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Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 1

de José dos Santos Carvalho Filho

Palestra sobre Estatuto da Cidade – Lei n.º 10.257/2001 - julho de 2005


Palestrante: Professor José dos Santos Carvalho Filho

Vocês sabem que o nosso objetivo aqui é fazer uma síntese básica das inovações
que foram introduzidas no Estatuto da Cidade. Aliás, na verdade, não deveria ser
Estatuto da Cidade, deveria ser direito urbanístico, porque o Estatuto da Cidade
hoje é o diploma consagrador do direito urbanístico. Assim como atualmente a
gente está estudando direito ambiental, que hoje é uma cadeira(tem até ramos:
direito ambiental civil, penal, estado ambiental...), eu creio que o direito
urbanístico não demorará a ter também. José Afonso da Silva foi quem inaugurou o
1º curso de direito urbanístico de especialização na USP, há mais de 20 anos.
Ele é um dos precursores do direito urbanístico, que tem coisas realmente
maravilhosas.

Eu vou te confessar que eu tinha noções de Direito Urbanístico, até então não
tinha estudado muito não. Quando veio o Estatuto da Cidade e, como você estuda
direito administrativo, você vai ver quantas coisas o Estatuto trouxe de
administrativo e constitucional para você aplicar.É esse é o ponto. Eu me
encantei com essa parte de direito urbanístico que está ligada ao direito
administrativo e, pra dizer a verdade, até estou terminando um trabalho, uma
obra, depois de ler alguns autores que são especialistas, não há muitos no
Brasil, mas alguns que você lê e tal e vai formando convicção, pra você ter uma
idéia do Estatuto da Cidade, que eu comentei artigo por artigo.

A cada dia que eu ia lendo estudando, iam aparecendo dúvidas, novidades, e eu


trouxe algumas para vocês aqui, para a gente trocar idéias, porque existe
pouquíssima bibliografia. Há duas obrinhas, uma que é um conjunto organizado
pela Odete Medauar, que é fragmentada, outra do Celso António Pacheco..., mas há
umas fraquinhas, quanto ao restante, eu tenho todas e realmente são pouco
expressivas.

Ao meu ver, um tema como esse merece uma maior expressividade, existe uma obra
que é do José Afonso da Silva que, apesar de não comentar o Estatuto da Cidade
(Direito Urbanístico brasileiro) e ele já há muito tempo tratava dos institutos
que foram adotados pelo EC e, realmente, eu não estranho porque ele foi o 1º
coordenador do curso de pós-graduação de direito urbanístico da USP.

Eu primeiro gostaria de dizer para vocês que, semana que vem, eu vou para o
Ministério Público de Salvador/BA, que está organizando um seminário de direito
urbanístico, e eu vou fazer também uma exposição voltada para esse tema. Bem, eu
trouxe para vocês algumas questões que têm conexão com o Estatuto da Cidade,
para te mostrar como é que, às vezes, a gente não percebe a abrangência que as
coisas urbanísticas trazem na nossa vida cotidiana. A gente vai enfrentando um
problema de trânsito aqui, problema de construção, problema de habitação ali,
tudo de forma estanque e isso tudo faz parte, na verdade, do direito da cidade.
Então, eu trouxe algumas coisas para vocês aqui.

Em primeiro lugar, eu queria lembrar para vocês, com base na Constituição da


República: toda parte da cidade foi prevista desde 1988 na CR, é que ela compõe
um capitulo ao qual ninguém, na verdade, chega e sobre o qual ninguém se
debruça. A parte desse capitulo integra o título “da ordem econômica e
financeira”, que começa no artigo 170 e um dos capítulos do título trata dos
“princípios gerais da ordem econômica”. À primeira vista, não tem nada a ver.
Mas logo depois vem o capitulo 2º, que dispõe sobre “Da Política Urbana” e
poucas vezes chegamos ao estudo dessa parte da Constituição da República.
Geralmente, no curso de direito constitucional, você pára antes, raramente você
chega à “Cultura”, “Assistência Social”, “Política Agrícola e Fundiária”... Você
não chega nessa parte, é difícil, e aqui também (“Da política urbana’) é
difícil”.
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de José dos Santos Carvalho Filho

Pois bem, os artigos 182/183, CR são a base do direito da cidade, do direito


urbanístico brasileiro hoje, são eles que integram esse capítulo da política
urbana. Por que estou diante da Constituição da República, trazendo para vocês a
idéia do artigo 182/183? Porque quando você, para quem tem assim uma vontade de
sacar o que o constituinte quis falar, que é a nossa melhor intenção, você
quiser saber porque que o cara editou essas normas, aí você vai vendo algumas
coisas que mostram o seguinte, só para você ter uma idéia, é só um exemplo: a
política de desenvolvimento urbano executado pelo Poder Público Municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei. Bom, eu vou parar aqui para te
mostrar o seguinte.

Aqui, tem duas pessoas federativas: essa pessoa autora da lei que vai tratar
das diretrizes gerais é a União Federal, portanto, essa lei que vai alinhavar as
diretrizes gerais do desenvolvimento urbano é uma lei federal, e essa,
exatamente, que é a L.10257/01 e a outra pessoa federativa de importância nesse
tema é o Município, porque, pelo texto constitucional, é o Município que vai
executar a política de desenvolvimento urbano.

O que eu tenho hoje? Uma que se limitou a traçar as normas gerais, a União
Federal, que elaborou o Estatuto da Cidade e em 2º lugar, aqueles que vão
executar a política de desenvolvimento urbano, que são os Municípios, e quero
dizer o seguinte para vocês, que é uma visão imediata para quem tem essa idéia
do direito urbano, como diz o JAS, ´urbanificação´: o grande responsável pelas
mudanças urbanísticas vai ser realmente o Município, a União Federal já fez a
sua parte, já editou as normas gerais, já criou os institutos novos, já deu
todos os instrumentos para que o Município possa executar.

O que falta? Que os Municípios se aparelhem para executar a política urbana. Vai
ser fácil?. Por que não vai ser fácil? Simplesmente porque nós temos 5561
Municípios, distribuídos entre 26 Estados. Municípios estes que têm realidades
deferenciadíssimas, o Brasil é um país com regiões muito diversificadas, eu não
tenho dúvidas disso.

Eu estou vendo uma pesquisa que eu vou coletando: mais de 1300 Municípios foram
criados nos últimos 10 anos, quer dizer, na verdade, você faz um cálculo
aproximado, equivale a dizer que ¼ dos Municípios, atualmente, existentes foram
criados nos últimos 10 anos; 1684 Municípios gastam mais dinheiro com a
manutenção da Câmara dos Vereadores, do que arrecadam com os impostos. Isso é
uma distorção total, porque a idéia que a gente tem é a de que o Município, para
ser Município, deverá ser um rapaz maior de idade, que já sobreviva com os seus
próprios recursos, não é verdade? E 3687 Municípios têm menos de 1500
habitantes, ou seja, dos 5561, mais da metade têm menos de 1500 habitantes.
Então, você imagina a realidade dos nossos Municípios, como é diferenciada. Isso
tudo nós sabemos aqui no estudo que a gente faz. Você tem idéia de quantos
Municípios têm o Estado do Rio?

Aluno: A Constituição fala “conforme diretrizes gerais fixadas em lei”. O art.


62 não tem remissão pra que essa lei seja da União Federal. A gente tem o
federalismo que, salvo engano da minha parte, em todos os países que, salvo o
Brasil, sem exceção, são federações, a delimitação das competências e
peculiaridades dos Municípios são fixadas pelas leis do Estado, o que o
Município, o que a comunidade pode fazer, a organização da comunidade... Por
exemplo, na Alemanha, é por lei dos Estados, a questão da organização dos
condados nos EUA é por lei dos Estados. Então, qual o fundamento para se dizer
que as diretrizes gerais fixadas por lei, porque quando se diz que ´a política
de desenvolvimento urbano será executada pelo Poder Público Municipal,
conforme...´, essa lei (ao invés de competência da União Federal) poderia ser
interpretada como de competência municipal?

Carvalhinho: Não, se você conjugar esse artigo com o 21, XX, CR, você vai ver
que é da competência privativa da União Federal, instituir/estabelecer a
política, diretrizes, então, por ali, eu sei que a lei tem que ser federal
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mesmo. E quanto à Federação Americana, esta também não tem o sistema municipal,
como o nosso.

Sabemos que a União Federal tem um elenco de competências que as federações,


talvez, mais sedimentadas não têm. Nada impede o constituinte de amanhã prever
que essa competência para os Estados. Mas hoje o Estado, em política de
desenvolvimento urbano, não está com, absolutamente, nada, está um zero à
esquerda, isso no nosso regime, ok?! Hoje, política urbana no país é a União,
que já fez a sua parte e, o resto, dos Municípios, que também têm que fazer a
sua parte.

Vocês têm idéia de quantos Municípios há no Estado do Rio de Janeiro? Um Estado


pequeno não é nada absurdo não ter muito Município. 92 exatamente. E, apesar de
ser um Estadinho (você vai daqui a Campos em 3 horas, acaba o Estado), tem muito
carioca que não conhece alguns Municípios do Rio. Alguns Municípios criados em
1997, eu sempre pergunto na UFF, em pós-graduação de direito urbanístico: você
já ouviu falar em Pinheiral? Um ou outro conhece, o cara que passa pela região
se recorda de Pinheiral... Você conhece um Município chamado São Francisco de
Itabapoana? O cara diz que conhece, mas espera aí: você não está pensando, por
acaso, em Bom Jesus? Ah, mas não é Bom Jesus? Não, tem Bom Jesus e tem São
Francisco, uma região religiosa, que é Bom Jesus de Itabapoana, e outro M, que é
São Francisco de Itabapoana. São José de Ubá, conhecem esse Município? Dentro do
Estado do Rio de Janeiro.Varra e Sai, vcs conhecem? Fica no norte do Estado do
Rio de janeiro, eu estou aqui com mapa, Varra e Sai fica na fronteira, pertinho
do Espírito Santo. Lá até o pessoal costuma gozar e dizer que, se alguém der uma
varridinha no mapa, ele passa pro Estado do Espírito Santo. Varra e Sai fica no
norte do ERJ, no finalzinho, um Município paupérrimo. Quanto aos Municípios do
ERJ, apesar de o Rio ser um Estado relativamente rico, você não tem acompanhado
aquela história de que alguns Municípios têm pedido verbas federais que os
auxiliem no combate à pobreza? Nós temos Municípios paupérrimos.

Bom, isso é para mostrar que, se nós com 92 Municípios, não conhecemos alguns,
você imagina Tocantis, no Amazonas e tal, que são Estados com espaço territorial
muito maior do que o do ERJ, entendeu? Eu fui lá no Maranhão, aí eu fui fazer
uma pesquisa, peguei no IBGE a relação de Municípios localizei no mapa e aí,
sinceramente, poucos conheciam todos os Municípios. Os M mais novinhos, viam e
não reconheciam . E eu falo isso muito à vontade porque eu sou filho de
maranhenses, então eu dizia para eles: eu garanto que o meu pai não deve
conhecer todos esses Municípios, mas eu garanto que os mais antigos ele conhece,
São José..., perto de São Luís, por exemplo.

Nós temos um problema grave em relação à criação de Municípios, vamos dizer


assim, melhorou um pouquinho depois que a Constituição da República sofreu uma
reforma, mas você sabe que nós temos uma voracidade, se pudermos, se deixarmos,
nós temos uma necessidade de transformar distritos em Municípios. Primeiro
porque Município mãe não trata os seus distritos, ou melhor, os trata a pão e
água. Aí o distrito quer sair, só que quando ele quer sair, ele não quer só por
isso, ele quer sair porque novas oportunidades surgirão, vai surgir uma nova
máquina cara, vai surgir uma Câmara, uma Prefeitura, vai surgir, enfim, um
quadro institucional, vai haver despesas, quer dizer, a matéria em relação à
nossa revelação não é fácil. Eu acho até que, posteriormente vai haver
necessidade de fazermos uma alteração maior quanto a esse sistema.

