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FACULDADE DE COMUNICAGAO PBS-PUBLIC BROADCASTING SERVICE UMA ANALISE DO MODELO DA TELEVISAO PUBLICA AMERICANA ERICO GONCALVES DA SILVEIRA. DDACITTA PBS-PUBLIC BROADCASTING SERVICE UMA ANALISE DO MODELO DA TELEVISAO PUBLICA AMERICANA Dissertagio apresentada a banca examinadora da Faculdade de Comunicagio, como exigéncia parcial para obtengtio do grau de mestre em comunicagio, sob a orientagdo do Prof. Murilo César Ramos. RRASITIA RESUMO modelo de televistio piblica americana ¢ analisado em um hist6rico politico e institucional da Public Broadcasting Service - PBS. A PBS é a rede piiblica de televisio dos Estados Unidos. Sua estrutura institucional, seu sistema de financiamento ¢ sua relagio com 0 Estado so 0s pontos de partida desta anilise. O histérico descreve 0 percurso da radiodifustio americana, desde os primeiros debates sobre 0 cariter plblico das comunicagdes, a consolidagio do modelo econémico do setor e sua legislagio, até a estruturago da rede piblica, com a criagdo da PBS em 1969. Continua com a descrigao dos seus primeiros anos de funcionamento, os impactos da gesto Nixon sobre sua estrutura e a desregulacio dos anos 80. 'A PBS 6 abordada sob a TELEVISAO EDUCATIVA: UM PROGRAMA DE ACAO. Relatbrio ¢ recomendagdes da comissto Camegie de televistio educativa, Tradugio Pinheiro de Lemos. [sl]: [51], 1967. p.27 realidade culminou, no ano de 1961, no emblematico discurso do presidente da Federal Communications Commission (FCC)*, Newton Minow condenando a televisdo, chamando- a de uma “grande terra de desperdicio" (vast wasteland)’, cobrando do setor o comprometimento com o interesse ptiblico como condigao para as licengas. As discusses, sobre a qualidade da televisio americana acabaram por forgar 0 Estado a montar uma estrutura, reservar fundos, com interesse tinico de promover uma rede publica de televistio. Por meio do Educational Television Facilites Act de 1962, 0 governo federal proveu recursos para a construg&o ¢ aparelhamento de televisdes piblicas néio-comerciais®. Com sucessivas ages incentivando a televisiio piblica, 0 governo anunciou a formagio de uma comissio para estudar seus problemas ¢ propor solugdes. A Comisséio Camegie publicou seu relatério - Televistio Educativa: Um Programa de Agao — em 1967’. Este documento & considerado um marco da rede de televisio piblica americana, definindo seu modelo de organizagaio e funcionamento, seus prineipios e objetivos, sugerindo, entre outras coisas, a criagGo de uma corporago, para implementagao do projeto. Em 1967, 0 congresso acatou as orientagdes da comissio ¢ criou a CPB, Corporation for Publie Broadcasting, entidade destinada a promover a qualidade e a instauragdo de uma rede para as televisdes piiblicas. Segundo a mesma lei de sua criagiio, Public Broadcasting Act of 1967, a CPB nao poderia operar a televisio piiblica diretamente.* Por essa razio, a PBS — Public Broadcasting Service foi criada com 0 objetivo de interconectar as emissoras ¢ também promover a produgdo de programas. A PBS foi formada em um acordo entre a CPB, as estagdes locais € seus representantes, com a preocupagilo de manter 0 cardter local da rede de televisio piblica, para nfo repetir a centralizagdo do modelo das redes comerciais”. sobre esse modelo piiblico de televistio aberta que este estudo trata, abordando principalmente o papel daquela que pode ser considerada a rede nacional, que reine a 4 Federal Communication Commission € a agéncia derivada da Federal Radio Commission responsavel por regular o setore, dente suas principas aribuigSes, sté a de concedere fiscalizar as licengas das emissoras 5 TURNER, Marshall. Why Public Broadcasting? Current, Mar. 1994. “Public television originally was ‘conceived as a voice of quality in what formal FCC Chairman Newton Minow called ‘a vast wastland’.” “WALKER, James, FERGUSON, Douglas. The Television Broadcasting Industry. Boston, MA: Allyn & Bacon, 1998, p.139-140. "TELEVISAO EDUCATIVA: UM PROGRAMA DE AGAO. op. cit * Thid. p. 50-58. OWATICER lames, FERGUSON. Dowels. op. cit». 141-143. grande maioria das emissoras de tevés piblicas americanas. Financiada pelas proprias afiliadas, pelo governo federal, através da CPB, por doagées e por patrocinadores privados, a PBS representa a resposta americana A critica da mediocridade do conteiido da televisio meramente comercial. O modelo representa também uma resposta americana a0 modelo ceuropeu, onde a televisiio sempre se colocou como servigo publico. Interesse pilblico ¢ servigo piiblico sto principios normativos que esto na origem dos principais modelos de televisdio do mundo. De um Jado 0 europeu, methor representado pelo modelo inglés de origem pablica, com presenga forte do Estado, na forma da British Broadcasting Corporation (BBC). De outro, 0 americano, com a exploragao da televisio como negécio, livre da ago direta do Estado. Deste debate entre os modelos e suas propriedades, surge o sistema americano de televisto piblica, respondendo a auséncia de vozes, de opinides que estavam & margem da televisio por sua inviabilidade dentro do modelo adotado. A origem do sistema piblico americano, a sua estrutura institucional; as bases normativas que © sustentam; 0 controle do Estado; 0 modo de financiamento; a liberdade ¢ a responsabilidade sobre 0 conte(ido; todos sto assuntos pertinentes para a compreensiio deste modelo de televisio, a partir de uma dtica histérico-politico e institucional. Ficam de fora do objeto do estudo a andlise da recepgiio, a mensuraciio quantitativa ¢ qualitativa da audiéncia. Deixando de lado as bases das teorias da recepgtio ¢ a andilise de contetido, o trabalho concentrari seus esforgos para compreender a natureza institucional e normativa do modelo. Como a histéria da televisdo brasileira esteve sempre atrelada a americana, tanto na forma produtiva quanto nas definigdes normativas, sustenta-se a necessidade deste estudo. A compreensio do modelo americano, assim, insere-se no debate para a formagtio do modelo de televisdo para o Brasil, mesmo que indiretamente. ‘A escolha da PBS para falar da televisdo publica americana é devido ao seu papel no cenirio de tevés piblicas mundiais. Concentrando a maioria da verba financiadora & sustentando a maior parte da programago nao-comercial dos Estados Unidos, a PBS é a instituigdio que representa a televisio piblica americana. ‘Ainda que sua estrutura fiuncione em outro sentido daquele das redes comerciais, a PBS é a estrutura central, provedora de contetido, suporte técnico e outras fungdes junto as emissoras. Considerada a rede piiblica nacional, financiada pelo governo federal, pelas afiliadas, e também por entidades privadas, ela ¢ uma provedora de contetido das estagdes, locais piblicas de transmissao terrestre, atendendo 349 estagdes de televistio espalhadas pelo territério americano’. ‘A auséneia de bibliografia em lingua portuguesa que analise modelos estrangeiros de comunicagio social também faz deste estudo uma necessidade. ‘A partir do ponto de vista histérico, é importante ressaltar como comegou a TV piblica americana, todo 0 debate sobre o cariter piiblico das comunicagées ¢ da televistio, mesmo antes da consolidag&io da PBS. Decisdes do congresso, 0 papel da FCC, as origens da radiodifusiio educativa, as entidades e fundagées de origem privada que foram e so atores importantes da Televisio Publica; conselhos, comissdes, as origens da CPB. Estes so ontos importantes que permearam a tevé publica até hoje, levando em conta as adaptagdes para acompanhar as mudangas do setor de comunicagdes. neces ‘A anilise do modelo da PBS ser delineada a partir do estudo historico ¢ teri como preocupaco fundamental alguns pontos sem os quais uma televistio em rede jamais existiria: rede de distribuigdo ¢ o sistema de financiamento, além da relago com o Estado. Todos tépicos fundamentais para a compreenstio de qualquer televistio. O sistema de financiamento € ponto-chave para a compreensio da estrutura institucional e normativa de toda rede de comunicago, A maneira como ¢ estruturado o sistema de financiamento °© PBS Annual Report 2001. online}. [sn]. Disponivel na Internet: - implica no modo de produgao e influi no conteiido. Nao sé no montante de recursos alocado, mas levando em conta suas origens e destinagées. ‘Acstrutura normativa que sustenta a PBS completa a andlise da estrutura da rede piblica de televisto americana, O conjunto de leis € resolug6es que sustentam ¢ dio forma A tevé piiblica americana, 0 papel do Estado, a participagdo da sociedade civil organizada, as instituigdes que participam do proceso, Os Acts, que so as leis aprovadas pelo Congresso americano, a Federal Communication Commission, © proprio Congresso; principios legais, liberdade quanto a0 governo, liberdade quanto ao mercado, liberdade politica, liberdade de expresso. Compreender as politicas piblicas que confor mam a televisto piblica americana & preocupagiio constante no histérico tragado. Do ponto de vista tedrico, o estudo procurari se apoiar no campo da democracia, dos direitos civis ¢ da cidadania, nas fumgdes do Estado, da relagio deste com a estrutura econdmica do setor na definigo da natureza dos servigos de comunicagao. Assim, torna- se importante ter 0 ponto de vista dos Policy Studies, que so os estudos de politicas piblicas. As fungdes do Estado ¢ a compreensio do servigo piiblico conduzem 0 estudo para o campo tebrico sob o qual se discute € se afirmam as Politicas Publicas. No livro Studying Public Policy "' , 0 autor postula sobre as ambigdes da Policy Science’? como campo de estudo, define Politicas Publicas e desmembra a politica piblica em seus estigios. A importincia deste livro esté justamente em definir pardmetros para a anzilise do processo de concretizagio da televisio piiblica americana, escolhendo a linha de abordagem, desmembrando as etapas de problematizagdo, da formulagio da politica, 0 processo decisério ¢ a implementag%o da televisio piblica, ou mesmo de politicas posteriores para o setor. O método dard consisténcia a anilise de cada parte do processo: 0 papel do Estado, das instituiges, das leis e da sociedade. © estudo é amplamente baseado na andlise de bibliografia académica e do mercado de televisio. Também serio utilizados como fonte, sites das instituigdes envolvidas ¢ '! HOWLETT, M., RAMESH, Michael. Studying Public Policy: Policy Cicles and Policy Subsistems, Oxford: Oxford University Press, 1995. 2’ mamutengdo do termo Policy Science em inglés serve para diferenci-lo de Ciéncia Politica periédicos especializados do setor para coleta de dados recentes. Além disso, a pesquisa dos principais documentos oficiais, os Acts, relat6rios e decisGes determinantes no processo de consolidagaio da rede de televisio piblica americana completam as fontes utilizadas. Livro fundamental que devo aqui citar como referéncia & a pesquisa de pés-doutorado realizada por Laurindo Leal Filho chamado: A melhor TV do mundo — 0 modelo britéinico de televisdo. Nem tanto pelo contesido da pesquisa, jé que esta € sobre a BBC, mas principalmente como estrutura e metodologia da anilise. Sendo 0 objeto deste estudo da mesma categoria daquele: uma rede de televisio © seu modelo de comunicagdo, e tendo aquele livro obtido sucesso na sua pesquisa, nada mais adequado que sua inclusio em posic&io de destaque como referéncia em nosso estudo.'* Outros livros especificos sobre a televistio aberta americana, como Broadcasting Industry, Technologies of Freedom, Down the Tube, Who owns the media? ¢ outros so as fontes primérias do contetido sobre o modelo americano de televisio € seu proceso de produgio. ‘A grande maioria dos livros sobre broadcasting" tem um capitulo ou uma parte destinada a tev piblica. Livros especificos sobre a televistio publica americana completam as necessidades de dados mais especificos. ‘Além de livros, alguns periddicos importantes forneceram dados sobre a PBS, como Broadcasting and Cable especializada em rédio ¢ televisio, com predomindncia da dltima, Current, uma revista especializada em tevé publica, Atualizagdes foram conseguidas em relatérios anuais da propria corporagaio PBS, em seu proprio site e no site da CPB. As leis mais importantes para o trabalho, como o Communications Act de 1934, 0 Telecommunications Act de 1996, 0 Television Facilites Act de 1962 0 Public Broadcasting Act of 1967, além de outros documentos foram consultados na pagina eletrnica da Library of Congress’, da FCC e da Current. © LEAL FILHO, Laurindo, A melhor televisio do mundo: O modelo britinico de Televisio. Séo Paulo: ‘Summus, 1997. * Trermo em inglés que é traduzido no Brasil como radiodifusdo, °° Library of Congress [online] Disponivel na Internet: . Cabe ainda mencionar, com destaque, a IMportancat Gos EStUULS US RYLELL NuvcuCoUEy para esta pesquisa. Em dois livros: Telecommunications, Mass Media and Democracy" € Rich Media, Poor Democracy'’ ele fornece fatos ¢ conceitos fundamentais para a compreensiio do modelo. A estrutura do trabalho comega na contextualizagao do cendrio da televistio americana, comercial e piblica. Também contextualiza 0 modelo entre os modelos de comunicagao segundo a natureza do seu servigo - uma explicago da origem dos modelos de comunicagao ¢ a bifurcago entre 0 modelo american ¢ © modelo europeu/britanico, a partir de sua visto da natureza do servigo de comunicago. A polarizagao entre os conceitos de inieresse piblico ¢ servigo piiblico, ¢ ainda os principios que sustentam 0 conceito de servigo pliblico para a area de comunicagao - a cidadania e o direito a comunicagio - ‘completam 0 conjunto de conceitos que sustentam a andlise hist6rica. 0 histérico da televistio piblica americana, propriamente dito, seré mostrado a partir dos primérdios da comunicago naquele pais, desde debate anterior & legislagao de 1934 até a formago € consolidagao da CPB e da PBS, passando pelo auge da rede nos anos 70 ¢ 0 impacto da desregulamentago dos anos 80, chegando ao cenéirio atual. O histérico tragado sera construfdo e analisado a partir dos conceitos de politicas pablicas ¢ atentando para a natureza do servigo de comunicago, para a categoria do modelo em relago aos modelos existentes e observando os prineipios da cidadania aplicado & comunicagao. 16 MCCHESNEY, Robert W. Telecommunications, Mass Media, & Democracy: The battle for the control of US, Broadcasting, 1928 ~ 1935. Oxford: Oxford University Press, 1994. "1d, Rich Media, Poor Democracy. Oxford: Oxford University Press, 1999. PARTE I DAS HIPOTESES ‘A questtio de partida deste estudo é: Qual € 0 modelo da televistio piblica americana? Responder a essa pergunta significa identificar seu modelo institucional e normativo, a partir da centralidade do Estado. Conhecer os atores que formam 0 modelo, as instituigées do Estado, do mercado privado e da sociedade civil organizada, compreender seus papéis verificar suas competéncias e relagSes conformam a resposta. ‘Além dos atores, é importante analisar os instrumentos utilizados para o estabelecimento do modelo. Eles so pontos-chave para dizer qual é 0 modelo americano. Um dos mais importantes instrumentos é 0 sistema de financiamento. Reside muito 0 sucesso de um modelo de comunicagio em um sistema de financiamento que equilibre 0 controle do modelo pelos atores. © segundo instrumento de destaque é a estrutura normativa que organiza 0 modelo, Sua complexidade abrange tanto as leis (que, no caso americano, sfio denominadas Acts) que definem diretamente 0 modelo de televistio, quanto decisdes indiretas que Vao influenciar também a estrutura da televisdio publica, como exemplo, as aprovagdes orgamentirias dentro do Congresso, ou resolugdes ¢ relatérios desenvolvidos por instituigdes importantes para o setor. s instrumentos, principalmente normativos, so definidos no embate politico dos atores ¢ no esto dispostos linearmente, mas sio fruto da dinmica deste embate. Por isso, a abordagem histérica inclui a abordagem politica, essencial para compreender 0 modelo. ‘Ainda, para bem compreender a televiso piblica americana, é necessério desenhar 0 cendrio onde ela se encaixa. Por isso, descrever 0 modelo comercial e sua relagao com 0 modelo piblico é parte da resposta. A televisio publica americana nasce para cumprir alguns objetivos, identificdveis a partir do seu estudo. O principal problema de qualquer modelo de comunicagio, em qualquer pais, é atender a principios fundamentais, quais sejam: multiplicidade de vozes, liberdade de expressiio ¢ universalidade do acesso oferecida aos cidadai s, principalmente. Como 0 modelo comercial americano niio conseguia atender a alguns aspectos destes principios por causa de sua légica (aniincios publicitarios, vezes audiéneia, igual a faturamento), achou-se necessitio o estabelecimento de um modelo que atendesse aos temas e aos piblicos que néio cram considerados lucrativos. Assim nasce a televisio publica americana com o objetivo de complementar 0 modelo jé existente. A televisio piblica, restou a tarefa de informar, educar, ampliar os horizontes culturais, debater assuntos importantes, mas de pequeno apelo popular. Mas seré que a televistio piblica montada nos Estados Unidos aleangou os seus objetivos? Conseguiu ela complementar o modelo comercial e suprir a caréncia da multiplicidade de vozes que esto silenciadas no modelo de origem? A primeira hipétese a ser verificada neste estudo é que © modelo americano multiplica sim as vores, inserindo na sua grade de programas temas que nio seriam atendidos em uma televisiio que ¢ financiada por aniincio de produtos. Ela complementa um modelo que néio pode se dar ao Iuxo, em um mercado competitive, de atender a temas que no garantam uma audiéneia que justifique o investimento publicitario. ‘A segunda hipétese € quanto forma. A televisio publica conseguiu estabelecer uma eqiiidistancia entre o Estado e o mercado e¢ isso possibilitou que ela atingisse scu objetivo. Ou seja, ela conseguiu sua autonomia equilibrando 0 controle do mercado sobre ela, sem ficar refém do poder do Governo, I presumivel que o sistema de financiamento seja fator determinante a ser considerado, gragas a seu papel no resultado do servigo de comunicagao oferecido. Apés 0 entendimento deste sistema de financiamento especifico ficara mais facil verificar esta segunda hipotese, qual seja: a_televistio piblica_americana_conquistou autonomia financeira. A terceira hipétese néo se refere a televistio piblica diretamente, Ela se aplica a todo 0 modelo americano quanto a finalidade da comunicagiio para a sua sociedade. A terceira hipdtese: © modelo americano, ou seja, a complementaridade entre o modelo comercial ¢ 0 ‘modelo ptiblico, ndo é destinada a garantir cidadania aos americanos, gragas a0 papel menor do servigo pablico em suas comunicagées, em comparagdo com a industria da televisio comercial. Parece-me que, apesar do objetivo da tevé piblica americana oferecer servigos eminentemente pibblicos de comunicagao, ela no ¢ estabelecida sob o principio de que a comunicagio ¢ importante para a conquista da cidadania, um direito. As leis, 0 mercado, enfim, 0 modelo como um todo nfo trata o servigo piblico de comunicagio como um direito e uma necessidade, mas apenas como mais uma opgio para o cidadio. Esta hipétese néo especifica deste estudo, mas permeia a discussio sobre 0 papel das comunicages em uma sociedade, estando presente, mesmo que implicitamente, no desenrolar da investigagaio. Pode até se dito que esta hipotese néo se aplica somente a este trabalho, mas a qualquer estudo de modelos de comunicagio. 2. DO METODO Este é um estudo histérico-politico e institucional. A escolha de uma metodologia histérica como base deste estudo est calgada na classificagdo dos instrumentos de verificagao utilizados nas ciéncias humanas, segundo Giovanni Sartori. Em ordem decrescente, ele classifica 0 método de acordo com seu grau de “fora de controle”: 1) método experimental, 2) método estatistico, 3) método comparativo, 4) método histérico’. © método histérico aparece em tiltimo lugar na lista por ser 0 mais fraco para fins de controle. Porém, negara histéria como repositério de experiéncias das quais extraimos confirmagdes ou desmentidos ¢ um erro. A dificuldade esti em saber utilizar 0 material histérico como controle."” Por isso niio interessa 0 método historiogrdfico, aquele utilizado pelo historiador para conhecer a historia. Aquele que estuda ciéncia politica ou ciéncias sociais, apenas o tratamento da historia que serve para controle, isto é, para a verificagio de leis ou hipéteses generalizantes, Ihe é interessante.”” ‘Ao defender a escolha do método histérico como base para o estudo, mesmo sendo considerado 0 mais fraco sistema de controle, ¢ preciso explicar 0 porqué. Cabe, principalmente, diferencid-lo do método comparativo. No método comparativo, 0 corte do objeto & horizontal ¢ sincrénico. Quase sempre, se compara unidades ou sistemas equivalentes e em um periodo de tempo também equivalente.”' Vale ressaltar a diferenga entre sincronia cronolégica (fatos ocorridos a0 mesmo tempo, no calendario) ¢ sincronismo histérico (fatos que representam periodos historicos equivalentes). Por exemplo, a Revolugio Industrial da Inglaterra e a industrializagao brasileira ocorreram em tempo cronolégicos diferentes, mas sfio tempos hist6ricos equivalentes e compariveis. O objeto de estudo escolhido, para uma compreenstio completa de seu modelo, deve ter um recorte vertical, proprio de um estudo histérico. "8 SARTORI, Giovani. A Politica. Brasilia: Editora da UnB, 1997. p. 204 Thid. p. 204 © Ibid. p.205 * bid. p. 205 ‘A talvez indicada comparagio com um modelo de televisio publica brasileira nao seria possivel de uma forma plena, j4 que o estagio em que se encontra a televisao piiblica brasileira nfo fornece unidades comparativas suficientes com relagao a0 modelo americano, por sua insipiéncia. Em outras palavras, a televisio piblica brasileira nao tem, ainda, hist6rico passivel de sincronia com o modelo americano. A comparagio seria infrutifera. ‘Ainda em defesa do estudo histérico, esta implicita no método a idéia da comparacdo, quando 0 pesquisador tem um conjunto de generalizagdes ou hipéteses € 0 caso estudado serve para avalid-los: “(J 08 estudos de casos singulares, podem ser concebidos e wilizados, pelo cultor do método comparativo, como um instrumento de controle de hipéteses. Até mesmo um estudo de casos pode gerar hipéteses e servir para verificd-las Acrescentaria que 0 argumento & perfeitamente aplicdvel aos casos historicos (e nao sé 08 casos ainda por estudar). Admitindo um esquema tedrico, e por seu intermédio um conjunto de leis ou generalizagdes, podemos muito bem reunir uma documentagdo histérica suficiente para avalié-los & luz de ‘casos passados’ oportunamente isolados e reconstruidos”. (SARTORI, 1997). Finalmente, sobre o estudo histérico & importante destacar a necessidade de sua periodizagaio. A sequiéncia de crises, por exemplo, de legitimago, penetraga0, urbanizagao, distribuigdo, ou outras, deve ser traduzida em uma periodizagao, uma delimitagao histérica adequada. Caso contririo 0 estudo histérico perde sua forga como controle.? Este estudo 6, ademais, histérico-politico e institucinal. Isto porque a apreensiio e andlise do objeto se dartio a partir do ponto de vista das politicas piblicas, por conta da sua natureza e estrutura. Esse objeto, a televisio publica americana, embora tenha origem no envolvimento € na participagiio de varios outros segmentos da sociedade (fundagdes, ‘universidades ¢ instituigées comunitérias), vincula-se primordialmente a estrutura do ? Ibid. p.206-207. ® [pid. p.207. Estado e suas instituigées, puiblicas, de governo. Seja pela participagao estatal no sistema de financiamento, seja pelas leis originadas no governo, nos poderes executivo ¢ legislativo, ou mesmo pelas instituigées vinculadas ao poder legislativo que administram suas verbas, 0 Estado esti numa posigo central em relago a televisio publica americana, condi¢o sine qua non para a caractetizagiio de um estudo de politicas publicas. Isto porque, segundo Howlett & Ramesh, o agente da politica publica é claramente 0 governo. Isso nfo quer dizer que 0 setor privado, organizagdes filantrépicas, individuos ou outro grupo social qualquer, nfo influenciem as agdes de um govemno, e até determinem o curso de um sistema de politicas piblicas. Em primeira instancia, nao obstante, 0 govemo ¢ o principal agente ¢ desempenha o papel central.”