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Transcrição da entrevista com a professora Elyana Barbosa sobre Bachelard.

Gravada em 17 de fevereiro de 2009.

DENISE: Estamos fazendo hoje a segunda etapa do nosso projeto PIBIC


2008-2009. Esse projeto, que está investigando a possibilidade de
epistemologias não-cartesianas para pensar objetos e investigações em
artes e humanidades, começou com o estudo da obra de Feyerabend e o
nosso entrevistado na época foi o professor Olival Freire, do Instituto de
Física. Esse material já está disponível na internet e hoje vamos entrevistar
a professora Elyana Barbosa, que é da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da UFBA e do Programa de Pós- graduação em Ensino, História e
Filosofia das Ciências da UFBA.

Os participantes deste projeto são Sidarta Rodrigues, que está terminando o


curso de Psicologia na UFBA, Isa Sara, que está fazendo Licenciatura em
Dança, na UFBA, e Eleonora Santos, que co-orienta comigo os meninos;
Eleonora é doutoranda em Artes Cênicas, mestre em Ddança, pela UFBA,
dançarina e bacharel em Direito. Vamos fazer uma conversa com Elyana a
partir de alguns textos que lemos da obra de Bachelard e também dela
própria, que é uma autora reconhecida até internacionalmente por seus
estudos e investigações sobre a obra de Bachelard. Vamos fazer uma
conversa informal, e podemos começar. Vocês podiam talvez dizer o que a
gente já leu, o que a gente estudou para você ter uma idéia...

NORA: Nós trabalhamos com as principais obras, as duas principais obras


de Bachelard, A formação do espírito científico e O Novo espírito
científico, o livro de Elyana, Bachelard: O arauto da pós-modernidade,
e algumas dissertações e artigos que discutem a proposta epistemológica
deste autor. Mais algum, Denise?

DENISE: Não, o que eu queria também lembrar é que esse termo que a
gente colocou, por uma epistemologia não-cartesiana, é o ultimo capitulo de
um dos livros dele que é O novo espírito cientifico. É o titulo deste
capítulo. Isso para nós faz muito sentido porque todos nós somos de áreas
de artes e humanidades e temos dificuldade às vezes de lidar com certas
restrições da epistemologia cartesiana, isso é muito difícil, muito pesado,
para objetos que são mais...

NORA: ...singulares

DENISE: Quando a gente lida com objetos com singularidade, com uma
indeterminação maior, sem fixidez, é bem mais difícil pensar numa
epistemologia cartesiana. Por isso a gente, antes de começar a ler
Feyerabend, leu o Discurso do método, de Descartes, para começar a
situar o que é o método cartesiano e situar o que seria um método não-
cartesiano.
NORA: Depois partimos para Feyerabend e, dentro deste processo, a
continuidade é com Bachelard que é um autor que traz na veia essa
proposta de epistemologia aberta, bem mais aberta, e acho que a gente
pode começar já com as questões.

Lendo sua obra, o livro O arauto da pós-modernidade, a gente entende


um pouco porque este título, eu acho que quem lê consegue já
compreender o por quê desta sua sugestão do título, então a gente queria,
para esse projeto aqui, que você falasse um pouco por que chamar por esse
carinhoso apelido, vamos chamar assim, que você trouxesse a condição
histórica deste autor, contextualizar um pouquinho o momento histórico em
que ele aparece e apresentar um este pensamento que é tido como
precursor da chamada filosofia pós-moderna.

ELYANA: Primeiro, ele foi professor de uma cidade da França, de Dijon,


chamada Bar-sur-Aube, que é onde ele nasceu, foi professor de matemática
e de física, mas professor do primeiro grau. Bom, depois ele fez o concurso
diretamente em 1937, representado por este livro Ensaios sobre o
conhecimento aproximado, de 1927. Nesse livro é que ele lança pela
primeira vez a idéia de uma epistemologia não-cartesiana, quer dizer,
quando ele fala “conhecimento aproximado” ele está fazendo uma crítica a
Descartes. Porque Descarte fala em conhecimento adequado. Então ele diz
que a adequação é impossível, que não é possível a adequação do sujeito
com o objeto. Existe uma idéia de approché, que não é aproximado, apesar
das traduções todas serem com a idéia de aproximado. Então o que é
approché? Approché é algo que envolve toda a realidade, todo o objeto, é
uma coisa que envolve tudo, não se aproxima só de um lado, só de outro,
mas é um envolvimento total. Com essa idéia de aproximado ele vai então
desenvolver, fazer uma critica a Descartes e também mostrar que o
conhecimento é um conhecimento fugidio, fugaz, que a realidade não é uma
realidade que você possa perceber em matéria de adequação ou de
exatidão. Ele é considerado o filósofo do inexato. Aquele que trabalha com a
idéia de inexato. Quer dizer, para ele, apesar de ele trabalhar com a
matemática, e matemática, na época, 1927, era conhecimento exato, mas
ele vai mostrar que não é conhecimento exato. Ele é um filósofo pós-teoria
da relatividade e pós-mecânica quântica, então só é possível entender
Bachelard se entendermos a revolução que a mecânica quântica trouxe para
a ciência e a teoria da relatividade também. Então, a partir daí, é que ele vai
olhar para trás e analisar as teorias cientificas, as propostas destas teorias,
olhar para trás e perceber que não tem nada a ver. Então aparece aí com
ele, e com essa perspectiva, o conceito de descontinuidade.

DENISE: É dessa mesma época a idéia de “inacabamento do


conhecimento”?