Também numa pesquisa que eu peguei - são todos dados de pesquisas, porque são
fatos reais - há um Município em Tocantis, chamado Oliveira de Fátima, que foi
alçado a Município em 1997 com apenas 754 habitantes. Como pode sobreviver um
Município com 754 habitantes, com que recursos ele pode sobreviver? Difícil.

Aqui no Estado do Rio de Janeiro, segundo a pesquisa que eu coletei, só havia


três Municípios no Rio de Janeiro que conseguiam viver integralmente com seus
recursos: Rio, Niterói e Mangaratiba, por incrível que pareça. Todos os outros
dependem do repasse de verbas federais. Vou dar um exemplo: já ouviram falar de
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Lage de Muriaé, um Município que tem, pelo menos tinha, há pouco tempo, 7800
habitantes? Neste Município, 97% dos seus recursos são de fora, ele só arrecada
3%. Eu me refiro com o que arrecada com os tributos a seu cargo. É irrelevante
que a arrecadação com os tributos não seja nem ¼ das despesas, o que importa é
que Municípios como Lage de Muriaé não têm autonomia financeira, só iisso.

Aluno: O royaltie (que o Município de Macaé, por exemplo, recebe, em razão da


exploração do petróleo local) pode dar autonomia, porque integra a receita
patrimonial...

Carvalhinho: Eu sei, mas nem todos os Municípios têm royalties. Aqueles perto de
Nova Friburgo, como Bom Jardim, Sumidouro...nenhum destes têm royalties. Eu não
posso considerar Quiçamã, Macaé, Campos, que constituem a região do petróleo,
porque é exceção. Eu sei que Quiçamã melhorou muito, mas a realidade do ERJ não
é a de Quiçamã, nem a de Macaé, mas sim a realidade dos outros 89 municípios.

Portanto, eu queria começar dizendo que a política urbana no Brasil, em


termos atuais, tem dois grandes responsáveis: o Governo Federal e os Municípios.
A CR não parou por aí. Eu só queria fazer essa abordagem porque me parece que é
importante, não custa relembrar essas coisas constitucionais. A CR previu o
plano diretor e há município que nem sabe, ainda, o que é plano diretor, eu já
vi. Eu dei palestra para os prefeitos de Búzios, Araruama, Cabo Frio, da região
dos lagos e eu explicava isso, na época em que a L. 10257/2001 foi publicada. A
pedido do Governo do Estado do Rio de Janeiro, eu procurava mostrar as novidades
trazidas pelo Estatuto da Cidade, muitos me diziam: Dr. , mas isso aí pode ser
feito mesmo?

Em outras palavras: ainda não há uma assessoria que possa ministrar apoio
para a elaboração dos instrumentos previstos no Estatuto. O que a CR disse foi
que o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento
urbano. Na dicção constitucional, a idéia que parece emanar da CR é exatamente a
de que o Município só poderá estabelecer as suas metas de desenvolvimento urbano
se elaborar o seu plano diretor.

Assim, na ocasião em que eu estava estudando os temas para escrever, fui


estudar o plano diretor. Cheguei à conclusão de que não vai ser fácil para
alguns Municípios elaborar o seu plano diretor. É uma obra que não pode ser de
uma pessoa só. Plano diretor é uma obra que exige multidisciplinariedade, porque
ele tem aspectos jurídicos, de engenharia de trânsito, de meio-ambiente, de
saúde, de educação, habitação... O desenvolvimento urbano envolve isso tudo,
então, precisa haver uma comissão, com vários técnicos de diversos setores para
montar o plano diretor. Essa foi a lição que José Afonso da Silva deu em seu
curso de direito urbanístico, e que me parece corretíssima.

Eu noto que não vai ser muito fácil a elaboração do Plano Diretor, mas a gente
vai ver aqui que, sem o Plano Diretor, 90% dos instrumentos do Estatuto da
Cidade não poderão ser adotados. O Estatuto da Cidade deveria ter dito assim:
primeiro, elaborem seus planos diretores, para então poderem usar seus
instrumentos, que são instrumentos coercitivos da propriedade privada,
instrumentos fortes, mas, tem que ser planejados, se não vira um pragmatismo,
uma coisa abusiva; essa que foi a idéia do constituinte.

E aí prossegue a própria Constituição da República, quando diz que a propriedade


urbana (nós estamos tratando propriedade urbana, direito urbanístico) só cumpre
a sua função social quando ela atende às exigências do plano diretor da Cidade.
Quer dizer: o que você extrai, ao contrário senso? Que se a propriedade do
indivíduo não estiver adeqüada ao que o Município previu no seu plano diretor,
eu posso afirmar que não está cumprindo a sua função social, deu para ter essa
idéia? E quando você vê expresso no art.5º, XXIII, CR que a propriedade atenderá
à sua função social, o que ela quer dizer? Que, se não atender à função social,
esta propriedade não será um instituto garantido pela CR. Então, você vê, em
última análise, como é que a propriedade de certo modo, claro, guardadas as
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de José dos Santos Carvalho Filho

proporções, está nas mãos do plano da diretor. Uma coisa importantíssima, de


fato.

Logo após, vc vê no dispositivo, finalizando e dizendo (depois de deixar essa


idéia de que a propriedade só cumpre função social se estiver adequada ao plano
diretor) que as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e
justa indenização em dinheiro. É querer dizer o seguinte: se a propriedade
precisa atender à função social, pelo art.5º, e se só atende a função social
quando compatível com o plano diretor, conforme o Art.182, a conclusão a que se
chega vai ser só uma (o silogismo a que se chegar vai ser só um): adquirir uma
propriedade não adeqüada ao plano diretor é estar sujeito à desapropriação, que
é retirar a propriedade do seu titular, quando ela não cumprir sua função
social, Art.5º, XXIV, CR.

Esses dados iniciais são para mostrar apenas as nossas bases constitucionais.
Mas você vai poder dizer o seguinte, com toda razão: o Estatuto da Cidade, o
direito urbanístico em si, aborda/abrange uma série de elementos em relação ao
bem estar dos habitantes? Atinge, porque no próprio Estatuto da Cidade, basta
você ler o art. 2º, I – ´A política urbana tem as seguintes diretrizes gerais:
garantia do direito a cidade sustentáveis, entendido esse direto como o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, infra-estrutura urbana,
transportes, serviços públicos, trabalho, lazer (tudo, o que falta mais), para
as presentes e futuras gerações´. Portanto, o que o próprio Estatuto da Cidade
chamou de cidade sustentável é aquela que visa atender ao bem estar dos seus
habitantes, sob estes aspectos todos.

Eu trouxe igualmente para comentar, antes de entrar nos institutos jurídicos,


questão de diversidades quanto à qualidade de vida das cidades, numa pesquisa do
programa das Nações Unidas pro desenvolvimento – PRODE.

Nós temos aqui para considerar os 10 melhores Municípios, no que toca ao índice
de desenvolvimento humano, o IDH. É considerado como Município de melhor
qualidade de vida o de São Caetano do Sul, 2.º lugar- Águas de São Pedro, ambos
do ESP e, em 3º lugar- a cidade de Niterói. O resto dos municípios são de Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Veja a diferença de regionalismo que é desenvolvido. Pior- Centro do Guilherme;


2º - Lagoa Grande/MA e 3º - Santana do Maranhão. As piores são da terra dos meus
velhos. A 4.ª pior é do Piauí, Caraúbas.

A 4º melhor é Florianópolis, está na moda, todo mundo quer ir para lá. Então, eu
acho que daqui a pouco vai começar a piorar, quando aumentar a densidade
demográfica, sem a respectiva infra-estrutura urbana. O grande segredo do
direito da cidade é relativo à densidade demográfica e à demanda do serviço de
infra-estrutura. Nenhum pode ser maior que o outro.

São todos dados urbanísticos. Vocês lembram do município de Guaribas, aquele do


PI, foi escolhido para inaugurar o Fome-Zero, ficou por um certo tempo, acabou
que o Lula nem foi lá; houve um imprevisto lá. É uma cidade que só tem 88
banheiros e metade dos moradores é analfabeta.Essas pesquisas são tiradas do
IBGE.

Coisas urbanísticas interessantes, também é matéria de direito da cidade: o


´habite-se´. Não ocorre um problema, de vez em quando, não é, o problema do
Palace, que não tinha habite-se (reclamaram). Olha só: o prédio da Prefeitura
não tem habite-se, o nosso fórum, Palácio da Justiça também não têm. Logo, eu
não posso considerar a falta do habite-se como defeito apenas do particular.

Outra história importantíssima, tudo direito da cidade: os puxadinhos estão


fadados à ilegalidade. Sabe o que são puxadinhos? Quem tem um terrenozinho
sempre faz um puxadinho, quem tem uma cobertura faz um puxadinho. Aliás, quem
leu o Globo, ontem/anteontem, na coluna do Anselmo Góes? Ele não apresenta uma
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de José dos Santos Carvalho Filho

foto, assim, no meio de alguma coisa, é uma foto de um restaurante do Catete,


“mais um puxadinho”, que ocupava o passeio todo, praticamente, só deixava uma
nesgazinha. Isso é uso de bem público, em matéria urbanística, qual seja, a de
que uma linha reta da propriedade só vai até o início do passeio público.

Favelas- a gente vai ver aqui os institutos, agora estou só fazendo


considerações. Os institutos das favelas foram bastante contemplados no Estatuto
da Cidade. Aliás, eu estou dizendo favelas, mas as comunidades dividem-se em
favelas, mocambos, palafitas e assemelhados. Todas são comunidades e o Estatuto
da Cidade prevê instrumentos de regularização desses locais. Vai ser fácil? Não
vai ser fácil, mas a L. 10257/01 previu. Você sabe que o Estado que tem o maior
número de favelas do Brasil é S. Paulo, por esta pesquisa, que também foi tirada
da fundação IBGE. Nesse momento, pode até já ter aumentado, mas é uma base.
S.Paulo tinha 1592 favelas; o Rio de janeiro em 2.º, com 681 e Recife em 3.º com
421, Fortaleza, com 358 favelas. É muita comunidade de baixa renda e vc sabe
que, quando se diz comunidade de baixa renda, quer-se dizer o seguinte: nenhuma
regularização imobiliária, nenhuma infra-estrutura urbana, não é?
Rarissimamente. Há, por exemplo, o Rio–cidade, inicialmente/rarissimamente.

Tenho uma foto aqui de uma comunidade, que é uma palafita de Recife. Você sabe o
que é uma palafita? Ela fica erigida sobre estacas que vão invadindo manguezais
e tinha uma que se equilibrava... essa mesmo, palafita de Brasília teimosa, em
PE. Essa palafita se ergue sobre duas outras palafitas (como equilibrar?), é o
2º andar de uma palafita. Isto é um grave problema urbanístico, gravíssimo.

Títulos de posse – isso é o ideal. Uma vez saiu em 14/03/2003 –“Títulos de Posse
para 3 favelas”. É o início de uma regularização fundiária, o Estatuto prevê a
concessão de direito real de uso, para dar uma garantia para essa pessoas, para
regularizar a documentação.

