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\ Nn gx SSI oP wf 8 8 Q % JOAO ADOLFO HANSEN Categorias _ epiditicas da’ ekphrasis er mote, nto _seotrons el do ote (0s progymnasmata,exercicios preparat6rios de oratéria escritos por retores gregos entre os séculosleTVd.C., ekphrasis (de phrazd, fazer entender", ek ‘atéo im”) significa “exposigHo” ou “destrigio” associando-se ag técnicas de amplificagao de tépicas nar syssscomposlgiodectopsiaseexericios fe qualificagho de causas deliberativas, judiciais 6 epiditias: Aélio Theon diz que ekphrasis édiscuts6 petiegético'—quenarra emtomo—ponda sobos olhoscom enargeia, JOKO ADOLFO “vividez”, 0 que deve ser mostrado*. Nos oh ANSEIN Serle de seus Progymnasmata, Hermogenes adefine 2 ‘FFLCH-USP o autor do, de maneira semethante: técnica de produzir ‘etre outros, A Sética © - we i Stngeka repro de cenunciado’ que tém enargeia, pesentando Motos Bois do Silo ere Boia a coiga quase como se 0 ouvido a visse em Leto. detathe?. 86 (O termo também nomeia um género de discurso epiditico feito como descrigdo de caracteres, paixdes ¢ obras de arte, escul- turas e pinturas, praticado como exercicio de elogléncia ou deciamagio (meleté) por fildsofos e oradores da chamada “segunda sofistica” do século II d.C., como Calis- trato, Fil6strato de Lemnos, Luciano de ‘Samésata, e aplicado por prosadores como Aquiles Tacio de Alexandria, Cariton de Afrodisias, Longo, etc., em proémios de romances. No caso, a ekphrasis & definida como antigraphaiten graphein,contrafazer do pintado ou emulagio verbal que com- pete com a pintura, descrevendo quadros inexistentes com enargeia. A ekphrasis relaciona-se diretamente com passagens dos “Tépicos I”, da Retdrica e da Postica, onde Aristétoles escreve sobre a atividade dohistoriador edo poeta, prescrevendo que devem compor imitando as opinises tidas por verdadeiras pelos sébios ou pelamaio: deles, As opinides tidas por verdadeiras fornecem causas ¢ explicagées que tornam © discurso verossimil ou semelhante 20 verdadeiro da opiniao. A verossimilhancaé umarelagdo de semelhanga entre discursos , na ekphrasis, decorre da relagao da ima- ‘gem ficticia da pintura que é descrita com discursos do costume antigo que fornecem causase explicagdes do que énarrado sobre ela, tormando-o semelhante aquilo que se considera habitual ¢ natural. A ekphrasis 6 falsa fictio, pois narra 0 que nao é; sua audiéneia sabe disso e a ouve bem justa- mente porque a ouve como artificio cujos preceitos sdo criveis pois aptos para narcar 0 incrivel. Como exercicio de eloguéncia, a ekphrasis 6 uma pragmética: evidencia justamente a habilidade do orador que es- panta a audiéncia com a narragio da falsa fictio tornando 0 efeito provavel porque ‘sua imaginagiio € alimentada pelos topo! da meméria partithada. Naekphrasis, onarradorse define como intérprete (exégetes) da interpretagio que o pintor fezde suamatéria. Assim, geralmente antecipa a exposigao das imagens ficticias com adeclaragio de que as viu diretamente ou que viu uma cé6pia delas. Esse “como se” € fundamental na ficcionalizagio da enargeia, sendo necessatio observar que 0 autor finge transferir para a enunciagio do narrador uma imagem pict6rica com que compée 0 enunciado como se efetivamente fizesse as passagens entre pintura e dis- curso indicadas por Fil6strato de Lemnos quando se autonomeia “hermeneuta”, em seus Likones, comentandosuapréticacomo “exercicio de eloquéncia”. Dessa maneira, © autor da ekphrasis inventa um narrador que amplifica um fopos sobre 0 qual hé concordancia; por exemplo, 0 elogio do engenho, da pericia técnica de um pintor, do carter extraordinério, da utilidade e da beleza da obra de arte. Depois de pequeno exOrdio em que se apresenta, 0 narrador amplifica 0 topes, propondo deserever um quadro que atesta o engenho de um pintor. Por exemplo, Zéuxis, autor da pintura de uma famfliade centaurosnaekphrasis"Z2u- xis ou Antfoco”, de Luciano de Samésata, Compondo-a ekphrasis como um andlogo do quadro, o narrador ordena a exposigao em duas séries de argumentos especulares que descrevem aspectos pictéricos ¢ os interpretam topicamente. Como disse, a imagem efetuada pela descrico é ficticia, mas compée-se de fopoi conhecidos da meméria da audiéncia, Ativando-a, 0 nar rador comega por expor a maneira como 0 pintor imitou fopoi conhecidos para inven- tar imagens desconhecidas, estranhas ou maravilhosas, que associou a caracteres e paixdes. Na ekphrasis“ZéuxisouAntioco”, interpreta a interpretagio que Zéuxis deu familia de centauros. Assim, a descrigao remete destinatério 20 ato da invengao do quadro, reativando nele a meméria dos topoi achados pelo pintor para interpreté- los. Por exemplo: descrevende o corpo dos centauros, 0 narrador diz que 0s monstros, tém crinas; ou que suas duas metades siio peludas. Declarando que a crina do macho 6 “arrogante” e que as partes peludas de- monstram “selvageria”, atribui qualidades elocutivas & imagem desorita. Assim, as qualidades pictéricas da imagem traduzem ouevidenciam o éthos do monstro, “feroci- dade”, previsto pela meméria de um mito ou poema. Interpretando sua descrigiio de imagens inexistentes, o narrador evidencia REVSTA US? Sa0 Povo, 27, p, 85108, saenbeo/navembo 2008 para sua audiéncia a memétiados ropoique a ekphrasis a pintura aplicam a invengio daficgdo, tambémevidenciando seuconhe- cimento da variedadedos preceitos téenicos que proporcionam as qualidades pict6ricas das imagens segundo os graus do engenho do pintor e do seu engenho como orador. Achando # razao dos afetos figurados nas imagens efetuadas na ekphrasis nos casos de um mito, da hist6ria e da poesia, o narrador expe a coisa por meio da opiniso sobre a coisa, com dutoridade, clareza e nitidez, presentahdd-a com enargeia*. E como a descrigio da imagem e a interpretagao dos seus fopoi efetivamente nio tém um primeiro, evidenciam-se para a audiéncia como efetuagao artificiosa de um engenho perspicaze versstil, mereeedordeencémio, aplauso ¢ fama, Muitos textos desse género, principal- mente os de Filéstrato ¢ Luciano, foram retomados por autores como Alberti, Vasari, Blaise de Vigentres, Roger de Piles, que os imitaramouprescreveramcomomatériaaser imitada por pintores ¢ escultores’. No século XX, prineipalmente, historiadores da arte assaram a usar o tetmo restrito & acepeo de “descri¢ao de obra de arte’, Esse uso praticamente apagou o significado técnico de ‘ekphrasis como “exposis0” ou “descrigio” em geral. Assim, generalizando a acepgio particular, varios autores afirmaram que © topos “cléssico” da ekphrasis 6 0 escudo de Aquiles, nos versos 483-608 do canto 18 da Mada. Trota-se efetivamente de“exposigio” de aspectos, mas hé duas objegSes conside- faveis a sua classificagao como ekphrasis no sentido generalizado pelos historiadores da arte, A primeira é hist6rica e critica 0 ana- cronismo, pois © poema de Homero é muito anterior a pritica do género¢ as ret6ricas que odoutrinam. A segunda € poéticae, como fez Lessing no século XVII prope que niio se pode isolaradescrigiodoescudodaagaoépica do poema. Como se sabe, Pétroclo € morto por Heitor, no canto 17; acélerade Aquiles € imensa e sua mac, Tétis, pede o escudo a He- festo. Lessing afirmou que Homero nao pinta ‘escudo como objetoautdnomoouterminado, mas como elemento descritivo que amplifica © epos da agiio colérica do her6i’. Hoje, em tempos de desistoricizagao, © termo ekphrasis & usado para significar ‘qualquer efeito visual. Da biologia & nvisi ca, pasando pela arqueologia, pela fisica, pela hist6ria literéria, pela informética © por estudos culturais de género, 0 termo é usado fora dos seus us0s retéricos antigos, significando “efeito sensorial do", “iconizagdo”, “espetacularizagio”, “realidad virtual” e mais coisas. Interpre~ tando seus usos na critica de arte, Mitchell propds que, na medida em quea histéria da arte 6 representacdo verbal da representa- ‘edo visual, a epkhrasis teria sido elevada a principio disciplinar’, Neste texto, passoao ladodessas genera- lizagbes paracspecificar algumascategorias epiditicas da ekphrasis como “descrigio”, ‘exemplificando-as com a prosopografia ou retrato de pessoa procedimentos mimét