ELYANA: É. Desse livro é uma tese dele, é a tese dele para a Sorbonne, em
que ele é super-elogiado e também todas as pessoas que se referem a esse
trabalho, que é um trabalho difícil, não é um trabalho fácil, porque ele vai
lidar justamente com essa matemática inexata, com essa idéia que estava
surgindo na época através da teoria da relatividade. A teoria da relatividade
foi rechaçada durante anos, ela foi divulgada em 1905 e só foi aceita depois
de 1926 e olhe lá... Foi uma briga danada para aceitar a teoria da
relatividade.

DENISE: Agora, onde é que entra a Química na vida dele? Porque os livros
dele têm muita coisa de química, da alquimia, faz a história...

ELYANA: A parte da Química é uma parte mais ligada àquela idéia da


alquimia, da história da ciência, então ele quer mostrar o seguinte: a Física
tem três etapas, tem três paradigmas, Galileu, Newton e Einstein, mas a
Química não, a Química surge da Alquimia e passa a ser Química
matemática.

DENISE: Da arte para a ciência.

ELYANA: É, para a Química matemática. Então, ele quer exatamente


mostrar essa diferença entre a Física e a Química. E ai, por exemplo, ele vai
mostrar o flogístico. Flogístico é algo ligado ao fogo, é alquímico e, no
entanto, a Química tomou esse flogístico como um elemento da Química. A
idéia de esponja,

DENISE: Aquela metáfora da esponja...

ELYANA: É... Então ele vai pegando os conceitos que estão na Alquimia
para mostrar como a Química se apropriou desses conceitos.

DENISE: Mas no sentido de que eles não seriam científicos...

ELYANA: que eles não seriam científicos... E os químicos ficaram meio


embananados no começo da Química por causa dessas coisas e ficaram
sem saber exatamente para onde ir.

SIDARTA: No caso, existe alguma... Como Bachelard chega, em algum


momento, a tratar sobre a questão do flogisto [flogístico e flogisto são
sinônimos] em si, há algum texto sobre a apropriação do termo?

ELYANA: Sim, tem o desenvolvimento do flogisto. É nesse livro aqui, tem


um capítulo sobre Química em que ele vai falar exatamente nesses
conceitos da Química que eram da Alquimia e que ele fala nesse capítulo
aqui: “O pluralismo coerente da química moderna”, onde ele vai falar na
idéia de... Como ele trabalhou no começo com as idéias e imagens da terra,
do fogo, do ar etc., ele então fica muito encantado também com as coisas
alquímicas porque a Alquimia, na verdade, parece coisa encantada, parece
mágica...

DENISE: magia...

ELYANA: E ele está muito preso a essa idéia de magia nesses primeiros
livros dele sobre poética, sobre a poética do espaço, a terra e o devaneio da
vontade, o ar, os sonhos. Para mim, é um livro encantador. Ele faz uma
diferença entre songe e reverie. Então, songe é sonho mesmo, e reverie é
devaneio. O homem que devaneia, aquele que sonha acordado, e aquele
que sonha os sonhos noturnos. E ai ele vai um pouco por Jung quando ele
vai falar dos sonhos noturnos. Ele vai um pouco por Jung. Então, pois é
nesse primeiro momento dele que vai de 1937 a 1957, ele trabalha mais a
história da Química, história da Física, ele vai misturando, trabalha livros de
poesia, trabalha um livro que eu acho lindo, o livro sobre Lautréamont, e ele
vai então pinçando alguns livros de poética, até foi Olival quem me disse
isso. Porque nós tínhamos uma fotografia, quer dizer, eu tinha uma
fotografia, eu não entendia porque Bachelard estava presente na Sociedade
francesa de Ciência e Olival falou que foi naquela sociedade que Jacques
Brunschwig resolveu abandonar a idéia bachelardiana e voltar pra o
cartesianismo. Aí você vê uma ruptura na obra de Bachelard, ele rompe com
a epistemologia também, porque Brunschwig era muito amigo dele, ele
confiava muito em Brunschwig. Ele abandona as idéias de Brunschwig e
volta então para a poética do devaneio, a poética do espaço, a poética do
fogo.

DENISE: Isso já mais para o final da obra...

ELYANA: Já mais para o fim, porque ele morre em 1962. De 1957 a 1962,
ele escreve somente sobre essas coisas. Não escreve mais epistemologia.

ISA: Essa seria uma via conhecida como via onírica, não é? Que fala da via
noturna...

ELYANA: Isso, exatamente!

ISA: Ele define bastante essa questão da diurna e noturna. A gente


particularmente conseguiu estudar mais a diurna que é a da epistemologia.

ELYANA: A noturna fica mais para o pessoal de Dança, eu tenho muito


trabalho com o pessoal de Dança que trabalha com o Bachelard noturno...

DENISE: Você diz trabalhos escritos de dança?

ELYANA: É...

DENISE: A gente não viu nenhum!

ELYANA: Eu posso passar para vocês. São trabalhos aqui da Bahia, porque
temos um grupo de pesquisa cadastrado no CNPq que...

DENISE: Tem pessoas do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas...

ELYANA: Sônia Rangel

DENISE: Catarina Santanna

NORA: Ah, são professoras de lá...

ELYANA: É...
DENISE: É um grupo interdisciplinar, tem professores de Letras, Filosofia,
Artes Cênicas, Dança. Houve ate um colóquio que foi na Politécnica, há um
ano, Sidarta participou.

ELYANA: Ah, isso! Exatamente. Foi em março, abril. Temos um grupo de


estudo.

DENISE: É um grupo de pesquisa, cadastrado no CNPq.

NORA: Seria interessante a gente ter acesso!

ELYANA: Vou procurar.