Existe até o problema final urbanístico, que é problema de vizinhança, que


também traduz aspectos urbanísticos. Existe hoje uma medida no Estatuto da
Cidade que exige que algumas atividades tenham que fazer um estudo prévio do
impacto de vizinhança, que é para saber até onde vai afetar os arredores. Havia
um galo criado num edifício de Ipanema, esse galo acordava todo dia às 5:02h,
fazendo aquela barulheira toda. Era num condomínio em Ipanema, na Rua Barão da
Torre, na elite e a Sra., segundo consta, tinha problemas mentais. O síndico,
espanhol, não sabia como resolver o problema. Ia até a Delegacia de polícia, e
esta dizia que não podia fazer nada porque não havia crime. Ele não tinha
solução urbanística para o galo cantador. Eu dei o exemplo do galo, mas poderia
ser um shopping, que poderia acarretar problemas gravíssimos para os moradores
de certa região. Aliás, até hoje parece que no Flamengo tentam fazer um shopping
e não conseguem porque os moradores da (Gávea) estão sempre organizando, para
evitar problemas gravíssimos, porque realmente tem reflexos urbanísticos.

Uma outra questão: conhecem Vargem Grande, depois do Recreio? É o futuro da


Barra. Quem conhece parece que está chegando numa província, fica do lado do
Recreio. Mas já está sendo atacada pelas incorporações. Uma reportagem que eu
guardei diz: ´nova legislação para Vargem Grande fica pronta´. Que legislação? O
secretário Municipal apresentará minuta de projeto de estruturação urbana de
Vargem Grande. Por que? Para estabelecer limites, coeficientes de
aproveitamento, gabarito... Porque depois que o mal estiver implantado (e o
urbanismo tem isso), corrigir não adianta.

Sobre o Estatuto da Cidade, eu queria começar te dizendo que (agora estou


passando diretamente para a legislação, L.10257/01), em 1º lugar, “Estatuto da
Cidade” foi uma denominação que a própria lei se deu, ela se auto proclamou
“Estatuto da Cidade”. Mas qual foi o objetivo a que ela se predispôs (porque
toda lei tem que ter um objetivo)? O seu foi estabelecer normas que regulem o
uso da propriedade urbana, portanto, individual. Ela regula o uso da propriedade
urbana, em prol do bem coletivo, da segurança e bem estar dos cidadãos, bem como
do equilíbrio ambiental, registrado no Art.1º,§ único (o objetivo)- “ regular o
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de José dos Santos Carvalho Filho

uso da propriedade urbana”. É para isso que serve a l.10257/01. Esse uso se
reflete em que? Em n coisas: no meio ambiente, vizinhança, bem estar dos
moradores, mas o objetivo é regulamentar/regular o uso da propriedade urbana. E,
com isso, o Estatuto da Cidade estabeleceu o que o Art.21, XX da CR previu: os
objetivos da política de desenvolvimento urbano. O art.2.º tem, simplesmente, 16
incisos, todos correspondendo ao que a lei denomina de diretrizes gerais de
política de desenvolvimento urbano.

Entre esses incisos, o que eu gostaria de citar apenas para fazer um comentário
desse tipo de diretriz, como está na CR. Primeiro, que você lembre que essa
expressão ainda não havia sido contemplada em lei, alguns autores dizem isso.
Esse adjetivo “sustentável”, que já conhecemos do “desenvolvimento sustentável”,
o que você entende por desenvolvimento sustentável, que é uma expressão que os
ambientalistas começaram a trazer há pouco tempo? A de que o desenvolvimento não
pode atender apenas aos interesses financeiros, aos interesses econômicos, que é
preciso haver um equilíbrio no que toca ao desenvolvimento social.
Sustentabilidade do crescimento representa um indicativo de equilíbrio,
sustentabilidade; é porque o crescimento econômico deve vir, lado a lado, com o
crescimento social. Essa é a questão. Hoje não se encontram mais críticas ao
governo federal, dizendo-se que o presidente já deveria estar atacando o lado
social e que só está preocupado com a política monetária... Não. Primeiro, ele
tem que resolver esta parte econômica, depois vamos implementar a outra ali,
porque não é fácil buscar o equilíbrio entre o econômico e social.

Outra questão importante: nós ainda não estamos em um estágio bom da


representação dos segmentos privados, representabilidade civil. Não estamos,
ainda, no nível europeu, mas o Estatuto prevê que o desenvolvimento seja feito
pari passo com a sociedade civil organizada. Olha só esta expressão, “gestão
democrática do desenvolvimento”, que exige que as comunidades sejam ouvidas. Nós
estamos acostumados a impor normas urbanísticas só de cima para baixo, é a nossa
cultura. O Estatuto da Cidade, ao menos, está exortando os Municípios a fazer
uma gestão democrática, por meio da participação da população, das associações
representativas. Nós ainda não somos bons associados, bem afeitos ao regime
associativo, estamos apenas começando muito embrionariamente.

Outra diretriz que me parece fundamental para que se examine a L.


10.257/01 (não estou aqui falando de tudo, mas apenas dos pontos básicos) é o
controle do uso do solo urbano, que afeta diretamente as propriedades. Veja o
que o Estatuto pretende impedir a partir do controle do uso: em primeiro lugar,
quem detém o controle do uso do solo pode intervir na propriedade, isso é
pacífico, porque a propriedade não deixa de ser estampada pelo uso do solo.
Quando o Estatuto da Cidade (EC) prevê, como diretriz, o controle do uso do
solo, ele se refere a evitar, por exemplo, a utilização inadeqüada de imóveis
urbanos.

De fato, nós temos problemas quanto à adequação de certos imóveis, em certas


regiões. Por exemplo, volta e meia eu ouço reclamações a respeito de uma boate
ali perto, que não tem proteção acústica, e que não deixa ninguém dormir. Na
Barra tem. Eu tenho um amigo, procurador de justiça, que mora na Av. das
Américas, que é larga, longe pra chuchu. Salvo engano, ali perto situa-se a
boate São Tomé. Você vê que os prédios defronte são distantes e, mesmo assim, o
pessoal é incomodado pelo barulho da boate.

Assim como igrejas que, de acordo com a natureza do culto, podem


incomodar/perturbar a vizinhança. Isso é realidade que nós vemos todos os dias.

Proximidades de usos incompatíveis e inconvenientes, igualmente,


enquadram-se na inadeqüação de imóveis e aqui, em relação à proximidade de usos
inconvenientes, eu te dou um exemplo interessante: aeroportos. Você sabe que
aeroporto é um problema urbanístico. Há pessoas na Ilha do Governador que
simplesmente não podem sair, o problema habitacional é duríssimo. Há pessoas lá
que ficam paranóicas com as decolagens e os pousos de aviões, cujo barulho é
8 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho

ensurdecedor. Nas grandes cidades, os aeroportos estão sendo construídos bem


distantes dos centros urbanos. Quem conhece o aeroporto de Confins, em Belo
Horizonte? Localiza-se até em outro município. Da mesma forma, em Natal, cujo
aeroporto é em outro município, em local ermo, porque o espaço onde ficam os
aeroportos não é adeqüado para residência. Em Salvador, idem. O Santos Dumont, o
de Congonhas e o de Pampulha, próximos dos centros urbanos, estão sendo mantidos
porque há um grande interesse de grupos de executivos. Atende-se à elite, mas
não à plebe.

Aluno: Estes três aeroportos violam o EC, não violam? Saiu um artigo, muita
gente comentou sobre um artigo que falava do Santos Dumont...
Carvalhinho: Claro, totalmente inadeqüado. Qual o erro? Foi construído antes da
cidade e deixou a cidade chegar, está errado, porque deixou a cidade chegar. Se
a cidade já existia e construiu na própria cidade, está errado também, porque
tinha que construir fora da cidade. O erro é urbanístico de qualquer maneira,
isso é óbvio, qualquer técnico em urbanismo sabe disso. Mas, você enfrentar a
VARIG, GOL é difícil, são interesses altíssimos.

Aluna: Em relação à tendência de se construir aeroporto fora da cidade, a mão de


obra que trabalha ali não pode morar perto?

Carvalhinho: Não, a tendência é a de morar longe com o transporte que os leve


para perto. É a mesma iidéia das chamadas cidades industriais. Isso é um
problema urbanístico. A cidade industrial não vai levar empregado para morar lá,
não. O empregado continua morando onde morava. Agora, tem uma caravana de ônibus
que os leva e os traz de volta. Você aí distorceria a finalidade, se vc deixa,
pelo menos, os empregados no aeroporto, vc pode estar prejudicando o bem-estar
desses empregados.

Um aspecto importante que tem até um instrumento jurídico previsto: o


parcelamento do uso do solo. Vc já reparou em alguns locais que têm áreas com
dimensão inadeqüada para aquele centro? Vcs já foram em municípios (centro das
cidades) e, às vezes, existe uma área sem uso no centro nervoso da cidade, sendo
preciso utilizá-la ou parcelá-la? O EC prevê estes instrumentos. Isso vai
representar o que, na verdade, a lei chamou de diretrizes de política urbana, é
evitar os males urbanos, esses todos aqui arrolados.

E, finalmente, antes de nós estudarmos os institutos um por um, eu queria


citar para vc o artigo 4.º. Vc vai ver que o título é o seguinte: ´Dos
instrumentos em geral´. Então, vejam: 1.º, a lei diz o que é desenvolvimento
urbano; em seguida, pré-ordena os objetivos, que são o bem-estar dos indivíduos,
a cidade sustentável; depois, a lei prevê quais são as diretrizes que devem
inspirar o desenvolvimento urbano; e, por fim, a lei diz quais os instrumentos
que os municípios vão poder utilizar, para alcançar os objetivos urbanísticos.

O que o município pode utilizar formam os instrumentos urbanísticos., que são


esses arrolados no art. 4.º, . 10257/20001, em uma quantidade enorme. Só pelo
tipo de instrumento, vc vê como é que é um leque que grassa sobre o direito
urbanístico. Planejamentos, planos diretores, zoneamento ambiental, institutos
tributários, que a gente já conhece, as contribuições de melhoria, os incentivos
fiscais, a desapropriação, a servidão administrativa... A desapropriação é um
instrumento urbanístico, outro instrumento é o tombamento, para a preservação da
memória histórica e artística. Vcs sabem que hj nós temos um instrumento que
nunca existiu no Brasil, chamado concessão de uso especial para fins de moradia.
Direito de superfície existia, depois é que o NCC previu a superfície; direito
de preempção municipal...E, finalmente, um estudo prévio do impacto ambiental.