* A televisio piblica americana, esclarega-se, resultou de um grande debate no ambito regulatério, com participagdo da sociedade civil, que comegou na época da eseolha do modelo de comunicag3o social eletrénica que os Estados Unidos iriam adotar. Com a derrota do modelo piiblico, na comercial, para o modelo comercial, no Communications Act of 1934, © com o passar do tempo, 0 govemo foi sendo pressionado pelos setores sociais que defendiam o modelo piblico, argumentando que o modelo privado ¢ comercial adotado niio cumpria as necessidades da sociedade, deixando de lado, por exemplo, 0 cariter educative da programagio de televisio. Assim, 0 proprio Estado acabou conformando um modelo publico paralelo ao modelo privado, inspirado nos modelos europeus, especialmente 0 britinico, mas sem assumir as caracteristicas tipicas de um servigo piblico. Escolher 0 caminho metodolégico das politicas piblicas significa dizer que a televisio piblica é um subsistema de politicas que serdo analisadas a partir desse ponto de vista. Recorrendo mais uma vez a Howlett & Ramesh, em seu livro Studying Public Policy”, > HOWLETT, M., RAMESH, Michael. op. cit. p. 5 : “First, Dye specifies clearly that the agent of public policy-making isa government. This means that private business decisions, decisions made by charitable ‘organizations, interest groups, individuals or other social groups are not public policies. When we talk about ‘public policies we speak of actions of governments, Although the activities of non-governmental actors may ‘and certainly do influence what governments do, the decisions or activities of such groups do not in themselves constitutes public policy.” * id. colhemos 0 método de estudo para nos guiar. O livro define que, para estudar uma politica piiblica, é necessétio se preocupar com duas instncias prineipais: os atores e instiwicdes importantes no sistema ¢ 0s instrumentos utilizados pelo governo. Os atores so desde membros da burocracia, agentes politicos, instituiges atuantes no setor, enquanto os instrumentos si os caminhos escolhidos pelo govemo para implementar a politica. Regulagio, subsidios, prestagio direta de servigo, a utilizagao da comunidade, do mercado, entre outros, so todos instrumentos de que um governo pode se valer para atingir seus objetivos numa determinada politica ou sistema de politicas. F por isso que neste trabalho, a abordagem se preocupard com atores ¢ instituigdes ¢ os instrumentos da politica, centralmente. O estudo Hisiérico-Politico e institucional fica assim delimitado ¢ este é 0 método escolhido para o estudo. ‘Ainda quanto ao método, cabe dizer sobre a coleta e classificagao de dados algumas poucas coisas, Todo 0 trabalho foi baseado na coleta de dados, fossem eles colhidos em trabalhos académicos, livros especializados do mereado de televisto, periddicos especializados, ou documentos oficiais. Esses dados foram classificados em trés distintas categorias, de acordo com a natureza conceitual em que se encaixavam. Segundo Sartori, a necessidade de classificagdo da documentagao vem da necessidade de fugir a uma atividade de pesquisa dispersiva e trivial, que no foi guiada por “recipientes conceituais” e que se perde em uma documentagao de situagao cadtica, sem padronizago.”° [As cincias nfo-experimentais nfo se fundamentam em observagées de laborat6rio, mas na observagdo de fatos, transformados em dados ao se classificé-los em recipientes conceituais.”” © autor prope uma escala de abstragdo que serviré para a classificagdo dos documentos encontrados. Segundo Sartori: 2 SARTORI, Giovani. op. cit. p. 226. hid 771 “B evidente que ao longo de uma escala de abstragdo podemos ter numerosos niveis de abrangéncia e, inversamente, de especificidade. Para os fins de uma esquematizagéio bastard distinguir trés faixas. (..) Nivel elevado, conceitos de categorias universais, aplicéveis em qualquer local e tempo; neste caso a conotagao & sacrificada drasticamente em favor da denotagdo global. Na faixa do nivel intermedidrio, encontramos as categorias genéricas (mas nio universais); a denotagdo é ai equilibrada pela conotagéo, embora a exigéncia seja de generalizar. (.) Finalmente os conceitos de nivel baixo: categorias especificas, (..) neste caso a denotagdo se sujeita ao requisito de uma conotagdo acurada (individualizante)”. (SARTORI, 1997)" Em nosso estudo, a escala de abstragio de conceitos que servira para classificar os dados terd a configuragdo que se segue: 1 Categoria universal — serio os conceitos acerea da natureza do modelo de comunicagéo, 0 debate entre Servigo Pablico e Interesse Puiblico ¢ os coneeitos de Politicas Piblicas. As fontes desses dados sio livros académicos. Categoria genérica — as descrigées do contexto americano, a estrutura dos modelos de comunicagdo comercial e 0 piiblico. Aqui os livros académicos se juntam a outros trabalhos do mercado, delineando e descrevendo 0 contexto dos modelos de televisdo. Livros como Television Broadcasting Industry”, Down the Tube”, Who owns the Media?®! So exemplos daqueles que se enquadram nessa categoria de dados. Categoria especifica — a historia e estrutura do modelo propriamente dito da televistio piblica americana. Todos os outros documentos, incluindo documentos oficiais, paginas eletrnicas de instituigdes, periédicos especializados, como Current? ou Broadcasting and Cable e livros descritivos da televiséo piblica * Ibid. p.229. ® WALKER, James, FERGUSON, Douglas. op. cit. 2 BAKER, William F., DESSART, George. Down the Tube: an inside account of the Failure of American Television. New York: Basic Books, 1998. "COMP AINE, Benjamin, GOMERY,, Douglas. Who owns the media? New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2000. 23 Current & uma revista americana especializada em televiséo piblica. ® Broadcasting & Cable é uma revista especializada voltada para a industria de tevé americana. americana, sobre a PBS, etc. A partir desta categorizagiio, fica facil distinguir que fonte se presta a cada fase do estudo. 3. DA TELEVISAO AMERICANA Este capitulo serve para formar uma imagem de como funciona a televisio comercial nos Estados Unidos. Por mais conhecida que ela vena a ser, o seu modelo de funcionamento pode escapar do escopo daquele dedicado a questdes mais gerais. Portanto, 0 texto que se segue pode desinteressar 0 especialista em televistio americana, porém, compreende bem a0 intuito de descrever 0 cendrio onde a televistio piblica se encontra, ou melhor posto, a realidade com a qual dialoga. cenério da televisio comercial americana € um importante ponto de partida para se entender sua contrapartida, a televisio pablica. Todos os argumentos que se fortaleceram com o tempo ¢ deram origem a televisto publica esto relacionados com a maneira de desenvolvimento da televiso comercial. E preciso conhecer a forma de funcionamento da televisdo aberta (transmitida por sinal de ridio, também denominada broadcasting ou radiodifustio) para que as colocagdes acerca da televiso piblica no aparegam sem um. cendtio, desconectada do contexto que a gerou. A TELEVISAO COMERCIAL Voltando um pouco na histéria das comunicagdes, o debate sobre como a radiodifiustio (0 radio e mais tarde a televi )) deveria ser gerida pela sociedade acomodou-se na consolidagdio da lei para as comunicagdes, Communications Act of 1934 (evoluido do Radio Act of 1927) € a criagio da FCC.. O modelo acomodou-se num sistema comercial, interessado no lucro gerado pela venda de anincios. © mercado se organizou em tomo de duas grandes redes, a CBS e a NBC. MCCHFSNRY. Robert W. Rich Media, Poor Democracy. Oxford: Oxford Uni Press, 1999. p. 229. ‘Sem grandes problemas, a televisdo (sempre seguindo os passos do radio) foi expandindo seus negécios e encorpando-se tanto localmente, como era de interesse da FCC, quanto nacionalmente, com as emissoras afiliando-se a uma das grandes redes (soma-se as outras duas a ABC"). Os trés ratos cegos™ seguiam sua expansio numa espécie de oligopolio até fins dos anos 70, como definiu Aulleta. © oligopélio era combatido por duas medidas que visavam ampliar 0 mimero de participantes no mercado, fortalecendo as emissoras locais, as afiliadas. Sdo elas a Prime Time Access Rules (PTAR) ¢ a Network Financial and Syndication Rules (Fin-syn). A primeira limitava 0 acesso das redes ao hordrio nobre a trés horas, reservando espago para a emissora local neste periodo. A lei também incentivava programagio infantil e jomnalistica. ‘A segunda tinha 0 objetivo de aumentar o ntimero de produtores de programagdo e afastar a rede do controle sobre 0s direitos de exibigdo que se restringiam apenas a primeira exibigdo, ficando 0 produtor independente livre para negociar as reprises mercado a mercado (Syndication).” Esta legislagio durou até 1996 ¢ foi responsivel por definir o modo de produgdio da televiséo americana. O relacionamento entre a afiliada e a rede no € de propriedade, mesmo porque existem limites para a propriedade de emissoras por parte da rede. Atualmente, estes limites esto definidos para que determinado grupo de comunicagio nao abranja mais que 35% do total da audiéncia americana. Este relacionamento nfo & também de um arrendamento do horirio, O controle da programagio esté na afiliada ¢ nao na rede. Isto desde 1941, quando ‘a FCC promoveu a Chain Broadcasting Rules proibindo a rede de obrigar a emissora local a passar qualquer programa’. Clearance ¢ 0 nome que se da quando a afiliada aceita aquele programa oferecido pela rede ¢ 0 incorpora em sua grade. Mesmo assim, 0 que acontece, na pritica, € que 90% dos programas so cleared pelas emissoras locais. Isto ¢ causado pela 5 4BC— American Broadeasting Corporation, CBS ~ Columbia Broadcastind System , NBC - National Broadcasting Corporation. 3 AULETTA, Ken. Three Blind Mice: How the TV Networks lost their way. New York: Random house 1991, Expresso que caracteriza as trés maiores ¢ tradicionais redes de televistio americana, inspirada em fibula popular dos Estados Unidos. O autor escolheu esta expresslo para titulo do seu livro sobre o tems >" WALKER, James, FERGUSON, Douglas. op. cit. . 79. SThid 0 RO otimizagio da produgo que a rede tem por sua maior escala em relagio a escala da emissora (tanto de produgdo quanto de venda de antincios). Esta acaba se acomodando em receber a compensation (dinheiro pago pela rede pelo horério na emissora), ao invés de produzir por conta propria. Assim, embora a emissora nfo pertenga a rede de fato, sua programagao é, sempre que possivel, oriunda dela” ‘A mais recente legislagio para o setor 6 o Telecommunications Act of 1996, que pretenden reunir todas as formas de comunicagio, da telefonia a televisio a cabo, da tevé por satélite & radiodifusto, 0 oferecimento de servigos de intemet, tudo regulado por um documento tinico, mas mantendo a lei de 1934 como sua base nas questdes da radiodifusto. ‘A principal caracteristica da lei de 1996 foi a desregulamentagio, com 0 relaxamento do limite de propriedades em cada tipo de servigo, bem como de restrigdes quanto & propriedade cruzada dentro do ponto de vista da convergéncia. Sao seis os pontos do Communications Act of 1934, que merecem destaque: a definigao do espectro eletromagnético como bem piblico, 0 modo de estruturagdo da FCC, a autoridade da FCC para outorgar licengas observando 0 interesse piiblico, a definigaio dos procedimentos a serem observados pela comissiio na proposigao de leis (consulta publica, por exemplo), a proibiglio de censura privia e a regulamentagio da utilizagao da radiodifustio durante as campanhas eleitorais.” 'A Federal Communications Commission & 0 érgi0 do governo com ago direta sobre as telecomunicagdes americanas, e conseqdentemente, sobre a televisdio. Com a competéncia de Orgio reguladora ¢ hierarquicamente autinoma, a FCC € a agéncia que concede as licengas, nommatiza 0 setor ¢ fiscaliza-o. Juntamente com a FTC ~ Federal Trade Commission (que sempre € solicitada a deferir sobre as grandes fusdes do setor, evitando monopélios) sfo as duas agéncias que decidem as questdes sobre as telecomunicagSes nos Estados Unidos. A FCC 6 formada por cinco conselheitos (comissioners) incluindo um presidente (chairman), dentre eles, apenas trés podem ser de um mesmo partido. Os conselheiros sao apontados pelo presidente e referendados pelo senado. O mandato de cada conselheiro é de cinco anos, com 0 objetivo de descontinuar a gestio em relagiio as eleigies. ‘A regulagdo da FCC obedece a uma estrutura institucional, que est representada na figura 1, que mostra a hierarquia e competéncia das instituigdes envolvidas no controle das comunicagoes. Embora a FCC se encontra no centro decisério, ela esti sujeita a interferéncia do congresso, do poder executivo, de agées do poder judicitirio e até da participagiio da sociedade civil organizada, ‘A organizagao da Industria americana, compreendendo a participago de todos os atores, representando a ago do govemo pela FCC ja que as demais instituigées participam indiretamente, esta representada pelo esquema da figura 2, complementar a primeira figura. ‘Acestrutura esté centralizada nas emissoras locais, pois foi mesmo em tomo da estago local que se formou o modelo. Porém, embora a televiséo aberta ainda funcione com este mesmo pardimetro, a forga institucional das estagdes locais est subordinada ao grupo empresarial a que pertence, seja ele uma rede ou uma outra corporagdo qualquer. O cardter local perdew sua fora no modelo. Figura 1 Model of Broadcast Television Control" Congress —_ J The organized | | | 4 Public Industry resisince Television Industry I Viewers and voters Esquema retirado do livro Television Broadcasting Industry, representando as relagdes entre diversas instituiges € a FCC. ““Thid. 71 Figura 2 Organization of the Television Industry” Money — Programs Time Political Process ADVER- Money Licenses TISERS Audtences Good Behav tor Audiences Audience Money Programs Money and ay Programs SYNDI- CATORS grams Programs, Money Money PROGRAM PRODUCER: Esquema que mostra a orgenizagao da industria da televisio americana © VOGEL, Harold L. Entertelnment Industry Economics. New York: Cambridge University Press, 1998. p. 161 'As restrigdes quanto a propriedade foram relaxadas ao longo dos anos, permitindo que um grupo de comunicagio, a partir do Telecommunications Act of 1996 possa controlar até 35% da audi cia, Anteriormente, as regras eram quanto ao mimero de emissoras por praga, passando por mudangas graduais, Juntamente com o fim das leis de Financial Interest, 0 afrouxamento quanto A propriedade € a mais importante modificago da legislagaio americana, 0 que levou o cendrio da televistio ao estado atual, de grande concentracao dos grupos atuantes no setor. Os anos 80 sto marcados pela crise das redes, que comegam a sofrer a concorréncia do video cassete € mais criticamente, da televisio a cabo, abalando o oligopélio. Em meados da década, as trés grandes redes foram adquiridas por outras empresas, entrando no mercado aberto de capitais. A NBC foi comprada pela gigante eletrénica General Electric, comandada pelo famoso executivo Jack Welch. A ABC foi adquirida pelo grupo de comunicagaio Capital Cities que por sua vez foi adquirido pela Walt Disney Company. A CBS ficou nas mios de Laurence Tisch, mais tarde, foi adquirida pela Westinghouse. A partir de 1999, a CBS ja fazia parte do conglomerado Viacom. Hoje, as trés networks j4 sto seis: a quarta ¢ a Fox, seguida das duas novas ¢ ainda timidas em audiéncia - WB e UPN. Juntamente com 0 cabo, este ¢ o cenério atual da televistio comercial americana. A NBC liderou o mercado dos anos 90, com seriados famosos como Seinfeld, ER e Friends. Conhecida como a rede americana mais voltada para 0 piblico entre 19 45 anos, ela atingiu 0 posto de nimero 1 tanto por seus seriados, como pelos talk shows de Jay Lenno e Conan O'Brien. Sob propriedade da General Electric (anexo 1) ¢ monitorada de perto por Welch, a NBC voltou seus bragos para o cabo, Jangando em conjunto com a Microsoft 0 canal financeiro, MSNBC, entre outras investidas, tentando participar de todo o mercado de televisao.* © COMPAINE, Benjamin, GOMERY , Douglas. op. cit. p 231.0 anexo 1 mostra perfil a GE e sua suheidiéria NBC. ABS (anexo 2), considerada 0 canal mais clissico, que a partir das idéias de seu fundador William Paley,“ fez do seu piblico alvo principal os baby boomers (piblico que nasceu no periodo de prosperidade americana do pés-guerra ¢ que era considerado 9 piblico alvo da televisio), que na década de 90 comegou a completar 50 anos. Por isso a CBS, embora tenha liderado a audiéncia nos anos 70, deixava a desejar pelo envelhecimento de seu piblico. Mesmo assim, tradigGes da televisio americana como 0 60 Minutes (programa semanal em formato de documentirio, comparivel ao Globo Repérter do Brasil), ‘mantinham a confianga da audiéncia. ‘A-ABC, ao ser comprada pela Walt Disney (anexo 3) comegou a trabalhar em sinergia com 08 estiidios. Parte também da verticalizagao da Disney sto os canais ESPN e A&E, grandes audiéncias do cabo americano. * Sob 0 comando de Michael Eisner, a idéia era integrar os estiidios, a televisto e os parques temiticos. Ele até relangou, em 1997, Wondeful World of Disney como simbolo desta sinergia. Mesmo assim, a ABC continuou passos atris das concorrentes. ‘News Corporation (anexo 4) € a empresa de propriedade de Rupert Murdoch, 0 maior responsivel pelas mudangas no broadcasting americano, Ele montou seu império a partir do estiidio Twentieth Century-Fox, formando, mereado por mercado, afiliada por afiliada, a quaria grande rede: Fox Networks. Sucessos como Simpsons, X-Files, Ally McBeal e a sua grande marca de audineia, a final do Superbowl, esto entre os programas responsiveis pelo seu crescimento. Nao satisfeita com o mercado interno, a News Corporation expandiv seus bragos mundo afora, com participagdes em satélites na América Latina, Asia e Inglaterra, entre outros. Rupert Murdoch & considerado por um antigo executivo da CBS, ‘Howard Stinger, 0 lider da era napoleénica da midia nos anos 90", 4 thid, p.234,0 perfil da CBS, no anexo 2, ndo esti completo, jd que, apds a edigdo do livro, a CBS foi comprada pela Viacom. ‘SYpid. p. 240. 0 anexo 3 mostra o perfil da Walt Disney Company, proprietiria da ABC. * Ibid. p238. 0 perfil da News Corporation & 0 anexo 4. Wid 9 797 Inspiradas no sucesso da Fox, outras duas empreitadas entram no mercado das redes, a WB ea UPN. A WB Networks, operagio dos esttidios Warner Bros. (anexo 5) para tentar recuperar a vantagem dos estiidios Fox (com a Fox Networks) ¢ da Disney (com a ABC) foi a0 ar modestamente em 1995. A WB nunca se considerou uma rede aberta, no sentido estrito de atingir a todos os pliblicos através de emissoras locais. Buscou, desde seu prinefpio, um pablico segmentado jovem e consegue a sua cobertura gragas & TV a cabo, jé que pela televisdo aberta, ela nfo conseguiria afiliadas suficientes para atingir todo o pais. Tal como a CBS, a UPN é de propriedade da Viacom, ” (anexo 6) esta em parceria com a empresa Redstone. Buscando um piblico mais jovem, para nfo entrar em choque com a estabelecida CBS que tem seu piiblico alvo a partir de 40-50 anos (Baby boomers), a UPN & ‘uma pequena rede, com perfil mais ao estilo da MTV (também de propriedade da Viacom), com programas como 0 talk show escrachado de Howard Stern, que se tornou popular no dio por nfo respeitar limites morais em seu linguajar, para dizer pouco. Definiu-se uma rivalidade entre a UPN e a WB para conquistar 0 publico jovem, levando a UPN certa vantagem sobre o canal da Warner Bros. Somando-se a esse competitive mercado de televiso, ainda falta citar a concorréncia do cabo, que atingiu patamares de audiéncia, em seus picos, compariveis a televistio aberta, por exemplo, com a série A Familia Soprano, da HBO, que bateu, na temporada 2000/2001, ‘a audiéncia da televistio aberta. Mesmo com relagao as afiliadas, muitos grupos se juntaram em sedes regionais, ou mesmo trans-regionais ¢ estabeleceram conglomerados poderosos"” (anexo 7). Ou ainda, os grupos que controlam a distribuigao de televistio a cabo (MSOs)! (anexo 8) ou por satélite - DBS® (anexo 9) - formam, todos juntos, 0 cendrio do mercado de televisdo americano, lugar onde a televisdo publica luta por estabelecer sua audiéncia. 4 Jpid. p. 241. Anexo 5 — perfil da Time Warner In. + jpid, p.243, Anexo 6 — perfil da Viacom, Inc. Ainda sem acréscimo da CBS, que foi adquirida depois do langamento do livro que serviu de fonte. ® thid, p. 223 ~ 228. Anexo 7 — Top 25 Station Groups. 5! Jpid.p. 254 Anexo 8 — Top of MSOs and Households Reached. thid.n. 268. Anexo 9 ~ Top DBS Companies. Com toda essa estrutura de mercado, as principais empresas ou conglomerados que controlam a televisio americana em sua produgio e distribuigdo vio desde as redes, passando por grupos controladores de emissoras, até, por exemplo, fabricante de bebidas, como € 0 caso da Seagram. A figura 3 mostra as empresas lideres da comunicagio americana e sua participagio no setor da televisto aberta. Figura 3 Parent Companies of the Leading Broadcast Television Operations, 1997 8 Parent Corporation Broadcast (Non-cable) TV Holdi 1. Time Warner 2. Walt Disney 3. News Corporation 4. Viacom, Ine. 5.TC1 6. Sony 7. General Electric, 8, Westinghouse 9. Gannett 10. General Motors (Hughes Electronics) 11. Comeast 12, Seagram_ 13. Hearst 14, McGraw-Hill 15. US West Media Group 16. New York Times Co 17. Tribune Co. 18, Washington Post Co. 19. Cox Enterprises 20. Bloomberg WB Television Network, Warmer Bros. studio Stations group, ABC TV network, Disney studio Stations group, Twentieth Century-Fox. Station group, UPN network, Paramount studio, Spelling Entertainment group ‘None Sony Pictures Entertainment studio, partial ownership of ‘Telemundo network Station group, NBC Network Station group, CBS network Station group None None Universal TV, Universal studio, partial ownership of ‘Networks, Inc. Station group, syndication unit Station group None Stations group, production services Stations group, production and syndication Stations group Stations group ‘Syndicated long and short form financial programing, > Thi 0. 229. tabela foi retirada de Broadcasting & Cable de julho de 1997. Com uma ou outa alterago, o cendrio atual corresponde a esta ordem. Nota-se bem que 0 que anteriormente era um empreendimento exclusive do setor, com limitagdes quanto 4 propriedade e outras barreiras regulatorias, tomou-se um empreendimento capitalista como outro qualquer, onde a competig&o se toma, praticamente, o tinico mecanismo de controle das comunicagdes. Este cendtio orientado pelos antincios publicitirios, completamente integrado A légica de mercado, é onde a televisiio piiblica vai buscar a sua audiéncia. Com uma série de restrigdes coerentes ao seu papel altemativo ao modelo principal, obedecendo a uma légica estrangeira a ele, a tevé pablica tem que produzir dentro de um mercado completamente voltado ao modo de produgo comercial. 3.2. PUBLIC BROADCASTING SERVICE - PBS 0 Public Broadcasting Act de 1967 criou a CPB, Corporation for Public Broadeasting para distribuir os fundos federais entre as emissoras publicas, para suas operagdes © para levantamento de mais fundos e desenvolvimento de programas. A lei também instituiu que a CPB nfo poderia centralizar a execugio desta tarefa, mas apenas administrar a distribuigdo dos fundos. Por isso, em 1969, a PBS foi instituida para operar a rede nacional de emissoras piblicas, que nfo era uma rede como as comerciais, era sim, mais parecida com uma cooperativa entre emissoras, que, de fato, so as proprictérias da PBS. Assim, a CPB proveria os fundos e a PBS, uma entidade privada sob propriedade das emissoras piiblicas executaria os servigos. 'A PBS é uma empresa privada e filantrépica que retine, ao todo, 349 emissoras piiblicas distribuidas em todos os estados e est acessivel a 99% dos lares americanos (anexo 10, 11, 12 € 13)" Ainda sob controle da PBS, est4 a empresa PBS Enterprises, Inc., entidade + Ver mapa com a distribuigfo das emissoras em 2001 (anexo 10) extraido do: comercial da PBS que explora a marca, produtos € servigos outros, ligados rede para recolher fundos para incorporar no financiamento da rede. Um exemplo da atividade da empresa & a exploragic, no mercado de brinquedos educativos de personagens de programas infantis desenvolvidos pela emissora, por exemplo. 'A PBS 6 financiada pelas afiliadas, que, por sua vez, sio subsidiadas, em parte, pelas verbas federais distribuidas pela CPB. A CPB, no ano fiscal de 2001 distribuiu, para a comunidade de radiodifustio publica, 340 milhdes de délares, 95% deste valor foram destinados a operago, programago e promogao das emissoras publicas.* Porém, nem toda a receita das emissoras provém de recursos federais. Aliés, a proporgao destes recursos esti diminuindo com a passar do tempo. O financiamento das emissoras piblicas vem de uma variada gama de fontes. A mais importante, atualmente, € a contribuigiio de Memberships, pessoas que se associam as emissoras ¢ que contribuem periodicamente. Sio doagdes de membros da comunidade que correspondem a 23% da arrecadago da emissora, enquanto as verbas federais correspondem a, aproximadamente, 15% 5° Soma-se a estas fontes, os Corporate Uunderwritings, patrocinios de empresas a programas especificos, forma de financiamento que ¢ a fonte de recursos que mais tem crescido no atual modelo (figura 4). 