NORA: Você falou dessa diferença que ele faz entre o conceito de sonho e
devaneio e acabou entrando nesse lugar do homem diurno, da ação diurna
e da ação noturna. Foi uma questão que ficou: é que ao ler a apresentação
sobre a obra dele, ao mesmo tempo em que a gente vê essa aproximação
que ele faz entre o fazer arte, o fazer ciência, pela via da criação que é o
ponto comum...

ELYANA: Exatamente, o que há de comum é a criatividade. Para ele, não


existe diferença entre razão e imaginação. Então, a razão tem as mesmas
características da imaginação. Então ambas são criativas.

DENISE: Essa é uma idéia de Aristóteles. Aristóteles já falava que a razão


está no mesmo lugar de onde sai a imaginação.

ELYANA: Por isso que não há diferença entre pensar a arte ou pensar a
realidade cientifica, a realidade numa perspectiva mais cientifica. Para ele,
não há essa diferença, exatamente por essa idéia de criatividade.

NORA: Nessa leitura primeira que a gente vem fazendo, numa aproximação
primeira à obra, claro que à medida que vamos nos aprofundando,
aproximando mais, com certeza esse entendimento vai aparecendo. Mas
logo de inicio a gente pensou assim, como é que ele junta essa coisa de
fazer arte e fazer ciência como ações complementares e próximas, mas
continua repetindo o discurso em alguns momentos, pedindo para que o
pesquisador saiba separar a ação intelectual da ação criativa, do que é essa
ação do homem diurno e do homem noturno, então a gente ficou um pouco,
ainda, sem entender.

ELYANA: Na minha conclusão, mostro exatamente os impasses de


Bachelard. Impasses com o positivismo que ele não consegue abandonar,
ele é muito positivista, apesar de ele estar fazendo uma critica ao
positivismo. E outros impasses como essa idéia de imaginação e de...

DENISE: a dualidade...

ELYANA: a dualidade, exatamente!


DENISE: A dualidade no pensamento dele. É um pensamento metafísico e
embora ele rompa com algumas bases da metafísica, ele é bastante
metafísico.

NORA: Mas, ao mesmo tempo, mesmo nesse discurso dual não fica tão
presente uma questão hierárquica; é bem diluída, ele não impõe uma
hierarquia de uma ação sobre outra. Até nas anotações das questões, eu
fiquei pensando se não seria um jogo talvez até inconsciente de ele fazer
com que o interlocutor, como depois ele vai falar dos obstáculos
epistemológicos e vai trazer a experiência primeira como um dos principais
obstáculos, que talvez a gente vai falar um pouquinho mais depois, mas se
o interlocutor, eu me coloquei no lugar de interlocutor de Bachelard e tendo
a experiência primeira de achá-lo dicotômico e dualista e positivista apesar
de ele trazer um argumento super-coerente e rompendo com isso. Então
ficou essa tensão...

ELYANA: Até 1980, foi por isso que eu dei o titulo O arauto da Pós-
modernidade, é porque até 1980, ele não existia para o francês, por causa
do marxismo, por causa da teoria marxista. Como a teoria marxista
dominava todo aquele cenário..., inclusive tenho um livro do Althusser que
eu acho super-interessante que é O futuro...

DENISE: O futuro dura muito tempo [L’avenir dure longtemps], é


maravilhoso esse livro!

ELYANA: Isso, porque ele vai fazer uma história do ocorrido na França
naquela época e nessa historia do ocorrido ele coloca Bachelard exatamente
para explicar porque que Bachelard não era reconhecido. A partir do
momento em que a teoria marxista começa a ser questionada, começa a
ser indagada pelas pessoas, ressurge Bachelard e ai começam a publicar
Bachelard dois, três livros por ano. Por isso pós-modernidade, todos esses
pós-modernos, Deleuze, Bourdieu, Guattari, Derrida, percorrem o mesmo
caminho de Bachelard. Você vai pegar Deleuze no O que é a filosofia você
vai ver que tudo ali é fundamentado em Bachelard. Então a questão do
conceito em Derrida, é a mesma coisa. A questão da diferença que aparece
com Bachelard, por exemplo, A filosofia do não, e a epistemologia não-
cartesiana. Este não não é negação, o não é diferença, é o outro, mas
necessariamente não é negação.

DENISE: mas ai já entra toda a influência da psicanálise em Bachelard...

ELYANA: também, mas ele não cita.

DENISE: assim como ele trata de sobredeterminação sem dar o crédito a


Freud. Ele toma alguns conceitos...

ELYANA isso, exatamente. Mas isso ele faz com todo mundo.

NORA: depois, fazem com ele...


ELYANA: ele faz com todos os autores; ele pega alguns conceitos e
assimila, se apropria, aliás, o francês de modo geral faz isso.

DENISE: é verdade, Lacan sempre fez isso, Lacan sempre tomou conceitos
da matemática, da topologia, da semiótica e não deu crédito.

ISA: semelhante ao não, que a senhora citou, é o erro, é necessário errar.


Nas outras epistemologias estudadas, o erro era algo que não podia
acontecer, deveria ser menosprezado, mas ele admite o erro, na verdade, o
erro é o fundamento também para chegar à epistemologia descontinuista
que ele propõe.