O que valeria a pena? Vc ver seguinte: de quais instrumentos se pode valer o


Município para, pelo menos, amenizar certos problemas urbanísticos e solucionar
os outros problemas urbanísticos. Esses instrumentos não precisam ser usados
cumulativamente, são os que estão aqui no art.4º. Está claro isso? Então, ok!
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 9
de José dos Santos Carvalho Filho

Dito isso, eu começo a fazer uma consideração (vc já leu a EC 41/03, própria da
reforma da previdência? Quem está estudando, vale a pena ler, mas não vou iludir
vc não. Ela não é fácil. Hoje, o cara saber em que grupo ele está, o que precisa
cumprir para obter os benefícios previdenciários, não é mole não. Pra vc ter uma
idéia, no meu manual, foram aumentadas mais ou menos 15 páginas, só na parte da
previdência, porque esta matéria é de servidor público. A reforma é de
previdência, mas não é do empregado privado, não. A grande reforma é a do
servidor. Então, está dentro dos servidores públicos. Se a EC 20, da 1.ª
reforma, já era complicada, esta EC 41/2003 está muito mais). Começo pelo
instrumento. Quais são os instrumentos jurídicos que o EC relacionou para obter
uma melhoria de vida na cidade? O 1.º deles, por acaso, tem sede constitucional,
no art. 182, par. 4.º e diz que é ´facultado ao Poder Público municipal,
mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos
termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, sub-
utilizado ou não utilizado, que promova o seu adeqüado aproveitamento´. Claro,
em função de que? Do plano diretor da cidade. Quem gosta, quem tem cuidado na
interpretação das normas verá que o cerne deste dispositivo é o verbo exigir. E
o sujeito? Quem tem a faculdade de exigir é o Município. Quem exige, exige
alguma coisa de alguém. Qual é o objeto direto? Que o proprietário promova o
adeqüado aproveitamento ao seu imóvel ao plano diretor. Exigir o aproveitamento
de quem? Do proprietário do imóvel urbano que está desajustado ao plano diretor.
Diz a CR no par. 4.º do art. 182: ´sob pena de parcelamento ou edificação
compulsórios´. Se a gente interpreta a norma com cuidado, o que se observa? Que
o município vai chegar ao proprietário, cujo imóvel não está adeqüado ao plano
diretor, e dizer assim: eu exijo que vc promova a adequação do seu imóvel/solo
ao plano diretor. Se não houver repressão, não adianta exigir. Muito bem, o
município continua: se vc não atender à minha imposição, seu imóvel será
parcelado/edificado compulsoriamente. Qual imposição que eu estou lhe
apresentando – parcelamento/edificação compulsórios. Se vc consultar as
Constituições brasileiras, notará que nunca houve no direito urbanístico
constitucional uma regra que pudesse gerar um direito subjetivo para o Ente
Federativo, no caso, o município, de obrigar a pessoa a parcelar a sua área ou a
edificar em sua área. Nunca houve poder coercitivo de edificação. Ninguém pode
obrigar, ninguém pode fazer ou deixar de fazer, senão aquilo a que se possa
obrigar seja o que a lei estabelece.

Aluno: O Município poderia exigir essa adequação de imóvel urbano do Estado ou


da União, da Administração Pública Federal ou Estadual?

Carvalhinho: Não. De vez em quando me fazem essa pergunta. Alguns prefeitos me


fizeram. Vou lhe responder da mesma forma, contemporizado ao que eu respondi a
eles. Discussão entre União, Estados e Municípios não se resolve por meio de
instrumentos coercitivos. Os poucos instrumentos de coerção existentes entre uns
e outros são praticamente inaplicáveis. Talvez vc já tenha visto, só que eu
nunca vi a União desapropriar um bem do Estado, e ela pode; eu nunca vi o Estado
desapropriar um bem do Município, e ele pode.

Aluno: Há um caso de desapropriação desse que foi até o STF...

Carvalhinho: Eu conheço, essa lição consta no meu manual. Se perdeu no STF, como
realmente perdeu (pedido de desapropriação improcedente), não desapropriou, se
não desapropriou, era porque não podia desapropriar. As DOCAS eram sociedade de
economia mista. Se o STF não permitiu que o Estado desapropriasse bens de
sociedade de economia mista, imagine o Estado ter os seus bens desapropriados
pela União, por exemplo. Eu estou lhe falando porque essas coisas não se
resolvem pelos instrumentos coercitivos

Aluno: ...na Baía de Guanabara houve desapropriação de área municipal, só citei


de exemplo...

Carvalhinho: Pode haver um exemplo, mas apenas um exemplo num universo de


milhões de anos é zero. União, Estados e Municípios têm que fazer uma coisa só:
10 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho

seguir o rastro do federalismo cooperativo. Não adianta confronto. Brigas entre


Entes Federativos só sobra para a coletividade. Eu lhe dou exemplos – o do pit
bull, em que o Estado diz que não é da competência dele a circulação, o
Município diz que não, que se trata de segurança, que é dever do Estado; do
incêndio de barracos debaixo de um viaduto, perto do Caju – ah, o Municio é
culpado, deveria fiscalizar – não é não, porque o viaduto pertence ao Estado,
cabe a este fiscalizar o que está embaixo do viaduto. Então, como se vê,
instrumento de coerção não adianta. Ao invés de pensar nisso, União, Estados e
Municípios têm que sentar à mesa.

Todo constitucionalista, eu estou lembrando das lições que eu tive com o


Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, com todo aquele seu equilíbrio. Ele
dizia que federação não se trata com confronto, porque a mesma, por si só, tem
uma tendência desagregante. A autonomia é um fator, se vc bobear com a
autonomia, esta se transforma em soberania. É o exemplo da Iugoslávia, claro,
para nós. A autonomia é um fator desagregante.

Então, Manoel Gonçalves dizia, em suas lições, que, se para as federações de 2


graus, já se precisa trabalhar com cooperação, imagina uma federação de 3 graus,
como a nossa, é mais complicado ainda. Nenhum país do mundo tem município com
autonomia política como a dos nossos Municípios.

Por fim, eu já respondo que não à sua pergunta, porque o Estado vai opor -
diante de eventual exigência, pelo Município, de adequação ao plano diretor do
imóvel urbano estadual – um interesse regional, e a União, da mesma forma, oporá
um interesse nacional. Este confronto, dificilmente, o Município vai superar. A
mim parece que esse tema deve ser visto, como, aliás, se estuda em direito
administrativo: a intervenção do Estado na propriedade privada.

Voltando: o poder de exigir, a exigibilidade significa que o Município já tem um


plano diretor e que ele precise adeqüar certos bens ao plano diretor e, com
isso, ele pode fazer dois tipos de imposição: vc precisa parcelar ou precisa
edificar, compulsoriamente, caso o proprietário não o faça amigavelmente. A
idéia é simples. As palavras são imóvel ´não edificado, sub-utilizado ou não
utilizado´. Sabe a diferença entre imóvel sub-utilizado e não utilizado? Sub-
utilizado é utilizado indevidamente, não utilizado é sem utilização.

O Município dirá para o proprietário: o seu imóvel está em descompasso com o


plano diretor, porque ele não está edificado como deveria, não está sendo
utilizado como deveria. Se o proprietário não atende de uma forma amigável, aí
entra o adjetivo ´compulsório´- o Município tem o poder de exigir o parcelamento
ou a edificação compulsória, conforme o caso.

É um poder de exigir/agir, que tem, evidentemente, sanções. Eis o primeiro


instrumento que o Município tem para mexer na propriedade privada, para mostrar
que está fazendo isso tudo por ver que a propriedade privada não está
compatibilizada ao estado adeqüado ao plano diretor. E como a CR diz que o cara
só tem a propriedade em função social com estado adeqüado ao plano diretor, o M
pode exigir do proprietário do imóvel em situação irregular o
parcelamento/edificação compulsórios.

Às vezes, a pessoa me pergunta, com toda a razão: se o proprietário for


notificado para edificar compulsoriamente (porque aquela região precisa, está
vazia, o M precisa ampliar a zona comercial, precisa promover a ocupação, para
fins de circulação de dinheiro/riquezas urbanísticas), mas este não tem recursos
para tal?

Há dois caminhos: 1.º, o Estatuto, no final, deu uma chance ao proprietário de


ele fazer um negócio jurídico, chamado consórcio imobiliário com o próprio M
(aliás, a gente já conhece esse consórcio: o cara que tem uma casinha num
terreno muito legal, o construtor lhe diz que não vai lhe pagar nada, mas
promete que dois apartamentos do prédio que vai construir neste terreno legal
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 11
de José dos Santos Carvalho Filho

serão seus; ele troca o solo por unidades, é comum se fazer isso; o consórcio é
mais ou menos neste sentido). Se o proprietário não tiver meios de obter o
consórcio imobiliário e se ele não tiver recursos, a solução para ele – o 2.º
caminho – será a alienação do imóvel urbano para quem nele tenha condições de
edificar.

O proprietário não vai opor ao M: escuta, apesar de eu saber que o meu imóvel
não está no estado adeqüado ao plano diretor, eu não vou fazer isso porque eu
não tenho dinheiro, entendeu? Para quem advoga aqui, é muito semelhante ao que
acontece nos inventários, em que muitos herdeiros têm que vender bens para pagar
as despesas do inventário. Nem por isso eles ficam isentos de pagar as despesas
(taxas altíssimas no inventário).

Conclui-se, pois, que a falta de recursos do proprietário NÃO vai ser obstáculo
para o cumprimento das imposições do M pelo mesmo. É claro que ele será
notificado pelo M, é claro que essa área (que abrange o imóvel urbano irregular
do proprietário) vai estar no plano diretor (PD), é claro que vai haver uma lei
municipal específica. Não é de qualquer jeito, não, se está mexendo na
propriedade do cara, deve ter alguns requisitos: tem que estar no PD a área que
precisa de parcelamento/edificação, tem que estar editada lei municipal
específica a respeito. Preenchidos esses requisitos, acabou, sem problemas.

Veja só um detalhe: como isso afeta muito a propriedade, porque o seu


proprietário está com uma obrigação para cumprir, essa notificação, dando
ciência das obrigações imputadas ao proprietário, é averbável no RGI e,
portanto, mexe na L. n.º 6015/73, a lei dos registros públicos. Eu imagino que
recebi uma notificação, espertamente eu vendo meu imóvel e o adquirente o
adqüire sem saber que está inadeqüado ao plano diretor. O RGI serve para que os
eventuais adquirentes (já que a sua eficácia é erga omnes) tomem ciência da real
situação do imóvel, até porque a transmissão do imóvel, seja por atos inter
vivos ou causa mortis, posterior à notificação, transfere as obrigações de
parcelamento/edificação. Então, uma vez averbada a notificação no RGI, se eu
quiser comprar, eu compro, mas eu já sei (já fui ao registro, tomei ciência, de
repente, me interessa, mesmo com as imposições do M, só não posso dizer que eu
não as conheço), logo, eu vou ter que cumprir as obrigações tais, tais e tais.
Está perfeitinho.

A lei ainda dá um prazo legal de 1 (um) ano para o proprietário protocolar,


junto à repartição municipal, o projeto de parcelamento/edificação (prazo a
contar da notificação). Quer dizer, o cara é notificado, tem um ano para
protocolar o projeto. Depois que ele protocola o projeto e que este é aprovado,
o proprietário tem mais 2 (dois) anos para iniciar as obras, se for o caso de
edificação. O proprietário só não o fará se, realmente, não tiver o menor
interesse ou não tiver recursos (se for o caso de edificar, porque parcelar não
gasta nada, é só chamar um despachante para que ele elabore o projeto e leve).

Recapitulando – Falamos do 1.º instrumento, que é o parcelamento/edificação


compulsórios, obrigações urbanísticas. São obrigações de natureza urbanísticas a
que são cominadas essas sanções (previstas na L. 10257/01 c/c art. 182, CR).
Então, não são obrigações sem sanção; são obrigações com sanção.

O 2.º instrumento urbanístico de coerção é o IPTU progressivo no tempo, também


tem base constitucional no artigo 182, par. 4.º e no EC, art. 7.º. Vc já reparou
que a CR usa a expressão ´imposto predial e territorial urbano progressivo no
tempo´? O constituinte não terá usado essa expressão à toa.

O IPTU não nasceu para ser progressivo no tempo, porque a natureza dele, como
imposto sobre a propriedade imóvel, como regra, não nasceu para ser progressivo
no tempo. Sabe-se hoje de uma mudança na CR (Emenda Constitucional 29), art.
156, I, par. 1.º (uma parte do Estatuto da Cidade tangencia tributário). O
inciso I prevê que compete aos M instituir IPTU, o par. 1.º é que foi alterado
pela EC 29/2000.
12 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho

O que a CR passou a dizer no art. 156, par. 1.º?´Sem prejuízo da progressividade


no tempo, a que se refere o art. 182, par. 4.º, II, o imposto previsto no inciso
I (do art. 156) poderá, primeiro, ser progressivo em razão do valor do imóvel´.
O que é progressivo em razão do valor do imóvel? No mercado imobiliário, o
imóvel hoje vale 100, se amanhã estiver valendo 120, a base de cálculo será 120,
progressivo no valor. Isso acontece no mercado imobiliário, há imóveis que
passam a ter valor, muitas vezes, maior, em função, por exemplo, de uma obra
pública.

