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Vocês sabem que o nosso objetivo aqui é fazer uma síntese básica das inovações
que foram introduzidas no Estatuto da Cidade. Aliás, na verdade, não deveria ser
Estatuto da Cidade, deveria ser direito urbanístico, porque o Estatuto da Cidade
hoje é o diploma consagrador do direito urbanístico. Assim como atualmente a
gente está estudando direito ambiental, que hoje é uma cadeira(tem até ramos:
direito ambiental civil, penal, estado ambiental...), eu creio que o direito
urbanístico não demorará a ter também. José Afonso da Silva foi quem inaugurou o
1º curso de direito urbanístico de especialização na USP, há mais de 20 anos.
Ele é um dos precursores do direito urbanístico, que tem coisas realmente
maravilhosas.
Eu vou te confessar que eu tinha noções de Direito Urbanístico, até então não
tinha estudado muito não. Quando veio o Estatuto da Cidade e, como você estuda
direito administrativo, você vai ver quantas coisas o Estatuto trouxe de
administrativo e constitucional para você aplicar.É esse é o ponto. Eu me
encantei com essa parte de direito urbanístico que está ligada ao direito
administrativo e, pra dizer a verdade, até estou terminando um trabalho, uma
obra, depois de ler alguns autores que são especialistas, não há muitos no
Brasil, mas alguns que você lê e tal e vai formando convicção, pra você ter uma
idéia do Estatuto da Cidade, que eu comentei artigo por artigo.
Ao meu ver, um tema como esse merece uma maior expressividade, existe uma obra
que é do José Afonso da Silva que, apesar de não comentar o Estatuto da Cidade
(Direito Urbanístico brasileiro) e ele já há muito tempo tratava dos institutos
que foram adotados pelo EC e, realmente, eu não estranho porque ele foi o 1º
coordenador do curso de pós-graduação de direito urbanístico da USP.
Eu primeiro gostaria de dizer para vocês que, semana que vem, eu vou para o
Ministério Público de Salvador/BA, que está organizando um seminário de direito
urbanístico, e eu vou fazer também uma exposição voltada para esse tema. Bem, eu
trouxe para vocês algumas questões que têm conexão com o Estatuto da Cidade,
para te mostrar como é que, às vezes, a gente não percebe a abrangência que as
coisas urbanísticas trazem na nossa vida cotidiana. A gente vai enfrentando um
problema de trânsito aqui, problema de construção, problema de habitação ali,
tudo de forma estanque e isso tudo faz parte, na verdade, do direito da cidade.
Então, eu trouxe algumas coisas para vocês aqui.
Aqui, tem duas pessoas federativas: essa pessoa autora da lei que vai tratar
das diretrizes gerais é a União Federal, portanto, essa lei que vai alinhavar as
diretrizes gerais do desenvolvimento urbano é uma lei federal, e essa,
exatamente, que é a L.10257/01 e a outra pessoa federativa de importância nesse
tema é o Município, porque, pelo texto constitucional, é o Município que vai
executar a política de desenvolvimento urbano.
O que eu tenho hoje? Uma que se limitou a traçar as normas gerais, a União
Federal, que elaborou o Estatuto da Cidade e em 2º lugar, aqueles que vão
executar a política de desenvolvimento urbano, que são os Municípios, e quero
dizer o seguinte para vocês, que é uma visão imediata para quem tem essa idéia
do direito urbano, como diz o JAS, ´urbanificação´: o grande responsável pelas
mudanças urbanísticas vai ser realmente o Município, a União Federal já fez a
sua parte, já editou as normas gerais, já criou os institutos novos, já deu
todos os instrumentos para que o Município possa executar.
O que falta? Que os Municípios se aparelhem para executar a política urbana. Vai
ser fácil?. Por que não vai ser fácil? Simplesmente porque nós temos 5561
Municípios, distribuídos entre 26 Estados. Municípios estes que têm realidades
deferenciadíssimas, o Brasil é um país com regiões muito diversificadas, eu não
tenho dúvidas disso.