cosda““descrigode pintura” de proémios de romances grogos antigos etextos de Luciano de Samésata ¢ Fildstrato de Lemnos. Para faz8-lo, vou definir categorias ¢ procedi- mentos da ekphrasis com exemplos de vé- riostempos, pressupondo alongaduragdoda instituigo ret6rica atéa segunda metade do ‘séeulo XVII. Néo utilizo as classificagSes dedutivas e fechadas das épocas ¢ estilos, ‘como"“Antigiiidade”, “Idade Média”, “Clas sicismo”, “Barroco”, pois sfo exteriores © implicam categorias anacrénicas. Suponho ‘qucémais pertinente observar os processos de longa duragdo de transmissiodetécnicas ‘e modelos ¢ das apropriagdes descontinuas doles. Com isso, pode-se demonstrar que autores situados em pontos diversos do tempo escolhem suas préprias amizades © inimizades artisticas e que, num mesmo periodo que nossas hist6rias literérias © hist6rias da arte cléssificam unitariamen- te com ctiquetas dedutivas c evolutivas, como “Renascimento”, “Maneirismo”, “Barcoco”, encontramos efetivamente vé~ rias duracdes artisticas simultancas ¢ suas maneiras de conceber € produzir as artes € seusestilos, por vezes comoum continuo de cemulagGes retrospectivas, por vezes como cemulagdes descontinuas?, Borgesconta ahistériados gevgrafos de ‘um rei que fazem um mapa do tamanho do “visualiza- REISTAUSP, $0 Paulo, n.71, p. 85-105, sxembro/nveibo 2006 87 88 pats. & indtil, pois pretende ser a coisa. A fabula force uma pequena moral daekphrasis:oofeito expositive da técnica e do género nfo resulta de transposigao de objetosempiticos, mas de processosda abs- ‘ago compositivado engenho do filésof0, ‘orador, poeta e prosador que, competindo com pintores, estilizam particularidades de topoi pictéricos, histéricos, orat6rios © potticos de autoridades antigas por meio de operagses dialéticase retéricas também quando fazem periegeses topogréficas, que hoje aparecem a leitura como se tivessem sido diretamente copiadas da referéncia do discurso, como as deserigées da Atica do Periegesis Hellados, de Pausinias. Porque é mimética, a ekphrasis pressu- 1p8e0s modosret6ricos daimitagaode topo! oratérios (endoxa) e posticos (eikona). Os modos sio aplicéveis em artes distintas, como a oratéria, a poesia ¢ a pintura, ob- servando-se a continuidade ou homologia do procedimento mimético entre as artes ¢, simultaneamente, a competiglo delas. Assim, 08 objetos descritos nas ekphraseis de Luciano e Filéstrato néo preexistem 20 ato da invengao do diseurso em que aparecem modelados segundo argumen- tos da invengao e preceitos elocutivos do sénero epiditico. Retoricamente, esse sto € orientado pela perspicécia do engenko do autor, caracterizado pela peneteagio da visio analitica do ju(zo que examina immitativamente a materia particular a ser encenada, classificando-a na invengio segundo elencos de argumentos genéricos ‘memorizados, topoi do género em que se exercita, e abstraindo emulatoriamente, de elencos de uses poéticos, oratérios ¢ hist6ricos desses argumentos consagrados como autoridades do género, os aspectos que caracterizam a matéria particular a ser tratada enquanto tal € ndo como outra. A cemulagdo & a imitagio da propriedade ou predicado que produz prazer numa obra determinada. O predicado 6 um género co- ‘mum, que inclui espécies muito diversas de invengSes possiveis. Depois quedescobreo g@nero,oautoraplicaengenhosamenteuma espécie semelhante & obra imitada quanto 0 predicado, ¢ que, pelo fato de ser apenas semelhante, & obviamente diferente, A di- forenga, tratada elocutivamente, deve fazer ‘com que © predicado encontrado participe mais e melhor nela. Assim, o modo de pro- duzir semethangas e diferengas distingue a emulagdo da imitagao servil®. Ao mesmo tempo que acha os predi- cados a serem emulados, o engenho do autor & versétil € veloz, encontrando para cada patticularidade da matéria com que preenche 0s topoi genéricos a palavra mais adequada. Na ekphrasis, a palavra 6 espe- cificada segundo vérias qualidades que se aplicam fazendo odiscurso convergirparao ofeitode enargeiaouevidentia: pura, clara, nitida, nobre, rude, veemente, brilhante, vigorosa, complicada, clegante, ingénua, picante, graciosa, sutil, agradavel, vivaz —bela, enfim''. Ao mimetizar propriedades dacoisa (0 topos ou ares retérica) segundo (© endoxon — a opinido verdadeira que os sébios ou a maioria deles tém da coisa — 0 autor da ekphrasis sabe que seu piblico tem a meméria da mesma opinifo e que, julgando 0 efeito, observa se € anlogo © proporcionadoaela, maravilhando-secoma probabilidade eficaz dabeleza,mastambém com aengenhosidadedainvencioeapericia elocutiva da arte que, comcoisase palavras conhecidas, produzem efeitos inesperados. Nenhum detalhe da ekphrasis 6 informal, expressivo ou realista, pois todos eles se incluem em uma invengilo e elocugio que aplicam preceitos previstos pela institui- do ret6rica para transformar 0 ouvido do ouvinte, constituido na variagfo elocutiva do discurso, num olho incorporal que os avalia. Como na alegoria de Zéuxis, que abstrai particularidades perfeitasdas virgons de Crotona para figurar Helena bela como Afrodite, a imagem da ekphrasis resulta da abstrago detalhadorade particularidadesda matéria que preenchem t6picas conhecidas numa elocugao engenhosa e perita. Porisso ‘mesmo, voltando a Borges, a descri¢ao ne- cessariamente sempre omite algo. Se nio fosse assim, haveria dois Crétilos nao Critilo © seu nome. Com essa referéneia suméria ao artifi- cio retérico, Iembro que nossas hist6rias litersrias © hist6rias da arte siio caudatérias FEVSTA USR, Sao Foul, m7, p, 85105, setenbvo/novenbio 2006 das estéticas produzidas no século XVUL. Blas constituem 0 tempo ¢ a histéria como continuo evolutivo, classificando os estilos astisticos por meio de unidades dedutivas, sucessivas ¢ irreversiveis, “classicismo”, “maneirismo”, “barroco”, etc."®, Aplicadas A ekphrasis — como técnica (“descrigao”) © ‘g6nero'(“descrigo de pintura”) —as classi- ficagdes dedutivas climinam os preceitos re- \Gricos que ordenamainvengZoeaclocugio do efeito, interpretando-o anacronicamente em termos realistas © expressivos como representagio de contesidos de totalidades pré-formadas ao ato da sua invengéo. Lida a ekphrasiscomoimitagao da natureza,reflexo do chamado “contexto social” © expressio da psicologia dos autores, climinam-se 03 preceitos ret6ricos do seu artficio epiditico, propondo-sequerepresentacoisasempiricas eobrasde arte que teriamefetivamente exis- tido como modelos para seus autores. Com ironia, jé sedissequea descricdo periegética do escudo de Aquiles, no canto 18 da iada, demonstra que a principal coisa demonstra- da pelas leituras que a utilizam para fazer reconstituigSes arqueolégicas é que néo tém fundamento também na empiria que pressupdem e pretendem reconstituir, pois nenhum escudo poderia ser tio grande para conter todos os motivos descritos. O mesmo se pode dizer da crengade que as ekphraseis de Filéstrato ou Luciano testemunhara a ‘existdncia de obras perdidas. Esse entendi- -mentoas.onstitvicomodocumentosde uma reconstituigo que elimina justamente oque nelas € nfo a suposta realidade empitica de objetos supostamente vistos pelos autores, mas a realidade dos preceitos retéricos de um ver coletivamente partilhado ¢ exposto segundo a verossimilhanga © 0 decoro de seu género. ‘As mesmas t6picas epiditicas © as cate gorias elocutivas do género “descri¢&o de pintura” podem serimitadasdescritivamen- te em géneros diversos, como pragmaro- grafia, descrigo de coisas, como a colcha no poema 64, de Catulo, sobre as népcias de Tétis ¢ Peleu: prosopografia, descrigio de pessoas; eropéia, descrigao de paixdes € caracteres, como na obrade Teofrasto, nas ekphraseis de Filéstrato ¢ Luci século XVII, na obra de La Bruy@re; como topografia,descrigao de lugares reais; como topotesia, descrigio de lugares imagindrios, como os lugares-amenos da bucdlica e as cenas das ekphraseis de Fildstrato © Lu- ciano; chronografia, descrigio de tempo, como o das estagdes do ano, etc. Assim, como ler a descrigio antiga forado anacro- nismo dos quadros estéticos do idealismo alemio das hist6rias literdrias ¢ historias da arte e da desistoricizagdo pés-moderna? A cekphrasis € tabular, ou seja, condensa na particularidade da palavra ou do enunciado asimultancidade miméticade procedimen- tos ¢ efeitos que € preciso considerar para I8-la de modo nio-anacr6nico: a meméria dos ropoiqueaplica; a adequacao mimética da matéria tratada aos preceitos do géneto; a claroza, a nitidez e a vividez do léxico visualizante; a intensificagao patética da enunciagio © do destinatério; a presenga de algo ausente inventado como anterior a0 ato da descrigao; a verossimilhanga ¢ 0 decoro especificos do género; a emulacao de autoridades antigas; aerudigdo histérica, oratériae poéticadameméria; acompetigao entre artes consideradas “irmas”, etc. E itil pensar, com Hermégenes, que algumas ca- tegorias que regulam esses procedimentos existem por si mesmas; outras pressupdem procedimentosecategoriasde segundo grau ‘que as constituem; outras, ainda, tém uma ou vérias partes em comum. E, de maneira geral,umas categorias sfo classes incluindo cespécies; c algumas apresentam uma dife~ renga pela qual se associam e separam de outras. Por exemplo, na ekphrasis feita como discurso panegirico, que louva 0 en- genho c a arte de pintores com exemplos ¢ comparagSes, geralmente as virias espécies deregistros elocutivos aplicadosremetemo destinatdrio a preceitos ¢ géneros diversos que se evidenciam simultaneamente na vi- sualizago descritiva, Porque é mimética, a cekphrasis 6 tabular; assim, quando se tenta ‘especificara particularidade das categorias que constituem essas espé cada ponto do discurso que as comenta 6 remetido simultaneamente ao geral dos preceitos miméticos paralelos que aparecem naparticularidadedelas comosuadefinigio 3s elocutivas, REVISTA USF, $50 Poul, 71, p. 85:105,setembo/noverbro 2006 89 90 fe regramento. Como se a simultaneidade da instituigao comprimisse sua sequéncia, © discurso € marcado com a repetiglo. A repetigao € necesséria, no entanto, e, aqui, desejada. Hoje opomos descrigdo € narragio, hierarquizando a descrigdo na posigio subalterna de Iuxo analégico, quando a definimoscomoencadeamento metonimico ou somatéria de aspectos justapostos sem relagdes de antecedente-consequientee cau- sa-efeito. Nasnossas definigGes, adescrigo cita discursivamente partes ou minticias da superficie aparente da sua referéncia, 0 espaco, diversamente da narragao, que dé conta de processos temporais de “antes- depois”, sendo por isso preditiva, como dizia Barthes: se 0 personagem abre uma porta, algo se segue: ou sai ou entra ou age arbitrariamente ou a razdo ainda se verd. Por outras palavras, a narra¢ao envolve escolhas, ages, conseqliéncias e, poden- do figurar processos causais e temporais complexos, jé foi considerada superior & descriga0, como naquele texto velho em que Lukacs retoma Lessing para desquali- ficar Flaubert como descritivo. No entanto, sabemos que as diferengas de descrigio narraglo ndo tém existéncia semiol6gica, ‘como Genette demonstrou, pois sdo apenas diferengas semanticas, ou seja, dependentes do jogo de linguagem particular dodiscurso em que ocorrem. Lingtifstica e gramatical- mente, ntio hd nenhuma diferenga entre a narragao das agdes de Heitor e a descrigao do escudo de Aquiles ou de qualquer outra coisa real ou fantistica,comoo cabo Sunion ‘ou um centauro. A diferenca, no caso, no € linguistica ou gramatical, mas ret6rica sempre relacionada ao género do discurso. Retoricamente, qualquerdiscurso implicaa relagto de pressuposigao entre a pessoae a situagiio em que age, ou 0 personagem & a cena onde atua; assim, tanto a deserigo do carter e paixdes de pessoas e personagens quanto a do espago subordinam-se homo- logamente aos preceitos do género, como se v8 na “roda de Virgilio” Nas retricas antigas, essa relagdo de pressuposig%o implica que no se faga a oposicao descrever/narrar. Retoricamente, quando se trata de processos, a descrigio imegraanarratio;e, principalmente, quan- do se trata de pessoa, personagem ou coisa implicados em processos, ela se aplica na invengio dos tipos e seus caracteres (éthe)e paixdes (pathe), segundoos quatro grausdo ‘encOmio doutrinados porArist6teles ereite- rados pelo andnimo da Retéricaa Herénio, por Quintilianoe Menandro. Quintiliano—e, por exemplo, muito depois dele, Erasmo = fala da narratio como “rei factae aut ut factae utilis ad persuadendum expositio” (Cexposigio da coisa feita ou dacoisacomo feita util para persuadiz”). A coisa feita—a agiio particular, como a conquista da Gallia, realizada por pessoa particular, come ilio César, no género histérico —e a coisa como Jeita—nagio universal,comoaconquistado Licio, realizada por personagem universal, como Enéias, no género épico— podem ser apenas citadas brevemente, nos casos em ‘que jé sto conhecidas pelo auditério. Mas o preceito de que as res factae eseus exempla deve ser amplificados e omados descriti- vamente esta sempre presente nos modelos de dilatagao narrativa dos exercicios que 08 latinos chamaram de opera minora, 08 rogymnasmata gregos, principalmentenos exerciciosepiditicos, emqueaamplificagio é principal. Um desses modelos propostos como exercicio para desenvolvimento de habilidades técnicas do orador 6 a narra- tiuncula, a0 pé da letra “narragdozinha”, amplificagio descritiva usada pelos alunos latinos de orat6riae, a partir do século XVI, pela Companhia de Jesus na educagio de padres sermonistas. Da mesma maneira, as fabulas,com sua tipologiade animais alog6- ricos de virtudes e vicios que amplificam a agio principal narrada, ou a chria, mengo breve de sentengas ¢ coisas memoriveis, so consideradas elementos narrativos aplicados como descrigao de coisas, even- tos, pessoas e como detalles caracteriais © morais de personagens, etc. Até a segunda metade do século XVIM, enquantoa instituigdo ret6ricateve vigéncia, a descrigo integrou-se & naeragao como técnica amplificadora. No Tratado de los Avisos en que Consiste la Brevedad y a Abundancia, de 1541, Miguel de Salinas FEVSTA USP, Sao Pau, 071, p. 85105, setembeo/novembro 2008 © evidencia, citando Erasmo e Quintiliano, ara propor trés modos de acrescentar ou amplificarexemplos da narracodiretamen- te relacionados com as técnicas descritivas da ekphrasis: “A primeira maneira de acrescentar os cexemplos € louvando-os, ¢ esse louvor se retirado autor que os escreveu oudapessoa ou gente onde ocorreu ou da mesma coisa de que 0 exemplo trata [...]. A segunda maneiradedilatar os exemplossers quando se pdemcom todas as suas particularidades, amplificando-as e encarecendo-as onde for adequado [. de dilatar os exemplos € por comparagio, ¢ € quando por alguma semelhanga se mostra © exemplo que se traz. ser semelhante ou dessemethante, ou conteério, ou maior, ou menor, ou igual”, A tercoira mat Para ler a ekphrasis retoricamente, & \itil observar que nos textos gregos 0 verbo graphein significa tanto escrever quanto pintar, assim como o substantive graphé significa escrita e pintura. A equivaléncia de esorita ¢ pintura no grego graphein pec mite propor no a identidade da poesiae da pintura, por exemplo, mas a homologia dos procedimentos miméticos aplicados a uma coutra, Assim, quando se 18 uma ekphrasis como “deserigéo de pintura”,deve-se antes de tudo observar que, na efetuagio visua- lizadora da pintura ausente, efetivamente nada existe — em termos lingli(sticos ¢ gramaticais — de propriamente pléstico ou pictérico. O significante e o significado de termos visualizantes como “vermelho” ou “redondo” no so, obviamente, verme- Ihos ou redondos. A ekphrasis é uma arte mimética e, para lé-la segundo o seu modo de operar antigo, devem-se considerar os modos retéricos prescritos para que 0 curso mimetizeem suainvengdo¢elocugao 0 procedimentos miméticos considerados prdprios da invengio e da elocugio da pin- tura. Paraiso, deve-sedescartara oposico romantica ‘“forma/conteiido”, que a insti- tuigio retérica nao conhece, ¢ observar os preceitos epiditicos da ekphrasis. Leia-se a definicao de Hermégenes: ise “Aekphrasis 6um enunciadoqueapresenta ‘em detalhe, como dizem 08 teéricos, que tem a vividez (enargeia) ¢ que poe sob os ‘olhos © que mostra, Tém-se deserigées de pessoas, de ages, de situagSes, de luga~ res, de tempos ¢ de muitas outras