Outra progressividade – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e


uso do imóvel. Exemplo: Barra da Tijuca – casas, alíquotas de 1,5%; Piedade e
Todos os Santos – casas, alíquotas de 0,45%, deu para entender? É o princípio da
capacidade contributiva aplicado ao IPTU. Muito justo, só que o cara tem que
saber fazer. Se vier com história de brasileiro que quer levar vantagem, aí muda
tudo, o cara vai facilitar ali, porque ele mora ali. A idéia, se o cara for
honesto, probo, é a seguinte: não se quis prejudicar ninguém, é muito justo, com
todo o respeito. Eu que moro na Barra tenho que pagar, proporcionalmente, mais
IPTU do que paga o cara que mora em Cascadura, numa casa de 2 quartos, sala e
banheiro. Isso é ótimo, é justiça social, prevista pelo próprio constituinte:
alíquotas diferenciadas de acordo com a localização e com o uso do imóvel, bem
como a progressividade em razão do valor do imóvel.

O constituinte falou em progressividade no tempo, sem prejuízo da


progressividade no tempo a que se refere o art. 182. par. 4.º, II. Qual é a
progressividade do direito urbanístico? A do art. 182, par. 4.º, II, CR. O único
momento em que fala expressamente em progressividade no tempo é quando ele se
refere ao direito urbanístico, no art. 182. O outro (art. 156, par. 1.º) pode
ser progressivo no tempo, mas é uma progressividade condicionada a outros
fatores: valor do imóvel, localização e uso do imóvel.

A progressividade no tempo do art. 182, par. 4.º, II c/c art 7.º, L. 10257/2001,
em outras palavras, o IPTU progressivo no tempo de natureza urbanística, este é
progressivo no tempo mesmo. O imóvel pode não ter sofrido valorização nenhuma, a
progressividade temporal aqui não é aliada a nenhum outro fator, tem apenas um
pressuposto: não ter o proprietário cumprido a sua obrigação urbanística.

Aluno: Se não houver a comunicação ao RGI da notificação do proprietário para a


retificação, que é o requisito anterior, se o M notifica o proprietário, mas não
comunica ao RGI, essa comunicação, portanto, não é oponível ao adquirente.
Ocorre a transferência da propriedade. O novo adquirente pode sofrer esse IPTU
progressivo no tempo urbanístico?

Carvalhinho: A lei não contemplou. Quando eu fui escrever sobre o EC, eu entendi
que, sem a notificação, não há obrigação urbanística e o registro de imóvel
seria um complemento para dar ciência a terceiros e o M poderia notificar o
novo proprietário e, aí, sobraria briga entre o proprietário novo e o anterior,
discussão esta de caráter indenizatório, não urbanístico.

Aluno: Se vc não tinha notificação com eficácia erga omnes, vc pode notificar o
novo proprietário, sem problemas, mas os prazos serão reabertos, para que este
IPTU progressivo (art. 182, par.4.º,II, CR) possa incidir diretamente sobre o
novo adquirente...

Carvalhinho: Com certeza, é claro que o proprietário novo não vai se prejudicar
com a assunção de prazo de terceiros. Quando está averbado no RGI,
diferentemente, o novo proprietário já sabe até quando se deu a imposição da
obrigação urbanística pelo M, via de conseqüência, sabe, inclusive, qual é o
prazo de que dispõe para protocolizar o projeto na repartição municipal.

Aluno: Não sei se estou errado aqui, Sr, se estou entendendo corretamente, mas
teria alguma relação com a progressividade que já era prevista para o ITR, no
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 13
de José dos Santos Carvalho Filho

art. 153, par. 4.º, CR, pela não utilização, pelo não respeito à função da
propriedade rural, não haveria um simbiose aí?

Carvalhinho: Era, só que o ITR era adeqüado para a questão agrária, o STF, em
seus arestos, cansou de cortar progressividade temporal instituída pelos M,
mesmo quando aliada a outros fatores. A inovação única que houve foi em relação
à propriedade urbana porque, quanto à progressividade no tempo rural, até para
efeito de divisão da propriedade agrária, já havia, por meio do ITR.

Aluno: O que eu quero perguntar é se essa progressividade urbanística, que


decorre do dever de respeitar as obrigações urbanísticas, não teria uma
semelhança com a progressividade já prevista para o ITR, não se estaria
estendendo para o imóvel urbano a progressividade pela função social já prevista
para o imóvel rural?

Carvalhinho: É o que eu estou dizendo, a sanção dessa imposição (cumprimento da


função social da propriedade) estendeu-se para a propriedade urbana, em função
das novas regras de política urbana. Perfeito. A mens legis é exatamente a
mesma.

Não cumprindo o proprietário a obrigação urbanística, o M impõe o


instrumento do IPTU progressivo no tempo. Isso quer dizer que, durante 5 (cinco)
anos consecutivos, o M pode ir aumentando as alíquotas em conseqüentes bases,
porque as bases do imóvel, ele já pode para qualquer um. O valor venal é
variável em função das condições de mercado. Além da elevação normal, que já
existe no corpo do art. 156, CR, ainda vai poder ser aplicado o IPTU pelo
aumento da alíquota, em razão do descumprimento da obrigação urbanística. Também
importa destacar que há limites, o cara não pode fazer uma alíquota que exceda 2
vezes o valor do uso anterior, ok?! É para não haver abuso. Mas a imposição por
cinco anos vai gerar o quê? Uma força coercitiva para que o M tente obter o
cumprimento da obrigação urbanística. A idéia básica é essa, durante 5 anos.

O EC diz que é vedada a concessão de isenção e de anistia, relativos à


tributação, é claro. Se o cara está sendo tributado pelo IPTU progressivo no
tempo urbanístico, este tributo não tem natureza fiscal, como vc disse bem. A
sua natureza é extra-fiscal, é sancionatório mesmo.

Pode acontecer de o proprietário recalcitrante (o cara que não quer cumprir)


bancar, dependendo do seu poder, essa despesa. Se a sanção parasse no IPTU
progressivo (que só pode ser aplicado durante 5 anos) e o M não adotasse nenhuma
outra providência, caberia ao M manter a última alíquota. Aí o M, se aplicar o
IPTU progressivo urbanístico por 5 anos e depois não adotar nenhuma outra
providência, será muito mais culpado do que o proprietário, o M não está muito
interessado na adequação do imóvel urbano.

Estou imaginando aqui que o M tentou, durante 5 a, obter o cumprimento das


obrigações urbanísticas pelo proprietário, só que este nada faz. O que a CR
previu? O 3.º instrumento, que é o definitivo. Não deu o 1.º, não deu o 2.º,
aplica-se o 3.º, que é a desapropriação urbanística sancionatória, prevista no
mesmo art. 182, par. 4.º, CR e tb no art. 8.º, L. 10257/01.

Aluno: Esses instrumentos devem ser utilizados de forma progressiva?

Carvalhinho: Sucessiva.

Aluno: Mas nessa ordem ou à escolha do M?

Carvalhinho: Não, o art. 182, par. 4.º, na caput, lá no finalzinho, tem a


expressão ´sob pena, sucessivamente, de´. Então, não é à livre escolha do M, que
tem que gradativamente ir aplicando aa sanções. Vc nota que existe no art. 182,
par. 4.º, ao longo de seus incisos, uma gradação de gravidade crescente, até
chegar à última, definitiva., que é a desapropriação, ok?! As sanções aqui, as
14 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho

imposições são sucessivas, jamais cumulativas, eu só posso aplicar a 2.ª se


frustrada a 1.º.

Em relação à desapropriação urbanística sancionatória, eu queria fazer 2


breves comentários. Desapropriação é um tema implícito. Há dois tipos de
desapropriação urbanística. Eu estou tratando da desapropriação que está
prevista na política urbana e, esta, inicialmente, eu havia chamado no meu livro
de desapropriação urbanística. E aí, depois, sabe como é, sempre houve colega
para lembrar – esse nome aqui é igual ao nome da outra desapropriação -, eu
percebi que eles tinham razão. Se eu chamar de urbanística, estou considerando o
gênero. Por isso, acrescentei o adjetivo´sancionatório´, para mostrar o
seguinte: desapropriação urbanística é o gênero, toda vez que E e M quiserem
desapropriar um imóvel para fins urbanísticos, poderão fazer uma desapropriação
urbanística, é o gênero. Espécie desse gênero é a desapropriação como punição ao
proprietário que desobedeceu à imposições urbanísticas. São dois tipos de
desapropriação urbanística.

No par. 3.º do art. 182, CR, diz-se que ´as desapropriações de imóveis
urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro., quer dizer,
mediante prévia e justa indenização em dinheiro é a desapropriação normal, que é
a única que admite a indenização em dinheiro, a desapropriação normal do art.
5.º, CR. Esse par. 3.º do art. 182 está prevendo desapropriações urbanísticas
não sancionatórias – exemplo – eu preciso do seu imóvel para nele fazer passar
uma via urbana de grande importância; seu imóvel não está contrário ao plano
diretor não, simplesmente eu preciso dele para fins urbanísticos, não
sancionatórios.

Outra coisa é o cara ter um imóvel que precisa ser edificado e não cumprir
a sua obrigação de edificar, é diferente, então, não tem jeito, o M vai ter que
desapropriar.

Só para relembrar: desapropriação urbanística é toda aquela que visa a


atender à política urbana, a fins urbanísticos, esse é o gênero. Agora, ela pode
ser comum ou sancionatória/punitiva. Está última é punitiva porque o
proprietário não cumpriu a obrigação, mesmo com as imposições anteriores. Tanto
isto é verdade que enquanto o par. 3.º se refere à indenização prévia e justa em
dinheiro, no par. 4.º, a indenização é paga em títulos da dívida pública, com
prazo de resgate até 20 anos, quer dizer, na verdade, esta não é prévia, nem
justa, nem em dinheiro.

Aluno: Justa é, porque o conceito de justiça do STF é a indenização que


corresponde ao valor do imóvel.

Carvalhinho: O conceito de justiça é variável. Para alguns, eu acredito que o


pagamento em títulos da dívida pública para indenizar desapropriação
sancionatória de imóveis urbanos seja justo. Mas eu trabalho muito com
estatística. Se eu colocar 100 pessoas e perguntar qual o conceito de justiça
para esse pgto em títulos da dívida pública, eu tenho certeza de que 95% irão
responde que não é justa, porque não é para ser justa mesmo, é para ser
punitiva. Eu respeito o seu ponto de vista.

Aluno: Há 3 expressões, prévia, justa e em dinheiro. Prévia é o momento, justa é


se o quantificativo corresponde ao valor do imóvel. É por isso que em
desapropriação não incide o imposto de renda, mesmo que haja ganho imobiliário e
em dinheiro, posto que a forma é em dinheiro. Essa desapropriação sancionatória
não é prévia, mas é em título, o justo é sempre corresponder ao valor do imóvel.

Carvalhinho: Vamos apenas ser objetivos na sua concepção.

Aluno: É a concepção legal.


Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 15
de José dos Santos Carvalho Filho

Carvalhinho: Na sua concepção, a indenização em títulos da dívida pública é


justa?

Aluno: Sim, de acordo com a jurisprudência do STF, desde 1958.

