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Para mim...

...a poesia é o pensamento do poeta escrito com palavras que ganham outros
sentidos numa mancha gráfica harmónica.

Introdução

Esta minha antologia poética consiste nos poemas que escolhi conforme os
meus gostos, preferências e maneiras de ver as coisas.
Também coloquei uma frase da minha autoria para iniciar este trabalho, uma
letra de música, enfim, tentei diversificar o meu trabalho ao máximo.
Florbela Espanca
Filha de Antónia da Conceição Lobo, empregada de João Maria Espanca, que
não a reconheceu como filha. Porém com a morte de Antónia em 1908, João e
sua mulher Maria Espanca criaram a menina. O pai só reconheceria a
paternidade muitos anos após a morte de Florbela.
Em 1903 Florbela Espanca escreveu a primeira poesia de que temos
conhecimento, “A Vida e a Morte”. Casou-se no dia de seu aniversário em
1913, com Alberto Moutinho. Concluiu um curso de Letras em 1917,
inscrevendo-se a seguir para cursar Direito, sendo a primeira mulher a
frequentar este curso na Universidade de Lisboa.
Sofreu um aborto involuntário em 1919, ano em que publicaria o Livro de
Mágoas. É nessa época que Florbela começa a apresentar sintomas mais sérios
de desequilíbrio mental. Em 1921 separou-se de Alberto Moutinho, passando a
encarar o preconceito social decorrente disso. No ano seguinte casou-se pela
segunda vez, com António Guimarães.
O Livro de Soror Saudade é publicado em 1923. Florbela sofreu novo aborto, e
seu marido pediu o divórcio. Em 1925 casou-se pela terceira vez, com Mário
Lage. A morte do irmão, Apeles (num acidente de avião), abala-a gravemente
e inspira-a para a escrita de As Máscaras do Destino.
Tentou o suicídio por duas vezes em Outubro e Novembro de 1930, às
vésperas da publicação de sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o
diagnóstico de um edema pulmonar, suicida-se no dia do seu aniversário, 8 de
Dezembro de 1930, utilizando uma dose elevada de veronal. Charneca em Flor
viria a ser publicado em Janeiro de 1931.
Precursora do movimento feminista em Portugal, teve uma vida tumultuada,
inquieta, transformando os seus sofrimentos íntimos em poesia da mais alta
qualidade, carregada de erotização e feminilidade.
Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior


Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor


E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!


Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...


É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca
Amor que morre
O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...


E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver


São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso


Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!

Florbela Espanca

Se tu viesses
ver-me hoje à tardinha
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha


A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,


Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...


Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca

Tarde de mais...
Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E para o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...

Chegaste, enfim! Milagre de endoidar!


Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia de oiro dos desertos


Procurara-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu era nova e linda!...


E a minha boca morta grita ainda:
Porque chegaste tarde, ó meu Amor?!...

Florbela Espanca
A vida
É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo <<Pedro Sem>>,


Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...


Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.


A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!

Florbela Espanca
Saudades

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...


Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!


Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,


Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:


Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca
Alexandre O'Neill

Poeta português, descendente de irlandeses e nascido em Lisboa. Autodidacta,


fez os estudos liceais, frequentou a Escola Náutica (Curso de Pilotagem),
trabalhou na Previdência, no ramo dos seguros, nas bibliotecas itinerantes da
Fundação Gulbenkian, e foi técnico de publicidade. Durante algum tempo,
publicou uma crónica semanal no Diário de Lisboa.
Datam do ano de 1947 duas cartas de O'Neill que demonstram o seu interesse
pelo surrealismo, dizendo numa delas (de Outubro) possuir já os Manifestos de
Breton e a Histoire du Surrealisme de M. Nadeau. Por volta de 1948, fundou
com o poeta Cesariny, com José-Augusto França, António Pedro e Vespeira o
Grupo Surrealista de Lisboa. Com a saída de Cesariny, em Agosto de 1948, o
grupo cindiu-se em dois, dando origem ao Grupo Surrealista Dissidente.
Em 1949, tiveram lugar as principais manifestações do movimento surrealista
em Portugal, como a Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa (em Janeiro),
onde expôs Alexandre O'Neill, publicando A Ampola Miraculosa, constituída por
15 imagens sem qualquer ligação e respectivas legendas, sem que entre
imagem e legenda se estabelecesse um nexo lógico, o que torna altamente
irónico o subtítulo da obra, «romance», sendo considerada paradigmática do
surrealismo português. Também este grupo se dissolve poucos anos depois,
mas as influências surrealistas permanecem visíveis nas obras de Alexandre
O'Neill.
Este, não conseguindo viver apenas da sua arte, alargou a sua acção à
publicidade. Tem a autoria do lema publicitário Há mar e mar, há ir e voltar.
Publicou dois livros em prosa narrativa, As Andorinhas não Têm Restaurante
(1970) e Uma Coisa em Forma de Assim (1980, volume de crónicas), e as
Antologias Poéticas de Gomes Leal e de Teixeira de Pascoaes (em colaboração
com F. Cunha Leão), de Carl Sandburg e João Cabral de Melo Neto. Gravou o
disco «Alexandre O'Neill Diz Poemas de Sua Autoria». Em 1966, foi traduzido e
publicado na Itália, pela Editora Einaudi, um volume da sua poesia, Portogallo
Mio Rimorso. Recebeu, em 1982, o Prémio da Associação de Críticos Literários.
Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam


Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas


Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama


Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam


Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill
O amor
é o amor
O amor é o amor -e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...

O meu peito contra o teu peito,


cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos


sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois?-
espírito e calor!

O amor é o amor -e depois?!

Alexandre O'Neill
Cesário Verde

José Joaquim Cesário Verde (Lisboa, 25 de Fevereiro de 1855 — Lumiar, 19 de


Julho de 1886) foi um poeta português, natural de Caneças, Loures, oriundo de
uma família burguesa abastada. O pai era lavrador e comerciante. Foi por
essas duas actividades práticas, úteis, de acordo com a visão do mundo do
próprio Cesário Verde que se repartiu a vida do poeta. Paralelamente, ia
alimentando o seu gosto pela leitura e pela criação literária, embora longe dos
meios literários oficiais com que nunca se deu bem, o que o levou, por
exemplo, a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras de
Lisboa, que frequentou entre 1873 e 1874. Cesário Verde estreou-se, nessa
altura, colaborando nos jornais Diário de Notícias, Diário da Tarde, A Tribuna e
Renascença.
Em 1877 começou a dar sinais a tuberculose, doença que já lhe tirara o irmão
e a irmã. Estas mortes servem de inspiração a um de seus principais poemas,
“Nós” (1884). A doença que viria a vitimar igualmente o poeta, apesar das
várias tentativas de convalescença numa quinta no Lumiar. Só em 1887 foi
organizada, postumamente, por iniciativa do seu amigo Silva Pinto, uma
compilação dos seus poemas, a que deu o nome de O Livro de Cesário Verde
(à disposição do público em geral apenas em 1901). Dividida em duas secções,
Crise Romanesca e Naturais, o livro não seguiu qualquer critério cronológico de
elaboração ou de publicação. Entretanto, novas edições vieram acrescentar
alguns textos à obra conhecida do poeta e organizá-la segundo critérios mais
rigorosos.
Vaidosa
Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.

Contam que tens um modo altivo e sério,


Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério.

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,


a déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração como as estátuas.

E narram o cruel martirológio


Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.

Porém eu sei que tu, que como um ópio


Me matas, me desvairas e adormeces
És tão loira e doirada como as messes
E possuis muito amor... muito "amor próprio".

Cesário Verde
Eugénio de Andrade
Poeta português, nasceu em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia,
Fundão, no seio de uma família de camponeses. A sua infância foi passada com
a mãe, na sua aldeia natal. Mais tarde, prosseguindo os estudos, foi para
Castelo Branco, Lisboa e Coimbra, onde residiu entre 1939 e 1945. Em 1947
entrou para a Inspecção Administrativa dos Serviços Médico-Sociais, em
Lisboa. Em 1950 foi transferido para o Porto, onde fixou residência.

Abandonou a ideia de um curso de Filosofia para se dedicar à poesia e à


escrita, actividades pelas quais demonstrou desde cedo profundo interesse, a
partir da descoberta de trabalhos de Guerra Junqueiro e António Botto. Camilo
Pessanha constituiu outra forte influência do jovem poeta Eugénio de Andrade.
Embora não se integre em nenhum dos movimentos literários que lhe são
contemporâneos, não os ignorou, mostrando-se solidário com as suas
propostas teóricas e colaborando nas revistas a eles ligadas, como Cadernos
de Poesia; Vértice; Seara Nova; Sísifo; Gazeta Musical e de Todas as Artes;
Colóquio, Revista de Artes e Letras; O Tempo e o Modo e Cadernos de
Literatura, entre outras.

Foi galardoado com o Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de


Escritores, atribuído a O Outro Nome da Terra (1988), e com o Prémio de
Poesia Jean Malrieu, por Branco no Branco (1984). Recebeu ainda, em 1996, o
Prémio Europeu de Poesia. Foi criada, no Porto, uma fundação com o seu
nome.