Eu estou vendo uma pesquisa que eu vou coletando: mais de 1300 Municípios foram
criados nos últimos 10 anos, quer dizer, na verdade, você faz um cálculo
aproximado, equivale a dizer que ¼ dos Municípios, atualmente, existentes foram
criados nos últimos 10 anos; 1684 Municípios gastam mais dinheiro com a
manutenção da Câmara dos Vereadores, do que arrecadam com os impostos. Isso é
uma distorção total, porque a idéia que a gente tem é a de que o Município, para
ser Município, deverá ser um rapaz maior de idade, que já sobreviva com os seus
próprios recursos, não é verdade? E 3687 Municípios têm menos de 1500
habitantes, ou seja, dos 5561, mais da metade têm menos de 1500 habitantes.
Então, você imagina a realidade dos nossos Municípios, como é diferenciada. Isso
tudo nós sabemos aqui no estudo que a gente faz. Você tem idéia de quantos
Municípios têm o Estado do Rio?
Carvalhinho: Não, se você conjugar esse artigo com o 21, XX, CR, você vai ver
que é da competência privativa da União Federal, instituir/estabelecer a
política, diretrizes, então, por ali, eu sei que a lei tem que ser federal
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 3
de José dos Santos Carvalho Filho
mesmo. E quanto à Federação Americana, esta também não tem o sistema municipal,
como o nosso.
Bom, isso é para mostrar que, se nós com 92 Municípios, não conhecemos alguns,
você imagina Tocantis, no Amazonas e tal, que são Estados com espaço territorial
muito maior do que o do ERJ, entendeu? Eu fui lá no Maranhão, aí eu fui fazer
uma pesquisa, peguei no IBGE a relação de Municípios localizei no mapa e aí,
sinceramente, poucos conheciam todos os Municípios. Os M mais novinhos, viam e
não reconheciam . E eu falo isso muito à vontade porque eu sou filho de
maranhenses, então eu dizia para eles: eu garanto que o meu pai não deve
conhecer todos esses Municípios, mas eu garanto que os mais antigos ele conhece,
São José..., perto de São Luís, por exemplo.
Também numa pesquisa que eu peguei - são todos dados de pesquisas, porque são
fatos reais - há um Município em Tocantis, chamado Oliveira de Fátima, que foi
alçado a Município em 1997 com apenas 754 habitantes. Como pode sobreviver um
Município com 754 habitantes, com que recursos ele pode sobreviver? Difícil.
Lage de Muriaé, um Município que tem, pelo menos tinha, há pouco tempo, 7800
habitantes? Neste Município, 97% dos seus recursos são de fora, ele só arrecada
3%. Eu me refiro com o que arrecada com os tributos a seu cargo. É irrelevante
que a arrecadação com os tributos não seja nem ¼ das despesas, o que importa é
que Municípios como Lage de Muriaé não têm autonomia financeira, só iisso.
Carvalhinho: Eu sei, mas nem todos os Municípios têm royalties. Aqueles perto de
Nova Friburgo, como Bom Jardim, Sumidouro...nenhum destes têm royalties. Eu não
posso considerar Quiçamã, Macaé, Campos, que constituem a região do petróleo,
porque é exceção. Eu sei que Quiçamã melhorou muito, mas a realidade do ERJ não
é a de Quiçamã, nem a de Macaé, mas sim a realidade dos outros 89 municípios.
Em outras palavras: ainda não há uma assessoria que possa ministrar apoio
para a elaboração dos instrumentos previstos no Estatuto. O que a CR disse foi
que o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento
urbano. Na dicção constitucional, a idéia que parece emanar da CR é exatamente a
de que o Município só poderá estabelecer as suas metas de desenvolvimento urbano
se elaborar o seu plano diretor.
Eu noto que não vai ser muito fácil a elaboração do Plano Diretor, mas a gente
vai ver aqui que, sem o Plano Diretor, 90% dos instrumentos do Estatuto da
Cidade não poderão ser adotados. O Estatuto da Cidade deveria ter dito assim:
primeiro, elaborem seus planos diretores, para então poderem usar seus
instrumentos, que são instrumentos coercitivos da propriedade privada,
instrumentos fortes, mas, tem que ser planejados, se não vira um pragmatismo,
uma coisa abusiva; essa que foi a idéia do constituinte.
Esses dados iniciais são para mostrar apenas as nossas bases constitucionais.