'A PBS dedica 73% de seus recursos para a produgdo e promogao de programagaio, a parte restante é dedicada & administragio, a operagao e infra-estrutura tecnolégica, como servigos de satélite, ¢ ainda a servigos educacionais especificos, conforme a figura 5. PBS Annual Report 2001. online) (s:}. Disponivel na Internet - ‘Também est incluido o mapa. tabela de 1961 com 60 emissoras (anexo 11 ¢ 12) extraido do POWELL, John Walker. Channels of Learning: The Story of Educational Television. Washington: Public ‘Affairs Press, 1962. 55 CPB [online]. Disponivel na Internet: . % PBS Annual Report 2001. {online}. s.0..]. Dispontvel na Internet: ‘A partir deste financiamento basicamente tripartido entre doagdes de membros da comunidade associados a cada emissora, recursos federais e patrocinios de programas, a PBS produz programagio para suas emissoras, totalizando 2.700 horas de transmissaio. Com © modelo assim estabelecido, a programagio reflete sua forma de financiamento: grandes campanhas anuais para arrecadago de dinheiro com doagées feitas por telefone, e¢ um controle, mesmo que sutil, da programagiio causada pelo mecanismo de patrocinios, evitando alguns temas polémicos, como foi a rejeigdo por grande parte das emissoras da rede em transmitir Tongues Untied, documentario de tematica homossexual..” O resultado é que a televisio piblica sofre com esta oposigdo A logica comercial. Por ser de um modelo antag6nico e criada para ser gerida com fundos piblicos, mesmo que parcialmente, ela estaria na contra-mio da sociedade americana. © enxugamento do subsidio do Estado leva a fevé publica a buscar outras formas de financiamento, aumentando suas fontes privadas. Aceitando o argumento de diminuir o financiamento piiblico, os novos recursos acabam por vir do mercado, aproximando a televisto publica do modelo privado, como acontece no caso dos underwritings (patrocinadores de programas), responsdvel por grande parte dos fundos da televistio publica hoje. Assim, o modelo acaba por ceder & légica comercial, que influencia em seu servigo, nos seus programas, ficando semelhante com o prestado por qualquer televisio aberta comercial. F assim que o argumento sobre a inutilidade da televisio publica ganha corpo. Afinal, 0 que ela tem de especial? © que ela oferece que nfo pode ser encontrado no modelo comercial, ainda mais com a diversidade do cabo? Dessa forma, 0 modelo pubblico fica refém do comercial. Se se afasta dos fundos do govemno, se aproxima dos servigos prestados pelo modelo comercial; se se afasta do modelo comercial, passa a dedicar-se a programagdo que nfo interessa a patrocinadores ¢ n&io consegue se subsidiar. Esta é, basicamente, o que McChesney chama de televistio piblica marginal. 57 AUFDERHEIDE, Patricia, Communication Policy and the Public Interest: The Telecommunication Ac: ‘of 1996, 5.11: Guilford Press, 1999. “(..) the commercial media giants (and the advertising industry) always demand and work for a broadcasting system where the commercial logic is central and public service remains on the margins, serving those audiences that the commercial interests do not find profitable enough to exploit themselves”. (MCCHESNEY, 1999).* Esta situago deixa a televistio americana completamente diferente do modelo da Inglaterra. Enquanto neste modelo, a BBC atende a toda a populagio, nos Estados Unidos, as emissoras piiblicas esto politicamente condenadas a néio aumentar sua audiéncia, j que, para fazé-lo, precisariam de mais recursos e, quando elas vio buscé-los, sto acusadas de se afastar da sua missfio.” Figura 4 Fontes de financiamento da PBS. (Fonte: PBS Annual Report 2001. online}. [s.n.t.]. Dispontvel na Internet: ) EXPENSES (FY 2001) PBS consistently devotes approximately three fourths of its total revenues to noncommercial programming and promotion. PBS has aligned Its Fesources to ensure that three strategic priorities fre met effectively and efficienty: providing quality Rencommercial programming and education Services to its member stations, leveraging that content to engage citizens In communities. nationwide, and offering universal access to public television's programs and services. Support for PBS's satelite distribution system and related ‘echnical support represents 6 percent of total ‘expenses, while management and general ‘xpenses are 4 percent of the total. The remaining ‘expenses support other member and educational services. 4. DO INTERESSE PUBLICO VERSUS O SERVICO PUBLICO Neste trabalho sobre a televisio piblica ¢ necessério compreender a natureza dos servigos de comunicagao. Entender o que implica chamar um modelo de comunicago de piblico ou privado, de comercial ou néo-comercial. Para tanto, ¢ preciso se livrar da primeira impressto confusa, causada por uma legislagio complexa. Também ¢ preciso esquecer, por um momento, que 0 objetivo do trabalho apenas a televisio piblica americana e buscar uma visdo universal sobre a natureza do servigo de comunicagdo social eletrénica dentre todos os modelos existentes. S6 assim, compreenderemos os principios, os conceitos que sustentam a televisio piblica com profundidade. ‘Ao se olhar para 0 conjunto de leis e instituigdes que regulamentam a comunicagao, se tem fa impresstio de uma estrutura complexa, cheia de normas especificas, assustando pelo volume e confusio de leis e fingSes das instituigdes envolvidas. Junta-se a essa estrutura truncada as mudangas tecnologicas, implicando re-regulamentos, redefinindo necessidades plblicas, reinventando servigos, misturando os meios de comunicag2o no que se cunhou como convergéncia e confundindo ainda mais uma legislaco complicada. Isto se jA ndo bastasse as diferentes interpretagdes de diversos paises, cada qual com uma vistio da fungdo que a comunicagiio deve desempenhar na sociedade, aumentando ainda mais a discussio, desdobrando-se em estudos comparados que multiplicam as alternativas de modelos de gestio para o setor. A saida para se estudar este campo, que se transforma a0 sabor da politica, do mercado e das inovagdes tecnol6gicas, néo poderia ser outra sendio um estudo dos prinefpios que definem © papel das comunicagdes na sociedade, a natureza do servigo prestado pelos meios de comunicagao, principalmente na forma de participagdo do Estado. 4.1. SOBRE A NATUREZA DOS SERVICOS DE COMUNICAGOES E SUA RELAGAO COM O ESTADO ‘A discusso conceitual acerca da natureza dos servigos de comunicagdes no ¢ de modo algum uma exclusividade do momento atual. Ela esti presente em cada inovagdo que 0 setor sofreu. Por exemplo, na primeira regulamentago do ridio ou no surgimento da televisio, discussées levantaram os temas de seguranga, soberania nacional, liberdade de expresso. Em toda inovagiio do setor, 0 questionamento da natureza do servigo se faz presente, instramentando o embate de forgas econémicas ¢ politicas, culminando em uma nova legislago. Assim foi antes da consolidagao do Radio Act of 1927, nos Estados Unidos, ou os anos que precederam 0 Communications Act of 1934. Como propos Thomas Kuhn®, até a consolidagao de um paradigma, em qualquer campo de estudo, hd um embate de idéias, mas também de forgas sociais, politicas e econdmicas que culminam na prevaléncia de uma corrente. Se isto se mostra verdadeiro para uma ciéncia natural, mais se pode esperar das ciéncias humanas, principalmente em um campo ligado a politica. E justo, neste estudo dos modelos das comunicagdes, que argumentos levantados anteriormente & consolidagao do modelo e por hora adormecidos, possam ser resgatados a fim de esclarecer ‘0s fundamentos dos modelos. Assim se justifica este debate hoje, quando todas as mudangas sofridas pelas comunicagdes no seu processo de digitalizago trazem de volta as mesmas discussées da época da Marconi Company ¢ as primeiras regulamentagdes do rédio, na década de 20, por exemplo. ‘Apesar da complexidade aparente, quando o foco se vira para a natureza dos servigos de comunicagées, 0 problema simplifica-se. Toda a situagdo confusa presente na diversidade dos modelos, por exemplo: quem pode ser dono de emissora de ridio, outorgas ¢ concessdes, propriedades cruzadas, pode ser reduzida a poucas opgées, facilitando a compreenséo das bases que sustentam as diversas legislag&es. © KUHN, Thomas 8. A Estruturas das Revolucdes Cientificas. 5. ed. Sio Paulo: Perspectiva, 1998. ‘Newman, McKnight e Solomon definiram um quadro (figura 6) muito oportuno para a discussio sobre 0s principios norteadores de qualquer modelo de regulamentagdo de comunicagdes, (¢ que obviamente se aplicam comunicago social eletrénica ) quanto ao papel do Estado e do setor privado, classificando-os em quatro modelos tradicionais. (O quinto modelo do quadro é mais uma proposta que um modelo existente). Public ownership seria © modelo Estatal, onde papel do Estado abrange a propriedade e a gestio de um monopélio do setor, Este modelo representa a grande maioria dos sistemas de comunicagao do mundo. O papel do setor privado, neste modelo esta apenas na manufatura, de aparelhos televisores ou telefOnicos, por exemplo. Outro modelo, definido pelos autores, ¢ conhecido como Common Carriage ¢ tem a caracteristica de uma regulamentagio completa das atividades de comunicagio pelo Estado em regime de monopilio. Difere do modelo anterior, porque cabe, neste, ao setor privado a propriedade do sistema de comunicagao. Este sistema é um monopélio que o Estado arbitra a natureza do servigo, suas tariffs, garante 0 acesso universal e define ¢ fiscaliza as empresas que participartio do monopélio na garantia do cumprimento do servico priblico designado pelo Estado. Estes modelos monopolistas stio sustentados pela nogiio de monopélio natural, que defende que a natureza dos servigos de comunicagdes, pelo alto custo de construgio ¢ manutengaio da infra-estrutura da rede e a necessidade de interoperabilidade nfo justificam a construgdo de um sistema concorrente, por ser mais oneroso para a sociedade. Ainda sustenta este modelo a questio da garantia de acesso universal. ©! NEWMAN, W. Russell, MCKNIGHT, Lee, SOLOMON, Richard Jay. The Gordian Knot: Political Gridlock on the intormation highway. Cambridge, MA: MIT Press, 1998. p.26-28. A classificago desenvolvida no livro ¢ uma gradago que compreende todas as possibilidades de participagdo do estado ¢ do ‘mercado em qualquer modelo de comunicagao (figura 6). 0 conceito comunicagao social eletronica inserido para significar a parte das comunicagdes que fo difundidas por meio eletrénico. Sto 0s principais exemplos dessa categoria a televisfo € 0 Figura 6 Five regulatory traditions ® PARADIGM PUBLIC ROLE PRIVATE ROLE Public ownership Ownership and Manufacturing only ‘management of monopoly system Common carriage Heavy regulation ofentry, Ownership and management exit, tariff'and management of monopoly system procedures Open communication Regulation focused on ‘Ownership and management infrastructure maintenance of competition of competitive system and espectrum alocation Public trustee Light regulation of ‘Ownership and management of quasi-competitive system Laissez-faire Minimal regulation of Ownership and business practice management; level of competition not determined © NEWMAN, W. Russell, MCKNIGHT, Lee, SOLOMON, Richard Jay. op. cit. p.26-28, Public Trustee 6 0 modelo derivado da radiodifusdo americana. O papel do Estado esta na definigio do fiducitirio, concedendo licengas em confianga e definindo alguns aspectos do servigo. O setor privado ¢ 0 proprietirio ¢ 0 gestor das comunicagbes em um sistema de competigao limitada. © conceito que sustenta essa limitagdo reside na escassez de espectro para radiodifusio, exigindo a presenga do Estado na organizagao, concedendo licengas, selecionando os Trustees dentro do mimero limitado de concessées que o Estado pode oferecer, O Public Trustee é a entidade fisica e/ou juridica, dependendo do pais, que recebe sua porgdo do espectro em confianga do Estado com 0 compromisso de cumprir algumas determinagdes em defesa do interesse piiblico. Esta definigHo € essencial para este estudo. Laissez-Faire & a denominagao dada pelos autores ao regime de competigo livre onde 0 Estado pouco interfere, com regulamentago minima sobre 0 negécio, deixando que a livre competigdo garanta a qualidade do servigo. O grande argumento deste ponto de vista esti na liberdade de expressdo garantida pela exclustio quase completa do governo do processo. © modelo apresentado pelos autores denominado Open Communication Infrastructure, definido pela ago do Estado na manutengdo da competigdo e na alocagio de espectro & 0 papel do setor privado estar na propriedade ¢ na gestio em regime competitivo, nfo € um modelo tradicional de comunicagdes, mas sim uma proposta dos autores dentro do modelo competitive. Os autores colocam essa proposta como a opsiio equilibrada entre os modelos Common Carriage ¢ 0 Public Trustee dentro de um gradiente que vai do controle total do Estado até 0 controle total do setor privado. Como este modelo € uma proposta, ndio nos serve para o estudo dos princfpios dos modelos de comunicagdes existentes. ‘A utilizagdo desta classificacio esclarece as possibilidades da agao do Estado praticadas por estes modelos e a contrapartida privada. Chama atengio que na escolha do modelo de comunicagao quanto & participagdo do Estado esté implicito o sentido dos servigos de comunicagdes que se defende. No modo do Estado se responsabilizar quanto ao servigo, reside entio a definigo da natureza do servigo de comunicagaio. A complexidade da Iegislagio das comunicagbes esté, portanto, simplificada: a definigdo da natureza do servigo a conseqiiente definicdo do papel do Estado para o setor. ‘A pattir da classificagao do papel do Estado, pode-se simplificar os modelos em duas linhas basicas, Assim reduzidos, os modelos se classificam entre os que tém um servigo prestado pelo Estado © os que tém o servigo prestado pelo mercado. Procurando exemplos reais, chegamos & dualidade entre os modelos americano ¢ europeu. No caso do europeu, devido a sua grande variedade, que vai do empreendimento estatal ao servigo piblico prestado por entidade privada, escolhemos aquele que se destaca entre eles: 0 modelo britanico. 4.2. 0 MODELO AMERICANO E O INTERESSE PUBLICO © modelo americano tem suas raizes no livre mercado. Mesmo que as primeiras regulamentag6es colocassem que o espectro radiofénico era uma espécie de bem piblico, € mesmo sendo necessirias licengas dadas pelo governo federal para as radiodifusoras funcionarem, a televisio americana era um empreendimento privado. Este & o grande ponto de contraste entre os Estados Unidos e a Europa, onde a televisfio (e o ridio, anteriormente) & vista realmente como um bem piblico escasso. “ ‘A idéia principal do modelo americano para a radiodifasto nasce na Primeira Emenda (First Amendment), na liberdade de expresso. Porém, no caso da radiodifusto, a aplicago do principio nao poderia ser feita da mesma maneira que foi aplicada & imprensa escrita. Havia o entrave tecnol6gico: a escassez do espectro radiofénico somente permitia a existéncia conjunta e harmonica de um limitado nimero de emissoras. No inicio, a explosio do numero de existiam 500 estagdes nos Estados Unidos, atingindo 2 milhdes de pessoas. Em 1924, 0 Adios gerou um caos no ar. Até meados de 1923, HOYNES, Wiliam. Public television for sale: Media, the market, and the public sphere. Boulder: Westview Press, 1994 mimero cresceu para 1105 rédios, dividindo as mesmas 89 freqtiéncias disponiveis. cenério americano assustava os ingleses. Opinides rechagando o modelo americano cram comuns, como a do pioneiro do rédio inglés, R. N. Vyvyan °°, horrorizado com a falta de regulagdo, a interferéncia entre os sinais de ridio © a utilizagio massiva para fins publicitérios. Se na Inglaterra o horror ao caos do modelo americano, a interferéncia de amadores nos servigos (que eram desenvolvidos pelo servigo postal britfnico) ¢ o carter da utilizagiio do espectro para fins de seguranga nortearam a escolha do modelo, nos Estados Unidos, a preocupagio com a liberdade de expressio, juntamente com a explosio do negécio publicitério levaram 0 modelo para a diregao oposta. Debates acerca da censura do novo meio eram comuns ¢ a preocupagio com 0 controle do Estado sobre a comunicago era central. Claro que também se falava na censura privada, aquela operada pelos proprios radiodifusores, mas esta era minimizada por seus defensores com dois argumentos: a multiplicidade de fontes a opinio piblica, ambas contribuiam como controle democritico. David Samoff, em nome da RCA, produtora de aparelhos de ridio, representava esse ponto de vista que minimizava 0 efeito do controle da comunicagao pelos radiodifusores em relagdo censura do governo e da regulagao. Porém, o ponto de vista da liberdade de expresso ainda encontrava o obstculo da escassez do espectro. Como distinguir aqueles que seriam livres para utilizar o ar e aqueles que no seriam contemplados com as licengas? O dilema da liberdade de expresso e da escassez do espectro convencia até mesmo liberais da urgéncia de alguma forma de regulaglio como POOL, Ithiel de Sola. op. cit p.110. “A characteristic attitude was expressed by one of Britain's radio pioneers, R. N. Vywyan: ‘[In the United States] newspapers and big retail stores soon saw that broadcasting ‘offered a wonderful opportunity for addvertising their wares... ther was no regulations which fobade this. It did not matter whether one station were interfering with another... ther was a boom in Broadcasting, and everyone was going to get in on the aether By the middle of 1923 ther were over 300 broadcasteong stations in America and na audience of about 2 million. By 1924 the number was 1105, and the 89 wavelenghis available had to be shared by them; chaos inthe aether was of course the result.” ‘Ibid p. 120. : “David Sarnoff countered that radio was becoming a majar medium of opinion to which ‘the same principles that apply to freedom of the press should be made to apply.'He emphasized the danger of government censorship and minimized that of broadcaster controls. With over five hundred stations broadcasting to na estimated daily audience of em million, there was no danger of anyone monopolizing ‘what went out on ‘the vast reaches ofthe air.'The ‘real danger, he argued, was in censorship, in over- reeulation., Public opinion must be the test of what is broadcast.” uma necessidade tecnolégica.”” Mas algum mecanismo precisava ser instaurado para que a concessdo de licengas nao ficasse livremente nas maos do governo. ‘A determinaga0 do Radio Act of 1927 proibindo a censura por parte da Federal Radio Commission (a instituigo que concedia as licengas, transformada em FCC em 1934) apareceu apenas com a observagiio de que o proprio poder de conceder licengas era, por si, um mecanismo de censura. F neste ponto do debate que surge 0 controvertido conceito do Interesse Piblico (Public Interest). O conceito surge como forma de reduzir a possibilidade de censura da comissio (¢ do governo, por conseqiléncia) ¢ traduzir, em uma norma, 0 mecanismo de selesiio de licenciados (Trustees). Restava (¢ ainda resta) a dificuldade de se interpretar 0 interesse piblico com propriedade. Apesar do conceito nunca ter sido claramente definido, alguns parimetros foram se consolidando, tanto no discurso como na ppritica dos atores no modelo americano. © ponto primeiro ¢ importante ¢ a preservagao da liberdade de expressto, mantendo 0 governo fora do controle do conterido, como ja foi colocado aqui. A liberdade de expressio € uma preocupagiio que busca evitar 0 monopélio da comunicagio. Seja monopélio do Estado, ou seja ele um monopélio do mercado.” A Multiplicidade de vozes ¢ conseqitentemente de conteiido ¢ a chave para se fugir ao monopélio ¢ garantir 0 fundamento expresso na Primeira Emenda. Uma orientagdo fundamental para a dissolugao de possiveis monopolios, ¢ bastante caracteristica da sociedade americana foi adotada no ‘modelo: o localismo. A concessio de licengas locais pulverizou o poder ¢ garantiu, até certo ponto, a multiplicidade de vozes desejada (embora a concentragdo de propriedade da midia venha causando, atualmente uma diminuigdo desse localismo). © tpid. p. 122. 6 tbid. p. 123: “The Columbia Law Review made (..) the point: The standard of Public convenience and necessity'seems to afford a sufficiently effective device to guarantee the freedom of the air.” pid. p. 136 : “This is what Secretary Hoover was referring 10 in 1924, when he boasted that under “American policies, ‘radio activities are largely free. We will maintain them free — free of monopoly, free in ‘program, and free in speech.'In 1926, Congressman Ervin Davis, citing Hoover, added: ‘we cannot allow any Single person or group to place themselves in a position where they can censor the material which shall be Ienndonet to the nublic. © modelo americano do interesse piiblico tem seus criticos. Patricia Aufderheide pergunta: qual € 0 pablico que regulago americana representa ¢ a que interesses se refere? ‘Assume-se, a partir dos primérdios da comunicagdo ¢ as regulagSes antimonopolistas, que 0 interesse piblico ¢ a satide econdmica da sociedade capitalista associada com a paz social © prosperidade.”° Porém, o puiblico vem cada vez mais sendo considerado uma aglomeragao de consumidores ou de potenciais consumidores.” O conceito de piiblico deve abranger preocupagdes sociais ¢ culturais, questdes de acesso universal,” muitas vezes negligenciadas pelo modelo de financiamento publicitirio. ‘Um modelo baseado no financiamento da publicidade, com canais licenciados pelo govemo em nimero limitado - 0 interesse piiblico nem se coloca como Common Carriage, nem como Laissez-faire, inventando uma categoria propria que chamamos de Public Trustee, anteriormente. Um modelo que valoriza a liberdade em relagio a0 governo e esti a ele atado pela concessdo de licengas. Um modelo que valoriza a liberdade de expresstio em relagdo ao setor privado, mas esté a ele ligado pelo sistema de financiamento. 4.3. 0 MODELO BRITANICO E O SERVICGO PUBLICO © modelo britinico est muito mais vinculado ao Estado, aproximando a natureza do seu servigo com 0 servico piiblico. © conceito de servigo piblico é importante na observagio do modelo britinico, 0 mais representative dos modelos europeus, que optou por um modelo misto, mais proximo & categoria de Common Carrier, criando uma autoridade independente para a radiodifusto: a British Broadcasting Corporation. ” AUFDERHEIDE, Patricia, op. cit. p.5: “Who is the public that U.S, policy represents, and what is its interests? It ight be taken, as early communications and antitrust regulators took it, to be conterminous with the economic health of a capitalist society, associated with social peace and prosperity’ "pid. p 5: “Another way fo see the public is as na agglomeration of consumers, or potencial consumers”. ™ ]pid. p 6: “There is also much in communication policy that reaches past traditional economic concerns, whether at the macro- or microlevel, and that reaches into social welfare considerations. Government regulators act as allies of and sometimes protectors of the weak and wulnerable in society (.) these policies fensure equality of access to a communication technology for everyone, no matter what is in their wallet or their nockets.” ‘A BBC, ou, 0 modelo inglés, obedece a légica do servigo de utilidade publica.” O servigo de comunicagdo é um servigo a que todos os ingleses tém direito de acesso ¢ 0 modo que este servigo € garantido & sociedade se da pelo Estado, que o define, tanto na forma de organizagaio da rede, como na forma de financiamento, ficando, ao setor privado a prestagiio do servigo, sob encomenda ¢ orgamento originados no mesmo Estado. O modelo inglés buscou uma instituigéo independente para garantir a isengio em relaglo ao Estado, para garantir o principio da liberdade de expressiio. ‘A radiodifusio foi considerada pela Inglaterra como uma extensio dos servigos postais, tanto que Gluglielmo Marconi foi introduzido aos ingleses através do presidente do British Post Office da época, Sir William Preece”. Amadores e empresas experimentavam 0 novo meio de comunicagio, trocando informagées, misicas e desenvolvendo o que viria a ser 0 radio como hoje © conhecemos, dentre essas experiéncias, empresas como a Marconi Company. © Servigo Postal, juntamente com as forgas armadas britinicas, acompanhava 0 processo com a preocupagaio do controle © organizagio do Estado. Em 1920, quando uma transmissfio de um programa de entretenimento interferiu nas comunicagées de ridio de um avitio que se perdcu no canal da mancha, regulamentagSes restritivas foram impostas. Questées de seguranga nacional impunham uma organizagao do setor. As transmissGes amadoras foram reduzidas a duas horas por dia, depois apenas a licenciados com comprovado interesse cientifico. Varios radiodifusores foram impedidos de transmitit. No comeyo, musica nfo era permitido. Mas a pressio por uma utilizaglo do servigo que a populagdo inglesa pudesse usuftuir foi o que Ievou a criago da BBC. Reivindicava-se segundo CRETELLA JUNIOR (1989) acerca da natureza do servigo pibico, cabe compreender que ‘quando o Estado permite que pessoas juridicas de direito privado realizem servigos piblicos, estes so teonicamente chamados de Servicos de Usilidade Piblica. “Os estabelecimentos de utiidade piblica exercem também servigas pablicos, mas servigos piblicos impréprios; sio determinados estabelecimentos, isto é, fssociagbes que sio pessoas juridicas de direito privado e que, no entanto, exercem servigos que interessam a lima grande quantidade de pessoas: os denominados servigos de uilidade publica" Assim, Servicas de Uiildade Piblica sto os servigos piblicos ou coletivos exercidos por pessoas juridicas de direito privado, ando estas corporagées de beneficios legis. Bont Tihiel de Sata om. cit». 