Em 1996, recebeu o Prémio Europeu de Poesia da Comunidade de Varchatz


(Jugoslávia).
Em 1999 organizou a obra Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa.
Em Maio de 2000, recebeu o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa
de Escritores, entregue pelo Presidente da República. O prémio distingue todo
o percurso e toda a obra do escritor. Também recebeu, no mesmo ano, o
Prémio Extremadura de criação literária e o Prémio Celso Emilio Ferreiro, para
autores ibéricos.
Em Fevereiro de 2001, Eugénio de Andrade recebeu o Prémio Celso Emilio
Ferreiro, na Galiza. Em Maio, Eugénio de Andrade foi homenageado no
Carrefour des Littératures, em França. Em Julho, foi atribuído ao poeta o
Prémio Camões, que se mostrou satisfeito, quer pelo prestígio do galardão,
quer por ver o seu nome associado ao de Luís de Camões.
Em Setembro de 2003 a sua obra "Os sulcos da sede" foi distinguida com o
prémio de poesia do Pen Clube. Faleceu a 13 de Junho de 2005, no Porto, após
uma doença neurológica prolongada.
Urgentemente
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,


ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,


multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz


impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade
Ruy Belo
Ruy Belo nasceu em S. João da Ribeira, pequena aldeia do concelho de Rio
Maior, em 1933. Foi aluno do liceu de Santarém e cursou Direito, primeiro na
Universidade de Coimbra, depois na Universidade de Lisboa, onde se diplomou
em 1956. De partida para Roma, doutorou-se em Direito Canónico na
Universidade de S. Tomás de Aquino. Em Lisboa, viria a frequentar também a
Faculdade de Letras, terminando em 1967 a licenciatura em Filologia
Românica. Além de actividade no domínio editorial, Ruy Belo foi também
professor. Leitor na Universidade de Madrid desde 1971, regressou ao país em
1977, vindo a falecer de modo súbito no ano seguinte.

Nome de destaque na poesia portuguesa contemporânea, exerceu igualmente


intensa actividade de ensaísta e crítico literário. Da sua obra poética fazem
parte Aquele Grande Rio Eufrates (1961), Boca Bilingue (1966), Despeço-me
da Terra da Alegria (1977).

A Obra Poética de Ruy Belo encontra-se reunida em dois volumes publicados


pela Editorial Presença, com organização e comentários de Joaquim Manuel
Magalhães. Os livros do poeta estão a ser reeditados pela mesma editora. Um
volume único com toda a obra poética, significativamente intitulado “Todos os
Poemas”, foi ainda recentemente dado à estampa pelo Círculo de Leitores
(2000) e pela Assírio & Alvim (2001).
E TUDO ERA POSSÍVEL

Na minha juventude antes de ter saído


da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido


o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida


e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança


entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Ruy Belo, Homem de Palavra [s]


Lisboa, Editorial Presença, 1999 (5ª ed.)
Ruy Belo
Luís de Camões

Poeta português. As informações sobre a sua biografia são relativamente


escassas e pouco seguras, apoiando-se num número limitado de documentos e
breves referências dos seus contemporâneos. A própria data do seu
nascimento, assim como o local, é incerta, tendo sido deduzida a partir de uma
Carta de Perdão real de 1553. A sua família teria ascendência galega, embora
se tenha fixado em Portugal séculos antes. Pensa-se que estudou em Coimbra,
mas não se conserva qualquer registo seu nos arquivos universitários.

Serviu como soldado em Ceuta, por volta de 1549-1551, aí perdendo um olho.


Em 1552, de regresso a Lisboa, esteve preso durante oito meses por ter ferido,
numa rixa, Gonçalo Borges, um funcionário da corte. Data do ano seguinte a
referida Carta de Perdão, ligada a essa ocorrência. Nesse mesmo ano, seguiu
para a Índia. Nos anos seguintes, serviu no Oriente, ora como soldado, ora
como funcionário, pensando-se que esteve mesmo em território chinês, onde
teria exercido o cargo de Provedor dos Defuntos e Ausentes, a partir de 1558.
Em 1560 estava de novo em Goa, convivendo com algumas das figuras
importantes do seu tempo (como o vice-rei D. Francisco Coutinho ou Garcia de
Orta). Em 1569 iniciou o regresso a Lisboa. No ano seguinte, o historiador
Diogo do Couto, amigo do poeta, encontrou-o em Moçambique, onde vivia na
penúria. Juntamente com outros antigos companheiros, conseguiu o seu
regresso a Portugal, onde desembarcou em 1570. Dois anos depois, D.
Sebastião concedeu-lhe uma tença, recompensando os seus serviços no
Oriente e o poema épico que entretanto publicara, Os Lusíadas. Camões
morreu a 10 de Junho de 1580, ao que se diz, na miséria.
Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;


É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões
Endechas a Bárbara escrava
Aquela cativa,
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
que em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,


nem no céu estrelas,
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

üa graça viva
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão
que o siso acompanha:
bem parece estranha,
mas bárbara não.