Carvalhinho: Ok, meu colega. Então, fique com a sua posição e a que vc diz ser
do STF. Eu te garanto que o STF nunca disse que essa indenização em títulos da
dívida pública é justa, porque eu tb acompanho a jurisprudência do STF. Em
títulos, ele nunca disse. Falou apenas que ela era legítima, mas justa não. E
ela não vai ser justa mesmo, pq, títulos da dívida pública, eu sei o que o
proprietário vai dizer para o E o que este deve fazer com os mesmos, eu tenho
certeza do que ele vai falar, se o sujeito for mal criado, pior ainda.

Apesar de a desapropriação ser punitiva (art. 182, par. 4.º), ela tem que
gerar um aproveitamento do imóvel em prazo de 5 anos. É uma questão
interessante. O M deverá proceder ao adeqüado aproveitamento no prazo máximo de
5 anos. Eu acho que esse prazo de 5 anos é muito. O M se preocupou tanto em
adeqüar o imóvel, que o desapropriou. Na minha cabeça, o M deveria estar doido
para resolver o problema urbanístico. Como é que o M pode aproveitar esse
imóvel? Já descartou o proprietário, o M agora é o proprietário, porque a
desapropriação encerra a transferência da propriedade para o M. O aproveitamento
poderá ser efetivado por meio de alienação ou de concessão a terceiros,
observada a legislação sobre alienação. Qual a idéia aqui? O M, em si, só tem
interesse na adeqüação do imóvel, não tem interesse patrimonial no mesmo. Então,
está muito certo que o M desaproprie o camarada e aliene o imóvel a outro,
sabendo este das obrigações urbanísticas que irá assumir. A idéia da lei é
simples.

Aluno: Há previsão da retrocessão, quando ultrapassado o prazo de 5 anos?

Carvalhinho: Não há previsão de retrocessão. Aliás, ela nem se aplica a essa


hipótese, pq é própria da desapropriação comum, essa aqui tem natureza
urbanística.

Aluno: Se passar 10 a e o M não fizer nada com o imóvel?

Carvalhinho: Não pode passar de 10 a, porque o prazo é 5 anos. Se passar de 5 a,


o prefeito responde por improbidade administrativa. Não pode passar de 10 a, a
não ser que o prefeito responda por improbidade. De qualquer forma, o novo
prefeito terá que cumprir. A obrigação urbanística pendente é a do titular do
cargo. Com todo o respeito, na verdade, há dois caminhos: ou o prefeito adota as
providências necessárias para adeqüar o imóvel ou ele vai ser processado pr
improbidade administrativa e, findo o seu mandato, caberão ao novo prefeito as
obrigações urbanísticas pendentes.

Aluno: Vamos supor uma situação em que o M, por mudança de construtora, não
tenha condições de cumprir essas obrigações urbanísticas. O Sr. entenderia que
mesmo sem haver a previsão de que o particular possa exigir do M a retrocessão,
poderia haver a alienação, a devolução do imóvel com pagamento ao antigo
proprietário, sem a regra de licitação para a venda do imóvel? Vc criou, é uma
obrigação-sanção, uma sanção para o particular desobediente, só que seguida de
uma obrigação para o M (após a desapropriação). Se este não cumpre (não adeqüa o
imóvel desapropriado ao plano diretor) - o direito do particular, que foi
sacrificado em prol do bem–estar da coletividade, que tb não restou assegurado
pelo Poder Público Municipal – haveria algum direito para o particular que teve
o seu imóvel desapropriado?

Carvalhinho: Não, nem quando a desapropriação é comum, porque a retrocessão,


pela posição dominante na doutrina, é um direito pessoal. Quer dizer, se na
desapropriação comum o expropriante não tem exigibilidade real de retroceder ao
proprietário, pior ainda se a desapropriação for urbanística sancionatória.
16 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho

Outro instrumento, que tb é novo e eu queria comentar com vc – usucapião


especial de imóvel urbano, com algumas peculiaridades. Está previsto no art.
183, CR, que não chega a falar expressamente em usucapião, mas, de fato, ´aquele
que possuir, não sei quanto tempo, adqüirirá´; ele não usa a expressão
`usucapião especial de imóvel urbano´, mas o conteúdo da norma, sem dúvida de
que envolve o usucapião especial urbano.

Primeiro, eu devo lembrar a vc de que se for ao NCC, irá encontrar


usucapiões. Lá há três tipos, o extraordinário, o ordinário e o especial, arts.
1238/1244. Essas formas de usucapião, vcs sabem, mudaram, com o NCC, em relação
aos prazos, em relação às condições. Os prazos estão menores (o NCC reduziu os
prazos prescricionais, com muita razão). Assim, pode muito bem haver usucapião
na zona urbana que não seja o especial de imóvel urbano. O usucapião especial,
além do requisito de posse (exigido em qualquer espécie de usucapião), tem
outros requisitos específicos exigidos, como, por exemplo, que o imóvel sirva
para a moradia da pessoa. Só que, de repente, eu não moro ali, eu moro em outro
lugar, mas estou usando, tenho ali um comerciozinho, não pode acontecer? E aí,
esse usucapião do exemplo, que vai se passar na zona urbana, quem vai regulá-lo
é o NCC ( se a finalidade não é de moradia, o usucapião, pois, não será o
especial urbano). Eu vou ter que observar os prazos que constarem no NCC, que
são prazos maiores.

Quis chamar a sua atenção para as outras formas de usucapião porque, quando vc
tem normas de concomitância temporal, como mais ou menos são o NCC e a Lei n.º
10257/01, vc tem que resolver esse conflito intertemporal pela tese do conflito
de leis no tempo, que está na LICC. Vc vai ver que esse usucapião especial
urbano , 1.º que a sua criação tem fins urbanísticos, aqui não é só a questão de
o proprietário ser inerte e vir um possuidor com animus domini, não basta isso
(basta para usucapião do NCC). É preciso, tb, que tenha área de até 250 metros
quadrados, que tenha servido de moradia para o possuidor/sua família e ainda se
exige que ele não tenha outra propriedade. Vc nota que esse usucapião é social,
seus requisitos estão no artigo 9.º do EC e art. 183, CR.

Nem todo usucapião, portanto, processado na zona urbana (que é o contrário


da zona rural) é usu capião especial com fins urbanísticos. Uma das diretrizes
urbanísticas não é o bem estar das pessoas, a regularização das propriedades? Eu
nunca vou poder ter regularização de propriedade se eu não adotar o usucapião
como um instrumento de aquisição da propriedade, é uma prescrição aquisitiva.
Esse usucapião é especial, tem várias regras, por exemplo, a de que o herdeiro
continua a contagem do tempo, vc nota que há todo um caráter de proteção social
no usucapião especial urbano. Outra regra diz que o direito de que trata este
artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor, mais de uma vez (são pequenas
vertentes que o legislador criou); claro, isso não é instrumento de especulação
imobiliária, isso é para quebrar o galho do cara que tem uma posse só, que passa
a ter a propriedade legítima.

Se usucapião especial de imóvel urbano que é individual, é uma novidade, muito


maior novidade será o usucapião especial coletivo, que não existia no
Ordenamento Jurídico brasileiro, está previsto no Art.10, EC. Não tem um nome
especificamente, mas temos que dizer que é usucapião especial coletivo, o outro
é usucapião especial individual, do cara que tem uma área de até 250 m².

O fato gerador do usucapião coletivo pressupõe sempre um grupamento de pessoas.


Esse usucapião especial coletivo é um dos remédios, se for bem aplicado, de
regularização dessas comunidades, favelas. E sabe por que foi criada norma
visando a esses grupos sociais? Porque o fato de a área ter que ser superior a
250 m², é óbvio, para ter muita gente, a área tem que ser maior. Tem que ter 5
anos, tem que ter processo de baixa renda, mas aqui há um detalhe: onde não for
possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. Quem conhece
favela, já entrou, sabe que não há identificação de nada, que as pessoas, na
verdade, não fazem pré-alinhamento às suas construções, elas vão fazendo
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 17
de José dos Santos Carvalho Filho

aditamentos desordenados. O quarto do vizinho tem ½ m para a cozinha do outro


vizinho, vc sente o cheiro do feijão do vizinho. Não há um ordenamento prévio.

Aluno: Isso não seria uma brecha para o Poder Público continuar inerte na
organização desse espaço, já que esse espaço cresceu de uma forma desordenada,
em que não há uma marcação de cada território dos possuidores, então, não seria
uma forma de o Poder Público não organizar aquele espaço, e conseguir um título
coletivo, ou seja, todos são possuidores desse terreno, e vcs que se virem para
se organizar nele?

Carvalhinho: O M não poderia, de ofício, alterar o dimensionamento daquelas


áreas, Todo mundo sabe que quando já está montada a comunidade, o Poder Público
não consegue tirar. Então, o que eu acho é o seguinte: não vou dizer que foi o
M; o proprietário dessa área, que eu não sei quem é, é que foi inerte. O M foi
inerte no que toca às construções, está certo, mas o proprietário do terreno é
que foi inerte, porque permitiu que a sua área fosse ocupada. Então, se instala
um verdadeiro problema social, aí tem o M, tem o proprietário e tem a
comunidade. O que o EC pretendeu foi isso, não vou dizer para vc que é uma
solução fantástica, até porque não vai ser fácil a sua implementação. Mas é uma
chance que se abre para algumas comunidades – tem umas que não vão se organizar
nunca, mas há outras que já possuem uma certa organização, eu já tomei
conhecimento disso.

E aí, o que acontece? A questão é interessante é porque como não há meios


de se identificar os quinhões de cada possuidor. Quando a ação for julgada, se
for procedente, o juiz vai ter que, na sentença, declarar uma fração ideal,
igual para todos os condôminos. Só muda se houver acordo escrito entre os
condôminos. Uma situação interessante: irá se formar um condomínio indiviso, com
frações iguais, porque não há como vc dimensionar as frações diferentemente.

Aluno: Em um caso como esse, vamos supor que essa comunidade tenha prejuízo, uma
área muito grande, que esteja sendo ocupada, é uma grande favela. Só que as
condições de moradia realmente estão muito aquém de um mínimo de decência e, por
isso, o M resolve intervir para urbanizar, fazer um programa como o favela-
bairro, que significa: passar uma motoniveladora, derrubar absolutamente tudo,
fazer arruamento, construir casas. O M precisaria então fazer? Como é que o M
poderia fazer isso? Teria que fazer uma desapropriação, para que ele adquirisse
e fizesse o loteamento urbano e depois faria concessão de direito real de uso.
Se eu tenho uma desapropriação coletiva (pressupondo que a comunidade tenha
referido título coletivo de domínio) neste caso, como é que ela se opera, quem é
réu nessa desapropriação coletiva, como é que isso funcionaria?

Carvalhinho: Se o M pretender fazer isso, ele pode fazer, só que aí não estará
adotando a idéia do usucapião especial urbano. Há dois caminhos: ou ele deixa a
sociedade se organizar, e ele vai criar a infra-estrutura, como conseqüência da
regularização fundiária, que a sociedade organizada, já proprietária, tem
condições de melhor exigir, de pressão, melhor do que a de posseiros; ou então,
como vc disse, se passar motoniveladora e tirar para fazer casas novas, a
matéria é de desapropriação urbanística não sancionatória.

Aluno: E se houver conflito, vamos dizer que exista uma ação de usucapião
especial coletivo já em curso, ou, eventualmente, até julgada, e o M resolve
fazer dessa maneira, como é que se dá essa desapropriação, tem que fazer contra
todo mundo, quem é réu nessa ação?

