproduções
radiofônicas de programas educativos na década de 1960; as missões rurais religiosas
e assistencialistas; a participação da igreja e leigos no processo; tentativas muito
localizadas e pouca preocupação em universalizar uma campanha efetiva de
alfabetização a longo prazo; programas e projetos interrompidos como é o caso do
Método Paulo Freire para alfabetização de Jovens e Adultos trabalhadores, método
que, como bem argumenta BEISIEGEL (1997) “ao realizar a alfabetização no âmbito de
um processo mais amplo de discussão e reflexão crítica sobre as condições da vida
coletiva das classes dominadas, o método favorecia a ‘politização’ ou o
desenvolvimento de uma ‘consciência de classe’ entre os jovens e adultos envolvidos
nos trabalhos”; mas sendo considerado subversivo fora radicalmente banido durante a
Ditadura Militar, mais tarde sendo substituído pelo Movimento Brasileiro de
Alfabetização - MOBRAL em 1967, programa que tinha como um dos objetivos
prioritários ensinar noções de civismo a população jovem e adulta do país.

O atual programa de Combate e Erradicação do Analfabetismo do Governo


Federal, Brasil Alfabetizado, criado em 2003 com o objetivo de mudar essa infausta
história, investiu na alfabetização de jovens e adultos mais de quinhentos milhões de
reais até o ano de 2007, entretanto pouco ou quase nada da vergonhosa taxa de
analfabetismo tem conseguido reduzir. Em 2003 o Brasil tinha 11,54% de habitantes
acima de 15 anos de idade analfabetos e, em 2005 11,05% (MEC, 2006). Uma redução
insignificante em números percentuais uma vez que, pelo vertiginoso crescimento da
população brasileira, em números absolutos, o analfabetismo cresceu nesse período.
Em 2003 tinha-se 14,7 milhões e em 2005, 14,9 milhões (MEC, 2006).

Desta forma, cabe-se questionar quais os descaminhos do Programa Brasil


Alfabetizado? Quais os descaminhos das políticas públicas de combate e erradicação
do analfabetismo no Brasil? Como combater esta aguda ineficácia e aperfeiçoar essas
propostas de intenção grandiosa, mas aparentemente, de método fraco?

De acordo com a ONG Associação Positiva de Brasília (2006) a taxa de evasão


em classes do Brasil Alfabetizado atinge cerca de 50% dos alunos matriculados. Como
se não fosse o bastante, as altas taxas de evasão associam-se a pouca aprendizagem
daqueles alunos que terminam os cursos de alfabetização. Muitos desses alunos não
podem ser declarados plenamente alfabetizados.

Por que o Brasil Alfabetizado não tem conseguido atrair esses analfabetos
absolutos? Estará a qualidade de suas aulas a contento? Falta mobilização social?
Qual o grau de integração, envolvimento do programa com as comunidades locais, com
a cultura local, com os calendários locais? Por que as ONGs que trabalham nesse
campo, como a Alfabetização Solidária, por exemplo, tem conseguido melhores
resultados?

Como se sabe o programa Brasil Alfabetizado oferece aos alfabetizadores


apenas uma bolsa de custeio e sugere aos estados e municípios a complementação
dessa bolsa, iniciativa não tomada na maioria dos municípios, indicando que tanto o
Mec quanto os estados e municípios desejam que o trabalho de alfabetização de jovens
e adultos seja considerado um verdadeiro sacerdócio. Se os alfabetizadores não são
assalariados como poderá se cobrar profissionalização? É consenso hoje que a
valorização do profissional da educação é condição sine qua non para o
desenvolvimento de uma educação de qualidade. Assim, ou os alfabetizadores do
programa não são considerados profissionais ou o governo não deseja qualidade nas
ações do programa.