Presença serena
que a tormenta amansa:
nela enfim descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo,

e, pois nela vivo,


é força que viva.
Luís de Camões
Descalça vai para a fonte

Descalça vai para a fonte


Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,


O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,


Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.

Luís de Camões (c. 1524-1580)


Mário de Sá-Carneiro

Nasceu no seio de uma abastada família alto-burguesa, sendo filho e neto de


militares. Órfão de mãe com apenas dois anos (1892), ficou entregue ao
cuidado dos avós, indo viver para a Quinta da Vitória, na freguesia de
Camarate, às portas de Lisboa, aí passando grande parte da infância.
Inicia-se na poesia com doze anos, sendo que aos quinze já traduzia Victor
Hugo, e com dezasseis, Goethe e Schiller. No liceu teve ainda algumas
experiências episódicas como actor, e começa a escrever.
Em 1911, com dezanove anos, vai para Coimbra, onde se matricula na
Faculdade de Direito, mas não conclui sequer o ano. Aí, contudo, viria a
conhecer aquele que foi, sem dúvida, o seu melhor e mais compreensivo
amigo – Fernando Pessoa –, o qual, em 1912, o introduziu no ciclo dos
modernistas.

Seguiu para Paris, com o objectivo de estudar Direito na Sorbonne. Na capital


francesa dedicou-se sobretudo à vida de boémia dos cafés e salas de
espectáculo, onde conviveu com Santa-Rita Pintor e escreveu, de parceria com
António Ponce de Leão, em 1913, a peça Alma. Em 1914, publicou A Confissão
de Lúcio (novela) e Dispersão (poesia). No ano seguinte, durante uma
passagem por Lisboa, começou, conjuntamente com os seus amigos, em
especial Fernando Pessoa, a projectar a revista literária que se viria a publicar
com o nome de Orpheu. Nesse mesmo ano, o pai partiu para a então cidade de
Lourenço Marques e Sá-Carneiro voltou para Paris, regressando novamente a
Portugal, com passagem por Barcelona, após a declaração da guerra.
Em Abril de 1915 publicou Céu em Fogo. Em Julho desse ano saiu o Orpheu 2
e, pouco depois, Sá-Carneiro regressou a Paris. Agravaram-se, por esta altura,
as crises sentimentais e financeiras do poeta. Sá-Carneiro suicidou-se, com
vários frascos de estricnina, a 26 de Abril de 1916, num Hotel de Nice, suicídio
esse descrito por José Araújo, que Mário Sá-Carneiro chamara para
testemunhar a sua morte. Deixou a Fernando Pessoa a indicação de publicar a
obra que dele houvesse, onde, quando e como melhor lhe parecesse.
O amor
MOTE

Amor é chama que mata,


Sorriso que desfalece,
Madeixa que desata,
Perfume que esvaece.

(popular)

GLOSAS

Amor é chama que mata,


Dizem todos com razão,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor é um sorriso
Sorriso que desfalece.

Madeixa que se desata


Denominam-no também.
O amor não é um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor é um perfume
Perfume que se esvaece.

Mário de Sá-Carneiro
Vinicius de Moraes

Filho de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes (funcionário da Prefeitura, poeta e