Mas você vai poder dizer o seguinte, com toda razão: o Estatuto da Cidade, o
direito urbanístico em si, aborda/abrange uma série de elementos em relação ao
bem estar dos habitantes? Atinge, porque no próprio Estatuto da Cidade, basta
você ler o art. 2º, I – ´A política urbana tem as seguintes diretrizes gerais:
garantia do direito a cidade sustentáveis, entendido esse direto como o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, infra-estrutura urbana,
transportes, serviços públicos, trabalho, lazer (tudo, o que falta mais), para
as presentes e futuras gerações´. Portanto, o que o próprio Estatuto da Cidade
chamou de cidade sustentável é aquela que visa atender ao bem estar dos seus
habitantes, sob estes aspectos todos.
Nós temos aqui para considerar os 10 melhores Municípios, no que toca ao índice
de desenvolvimento humano, o IDH. É considerado como Município de melhor
qualidade de vida o de São Caetano do Sul, 2.º lugar- Águas de São Pedro, ambos
do ESP e, em 3º lugar- a cidade de Niterói. O resto dos municípios são de Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo.
A 4º melhor é Florianópolis, está na moda, todo mundo quer ir para lá. Então, eu
acho que daqui a pouco vai começar a piorar, quando aumentar a densidade
demográfica, sem a respectiva infra-estrutura urbana. O grande segredo do
direito da cidade é relativo à densidade demográfica e à demanda do serviço de
infra-estrutura. Nenhum pode ser maior que o outro.
Tenho uma foto aqui de uma comunidade, que é uma palafita de Recife. Você sabe o
que é uma palafita? Ela fica erigida sobre estacas que vão invadindo manguezais
e tinha uma que se equilibrava... essa mesmo, palafita de Brasília teimosa, em
PE. Essa palafita se ergue sobre duas outras palafitas (como equilibrar?), é o
2º andar de uma palafita. Isto é um grave problema urbanístico, gravíssimo.
Títulos de posse – isso é o ideal. Uma vez saiu em 14/03/2003 –“Títulos de Posse
para 3 favelas”. É o início de uma regularização fundiária, o Estatuto prevê a
concessão de direito real de uso, para dar uma garantia para essa pessoas, para
regularizar a documentação.
uso da propriedade urbana”. É para isso que serve a l.10257/01. Esse uso se
reflete em que? Em n coisas: no meio ambiente, vizinhança, bem estar dos
moradores, mas o objetivo é regulamentar/regular o uso da propriedade urbana. E,
com isso, o Estatuto da Cidade estabeleceu o que o Art.21, XX da CR previu: os
objetivos da política de desenvolvimento urbano. O art.2.º tem, simplesmente, 16
incisos, todos correspondendo ao que a lei denomina de diretrizes gerais de
política de desenvolvimento urbano.
Entre esses incisos, o que eu gostaria de citar apenas para fazer um comentário
desse tipo de diretriz, como está na CR. Primeiro, que você lembre que essa
expressão ainda não havia sido contemplada em lei, alguns autores dizem isso.
Esse adjetivo “sustentável”, que já conhecemos do “desenvolvimento sustentável”,
o que você entende por desenvolvimento sustentável, que é uma expressão que os
ambientalistas começaram a trazer há pouco tempo? A de que o desenvolvimento não
pode atender apenas aos interesses financeiros, aos interesses econômicos, que é
preciso haver um equilíbrio no que toca ao desenvolvimento social.
Sustentabilidade do crescimento representa um indicativo de equilíbrio,
sustentabilidade; é porque o crescimento econômico deve vir, lado a lado, com o
crescimento social. Essa é a questão. Hoje não se encontram mais críticas ao
governo federal, dizendo-se que o presidente já deveria estar atacando o lado
social e que só está preocupado com a política monetária... Não. Primeiro, ele
tem que resolver esta parte econômica, depois vamos implementar a outra ali,
porque não é fácil buscar o equilíbrio entre o econômico e social.
Aluno: Estes três aeroportos violam o EC, não violam? Saiu um artigo, muita
gente comentou sobre um artigo que falava do Santos Dumont...
Carvalhinho: Claro, totalmente inadeqüado. Qual o erro? Foi construído antes da
cidade e deixou a cidade chegar, está errado, porque deixou a cidade chegar. Se
a cidade já existia e construiu na própria cidade, está errado também, porque
tinha que construir fora da cidade. O erro é urbanístico de qualquer maneira,
isso é óbvio, qualquer técnico em urbanismo sabe disso. Mas, você enfrentar a
VARIG, GOL é difícil, são interesses altíssimos.