coisas. De pessoas, como em Homero ~ ele era cambaio ¢ mancava de um pé (liada, 2, 217); de ages, por exemplo a descriglio de um combate em terra ¢ de uma batalha naval; de situagdes, por exemplo a paz, a guerra; de lugares, por exemplo portos, fios, cidades; do tempo, por exemplo a primavera, o vero, uma festa (dedata fixa). Pode-se ter também uma deserigio mista, ‘como em Tuctdides a batalha & noite: com ofeito, a noite é uma situagio ea batalha 6 uma ago. Nés faremos a descrigho de ages recorrendo aos acontecimentos que precederam, depois aos da prépria acho, depois aos que se seguiram. Por exemplo: se fazemos a descrigdo de uma guerra, diremos inicialmente 0 que antecedeu a ‘guerra, os movimentos de tropas, os gastos envolvidos, os temores, depois os comba- tos, as feridas, as mortes, depois o woféu, depois 0s pois (cantos) dos vencedores, as Igrimas dos outros, sua escraviddo, Na descrigao de lugares, de tempos ou de pessoas, teremos por matériaapresentago deles, mas também a beleza, a utilidade ou ocaréter extraordinério. As virtudes da descrigiio sfo principalmente a clareza ca evidéneia: 0 discurso deve quase produzir 1 visdo por meio da audigéo. K importante além disso que os elementos do discurso se modelem sobre as coisas: se a coisa é florida, 0 discurso 0 seré também, se é seca, seré do mesmo modo”, 1. “A ekphrasis 6 um enunciado que apre~ senta em detalhe, como dizem os te6ricos, que tem a vividez © que pde sob os olhos 0 que mostra.” Amatéria da ekphrasis ¢ apresentagaio ou exposi¢do do efeito de presenca de algo ausente. Para dar conta dessa matéria, © autor aplica topoi epiditicos da heuresis, invengo, ¢ palavras adequadas da léxis, elocugao, comhecidos do destinatério. Os topoi sto argumentos genéricos para cx- REMSTA USP, $d0 ous, 271. p. 85105, stembse/novembuo 2006 91 por ou descrever caracteres, paixSes, atos, qualidades de deuses, homens, animais © coisas, como os ropoi de pessoa ~ as pecto fisico, origem, patria, cidade, sexo, condigio, idade, fortuna, lingua, hébito, ‘educagio ~ aplicados segundo a oposiciio kalon/aisthron, “beloffeio”, simultanes- mente agathon/kakon, “bom/mau"'*, O regramento ret6rico das proporgdes daelo- cugao apticada.aeles determinaque oefeito amplificadore detalhador da ekphrasis seja avaliado pelodestinatario segundoduas fun- ‘960s simultneas e complementares: uma Fungo mimética e uma fungio judicativa, Mimeticamente, os efeitos péem em cena matérias ou coisas ret6ricas prescritas pelo costume da imitagio de autoridades, como as coisas que Luciano aplica na ekphrasis dos centauros, as que Fil6strato lembra na descrigao de Narciso, as que Aquiles Tacio narra no pro&mio de Leucipa e Clitofonte. Judicativamente, a proporgéo aplicada 20 efeito modela © ponto de vista do desti- natirio na propria variagio elocutiva da descrigao, compondo-o aristotelicamente ‘numa posicao interpretativaparticularcomo theords ou destinatério que contempla ou ve, intelectualmente, © que € mostrado a0 seuouvido. Assim, aekphrasisencenatopot conhecidose, simultaneamente, oscritérios técnicos aplicados A variaga0 elocutiva deles, efetuando o espanto, estranheza ou ‘maravitha, causa do prazer. 2. “As virtudes da descrigio so principal- mente a clareza e a evidéncia: 0 discurso dove quase produzir a visio por meio da audigao.” Sobre a clareza, ¢ stil reiterar que, por ser mimética, no é a clareza cartesiana univoca, entendida como expresso de uma idéia pensada clara ¢ distintamen- te, mas clareza elocutiva, escolhida em elencos de clarezas relacionais e aplicada conforme a verossimilhanga ¢ 0 decoro proporcionados aos topoi do genero. Na ekphrasis, a clareza é obtida pelo uso de palavras préprias,ndo-bérbaras, escolhidas (delecta), metéforas (sraslata),hipérboles (supratata) ¢ sinBnimos (duplicata)”. Bvidentemente, quando a descrigao 6 ale- g6rica, 0 discurso fica menos ¢laro, mas também as alegorias tém graus prescritos de clareza, que vao da alegoria totalmente aberta até 0 enigma cerrado. Os estéicos gregos falam dos oneiron theorematikoi, sonhos contemplativos. Referindo-se Aluz da visio onfrica, afirmam que as imagens dosonhosiocomo ekphraseis (descrigdes) aleg6ricas, que péem frente aos olhos da mente coisas ausentes que brilham sig- nificando outras, Nos séculos IV ¢ Ill a. C., Cleantes ¢ Crisipo, que interpretaram alegoricamente os nomes de deuses ¢ de atributos fisicosde animais edeuses dapoe- sia homérica, propuseram que a descriga0 de coisas fisicas ndio-vergonhosas permite formular alegorias que fazem ver coisas ‘ausentes moralmente vergonhosas. Marcos ‘Martinho exemplifica com Calimaco, que alegoriza caso indecoroso, dizendo-o sem © dizer, a0 usar de palavras proprias para descrever caso decoroso, “fogo”, “cavalos nervosos” ¢ “‘corrida”, em “O fogo que acendeste anuncia muita chama, porém mantém os cavalos nervosos longe da corrida", ‘Também é itil lembrar, quando se trata de ekphraseis que admitem osentido alegs- rico, do proémio de Iconologia (1593), em que Cesare Ripa define 0 conceito figurado nos emblemas do livro como “definigao lustrada”. Em cada umdeles, Ripacompoe alma” ou discurso recorrendo & noratio do Ad Herennium e outros retores latinos ‘como técnica com que fixa perifrases dos caracteres das personificagSes ou alegorias de conceitos, como “prudéncia”, “fraude™, “fortaleza”, “temperanga”, “primavera”, etc. Para compor © “corpo” ou a imagem. doemblema, Ripa recorre, entre outras au- toridades,a0 Physiognomonia,de Giovanni Della Porta, que, pela comparagio dos tragos do rosto humano com tragos de animais, efetua deformagoes adequadas as paixdes. ‘Composto de almae corpo, discurso e ima- ‘gem, o emblema no propée que poesia © pintura so a mesma coisa, mas evidencia 4 aplicago, em meios materiais diversos, dos mesmos procedimentos elocutivos que roporcionam ou desproporcionam epidi- ticamente a figuragao efetuada REUSTAUSP, 80 Povo, 9.71, . 85:05, selemteo/nowemie 2008 i Quanto a enargeia ou evidentia, é mais, complicado. E preciso especificar o que & 8 opsis, a visiio do “por sob os olhos” ds definiges de ekphrasis de Aélio Theon, AfiGnio, Hermégenes, Filéstratoe Luciano, porque nia é a visio realista ou naturalista das nossas hist6rias literdrias ¢ hist6rias da arte. Aristételes qualifica o efeito de enar- geia — a0 pé da letra, “vividez”, como se vé no advérbio enargos (“vividamente”) como pro ommaton, “na frente do otho”, propondo que as metéforas de ago im- pressionam mais, pois com elas o orador faz 0 evento narrado ocorrer como se 05 ouvintes o estivessem vendo. Na Retorica, 4 como exemplo a fala de Isdcrates que, tendo de dizer “A Grécia lamenta a morte dos soldados em Salemina”, disse “A mie Grécia chora seus filhos no timulo de Sa- lamina”. Os procedimentos técnicos para produzir enargeia sio draméticos, eviden- ciando-se como uma pragmitica: uso de discurso direto” e interpelagao patética de personagens, como faz Filéstrato em “Os Cagadores”; de apelo constante ao desti- natério; de advérbios de lugar e de tempo roferidos a0 ato da enunciagiio; do presente pelo passado, etc. O anGnimo da Retdrica @ Herénio, Cicero ¢ Quintiliano associam a evidentia assim produzida & persuasio dos trés géneros da oratéria, definindo-a aristotelicamente como deseriptio produ- tora de pathos que torna a causa debatida como que presente para os ouvintes, por isso persuasivamente eficaz (Inst. Orat. VI, 2,32; VIII, 3,67). Como diz Afténio quando trata da etopéia, produzimos a fic~ $80 do éthos do locutor™.0 efeito patético 6 visio, “visio”, correspondente ao grego phantasia: “(...] per quas (visiones) ima- gines rerum absentium ita repraesentantur animo, ut eas cernere oculis ac praesentes habere videamur” (Quintiliano, 8,3,88). ‘As téenicas draméticas compéem a visio do destinatério segundo a perspectiva do ato da enunciacio; a visto efetuada 6, por isso, um ponto de vista a partir do qual 0 destinatério € contemporainco dos aspectos dapintura supostaque“v8" per partes,como diz. Quintiliano (9,2,40), efetuando sua combinagio ¢ simultaneidade. A enargeia 0u evidentia intensifica o efeito de clareza dos omatos aplicados, tornando-os mais nitidos (nitidiora) (Quintiliano, 8,3,61). No texto Schemata Dianoeas, Jalio Rafiniano cita Quintiliano, definindo a enargeia da ekphrasis nosseguintes termos: “Enargeia é imaginagao, que expde 0 ato 08 olhos incorpéreos e se faz de trés mo- dos: com pessoa, com lugar ¢ com tempo. ‘Com pessoa, quando chamamos ausente como seestivesse presente [...].Comlugar, quando aquilo que nio ests na nossa visio demonstramos como se o vissemos {...]