SIDARTA: Eu gostaria que a senhora falasse um pouco mais desse aspecto


positivista que a senhora falou que ele nunca conseguiu se libertar
totalmente dessa filosofia positiva. Eu fiquei curioso sobre o que a senhora
citou rapidamente sobre a questão do flogisto. Porque esse é um tema que
é muito recorrente em história das ciências, por exemplo, quando eles
querem mostrar que o programa positivo, que a filosofia positiva tende a
eliminar a metafísica e que isso é interessante para o conhecimento, eles
citam muito o exemplo do flogisto, uma entidade metafísica que é
desnecessária. Assim como eles citam também, nesse caso eles colocam
Bachelard ao lado de um exemplo de Descartes, por exemplo, de pneuma,
tentava explicar o funcionamento das partes do corpo pelo ar que entra nos
ventrículos e o flogisto se não me engano era para gerar o fogo, o elemento
do fogo, e alguns epistemólogos contemporâneos fazem essa critica, a
maioria neo-positivistas, citam demais esse exemplo do flogisto um exemplo
claro de uma entidade que é desnecessária, que é um obstáculo,
parodiando Bachelard, você esta criando algo que não existe, o fogo pode
ser decomposto de tal e tal forma e não necessitamos mais de uma teoria
do flogisto. Então eu gostaria de saber em relação a esse lado positivo dele,
como ele se relaciona com esta questão.

ELYANA: ele é positivista sem ter consciência de que ele esta sendo
positivista. Então quando ele fala, por exemplo, da questão empírica do
conhecimento, ele está sendo positivista, mas ele não tem consciência
disso. Então existem muitas passagens no trabalho dele, na obra dele, que
ele está sendo positivista sem ter idéia de que está sendo positivista. Ele
não tem consciência, mas ele esta sendo positivista. Ele está criticando o
positivismo, mas sendo positivista. São as contradições do pensador
naquela época em que o positivismo era vigente, você vê de 1900 ate 1980,
82, o espírito cientifico é positivista. Todas as análises, tanto que a força do
positivismo é tão grande, que cai no neo-positivismo. Quer dizer, na
verdade, o positivismo é muito forte.

NORA: a própria estrutura de etapas de construção do conhecimento

Denise: embora ele mesmo diga que a gente convive numa etapa posterior
com fatos muito anteriores que a gente é medieval quando já é moderno,
que isso não se separa em camadas como o positivismo mais rasteiro
pensaria: termina aqui essa etapa vamos para outra, ele quebra com isso
por isso há uma movimentação no pensamento dele que mostra que nossos
preconceitos fazem com que a gente às vezes seja medieval no modo de
encarar.

NORA: a forma de organizar e sistematizar talvez ele não tivesse outra


forma de ser apresentada que não estruturada assim falando em etapas
didaticamente, mas quando ele constrói o argumento, ele rompe com isso

ELYANA: na Formação do espírito cientifico ele fala em etapas do


conhecimento, bem claro, então você passa do simples para o genérico,
então ele está falando ali, você vê Comte nos três estados, não tem
escapatória. Porque existe na verdade em determinada atmosfera científica,
determinado momento histórico é uma disseminação de conceitos e todos
os cientistas assimilam da mesma maneira. Não existe um estar pensando
diferente, aquele está pensando diferente, não é verdade, todos pensam da
mesma maneira, sem saber, seria o que Bourdieu vai falar depois na
questão do inconsciente do social, que não é o inconsciente freudiano. É o
não-consciente, uma coisa que não é consciente, mas não é inconsciente.
Que Sartre colocou a internalização da subjetividade, na interiorização da
subjetividade, então o individuo interioriza o que está aí, mas não tem
consciência que interiorizou.

SIDARTA: essa noção guarda alguma aproximação com aquela idéia que se
fala zeitgeist.

DENISE: Espírito do tempo

ELYANA: Exatamente

DENISE: não tem como se livrar disso. A gente é filho do tempo, mesmo
que rompa, muitas coisas ficam.

ISA: Na educação, no lado pedagógico, ele também traz várias


possibilidades. Eu me lembro de um dos trechos que a gente leu nos textos
que foi um dos que eu mais gostei ele disse assim “eu não compreendo
como um professor, sobretudo um professor de ciência, não compreende
que um aluno não compreenda”. Ele é bem claro, porque você tem que ter a
noção – eu até coloquei aqui a recorrência histórica, de saber aquilo que o
aluno teve antes de chegar a você e ele é bem claro. Baseado nos
obstáculos epistemológicos para educação, qual é assim o que você
acredita que a gente não pode deixa ocorrer mesmo, ligado à área da
educação esse obstáculo epistemológico, que além mesmo dessa questão
da recorrência, pode ser experiência primeira.

ELYANA: Eu acho que é a idéia de complexidade, que ele fala em 1937. Ele
fala que “O real é complexo e fugaz”. Então são dois obstáculos que você
não tem como resolver. Você tem como driblar tem como ter um jeito para
lidar como. Mas você não tem como, são coisas que você não pode. Em
relação ao sujeito os limites dos sentidos e a questão da subjetividade. São
quatro obstáculos primeiros e permanentes. Aí, depois vêm aqueles outros
obstáculos, a generalidade, você generalizar, quer dizer, você dizer todo
livro é verde; não tem como generalizar, generalidade foi um obstáculo que
apareceu na história da ciência e prejudicou a historia da ciência.

DENISE: A crítica que ele faz ao indutivismo.

ELYANA: Ao indutivismo, exatamente.

NORA: Que é o método usado pelas ciências naturais

ELYANA: Ele é racionalista. Então, como racionalista, ele tem uma


resistência à idéia de indução.

ISA: Tanto ele é racionalista que ele utiliza a idéia de um racionalismo


aplicado.

DENISE: O que seria racionalismo aplicado?

ELYANA: É o racionalismo aplicado mesmo, quer dizer, um racional que


você aplica. Eu tenho ate um artigo sobre isso, que foi publicado na Revista
Kronos, o que é o racionalismo aplicado, é um conceito tão confuso!

DENISE: Eleonora andou pesquisando essa idéia do aplicado; você, Nora,


teve uma idéia legal.

NORA: Eu fui ao dicionário e vi que quando você fala em aplicado parece


que você vai é algo que imediatamente...