Dito isso, eu começo a fazer uma consideração (vc já leu a EC 41/03, própria da
reforma da previdência? Quem está estudando, vale a pena ler, mas não vou iludir
vc não. Ela não é fácil. Hoje, o cara saber em que grupo ele está, o que precisa
cumprir para obter os benefícios previdenciários, não é mole não. Pra vc ter uma
idéia, no meu manual, foram aumentadas mais ou menos 15 páginas, só na parte da
previdência, porque esta matéria é de servidor público. A reforma é de
previdência, mas não é do empregado privado, não. A grande reforma é a do
servidor. Então, está dentro dos servidores públicos. Se a EC 20, da 1.ª
reforma, já era complicada, esta EC 41/2003 está muito mais). Começo pelo
instrumento. Quais são os instrumentos jurídicos que o EC relacionou para obter
uma melhoria de vida na cidade? O 1.º deles, por acaso, tem sede constitucional,
no art. 182, par. 4.º e diz que é ´facultado ao Poder Público municipal,
mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos
termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, sub-
utilizado ou não utilizado, que promova o seu adeqüado aproveitamento´. Claro,
em função de que? Do plano diretor da cidade. Quem gosta, quem tem cuidado na
interpretação das normas verá que o cerne deste dispositivo é o verbo exigir. E
o sujeito? Quem tem a faculdade de exigir é o Município. Quem exige, exige
alguma coisa de alguém. Qual é o objeto direto? Que o proprietário promova o
adeqüado aproveitamento ao seu imóvel ao plano diretor. Exigir o aproveitamento
de quem? Do proprietário do imóvel urbano que está desajustado ao plano diretor.
Diz a CR no par. 4.º do art. 182: ´sob pena de parcelamento ou edificação
compulsórios´. Se a gente interpreta a norma com cuidado, o que se observa? Que
o município vai chegar ao proprietário, cujo imóvel não está adeqüado ao plano
diretor, e dizer assim: eu exijo que vc promova a adequação do seu imóvel/solo
ao plano diretor. Se não houver repressão, não adianta exigir. Muito bem, o
município continua: se vc não atender à minha imposição, seu imóvel será
parcelado/edificado compulsoriamente. Qual imposição que eu estou lhe
apresentando – parcelamento/edificação compulsórios. Se vc consultar as
Constituições brasileiras, notará que nunca houve no direito urbanístico
constitucional uma regra que pudesse gerar um direito subjetivo para o Ente
Federativo, no caso, o município, de obrigar a pessoa a parcelar a sua área ou a
edificar em sua área. Nunca houve poder coercitivo de edificação. Ninguém pode
obrigar, ninguém pode fazer ou deixar de fazer, senão aquilo a que se possa
obrigar seja o que a lei estabelece.
Carvalhinho: Eu conheço, essa lição consta no meu manual. Se perdeu no STF, como
realmente perdeu (pedido de desapropriação improcedente), não desapropriou, se
não desapropriou, era porque não podia desapropriar. As DOCAS eram sociedade de
economia mista. Se o STF não permitiu que o Estado desapropriasse bens de
sociedade de economia mista, imagine o Estado ter os seus bens desapropriados
pela União, por exemplo. Eu estou lhe falando porque essas coisas não se
resolvem pelos instrumentos coercitivos
Por fim, eu já respondo que não à sua pergunta, porque o Estado vai opor -
diante de eventual exigência, pelo Município, de adequação ao plano diretor do
imóvel urbano estadual – um interesse regional, e a União, da mesma forma, oporá
um interesse nacional. Este confronto, dificilmente, o Município vai superar. A
mim parece que esse tema deve ser visto, como, aliás, se estuda em direito
administrativo: a intervenção do Estado na propriedade privada.
serão seus; ele troca o solo por unidades, é comum se fazer isso; o consórcio é
mais ou menos neste sentido). Se o proprietário não tiver meios de obter o
consórcio imobiliário e se ele não tiver recursos, a solução para ele – o 2.º
caminho – será a alienação do imóvel urbano para quem nele tenha condições de
edificar.
O proprietário não vai opor ao M: escuta, apesar de eu saber que o meu imóvel
não está no estado adeqüado ao plano diretor, eu não vou fazer isso porque eu
não tenho dinheiro, entendeu? Para quem advoga aqui, é muito semelhante ao que
acontece nos inventários, em que muitos herdeiros têm que vender bens para pagar
as despesas do inventário. Nem por isso eles ficam isentos de pagar as despesas
(taxas altíssimas no inventário).