Na Bahia o Programa Brasil Alfabetizado se desdobra no programa estadual AJA


BAHIA, até o ano de 2005, e atualmente o TOPA - Todos Pela Alfabetização. Esse
programa, que conta com a adesão de mais de noventa por cento dos municípios
baianos, recruta o trabalho de técnicos de universidades baianas para treinar as
equipes municipais de alfabetizadores e gestores do programa. Entretanto fora o
treinamento, em um pólo da microrregião, geralmente, as universidades só conseguem
mandar um técnico uma ou duas vezes para visitar os municípios. Essa ausência gera
deficiência pedagógica e abre espaço para fraudes na informação da freqüência, já que
o valor das bolsas dos alfabetizadores e o recurso para compra da merenda são
atrelados à freqüência dos alfabetizandos.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio


Teixeira - INEP (INEP, 2003) sempre há e sempre houve disposição da população
brasileira para engajar-se nos programas de alfabetização; o que faltou muitas vezes
foram programas de qualidade, claramente delineados para seus diferentes perfis, e
com o nível de profissionalização que se espera de qualquer atividade. Nesta área a
improvisação geralmente redunda em fracasso. O Mobral, por exemplo, que pretendeu
erradicar o analfabetismo a baixo custo, no período militar foi um fracasso.

Segundo o professor Afonso Celso Scocuglia (SCOCUGLIA, 2005), “ . . . para


construir a historia da educação como possibilidades concretas de realização da
‘hominização’ (ou seja humanização dos homens e mulheres) precisamos contar com
uma práxis político educativa que tenha como sujeitos as crianças, os jovens e os
adultos das camadas populares, bem como todos que fazem a educação. Por onde
começar? Aonde continuar? Insistir em que? Descartar o que? O que privilegiar?”

Combater o analfabetismo é também tentar anular os pilares da desigualdade


regional e social no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE, (HADAD, 2006) as maiores taxas e de analfabetismo localizam-se na
Região Nordeste e entre as populações das classes menos favorecidas e de afro
descendentes.

O Brasil que, graças à difusão do método Paulo Freire , nas décadas de 60 e 70,
ajudou a erradicar o analfabetismo no mundo, convive hoje com elevadas taxas de
analfabetismo puxando para baixo o seu índice de desenvolvimento humano.

“O importante do ponto de vista de uma educação libertadora, e não


bancária, é que, em qualquer dos casos, homens se sintam sujeitos de seu
pensar discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada
implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros.”
(FREIRE, 1987).

A educação de jovens e adultos definida como o conjunto de processos de


aprendizagem formais ou não formais através dos quais as pessoas desenvolvem suas
capacidades, enriquecem conhecimentos melhorando suas competências técnicas,
pessoais e profissionais para atender, assim de forma cada vez mais eficaz as
necessidades individuais e coletivas, incluindo as necessidades de participação, como
sujeito, da vida econômica e produtiva do país, bem como da vida cultural do seu povo,
tem sido renegada a segundo plano no Brasil, fato provado pelo longo período de
convivência com os elevados números de inaptidão provocada pelo analfabetismo
absoluto, funcional, cultural e político.

Os números do analfabetismo no Brasil empalidecem qualquer ação educativa


governamental por mais significativa que seja. É urgente antes de qualquer ato que
caminhe para a melhoria da educação no Brasil, ter um plano eficiente de combate e
erradicação do analfabetismo em suas múltiplas facetas.

Referências

BEISIEGEL, Celso de Rui. A política de Educação de Jovens e Adultos Analfabetos no


Brasil. In Gestão Democrática da Educação. Petrópolis: Vozes, 1997.
BRASIL. MEC. SEF. Apoio financeiro a educação de jovens e adultos. Brasília, 1999.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 22 ed. Rio de janeiro: paz e
Terra, 1996.

FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO,


RESOLUÇÃO/CD/FNDE Nº 22, DE 20 DE ABRIL DE 2006. Cobertura do
Programa do Brasil Alfabetizado – 2006 por Estado, DF e por Município.

GADDOTI, Moacir. Pedagogia da práxis. São Paulo: Cortez, Instituto Paulo Freire,
1995.

HADDAD, Sergio. I Seminário Nacional sobre Educação para todos. Brasília,


INEP/MEC, 1999.

MAPA DO ANALFABETISMO NO BRASIL. Brasília, INEP/MEC, 2003.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Compromisso Todos pela Educação, Brasília 2007.

SCOCUGLIA, A.C. As reflexões Curriculares de Paulo Freire.Reista Lusófona de


Educação. Pp 81-92.

UNESCO. CONFINTEA V. Declaracioón de Hmburgo sobre la Educacion de Adultos y


Plan de Acción para el Futuro. Hamburgo: UIE/UNESCO, 1997.

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