Carvalhinho: Vai prevalecer o M, este vai entrar com a ação e certamente a


moverá contra os proprietários atuais (e não os futuros, que poderão ser os
atuais posseiros/possuidores). Vc não disse que estava em curso a ação de
usucapião especial coletivo? Então é porque ainda não foi definida a propriedade
em relação aos atuais posseiros, o M vai entrar com a desapropriação em face dos
proprietários que constarem do RGI. Se for o caso, citar-se-ão os interessados
para figurar no processo. Mas a hipótese é a de um conflito entre intenção
18 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho

municipal e a intenção da comunidade. Será a imposição da força sobre o sentido


social. Essa é a solução que tem sido sempre adotada, vertical, essa é
agressiva. No EC, a solução não é agressiva, nele, a idéia é a de que a infra-
estrutura a ser dada pelo M seja conseqüência da regularização fundiária e não
eu 1.º demolir, para depois regularizar, pq aí quando o pessoal pobre sair, irão
lá para a Vila Kennedy. Quer dizer, vc vai, como sempre atender, à elite. Mas
essa não é finalidade do EC não, sua mens legis é promover a justiça social.

Às partes legítimas, por isso é que a lei deu legitimação concorrente. Ao


possuidor, isoladamente, ou em litisconsórcio, porque pode ser um conjunto e até
à associação de moradores, que figurará como substituta processual. É uma coisa,
vamos dizer assim, que tem chance jurídica, uma esperança, se a sociedade
organizar. É difícil, mas é melhor ter a norma prevista do que não ter.

Na ação de usucapião especial urbano, é obrigatória a intervenção do MP,


uma das formas de usucapião que mostra que a figura do MP ali é obrigatoriamente
necessária, em função da natureza da lide, da qualidade das partes, como fiscal
da lei.

Houve uma história, uma discussão célebre, a respeito de o usucapião poder


ser alegado como matéria de defesa. Para evitar esse tric-tric jurídico (resolve
mais abstração; de caso concreto, não resolve nada), o EC diz assim: ´o
usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocado como matéria de defesa´.
Em que tipo de ação? Só na ação reivindicatória, em que o autor formula a
pretensão reivindicatória contra mim, e eu, o possuidor, preenchendo os
requisitos de propriedade (usucapião), suscito em preliminar que eu usucapi
(art. 13, L. 10257/2001) o imóvel objeto da reivindicatória. Já reparou como é
uma verdadeira reconvenção? Ou seja, uma pretensão reivindicatória, da qual eu
me defendo com um ataque, pois eu formulo uma pretensão declaratória de
propriedade, que é a do usucapião. Até sob o aspecto processual é uma questão
muito interessante.

Aluno: Não há uma discussão sobre a coisa julgada nesse usucapião especial
coletivo? Se qualquer um dos ocupantes da área é legitimado para propor a ação e
pode ser até alegada como matéria de defesa, se houver coisa julgada contra o
usucapião, haveria alguma regra especial?

Carvalhinho: Se houver coisa julgada contra o formulador da pretensão de


usucapião, é porque o juiz reconheceu que o possuidor não tem condições de
adqüirir a propriedade. Valerá a coisa julgada.

Aluno: Valerá a coisa julgada para toda a coletividade?

Carvalhinho: Não necessariamente, porque eu posso ser composseiro e preencher as


condições e o meu vizinho não ser, por não utilizar para fins de moradia. Então,
até no usucapião coletivo, há autores que podem ter a pretensão declaratória da
propriedade reconhecida e outros não.

O EC previu também o direito de superfície, que depois veio a ser


contemplado também no novo Código Civil. É uma situação interessante o direito
de superfície, porque ele representa o desmembramento da propriedade. Todo mundo
está cansado de saber que o NCC aboliu o instituto da enfiteuse, resguardando os
anteriores, óbvio. E se vc um dia tiver o cuidado de ler a disciplina normativa
da enfiteuse, no antigo CC e a atual disciplina do direito de superfície, no NCC
e no Estatuto da Cidade, o que vc vai ver? Que, em ambas, o fato gerador é o
desmembramento da propriedade, isto é, existe o proprietário e existe o que a
lei chamou de superficiário, que correspondia ao antigo enfiteuta. É a pessoa
que, efetivamente, vai usar o imóvel. O direito de superfície só incide sobre
bens imóveis. Superficiário é o que tem o ´domínio útil`, é o que tinha um
enfiteuta. Lembra que o proprietário era chamado titular de uma propriedade nua,
porque era uma propriedade abstrata? O domínio útil era do enfiteuta. No direito
de superfície, quem tem o domínio útil é o superficiário.
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 19
de José dos Santos Carvalho Filho

O superficiário pode ter esse domínio útil por prazo determinado ou


indeterminado, quer dizer, é uma enfiteuse com alguma modernidade. Ele pode ser
instituído de uma forma gratuita ou remunerada, ou seja, é uma contratualização
bilateral entre proprietário e superficiário, que dá essa possibilidade de
escolha de como ajustar o desmembramento da propriedade. Os encargos e tributos
ficam com o superficiário, é óbvio, ele que, realmente, é o titular do domínio
útil. A transferência do direito de superfície só pode ser feita mediante o que
ficar ajustado entre proprietário e superficiário, claro. E tanto aqui, como
ocorria com a enfiteuse, vai ocorrer aquela situação chamada de consolidação da
propriedade. Sabe o que é a consolidação? O superficiário compra, adqüire o
direito do proprietário ou o proprietário, de alguma forma, compra o direito do
superficiário, deu para entender? Isto é, o proprietário abstrato pode vir a ser
de novo o proprietário consolidado, integral; o superficiário, que não era, nem
nunca foi proprietário, pode vir a ser proprietário, se ele consolidar a
propriedade, com o pagamento, por exemplo, ao titular do domínio.

Como sempre, aqui a lei não disse, mas vc pensa nisso porque é uma coisa
interessante: a lei não disse claramente que tipo de direito é esse, poderia ser
real ou pessoal, por esse tipo..., não sei se é mais comodato... Aliás, comodato
e enfiteuse são iguaizinhos, só muda a natureza, é claro, o cerne. Porém, apesar
de o EC não dizer, o direito de superfície aqui é real, até pq no NCC ele está
relacionado como direito real. Portanto, o direito de superfície é oponível
contra terceiros e, tanto é, que tem que ser feito mediante escritura pública
(solenidade especial), bem como ser registrado no RGI.

Isso tudo, se vc numa hora tiver tempo, e vc vir, lá no finalzinho do EC (eu


sugeri para vc, pq eu coloquei na linha), vc vai ver que, por causa do EC,
quantas alterações foram feitas na Lei de Registros Públicos (Lei 6015/73),
várias inserções de registros e averbações foram colocadas, por força de novos
institutos.

Aluna: A única diferença do direito de superfície do NCC para o direito de


superfície do EC é que o Código regula imóveis rurais e o EC regula imóveis
urbanos?

Carvalhinho: A única interpretação cabível é a seguinte: como este direito de


superfície é voltado para fins urbanísticos, eu vou ter que admitir que todas as
contratações de direito de superfície que não tenham finalidades urbanísticas,
sejam elas urbanas ou rurais, serão reguladas pelo NCC. Aquela regra de que a
lei geral não revoga a lei especial e nem a lei especial revoga a geral.

Aluna: Outra diferença que eu poderia dizer tb é que no NCC o direito de


superfície é sempre por tempo determinado.

Carvalhinho: Isso aí é porque o projeto do NCC tem 20 anos e o EC..., então,


ficaram essas pequenas arestas. Mas o cerne é o mesmo, é o desmembramento da
propriedade, é verdade, há só uma diferençazinha ou outra.

Esse outro instituto nunca houve no direito brasileiro, é o direito de


preempção. Em que ele consiste, para vc ver a idéia dele. Para mim é um fator
interessante. Não sei se o M vai, só mesmo os Municípios mais desenvolvidos é
que poderão elaborar um planejamento municipal assim. Aliás, eles chamam aqui,
de direito de preempção no Estatuto, nos arts. 25 ao 27. Esse instituto é
curioso. Nós sempre conhecemos o direito de preempção, que é mais conhecido como
direito de preferência. São sinônimos: preempção, preferência ou prelação. O
legislador preferiu denominar de direito de preempção, que é o direito de
preferência.

Como é que a gente conhece o direito de preferência no NCC? Como pacto


adjeto aos contratos bilaterais, em que uma das partes se compromete a dar, de
alguma forma, à outra, preferência em relação a uma venda, a um determinado
20 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho

direito sobre um bem. Esse é o direito de preferência lá. Vc sabe que o direito
de preferência lá está situado no livro do direito das obrigações. Portanto, o
direito de preferência do NCC é um direito pessoal, se não for cumprido pelo
devedor, ao credor só restam direitos indenizatórios. Não há direito de
persecução, seqüela.

Esse daqui do EC é interessante, pq 1.º, o titular do direito de preempção


– evidentemente, havendo plano diretor, lei específica – por lei, é o próprio M,
ele se outorga pela lei o direito de preempção, no que toca à aquisição de
alguns imóveis que ele indicar, que o plano diretor ou a lei municipal
específica mencionarem. Em última análise, claro que o M não fará isso, senão
para os fins que a lei estabelece, sempre fins urbanísticos. Interessa que se o
M cumpre esses fins e institui o direito de preempção, o que o mesmo vai fazer?
Ele chega para o proprietário e diz o seguinte: eu tenho a titularidade do
direito de preempção, então vcs dois (dois imóveis), se forem vender os seus
imóveis, terão que dar preferência para mim. Então, é uma relação tríplice, é
diferente do direito privado, cuja relação é entre devedor e credor. Aqui no EC,
tem o M, tem o titular da propriedade e tem o terceiro interessado. Então, o que
o titular do domínio tem que fazer? Se pretender alienar, deverá colher a
proposta do interessado na aquisição, ele já sabe que o M tem preferência, e
levar ao M a proposta, no prazo que a lei estabelece aqui, 30 dias. Se o M
exercer, assumir o seu direito de preempção, irá adquirir o bem pelas mesmas
condições previstas na proposta do interessado. Se o M se mantiver inerte, o
proprietário está livre para vender ao interessado, haverá um contrato de compra
e venda normalmente entre o proprietário e o interessado e a única coisa que a
lei exige é que, o contrato, para não ser nulo, seja firmado nas mesmas
condições da proposta. Isso é óbvio.

O fator interessante do direito de preempção é que ele tem que durar 5


anos e só pode ser renovado depois de 1 ano, após ter sido exercido. Usou-se
aqui um sistema muito parecido com o dos decretos expropriatórios, vc expede o
decreto expropriatório por 5 anos, se vc não ajuiza a ação expropriatória, fica
um ano sem decretar, que é o castigo, mas depois vc pode tornar a decretar e vai
vigorar por 5 anos. Aqui a idéia foi a mesma, o direito de preempção não caduca
absolutamente, caduca sim, relativamente, temporariamente, a idéia básica é
essa.

Uma outra forma de instrumentalizar a política urbana é o que se chama


aqui de outorga onerosa do direito de construir. Aliás. o título dessa seção diz
menos do que a disciplina, porque ele trata de duas coisas: da outorga onerosa
do direito de construir e, mais adiante, ele trata da outorga onerosa de
alteração de uso. São duas coisas, uma coisa é a outorga onerosa do direito de
construir, quer dizer, ele não tem construção ainda; outra coisa é alterar o
uso, quer dizer, já existe construção, eu quero mudar o uso. São coisas
diferentes e essa seção do EC trata destas duas coisas.Veja só: isso aqui, é
evidente, demandaria uma análise muito profunda, mas eu quero deixar para vc,
pelo menos, uma base.