Conclui-se, pois, que a falta de recursos do proprietário NÃO vai ser obstáculo
para o cumprimento das imposições do M pelo mesmo. É claro que ele será
notificado pelo M, é claro que essa área (que abrange o imóvel urbano irregular
do proprietário) vai estar no plano diretor (PD), é claro que vai haver uma lei
municipal específica. Não é de qualquer jeito, não, se está mexendo na
propriedade do cara, deve ter alguns requisitos: tem que estar no PD a área que
precisa de parcelamento/edificação, tem que estar editada lei municipal
específica a respeito. Preenchidos esses requisitos, acabou, sem problemas.
O IPTU não nasceu para ser progressivo no tempo, porque a natureza dele, como
imposto sobre a propriedade imóvel, como regra, não nasceu para ser progressivo
no tempo. Sabe-se hoje de uma mudança na CR (Emenda Constitucional 29), art.
156, I, par. 1.º (uma parte do Estatuto da Cidade tangencia tributário). O
inciso I prevê que compete aos M instituir IPTU, o par. 1.º é que foi alterado
pela EC 29/2000.
12 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho
A progressividade no tempo do art. 182, par. 4.º, II c/c art 7.º, L. 10257/2001,
em outras palavras, o IPTU progressivo no tempo de natureza urbanística, este é
progressivo no tempo mesmo. O imóvel pode não ter sofrido valorização nenhuma, a
progressividade temporal aqui não é aliada a nenhum outro fator, tem apenas um
pressuposto: não ter o proprietário cumprido a sua obrigação urbanística.
Carvalhinho: A lei não contemplou. Quando eu fui escrever sobre o EC, eu entendi
que, sem a notificação, não há obrigação urbanística e o registro de imóvel
seria um complemento para dar ciência a terceiros e o M poderia notificar o
novo proprietário e, aí, sobraria briga entre o proprietário novo e o anterior,
discussão esta de caráter indenizatório, não urbanístico.
Aluno: Se vc não tinha notificação com eficácia erga omnes, vc pode notificar o
novo proprietário, sem problemas, mas os prazos serão reabertos, para que este
IPTU progressivo (art. 182, par.4.º,II, CR) possa incidir diretamente sobre o
novo adquirente...
Carvalhinho: Com certeza, é claro que o proprietário novo não vai se prejudicar
com a assunção de prazo de terceiros. Quando está averbado no RGI,
diferentemente, o novo proprietário já sabe até quando se deu a imposição da
obrigação urbanística pelo M, via de conseqüência, sabe, inclusive, qual é o
prazo de que dispõe para protocolizar o projeto na repartição municipal.
Aluno: Não sei se estou errado aqui, Sr, se estou entendendo corretamente, mas
teria alguma relação com a progressividade que já era prevista para o ITR, no
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 13
de José dos Santos Carvalho Filho
art. 153, par. 4.º, CR, pela não utilização, pelo não respeito à função da
propriedade rural, não haveria um simbiose aí?
Carvalhinho: Era, só que o ITR era adeqüado para a questão agrária, o STF, em
seus arestos, cansou de cortar progressividade temporal instituída pelos M,
mesmo quando aliada a outros fatores. A inovação única que houve foi em relação
à propriedade urbana porque, quanto à progressividade no tempo rural, até para
efeito de divisão da propriedade agrária, já havia, por meio do ITR.
Carvalhinho: Sucessiva.
No par. 3.º do art. 182, CR, diz-se que ´as desapropriações de imóveis
urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro., quer dizer,
mediante prévia e justa indenização em dinheiro é a desapropriação normal, que é
a única que admite a indenização em dinheiro, a desapropriação normal do art.
5.º, CR. Esse par. 3.º do art. 182 está prevendo desapropriações urbanísticas
não sancionatórias – exemplo – eu preciso do seu imóvel para nele fazer passar
uma via urbana de grande importância; seu imóvel não está contrário ao plano
diretor não, simplesmente eu preciso dele para fins urbanísticos, não
sancionatórios.
Outra coisa é o cara ter um imóvel que precisa ser edificado e não cumprir
a sua obrigação de edificar, é diferente, então, não tem jeito, o M vai ter que
desapropriar.