109. direito do povo britinico de saber 0 que acontece em seu ar, fazendo referéncia clara as condas de radio.”* © cenirio caético e comercialista dos Estados Unidos, como ja vimos, também contribuiu para que a Inglaterra rejeitasse 0 modelo privado e financiado por aniincios, seja pela desordem, seja pela desqualificagdo do conteiido veiculado. Aqui chegamos no segundo argumento acerca da natureza do servigo pretendido pela Inglaterra. O primeiro, questio de seguranga e ordem, vinculados ao papel de soberania, seguranca e autoridade do Estado. O segundo, que a recente experiéncia americana no sistema de financiamento por publicidade niio cumpria os interesses do servigo na divulgaco cultural e no papel educativo. Nas origens desse modelo esti o vinculo direto da televisio e do ridio com a cultura, praticamente consagrados como um direito de todo inglés. Em toda a Europa, as comunicagées foram colocadas como fomentadoras, ou pelo menos como extensdes das atividades culturais e educativas. Assim foi criada a British Broadcasting Company, um monopélio, financiado por imposto recolhido no comércio dos aparelhos de ridio e mais tarde de televisio, controlado pelo estado ¢ com a execugio do servigo designada a iniciativa privada, num grupo de empresas que foram denominadas, a época, de Big Six. ‘A BBC executaria 0 servigo, com relativa independéncia do govemno, sem se preocupar com © financiamento, que seria garantido pelo Estado, através do fundo reservado da taxagtio da venda de aparelhos radiofSnicos. As obrigagdes da BBC eram de promover a pluralidade cultural, com programas educativos, prestando um servigo entendido como de direito a todo © povo inglés. Mais tarde, a BBC foi transformada em corporagio publica, em 1927, com a carta real que oficializa 0 contrato de prestago do servigo. 7 bid. p. 110: “The regulation were widely violated by amateurs, who repeatedly petitioned that ‘every ‘onolishman is entitled fo hear what is going on his aether’ ". © modelo britinico, com financiamento por taxas, provido pelo Estado, executado sob encomenda do govemno pela BBC e com a caracteristica da universalidade, faz da natureza do servigo de comunicago, no caso briténico, um servigo piblico. 4.4. A NATUREZA DO SERVICO PUBLICO E AS COMUNICACOES Cabe agora voltarmos & esséncia do conceito de servigo piblico, presente na nogio de universalidade do modelo britanico”. O que significa dizer que um servigo € piiblico? O primeiro ponto que surge € 0 conceito de relevncia a coletividade, mas que ainda é pouco para diferencié-lo da definigdo de interesse piblico. No ha um servigo piiblico por natureza. Segundo Grotti: “A qualificacéio de uma dada atividade como servico piiblico remete ao ‘plano da escolha politica, que pode estar fixada na Constituicdo do pais, na lei, na jurisprudéncia e nos costumes vigentes em um dado momento. Deflui-se, portanto, que nio hd um servigo ptiblico por natureza”. (SENFELD, 2002)”. Existem, porém, razées que levam o Estado a conduzir determinado servigo para a drea piblica. Dentre elas: “retirar da especulago privada setores delicados; realizar a justiga social; suprir caréneia da iniciativa privada; favorecer 0 progresso técnico, ordenar 0 aproveitamento de recursos finitos (como os hidroelétricos); controlar a utilizagio de materiais perigosos (como potenciais nucleares); favorecer 0 ripido desenvolvimento nacional; manter a unidade do pais e assim por diante”.’* E verdade que nem todas estas razdes se aproximam dos servigos de comunicagdes, mas alguns pontos so bastante afins, como é 0 caso do aproveitamento de recursos finitos (que id. 7” SENDFELD, Carlos Ati (Coord). Direito Administrative Econémico. Sio Paulo: Malheiros Editores/SBDF, 2002. p. 45. pode se aplicar questo do espectro), favorecimento do progresso técnico, muito importante para um setor que ¢ dependente de tecnologia, manter a unidade nacional também passa pelas comunicagdes ¢ ainda a questio da justiga social que esta diretamente ligada ao conceito de universalizago. As comunicagées, portanto, contém em suas caracteristicas principios que podem levar um Estado a colocé-las no rol dos servigos pablicos. Mas ser conceituado como servigo piblico, nfo exclui a possibilidade da existéncia privada na prestagiio do mesmo servigo. Existindo assim a classificago de servigo piblico ptivativo e nio-privativo do Estado.” Se um servigo nao é, por natureza, piblico, ainda assim ele tem, em sua natureza alguns prinefpios, como os elencados por Grotti. “Dependéncia governamental (..), igualdade dos particulares perante todos os servigos piiblicos, a continuidade de seu funcionamento e a adaptagdo ou modificagdo em todo momento de sua organizacao; além da regularidade, generalidade, obrigatoriedade, ‘generalidade, obrigatoriedade de prestacdo, newralidade, cortesia, gratuidade, legalidade, isonomia, eficiéncia, transferéncia, seguranca, qualidade, modicidade nas tarifas, pontualidade, responsabilidade, conforto”. (SENFELD, 2002)" Conceitos que diferem um pouco de abordagem a abordagem, mas que mantém um conjunto de propriedades semelhantes as listadas acima. O servigo publico nao privativo do Estado seria aquele que poderia ser cumprido pela iniciativa privada, sob autorizagio, permissdio ou concessio, conceituagao juridica que nio é necessério aqui delimitar. Basta, a0 nosso estudo, a compreensio que 0 servigo pblico compreende uma série de caracteristicas, como as clencadas acima e pode ser explorado de maneiras flexiveis, entre o Estado e a iniciativa privada, conforme vimos. ‘A natureza do servigo de comunicagées, verificada nos modelos consagrados (americano ¢ curopeu), esté assim classificada e dividida em duas categorias, tanto em seus principios, como no breve relato da maneira como foram estabelecidos os modelos historicamente. A ” Ibid. p.47. hid 9 AR compreenso do que significa dizer Interesse Ptiblico ou Servigo Piiblico, entio, implica toda a discusstio de modelos destacada neste capitulo. ‘A radiodifustio ¢ a televisio piblicas dos Estados Unidos colocam-se como uma complementaridade do sistema americano comercial, justamente para responder criticas quanto a natureza piblica do servigo de comunicacao, sugeridas na constante comparagdio com o status da televistio e réidio europeus, em especial, em comparagio a Bi 5. DO DIREITO AS COMUNICACOES E DA CIDADANIA A categoria de servigo pitblico das comunicagdes que inspira 0 modelo da televisto piblica americana e que esti representada, de fato, pelo modelo briténico, se remete a principios fundamentais que podem ser definidos no campo do direito ¢ da cidadania. O direito & comunicagdo é um conceito que pretende se consolidar entre as condigdes necessirias a0 individuo contempordneo para exercitar sua cidadania. Sua classificagao, porém, entre os direitos é delicada e complexa. E preciso caracterizar a sua necessidade no contexto da sociedade como esta estruturada atualmente. ‘As comunicagdes estio passando por transformagdes tecnol6gicas dristicas ¢ com conseqiiéncias sociais gritantes com uma penetragio ¢ forga jamais experimentadas historicamente. Ja nfo servem somente os princfpios antiquados, em contradigao com as mudangas que 0 setor vem soffendo. Embora existam grandes autores dedicados ao tema, ainda nfo existe um tratamento multidisciplinar estabelecido e consolidado que abarque todos os estudos necessarios para um completo entendimento da natureza, caracteristicas, finalidades, ¢ efeitos dos meios de comunicago, e nem mesmo seu tratamento juridico € Etico sfio adequados. * © tratamento clissico das comunicagdes ainda se encontra, mesmo com o crescente € determinante papel das comunicagdes na sociedade, reduzido ao debate sobre a liberdade de expressiio, identificando liberdade de expresso com meios de comunicagdo, ¢ estes colocando sua liberdade como conceito sinénimo do primeiro para atingir o status de intocdvel juridica e eticamente.” 5! ENCABO, Manuel Nafiez. La ambivalancia de los medios de comuni TEZANOS, José Félix. La democracia post-liberal. Madr Euencarral, 1996. 1cién, Poderes y contrapoderes. In: Editorial Sistema ~ Fundacién Sistema co! Se retomarmos as origens do conceito de liberdade de expresso, chegaremos até a Revolugéo Francesa, que a trouxe como dircito fundamental do individuo. A sua consolidagio se estendeu ao modemo estado americano ¢ af estabelecido, em 1791, na primeira emenda a constituigdo daquele pais. Este principio se tomou comum em nagdes modemas ¢ estabelece a posigdo do poder do Estado abaixo dos direitos fundamentais individuais inviolaveis e a incluso da liberdade de pensamento, associago € expressfio se encontram entre estes. O direito & livre expressio se estende a todos os individuos e serve publicamente para garantir 0 direito de intervir no processo de formayo da vontade da maioria, principio da democracia em que o cidadio tem o direito politico de participar direta ou indiretamente. ‘Assim a liberdade de expressio é um direito sem 0 qual 0 exereicio do direito politico do individuo fica comprometido. A incorporagiio deste direito:pelos meios de comunicagio comega quando este direito ¢ exercido pela imprensa. Colocando-se como um individuo que tem o direito de livre pensar ¢ opinar, a imprensa passa a ser maior representante deste direito. A liberdade de imprensa é, claramente, uma das formas do direito de expressii, no podendo, porém, ser confundida com o direito original, “para néo eonfundir a parte com o todo”. Se a liberdade de imprensa era apenas uma das formas de liberdade de expresso, ela se destacou como a tinica forma de exereé-la que implica em influéncia social e politica, com capacidade de interferir na opini publica. No principio, publicar um jomal ou um panfleto no era uma ago comunicativa que tinha 0 poderio das comunicagdes atuais. Se sua produso era relativamente ficil, sua capacidade de penetragdo era limitada, o que proporeionava que muitos pudessem emitir suas opinives pela forma impressa, garantindo diversidade de opiniio. Os meios de comunicagao foram evoluindo e seu cariter empresarial, como participante do mercado financeiro, caracterizado como um setor produtivo € fruto desta evolugio, muito diferente dos seus primérdios, quando 0 conceito de liberdade de expressdo era exercido por veiculos que nilo possuiam quase interesse econdmico € muito menos representava um poder hegem@nico como veio a se consolidar no futuro dos meios de comunicago, principalmente com nid w 907 surgimento de suas formas eletrénicas: 0 ridio e a televisio (leia-se comunicagio social eletrénica). Os meios de comunicagao dos primeiros tempos faziam jus a liberdade de expressio, servindo de contraponto aos poderes consolidados do Estado e dos poderes evondmicos. Em sua posigiio contemporinea, o carter de contraposiglo se torna o de defesa de interesses especificos, sejam proprios ou daqueles que os financiam, influindo decisivamente na opinido ptiblica. A mudanga do papel dos meios de comunicagio foi conseqiiéncia da sua evolugao histérica que partiu de um contra-poder, fundamentalmente questionador dos poderes do Estado até se firmar como um poder hegeménico, definitivamente sustentado pelo mercado, seu principal financiador. © conceito de opiniio piblica, segundo Encabo, é indispensivel para se compreender a centralidade da comunicago na conquista da cidadania contemporinea. Ele parte da definigdo de Ortega y Gasset que caracteriza a opinitio piblica como “o conjunto de idéias ¢ opiniges sobre temas de interesse piblico que independente de apoio ¢ argumentos que justifiquem ¢ legitimem sua formagdo, e que a maioria admite como natural (...) acreditando que nao é imprescindivel 0 apoio pessoal para que existam. Mais do que sustentadas pela nossa opinifo individual € nossa opinido que se apéia nela”."* Ainda para melhor elaborar 0 conceito, ele recorre a Noelle Neumann que conceitua a opiniao publica como a opinigo dominante que obriga & conformidade de atitude por ameagar o individuo com 0 isolamento caso ele se posicione contrariamente. O que ocorre ¢ que a resposta & opiniao piblica acaba por ser afirmativa ou, no maximo 0 siléncio.® Este conceito de opiniao piblica se encaixa perfeitamente na andlise do papel politico desempenhado pelos meios de comunicagao na sociedade atual, apesar de ter side elaborado em um cenério diferente. Os meios de comunicagiio, pensando em ume sociedade da informagdio, da qual nos aproximamos hoje, sdo instrumentos indispensaveis & emissio e formagio da opinigo publica. Por diversas raz6es que A sociologia cabe explicar, Ibid. Conceito de opinido publica retirado deste livro, “gs meios de comunicagao possibilitam uma percepedo simulténea e coletiva da vida social ‘em seu conjunto, tomando possivel uma opiniao publica geral, para toda a sociedade”.** A opinigo piblica interfere, assim no proceso politico, reestruturando a estrutura tradicional do Estado de Direito, que estabelece seus poderes piiblicos a partir da democracia, a vontade da maioria. Com a opinitio publica ndo ficando mais tio localizada se estendendo ao conjunto da sociedade, por forga dos meios de comunicagao ela passa a ser um poder piblico central, por exercer influéncia direta na participagdo dos individuos na democracia. Serve como exemplo o jomalismo politico baseado nas pesquisas de opinizo antecedendo pleitos eleitorais. A opiniao piblica participa decisivamente no resultado do pleito democritico de fato. I claro que néo se esti tentando colocar a opiniéio plblica como equivalente a soberania popular da democracia, mas apenas ressaltar 0 seu papel junto & formagao desta. © processo hist6rico ja est consolidado ¢ nfo parece sensato entendé-lo como nocivo € desejar reverter o poder da opinio publica. A consequiéncia direta ¢ 0 diagnéstico do seu poder piblico e sua incorporagio nos processos politicos, obrigando a politica a responder diferentemente, de forma mais dindmica, aos seus cidadaos, passando nfo s6 pelo sufriigio universal do voto, mas também em sua relagiio com a sociedade através da opiniio publica. (Os meios de comunicagio, forma conereta da opinitio publica, nfo garantem a lisura do processo democritico e podem submeter-se a opini6es dominantes, representando vozes interessadas em teleguiar a opinifio publica, influindo no processo democritico propriamente dito, tentando confundir opiniao piblica com a soma das opinides individuais. © processo democritico torna-se, assim, complexo. O fluxo infenso de informagées ¢ @ estrutura dos meios de comunicagio, a formagao da opiniao piiblica e o exercicio politico da democracia criam um ambiente de dificil compreensdo do papel do sistema miditico, pela complexidade e velocidade deste processo. O que se mostra recorrente € que a falta de compreensiio destes mecanismos resulta em democracias de opinido piblica, onde bi confusio de identidade entre opinido publica ¢ a vontade da maioria na sociedade civil. Na sociedade de informagio, a garantia do funcionamento dos poderes piblicos, no Estado de Direito, passam inevitavelmente pela compreensdo da natureza da comunicagao, e: “(..) redefinir la naturaleza de los medios de comunicacién y concebirles no sélo en el sentido tradicional o hist tal como se ha entendido desde finales del siglo XVII hasta la década de los afios cochenta de nustro siglo, sino también como contrapoderes frente a los poderes ico de contrapeso de los poderes politicos economicos privados que intentam privatizar 0 patrimonializar lo piiblico, utilizando precisamente la potencia de los medios de comunicagdo ”". (ENCABO, 1996)" Esse dimensionamento dos meios de comunicagao nao estaria completo se nfo se levar em conta, simultaneamente, o cardter de poder piblico destes, pela sua influéncia na opinido piiblica, Os meios de comunicago_ nfo podem ser reduzidos a apenas um de seus aspectos. Esta ambivaléneia é da sua natureza: “enquanto exercem seu direito A liberdade de expressio deve ter sua amplitude garantida; enquanto poder piblico deve submeter-se & estrutura ética e juridica correspondente, como é exigido de toda instituigao publica no Estado de Direito”. Mesmo sem ter um 6rgio estabelecido, de cariter piblico ou oficial concreto, as comunicagdes se caracterizam como um poder piblico social, uma instituig#o piblica e devem assim ser encaradas em seu tratamento ético e juridico. O ponto de partida esta no direito a informagao emitida pelos meios de comunicagao como necessidade fundamental para 0 exereicio do poder politico pelo individuo e sua consolidagéio como cidadiio. Nao se justifica uma caracterizagio da cidadania apenas restrita ao exercicio do voto, mas também na garantia da participagio politica indireta na formagdo da vontade geral. Opinido Puiblica € Meios de Comunicagdo sio essenciais neste proceso. Assim como 0 direito fundamental da liberdade de expresso ¢ um direito civil politico de primeira gerag%0, 0 direito a informagio (por conseqiiéncia, através dos meios de ‘comunicagiio) deveria se: “(..) encuadrar dentro de los derechos fundamentales sociales y culturales de la segunda geracién, que protegen la persona en el desarollo de su vida social y coletiva como derecho subjetivo piblico de cardcter social y cultural. (...) et derecho a la informacién debe considerarse también como wm derecho de la tercera geracién y ser conscientes de que tal como ocurre con el derecho al medio ambiente, toda agréssion a la veracidad, al pluralismo y a la ética de las informaciones y opiniones a través de los medios de comunicacién no sélo dakam a las personas o sectores sociales directamente afectados, sino que también tienen repercusién simulténea en toda la sociedad, creando una opinién piiblica que no se corresponde con la realidad”. (ENCABO, 1996). Essa transformago na forma de encarar os meios de comunicag4o, caracterizada pela sua participagaio no processo democritico deve se refletir na desmercadorizacéo da informagio e sua caracterizaglio educativa e cultural deve refletirse juridicamente no seu reconhecimento como servigo piblico e garantido como tal pelas normas e estruturas necessérias. A definigao de cidadania, colhida no texto de Graham Murdock também é importante para a caracterizagdio da comunicagio como instituigio publica necesséria a garantia do exercicio de cidadania. Cidadania, segundo 0 autor, é 0 “direito de participar integralmente na vida social com dignidade e com seguranga, e ajudar a formular a forma que esta vida social teré no futuro”. Certamente, 0 conjunto de direitos necessarios para atingir este ideal de cidadania no é estitico. Ele muda conforme as mudangas sociais e vém se tomando complexos ao acompanhar tais transformagdes. A incorporagéo se da na negociagéo entre grupos sociais, no surgimento de novas tecnologias. O conjunto de “Thid. p.231 Ibid. direitos necessirios 4 cidadania partiu, originalmente, do debate entre duas instincias: de um lado, 0 Estado ¢ 0 govern e de outro, a Sociedade Civil. Os direitos estavam destinados a garantir a seguranga, proteger 0 individuo do uso da forga arbitrariamente utilizada, seja por parte de terceiros, de pessoas privadas como por parte do proprio Estado. © papel do Estado era, entio, o de garantir que o uso da forga seria controlado por critérios éticos ¢ de justica, através de policiamento e milicia, As disputes entre os cidadaos seriam travadas na arena do direito e este estabeleceria a igualdade no tratamento dos individuos. processo histérico conduziu 0 conjunto de direitos fundamentais para um senso mais ou menos comum. FE praxe, por exemplo, em sociedades democriticas 0 direito a livre expresso, conforme ja vimos. Nao s6 a livre expresso como liberdade de pensamento, de crenga e liberdade de associago para o individuo poder intervir na vontade geral, na definigao dos rumos da sociedade. Mas existem algumas dificuldades. Direito de expresso envolve 0 dircito de emitir uma mensagem com também 0 diteito de receber essa mensagem. “O direito de falar e 0 direito de ouvir”. A liberdade de expressio e de credo € associago stio um incentivo para a procura pela identidade que convém ao individuo. A possibilidade de se reconhecer em um grupo e participar da definigdio dos destinos deste grupo, ou mesmo de, a partir deste grupo, definir novas identidades ¢ a idéia central sobre a qual se justifica o direito de liberdade de expressio. Os meios de comunicago, em especial a televisto, se colocam como mediadores dessa colegio de diferentes identidades, algumas delas conflitantes © para resolver 0 conilito, parece simples admitir que a diversidade pode ser harménica bastando dividir canais que coexistiriam, embora cada identidade se comunicaria somente para seu piblico especifico. Esta solugio no atende a necessidade complexa da cidadania contemporinea, ja que a necessidade reside justamente em promover um ambiente de convivéncia e intercambio eultural.”" % MURDOCK, Graham. Rights and Representations: public discourse and cultural citizenship. In: GRIPSRUD, Jostein, Television and Common Knowledge. London: Routledge, 1999. p.9 "Ibid. p. 10. ‘A diversidade das identidades, conseqiéncia direta das liberdades individuais das sociedades atuais, ¢ sua capacidade de intercdmbio cultural sfo pontos principais desta mudanga da cidadania simples para uma cidadania mais complexa. Outro problema, gerado pelo modelo comercial financiado pelos anincios publicitirios é a criago do conflito entre consumidor e cidadio. O problema reside no confronto entre os requisitos de igualdade da democracia e a dinémica capitalista.” Este problema no é somente das comunicagées, mas um conflito da sociedade contemporinea, porém, na comunicagao é que este problema provoca maiores contrastes devido ao seu carter ambiguo argumentado anteriormente. Para que o cidadio exerga sua cidadania integralmente, ele precisa de acesso a minimos, niio. s6materiais, mas também simbélicos para assegurar sua insergdo social e sua participagdo. 0 Estado nfo deve se limitar ao papel de garantidor dos direitos individuais fundamentais de primeira geraco, mas intervir na sociedade para garantir 0 acesso de todos os individuos A cidadania. O que se chama de minimos simbélicos diz. respeito exatamente & cultura e informagiio que sfo garantidos através de escolas, museus, bibliotecas piblicas ou mesmo a radiodifusio pablica, Estas garantias sociais que possibilitam ao individuo participar dignamente da sociedade, ou seja, exerver sua cidadania sfo, financiados por impostos ¢ deve ser garantido 0 acesso universal a eles. A esse conjunto de direitos se dé 0 nome de Direitos Culturais, ¢ conforme definido por Murdock”, podem ser dir ididos em quatro categorias: direito & informagio, direito A experiéncia, direito ao conhecimento e direito & participagio. direito a informagdo consiste no acesso dos cidadios 4 maior quantidade de informagio possivel, para que ele possa efetuar suas escolhas e participar ativamente da conformagao da sociedade em que participa. O direito a experiéncia € 0 acesso a0 maior niimero possivel de representagées de experiéncias pessoais ou sociais. Enquanto o direito informagio esta destinado aos programas de cunho noticioso, em jomais ou documentitios, © direito experiéncia destina-se a ficgiio. As representagdes por meio de narrativas, com 0 intercambio de hist6rias so necessidades essenciais para a conquista dos insumos simbélicos que garantam a cidadania. © direito ao conhecimento se refere a0 corpo de construgies simbélicas que explicam © mundo. Difere das informagdes pelo carter descritivo daquele, comparado abordagem explicativa deste. Hé ainda o direito & participagio, que nfo significa simplesmente que todas vozes sejam ouvidas, suas experiéncias sejam filmadas e distribuidas entre os outros individuos. E importante compreender que sua representago deva ser garantida e é um papel delicado compreender quem representa quem, se todos os grupos sociais esto representados, tanto nas idéias ‘quanto nos géneros de programas. A interatividade se posiciona como um desafio a esse direito, prometendo revolucionar a forma de participagao do cidadao. Esta classificagao desenvolvida por Murdock define os direitos culturais justificam sua necessidade se utilizando do conceito de identidades culturais de Stuart Hall.”