Esse instituto inovou no direito brasileiro uma situação na propriedade


que alguns juristas de São Paulo, desde a década de 60, vinham pregando, mas
nunca o direito brasileiro acolheu inteiramente. Vc já deve ter ouvido falar no
instituto do solo criado. Esse instituto da outorga onerosa do direito de
construir nada mais é do que a instituição do chamado solo criado.

A gente sempre estudou que o direito de construir é um corolário natural


do direito de propriedade, art. 572 do antigo CC. É uma acessão, é uma aquisição
por acessão, onde se incorpora a propriedade. Tem uma doutrina que continua a
dizer que o direito de construir não pode ser apartado do direito de
propriedade. O que o EC fez? Adotar exatamente o desmembramento entre o direito
de construir e o direito de propriedade. Isso nesse ponto é bom ou ruim para o
proprietário? Muitas vezes vai ser pior do que se não houvesse o desmembramento.
A lei fala em outorga onerosa do direito de construir, só que eu não tenho por
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 21
de José dos Santos Carvalho Filho

que pagar um direito de construir, deu para entender? Eu não pago para exercer o
meu direito de construir, eu pago a taxa de polícia, mas aí é outro papo. Aqui
não: é o direito sendo objeto de pagamento.

Olha o que a Lei 10257/01 diz: ´o plano diretor poderá fixar áreas, nas quais o
direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento
básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário´. O que
se estuda em direito urbanístico sobre solo criado? No desmembramento da
propriedade, pode o M instituir o que ele chamou de coeficiente de
aproveitamento básico, que é um índice abstrato que regula a relação entre a
edificação e a área do imóvel. Se o M estabelecer em determinada área que o
coeficiente de aproveitamento básico tenha índice 1, porque este é o único que
admite o chamado solo natural. Todos os solos levantados sobre o solo natural
são solos criados. Os condomínios de patamares verticais são solos criados em
relação. Os prédios onde haja uma utilização superior, para pouso de
helicóptero, tb é um solo criado. Um imóvel que tenha galpões para
garagens/depósitos, acima de coeficiente básico do solo natural é solo criado.

Como é a idéia do legislador, em relação à outorga onerosa? É a de que se ele


fixar um índice para determinada área (e aqui os autores dizem que se tem que
utilizar isso com muita razoabilidade), um coeficiente de aproveitamento básico
para determinada área, toda vez que vc quiser construir acima desse coeficiente,
vc tem que pagar pelo direito de construir. Aí não é pagar a taxa de polícia
não, é pagar pelo direito de construir. Esse pagar é o que a lei chamou de
contrapartida. Estou dizendo pagar, pq é a forma mais comum que o M adota. Mas
nada impede a lei de admitir que o particular faça doação de áreas no mesmo
valor. O que importa é que é oneroso o direito de construir. O EC, quando cria a
outorga onerosa, está permitindo que acima do solo natural todo direito de
construir (fazer solo criado) seja remunerado.

E mais adiante, quando o EC admite a alteração do uso do solo? Alteração do uso


do imóvel. E mais adiante ainda, a chamada transferência do direito de
construir, em que o EC está ratificando a idéia do coeficiente de aproveitamento
básico. Há um autor no RJ, da UERJ, meu amigo especial e um grande jurista,
chamado Ricardo César Pereira Lyra, que é um dos especialistas dessa doutrina.
Também traz todos os ensinamentos da legislação urbanística, estrangeira,
mostrando o sistema de funcionamento do solo criado.

É claro que, da mesma forma que nos anteriores instrumentos, o M tem que ter o
plano diretor, fixar áreas, quer dizer, o M não pode chegar assim e ir logo
implantando, não é bem assim. Mas ele pode começar a cobrar pelo exercício do
direito de construir, aqui, não sei como, se o interessado vai achar que está
caro demais... Os efeitos eu não sei como vão ser produzidos, mas que a lei
admitiu o desmembramento do direito de construir em relação ao direito de
propriedade, eu não tenho dúvidas.

Pedro: Esse coeficiente deve ser fixado pelo plano diretor?

Carvalhinho: A área deve ser indicada pelo plano diretor, mas é a lei municipal
específica que vai indicar qual é o coeficiente básico. E aí pode-se tomar em
consideração o que hoje a gente conhece, o zoneamento. Os zoneamentos: nós temos
áreas em que a construção pode ser mais elevada do que em outras áreas, nós
temos a fixação dos gabaritos de prédios, só que com a diferença de que, quando
o cara constrói hoje, ele observa os gabaritos gerais, ele não está pagando pelo
solo criado. Porém, se o M estabelecer que o coeficiente seja um e que o limite
seja de 10 patamar de solo criado, eu vou pagar pelo direito de construir, seja
para construir mais três pavimentos, como para construir mais cinco pavimentos,
ou como para construir o limite de dez pavimentos. Estarei pagando pelo solo
criado.
22 Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade
de José dos Santos Carvalho Filho

Aluno: O plano diretor é o grande balizador para a aplicação dessa lei, né? É
parte da obrigação do M. O que eu questiono é o seguinte...(terminou o lado A da
2.ª fita).

Carvalhinho: Isso é uma coisa interessante. A CR não disse, falou apenas que o
plano diretor é obrigatório para as cidades com mais de 20000 habitantes, é a
única obrigação que a CR disse, porém, não disse quando é que os M têm que fazer
o plano diretor, até porque, quando o EC foi publicado, a CR já tinha 15 anos.
Aí, sua pergunta é interessante, porque, nas disposições gerais a lei disse
assim, lá no finalzinho do art.50: ´Os Municípios que não têm o plano diretor
aprovado na data de entrada em vigor desta lei (isso aqui foi em julho de 2001,
portanto, vai fazer 3 anos) deverão aprová-lo no prazo de 5 nos. Então, o prazo
vai se extinguir em julho de 2006, até aí, sem problemas.

Eu quero saber o seguinte: Poderá a lei federal estabelecer prazo para o M


cumprir uma obrigação que depende do seu interesse local? Não, a não ser que a
CR tenha criado essa obrigação. Na CR existem n normas coercitivas sem prazo,
tanto é que geram ações de inconstitucionalidade por omissão, mandados de
injunção, etc. Agora, fica a seguinte dúvida: pode a lei federal estabelecer
para os M uma obrigação que a CR não contemplou? Se a lei dissesse que todos os
Municípios com mais de 20000 habitantes têm que fazer o plano diretor, estaria
nada mais fazendo do que repetir a obrigação da CR. Mas será lícito? Eu, na
minha cabeça, acho que é inconstitucional, eu estou defendendo a
inconstitucionalidade (L.10257/01 prever obrigação para os M, sem limitar de
acordo com o n.º de habitantes – plano diretor, que depende do seu interesse
local – não contemplada desta forma pela CR).

A minha dúvida é a seguinte: nós estamos em 2004, a minha dúvida é em julho de


2006, quando uma cassetada de M continuar sem o plano diretor, eu quero ver quem
vai, qual o instrumento jurídico que vai ser imposto para que o M cumpra essa
obrigação de fazer, que não tem amparo constitucional. Essa é a minha opinião.
Deveria fazer, mas obrigatoriamente...Até porque, na minha cabeça, fere a
autonomia do M, quando a CR cria regras de imposição, é para todo mundo, não tem
jeito. Mas a União não tem competência para estabelecer prazo de ação para o M,
não foi autorizada a isso pela CR. Eu acho essa previsão se deu em razão do afã
do legislador federal de ver o EC implementado de forma efetiva (realmente, se
vc não criar o plano diretor, não tem como implementar o EC, mas nem por isso
nós vamos criar obrigações indevidas).

Aluna: Como é que está no MRJ? Já tem alguma coisa.

Carvalhinho: Plano diretor formal tem o que já existia antes. Nós temos um
conjunto de leis (Código de Obras, compilações, tem, assim, plano urbanístico do
Leblon, aqui se faz muito isso). Aqui a situação urbanística está sendo
setorizada, na Barra, por exemplo, há o plano Lúcio Costa. O plano diretor tem
que abranger a extensão do seu território porque ele é um planejamento futuro.
Vc não pode fazer um planejamento futuro, tratando só, por exemplo, do Flamengo,
de Cascadura, da Barra da Tijuca.

Aluna: Então não tem nada em andamento?

Carvalhinho: Eu não vou te afirmar se tem em andamento, eu realmente não sei,


não procurei saber. Para estar em andamento, teria que ser um projeto de lei,
porque o plano diretor tem que ser aprovado por lei formal. Então, eu te
confesso: eu não sei, pode até estar tramitando um projeto, eu não o conheço.

Aluno: Se a gente entender que o plano diretor tem que ser único, no MSP, por
exemplo, isso seria absolutamente inviável. Vc conseguir fazer todas as
discussões para um mundo, que tem a população maior do que boa parte dos países
que fazem parte da ONU. Vc poderia ter alterações ao longo do tempo, vc pode ter
para cada setor da cidade, até, por exemplo, no MRJ, que eu conheço melhor do
que SP, em que há áreas de expansão, como a antiga Zona Rural do Rio, Vargem
Transcrição da Palestra sobre o Estatuto da Cidade 23
de José dos Santos Carvalho Filho

Grande, Vargem Pequena, que têm suas peculiaridades, vc pode ter um plano
diretor específico para essas áreas.

Carvalhinho: Vou te falar como os autores têm enfocado, mas eu respeito a sua
opinião. Os autores têm dito que o plano diretor tem que tratar do M em sua
globalidade, por isso a CR usou a expressão ´plano diretor´, no singular. Plano
diretor é instrumento básico, quer dizer, não são planos diretores como
instrumentos básicos. A mim parece que seria muito mais fácil fazer um plano
diretor para o M de Novo Horizonte, Tocantis. Mas, da forma como é tratada a
questão, me parece que o plano diretor tem que ter um aspecto globalizado. Essa
é a idéia da CR, pelo menos os autores têm dito isso.

Aluno: A outorga onerosa permite uma construção acima do gabarito estabelecido?

Carvalhinho: Há dois gabaritos. Tem o gabarito que é o coeficiente, que pode ser
o índice 1 (se for esse índice, é porque o solo natural é o considerado 1
pavimento, vamos colocar assim). Mas ele pode dizer que, mesmo não sendo o
coeficiente 1, ninguém vai poder erigir solo criado além de 10 andares. Agora,
entre 2 e 10, seja qual for, eu tenho que pagar pelo direito de construir.

Aluno: A diferença entre a outorga onerosa do direito de construir e a permissão


para construir (licença) é que esta incide sobre propriedade pública, alguma
coisa desse tipo, e aquela, sobre propriedade privada?

Carvalhinho: Não, creio que não. Eu creio que, de qualquer maneira, o cara vai
ter que obter uma licença, que é um instrumento.

Aluno: A permissão para construir é a mesma coisa que a outorga onerosa do


direito de construir?

Carvalhinho: Não, veja só. Para construir, o instrumento correto para fazê-lo é
a licença, que é o ato administrativo oficial que permite as construções.
Permissão é um ato discricionário e precário, só que o direito de construir
nunca vai ser discricionário e precário. Pode ser pago. Então, vão ser licenças.
A única diferença é que quando eu for pedir uma licença para construir acima do
coeficiente de aproveitamento básico, eu vou ter que pagar não só a taxa de
polícia, pelo poder de polícia, como também vou ter que pagar pelo solo criado,
dependendo do que eu acrescentei ao solo natural. Essa é que foi a idéia do EC
em relação à outorga oneosa do direito de construir.

Gente, eu agradeço a atenção, desculpem a extensão do tempo. A gente se


encontra em outra oportunidade. Muito obrigado a vocês.

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