DENISE: imediatamente transforma em realidade

NORA: É, mas tem nas outras possibilidades de tradução, de explicação da


palavra, vinha o sentido de adequar, de algo que se adequa, que se
transforma em relação e eu acho que é muito nesse sentido que ele usa...

DENISE: Não é uma receita de bolo. É uma coisa que na relação...

NORA: vai se conformando, vai se criando e, conformando. A partir daí a


gente passou a observar como ele usa as palavras assim, como ele tem um
cuidado de escolher as palavras. Se ele usou racionalismo aplicado, vai na
sutileza do conceito. E ai essa idéia de aplicação quando você aproxima da
proposta construtivista de ciência dele, você compreende, começa a
compreender um pouco mais essa idéia de uma metodologia que vai
construindo o objeto cientifico, a realidade. E não que desvela a realidade.

ELYANA: Talvez ele seja contra essa idéia de desvelamento por causa da
teoria marxista porque na teoria marxista você trabalha com esta idéia de
desvelamento, você desvela o social, há uma idéia de desvelamento. E
como ele não gostava, quer dizer, eu não sei, ele não se importava com a
teoria marxista; não sei se porque ele sabe que a obra dele foi impedida de
ser divulgada por causa da teoria; então ele não dá bola para a teoria, então
ele vai falar exatamente isso, que nos pressupostos básicos da teoria
marxista há um desvelamento do real, o real está ai, ele é ocultado e você
desvela, descobre. Então, ele não usa a palavra desvelamento, nem
adequação.

NORA: Não usa? É, porque se não entra naquela proposta cartesiana do


conhecimento adequado, e não aproximado.

ELYANA: O único impasse na verdade que ocorre é exatamente o impasse


de cair em muitas idéias positivistas sem perceber; porque ele não é
contraditório, não há contradição em Bachelard. Mas há essa coisa do
positivismo.

ISA: Interessante a senhora dizer isso porque, assim, se a gente não tiver
cuidado, não sei se é experiência primeira, a impressão que a gente tem é
que ele é contraditório; pelo menos na experiência primeira, a gente tem
essa percepção.

ELYANA: Uma vez eu fui fazer uma palestra lá no PICE, tem uns sete anos,
e tinha um professor alemão lá, ele já foi embora, esqueci o nome dele, e ai
eu falei, falei, falei, falei, falei, falei, aí quando terminou ele falou assim:
“continuo positivista, acho tudo muito bonito, mas continuo positivista”.
Quer dizer, para o cientista da ciência dura é muito difícil compreender
Bachelard.

DENISE: mas essa foi uma coisa que a gente vinha conversando no carro.
Nós vimos um bonito trabalho que Isa encontrou na internet de uma
professora de química e eu lembro que a UFBA tem uma colega nossa que é
Soraia Freaza que é da química também e a gente ficou assim se
perguntando que tipo de interesse pode ter um químico hoje numa obra que
é pouco positivista como a de Bachelard, o que você diria sobre isso? Por
que os químicos mantêm o interesse por ele?

ELYANA: Não mantêm, não!

DENISE: Porque esse trabalho é de uma professora de química; Soraia


também é de química, gosta muito da obra dele.

ELYANA: Mas às vezes fazem o trabalho por algum outro motivo, outra
demanda.

DENISE: Ou mesmo não é hegemônico; pode ser que seja uma coisa
isolada.

ELYANA: Tem muito pouco trabalho sobre química...

DENISE: valorizando a obra dele...

ELYANA: É... Agora muitos sobre física.

DENISE: Ele continua atual no campo da Física?

ELYANA: É!
NORA: E, naquele artigo específico, ela não chega a entrar numa relação
mais direta com a química; ela apresenta e faz uma política a favor, ela
concorda, apresenta de forma consistente o pensamento dele, mas não
chega a aproximar com nenhuma questão especifica da Química.

DENISE: É verdade, é mais a importância dele como epistemólogo e como


alguém que pensa a educação.

ELYANA: Agora, é engraçada essa questão da educação, porque quando eu


escrevi esse trabalho não havia essa preocupação, quer dizer não havia
essa preocupação, essa visão da preocupação de Bachelard com a
educação. Ele passou a ser visto na educação a partir de A Formação do
espírito cientifico por alguns e agora ele esta sendo revisitado demais,
demais na educação.

DENISE: No Brasil e fora do Brasil?

ELYANA: É... No Brasil e fora do Brasil. Tem um filosofo italiano, Carlo Vinti
[(Università degli studi di Perugia, Italia], que escreve muito sobre Bachelard
e educação, Bachelard educador, ele é bom. Carlo Vinti é bom!

ISA: Acredito que seja pelo fato de nossa educação estar voltada
atualmente para formar um pedagogo, um professor que seja um
pesquisador.

ELYANA: É... resgate de algum teórico...

ISA: Que vá procurar na fonte.

ELYANA: Porque vocês têm Piaget ou aquele russo, Vigotsky, pois é, mas
eles não dão cabo do que a educação está querendo.

NORA: Esse lugar da pesquisa na construção do conhecimento é um


processo pedagógico feito por qualquer pessoa que... E a gente vê também,
no sentido da nossa conversa essa questão do método, essa proposta de
ciência construtivista que Bachelard traz, trazendo um outro espírito
cientifico, um espírito em que o pesquisador modifica completamente a
relação com a metodologia. Então, ele tem uma proposta de uma
metodologia mais aberta, todos esses obstáculos são levados em
consideração no processo metodológico; uma vez a ciência sendo uma
resposta construída, e não algo dado ali, que está dado e que vai ser
revelado, o método é muito importante, o método que esteja em relação ao
objeto e não algo aplicado como uma receita de bolo, repetido, reproduzido.
Então é esse lugar do método que respira, que conversa com o objeto, que
dá espaço a esse lugar da criação e da busca pelo diálogo com o objeto.