Carvalhinho: Ok, meu colega. Então, fique com a sua posição e a que vc diz ser
do STF. Eu te garanto que o STF nunca disse que essa indenização em títulos da
dívida pública é justa, porque eu tb acompanho a jurisprudência do STF. Em
títulos, ele nunca disse. Falou apenas que ela era legítima, mas justa não. E
ela não vai ser justa mesmo, pq, títulos da dívida pública, eu sei o que o
proprietário vai dizer para o E o que este deve fazer com os mesmos, eu tenho
certeza do que ele vai falar, se o sujeito for mal criado, pior ainda.
Apesar de a desapropriação ser punitiva (art. 182, par. 4.º), ela tem que
gerar um aproveitamento do imóvel em prazo de 5 anos. É uma questão
interessante. O M deverá proceder ao adeqüado aproveitamento no prazo máximo de
5 anos. Eu acho que esse prazo de 5 anos é muito. O M se preocupou tanto em
adeqüar o imóvel, que o desapropriou. Na minha cabeça, o M deveria estar doido
para resolver o problema urbanístico. Como é que o M pode aproveitar esse
imóvel? Já descartou o proprietário, o M agora é o proprietário, porque a
desapropriação encerra a transferência da propriedade para o M. O aproveitamento
poderá ser efetivado por meio de alienação ou de concessão a terceiros,
observada a legislação sobre alienação. Qual a idéia aqui? O M, em si, só tem
interesse na adeqüação do imóvel, não tem interesse patrimonial no mesmo. Então,
está muito certo que o M desaproprie o camarada e aliene o imóvel a outro,
sabendo este das obrigações urbanísticas que irá assumir. A idéia da lei é
simples.
Aluno: Vamos supor uma situação em que o M, por mudança de construtora, não
tenha condições de cumprir essas obrigações urbanísticas. O Sr. entenderia que
mesmo sem haver a previsão de que o particular possa exigir do M a retrocessão,
poderia haver a alienação, a devolução do imóvel com pagamento ao antigo
proprietário, sem a regra de licitação para a venda do imóvel? Vc criou, é uma
obrigação-sanção, uma sanção para o particular desobediente, só que seguida de
uma obrigação para o M (após a desapropriação). Se este não cumpre (não adeqüa o
imóvel desapropriado ao plano diretor) - o direito do particular, que foi
sacrificado em prol do bem–estar da coletividade, que tb não restou assegurado
pelo Poder Público Municipal – haveria algum direito para o particular que teve
o seu imóvel desapropriado?
Quis chamar a sua atenção para as outras formas de usucapião porque, quando vc
tem normas de concomitância temporal, como mais ou menos são o NCC e a Lei n.º
10257/01, vc tem que resolver esse conflito intertemporal pela tese do conflito
de leis no tempo, que está na LICC. Vc vai ver que esse usucapião especial
urbano , 1.º que a sua criação tem fins urbanísticos, aqui não é só a questão de
o proprietário ser inerte e vir um possuidor com animus domini, não basta isso
(basta para usucapião do NCC). É preciso, tb, que tenha área de até 250 metros
quadrados, que tenha servido de moradia para o possuidor/sua família e ainda se
exige que ele não tenha outra propriedade. Vc nota que esse usucapião é social,
seus requisitos estão no artigo 9.º do EC e art. 183, CR.
Aluno: Isso não seria uma brecha para o Poder Público continuar inerte na
organização desse espaço, já que esse espaço cresceu de uma forma desordenada,
em que não há uma marcação de cada território dos possuidores, então, não seria
uma forma de o Poder Público não organizar aquele espaço, e conseguir um título
coletivo, ou seja, todos são possuidores desse terreno, e vcs que se virem para
se organizar nele?
Aluno: Em um caso como esse, vamos supor que essa comunidade tenha prejuízo, uma
área muito grande, que esteja sendo ocupada, é uma grande favela. Só que as
condições de moradia realmente estão muito aquém de um mínimo de decência e, por
isso, o M resolve intervir para urbanizar, fazer um programa como o favela-
bairro, que significa: passar uma motoniveladora, derrubar absolutamente tudo,
fazer arruamento, construir casas. O M precisaria então fazer? Como é que o M
poderia fazer isso? Teria que fazer uma desapropriação, para que ele adquirisse
e fizesse o loteamento urbano e depois faria concessão de direito real de uso.