- ‘Com tempo, quando usamos o presente ‘como passado™”. ‘Também Prisciano, no liveo 17 dos Praeexercitamina Prisciani Grammatici ExHermogene Versa, define descriptio: “A descrigdo Senunciado que retinee apresenta aos olhos 0 que demonstra”, Em todas as definigdes de ekphrasis, 0 feito de enargeia ou evidentia se entende comopresengano aspecto. Paracspecificar co que seja a visio dessa “presenga no aspec- to” que entra pelos ouvidos, é itil observar que, repetindo Quintiliano © Aristételes, Rufiniano fala de visio incorporeis oculis, visio “com olhos incorpéreos”,que véema imaginatio. Sabe-se que,em grego,otermo theoria relaciona-se A contemplagio ou visio em que se presenta 0 eidos da coisa vista intelectualmente. Um verbo cognato de eidos, eidenai, significa justamente ver 0 eidos, ou seja, saber. Relacionado a ele, 0 verbo theorein, “contemplar” e “teorizar”, significa vero eidos dacoisa como alétheia, (des)velamento. O efeito da enargeia ou evidentia & 0 da imagem que pde sob os olhosincorporais damente um topostetsrico semelhante2 opinitioconsiderada verdadeira sobre oeidos. Descrito verbalmente,o topos também podeser pintado ouesculpido, poiso fundamental nessa visio ndo é a reprodugio de coisas empiricas,masa imagem intelectu- almente construfda como (des)proporgiiodo logos ~ razio e discurso ~ referido ao eidos. No ato da apreenstio da ekphrasis, 0 juizo verificaseésemelhanteas 6picasdocostume antigo consideradas verdadeiras (endoxa), para jugar se o efeito de presenga de coisas REVISTA US, S60 Peso, n71,p.85:105, seo faorenbxo 2006 93 ausentes é verossiml. Aristotelicamente, especificactio da visio do jufzo que vé com othos incorpéreos 0 aspecto de uma pintura Acticia descrito por palavrasdeterminaquea ekphrasis seja um discurso que se dirige 0s olhos do intelecto, que avalia duas coisas, como disse: se 0 preceito produtor do efeito estd aplicado convenientementee seo efeito se assemelha verossimilmente a0 endoxon do topos imitado. Verificando, enfim, se hé semelhanga do discurso com aquilo que a teoria da coisa, a visio intelectual do eidos da coisa, determina seja considerado como a “opinidio verdadeira” da maioria dos s4- bios. © que implica uma légica da imagem formalizadacomo técnica ret6rica, ndio uma estética?, Evidentemente,héoutras interpretagoes. Por exemplo, platonicamente avaliado, 0 efeito da ekphrasis como deserigio de obra dearte inexistente pode serentendidocomo demiurgia, mas também como mimesis de ‘mimesis de uma tekhné phantastiké que “gréfica” neos de graphein —que deforma eidos na aparéncia iluséria do efeito como eidolon, imagenzinha de imagem ou simulacro, indefinidamente. nos dois significados simulta- sscrever” ¢ “pintac” 3."Nadescrigaode lugares, de tempos oude ‘pessoas, teremos por matéria a presentagao deles, mas também a beleza, a utilidade ou © carter extraordinario.” ‘Como disse, a presentagio se fazcomos topoiepiditicos doutrinados por Arist6teles, na Retorica, retomados no século Ta. C.na Ret6rica a Herénio, sistematizados como ars laudandi et vituperandi na Instituigao Oratoria, de Quintiliano, no s6c. 14, C.,€ novamenteexpostos por Menandro, no sé0. Ud. C.,naRepartigdo dos Demonstrativos Dedicada a Genétlio. Nocaso da ekphrasis como “descrigao de pinturs ‘© engenho, a pericia do pintor e, muitas vezes, seu cardter € atos. E sempre, como prescreve Hermégenes, abeleza,autilidade € 0 cardter extraordindrio da sua obra. Os preceitos para louvar o belo (kalén, hones- tum) também valem para vituperar 0 feio (aiskhron, turpe), em varias modalidades. Assim, 0 elogio de algo belo é elogio sério; adominante do género epiditico, a ostenta- do deengenhosidade na invengioe perf técnica da elocugao, propicia modalidades comnicas em que oelogio adequado acoisas sérias pode ser aplicado jocosamente ou iro- nicamente @ coisas indignas e baixas, feias, deformadas, misturadas insignificantes. Menandro prope quatro graus do clogio: 14) oelogio de coisas inquestionavelmente dignas de elogio (endoxon),comoavirtude. Nocaso das ekphraseiscomo“deseriggo de pintura”, 880 endoxa a maravilha da idéia do pintor, a perspicécia ea versatilidade do seu engenho, a pericia técnica da sua arte na execugdo da obra; 28) 0 elogio de males graves (édoxon), porexemplo, atirania;3*) © elogio de coisas parcialmente dignas de elogio, parcialmente dignas de vituperagio, ‘com a defesa parcial das propriedades in- dignas (amphidoxon); 42) 6 elogio parado- xal de coisas indignas de qualquer elogio —morte, escravidio, coisas insignificantes, ete. (parddoxony*. 4.“[...]0 discurso deve quase produzir a visio por meio da audigao.”" Pressupondoe aplicando os quatro graus que especificam louvorea vituperagio de virtudese vicios, a ekphrasisé feitacomope- tifrase owhipotipose queefetuavividamente apresengadacoisa, da pessoa (comoretrato, éffctio), da ago, virtude ou vicio, como se 0 ouvido da audiéncia quase os visse. Novamente, chamo a atengo para a desti- ago oraldaekphrasis: Hermégenes falada audiglo como meio para visio, pois prevé queaekphrasis sejadramatizadaoralmente, fazendo a audigtio do puiblico — que tem a meméria dos sopoi e preceitos do exercicio — contempordnea das agGes figuradas no enunciado pelo tempo presente dos verbos que efetuama enargeiaou evidentia. Nesse sentido, a hipotipose é efetuada segundo uma proporedo adequada da elocugae aos topoi que modelam a matéria do discurso, ‘mas também como proporciodahipécrisis, meleté, actio, pronunciagao oudeclamago do orador, que vai ao encontrode ouvidedo destinatario sabendo que sé fica persuadido com 0 efeito porque, ouvindo o encdmio de coisas conhecidas ou provaveis, espera REVISTA USP, Sao Povo, 271, p. 85105, stanbso/novembo 2006 que seja engenhoso © modo de descrevé- las. Assim, quando diz que se deve fazer 0 ‘encémio de ages e suas circunstancias € ‘© elogio de virmdes ¢ seus graus, segundo ‘© que & endoxon, mas também que 0 en- cémio pode ser feito ironicamente, como parddoxon encomion, quando se aplica a vicios e viciosos, Aristételes pressupde a audiéneia que domina os preceitos ¢ esta capacitada para distinguir a ironia nto 6 nas palavras da elocugio, mas também na pronunciago delas. Nos dois subgéneros aristotélicos do cémico (gueldion, traduzido em latim por ridiculum, € psdgos, ttaduzido por male- dicentia), gueldion € deformagio descrita para fazer 0 destinatério rir sem dor, pois efetua a felira propria dos vicios fracos caracterizados pela falta de virtude, como acovardiaem relagio A coragem;opsdgos, vituperagdo ou maledicentia, aplica-se como deformagio nao-ridicula que causa horror e dor, pois produz feitira propria dos vicios fortes, caracterizados pelo excesso, como a temeridade em relagio A coragem. Emanuele Tesauro exemplifica a oposig#o em seu Traratto dei Ridicoli, de Il Cannoc- chiale Aristotelico (1654), prescrevendo que, se 2 honra é virtude, menos vergonho- so seu extremo vicioso, tirania, que seu outro extremo, servidio. A tirania é vicio misturado com a forga e a arrogancia do coragio, a0 passo que a servidio é propria de um nimo vil e impotente. Comicas, tirania e servidao so deformagées; mas 0 tirano deve ser descrito como deformidade horrorosa, que causa dor, enquanto para 0 servo é adequada a descrigao como defor- midade ridicula, que causa riso sem dor. Assim, aplica-se ao tirano 0 vitupério ddo- xon, pois seu mal é evidentemente sempre grave, nfo admitindo jocosidade. Ao servo também é aplicévelo parddoxonencomion, © elogio paradoxal, pois o ridfculo admite a jocosidade e a ironia, Evidentemente, é possivel tratar uma matéria ridicula de ma~ neirahorrorosae vice-versaem formulacbes parddicas que pressupsem a meméria do discurso citado. Evidenciando 2 longa duracao dos pre- ceitos epiditicos, um