ELYANA: Um método criativo, uma idéia de criatividade. Quer dizer, o


método hoje ensina como ser criativo. O Bourdieu tem um trabalho Para
uma sociologia reflexiva onde ele resume todas as idéias de Bachelard e
se pode ler... é para algo reflexivo, é um método, é uma proposta de
método, mas que deu esse nome. Então esse trabalho é muito interessante.
Primeiro porque fala um pouco sobre ele, Bourdieu e segundo porque ele
pega Bachelard e consegue sistematizar, e na idéia de método.

ISA: Eu lembro que Denise falou em uma de nossas reuniões o seguinte: o


livro A formação do espírito cientifico poderia ter outro titulo que seria
“obstáculos epistemológicos”

DENISE: Ele passa o livro todo descrevendo obstáculos epistemológicos.

ISA: E eu sei que o livro que antecede este, que é O novo espírito
científico, fala muito em relação à teoria da relatividade, que é um livro
mais condensado, que no caso foi esse que Sidarta passou pra gente,

DENISE: É um pequenininho que engana, aquele livro é muito denso.

ISA: Qual seria, na verdade, o titulo que não fosse a teoria da relatividade
para esse O novo espírito cientifico? Se fosse mudar, claro que é muito
difícil mudar, a gente estava conversando sobre isso, é muito difícil dar um
titulo. Mas só pra gente ter um entendimento mais claro do que ele quis
dizer.

ELYANA: Que é um novo espírito cientifico, mesmo. É um espírito cientifico


que se instaura após a teoria da relatividade e a física quântica. Você só
entende Bachelard entendendo essas duas teorias

DENISE: Precisa ver o que é que Newton instaura uma nova discursividade
como diria Foucault, ver o que é que Einstein instaura e Bachelard fazendo
essa retomada a partir de, como você disse, Galileu, Newton e Einstein.

ELYANA: E principalmente a física quântica, a mecânica quântica. Olival


tem um livro sobre isso, sobre física quântica bem fácil que é para o
segundo ano do Ensino Médio, bem fácil e interessante porque ali você vê a
preocupação do Bachelard, que é exatamente aplicar as idéias da física
quântica à realidade.

NORA: É como eu entendo, ele anuncia que as demandas da realidade


começam a exigir uma nova postura, se não as coisas não vão...

ELYANA: não vão adiante.

NORA: Não vão evoluir num sentido talvez tão produtivo...

ELYANA: tem aquela frase que ele fala também na formação que é mais
fácil um professor mudar de...

DENISE: Ele diz assim: “no decurso de minha longa e variada carreira,
nunca vi um educador mudar de método pedagógico, o educador não tem o
senso do fracasso justamente porque se acha um mestre. Quem ensina,
manda.” É um bom puxão de orelha!
ELYANA: Eu tive um professor que dava a aula em cima de um livro que ele
tinha; aí, no outro semestre eu ia assistir a aula dele, e eu falei: mas este
homem já falou tudo isso na aula passada... De onde será que ele tira isso?
Aí, eu descobri o livro...

NORA: Não precisou ir mais à aula...

ELYANA: Não! Precisava, porque...

NORA: tinha que cumprir o crédito... E por isso eu acho que o que me
encanta na obra é essa ênfase no método, na importância de estar vigiando
esse método, esse como fazer, como se aproximar do objeto, seja ele da
natureza que for.

ELYANA: Em Direito você deve ter encontrado muito professor que fica
repetindo porque não tem como não repetir por causa dos códigos.

NORA: E o espírito positivista impera.

ELYANA: Exatamente, o espírito positivista impera.

NORA: É da lógica do Direito.

ISA: Ele cita isso, que um pesquisador na primeira metade de sua vida pode
não ser nocivo, mas depois desse período...

ELYANA: porque ele não quer mudar o modo de pensar.

DENISE: Essa idéia que Nora falou da vigilância epistemológica, isso é um


termo dele?

ELYANA: É, é dele...

DENISE: Isso vem sendo sempre muito retomado.

ELYANA: E que ele fala exatamente... Aliás, Bourdieu também utiliza muito
isso. Mas ele fala exatamente para a pessoa ser vigilante naquilo que faz,
para não cair nos erros que a gente cai.

DENISE: Uma das coisas que ele coloca, que é um dos grandes obstáculos,
é a utilização de metáforas. E cada vez mais nessas teorias pós-modernas, a
epistemologia da complexidade, se fala como a metáfora é inevitável e, ao
mesmo tempo, um obstáculo. Retoma-se muito isso em alguns livros mais
atuais falando como se fosse uma sereia que encanta. A metáfora tem essa
idéia de que é uma coisa encantadora e você usa, mas ao mesmo tempo é
muito perigosa e as vezes muito prejudicial até. Aí, o que é que Bachelard
diz? Que você começa a usar e isso vira um senso comum e as pessoas
usam facilmente aquilo como se soubessem o que estão dizendo e, na
verdade, é um pensamento muito acostumado, já não tem mais novidade
nenhuma naquilo.
ELYANA: Ele faz uma critica, quando vai criticar a metáfora, ele faz uma
critica a Bergson. Ele não suporta Bergson. Não sei qual foi o problema
entre os dois, mas ele faz uma crítica à metáfora de Bergson. E também faz
uma crítica, num desses livros, sobre a terra e o devaneio, ele faz uma
critica às metáforas que Frazer, um antropólogo, utiliza e aí ele cita, que é
interessante. Por que ele tem tanta raiva da metáfora? Alguma coisa
psicológica passa por ele.