violonista amador) e Lidia Cruz de Moraes (pianista amadora), Vinicius de
Moraes nasceu em 1913 no bairro da Gávea, na então capital brasileira, em
1916 mudou-se com a família para Botafogo, onde estudou na Escola Primária
Afrânio Peixoto - onde escreveu seus primeiros versos. Em 1922, a família de
Vinicius mudou-se para a Ilha do Governador, mas ele permaneceu com a avó,
a fim de terminar o curso primário. Em finais de semana durante os períodos
de férias, os pais de Vinicius costumavam receber em casa a presença de
Henrique de Melo Moraes, tio de Vinicius, e do compositor Bororó.
Vinicius de Moraes ingressou no Colégio Santo Inácio em 1924, onde passou a
cantar no coro e começou a montar pequenas peças de teatro. Três anos
depois, tornou-se amigo dos irmãos Paulo e Haroldo Tapajós, com quem
começou a fazer as suas primeiras composições e a apresentar-se em festas
de amigos. Em 1929, concluiu o ginásio e sua família voltou a morar na Gávea.
Nesse mesmo ano, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Rio
de Janeiro, actual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), que até 1937 funcionou no Casarão do Catete. Na chamada
"Faculdade do Catete", conheceu e tornou-se amigo do romancista Octávio
Faria, que o incentivou na vocação literária. Vinicius de Moraes graduou-se em
Ciências Jurídicas e Sociais em 1933.
Três anos depois, obteve o emprego de censor cinematográfico junto ao
Ministério da Educação e Saúde. Dois anos depois, Vinicius de Moraes ganhou
uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas em
Oxford. Em 1941, retornou ao Brasil empregando-se como crítico de cinema no
jornal "A Manhã". Tornou-se também colaborador da revista "Clima" e
empregou-se no Instituto dos Bancários.
No ano seguinte, foi reprovado em seu primeiro concurso para o Itamaraty. No
ano seguinte, concorreu novamente e desta vez foi aprovado. Em 1946,
assumiu o primeiro posto diplomático como vice-cônsul em Los Angeles. Com a
morte do pai, em 1950, Vinicius de Moraes retornou ao Brasil. Nos anos 1950,
Vinicius actuou no campo diplomático em Paris e em Roma, onde costumava
realizar animados encontros na casa do escritor Sérgio Buarque de Holanda.
Além da carreira diplomática, de onde actuou até o final de 1968, Vinicius
começou a tornar-se prestigiado com sua peça de teatro "Orfeu da Conceição",
obra de 1954. Além da diplomacia, do teatro e dos livros, sua carreira musical
começou a deslanchar em meados da década de 1950 - época em que
conheceu Tom Jobim (um de seus grandes parceiros) -, quando diversas de
suas composições foram gravadas por inúmeros artistas. Na década seguinte,
Vinicius de Moraes viveu um período áureo na MPB, no qual foram gravadas
cerca de 60 composições de sua autoria. Foram firmadas parcerias com
compositores como Baden Powell, Carlos Lyra e Francis Hime.
Nos anos 1970, já consagrado e com um novo parceiro, o violonista Toquinho,
Vinicius seguiu lançando álbuns e livros de grande sucesso.
Vinicius torcia para o Botafogo.
A maior solidão é a do ser que não ama
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se
ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida
humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si


mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de
socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-
se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma
lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia
do mundo que o reflecte. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de
emoção, as que são o património de todos, e, encerrado em seu duro
privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.

Vinicius de Moraes
Reinaldo Ferreira
Poeta natural de Barcelona, filho do famoso jornalista com o mesmo nome,
que nos anos 20 se celebrizou por assinar as suas peças sob o pseudónimo
«Repórter X». Teve uma vida breve e pouco bafejada pela sorte. Iniciou os
estudos secundários em Espanha, tendo-os concluído já em Moçambique, onde
se fixou. Colaborou em algumas publicações de Maputo (a então cidade de
Lourenço Marques) e da Beira: Capricórnio, Itinerário, Paralelo 20, etc. A sua
poesia só ficou conhecida aquando da publicação póstuma dos seus Poemas
(1960). Uma segunda edição, de 1966, vinha acompanhada de um prefácio de
José Régio, que, tal como Vitorino Nemésio, lhe teceu largos elogios. A sua
poesia pode ser enquadrada na tendência presencista, encontrando-se também
elementos que a ligam ao simbolismo e ao decadentismo. Se nos seus poemas
imperam a ironia, o niilismo e o absurdo, existe por outro lado um forte pendor
humanista, visível na crítica a certos mitos.
Marta
Marta,
Protagonista da tragédia ideada
E que eu não fiz,
De esperara que eu a criasse,
No meu intuito adormeceu feliz.
Dormiam lá também o sono antigo
Ilda, Miguel,
A lírica Raquel,
E todos quantos
Acham não ser comigo.

Aromas só
E pó antes do pó.

Agora chamo-a em vão,


Como quem vê levar,
E não entende,
Um filho no caixão.
E absurdo, alta noite,
Invoco a que se esconde:
Marta! Marta! Onde estás?

Não sei se me ouve ou não.


Mas não responde.

Reinaldo Ferreira
Quem dorme à noite comigo?

Quem dorme à noite comigo?


É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem, desdigo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embala


Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

Que farei quando, deitado,


Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?