texto andnimo, De Autributis Personis et Negotiis Ex Cicero- nis De Inventione Libro Primo (Sobre os Atributos Pessoais ¢ Negdcios a Partir do Livro Primeiro de De Inventione de Cice- 70) retoma Ciceroe Quintilianoe reexpoe os lugares-comuns epiditicos atribuiveis pessoas retratadas: nome, natureza, vida, forvuna, habito, afetos, estudos, conselhos, feitos, palavras, casos. Prescreve que, se alguém se chama Calfdio, a associagio do nome com 0 fogo permite descrevé-lo como tipo temerdrio e inesperado, pois considera-se que os nomes so indices dos costumes. Como na sétira seiscentista atribufda a Gregério de Mattos: “Nunca na fidalguia vi/ Mendonga sem ter Furtado” E, burlescamente, Fret Foderibus in Mu- Heribus. Também se considera a origem do tipo, pois a ascendéncia 6 indicativa do carfiter. E 0 sexo, conforme seja homem ou mulher, ou soja homem e aja como mulher, ete. E a nago, por exemplo, se € rego ou bérbaro; ou a patria, por exem- plo se ateniense ou espartano; € a idade, se crianca, adolescente, homem feito ou velho; ainda, 0 corpo, se forte ou fraco, se alto ou baixo, se formoso ou deformado, se veloz ou lento, etc. E também 0 vivido, por exemplo, de que modo e por quem e com que meios foi ou niio educado, e com quem vive, ¢ como vive, etc. E também a fortuna, seé livre ouescravo, ricoou pobre, aristocrata ou da plebe, feliz ou infeliz. Ba Ingua. E oshabitos,as eleig6es, as paixdes, ete. A ekphrasis feita como prosopografia ou retrato do aspecto fisico aplica esses lugares compositivamente, como lemos no texto de Luciano, “Zéuxis ou Antioco” Lembro rapidamente que o termo “retrato” € 0 participio passado do verbo “retirar”, significando“retirado” oucomposicao feita com particularidades abstraidas de pessoa por meio dos argumentos dos opoi. No inicio do século XIII, Geoffroi de Vinsauf expos um modelo prosopografico entre os versos 562 € 594 de seu Poetria Nova. A técnica prescreve a composigio de retratos femininos segundo um eixo vertical imagindrio que vai da cabega aos és, como se 0 olho do ouvinte, leitor ou ‘espectador fosse recortando partes do corpo EVISTA USP, So Poul, 7p. 85:105, stonbro/navenbvo 2006 95 retratado sobreele, detalhandocada seceio horizontal comaspectos proporcionados 20 decoro. Vinsaufprescreve ques partessejam figuradas por palavras dee! tes, como nomes de pedras preciosas, a cor brancaeo brilholuminoso, poisosefeitos de luz tomam a proporgao epiditica das formas evidente, belae decorosa,compondoum todo harménico. O preceito de composigao do retrato feminino também pode ser aplicado por pintor, que deve dispor o personagem em pé, detalhiando-Ihe as partes do corpo. € cobri-las com roupas magnificas e jéias de ouro, que Vinsauf enumera. Luisa Lépez Grigera lembra que varios medievalistas, como 0 grande Edmond Faral, que em 1924 publicou Poetria Nova € outros textos de postica dos séculos XIT e Xill em Les Arts Poétiques du Xlle et die Xille Siécle, ficaram surpresos com que no século XII aparecesse uma técnica de fazer retratos que, comegando pelo cabelo, seguia de forma descendente pelo rosto até 0s pés. Elandoaparece nos grandes textos latinosde tetéricae pottica—aRetéricaparaHerénio, 0s textos de Cicero, a Arte Podtica, de Ho- racio, a nstituigdo Oratoria, de Quintiliano “que Pociria Novaconhece. A técnicaparece ter sua origem nos progymnasmata gregos, ‘em que 6 prescrita para descrever pessoas e ‘compor retratos caracteriais, «também para inventar fabulas ¢ amplificar a narragio. Sobre ela, AftOnio diz algo: “Describentes vero personas, a summis ad ima usque ire oportebit, id est a capite ad pedes” (“Des crevendo-se verdadeiramente pessoas. seré oportune i do alto até embaixo, isto é, da cabega aos pés”). Ahipétese que muitos me- dievalistas izeram éque Geoffroide Vinsaut tctiatidoconhecimentodos Progymnasmata de AftOnio, nio se sabe se diretamente do texto rego”. (Quando expdem os modos de presentar pessoas, lembraGrigera, aReséricaa Heré- nio, Cicero e Quintiliano no prescrevem a técnicado retrato deAftOnioe Vinsauf, mas propdemdoismodos: a noratio, pequenano- tagdo caracterizadora, como. termo lusca, “caolha”, no poema de Marcial: “Quintus Thaidam amau!. Quam Thaidam? Thaidam luscam/Thaisunumoculum non haber: ille 9s visualizan- duos” (Quinto ama Tafs./ Qual Tas? Ts caotha /Tafsndotemumolhozele, os dois Anotatio€ uma perifrasequeinclui apessoa numa classe, “bom/belo” ou “mau/feio” (Comoa perifraseé de generodemonstrativo, sua aplicagio sempre pressupée a questio: “An honestum (turpe) sit?” (“EB bomibelo (mau/feioy"?). Além da noratio, 0 outro modo consiste em pintar o tipo por meio das onze circunstancias de pessoa expostas por Quintiliano que referi. Assim, quando se descrevem o locus “natureza” € 0s bens (aales) de fortuna da pessoa, por exemplo, podem ser mencionados os bens (males)., ‘Como disse, a imagem visualizante da pintura enunciada no preexiste ao ato do seu fingimento pelo narrador, quea inventa com t6picas que figuram situagées, cenas, objetos, sentengas, tipos, corpos de tipos, earacteres, paixdes, qualidades, quantida- des, habitos e relagGes das partes de corpos, ete. Os argumentos so panegiricos, ou seja, argumentos ilustrados por exemplos € comparagées que agradam ao piblico; em geral, so dispostos numa ordem que, simulando as partes do quadro para o olho do juizo do destinatério, deixam para o final da exposigiio 0 efeito de intensidade ‘ouacmé. Novamente, pode-se exemplificar essa simulagio comparativa de corpos com © texto de Luciano: “Nao € visto por inteiro, mas somente até a meia-altura de seu corpo de cavalo, erguendo com a mao direita um ledozinho até a parte inferior de sua cabega como que se divertindo em assustar os filhinhos L...] Assim aparece 0 centauro; a fémea ‘uma dessas éguas soberbas, como as cria sobretudo a Tessélia, ainda ignorando o freio © a sela; sua metade superior € a de uma mulher perfeitamente bela, excetuadas suas orethas, orelhas de sétiro"™, Como acontece na poesia, que faz a relagdo e a pintura de cada acontecimento, muitas vezes odiscurso da ekphrasis, como aqui, € inventado como pintura de um ato por meio de “fatos” figurados no quadro inexistente, mas semqueo narrador recorra As razdes deles. A descrigio, feita “A ma- neira de” (= “& maneira das coisas feitas”, os “fatos”, e “A maneira da pintura”, arte ‘que mostra), é chamada de diatipose™”. Na ‘ekphrasis de Luciano, que transcrevoadian- te, adiatipose poe em cena, “A maneirade”, uma circunstncia particular de um fato—a reuniiio da familia decentauros ~semexpli- tipose também seaplicacomo prosopopéia, discurso direto de personagem que age ¢ Fala, caso da fala de Zéuxis com seu aprendiz, Mikkios, ci- tada pelo narrador. Também é aplicada por de agdes verossimeis realizadas por ocasitio dos fatos, como a agdo do centauro que sorri para os filhos enquanto segura 0 ledozinho. E, ainda, por meio de palavras ‘que os personagens da pintura poderiam ter falado, também de modo verossimil. Sem deixar de ser provavel, a diatipose pode figurar circunstincias inauditas ou maravi- thosas que habitualmente acompanham os “fatos”, poisas encontra na verossimnilhanga epiditica prescrita para o género. Simultancamente, como disse, o narra dor da ekphrasis ditige-se ao destinatério prescritivamente, fornecendo-Ihe, na va- riago elocutiva do discurso, o modo como deve ouvir (ler) a descrigaio que efetua, ou seja, os preceitos da hipécrisis, meleté, actio, agao ou declamagao na qual aciona amemGria dos fopoi para comparé-los com O efeito c avalié-los adequadamente. Cate- gorias aplicadas, como a pureza, a clareza, anitidez, o brilho, a veeméncia, produzem aenargeiaouevidentia, visualizago imagi nosa que intensifica aclaridade do exposto, presentificando a pintura ausente. Com as palavras brilhantes, estimulando pdthos (em si c nos ouvintes, 0 orador se exercita naekphrasis produzindophantasia™: a g@- nese das imagens fantisticas é seuengenho evidenciado no proprio exercicio. Assim, compondo o destinatério numa pos de recepedo efetuada como meméria dos lugares de elocugo epiditica do discurso, 1 ekphrasis péc em cena no sé imagens ficticias da pintura, mas também um tipo