NORA: Acho que é esse perigo de virar lei, ou virar... obstáculo.

DENISE: Por exemplo, a gente fala muito assim: aprofundar, mergulhar no


conhecimento, esse tipo de coisa que é vazio, você não diz nada. Que você
mergulhou no conhecimento?

ISA: Eu tinha preparado uma pergunta, mas acho que ela foi respondendo
no caminho, às vezes acontece, não é? Que seria assim, um tanto simples,
mas é bom frisar: qual seria a importância do erro que a gente citou no
fazer ciência para que se tenha uma concepção de verdade, essa verdade
que para ele não existe, dentro da epistemologia de Bachelard?

ELYANA: É porque o erro para ele é o propulsor do conhecimento. O que


leva você ao conhecimento é o erro, não é a verdade, que ele não trabalha
com verdade, mas o erro é uma coisa propulsora, criativa.

NORA: Que se relaciona com a criatividade.

ELYANA: Uma coisa dinâmica; é o erro que leva você...

DENISE: a retificar...

ELYANA: a retificar!

DENISE: Que é também uma palavra importante na obra dele. Na hora em


que você pensa de uma maneira positivista, inclusive na educação, retificar
é botar o menino de castigo, é mostrar que ele não deve ir por esse
caminho. E Bachelard faz o movimento contrário, não é? Retificar é produzir
conhecimento, é você valorizar o que está sendo produzido. Totalmente
diferente de uma pedagogia tradicional. Você acha, Elyana, que ele...
porque quando você estava falando a respeito de Bergson, e antes de Marx,
eu fiquei me perguntando também se não tem na obra de Bachelard uma
certa preocupação em romper com uma estrutura que é muito fundamental
na metafísica, que é a questão do conceito. O conceito como uma estrutura
armada e pronta e que em geral a gente trabalha assim, qual é o conceito?
Como você define? Eu acho que para ele, talvez...

ELYANA: Para ele, o conceito é dinamológico. Ele diz o conceito é


dinamológico. Não há conceito. Ele diz assim: “Conceitos não podem ser
comparados, os conceitos não formam uma imagem em que valores
imaginários, como os da terra e do céu, as iluminações do diamante e das
estrelas, podem ser comparados. A imaginação não designa seus objetos.
Ela os elogia e os deprecia” Quer dizer: o conceito é variacional. Então, ele
tem essa idéia que o conceito deve ser dinamológico.

Denise: Não somente deve ser contextualizado, mas está em constante


transformação.

ELYANA: Ah, sim, aí ele faz a critica à sintaxe do conceito que ele acha que
a sintaxe do conceito impede, é um obstáculo, para você ver: o conceito
dinamológico. Porque o conceito, a sintaxe, como a palavra res, por
exemplo, a palavra res significa coisa. A sintaxe prende, aprisiona a
possibilidade de você pensar diferente.

DENISE: Dá um lugar fixo na proposição.

ELYANA: Então, o conceito deve ser dinamológico. Achei tanta graça


quando li isso porque normalmente não é.

DENISE: Todo mundo procura uma definição: verdade, o que significa?

NORA: É o que você procura na hora que você está estudando. Pronto,
achou o conceito, acabou o trabalho, acabou o dever.

ISA: E o que você pode destrinchar de Bachelard, uma informação bem


clara sobre fenomenotécnica?

ELYANA: Ah! Ele diz o seguinte: que o objeto da ciência é fenomenotécnico


porque é produzido por uma técnica; ele não é produzido por uma
racionalidade matemática, pelo contrário, ele é produzido por uma técnica.
Digamos, os átomos, possivelmente só se passou a perceber que o átomo
era divisível como produto de uma técnica. Então, os objetos da ciência são
sempre produtos de uma técnica, são fenomenotécnicos.

DENISE: Ou seja, a questão do artificial. Não tem natural na ciência.

NORA: Tudo é construído, é uma combinação de ações e argumentos que


acabam tendo um reconhecimento de cientificidade.

DENISE: E às vezes você começa a produzir conhecimento a partir de um


determinado instrumento que foi criado para uma coisa e você vê em outra.
Você grávida, agora (para Nora), quando eu estava grávida, o obstetra me
disse que o exame que você faz de ultrassom ele não foi feito para isso, ele
foi feito como sonar, para submarino, para guerra. Então, quando viram que
ele funcionava bem embaixo d’água, e que o bebê está na água, eles
adaptaram aquele instrumento para isso. Mas ele não foi feito para isso.

NORA: Talvez, se se tivesse ficado preso ao conceito fechado, e para que foi
criado, esse conceito fixo não teria aberto espaço para...

ELYANA: A idéia de espectroscópio de massa, por exemplo, só é possível


você ver o átomo, algumas divisões do átomo, através do espectroscópio de
massa, que é um aparelho, não sei muito bem como é... E também, por
exemplo, a teoria da relatividade só foi aceita quando os americanos em
1960 e poucos criaram um aparelho de bolhas para medir a simultaneidade.
Antes desse aparelho de bolhas, eles não consideraram a teoria da
relatividade como científica.

DENISE: Era uma especulação, não é?

ELYANA: Era uma especulação matemática mesmo.

DENISE: Eu me lembro que, talvez pra gente finalizar, uma das coisas que
mais impacta a gente quando abre esse livro, Isa disse: é a primeira frase!

ISA: tornar geométrica a forma... Geometrizar.

DENISE: É muito impressionante isso...

ELYANA: essa tradução é muito boa... É o pessoal da Contraponto que está


fazendo.

DENISE: Traduzindo a obra dele toda, não é?

ELYANA: Não, não está, não!

DENISE: Ele diz assim, no Discurso preliminar: “Tornar geométrica a


representação. Isso é, delinear os fenômenos, ordenar em série [...]” que é
bem positivista, “ordenar em série” é bem o discurso cartesiano.