Gritar? Quem pode salvar-me


Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Reinaldo Ferreira
António Gedeão

Filho de um funcionário dos correios e telégrafos e de uma dona de casa,


Rómulo Vasco da Gama de Carvalho nasceu a 24 de Novembro de 1906 na
lisboeta freguesia da Sé. Aí cresceu, juntamente com as irmãs, numa casa
modesta da rua do Arco do Limoeiro (hoje rua Augusto Rosa), no seio de um
ambiente familiar tranquilo, profundamente marcado pela figura materna, cuja
influência foi decisiva para a sua vida.
Na verdade, a sua mãe, apesar de contar somente com a instrução primária,
tinha como grande paixão a literatura, sentimento que transmitiu ao filho
Rómulo, assim baptizado em honra do protagonista de um drama lido num
folhetim de jornal. Responsável por uma certa atmosfera literária que se vivia
em sua casa, é ela que, através dos livros comprados em fascículos, vendidos
semanalmente pelas casas, ou, mais tarde, requisitados nas livrarias Portugália
ou Morais, inicia o filho na arte das palavras. Desta forma Rómulo toma
contacto com os mestres - Camões, Eça, Camilo e Cesário Verde, o preferido -
e conhece As Mil e Uma Noites, obra que viria a considerar uma da suas
bíblias.
Criança precoce, aos 5 anos escreve os primeiros poemas e aos 10 decide
completar "Os Lusíadas" de Camões. No entanto, a par desta inclinação
flagrante para as letras, quando, ao entrar para o liceu Gil Vicente, toma pela
primeira vez contacto com as ciências, desperta nele um novo interesse, que
se vai intensificando com o passar dos anos e se torna predominante no seu
último ano de liceu.
Este factor será decisivo para a escolha do caminho a tomar no ano seguinte,
aquando da entrada na Universidade, pois, embora a literatura o tenha
acompanhado durante toda a sua vida, não se mostrava a melhor escolha para
quem, além de procurar estabilidade, era extremamente pragmático e se
sentia atraído pelas ciências justamente pelo seu lado experimental. Desta
forma, a escolha da área das ciências, apesar de não ter sido fácil, dá-se.
E assim, enquanto Rómulo de Carvalho estuda Ciências Fisico-Químicas na
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, as palavras ficam guardadas
para quando, mais tarde, surgir alguém que dará pelo nome de António
Gedeão.
Em 1932, um ano depois de se ter licenciado, forma-se em ciências
pedagógicas na faculdade de letras da cidade invicta, prenunciando assim qual
será a sua actividade principal daí para a frente e durante 40 anos - professor
e pedagogo.
Começando por estagiar no liceu Pedro Nunes e ensinar durante 14 anos no
liceu Camões, Rómulo de Carvalho é, depois, convidado a ir leccionar para o
liceu D. João III, em Coimbra, permanecendo aí até, passados oito anos,
regressar a Lisboa, convidado para professor metodólogo do grupo de Físico-
Químicas do liceu Pedro Nunes.
Exigente, comunicador por excelência, para Rómulo de Carvalho ensinar era
uma paixão. Tal como afirmava sem hesitar, ser Professor tem de ser uma
paixão - pode ser uma paixão fria mas tem de ser uma paixão. Uma dedicação.
E assim, além da colaboração como co-director da "Gazeta de Física" a partir
de 1946, concentra, durante muitos anos, os seus esforços no ensino,
dedicando-se, inclusive, à elaboração de compêndios escolares, inovadores
pelo grafismo e forma de abordar matérias tão complexas como a física e a
química. Dedicação estendida, a partir de 1952, à difusão científica a um nível
mais amplo através da colecção Ciência Para Gente Nova e muitos outros
títulos, entre os quais Física para o Povo, cujas edições acompanham os leigos
interessados pela ciência até meados da década de 1970. A divulgação
científica surge como puro prazer - agrada-lhe comunicar, por escrito e com
um carácter mais amplo, aquilo que, enquanto professor, comunicava pela
palavra.
A dedicação à ciência e à sua divulgação e história não fica por aqui, sendo
uma constante durante toda a sua a vida. De facto, Rómulo de Carvalho não
parou de trabalhar até ao fim dos seus dias, deixando, inclusive trabalhos
concluídos, mas por publicar, que por certo vêm engrandecer, ainda mais, a
sua extensa obra científica.
Apesar da intensa actividade científica, Rómulo de Carvalho não esquece a arte
das palavras e contínua, sempre, a escrever poesia. Porém, não a
considerando de qualidade e pensando que nunca será útil a ninguém, nunca
tenta publicá-la, preferindo destruí-la.
Só em 1956, após ter participado num concurso de poesia de que tomou
conhecimento no jornal, publica, aos 50 anos, o primeiro livro de poemas
Movimento Perpétuo. No entanto, o livro surge como tendo sido escrito por
outro, António Gedeão, e o professor de física e química, Rómulo de Carvalho,
permanece no anonimato a que se votou.
O livro é bem recebido pela crítica e António Gedeão continua a publicar
poesia, aventurando-se, anos mais tarde, no teatro e, depois, no ensaio e na
ficção.
Em 1990, já com 83 anos, Rómulo de Carvalho assume a direcção do Museu
Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, sete anos depois de se ter
tornado sócio correspondente da Academia de Ciências, função que
desempenhará até ao fim dos seus dias.
Quando completa 90 anos de idade, a sua vida é alvo de uma homenagem a
nível nacional. O professor, investigador, pedagogo e historiador da ciência,
bem como o poeta, é reconhecido publicamente por personalidades da política,
da ciência, das letras e da música.
Infelizmente, a 19 de Fevereiro de 1997 a morte leva-nos Rómulo de Carvalho.
Gedeão, esse já tinha morrido alguns anos antes, aquando da publicação de
Poemas Póstumos e Novos Poemas Póstumos.
Avesso a mostrar-se, recolhido, discreto, muito calmo, mas ao mesmo tempo
algo distante, homem de saberes múltiplos e de humor subtil, Rómulo de
Carvalho que nunca teve pressa, mas em vida tanto fez, deixa, em morte, uma
saudade imensa da parte de todos quantos o conheceram e à sua obra.
Poema da auto-estrada
Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.