especifico de recepeio constitulda como apta para julgar 0 efeito segundo os precei- car a caro da mesma. A REMSTA USF, Sto Fauo,n.71, p. 85-105, seentvo/novembo 2006 99 100 tos de seu género e no de outro. Para ler a ekphrasis retoricamente, é preciso observar 08 preceitos de sua recepgio fornecidos a0 destinatério pelo narrador, uma vez que a instituigao retérica no é uma “estétic: Pressupde que 0 juizo do destinatério refax as operagbes da elocucao e invengio nor- mativamente, sendo juizo autoral. Antes de ler 0 texto de Luciano, falo rapidamente da ekphrasis como deseri- 80 de pintura aplicada nos proémios dos romances gregos como a matéria a ser desenvolvida pela narragio. Por exemplo, em As Aventuras de Leucipa e Clitofonte, de Aquiles Técio: “Chegando a esse lugar, apés forte tem- pestade, ofereci sacrificios a deusa dos fenicios; chamam-na Astarté os habitantes de Sidon. Passeando entio pelo resto da cidade e olhando as oferendas, vejo uma pintura[graphé] votivadaterrae,aomesmo tempo, do mar. A pintura era de Europa; 0 mar, o dos fenicios; terra, ade Sidon, Na terra havia um prado e um grupo de joven- Zinhas; no mar nadava um touroe sobre seu Jombo estava sentada uma formosa jovem, navegando para Creta sobre 0 touro™”. Jacyntho Lins Brando demonstra que a figuragiio de ekphraseis como matéria que a escrita do romance grego antigo finge imitar na composigo de cenas, persona- ‘gens € acontecimentos indica para o leitor a especularidade do texto, Assim, 0 narrador diz recordar-se de um quadro cuja pintura & ‘ais bela que a natureza, propondo que sua narragio os imita. No pro8mio de Quéreas e Callrroe, escrito porCériton de A frodisias no século ou II d.C., autor se apresenta: "C&- riton de A frodisias, secretiriode Atendgoras, © retor, uma paixio amorosa acontecida em Siracusa narrarei”. Jacyntho demonstra que imita 0 pro®mio da Histéria da Guerra do Peloponeso, de Tocidides: “Tucidides ate- niense escreveu a guerra dos peloponésios € atenienses”. Cériton inventa um narrador que se autonomeia hypégrapheus, notdrio, escrivio, secretério, como garantia da isen- (edo do que vai dizer; mas, como em seguida diz“narrarei",indicao lugar do seu pontode vista: “Essas coisas sobre Calirroe escrevi [égrapha}". A mesma marca de 1* pessoa aparece no proémio do romance de Longo, Dapis ¢ Cloé, do Wow M4. C.: “Em Lesbo cagando, no bosque das Ninfas, um espeticulo vi, 0 mais belo de quantos uma pintura de um quadro {eikdnos graphein] uma historia de amor (historian érotos}. Belo também era 0 bosque, arbo- rizado, florido, irrigado: uma fonte tudo alimentava, tanto as flores quantoas fvores. Mas apintura{graphé] era maisencantado- ra, contendo tanto uma arte impar [rechné perittéin| quanto um entrecho de amor. Assim, muitos, mesmo dentte os estran- _geiros por causa da fama ali vinham, como suplicantes das Ninfas, como espectadores do quadro [eikénos theatai}. [...] Muitas outras coisas — ¢ todas de amor ~ vendo eu e admirando-as, tomou-me 0 desejo de contraescrever 0 que estava pintado [anti- graphai ten graphein). E, procurando um intérprete do quadro [exegetés tes eikonos], quatro livros trabalhei, oferenda ao Amor, as Ninfas e a Pi, patriménio encantador [ktéma tepnén} para todos 0s homens, 0 qual ao doente curard, ao triste consolara, 0 que jf amou fard recordar, a0 que mio amou instruird. Pois ninguém jamais do Amor fugiu ou fugird, enquanto beleza houver © olhos para ver. E a nds 0 deus permita sermos sensatos, ao escrevermos [graphein] as hist6rias de outros". © proémio ja € uma narrativa em Lt pessoa que permite expor para o leitor as motivagées do livro*', Novamente, a matéria que a narrativa afirma ser anterior, imitando-a de outro como pressuposto da meméria do narrador, é uma pintura ficticia, Em decorréncia, como acontece nas ekphraseis de Luciano ¢ Filéstrato, a narrativa se faz como “antigraphai ten graphein", “contrsescrever 0 que estava pintado”, sendo recebida como um “patri- mBnio" que, alémdeagradar, produz outros efeitos, como cura, consolo, recordagio © ensino. Como disse, 0 narrador nao relata ‘osacontecimentos como se fossem eventos empiricos, mas como acontecimentos fic~ REVISTA USE. $60 Poul, 2.7L, p. 85105, stombie/novembre 2008 \icios de uma pintura que s6 existe no seu discurso. Assim, como faz Filéstrato quando se autonomeia “hermeneuta”, a narrativa sempre refere um intérprete (exégeres) da pintura, quase sempre o proprio narrador. (© procedimento ficcional se torna mais complexo no caso do narrador das Hist rias Verdadeiras, de Laciano, que escreve uma falsa fictio, ficg%e sobre 0 que nio-6 € nlo-ocorre, por isso improvavel ou inve- rossimil, pois no hé opinigo semethante 20 nfo-ser, Fazendo seu narrador declarar queé mentira oque conta, Luciano divertia seu leitor antigo com 0 efeito, pois o leitor sabia que 0 “verdadeiro” da opinio sobre ‘a descrigdo fantéstica 6 ndo se deixar levar pela improbabilidade doefeito, mas avaliar ocngenhoe aarte dos preceitos criveis para narrar o incrivel. ‘Quando Luciano descreve,no seu""Zéu- xis ou Antioco", © que afirma ser a obra mais famosa de Zéuxis, “A Familia dos Centauros”,pdeem cenaostoporepreceitos epiditicos que comentei, evidenciande que ‘0 quadro existe apenas na sua ekphrasis: “O ilustre Zéuxis, que foi mestre em sua arte, negligenciava ou tratava apenas mui- to raramente tépicos vulgarizados © de- ‘masiadamente conhecidos, heris, deuses ou batathas: incansavelmente dedicado & novidade, quando tinha concebido algum desenho extraordindvio ou surpreendente, cera nele que aplicava todos os meios de sua arte. Entre outras faganhas, um dia Zauxis executou uma centauresa ladeada de seus filhotes, dois centauros gemeos recém-nascidos. Desse quadro Atenas hoje possui uma cépia de minuciosa exatido [J porque vi a imagem dessa imagem, ‘vou por minhe vez, com palavras, pinté-la ‘© melhor que posso. Nao sou, por Zeus, um grande perito na matéria, mas minha embranga esti fresca, pois eu a contem- plei recentemente na casa de um pintor de ‘Atenas; talvez minha viva admiragio por ‘essaobra-primatambémcontribuaaquipara tomar minha deseri¢do mais maravilhosa. Sobre uma relva alta, destaca-se a prépria ‘centauresa; todo 0 seu corpo de cavalo esté deitado, 0s pés traseiros estendidos,a parte humana ligeiramente algada sobre um dos cotovelos. Os pés da frente ndo estilo au- mentados, como os de um animal, sobre o flanco: um deles se arredonda, 0 casco se dobra, como que para flexionar 0 joelho; 0 ‘outro, ao conteatio, endireita-se e se apsia no cho, como.os cascos dos cavalos que se ‘esforgam parase levantar. Os dois pequenos, um 6 carregado nos seus bragos ¢ nutrido ‘como uma crianga no seu seio de mulher; ‘© outro, como um potro, chupa sua mama de égua. No alto, como uma sentinela, esta ‘um Centauro, evidentemente oesposodessa que amamenta de uma parte e doutra cada Alhote; ek inteiro, mas somente até a meia-altura de 1a-se rindo. Nao € visto por seu corpo de cavalo, erguendo com a mio direita um ledozinho até a parte inferior de sua cabega como que se divertindo em assustar os filhinhos [...