* ‘Ainda segundo Murdock, as comunicagdes, especialmente a televisio se desenvolveram em outro sentido deste dos direitos culturais. O modelo comercial da televisto transformou os bens piblicos das comunicagées em commodities, mercadorizando o seu tempo no sistema de financiamento publicitério que remunera o veiculo pela audiéncia em um determinado periodo. Para que as comunicagdes possam estabelecer um modelo que privilegie a conquista da cidadania, quatro caracteristicas se mostram essenciais: = A primeira é a de garantir uma arena de representagzio auténoma em relago aos poderes do governo e do mercado corporativo financeiro. Garantir que os contetidos nfo sejam dominados e definidos por sua fonte de financiamento. = A segunda seria acabar com a divisio entre minorias ¢ massa, entre programas ¢ temas de grande apelo popular, voltados para todo 0 piblico (mainstream) ¢ temas marginais destinados a uma audiéncia cativa ¢ restrita a um pequeno grupo social. Promovendo integragdo ¢ didlogo ao invés de segmentar, simplesmente. = Equilibrar a oferta de contetidos que equilibrem informagio e experiéncia, assim como conhecimento, promovendo formas de educagio. * Thid. p. 12. ° HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pés-modernidade, Traducio Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Tanee tana Rig de Taneiro: DPA, 1997. = Garantir a oferta equénime para todos, evitando que a conversio do seu contetido em comodities, preservando seu carter de bem piblico.”* Por meio destes dois amplos conceitos, as comunicagdes encontram sua natureza juridica calgada. O primeiro, a partir do principio da liberdade de expressio, define 0 caréter politico das comunicagées ¢ estabelece 0 direito informagiio como uma necessidade politica do individuo na sociedade mediada pelos meios de comunicagao. O conceito utiliza ‘a nogio de opiniéo piblica ¢ estrutura a forma do poder piblico exercido pelas comunicagdes. Ele define, assim, 0 caniter de servigo publico das comunicagées, a0 demonstrar a ambivaléncia de seus papéis. © segundo, parte também do principio da liberdade de expresso e sua importincia para 0 exereicio do direito politico na busca pelas identidades e enfoca a questo da cidadania, a partir da necessidade dos minimos simbélicos necessérios para exercé-la. Ao estabelecer a categoria dos direitos culturais e justificar as comunicagées neste grupo, ele descreve as caracteristicas deste grupo de direitos. Finalmente, ele aponta quatro condigdes essenciais para que as comunicagSes possam servir ao propésito da cidadania, evitando distorgoes do modelo comercial. A soma destes dois conceitos demonstra o cariter piiblico das comunicagdes e seu papel na promogao da cidadania. Também ficam estabelecidas as condigdes essenciais para que as comunicagées possam exerver efetivamente esse papel. A partir desta contextualizagao, a televisio publica americana pode ser observada em seu caréter pliblico e de agente de cidadania, % MURDOCK, Graham. op. cit. p. 16. Toda a classificagio foi estabelecida pelo autor. PARTE II 1. HISTORICO DA TELEVISAO PUBLICA AMERICANA ‘Ahistoria da televisio piblica comega muito antes do langamento da PBS. E ainda antes de existir televisto, ou mesmo réidio. O principio de seu estabelecimento esté ainda no século dezenove, nas raizes de uma estratégia politica que visava desenvolver o pais pela educago. Por meio do investimento em seu sistema universitério, oferecendo recursos valiosos para o desenvolvimento da educago dos Estados Unidos,” 0 Morrill Act of 1862 era o instrumento normativo que implementava a estratégia. A lei visava ampliar 0 aleance da educago no pais. Como nfio possufa recursos para uma empreitada dessa envergadura, © HARTFORD GUNN INSTITUTE Educational Telecommunications: An Electronic Land Grant for the ‘Twenty-first Century. [online]. (s.: [s1.], 1995. Disponivel na internet “chup:/wwrw.current.org/pbpb/articles/morrillgunnpaper.html>. “In the nineteenth century, a visionary Congress adopted a bold strategy to inves a portion ofa valuable national asset in an historic expansion of cedueational opportunity for the people of the United States. The consequences for the welfare of the nation ‘and her people went beyond what even the most passionate advocates of the legislation could have foreseen. bo)” prineipalmente no periodo imediatamente posterior a Guerra de Secessio, os Estados ‘Unidos decidiu por doar terras para 96 instituigdes universitérias, estando estas, hoje, entre as principais universidades do mundo.”* ‘A mesma lWgica seria usada muitos anos depois para alocar freqtiéncias do ar para instituigdes ndo-lucrativas, dentre elas universidades, com © mesmo intuito de investir 0 patriménio piblico no desenvolvimento educacional. Desta vez, ridios educativas seriam 0 objetivo da estratégia. Porém, 0 modelo americano para a radiodifustio tomou outros rumos, diferentes daquele espirito que, por muitas vezes, foi lembrado como inspiragio para o estabelecimento de uma televisio publica, Este paralelo foi tragado pelo Hartford Gunn Institute, uma entidade filiada 4 Association of America's Public Television Stations (APTS) e & aqui colocada como ponto de partida do breve histérico da televisto piiblica americana. Este histérico esté baseado, fundamentalmente, em trés fontes. A primeira parte, que trata do Broadcast Reform Movement foi encontrada em McChesney”. Os outros t6picos se encontram em literatura mais diversificada, porém, guardando a atengo especial aos livros Down the Tube (BAKER e DESSART, 1998)'” © Television Broadcast Industry (WALKER © FERGUSON, 1998)'"', em seus capitulos dedicados a televistio publica, O hist6rico est dividido em quatro partes, segundo periodizagiio referente as fases marcantes da historia politica da PBS. % id, “The Morrill Act of 1862 was a keystone of their strategy. At is core was the proposition that the ‘government would support the extension of higher education o a far greater proportion of the citizenry than hhad ever previously been imagined. The federal government could not itself pay for this historic expansion of educational opportunity; but it could provide the essential financial catalyst by dedicating to this public ‘purpose a portion of an enormously valuable national asset-the public lands--which it held on behalf of the ‘people of the United States. Congress allocated 30,000 acres of land for each Senator and Representative From each ofthe "loyal staes"; the land was transferred to the state forsale, with the proceeds going to the existing or newly-established colleges that they designated." © MCCHESNEY, Robert W. Telecommunications, Mass Media, & Democracy: The battle for the control of US. Broadcasting, 1928 ~ 1935. Oxford: Oxford University Press, 1994. BAKER, William F., DESSART, George. op. cit. "0! WALKER, James, FERGUSON, Douglas. op. cit 1.1. 0 DEBATE NA ERA DO RADIO Muito tempo se passou até que a revolugdo tecnolégica do radio viesse a ser pauta de decisio piiblica, ¢ de interesse de regulago por parte do Estado. Durante os primeiros anos até 1934, o debate acerca da maneira que 0 novo meio deveria ser desenvolvido pela sociedade americana foi amplo. Esta foi a tinica vez que a radiodifusio foi levada ao debate politico legitimo para estabelecer qual modelo os Estados Unidos adotariam para o setor. A oposigéo ao modelo comercial saiu derrotada deste debate com a passagem do Communications Act of 1934, De li para cé, 0 questionamento ao modelo comercial no foi mais possivel, gragas a cristalizagdo deste a partir de entio.' © modelo comercial vinha se consolidando praticamente livre da regulagao do Estado. Ele s6 soften, no periodo de finais dos anos 20, até 1935, a oposigiio do Broadcast Reform Movement, uma coalizio de forgas que viam no radio um meio para o desenvolvimento da educagio, da cultura, mas consideravam o sistema comercial financiado pela publicidade ‘um empecilho para atingir tal objetivo. © primeiro objetivo do movimento para reforma da radiodifustio era estabelecer 0 debate plblico sobre a melhor maneira de onganizar os servigos de comunicagies. Mas 0 movimento encontrou muitos obsticulos, principalmente por parte dos radiodifuusores estabelecidos que mantiveram sua posigao e bloquearam com todas as forgas a possibilidade de um debate aberto, mostrando que o poderio econdmico ¢ politico conflitam ‘com a democracia da sociedade americana,'”* ‘Ainda antes da passagem do Radio Act of 1927, € util dizer que a RCA (fabricante de ridios de propriedade parcial da General Electric) e a Westinghouse, j& em 1920, dividiam o controle do mereado de radio, por acordos de patentes entre as grandes firmas eletrOnicas. RCA e Westinghouse possuiam varias estagdes de ridio em meados da década ¢ juntamente 8 MCCHESNEY, Robert W. Telecommunications, Mass Media, & Democracy: The battle forthe control of US. Broadcasting, 1928 ~ 1935. Oxford: Oxford University Pres, 1994. p.3 hid. n. 6, com a AT&T, que estabeleceu o primeiro servico comercial para seu autofinanciamento (venda de horirio em sua programagio), foram as pioneiras a estabelecer a indiistria do radio. © secretitio do coméreio, Herbert Hoover organizou quatro conferéncias entre 1922 1925, majoritariamente composta de radiodifusores e fabricantes de rédio. As conferéncias visavam definir 0 futuro do setor e se concentraram na discussie sobre 0 processo regulatério que deveria ser adotado. Hoover instigava os broadcasters & aulo- regulamentagio, ja que ele proprio defendia que a regulagiio por parte do governo deveria ser minima.’ ‘A realidade da radiodifusdo, aquela época, era o dominio das grandes indistrias do radio, como a RCA (que formou a primeira rede, a NBC em 1926, ao adquirir as operagdes da AT&D, de um lado. Do outro, uma significante parcela de proprietirios ndio-comerciais, como universidades, sindicatos, grupos civis e religiosos. Porém, a dificuldade de independéncia financeira fez o nimero de ridios néo-comerciais ligadas & universidades cair de 128 para 95 entre 1925 ¢ 1927. O debate era centrado em fazer a radiodifusto auto- suficiente. David Sarnoff, executivo da RCA, chegou a sugerir que o modelo deveria ser 0 de uma rede nacional, ndo-comercial, que seria sustentada pela indtistria que lucrava com 0 negécio, como 0s fabricantes de aparelhos.'®* Porém, a idéia nao obteve respaldo junto aos radiodifusores comerciais. primeiro debate sobre regulagao foi sobre a inconstitucionalidade do Departament of Commerce ser a instincia governamental competente para conceder as licengas. Hoover foi orientado a se posicionar contra a constitucionalidade tanto do departamento em conceder licengas, como de todo o processo, jé que a legislagao vigente ainda era o Radio Act de 1912, que nao estabelecia critérios para as licengas. A lei de 1912 nio se preocupava com o ridio senfio para 0 uso ponto-a-ponto, em comunicagées entre embarcagdes e entre "Bid. p. 13. 8 Thid 15. radioamadores. A lei estava ultrapassada para os novos usos de comunicago social da nova tecnologia. Hoover suspendeu toda a regulagio por um periodo conhecido como “breakdown of the Taw”, quando mais de 200 novos radiodifusores comegaram suas operagdes deixando 0 modelo em situagdo ca6tica, com suas inimeras interferéncias de sinais. Com a confuusdo generalizada, o Congresso se viu apressado a passar 0 Radio Act of 1927. A velocidade do processo foi liderada pelas agdes da NAB (National Association of Broadcasters), representando 0s radiodifusores comerciais, que queriam a regulago com urgéncia, para poderem estabelecer profissionalmente seus empreendimentos de forma lucrativa, 0 que no estava sendo possivel com a desordem e as incontroliveis interferéncias. Os radiodifusores no-comerciais ficaram relegados na construgdo da nova legislagio. '®° ‘Assim foi estabelecida a FRC (Federal Radio Commission), agéncia responsivel por conceder as licengas segundo 0 conceito que foi definido na lei como de “interesse piiblico, conveniéncia € necessidade”, Morris Emst, da American Civil Liberties Union (ACLU) considerou 0 poder investido pela agéncia exagerado € instou a FRC a conceder licengas a radiodifusores ndo-comerciais prioritariamente, para proteger a diversidade de opiniaio necessfria & democracia. '”” Foi em 1928 que a FRC langou a General Order 40, resolugio que definiu canais destinados & alocagdo incluindo canais abertos para transmisstio nacional (clear channels), além de um plano para diminuir 0 nlimero de emissoras a serem licenciadas, j4 que as freqiléncias seriam em mimero menor do que o de radios jé em funcionamento. A FRC declarou que as estagdes so licenciadas para servir ouvintes ¢ no os proprios usuérios, e 0 ctitério de public interest significava que a FRC preferiria as estagdes que servissem ao maior nimero de pessoas em sua drea de atuag2o, nfo sustentando posigdes politicas ou pontos de vista pessoais ou mesmo defendessem interesse proprio. Portanto, 0 Thi. p.17. Wr thid m 10 entretenimento e 0s temas culturais deveriam ser aqueles que agradassem melhor a totalidade do piblico. Sendo assim, ficava definido 0 que se deveria entender por aquele que serve corretamente ao interesse piblico.’ ‘Assim, a agéncia poderia preterir os radiodifusores que ndo estavam estabelecidos comercialmente e eram amparados por instituigdes diversas, sendo considerados como autopropaganda, defendendo interesses particulares, como no caso de sindicatos ou grupos religiosos. Desta maneira, as emissoras nfo-comerciais foram perdendo seu espago no espectro. De fato, 0 que ficou definido, na pritica, foi que qualquer outra forma de financiamento que nao a de antincios publicitérios teria propaganda por trés, financiando seu funcionamento.'” O modelo comercial era a definigao do interesse pablico. O resultado foi que, se em 1927 a NBC e a CBS (segunda rede) tinham 6.4% das estagdes, conjuntamente, teriam, quatro anos mais tarde 30%. E se fossem levadas em consideragao as horas de programagao no ar, & noite, quando estagSes pequenas nao podiam operar por lei, ou Ievando em conta a poténcia da transmissfio, 0 dominio das duas redes atingia 70% em 1931." De outro lado, os radiodifusores no-comerciais controlavam apenas 2% das horas de programago em 1934, © diretor da ridio da Universidade do Estado de Arkansas, que seria logo extinta, reclamava que a FRC teria tomado 0 espectro por assalto da programagao de cunho educativo ou cultural, acabando toda a programagio de qualidade no rédio.'" Para os nio- comerciais, 0 problema da FRC foi sua interpretagdo estritamente comercial do significado do interesse piblico. "Ibid. p.27. © Ibid p. 28. "Tid, p. 29. id. p.31: “Now the Federal Radio Commissionhas come along and taken away all of the hours that are worth anything and has lef us with hours that are absolutely no good either for commercial or for educational programs. The Commission may boast that it has never cut an educational off the air. Itmerely cuts off our head, our arms, and our legs, and alow us to die a natural death.” © campo de batalha ficava assim tragado para o debate: de um lado, as duas redes, os anunciantes nacionais, ¢ até certo ponto, a FRC; do outro, os desavantajados radiodifusores néio-comerciais aos quais se juntariam grupos da sociedade civil ¢ intelectuais. Segundo McChesney, 0 tinico momento na histéria modema dos Estados Unidos onde o controle ¢ a estrutura do modelo passaram por um debate piblico legitimo foi este periodo.! Depois da implantagio da General Order 40, 0 sistema de radiodifusio americano ficou definido pelo controle das grandes redes, financiado pelo setor publicitério, com um pequeno ntimero de ridios naio-comerciais. Papel importante desempenhou o Payne Fund, no periodo posterior & General Order 40, na causa da radiodifusio piiblica. Estabelecido desde 1927, esse fundo, oriundo da industria petrolifera e que contava com intimeras doagées, foi criado para promover cidadania, projetos sociais ¢ educativos. O fundo realizou pesquisas com a cooperagdo da National Education Association (NEA) que concluiu que © ridio seria um meio com imenso potencial para ser usados em sala de aula, diretamente para a educago formal. A pesquisa também sugeriu que qualquer projeto de sala de aula pelo ridio deveria incluir a participagtio direta de educadores ¢ ser desvinculado do financiamento comercial da publicidade."”* © fando patrocinou, conjuntamente com outras entidades um estudo intitulado Wilbur Comitee, concluido em dezembro de 1929. O relatério afirmava que a preocupagio educativa das redes comerciais, manifestada por elas proprias oferecendo horérios para programas educativos ¢ prometendo produzi-los conjuntamente com educadores, niio era compativel com 0 modelo de negécio da televisio comercial € que as redes achavam que “ym pouquinho de programa educativo era o suficiente para sua audiéncia.”"" O relatério concluiu que a tinica saida era 0 setor da educagéo mobilizar sua forga para garantir uma radiodifusdo publica sem fins lucrativos, com canais exclusivos licenciados para este fim. A grande virtude desse fundo foi estabelecer uma relagdo direta entre os educadores dos " hid. p. 37. °° Ibid. p39. NO ihid’ m9" "C.. they appear to believe that a very little education is plenty for their audiences." Estados Unidos com as idéias do movimento para a reforma da radiodifusio. Principalmente neste periodo, posterior & General Order 40, as licengas de radiodifusio educativas diminuiram muito e 0 apoio dos educadores foi importante para pressionar 0 governo por mais licengas. As agdes resultaram no pedido ao Congresso, feito pelo conselheiro da FRC, William Cooper, de uma reserva de 15% de licengas para serem destinadas ao uso educativo. Porém, mais tarde, o Payne Fund, embora trabalhando ainda para promover a programago educativa, estava articulado com interesses das redes comerciais. Juntos estavam estabelecendo um plano e, de fato, as redes jé haviam destinado parte de sua grade a programas educativos. Em oposigiio as novas ages do Payne Fund, a National Committee of Education by Radio (NCER) vai contrapor 0s servigos educativos promovidos pelas redes comerciais. A entidade se coloca radicalmente contra um servigo educativo sustentado por antincios publicitérios, na mesma estrutura dos demais programas de entretenimento das redes, por acreditar que 0s interesses comerciais sobrepujariam os objetivos educativos. Durante a parceria com as redes, 0 Payne Fund sofreu pressio dos proprios educadores, que estavam frustrados com 0 resultado dos projetos. Em conseqiiéncia, 0 fundo se indisp6s com as redes, concordando com 0 ponto de vista da NCER. Rapidamente, 0 Payne Fund defenderia ‘uma cistio completa com 0 modelo comercial ¢ patrocinaria a NCER na mobilizagio em prol de licengas exclusivas para fins educativos. Outro membro importante do debate pela radiodifusio nfio-comercial foi a campanha promovida pelo Ventura Free Press, um pequeno jornal da cidade de Ventura, California. ‘A campanha era contra a radiodifusto comercial ¢ também foi financiada pelo Payne Fund. Os interesses dos jomnais impressos cram defendidos pelo Ventura Free Press que viam no radio comercial um concorrente de seus antincios. No comego dos anos 30, tanto na NCER ou na Ventura Free Press Radio Campaign, 0 Payne Fund contribuiu com cerca de 250 mil délares, durante os primeiros anos da década de trinta, para 0 movimento pela reforma da radiodifusdo, sendo o maior patrocinador do movimento. Segundo McChesney, no haveria o movimento se 0 fundo nao o patrocinasse.""* O movimento, apés conquistar a simpatia dos educadores, de organizagdes da sociedade civil (como fundagées), além do apoio de intelectuais, chegou a conclustio de que a questo essencial e garantidora da televisio piblica era a propriedade direta de ridios.'"° O controle da infia-estrutura era 0 controle do seu uso. O segundo ponto que os reformistas idade no contetido da programago. O movimento, entio, se posicionou claramente a favor da adogao do modelo ptiblico para a radiodifusio argumentavam era a influéneia da publi americana, substituindo o modelo comercial Do outro lado, defendendo 0 status quo do modelo, estavam as emissoras comerciais e as redes, que conduziam um servigo de relagbes piblicas com profissionais de comprovada competéncia, produzindo uma quantidade de panfletos, impressos, artigos que em muito superava a produgio dos ndio-comerciais. O argumento principal das emissoras comerciais, era que a natureza do modelo estava de acordo com a natureza da cultura americana, com 0s valores democriticos da liberdade de expresstio como principio. E ainda, defendiam que © modelo comercial tem o melhor método de controle que qualquer sistema possa vir a ter: a vontade da audigncia, Esta argumentago entre 0 movimento ¢ 0 lobby do rédio (os defensores das ridios comerciais) era travada tanto nas esferas da opinio piblica como nas esferas do lobby politico ¢ se estendeu até a aprovagiio do Commumications Act of 1934. ‘As primeiras investidas do broadcast reform movement haviam comegado entre 1930 1932 e sua principal preocupagiio foi a de fazer com que uma legislago favorivel fosse aprovada no Ambito do Congresso. Os defensores do movimento nio admitiam, em nenhuma hipétese, a possibilidade do modelo comercial. Todas as iniciativas visavam que ‘uma televistio nfio-comercial, pitblica fosse adotada. Havia até mesmo um otimismo por "5 Ibid. p. 62. Le Thid. p.93: "(..) anything meaningful reform of U.S. broadcasting would have to alter the existing ‘patterns of ownership , control and support. “Ownership of the facilities is the crux of the matter,’ Gross ‘Alexander stated in 1934.” parte dos reformadores quanto ao sucesso de uma aprovasio que viesse a mudar 0 cariter da televisio americana. Durante este perfodo, uma instituigao que muito se opds ao movimento foi a American Bar Association (ABA), por meio de seu Standing Committee on Communications que apresentava relat6rios anuais, com 0 objetivo de estudar ¢ propor recomendagies & legislagao de radiodifusti. O comité se aproximou da FRC (mais tarde se tomaria FCC) € dos legisladores. Mesmo que os relatérios fossem aprovados no comité e definidos separadamente da Associagiio, eles eram apresentados ao Congreso e A sociedade como a opinido da comunidade legal (juridica) americana da ABA. A recomendagaio do comité para a ABA era de que © plano americano para o setor de radiodifuusio era melhor que 0 peu.!"” 6 importante salientar que a ABA é uma associago de muito prestigio, equivalente 8 OAB brasileira. O Comité, controlado quase exclusivamente por seu presidente, Louis Caldwell, estava praticamente independente em suas opinides, ¢ representava a opinido da instituigao perante a sociedade americana. Os interesses de Caldwell, como advogado, se sobrepujavam aos interesses da associagio que mal tomava conhecimento da situagiio. Sua posi embate piiblico com os reguladores, que deveriam ter autoridade para controlar 0 espectro € 10, em proximidade com a FRC, era a do afastamento do Congresso ¢ do fim do a concesstio de licengas livres de presses, com maior autonomia, Nao demorou muito tempo para que o movimento reformista contra-atacasse, concentrando prineipalmente no ponto da ilegitimidade do comit2, porque este trabalhava para a defesa dos interesses pessoais do seu presidente. Segundo sua newsletter, Education by Radio, a NCER observou, em 1931: “nenhum advogado nos Estados Unidos aceita recebe tantos Iucros de emissoras de ridio como o Sr. Caldwell.” E continua: “seria ético para um homem com interesses pessoais na questo usar uma associagio civil como a ABA para promover seu proprio proveito, contra o proveito pablico?”""