Se eu tenho uma desapropriação coletiva (pressupondo que a comunidade tenha
referido título coletivo de domínio) neste caso, como é que ela se opera, quem é
réu nessa desapropriação coletiva, como é que isso funcionaria?
Carvalhinho: Se o M pretender fazer isso, ele pode fazer, só que aí não estará
adotando a idéia do usucapião especial urbano. Há dois caminhos: ou ele deixa a
sociedade se organizar, e ele vai criar a infra-estrutura, como conseqüência da
regularização fundiária, que a sociedade organizada, já proprietária, tem
condições de melhor exigir, de pressão, melhor do que a de posseiros; ou então,
como vc disse, se passar motoniveladora e tirar para fazer casas novas, a
matéria é de desapropriação urbanística não sancionatória.
Aluno: E se houver conflito, vamos dizer que exista uma ação de usucapião
especial coletivo já em curso, ou, eventualmente, até julgada, e o M resolve
fazer dessa maneira, como é que se dá essa desapropriação, tem que fazer contra
todo mundo, quem é réu nessa ação?
Aluno: Não há uma discussão sobre a coisa julgada nesse usucapião especial
coletivo? Se qualquer um dos ocupantes da área é legitimado para propor a ação e
pode ser até alegada como matéria de defesa, se houver coisa julgada contra o
usucapião, haveria alguma regra especial?
Como sempre, aqui a lei não disse, mas vc pensa nisso porque é uma coisa
interessante: a lei não disse claramente que tipo de direito é esse, poderia ser
real ou pessoal, por esse tipo..., não sei se é mais comodato... Aliás, comodato
e enfiteuse são iguaizinhos, só muda a natureza, é claro, o cerne. Porém, apesar
de o EC não dizer, o direito de superfície aqui é real, até pq no NCC ele está
relacionado como direito real. Portanto, o direito de superfície é oponível
contra terceiros e, tanto é, que tem que ser feito mediante escritura pública
(solenidade especial), bem como ser registrado no RGI.
direito sobre um bem. Esse é o direito de preferência lá. Vc sabe que o direito
de preferência lá está situado no livro do direito das obrigações. Portanto, o
direito de preferência do NCC é um direito pessoal, se não for cumprido pelo
devedor, ao credor só restam direitos indenizatórios. Não há direito de
persecução, seqüela.
que pagar um direito de construir, deu para entender? Eu não pago para exercer o
meu direito de construir, eu pago a taxa de polícia, mas aí é outro papo. Aqui
não: é o direito sendo objeto de pagamento.
Olha o que a Lei 10257/01 diz: ´o plano diretor poderá fixar áreas, nas quais o
direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento
básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário´. O que
se estuda em direito urbanístico sobre solo criado? No desmembramento da
propriedade, pode o M instituir o que ele chamou de coeficiente de
aproveitamento básico, que é um índice abstrato que regula a relação entre a
edificação e a área do imóvel. Se o M estabelecer em determinada área que o
coeficiente de aproveitamento básico tenha índice 1, porque este é o único que
admite o chamado solo natural. Todos os solos levantados sobre o solo natural
são solos criados. Os condomínios de patamares verticais são solos criados em
relação. Os prédios onde haja uma utilização superior, para pouso de
helicóptero, tb é um solo criado. Um imóvel que tenha galpões para
garagens/depósitos, acima de coeficiente básico do solo natural é solo criado.
É claro que, da mesma forma que nos anteriores instrumentos, o M tem que ter o
plano diretor, fixar áreas, quer dizer, o M não pode chegar assim e ir logo
implantando, não é bem assim. Mas ele pode começar a cobrar pelo exercício do
direito de construir, aqui, não sei como, se o interessado vai achar que está
caro demais... Os efeitos eu não sei como vão ser produzidos, mas que a lei
admitiu o desmembramento do direito de construir em relação ao direito de
propriedade, eu não tenho dúvidas.
Carvalhinho: A área deve ser indicada pelo plano diretor, mas é a lei municipal
específica que vai indicar qual é o coeficiente básico. E aí pode-se tomar em
consideração o que hoje a gente conhece, o zoneamento. Os zoneamentos: nós temos
áreas em que a construção pode ser mais elevada do que em outras áreas, nós
temos a fixação dos gabaritos de prédios, só que com a diferença de que, quando
o cara constrói hoje, ele observa os gabaritos gerais, ele não está pagando pelo
solo criado. Porém, se o M estabelecer que o coeficiente seja um e que o limite
seja de 10 patamar de solo criado, eu vou pagar pelo direito de construir, seja
para construir mais três pavimentos, como para construir mais cinco pavimentos,
ou como para construir o limite de dez pavimentos. Estarei pagando pelo solo
criado.