}. Assim aparece © centauro; a fémea é uma dessas éguas soberbas, comoascriasobretudoaTessilia, ainda ignorandoo freio ea sela; sua metade superior é a de uma mulher perfeitamente bela, excetuadas suas orelhas, orelhas de sdtiro. No entanto, a mistura e a fusio dos dois corpos, 0 ponto onde a natureza humana se une e se junta a outra é tratado com tal delicadeza, tal fineza, Wo grande arte na transig#io que o olho passa de uma a outra insensivelmente, Nos pequenos, a fisionomia é selvagem sem cessar de ser Jovem, feroz sem cessar de ser terna, €, 0 que particularmente me maravilhou, é seu olhar bem infantil virado para 0 ledozinho, semquenenhumdelesabandonea mamado compo da mae que os alimenta. Que vale 0 conjunto da obra-prima segundo 0s diver sos pontos de vista que escapam em parte nossa inteligéncia figurando o essencial da arte, quero dizer, a corregiio do desenho, © jogo impecsvel e a feliz. combinago das cores, a justeza das sombras, as proporgses verdadeiras, a relagio exata e a harmonia das partes com 0 todo? Cabe aos filhos de pintores © louvor disso tudo: € seu officio reconhecer-se nessas coisas. Por mirm,oque mais admirei em Zéuxis é ter aplicado os talentos variadosdeseuengenhonumatinica ‘e mesma matéria. Assim 0 macho é absolu- tamente feroze verdadeiramente selvagem, REVISTA USP, Soo Pou, n71, p. 85-105, stenbeo/aorenbro 2008 actina arrogante, 0 corpo peludo no sé.em ‘suaparte animal mas também na humana, as ‘espfduas muito alargadas, o olhar, ainda que ria, de besta selvagem, em sums, feito para ‘a montana e de humor dificil. (0 que o narrador de Luciano diz sobre ‘Zéuxiseapinturaé, especularmente,oqueo autor Luciano faz quando escreve a ekphra- sis em que 0 narrador aparece. Por outras palavras, 0 ato da enunciago do narrador do texto € homélogo dos atos da pintura de Zéuxis figurados no enunciado. Assim, ‘quando o narrador louva Zéuxis, extraindo olouvordaestranhezadamatériadoquadro ficticio € da engenhosidade e da perfeia ‘t6cnicado pintor, também louvaaestranhe- za, a cngenhosidade e a pericia do proprio discurso. Particulariza ficcionalmente as partes da tela ficticia, amplificando-as © cencarecendo-as, também particularizando ¢ encarecendo ficcionalmente, com isso, as partes do préprio discurso. E também as compara, fazendo outras amplificagées, também comparando, com isso, partes do proprio discurso em outras descrigSes. As- sim, comega por constituir 0 ponto de vista do destinatério e, para isso, aplica topos de modéstia, afirmando que nao € perito, para imediatamente dizer que escreve movide pelo entusiasmo causado pelo espanto da visio do quadro que afirma ter visto. A admiragdo alegada pe em cena o carter extraordindriodacbra, como prescreve Her- mégenes, evidenciando para o destinatério que a admiracSo pressupostana enunciagzo corresponde a maravilha epiditica da sua ekphrasis. Em seguida, situando a centau- esa e os filhos num fopes bucélico, aplica tpicas epiditicas de “bens da natureza”, fazendo a descrigtio do aspecto fisico dos ‘monstros. Os centauros so caracterizados or adynata que compéem paixées corres- Pondentes a sua natureza mista: “feroz sem cessar de ser terna”, “o olhar, ainda que ria, de besta selvagem”. E isso porque, como tembraCastelvetro nos seus comentérios da Poéticaaristotética,olouvore avituperagio pressupem que ofisicamentebem formado, kalonipulchrumibelo, ¢0 fisicamente mal- formado, aiskhron/turpelfeio, aparecem a0 ouvideeaoolhocomoevidénciasensivel da proporcao racional da virtude e da despro- oreo irracional do vicio inteligiveis pelo otho interiorda mente. Por outras palavras, © aspecto fisico dos centauros metaforiza ou alegoriza a natureza de seus afetos quando a imagem se oferece ao jutzo do ‘ouvinte ou ¢ de humor dificil”. Ao mesmo tempo, 0 narrador chama a atengdo do destinatério para as sutilezas de Zéuxis na figuragio da rudeza: “No entanto, a mistura ¢ a fusio dos dois corpos, ponto onde a naturcza humana se une e se junta A outra 6 tratado ‘com tal delicadeza, tal fineza, to grande arte na transi¢io que 0 olho passa de uma a owtra insensivelmente”. Insistindo no artificio, lamenta adiante ‘que seu ouvinte e leitor tendam a valorizar ‘apenas a estranheza da matéria deserita em suaekphrasis, afirmando que desejou aliar’ estranheza orespeitopelas autoridades anti gas. A obra no deve ser valorizada apenas pela maravitha, mas principalmente porque também imita os preceitos antigos de auto- ridades: “[...] essa feliz escolha de frases das quais os autores antigos nos deixaram ‘omodelo,essa vivacidadede pensamentos, essa fineza de imaginago, essa graga ftica, essa harmonia, a arte, enfim, que resulta de todas essas qualidades™?. Por isso, referindo-se & pintura, os enunciados mimetizam “o essencial da arte” da ekphrasis, fornecendo 20 desti- natério © preceito que deve aplicar para Julgé-la, ou seja, “a correcso do desenho, 0 jogo impecivel e a feliz combinagao das cores, a justeza das sombras, as proporges verdadeiras, a relaglo exata e a harmonia das partes com 0 todo”. Luciano também escreve que alguns dos espectadores grita- ram espantados quando viram o quadro e ‘que Zéuxis j4 esperava que os enchesse de ‘entusiasmo, pois néio conheciam a idéia ¢ touvariam precisamente a suasingularidade. ‘Ao Ver que é s6 a singularidade da tépica © que os entusiasma, pois se esquecem da execugio ¢ tratam como coisa acesséria a arte de cada detalhe, Zéuxis fala a0 seu aprendiz:“*Vamos embora, Mikkion,embale ‘© quadro para levé-lo para casa; essa gente (or: “feitos para a montanha RESTA USE, S00 uo, 71, p. 85105, setembro/novenbxo 2000 la 56 louva a lama do offcioe nfo se importa Quando lemos a ekphrasis 23, dos Ei- » comaessénciadabelezacofundamentoda _Aones, de Filéstrato, encontramos amesma ° arterotalentodacnecugodesaparecefente contrafagio em que a ficcionalizagio da s ao imprevisto da matéria”. Novamente, © ficgio da pintura 6 disposta como seo des- a que Zéunis diz sobre a pinturac © plblico tinatirio a estivesse vendo da perspectiva 5, vale especularmente para a ekphrasiseseu do sujeito de enunciaglo segundo vérios ° destinatétio: 0 ouvinte € leitor devem ser espelhamentos que evidenciam o artificio a capazesdeocuparaposiciodonarradorab- enquanto o dissimulam na enargeia do ° solutamentecientedos preceitos que aplica _efeito de presenga: ° para poderem avaliar © artificio aplicado. a Quemapens valorizasestranhezadocfeito “Esta fonte reproduz os tragos de Narciso, ° demonstra ignorar que Luciano compe a como a pintura reproduz a fonte, 0 proprio a | ekphrasis com preceltos homélogos dos Nasciso e sua imagem. O jovem que volta o | preceitosdoquadroinexistente,competindo dacagaesti em pé perto da fonte suspirando ef discursivamente com o pintor. por si mesmo fascinado da prépria beleza, a Poroutras palavras, paraler ekphraseisé — iluminando a égua, como vés, com sua graca 1 fundamental observar o ropos daemulago _radiosaf...fielverdade,apinturanos mostra e | das artes: Luciano compte ekphraseis que a gota de orvalho suspensa nas pétalas; uma. sf descrevem o talento dos pintores Apeles e abelha pousa na flor, cu nio saberia dizer se ay Zeuxis para evidenciax que seu engenho é est enganada pole pintura ou se nfo somos a capaz de competir discursivamente com _nésquenosenganamos erendo que claexiste : cles, Mais que descrigdes de quadros, va- realmente. Mas, seja, erramgs. Quanto a ti, s lem como argumentos que defendem sua jovem, néo é uma pintura o que causa tua 2 eloquencia oratéria. A exemplacidade da ilusi, nfo sio as cores nem uma cire enga- | | i obra de Zéuxis 56 se torna vi da sua ekphrasis que, fingindo 0 reconhe- cimento da sua qualidade, demonstra ser capaz de avalié-la com qualidade postica idéntica ou superior, Assim, 0 louvor do efeito maravilhoso e da perfeigio técnica 4a pintura dos centauros é circular: o dis- curso louva a imagem ficticia dos seres jel por meio mistos pintados por Zéuxis para louvar-se asi mesmo como mescla estilistica que os efetua ficcionalmente. A emulacdo (zelos) da pinturainexistente que onarrador de Lu- ciano descreve ficcionalmente, declarando (G-lavisto, sobredeterminaaekphrasiscomo ficgdo da ficgo: “{...] porque via imagem, dessa imagem, vou por minha vez, com palavras, pinté-la 0 melhor que posso”. nadora que te mantém preso; no ves que a ‘agua te reproduz tal como tu te contemplas; iio te apercebes do antificio dessa fonte [...] Mas Narciso nffo nos ouve: a 4gua cativou seus olhos ¢ ouvidos. Digamos, pelo menos, ‘como o pintor 0 figurou [...] 0s dois Narci- sos so semethantes, brilham com a mesma beleza; a vinica diferenca entre eles é que um sedestaca contra um fundo de c6ue 0 outro & 10 como mergulhado na gua; 0 jovem se mantém imével sobre a 4gua que est imével ou, anies, que o contempla fixamente, como ‘que tomada pela sua beleza”™. Nao hd espaso para mais exemplos tormino, sem acabar, lembrando a0 leitor 0 ‘conto de Borges sobre os gedgrafos do rei. | nonis 4 1 Omeodigesugee oi renga wb ono sunburns Cano decade oescnieo wis ep! eb Spores lores dost menting Henge, egret boc Ror : ‘ tf on Tote god ae ptt al, per fee ves Fa ged Hoe, 1007p 1 ‘ | 2A Ter, Ponymcny a, Wil etn, fs Bs abe, 197, 1186. 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