Leva calções de pirata,


Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.


Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem


corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as núvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos


já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta.


Vai na brasa, de lambreta. António Gedeão
Sophia de Mello Breyner
Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de Novembro de 1919 —
Lisboa, 2 de Julho de 2004) foi uma das mais importantes poetisas
portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais
importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em
1999.
Tem origem dinamarquesa pelo lado paterno. O seu avô, Jan Henrik Andresen,
desembarcou um dia no Porto e nunca mais abandonou esta região, tendo o
seu filho João Henrique comprado, em 1895, a Quinta do Campo Alegre, hoje
Jardim Botânico do Porto. Como afirmou em entrevista, em 1993 [1], essa
quinta "foi um território fabuloso com uma grande e rica família servida por
uma criadagem numerosa".
Criada na velha aristocracia portuense, educada nos valores éticos e cristãos,
foi dirigente de movimentos universitários católicos quando frequentava
Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. Veio a tornar-se uma das figuras
mais representativas de uma atitude política liberal, apoiando o movimento
monárquico e denunciando o regime salazarista e os seus seguidores. Ficou
célebre a sua Cantata da Paz "Vemos, Lemos e Ouvimos. Não podemos
ignorar!" Casou-se, em 1946, com o jornalista, político e advogado Francisco
Sousa Tavares e foi mãe de cinco filhos: uma missionária laica, uma professora
universitária de Letras, um advogado e jornalista de renome (Miguel Sousa
Tavares), um pintor e ceramista e mais uma filha que herdou o nome da mãe.
Os filhos motivaram-na a escrever contos infantis.
Em 1964 recebeu o Grande Prémio de Poesia pela Sociedade Portuguesa de
Escritores pelo seu livro “Livro sexto”. Já depois do 25 de Abril, foi eleita para a
Assembleia Constituinte, em 1975, pelo círculo do Porto numa lista do Partido
Socialista, enquanto o seu marido navegava rumo ao Partido Social-democrata.
Distinguiu-se também como contista (Contos Exemplares) e autora de livros
infantis (A Menina do Mar, O Cavaleiro da Dinamarca, A Floresta, O Rapaz de
Bronze, A Fada Oriana, etc.). Foi também tradutora de Dante Alighieri e de
Shakespeare e membro da Academia das Ciências de Lisboa. Para além do
Prémio Camões, foi também distinguida com o Prémio Rainha Sofia, em 2003.
Sophia de Mello Breyner faleceu, aos 84 anos, no dia 2 de Julho de 2004 no
Hospital da Cruz Vermelha.
No fundo do mar há brancos pavores
No fundo do mar há brancos pavores
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge


a agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança no desalinho
Dos seus mil braços,
Um flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leva como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa


Tem um monstro em si suspenso.

Analise
O poema está organizado em versos, irregulares, ora curtos, ora longos, que
criam ritmo. Para a musicalidade concorrem as aliterações das sibilantes, das
vibrantes, das nasais (“Sem ruído vibram os espaços. / Sobre a areia o tempo
poisa”)
As sensações visuais (“brancos”, “redondas”, “leve”), auditivas (“silencioso”,
sem “ruídos”), de movimento (“agitação”, “abrem-se”, “baloiça”, “avança”,
“dança”, “vibram”, “poisa”) criam imagens do fundo do mar, envolto num certo
mistério.