22 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho
Aluno: O plano diretor é o grande balizador para a aplicação dessa lei, né? É
parte da obrigação do M. O que eu questiono é o seguinte...(terminou o lado A da
2.ª fita).
Carvalhinho: Isso é uma coisa interessante. A CR não disse, falou apenas que o
plano diretor é obrigatório para as cidades com mais de 20000 habitantes, é a
única obrigação que a CR disse, porém, não disse quando é que os M têm que fazer
o plano diretor, até porque, quando o EC foi publicado, a CR já tinha 15 anos.
Aí, sua pergunta é interessante, porque, nas disposições gerais a lei disse
assim, lá no finalzinho do art.50: ´Os Municípios que não têm o plano diretor
aprovado na data de entrada em vigor desta lei (isso aqui foi em julho de 2001,
portanto, vai fazer 3 anos) deverão aprová-lo no prazo de 5 nos. Então, o prazo
vai se extinguir em julho de 2006, até aí, sem problemas.
Carvalhinho: Plano diretor formal tem o que já existia antes. Nós temos um
conjunto de leis (Código de Obras, compilações, tem, assim, plano urbanístico do
Leblon, aqui se faz muito isso). Aqui a situação urbanística está sendo
setorizada, na Barra, por exemplo, há o plano Lúcio Costa. O plano diretor tem
que abranger a extensão do seu território porque ele é um planejamento futuro.
Vc não pode fazer um planejamento futuro, tratando só, por exemplo, do Flamengo,
de Cascadura, da Barra da Tijuca.
Aluno: Se a gente entender que o plano diretor tem que ser único, no MSP, por
exemplo, isso seria absolutamente inviável. Vc conseguir fazer todas as
discussões para um mundo, que tem a população maior do que boa parte dos países
que fazem parte da ONU. Vc poderia ter alterações ao longo do tempo, vc pode ter
para cada setor da cidade, até, por exemplo, no MRJ, que eu conheço melhor do
que SP, em que há áreas de expansão, como a antiga Zona Rural do Rio, Vargem
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 23
de José dos Santos Carvalho Filho
Grande, Vargem Pequena, que têm suas peculiaridades, vc pode ter um plano
diretor específico para essas áreas.
Carvalhinho: Vou te falar como os autores têm enfocado, mas eu respeito a sua
opinião. Os autores têm dito que o plano diretor tem que tratar do M em sua
globalidade, por isso a CR usou a expressão ´plano diretor´, no singular. Plano
diretor é instrumento básico, quer dizer, não são planos diretores como
instrumentos básicos. A mim parece que seria muito mais fácil fazer um plano
diretor para o M de Novo Horizonte, Tocantis. Mas, da forma como é tratada a
questão, me parece que o plano diretor tem que ter um aspecto globalizado. Essa
é a idéia da CR, pelo menos os autores têm dito isso.
Carvalhinho: Há dois gabaritos. Tem o gabarito que é o coeficiente, que pode ser
o índice 1 (se for esse índice, é porque o solo natural é o considerado 1
pavimento, vamos colocar assim). Mas ele pode dizer que, mesmo não sendo o
coeficiente 1, ninguém vai poder erigir solo criado além de 10 andares. Agora,
entre 2 e 10, seja qual for, eu tenho que pagar pelo direito de construir.
Carvalhinho: Não, creio que não. Eu creio que, de qualquer maneira, o cara vai
ter que obter uma licença, que é um instrumento.
Carvalhinho: Não, veja só. Para construir, o instrumento correto para fazê-lo é
a licença, que é o ato administrativo oficial que permite as construções.
Permissão é um ato discricionário e precário, só que o direito de construir
nunca vai ser discricionário e precário. Pode ser pago. Então, vão ser licenças.
A única diferença é que quando eu for pedir uma licença para construir acima do
coeficiente de aproveitamento básico, eu vou ter que pagar não só a taxa de
polícia, pelo poder de polícia, como também vou ter que pagar pelo solo criado,
dependendo do que eu acrescentei ao solo natural. Essa é que foi a idéia do EC
em relação à outorga oneosa do direito de construir.