* id. p- 133 1 Ibid. p. 135. © resultado do embate foi um envolvimento maior da ABA no comité, que no queria transparecer muito envolvimento com o lobby do ridio, trocando o presidente ¢ autorizando reformistas, por meio da Ventura Free Press a participar do comité. Porém, Caldwell ¢ mais dois advogados representantes dos broadcasters nao foram afastados. Os reformistas continuaram criticos e fora do processo, enquanto advogados sem interesse direto no setor no fossem substitufdos no comité. A ABA, em sua convengio anual, nfo considerou as exigéncias do movimento reformista e manteve 0 comité. A American Bar Association viria a influenciar as decisées do setor, devido a seu prestigio, tanto junto & sociedade civil, mas principalmente seu poder junto ao congresso. Embora nao explicitamente, a ABA colaborou com o lobby do ridio, ‘A partir de 1932, quando as esperangas de aprovagao de uma legislagao que contemplasse @ idéia de uma televisto nfo-comercial estavam se esgotando, 0 movimento reformista abandonou praticamente o trabalho de lobby em Capitol Hill para se concentrar em convencer a opiniao publica eo poder executivo. O principal objetivo era de conquistar Iegitimidade a0 movimento com a conscientizagio da opiniso piblica, com um foco sobre a midia, tanto para a cobertura da discussio, quanto para noticias favoriveis sobre o proprio movimento. Conjuntamente, o objetivo era o de envolver o presidente recém eleito Roosevelt na causa, para que assim ele pudesse encampar as propostas. O ano de 1933 foi marcado pela estratégia ultima do movimento reformista de provocar 0 novo presidente a defender publicamente o cariter pablico da televisio © assim se ver obrigado a se posicionar favoravelmente a0 movimento. Porém, os reformistas conseguiram foi apressar a decisio de uma legislagio definitiva para o setor, com a consolidago do modelo comercial. Além do mais, a audiéncia nao se incomodava com os antincios e patrocinios como a dois ou trés ‘anos atrés, quando comegaram os movimentos de reforma, pois o modelo jé estava sendo absorvido pela populagiio. O cenério, no momento, era de cristalizagio do modelo comercial americano. Consolidado nfo tanto na opinitio piblica quanto viria a ser oficialmente com a aprovagio da lei definitiva. Durante 0 ano de 1934, a industria da radiodifustio conseguiu cumprir sua agenda legislativa, com a aprovagio da lei, que até hoje serve de base para o setor. O movimento reformista conseguiu ainda algum apoio, j4 que, para a aprovagio legal, algumas audiéncias piblicas seriam necessérias. Porém o debate sobre o modelo foi reconduzido da arena do Congresso para a FCC Broadcast Division, deixando de fato seu papel de intervir diretamente na lei. © cenitio, entdo, estava totalmente aberto para a consolidagio da lei, com as posigées do movimento reformista tendo sido neutralizadas. © congresso se encontrava, agora, com condigdes de aprovar uma lei que estabelecesse, de fato, 0 modelo comercial. Assim nasce © Communications Act of 1934. Com o estabelecimento da lei, o movimento reformista entrou em colapso, nfo justificando mais sua existéncia, j4 que a consolidagdo do status guo ja tinha se dado gradativamente ¢ em todas as instdneias: no mercado, com a indastria funcionando sob a logica comercial; na politica, com as forgas institucionais dos dois lados tendo travado suas batalhas e 0 modelo comercial conseguido implantar a lei de 1934 (consolidago normativa, legal do modelo). ‘Ainda, a consolidagio ideol6gica se deu durante todo © processo, com a incorporagiio do rridio nos habitos dos americanos, com os antincios como parte normal de sua estrutura. 1.2. A TELEVISAO E A FORMACAO DA REDE PUBLICA ~ PBS Quando a televisdo entrou em cena, 0 modelo comercial era o tinico em operagio para a radiodifusio. Nenhuma das estagdes em funcionamento antes da Segunda Guerra ou nos primeiros anos depois era educativa. O piblico estava ansioso com a idéia do novo veiculo ¢, para atender a demanda, mais de 100 licengas foram dadas até 1948 para operagdes televisivas e todas elas para estagSes comerciais, que seguiam os mesmos passos do ridio, Mas, antes de conceder todo o espectro, a FCC reconheceu a necessidade de um planejamento e decretou um congelamento na concessio de licengas para televisio, enquanto reexaminava sua estratégia de distribuigao. Em 1948, é indicada para a Federal Communications Commission, Frieda Barkin Hennock, @ primeira mulher a ocupar 0 cargo. Mesmo 14 anos depois da aprovagio do Communications Act of 1934, ela levantou o tema da televis io publica novamente. Nos 4 anos seguintes, ela advogou em favor da televistio educativa dentro da agéncia e colocou tema na opinifio piblica, viajando por todo o pais, provocando reagdes, como a da revista Broadcasting & Cable, que considerou suas propostas como “sem légica e até mesmo ilegais”. Com o fim do congelamento do espectro, em 1952, a FCC anunciou a alocagao de 2 mill novas estagdes atendendo mais de 1.300 comunidades. Gragas ao trabalho de Hennock, 242 delas foram reservadas para televisGes nfo-comerciais e com objetivos educativos." ‘Do mesmo modo do ridio, as primeiras televisées educativas eram de universidades, como a emissora da Universidade de Houston KUHT (inaugurada em 1953) que via 0 novo meio como uma forma avangada, eficiente ¢ mais barata de expandir seus programas educativos. ‘Tudo isso a contragosto da revista Broadcasting, que defendia os interesses da radiodifusio comercial. A revista, em um editorial, considerou as concessées para televisio ndio- comercial como uma medida socialista.'” Porém, muitas dessas freqiiéncias nfo conseguiam ir ao ar, ou, quando conseguiam, néo continuariam em funcionamento e, em 1956, apenas 24 daquelas 242 televistes nio- comerciais conseguiram se manter. E, ainda assim, a majoria delas nfo eram conduzidas por entidades educativas, mas sim por comunidades, as chamadas televisdes comunitirias. A primeira das televistes comunitérias foi a WOED-Pittsburgh, inaugurada em 1954, Meses depois foram inauguradas estagdes em St. Louis, San Francisco, todas estagdes comunitérias. Em Boston, a GBH comegou suas operagées em 1955, sendo até hoje um ” BAKER, William F., DESSART, George. op. cit. p. 216. 2 thid, p. 217: “(..) a Broadcasting editorial commented: “One day the FCC must take another look at the Communications Actin relations to these socialistic reservations’.” dos pilares da televistio piblica americana. Todas essas emissoras s6 foram possiveis gragas a0 espirito de suas comunidades, que reuniam empresas que viam 0 novo meio como importantes & educagto e A cultura. A I7GBH, era composta por 14 entidades, algumas de grande prestigio nacional, Naquela época, em seus estatutos, sua misséo era descrita como: “the purpose of the corporation, is to promote, through broadcasting or other means, the general education of the public by offering programs that inform, stimulate and entertain, so that persons of all ages, origins and beliefs may be ‘encouraged, in an atmosphere of artistic freedom, to learn and appreciate the history, the sciences, the humanities, the fine arts, the pratical arts, the music, the politics and the economies, and other significant aspects of the world they live in, and thereby to enrich and improve their own lives.” (BAKER © DESSART, 1998)."" A estago de San Francisco quase fechou as portas, logo em seu inicio, por falta de verbas, mas foi salva por um sistema de leildes € doagdes feitas no ar, que a partir dai se tomaram anuais, inaugurando 0 que mais tarde seria uma tradigdo da televisio publica americana. A tradigo de pedir doagdes no ar se tomou essencial nos dias de hoje para a satide financeira das emissoras. Outro fator de desenvolvimento da televisio piblica foi o interesse da Ford Foundation, a maior fundago da época, com mais recursos que todas as outras fundagées juntas. A primeira investida da Ford Foundation no setor foi a produgo de um programa cultural que ocupava as tardes da rede CBS aos domingos. Depois de estar no ar na ABC e ainda na NBC, © programa deixou definitivamente de ser produzido em 1961, sempre com 90 minutos sem comerciais, apenas com o underwriting’” da Ford Foundation. Mais tarde a fiundago estabeleceu um servigo de programas independentes, que eram produzidos num total de 5 horas semanais de programagiio educativa e cultural, mais duas thd. p.217. ™ Underwriting & 0 termo para patrocinador comercial nos intervalos do rosrama. mi assina o programa, mas que no veicula nenhum ado nas televisGes piblicas americanas. horas e meia de programagao infantil, com o objetivo de serem veiculadas nas televisdes piiblicas por todo 0 pais. Como as emissoras piiblicas ndo eram ligadas por rede, com cabos telefSnicos, como era 0 caso das redes comerciais, a distribuigio era feita praga por praga, num processo chamado de bicycling (de bicicleta). Este nome era porque os programas eram levados de cidade em cidade, sem ser feita duplicagio alguma dos rolos (nio existia videotape), levando muitos meses até chegar em todas as estagdes interessadas. Tanto 0 estabelecimento de redes, como a multiplicagaio do material seria muito oneroso. Mas a maioria dos investimentos da fundago neste periodo, 1954-1960, foi destinada para a reativagio de emissoras piblicas extintas, jé que somente 44 das 242 licenciadas em 1952 ainda estavam em funcionamento em 1959." Em 1962, a fundago Ford mudou 0 Educational and Radio Center, que fazia 0 trabalho de distribuigo da fundagaio, para Nova lorque, a capital da televisio americana e renomeou © centro, que desde entio virou National Educational Television (NET). A industria do setor comegou a levar a sério a televistio piblica. Nao sé 0 mercado comegou a enearar a televistio publica com seriedade, mas também a classe politica. O senador Warren Magnuson, um politico democrata muito poderoso, conhecido como realizador, encampou 0 Educational Television Facilities Act of 1962, conseguindo sua aprovagio. A lei estabeleceu 0 primeiro fundo federal para 0 meio, 32 milhdes de délares distribuidos em 5 anos. A lei tinha dois pontos principais. O primeiro, infra-estrutura para as emissoras e 0 segundo, o incentivo ao controle local. A lei definia que, para cada délar que a emissora conseguisse para si, por contra propria, o govemo daria outro deste fundo federal. Ou seja, para conseguir toda a verba disponivel, era necessério levantar a mesma quantia localmente. Esta politica impulsionaria a mobilizagdo da comunidade para o levantamento do fundo, envolvendo voluntirios locais. ‘Mas, segundo o préprio setor, esta medida ainda estava longe de resolver os problemas da televisio publica. Um dos porta-vozes do setor, Ralph Lowell, da Lowell Institute Cooperative Broadcasting Council, uma das 14 entidades que financiavam a WGBH de °2 BAKER, William F., DESSART, George. op. cit. p. 219. thd 790 Boston, acreditava que era necessério, antes de se distribuir recursos, se definir os objetivos da televisio publica para depois definir os meios pelos quais atingi-los. Assim, a idéia foi levada A John S. Gardner, presidente da Carnegie Corporation, outra grande fundagao comprometida com a educago, durante uma conferéncia promovida pela National Association of Educational Broadcasters, em 1964. Também uma fundagdo de grande porte como a Ford, a Carnegie Corporation via a televisdo educativa como sua miss4o natural, baseada em seus preceitos de “educagio € preocupacdo com os grupos desprivilegiados”."* Aceitando a sugestio de Ralph Lowell, Gardner e Pifer, seu sucessor, organizaram uma comissio, reunindo expoentes do setor da educagiio. Trés anos mais tarde, saiu o relatério da comissio, depois de ostensivos estudos e pesquisas. O Public Television: a Program of Action, definia a televisio educativa como instrucional ¢ criava uma nova institui (0 para a televisio americana, que ficaria entre a instrucional e a comercial, de acordo com uma definigao mais abrangente de educagao. O relatério defendia que tanto a televisto instrucional e a piblica, ambas trabalhando a partir de um mesmo conceito de educagiio, deveriam se expandir e se fortalecer, de acordo com 0 pensamento do ensaista E. B. White, pensamento este que teve destaque na elaboragao do relatério, sendo considerado como a base de sua missao: “A televistio ndio-comercial deve aspirar-se ao ideal da exceléncia e no a idéia de aceitagdo ~ que é 0 que impede a televiséo comercial de escalar a ‘montanha, A televisdo devia, na minha opinido, corresponder visual mente ao ensaio literério, provocando-nos sonhos, saciando a nossa fome de beleza, embarcando-nos em viagens, permitindo-nos participar dos acontecimentos, apresentando-nos 0 grande teatro e a grande miisica, explorando 0 mar e 0 céu, as florestas e as serras. Deve ser o nosso Liceu, a nossa Chatauqua, a nossa Minsky e a nossa Camelot. Deve reformular e esclarecer 0 dilema social e a situagdio "Ibid. p.221. politica. A televisdio de vez em quando o consegue e tem-se entiio um vislumbre de suas potencialidades”.!* Este trecho, apesar de scu romantismo, estabelece um significado do termo educativo para © contexto da televisto piblica, Com simplicidade, ele elenca tematicas que devem orientar as produgées dos programas destinados A televisiio piblica. Para alcangar essa missio 0 relat6rio estabeleceu uma série de recomendagdes. Desde investimentos de infra-estrutura para reestruturar as emissoras piblicas, como para estabelecer novas estagées. Para realizar tamanha obra seria necessério mobilizar esforgos nas esferas federais, dos estados ¢ locais. Esta obra seria encampada por uma instituigdo organizada federalmente, nio-lucrativa, nfio- governamental que cuidaria de administrar os fundos, tanto governamentais como privados. E esta recomendagao foi proposta como condigao sine qua non para que os objetivos da televisto piblica fossem alcangados. Estava assim proposta a Corporation for Public Television. Mesmo com a dbvia comparago com a BBC, o relatério insistia que sua natureza era sem precedentes. Diferente da televisio educativa até entiio conhecida ou mesmo de outros modelos como o sistema japonés ou britinico, a proposta era uma televisio que jatendia a necessidades da sociedade americana, com caracteristicas especificas.'” relatério também sugeriu apoio financeiro a dois centros de produgo nacionais, um deles a NET. Apoio financeiro a pesquisa e produgdo de programas ¢ uma interconexdo, a0 vivo, direta, das estaghes — similar a rede comercial de televisio. A AT&T, a empresa privada incumbida do monopélio da telefonia nacional seria designada para estabelecer a interconexiio a pregos médicos ou mesmo sem custo algum para as emissoras. ‘Mas estas ainda ndo eram as propostas mais radicais. A recomendagio sobre financiamento da comissdo era que a corporagiio fosse subsidiada por um fundo reservado, oriundo de taxas sobre a venda de aparelhos de televisto. Este fundo, obviamente inspirado no modelo 1% TELEVISAO EDUCATIVA: UM PROGRAMA DE ACAO. Relatério ¢ recomendagdes da comissao ‘Camegie de televisto educativa, Tradugao Pinheiro de Lemos. [s.1: [sn], 1967. p.27. 22 thid 9. 28, da BBC, daria mais continuidade as gestdes, a comissio acreditava, do que com orgamento anual, aprovado pelo congresso. A idéia nao era absolutamente uma novidade para o Estado americano que ja havia procedido assim com fundos reservados as rodovias. A taxa sugerida era de dois porcento e subiria para cinco porcento, levantando, segundo a comissio, 100 milhées de délares por ano.’ Este ponto causou controvérsia ainda dentro da comissiio, com a objegiio de alguns membros de que estariam cobrando impostos do publico por um servigo extra, que este nfo teria como interferir, caso niio concordasse como 0 novo tipo de televistio. Pelo menos, no ‘orgamento do congresso, a agli politica seria garantida, McConnell, presidente da Reynolds Metal e membro da comissiio, sugeriu que a taxa fosse paga pelos broadcasters comerciais, 4 que a nova tevé viria a suprir uma deficiéncia no servigo prestado por eles de acordo com © interesse piiblico, justificativa de suas licengas.” Estava cumprida a fungio da comissio e da Carnegie Corporation. A proposta contemplava todos os pontos necessérios para a instauragao da televisto publica americana em Ambito nacional: o financiamento, a estrutura institucional, a linha para a programagdo. John Gardner, o primeiro presidente da comissGo, estava na condugio do processo desde 0 principio além de outros lideres na Casa Branca ¢ no Congresso. O relatério Carnegie, conhecido hoje como Carnegie One, saiu em janeiro de 1967. Em novembro, o presidente Lindon Johnson assinou a lei Public Broadcasting Act of 1967, que estendia ao radio as consideragées do documento. Porém, o congresso no acatou as duas consideragdes sobre financiamento trazidas da comissio. O Departamento do Tesouro também, historicamente, objetava o sistema de taxas dedicadas e o presidente, por sua vez, no podia exercer muita presso sobre o congresso, jé que precisava aprovar verba para a guerra do Viena, mesmo se ele o quisesse, nao valeria 0 desgaste. ‘Assim, a Corporation for Public Broadcasting (CPB) seria financiada da mesma forma que as agéncias federais, com verba dependente de apropriagao anual, situagao que se mantém bid, p. 34. © BAKER, William F., DESSART, George. op. cit. p- 223. até hoje. Mesmo no seu primeiro ano, o congresso reservou-lhe apenas 9 milbdes e se no fosse por uma doagiio de 1 milho feita pela CBS, a CPB nio teria aberto suas portas. Outras modificagSes foram feitas pelo congresso, como a formagao do conselho de diretores, onde originalmente, constava de seis indicagdes feitas pelo presidente e mais seis escolhidos entre eles ¢ passou a ser quinze designados pelo executivo e aprovados pelo senado.'” as mudangas conduziram os rumos da comissio para um viés mais politico do que 0 que foi originalmente concebido. ‘Ainda outras mudangas seriam feitas em relago ao relatério original. A comissio imaginou uma agéncia que fosse se concentrar em programagio e em intereonexio com as emissoras. ‘Ao contritio, a lei (Public Broadcasting Act of 1967) proibiu a CPB de ter controle sobre a decisio de programagio, baseada no fito de que a centralizagio transformaria-a em uma quarta rede americana, contréria aos prineipios de localismo. Mesmo com seus defeitos 0 Public Broadcasting Act of 1967 transformou 0 conceito de televisdo ndio-comercial e consolidou a idéia de televisio piblica. Conseguiu estruturar uma rede de produgo nacional entre as televisdes educativas além de sua interconexio. O tinico ponto polémico residia no conceito de localismo, que era heranga do ridio, mesmo no modelo comercial. Naquele tempo, localismo fazia muito sentido para as estagdes quando a populagdio majoritéria dos Estados Unidos estava em pequenas cidades ou no campo. A sociedade, a economia americana funcionava localmente, sendo 0 ridio essencial & sua organizago. Porém, com a aglomeragiio urbana, a légica localista foi perdendo expresso e ficando como um conceito que no concordava com a realidade dos mercados. Porém, este principio talvez. tenha se perpetuado por estar ligado com o nascimento do modelo: a independéncia local das estagées.'*' De qualquer maneira, a lei de 1967 langou as bases para a televistio publica e alimentou os argumentos de todas as discussdes acerca do assunto. "© TELEVISAO EDUCATIVA: UM PROGRAMA DE ACAO. Relatbrio e recomendagbes da comissa0 Camegie de televisto educativa. Tradugdo Pinheiro de Lemos. [8.1]: [s.n.}, 1967. SIRAKER. William F.. DESSART, George. op. cit. p. 225 ‘Um dos maiores problemas gerado pela lei, foi a tenso que ela criara sobre a competéncia da CPB, deixando complicada a relaco entre ela € as outras entidades organizadas do setor. Assim, 0 caminho encontrado pelas estagées foi a criaglio de uma entidade que viesse a dialogar com a CPB e pudesse representar as emissoras € decidir sobre programago ¢ promos. Deste modo, em 1969, foi criada a Public Broadcasting Service (PBS), uma entidade privada e néo-lucrativa. 'A PBS é sempre vista como a rede que controla as televisdes piblicas, porém ela foi criada - ¢ ainda funciona nessa Idgica — como uma espécie de associagfio, em que as emissoras publicas se afiliaram. Ao contrério de uma rede comereial, que @ afiliada apenas tem 0 poder do veto ou aprovacio, a rede da PBS tem uma I6gica invertida, a afiliada é como uma socia. Ela sustenta e participa mais ativamente na definicao da rede, juntamente com as outras emissoras-membros. A formagio da diretoria da PBS € um conjunto de 35 membros do conselho divididos em 17 representantes das estagdes, 13 profissionais das emissoras 4 diretores gerais, além do presidente da PBS. A nova instituigao foi concebida para distribuir programas enquanto a CPB seria a entidade que proveria os recursos ¢ decidiria ‘em que programas ela investiria. Mas como a PBS era a interface das emissoras, era inevitivel que ela participasse do processo decis6rio dos programas e mesmo na alocagio dos recursos. Com o passar do tempo, com muita alterndncia de controle de poder entre as duas entidades, a maneira delas se relacionarem mudou de variadas formas. O congresso, adotando um modelo em que a hierarquia é conflitante entre as instituigdes, neutralizou papel original da televisaio piblica (definida no Carnegie One"), ‘A competigdo entre autoridades foi constante nos primeiros 5 anos da lei, Este periodo, pos 1967, foi de aumento do némero de estagdes, gragas aos incentivos legais. Se, em 1967, 126 estagdes estavam no ar, em 1972, elas somavam 233, ou seja, mais de 80% de crescimento. Este é 0 perfodo de maior prosperidade da PBS, que também mostrava resultados dos seus servigos. E nesta época que o programa infantil Sesame Street se desenvolve e ganha popularidade, Outros programas como MasterPiece Theatre, Civilization sio desenvolvidos pela rede piblica. A PBS, nesta época, recebeu intensa 1 Nome também usado para designar 0 relatério Camegie de 1967. atengdo da midia e a popularidade de Sesame Street, por exemplo, colaboravam com sua imagem na opinido piblica. A lei de 1967 imbuia a televisio publica de certos compromissos, como a orientagao de que seus programas deveriam ser educativos e de alta qualidade, produzidos por diversas fontes. Somente esta orientagiio deixa claro que o caminho da televiséo piblica deveria ser tragado por uma trilha diferente da televisio comercial. O nivel das produgdes, fosse pela necessidade do tema ou pelo objetivo editorial da rede publica, seria de um patamar maior que das redes comerciais. Outro ponto legal que se destaca nas bases da CPB ¢ que a corporagdo deveria garantir a liberdade de expressio, evitando que a produgio, a programagao ou outras atividades ficassem centralizadas sob o controle de um grupo. Esta é a sesstio 396 do Broadcasting Television Act of 1967. Para deixar ainda mais claro, a sesso 398 explicita que controle sobre contetido no deveria ficar nas mios de oficiais do governo federal." Logo com o sucesso dos seus primeiros anos, a televisdo piblica recebeu suas primeiras criticas contundentes. Nas produges infantis © de interesse geral (documentarios, jomalismo) a critica levantava o argumento do cariter educativo, que nao era considerado explicito, nem bem definido, principalmente nos casos dos programas infantis. Outro argumento contra a televisio publica era referente ao controle sobre 0 conteiido, classificando-o de centralizado ¢ tendencioso em seu jomalismo. Assim, o principio do ocalismo voltou a se apresentar negativamente para a PBS, revelando na concepgio do modelo, um problema estrutural. "2 BAKER, William F., DESSART, George. op. cit. p. 228, 1.3. A TELEVISAO PUBLICA E A ADMINISTRAGAO NIXON Um novo cenério comegou a se desenhar nos primeiros dias do governo de Richard Nixon. Com um govemno republicano, o clima sécio-politico comegou a mudar, comparado com aqueles da gesttio Kennedy-Johnson, além da televisdo piblica jé ter conquistado um status maior, e seus programas jornalisticos estarem ganhando a audiéneia © a confianga da populagdo e da imprensa. Porém, a Casa Branca estava mais que incomodada com os debates ¢ as criticas dos documentarios e jomnais sobre a administragio do govemo Nixon. A pressio politica sobre a CPB provocou a rentincia de alguns membros do conselho da entidade. © poder executivo aproveitou essas renincias para indicar aliados politicos para ocupar as cadeiras e tentar pressionar a linha editorial da PBS. Assim, a CPB, que controla © orgamento, reduziu a participagio da PBS na programagao de jomalismo ¢ public affairs, cortando fundos. A maioria dos programas saiu do ar. Nos anos de 1972-1973, aliados que sustentavam a televisto piblica sairam em defesa da rede, pressionando congressistas a ‘votarem um orgamento extraordindrio. ‘A administragio Nixon foi cuidadosa em néo deixar transparecer um cerceamento ideol6gico. Afinal, o jomalismo da PBS foi duro com a campanha do Vietnd. Ela agiu no ponto fraco do modelo, evocou que o localismo estava sendo esquecido. O assunto foi explorado no caso da programago infantil, com 0 sucesso Sesame Street. Se em 1964, 56% dos programas infantis eram regionais, em 1972 caiu para 20%. Isto bastou como argumento em prol do localismo, justificando o veto do orgamento para 2 anos da CPB, de 155 milhdes. O corte teve forte impacto na televisio publica. © veto provocou reagiio imediata entre os membros da televisdo publica, que buscou, através da penetragio diplomatica de um de seus membros, Ralph Rogers, de uma emissora de Dallas. Ele liderou a negociago de um novo plano, que obrigaria a CPB-PBS a repassar metade de suas verbas diretamente para as emissoras, garantindo assim o quesito “Jocalismo”. Nixon se mostrou satisfeito com sua vitdria ¢ os fundos foram liberados, com um corte de 30%. A nova estrutura, que repassava metade dos fundos para as emissoras, ficava com menos dinheiro para promover a programagdo. A CPB distribuia o dinheiro ¢ a PBS cuidava da interconexio, enquanto uma cooperativa das emissoras locais se preocupava com a programagao. Em 1975, houve uma novidade nos recursos da televisio piblica. Um fundo adicional planejado para cinco anos seria dedicado as emissoras. Para cada 2,50 d6lares que a emissora conseguisse localmente, o governo federal contribuiria com 1 délar. © Public Telecommunications Act of 1978 aumentou a participagdo federal para 1 dolar para cada 2 das estagdes, Porém, reduziu de cinco para trés anos 0 fundo. Nos anos 70 a Fundagio Ford, depois de um quarto de século dedicado a causa da televistio piblica, diminuiu seus esforgos, acreditando que os recursos federais cresceriam ainda mais. A tiltima investida da fundagdo no setor foi o financiamento do Station Independence Program. O SIP tinha o propésito de produzir programagao especial de grande envergadura para ser usada na arrecadagio de doagdes. Um exemplo foi o show “Os trés Tenores”, que teve grande audiéncia. A critica softida pelo SIP era que a linha de programagio era similar & televisio comercial. Este projeto foi bem sucedido nos seus objetivos de ajudar as stages no seu levantamento de recursos através de campanhas de doagées. Este projeto ainda esta em funcionamento. Nos seus primeiros trés anos de operagio, 1974 ~ 1977, ajudou as estagées a mais que dobrar sua arrecadagio de doagées. Depois de 15 anos de funcionamento do SIP, 0s recursos advindos por este meio subiram para 24% do faturamento total da televisto pablica, um grande legado da Fundagio Ford.'