O 1º verso da 1ª estrofe refere um espaço (“fundo do mar”) e um sentimento


(“brancos pavores”).
A expressão “brancos pavores” é enigmática, dada a associação inesperada do
substantivo abstracto, com uma conotação fortemente negativa, ao adjectivo
“brancos”. Assim, são evocados os dois sentidos da palavra: o denotativo,
enquanto cor predominante no fundo do mar; o conotativo, a sugerir a pureza
desse espaço.
Ainda na primeira estrofe são nomeadas de forma genérica as duas grandes
entidades que habitam no mar – animais e plantas. A metáfora e o paralelismo
de construção nos 2º e 3º versos (“as plantas são animais / os animais são
flores”). Tudo se confunde, reino vegetal e reino animal.
Nos dois primeiros versos da 2ª estrofe é evidente a expressividade dos nomes
e dos adjectivos a que esses elementos surgem associados. Assim, o nome
“Mundo silencioso” opera como que uma síntese da vida no fundo do mar.
Uma relação antitética é estabelecida entre o fundo do mar (“silencioso”) e a
sua superfície (“agitação das ondas”) através da expressividade do adjectivo
do primeiro sintagma e do nome do segundo.
A enumeração, que ocupa os restantes versos da estrofe, resulta da
especificação do hiperónimo “animais”, referido na primeira estrofe. Esta
numeração salienta a riqueza e a variedade de seres vivos que habitam esse
espaço.
A estes seres vivos surgem associadas acções, a partir das formas verbais
utilizadas, os movimentos dos animais marinhos sejam suaves e silenciosos,
ideia sintetizada no verso final da estrofe “Sem ruídos vibram os espaços”.
As conchas e a flor surgem personificadas. Estas acções humanas traduzem
felicidade, bem-estar e harmonia. Assim, a personificação sugere a vida do
fundo do mar como idealizada e perfeita.
A metáfora e a comparação (“sobre a areia o tempo poisa / leve como um
lenço.”) reforçam a ideia da tranquilidade vivida no espaço marítimo,
evidenciando também a ideia de um tempo eterno, imóvel.
Ás isotopias da harmonia, da beleza e da tranquilidade, patentes na segunda
estrofe, vai contrapor-se a isotopia da ameaça, retomada na última estância
pela conjunção adversativa (“Mas”), o que confere ao poema uma estrutura
circular.

O porquê?
De um vasto leque de poemas, eu fiz esta escolha, pois foram os que eu mais
apreciei. No geral o tema predominante é o amor, mas também abordei
outros.
Os poemas, de autoria de Florbela Espanca, fascinaram-me não só pela sua
maneira de escrever, utilizando uma variada quantidade de pontuação, como
pelos temas, apesar de eu ter escolhido mais sobre o amor. Florbela tem uma
escrita acessível, de fácil compreensão, o que torna a leitura dos poemas
simples e agradáveis.
Nos de Alexandre O´Neill, gostei da conciliação de uma atitude de vanguarda,
surrealismo e experiências próximas de concretrismo, que se manifestam no
carácter lúdico do seu juízo de palavras. O poema “há palavras que nos
beijam” considerei bastante interessante que “as palavras” estejam a
simbolizar os sentimentos.
No poema de Cesáreo Verde, há uma mulher fatal, trívola, madura,
dominadora, sem sentimentos, com amor próprio; foram os adjectivos que me
chamaram á atenção, pois é o contrário dos poemas de Camões, onde a
mulher é sensível e delicada, o que a torna mais indefesa.
“Urgentemente”, de Eugénio de Andrade, sintetiza as necessidades de
transformar neste muito melhor.
Ao contrário de Florbela, Ruy Belo não usa quase nenhuma pontuação,
abordando um tema muito interessante, o sonho, a imaginação de quando
ainda era uma pequena criança.
Nos de Camões estão presentes o amor camoniano, a beleza da mulher, um
amor não correspondido, indefinível, por uma mulher muito bela serena e
delicada.
No poema que escolhi de Mário de Sá-Carneiro nota-se as ideias do amor de
Camões um amor que faz doer, mas também traz alegria.
O poema “A maior solidão é a do ser quem ama” primeiro tem uma mancha
gráfica diferente, o que me chamou a atenção, e também a mensagem muito
importante que transmite, pois só pode sentir, se existir um vazio.
“Marta”, neste poema achei piada por ter o meu nome, mesmo tendo uma
história triste que a rodeia.
Do poema de António Gardeão gostei logo quando a professora o leu na aula,
sendo uma versão actualizada do soneto “Leonor vai para a fonte”.
O de Sophia retrata o fundo do mar, com descrições visuais, o que faz com que
o leitor consiga imaginar.

Conclusão
Neste trabalho tenho poemas de que gosto mais e menos, mas todos me
marcaram, pois antes de fazer este trabalho não conhecia muitos poetas, mas
agora já alarguei o meu conhecimento poético, não só conheci estes autores
como outros, para fazer a escolha. Este trabalho foi bastante produtivo nesse
aspecto.
O escritor, neste caso escritora, que me marcou mais foi Florbela Espanca.

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