ELYANA: Foi escrito em 1937.

DENISE: No entanto, ele diz que tornar geométrica a representação não é a


última etapa, a última etapa é a abstração. Isso é só uma etapa
intermediária do pensamento para um pensamento cientifico. A gente vê o
impacto disso, o que é geometrizar mesmo? É sair da imagem, romper com
aquela apresentação primeira, que é um obstáculo, você pensa que aquilo é
a realidade, aí você tenta geometrizar, dar uma forma e, depois, abstrair.
Isso é muito impressionante no trabalho dele, essa volta sobre a abstração,
sendo que a matemática é pura abstração. Ele tinha que partir daí; sendo
matemático, ele compreende o que é a pura abstração. É bom também
quando os alunos, que a gente viu isso na turma toda, não é, Isa? Lá na
Escola de Dança, esse texto causa muito impacto, ele é muito novo, ele é
fresco, nos diz muito hoje, no século 21.

ELYANA: Interessante... É que houve muita resistência, não é? Houve muita


resistência, quando eu era professora, em aceitar novas idéias.

DENISE: Dentro da filosofia, é isso?

ELYANA: Não, lá dentro do PICE mesmo.

ISA: você fala dos alunos?

ELYANA: É, os alunos, mestrandos do Instituto de Física.


DENISE: Ah, o Programa [de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História
da Ciência]...

ELYANA: É, o Programa...

DENISE: Eu não sabia que se chamava PICE.

ELYANA: Agora mais interessante ainda é que Bachelard não entra em


filosofia. Se eu quiser dar um curso sobre Bachelard, eu não tenho condição,
não será aprovado.

ISA: Ele está acima da média!

NORA: Voando, esperando um pouso.

DENISE: Na graduação, não dá?

ELYANA: Na graduação, eu não...

DENISE: Você não ensina na graduação, não é? Mas no Mestrado...

ELYANA: Não... Não tem nenhum interesse...

NORA: Não acham que é necessário...

ELYANA: Nem interesse do coordenador, não há interesse.

DENISE: E pensar que tem um desenvolvimento enorme no campo da


saúde com Canguilhem, que é atualíssimo e foi aluno dele, ate com
Bourdieu, com Althusser, Deleuze, poxa vida, é impressionante isso. Tanta
gente que ele formou, mesmo discutindo algum texto de Thomas Kuhn,
como Thomas Kuhn fala coisas que parecem Bachelard!

ELYANA: Ah! Mas ele só é Bachelard, é isso que eu ia dizer. Para mim, ele é
cópia! Mas quando eu cheguei lá na França disseram o seguinte: que
Thomas Kuhn foi visitar Bachelard, aí Bachelard perguntou: ele fala francês?
Disseram: não! Então, não quero falar com ele!

DENISE: Mas a idéia de Thomas Kuhn é bachelardiana.

ELYANA: É, é.

DENISE: No entanto, quando a gente joga no Google, Thomas Kuhn, lá em


cima; e Bachelard, é muito citado, mas não é como Kuhn.

ELYANA: Não é, não... Mas como um cara de língua inglesa, não é? Isso
facilita muito e Bachelard, não. Aí, dificulta mais.

DENISE: Mas, de todo modo, Elyana, você vê, eu estava fazendo uma
pesquisa para uma banca que eu fui e Bourdieu é o autor de sociologia mais
citado no mundo. Embora ele seja francês, Bourdieu. Mas Bachelard não
conseguiu, ele foi muito multiplicado. As idéias dele foram reproduzidas, não
citadas com o devido credito, e ele...
ELYANA: Mas ele se meteu na ciência, não é... Ele se meteu com a ciência,
quer dizer ele se meteu assim: “não, não é por aí, tem que pensar o erro,
tem que pensar no conceito dinamológico, tem que pensar na
fenomenotecnia, tem que pensar no racionalismo aplicado”. Aí, os
cientistas... Se bem que houve um colóquio na França, o Colóquio de Cerisy
[Colloques de Cerisy], muito importante em relação a Bachelard.

NORA: Mas quando ele era vivo, ainda?

ELYANA: Quando ele era vivo.

DENISE: Incrível como ele consegue colocar a importância da psicanálise


para a produção de um novo tipo de conhecimento com Freud ainda vivo,
quando a psicanálise ainda não era tão difundida assim no mundo, tão
conhecida no final da década de 1920 ele já pensa essas coisas, muito
avançado, ate hoje, eu acho.

ELYANA: É verdade... Ele era muito ousado. Tem um amigo dele, chamado
Jean Libis, ele é diretor da Associação dos Amigos de Bachelard [Association
des Amis de Gaston Bachelard]. Libis diz que ele era muito ousado.

DENISE: As imagens que a gente vê no Google, sempre assim, ele


parecendo um alquimista, velho, barbudo. Ele ficou como um exótico,
personagem exótico.

ELYANA: É, a tábua, a mesa, um mago!

NORA: O mago Merlin!

ELYANA: É, o mago Merlin!

DENISE: Quando ele, de fato, anuncia a pós-modernidade. Ele precisava ser


mais reconhecido. A idéia de Sidarta, que eu achei muito boa, é que, no
final, a gente ainda vai ter Bourdieu e pensávamos em Rorty, mas Rorty vai
ficar para uma outra oportunidade, porque é muita coisa, e ao final a gente
reunir vocês, os entrevistados, para uma conversa, uma mesa-redonda.

ELYANA: É interessante.

DENISE: Terminamos? Muito obrigada, Elyana!

ELYANA: Nada! Vamos esperar agora o café do nosso amigo Sidarta!

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