* ‘A outra grande fundagfio que sempre trabalhou para a televistio piblica, a Carnegie Corporation organizou outra comissio, em 1978, aos moldes da primeira. Esta, conhecida como Camegie Two, langou seu relatério em janeiro de 1979 - A Public Trust: The Report of the Carnegie Commission on the Future of Public Television. O conteiido deste segundo relatério apontava diretamente ao ponto polémico da televisio piblica: "Ibid, ».230. “In less than a dozen years, among the most turbulent in our history, public broadcasting has managed to establish itself as a national treasure. (..) Millions now watch and hear, applaud, and criticize a unique public institution which daily enters their homes with programs that inform, engage, enlighten, and delight. In that sense the ideal has been realized: public broadcasting has made a difference. (..) There is a necessarily ambivalent relationship between public broadcasting — a highly visible creative and journalistic enterprise — and the government. (..) The fundamental dilemma that has revealed its self over and over again in public broadeasting’s brief history(..): how can public broadcasting be organized that sensitive judgements can be freely made and creative activity freely carried out without destructive quarreling over whether the system is subservient 10 a variety of powerfull forces including the government?” ‘A segunda grande preocupagio da comissio era sobre o sistema de financiamento. A estrutura da televisio publica deveria ser reorganizada para reconciliar o sistema de financiamento e as forgas criativas para atender as necessidades piiblicas. A sugestiio do Carnegie Two era a reorientagio da CPB e da PBS trocando até mesmo seus nomes. A CPB deveria ser substituida pelo Public Telecommunications Trust. Uma instituigio. ndo- governamental com uma gama mais variada de fungdes que a original, incluindo planejamento ¢ liberagdo de recursos e avaliaglio. A maior responsabilidade seria de neutralizar as pressdes ¢ interferéncias inapropriadas tanto de dentro quanto de fora do sistema. ‘Além dessa dificil missio, ficaria a cargo da nova CPB, agora PIT, a administragao de varios outros assuntos, como cuidar da infra-estrutura, da cobertura do sinal, da participagio crescente de minorias, e do melhoramento da performance financeira, ‘A PBS, pot sua vez, seria substituida pelo Program Service Endowment. Seria uma “semi- auténoma” divisio do Trust ¢ teria a fungio tinica de “exceléncia criativa”. Cuidaria das produges e programagées de ridio ¢ televiso, com os 15 membros apontados pelo Trust. 5 4 PUBLIC TRUST: THE REPORT OF THE CARNEGIE COMMISSION ON THE FUTURE OF PUBLIC BROADCASTING. New York: Bantam Books, 1979. p. 9-10. Este documento também publicado pela Camezie Corporation & também conhecido como Camegie Two. Apesar do peso da Carnegie Corporation para a televistio pablica, o cenétio politico-social niio era favoravel como nos tempos de Lindon Johnson, O Carnegie Two foi ignorado pelo congresso, ¢ a televisio piblica continuou em seu caminho com o conflito entre as duas instituigdes a CPB e a PBS, competindo pela autoridade do modelo. 1.4. A ERA COMERCIAL Para o piiblico em geral, o mais controvertido assunto sobre televisio publica é o financiamento govemamental. Parte da opinido publica ¢ resistente a idéia de pagar pelo servigo de televistio, por meio de seu governo, comparando superficialmente a0 servigo gratuito da televistio comercial, Este sentimento serviria de argumento para as mudangas que a televistio piblica viria a softer a partir da década de 80. Porém, o sistema de undewritings (patrocinios) para o financiamento traria consigo outras controvérsias, diferentes daquelas do controle ¢ interferéncia do governo, comuns nos anos 70. Desde 1975, quando 0 governo comegou a oferecer 0s Matching Funds (sistema onde 0 governo comparecia com uma parte ¢ a estagdo arrecadava sua parte correspondente), este tipo de financiamento ficou cada vez mais importante. Basta recordar a mudanga de papel da fundagao Ford, que focou sua estratégia para ajudar as estagdes locais a arrecadarem fundos em suas comunidades. O sistema de Corporate Uunderwrintings, que vamos chamar aqui de patrocinios, mas guardando sua utilizag%o especifica, se consolidou como a principal fonte de renda tanto em produgdes nacionais como as locais. As origens deste modelo esto ainda na década de 70, quando 0 veto do presidente Nixon a0 orgamento da CPB causou um estremecimento da rede e, conseqtientemente, a crise de financiamento. Apesar de todas as causas j4 abordadas, um outro fator néo foi mencionado ¢ teve influéncia indireta sobre o destino da televisto piblica. A crise do petréleo, com a subida do prego do barril, fez com que as empresas petroliferas ficassem numa situago dificil perante a opinio piblica. Para melhorar suas imagens, as principais companhias ‘aumentaram seus patrocinios a programas culturais. Mesmo com a FCC permitindo apenas pequenos amincios no comego e no fim dos programas, a industria do petréleo investiu pesadamente na PBS como forma de melhorar sua imagem na opiniio publica. Alguns criticos comegaram a se referir, jocosamente, a PBS como Petroleum Broadcasting Service. 16 Em 1981, a administragio do govemo Reagan chegou a Washington argumentando que a CPB deveria ser extinta e que a televisio da “elite liberal” deveria ser fechada. Os fundos federais foram cortados em 25%, com a expectativa que as doagdes, a participago do plblico os cobriria. Novas regulagdes da FCC afrouxavam as regras de patrocinios, podendo a PBS experimenti-los de variadas formas, desde que nio se interferisse no contetido da programagao. © governo Reagan também aboliu temporariamente o veto a anincios na rede piblica, aprovando 0 Temporary Commission on Alternative Financing for Public Telecommunications (TCAF) para estudar novas formas de financiamento privado. Por 15 meses, dez televisdes piblicas praticaram uma publicidade condicionada a alguns limites. ‘A Iegislagio. previa que os antincios nfo deviam exceder 2 minutos, nfio podiam interromper a programaco ou promover ideologias politicas ou religiosas. O experimento nfo revelou nenhuma mudanga no comportamento do piblico, dos patrocinios habituais, ou nas doagdes. Também no indicou que a experiéncia promovesse controle sobre o contetido ou qualquer interferéncia sobre a programagtio. Mas, mesmo com a divulgagao de todos esses resultados favoriveis, a TFAC no ousou sugerir que a televisdo piblica se tomasse comercial. Em 1984, 0 Senate Communications Subcomitee continuava 0 debate sobre 0 comercialismo, que resultou na resolugo da FCC autorizando a nova forma de patrocinio, conhecida como Enhanced Underwriting. Este “quase comercial” nio poderia interferir nos programas, mas poderia ser oferecido ao mercado em formato de 30 segundos. Os comerciais teriam suas insergdes apenas entre 0 témino e © comego de cada programa, "WALKER, James, FERGUSON, Douglas. op. cit. p. 146. podendo chegar a 2 minutos e meio de intervalo. Claramente, esta nova forma de patrocinio traria vantagens aos anunciantes. Segundo declaragdo de Herbert Schmertz, diretor de marketing da Mobil Oil Co., seu patrocinio a0 Masterpiece Theatre permitiu que seus clientes se sentissem enriquecidos e enobrecidos. Ele continuou, afirmando que pesquisas revelavam que a Mobil tinha se tomado a gasolina do homem inteligente.'”” Obviamente, outros patrocinadores obtiveram experiéncias semelhantes. Tanto que 0 investimento de 17 grandes anunciantes, entre 1982 ¢ 1991, teria rendido aos cofres da PBS pelo menos cinco milhdes de délares. Entre elas estavam a IBM, a Ford Motors, Pepsi- Cola, AT&T. Nenhum padrdo se estabeleceu na escolha dos servigos ou produtos por parte dos anunciantes, apenas a visibilidade e a imagem positiva associada ao cardter do veiculo. Foi assim que a televistio piblica americana saiu A procura de patrocinios corporativos, depois dos cortes dos fundos federais promovidos pela gestio Reagan, em meados dos anos 80. Um resultado cumulativo dbvio dessa mudanga foi a pressio do mercado sobre 0 desenvolvimento ¢ produgio de programagiio. Com 0 modelo de enhanced underwrtings, a estratégia da televisio piiblica se voltou para atender a uma audiéncia em maior escala. Conseqilentemente, os programas se dedicaram a uma programagio de maior apelo popular, despreocupando-se prioritariamente de sua misao. A multiplicidade de vozes foi claramente negligenciada, A troca por programagilo que alavancasse doagdes foram priorizadas, j& que este modo de financiamento se tomou vital & sobrevivéncia das emissoras. Com 0 objetivo de recolher doagdes, 0 foco dessas produgdes era um piiblico com maior poder aquisitivo. O mesmo piblico objetivado pelos patrocinios, como no caso citado acima, da Mobil Company que conquistou a identidade de “a gasolina do homem inteligente”. A fama da televisio piblica de, ao tentar estabelecer uma programagio educativa ¢ cultural, se tomar uma televisto elitista, servia de argumento para que 0 governo federal mantivesse sua politica de alimenté-la com poucos recursos. "bid. p. 147. Apesar da administragdo Reagan recomendar a aboliglio da CPB ¢ a diminuigaio em 25% do orgamento em 1981, mais uma vez, o setor privado, através da Annenberg Foundation, concedeu uma doagdo de 750 milhées de délares, distribuidas em 25 anos. Estes recursos seriam usados para produgdes que recuperassem um pouco do carter educative da televisio piblica, dedicados a produgées de telecursos para universidades e programas de educagio geral, sem a interferéncia do patrocinio corporativo. Desde 1982, 0s recursos federais destinados & CPB cairam para 137 milhdes de délares. As |justificativas para os custos recaiam sobre a mesma argumentagdo: programagao elitista. A PBS exibiu um documentirio sobre a guerra do Vietnd, de 13 partes, que se colocava contritia & politica internacional americana, passando uma melhor imagem do Vietn& do Norte. Imediatamente, a associago conservadora Accuracy in Media (AIM) fez objegdes as opiniées da PBS. Ainda outra série, esta em 1986, chamada The Africans, também se colocava em oposigio as politicas intemacionais dos Estados Unidos. Os argumentos contririos a PBS cresciam por parte do governo Reagan ¢ mesmo por parte de membros da CPB. Richard Brookhiser, membro da CPB, sugeriu que a instituig&o realizasse uma pesquisa para aferir a postura tendenciosa de esquerda da programagio da PBS. O que obviamente nfo foi levado adiante, mas serviu para mostrar 0 descontentamento da administragao Reagan com a televisio publica, da mesma maneira que se opés a ela 0 governo Nixon, . No ano de 1986, mesmo com a resisténcia do governo federal, que vetou por duas vezes a lei, um orgamento para trés anos foi assinado pelo congresso para financiar a televisfio piblica. Em 1989, novamente mais trés anos de subsidios foram aprovados, & contra-gosto do poder executivo, com verbas destinadas 4 atualizagao da infra-estrutura. Mesmo assim, 0 montante de verbas foi muito abaixo do esperado pelas estagdes e pelo setor em geral. Com a aprovagdo do Public Broadcasting Act of 1998 © 0 governo de George Bush, que niio se opés frontalmente & PBS, o setor conquistou alguma estabilidade. Tanto que o presidente apoiou a troca de satélite, que se deu entre 1992 e 1993, questo incluida no orgamento ¢ que claramente representou gastos importantes para este setor debilitado. O setor, no decorrer desse tempo, se preocupava ostensivamente em pressionar 0 congresso dos dois lados, tanto dos republicanos como dos democratas, para conseguir um orgamento razodvel, ficando & mercé da situagfo politica imediata. Qualquer planejamento de longo alcance estava descartado pelas emissoras puiblicas. ‘Ainda em 1998, 0 congresso americano mudou mais uma vez a estrutura da televisiio piiblica, com a criagio do Independent Television Service (ITVS). A razio de uma nova entidade veio dos protestos colhidos entre produtores independentes que nao tinham ligagao direta com a PBS ¢ gostariam de receber fundos para produzirem programagio educativa para a televisiio piblica. A maioria da produgfo financiada pela CPB acabava sendo realizada por um dos grandes centros de produgio, fosse a WGBH, em Boston ou a KQED, em Sao Francisco. ‘A legislagao da nova ITVS criava a instituigo e designava um orgamento anual, definido para os proximos ts anos que seria destinado a uma cooperativa de produtores minoritérios. O objetivo desta politica foi incentivar conjuntamente uma retomada do localismo, além de dar vozes a temas ainda pouco abordados, destinados a piblicos também minoritérios. Novamente, seria uma retomada da missio primordial da televisio piblica. A ITVS pretendia se distanciar do modelo comercial dos patrocinios que estavam homogeneizando a programagao. Esta politica ainda era uma heranga da era Reagan ¢ a televisio piiblica estava colhendo 0 fruto das criticas sofridas naquele perfodo a sua politica de conteiido. A expectativa era de que a ITVS viesse a democratizar a televisto publica, formando um mosaico mais amplo dos temas contempordneos. Por outro lado, com a liberdade criativa e temética das produges da TVS, o setor conservador, que criticava a linha editorial da PBS, também nio se satisfez com a ousadia dos novos programas independentes, como no caso do documentério Tongues United, que fazia um panorama da comunidade gay. Os programas da ITVS foram premiadas em diversas ocasiées, comprovando sua alta qualidade de produgdo audiovisual.'** No comego dos anos 90, outra pressdo recafa sobre a PBS. A costa oeste se sentia preterida nas produgées da rede, Realmente, a soma das produgdes da WGBH, de Boston, WNET, de New York ¢ da WETA, de Washington D.C compreendia 73% de todas as produgdes da PBS entre 0s anos de 1990-1993. Jennifer Lawson, sofrendo presstio dos senadores Bob Dole ¢ Jesse Helms, comegou um processo de mudanga na politica de programago, visando atender uma gama maior de emissoras, abrangendo todo o territério nacional. A mudanga foi feita, alterando o sistema da votagdo no modelo da PBS que fazia com que a programagiio priorizasse as tradicionais emissoras do leste. A nova estratégia chegou em boa hora para as emissoras KQED, de Sto Francisco, KCET de Los Angeles e WOED, de Pittsburg. Essas emissoras estavam com dificuldades em manter seu funcionamento normal por terem perdido financiamento para suas produgdes. Ao paso que as emissoras de Boston, Nova Torque ¢ Washington precisaram procurar novas parceiras ou buscar novas estratégias. Foi o caso da IVGBH, que investiu em multimidia, A PBS apresentava uma grande vulnerabilidade politica, No final de 1991, republicanos do congresso investiram novamente em uma legislago que visava acabar definitivamente com a CPB e seu fundo para a televisio piblica. Mais uma vez, a televisio publica estava em cheque, ficando a PBS com sua autorizagdo suspensa por trés anos. A reagdio das emissoras foi forte e direcionada ao senador Bob Dole, principal responsdvel pela suspenstio da PBS. No final de 1992, 0s opositores da televisio publica pediram um congelamento de todos os gastos federais com o sistema piiblico de televisdo. Porém, a maioria do congresso era de democratas, liderados pelo candidato a vice- presidente Al Gore, que se posicionaram favoraveis a PBS e consideraram sua programagio educativa de alta relevancia. Com o apoio do partido democrata em peso, o congelamento foi suspenso ¢ uma nova lei, 0 Public Telecommunications Act of 1992 foi aprovada, garantindo verbas para os anos fiscais 1994, 1995 1996. O orgamento para cada ano foi B Thid, 0.149. aumentado da casa dos cem milhdes de délares, para 310, 375 e 425 milhdes, respectivamente. Duas foram as reivindicagées do lado republicano, inseridas no corpo da lei. Uma dizia respeito a produgdes consideradas indecentes, que seriam banidas. A segunda, que obrigava a CPB a controlar, periodicamente, a diversidade, qualidade, objetividade e equilibrio entre pontos de vista, submetendo um relatério anual ao presidente e ao congresso.'” 4 experiente com o que Ihe aconteceu no passado, a PBS ficou atenta a questo dos principios ¢ da sua fiscalizagio e relatério. Mesmo sabendo que o assunto era de dificil definigdo, a PBS estava ciente que o relatério seria influente nos préximos anos fiscais. Nas temporadas de 1993-1994, a PBS e a CPB tomaram medidas preventivas. O presidente da PBS, Richard Carlson, tentou aumentar a diversidade, financiando um conséreio para produzir programas voltados as minorias. Cada membro do cons6reio, cinco membros representando minorias raciais, receberia cinco milhdes de délares cada, de fundos originérios da CPB. A partir de 1992, a CPB havia iniciado um sistema de ligagdes gratuitas com a participagtio do piblico opinando sobre a programagio, ¢ os resultados deste servigo embasariam as préximas produgdes. Segundo pesquisas, a instituigao PBS era vista como confidvel ¢ equilibrada em suas opinides. O jomal da noite da PBS, The MaeNeillLeher News Hour, foi considerado 0 de maior credibilidade da televistio americana.” Em junho de 1994, os fundos para os anos de 1997-1999 seriam votados. A discussio novamente voltou para a arena politica, Desta vez a CPB, PBS e algumas emissoras estavam preparadas para se defender com nimetos, relatérios e toda sorte de informagdes que demonstrassem 0 sucesso da utilizagdo dos recursos aprovados em 1992. A possivel vit6ria do partido republicano nas duas casas do congresso estava sendo discutida na midia impressa, j4 que as cle! ‘uma investida contriria televistio publica por parte de Bob Dole, Richard Armey, outro es para 0 congresso se realizariam no ano de 1994, Jé se esperava republicano do Texas e, ainda, Newt Gingrich, republicano do estado da Georgia. © Tid. p. 150. “© Thid.p. 151. Conforme o previsto, em dezembro de 1994, Newt Gingrich se manifestou favordvel & redugdo do financiamento federal 4 CPB para zero, propondo a privatizagiio de todo 0 sistema CPB/PBS, mantendo apenas alguns comités para o assunto. Desde a iniciativa de Richard Nixon, cortando todos os recursos na década de 70, esta foi a maior ameaga sofrida pela televisio piblica. Em janeiro de 1994, uma comissio republicana introduziu um projeto de lei para mudar 0 Communications Act of 1934, retirando a autoridade da CPB. O entio presidente da PBS, Ervin Duggan denunciou a ofensiva como uma tentativa de acabar com as televis6es niio- comerciais, Novamente 0 debate politico recomegou com o alinhamento dos congressistas recém-eleitos do lado republicano acusando a televisdo piblica de ser a voz de uma “lite liberal de classe social alta”. A estratégia utilizada pela PBS desta vez foi diferente. Ela nfo entrou frontalmente no debate para evitar 0 contra-argumento do localismo, como aconteceu no passado. Quem defendeu o setor foram as emissoras locais. Elas ficaram com ‘a tarefa de contra-argumentar as acusagdes da ala republicana do congresso, contando suas experiéncias especificas. A WVMR, de West Virginia, apontou que ela era a tinica emissora a ofrecer um noticidrio local em sua cidade. A Kentucky Educational Television demonstrou que suas operagdes eram as tinicas que atendiam todo 0 estado. Todos esses relatos ganharam projectio na midia, e conseqiientemente se reverteram em pressiio sobre 0 congresso para retirar a ofensiva contra a televisao piblica. Em fevereiro de 1995, uma campanha intitulada Citizen's Commitee for Public Broadcasting foi estabelecida, com 0 objetivo de coordenar a arrecadagéio local das emissoras e mobilizar simpatizantes. Em margo do mesmo ano, 0 comité 4 estava estabelecido em 20 estados, articulando uma coaliz4o com ativistas que trabalhavam nas reas de artes e educagio, Sustentado pelo pablico da televistio publica, o objetivo imediato era fortalecer 0 movimento a seu favor, deixando claro que qualquer oposigio aos fiundos piiblicos da CPB teria resultado negativo nas umas, na eleigSo presidencial de 1996, que se aproximava. Mesmo assim, 0 congresso cortou em 15 ¢ 30% os fundos da CPB para os anos de 1996 ¢ 1997, respectivamente. No fim de margo, 1995, a House of Representatives (Camara) conconiou com o corte de 15% para 1996 (265 milhdes de délares) € com 30% de cortes para 1997 (221 milhdes). Os argumentos republicanos eram baseados no financiamento zero por parte do governo federal, mas numa transi¢a0 gradual, dando condigdes para que a televisio piblica procurasse formas altemativas de receita. Por outro lado, a vis4o do partido democrata era a de que o corte seria contra a educago e contra a qualidade de programago na televisto americana, O projeto aprovado na Camara chegou ao Senado que reorientou sua estrutura, mantendo o financiamento congelado nos valores de 1995 (286 milhdes de délares) para os proximos dois anos. Em 6 de abril, a lei foi aprovada com orgamento maior que o esperado e sugerido pela Cémara, mas o futuro da televisio publica para 1998 nfo estaria contemplado, O recado estaria dado pelo Senado: as televisdes piblicas precisariam se tomar independente do financiamento federal para continuarem existindo. No més seguinte, dois planos de financiamentos foram tragados por dois ‘membros representativos da comunidade das televisées piblicas. O primeiro representava uma coalizio de quatro grupos de televisio piblica: America’s Public Television Stations (APTS), National Public Radio (NPR), Public Broadcasting Service (PBS), ¢ Public Radio International (PRI), © recomendava que as emissoras encarassem o problema de financiamento da televisio piblica em trés partes, para que se toma-se auto-suficiente. No ‘ceme do plano estava o Public Broadcast Trust Fund, que setia uma fonte estivel de financiamento dependente de recursos federais. ‘A parte mais polémica desse plano era justamente a fonte de financiamento do novo fundo. © fundo custaria quatro bilhdes de délares ¢ seria financiado por trés mecanismos. Primeiro, recursos provenientes da venda de espectro, ou seja, tempo de televistio que no estava sendo utilizado pela rede néio-comercial e deveria ser revertido ao fundo. Segundo, ‘uma taxagio sobre o faturamento de aniincios de emissoras comerciais e uma parte da taxa sobre 0 espectro por elas utilizado deveriam compor o fundo, Em terceiro lugar, uma mudanga nas leis de incentivo fiscal que proporcionasse ao setor privado investir no fundo. O plano obviamente recebeu a oposigdo, principalmente, da NAB (National Association of Sertamente, 0 que moveu a rejeigdo do fundo foi a forte responsabilidade das emissoras comerciais em subsidiar a televistio publica. A maior parte dos quatro bilhdes Broadcasters). de délares do fundo viria de taxagSes sobre o faturamento das televisdes comerciais. 0 outro plano, sugerido quase que simultaneamente, foi de iniciativa da CPB. O presidente da entidade, Richard Carlson, levou 0 plano de financiamento da televisio publica subcomissio de orgamento (4ppropriation Subcomitee). Um conjunto de recomendagdes chamado Common Sense for the Future foi preparado pela empresa de investimentos bancérios Lehman Brothers. O teor do novo plano de independéncia financeira da televisio piblica dos fundos federais era diferente daquele elaborado pelas quatro instituigdes lideradas pela PBS. Neste, a principal conclusio era a de que nenhuma outra forma de financiamento poderia substituir 0 subsidio federal sem comprometer a qualidade do servigo. O plano se concentrava em redugiio de custos, especialmente fusdes ¢ acordos de operagao conjunta. Em mercados com multiplas operagdes, a CPB fomeceria recursos para apenas uma emissora, obrigando, assim, as estagdes a fazerem acordos de operagiio ou fusfio para irem ao ar. Mais resumidamente, a conclusio do plano da CPB foi pela necessidade de continuar com os fundos federais. Articulados ou nfio, os dois planos juntos silenciaram a oposigio a televisfio piblica no Congreso. O plano Lehman/CPB propunha a manutengio dos fundos federais para a continuidade da televisto ptiblica. Caso contririo, a televis4o nfio-comercial nfo poderia existir da maneira que existia, acabando gradualmente. Os estudos do plano apresentavam os seguintes nimeros: em 2000, com um corte de 40% da receita, pelo menos 60% das emissoras fechariam as portas, cerca de 20% do setor. J4 0 plano das quatro entidades (APTS/NPR/PBS/PRI) declarava que a Unica forma de manter a televisio piblica sem os fundos federais era através de um fundo de seguranga, com caixa de quatro bilhdes de délares, que seria substancialmente sustentado pela taxago ao faturamento das emissoras comerciais. De um lado, o plano de redugao da CPB atingiria muitas emissoras publicas sediadas em localidades de forte apoio republicano. Pelo outro, o plano liderado pela PBS indicava que a conta da televistio piblica seria paga pela televisio comercial, um dos grupos com lobby mais forte junto ao Congreso americano. Os planos em conjunto neutralizaram a pressa do Congresso em acabar com 0 suporte financeiro da televistio piblica.'" Com o impasse gerado entre a impossibilidade do novo fundo e o claro declinio das verbas federais, era necessério encontrar um caminho para a sustentagdo do modelo. O comercialismo parecia ser a Unica saida restante, Mas as observagies do plano da CPB eram criticas ao financiamento por amincio. O principal argumento era que as emissoras de mercados menores e, consegiientemente, com audiéneia menor, perderiam em qualidade para os grandes centros, por no poderem financiar os servigos com menor orgamento. Mesmo com as ressalvas do plano da CPB e os amincios ferirem os principios nao comerciais da televisio publica, esta trilha parecia jé ter-se estabelecido como a rota principal. plano elaborado para admin trar a questo da diferenga entre mereados foi o de garantir uum cons6reio de emissoras, sendo que nem todas as emissoras precisariam vender amtincios. A idéia era que, para algumas estagdes, 0 congresso criasse um terceiro tipo de licenga, que se chamaria community service. Os comerciais somente seriam veiculados no ‘comego ou no fim dos programas ¢ as emissoras, em contra-partida, cederiam parte dos seu rendimento para subsidiar emissoras rurais ou em pequenos mercados. Assim, se esperava responder as preocupagdes do plano da CPB. ‘Anova categoria de televisio proposta nfo agradava a todos os setores. Steve Bass, de uma emissora local, considerava que a nova maneira de financiar a televisio piblica ia alterar 0 contetido da programago. A atengdo as audiéncias iria seguir um curso da televisto comercial, com foco no publico mais jovem, além dos problemas com direitos de exibigao, que mais cedo ou mais tarde ameagariam a distribuigéio generalizada de programas, a pregos razodveis, ou mesmo gratuita, praticada entre as emissoras ¢ essencial para funcionamento do modelo piiblico. “Ibid, p. 154. Em setembro de 1995, 0 ex-presidente da PBS, Larry Grossman, por meio da John and Mary Markle Foundation, elaborou um estudo para estabelecer uma rede irma da PBS. O modelo de Grossman proporcionaria seis horas semanais para a rede PBS-2, oferecendo essa programagiio is emissoras piblicas gratuitamente. A PBS venderia espagos publicitérios para sustentar a produgo de toda a programagao, incluindo ai as seis horas da PBS-2. {As afiliadas da rede seriam voluntérias do novo servigo. O conceito seria similar ao adotado na Inglaterra, no Channel 4, que também tem publicidade e serve diversas categorias de piblico. © detathamento de rentabilidade, aspectos legais, dimensées politicas do projeto ficariam prontas em 1996, A CPB, durante este tempo, realizou uma série de pesquisas para perceber a opinitio dos telespectadores sobre o crescente comercialismo na rede da PBS. O resultado foi que 0 piblico aceitava o crescimento do financiamento comercial, embora ainda preferisse a venda de home video ¢ merchandising. Na falta do financiamento piblico, o sistema comercial estava sendo bem digerido pela audiéneia. © balango recente da televistio publica ¢ 0 de que as fontes de verbas federais no mais subiriam aos niveis anteriores e 0 futuro estava na construgao de um modelo independente, caso contririo, o sistema se extinguiria, A saida comercial foi menos uma escotha do setor € mais uma necessidade, uma falta de opgo, devido a deficiéncia do cenério politico ¢ econdmico para retomar investimentos por parte do governo federal. Assim se encontra a televisdo piblica hoje, com cada vez mais iniciativas comerciais, sob a chancela do enhanced underwritings ¢ subsidiando a programagao das emissoras que nao se sustentam mercadologicamente, PARTE III 1. ANALISE DO MODELO 1.1. 0 CONTROLE DO MERCADO principio da televistio piblica aqui estudada esti na necessidade percebida por criticos do modelo comercial americano de se ver livre do controle do setor publicitério, com sua medigio de audiéncia, sua classificagdo de programagio e a conseqiiente influéncia nos contetidos, em um tipo de produgio considerado impréprio para fins educativos. A esperanga por ver-se livre da necessidade de agradar imediatamente 0 maior mimero possivel de pessoas pode encontrar na televisio piblica uma maneira nova, para os Estados Unidos, de fazer televisiio, Nao que a PBS pudesse sobreviver sem atender ao seu publico, mas 0 que importou, na qualidade dos servigos, foi poder se desobrigar de conquisti-lo de imediato, a cada dia, a cada semana, com uma implicagao direta na sua arrecadagaio. Engana-se, porém, quem imagina que a PBS, por no depender de indices de audiéncia para sobreviver, nfo conseguiu se firmar na opinido publica ou mesmo em audiéncia. Se, por um lado, a PBS nfo consegue muito mais que 1% dos indices do Instituto Nielsen, por outro, é preciso saber ler as estatisticas com outros olhos, diferentes daqueles acostumados em remunerar 0 tempo de 30 segundos conforme os milhdes de habitantes que estavam ligados na tevé em um dado instante. A PBS construiu uma marca, uma credibilidade ¢ uma fonte de informago diferenciadas ¢ muito s6lida na sociedade americana. O melhor jomalismo critico, a mais confidvel programagio infantil so exemplos de uma categoria de sucesso que no pode ser mensurada na formula: mimero de telespectadores vezes os segundos de veiculagio. Outro ponto de destaque, a questi da credibilidade, associada 4 audiéncia qualificada, agrega um valor dificil de contabilizar. Mas nao digo contabilizar com os olhos apenas dos possfveis retomos dos patrocinios, que seria a primeira impressio, mas também incontével, na qualidade do bem-estar social que uma emissora com as caracteristicas educativas ¢ culturais da PBS oferecem & comunidade, Foi comprovado que muito deste valor se deve a0 modelo de financiamento pelo qual a televisto ficou livre do controle direto do mercado, podendo dedicar-se ao caréter cultural ¢ educativo. Poderia até se concluir, ao observar o hist6rico da PBS, que sua autonomia com relago a0 mercado foi a principal caracteristica que a conduziu a uma programagio que, a ‘um prazo mais ou menos longo, inspirasse a credibilidade e 0 respeito que usuftui hoje. Deixar 0 financiamento nas mfos do Estado, dividindo com doagdes que visavam o estreitamento do vinculo com sua comunidade, foi condigao para conquistar esta liberdade do controle do mercado. Parece claro afirmar isto ¢ também afirmar pelo ponto de vista posto: a presenga constante do mercado na televis4o, por meio dos métodos consagrados pela indastria para medir e remunerar a emissora, nao possibilita atingir o mesmo resultado. Isso equivale a dizer que 0 imediatismo do resultado na quantificagao da audiéncia do modelo comercial prejudica o cumprimento de servigos de utilidade educativa e outros fins de resultados nfo imediatos. Conseqtientemente, 0 reconhecimento publico dessas utilidades somente se manifesta no longo prazo. Deriva-se, assim, que certas utilidades do servigo de televisio, como a educagio, a informagao analitica, a discussio de assuntos complexos, ou pouco populares nfo podem ser alcangadas no modelo comercial, precisando de um novo modo de financiamento, livre do controle do mercado. Poderiamos até dizer categoricamente, pela verificagdo deste caso especifico, que o sistema de financiamento por anincio publicitério tal qual se consolidou nos Estados Unidos se reproduziu em outras pragas néo é compativel com uma televisio com objetivos educativos e outros correlatos. Alguém simpatico aos republicanos, ou simpético a0 modelo comercial, poderia contra- argumentar que, quando a televisio piblica foi obrigada a recorrer aos patrocinios corporativos, ou mais recentemente aos enhanced underwritings, ela continuou com 0 mesmo desempenho de seus tempos de subsidios do Estado. Conforme se viu, nas pesquisas feitas junto A opinidio piblica sua imagem ainda é de televisio inteligente & confiével. Mas vale ponderar que a imagem foi construida anteriormente a adogo do novo método de financiamento. De alguma maneira a construg4o da sua imagem foi longa, com 0s patrocinadores aproveitando de uma imagem que se baseava, em muito no altrufsmo de ‘uma instituigo que nao objetivava ganhar dinheiro, mas sim educar. E mais, ndo se pode garantir que os efeitos de um financiamento comercial agora nfo vio influenciar © contetido da programagio, repereutir na opiniio publica ¢ desfazer a credibilidade construida a longo prazo. O ponto de mutag&o pode ser tio sutil entre a emissora da educagdo ¢ a emissora que quer ganhar dinheiro que as opinides por ela emitida podem perder a confianga do piblico. Ainda nio se mediu adequadamente este efeito reverso, mas alguns sinais jé servem, pelo menos de alerta. Como no caso da exibiggo de programas com temética homosexual, em uma série sobre a comunidade gay entre 0s negros americano que continha cenas de sexo. Esta série, foi recusada de ser exibida em varias pragas pelo medo de perder os patrocinios. Nao seria 0 caso dos interesses imediatos do mereado sobrepujando os interesses educativos ou instrucionais? Pelo menos uma coisa se pode afimar sem risco. Houve um momento, para ser exato, a primeira metade dos anos 70, em que a televisio pablica americana conseguiu alguma autonomia financeira com relagiio ao mercado ¢ este momento coincide com seu auge de audiéncia, popularidade e credibilidade, trés coisas diferentes, diffceis de se manifestarem simultaneamente ¢ que deixam seus ecos até hoje. F claro que n&o se tem argumentos ¢ fatos suficientes para rechagar o financiamento privado no ambiente da televisio ptblica, mas a légica da pesquisa de audiéncia transformada em dinheiro para financiar 0 modelo néo se aplica para o setor e lhe € daninha. Se no se pode condenar de todo a participagdo privada no modelo, pelo menos jé ‘se sabe que 0 modelo da participagaio do setor privado imitado do modelo comercial é, comprovadamente, prejudicial. 1.2. O CONTROLE DO CONTROLE DO ESTADO ‘A primeira emenda & Constituigaio dos Estados Unidos da América, adotada em 1791, fala sobre o direito fundamental da liberdade de expresso. Este principio é 0 marco filoséfico ¢ legal da liberdade de expresso estendido a imprensa e tem claramente afirmado no texto que nenhuma lei, “no law”, deve interferir no direito do cidadio de se expressar por meios impressos (tinico, além da voz, aquele tempo)."O Congresso néo faré nenhuma lei (...) restringindo a liberdade de expresso ou de imprensa.” ‘° A intervengiio do Estado na comunicagao estava condenada nas raizes do povo americano. Estava ali estampado este principio para garantir a democracia de uma nagio jovem, que repudiava o papel controlador que o Estado exercia sobre os individuos no passado mondrquico, tipico na Europa, Era uma caracteristica republicana, impondo limites a0 Estado, colocando os direitos dos individuos na mais alta escala de valor. '© ALMEIDA, André Mendes de, Midia Eletrénica: seu controle nos EUA e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1993. . 3. Talvez por essa justa consciéncia, tao incorporada na cultura americana, os Estados Unidos sempre viram, com muita reserva, a participagio do Estado nas comunicagdes. Mas o fato & que 0 Estado nao pode se abster completamente da radiodifusio e seria convocado, por motives técnicos, a intervir no setor. © tratamento dado & imprensa niio era possivel de ser prestado a radiodifusto pela escassez fisica, na limitago imposta ao nimero de canais de transmissio possiveis 4 época. Como péde ser verificado historicamente, 0 modelo americano se desenvolveu paralelamente ao Estado, sob financiamento do mercado privado e com autonomia em relagdio ao governo. Este participava do processo na escolha dos Trustees, aqueles que teriam direito a explorar 0 negécio do ridio e da televisio, Este foi o primeiro controle do govern, que embora questionado por alguns, foi inevitével que se estabelecesse tal controle, Mais tarde, o modelo dava claros sinais de sua subordinagao aos anunciantes deixou de atender pablicos importantes ao conjunto da sociedade, mas insignificantes do ponto de vista do retorno publicitario. Comparada ao modelo britdnico, a televistio americana se viu obrigada a atender aqueles piiblicos ¢ temas negligenciados em suas grades. Assim, 0 modelo piblico surgiu com uma tarefa bastante dific : complementar 0 modelo privado, oferecendo uma categoria de servigos no lucrativos, mas sem contradizer a nogo de liberdade quanto ao controle do Estado. Mas nfo houve outra maneira para a televiso piblica conseguir se estabelecer com alguma forga sem a legislagio do govemo, tanto diretamente, como foi o Public Broadcasting Act de 1967, quanto por meio do financiamento federal as emissoras. © mecanismo encontrado para controlar o poder do Estado sobre a televistio publica foi o estabelecimento de um fundo subordinado ao Congreso, mas com membros indicados pelo poder executivo, que financiaria as produgées em ambito nacional, a CPB. Ainda para pulverizar 0 poder sobre a televisio pablica era vedado a CPB operar a rede de televisdes piblicas diretamente e para isso seria criada, em 1969 a PBS, a rede de televisio propriamente dita. Este mecanismo visava proteger a televisio publica da interferéneia direta dos governos em sua gestéo. Assim, a autonomia estaria equilibrada entre o mercado 0 governo. Mesmo com todos esses filtros para a ago direta dos governos sobre 0 contetido, o governo conseguiu deixar o orgamento destinado a televisdo publica sob seu controle, Embora 0 relat6rio Carnegie I, base definidora da televisto piblica, sugerisse que o fundo subsidiador da televisio devesse ser exclusivo e reservado, aos moldes do modelo inglés, que tem taxas especificas que financiam diretamente a televistio, nfo precisando esta entrar da disputa cotidiana do orgamento federal, travada entre 0 Executivo ¢ 0 Legislativo, 0 poder politico julgou que a adog&o de semelhante fundo faria com que o publico nfo tivesse mecanismos para interferir no servigo. Entio a idéia original de fundo reservado nfo foi aceita, ‘mantendo nas mios do govemno o controle orgamentirio sobre a televistio publica. Depois de seu comego bem sucedido, quando langou seus maiores sucessos (sempre se da o exemplo de Sesame Street, mas no € 0 ‘mico) na programagdo infantil, documentitios, jomalismo e obteve popularidade junto a opinio piblica, a PBS comegou a incomodar sua fonte de financiamento, o governo. Durante a administragiio de Richard Nixon, o controle do poder do Estado se mostrou friigil. Nao adiantava evitar somente 0 controle editorial direto por parte dos governos, afinal, nfo se pode produzir televistio sem dinheiro televisdo é uma indéstria cara. Nixon, insatisfeito com a postura jomalistica da PBS em oposigdo a suas politicas (como por exemplo, fazendo duras criticas a guerra do Vietna), decide fazer uso do controle que 0 governo tinha sobre a televistio publica, veta o seu orgamento ¢ inviabiliza o seu andamento normal. A televisio publica, entiio, precisa se desdobrar politicamente ¢ procurar, por meio dos congressistas simpiticos a ela ou compromissados com suas comunidades regionais a conseguir financiamento para seguir com suas atividades. Nao importa se 0 motivo da intervengao de Nixon veio da campanha antibélica ou da disputa entre republicanos democratas, mas importa que o controle do controle do Estado se mostrou frdgil e fez Iembrar os motivos pelos quais, em 1791, se decidiu colocar no texto constitucional a protegtio ao poder do Estado. A partir dai, 0 desmonte do financiamento piblico da PBS se acelerou, por todo os anos 80. © govemo republicano de Ronald Reagan, em dois mandatos, estabelecia uma politica neoliberal, privatista, que queria diminuir o papel do Estado, seguindo a mesma doutrinago aplicada aos outros setores da economia, também empregada para a televisio publica, A diminuigio paulatina dos recursos federais obrigou a uma mudanga na legislagio para ampliar a possibilidade dos underwritings, o que transformou o carter do financiamento da televistio publica que se estende até hoje. A inversio da importincia do financiamento federal para a centralidade dos patrocinios corporativos e doagdes coloca em cheque seu cariter publico, pelo menos em teoria. 0 controle do controle do Estado ndo foi suficiente para evitar que o interesse politico viesse a interferir na televisto pablica, culminando no senso comum da opinido piblica em concordar com a diminuigdo de verbas federais e na incorporagao de uma lgica comercial, diferenciada, é verdade, mas ainda assim uma légica do mercado privado. A tentativa de diminuir 0 poder dos érgios centrais, como a CPB, criando outra entidade, a PBS para gerir a televiso provocou no somente uma divisiio do poder, mas também uma ingeréncia devido a0 conflito entre as hierarquias das entidades. O financiamento dedicado, com taxagdes exclusivas, recolhidas diretamente para financiar a televisio piiblica, aos moldes do modelo britanico nunca foi de fato experimentada. O financiamento federal estando nas miios do congresso para sua aprovagdo anual, ou mesmo plurianual e a possibilidade da intervengio do poder executivo com vetos oryamentirios tolheu a televisio piiblica, obrigando-a a desempenhar um papel politico para 0 qual no era designada. 1.3. AUTONOMIA E FINANCIAMENTO A procura de autonomia, a televisio piblica operou com uma série de modelos de financiamentos que sempre estiveram baseados em alguma forma de evitar o controle por parte de um dos setores da sociedade, fosse o estado ou o mercado, No principio, a idéia era promover a rede pblica, que estava oprimida pela radiodifusio meramente comercial, entio se buscou o financiamento estatal, com fundos federais destinados a emancipar a televisto publica. Outra necessidade era a de incentivar o localismo, promover a cumplicidade das emissoras com suas comunidades. Diante deste objetivo, era necessirio tomar a televisio piblica auténoma da centralizagio de uma rede. © mecanismo encontrado foi o financiamento da correspondéncia local, 0 matching fund, onde 0 governo compareceria com uma parte ¢ a emissora buscaria localmente a outra, para sustentar o financiamento. Os problemas estavam na discrepancia entre mercados, que aumentava o abismo do financiamento entre cidades ricas, em centros urbanos, ¢ pequenas localidades rurais. ‘A terceira onda foi a dos corporate underwritings, seguidos dos enhanced underwritings, com 0 financiamento migrando para o mercado, numa tentativa de emancipar a televisio piiblica das amarras controladoras do Estado. O financiamento minguante das verbas federais, que se instaurou com os govemos republicanos, em especial na administragtio Reagan, somado ao crescente interesse institucional de empresas que buscavam agregar credibilidade institucional ao seu nome, foram responsdveis pela consolidagdo do financiamento por underwritings. Porém, a autonomia nao se estabeleceu. O que se firmou realmente foi a subordinagdo politica e/ou econdmica da PBS em relagio ao seu sistema de financiamento, dependendo do momento histérico em que vivia. Se houve um momento em que a televisdo publica ganhou certa autonomia, esta esté ligada 0 financiamento da propria localidade, por meio de doagdes que estreitam o vinculo com a comunidade e Ihe proporcionam certa legitimagao, vinculando-se com a sociedade civil diretamente. Pelo menos assim seguiu a estratégia da Fundago Ford, importante instituigio para o setor. Porém, este modelo Jevou as emissoras a dedicarem grandes poryoes ae tempo na doutrinagéo de sua audiéneia, ora oferecendo-thes atragSes mais populares para chamar a atengo, ora negociando prémios ou argumentando sobre o perigo da faléncia do sistema piblico, até conseguirem capturar um telefonema de doago. Embora imperfeito, este modo de financiamento atraiu a sociedade civil para dentro do modelo, dividindo com o estado ¢ 0 mercado o papel de remunerar 0 servigo de televisio. Nem foi o financiamento goveramental, nem o do mercado que ofereceram independéncia a televisto piblica, mas talvez o sistema tripartite tenha proporeionado certa autonomia & PBS. Claro que € preciso entender que autonomia nfio € liberdade incondicional, posto que € interessante que a televisio esteja subordinada, ao menos aos interesses da sociedade que a produz. Do embate das trés forgas, 0 Estado, o mercado ¢ sociedade civil, resultou uma legitimidade ao servigo de televisto piblica. A dificuldade esti em manter este equilibrio, j4 que a tentadora forma de financiamento do corporate underwriting, pot atingit mais rapidamente os objetivos de arrecadagdo, com volumes maiorese negociago mais simples do que aquela travada com o congresso ou diretamente com o piblico local, esti se firmando como predominante, crescendo, e superando, a cada ano as outras formas, comprometendo o modelo tripartido. Vale relembrar que, além do modelo tripartite, a experiéncia britinica, do fundo dedicado, reservado diretamente no prego dos aparelhos de televisio, por exemplo, nunca foi testada ros Estados Unidos ¢ poderia, em hipétese, garantir maior estabilidade financeira a0 modelo. A autonomia que, quando ocorre, se mostra tio efémera, é essencial & qualidade da programagio, que poderia enfim cumprir com os ideais de educaglo, cultura, direto a informagio e cidadania, multiplicidade de vozes ¢ diversidade de representagses de grupos sociais. 1.4. TELEVISAO PUBLICA MARGINAL ‘A televisio americana € claramente definida segundo a I6gica comercial, de negécio que procura o luero, Ela encontrou um sistema de financiamento, a0 longo de sua historia, que contibiliza a audiéncia e é remunerada por esta equago. O objetivo de maior piblico ¢ maior rentabilidade conduziu 0 contetdo da televisiio a dedicar-se prioritariamente a0 entretenimento. A televistio pablica, sua contrapartida, restou preocupar-se em atender piblicos e temas nfo-lucrativos que estavam negligenciados no modelo comercial, © conceit de McChesney de que a televisto péblica americana € uma televisio marginal na sociedade americana explica claramente como se dé esta complementaridade entre os modelos, demonstrando como os dois modelos se inter-relacionam e definem 0 cenério completo da televisto americana. Este conccito esté colocado derradeiramente no trabalho, porque explica muitas das questdes levantadas acerea da televisio publica, © primeiro ponto que o autor destaca é que o modelo piiblico de televisdo, seja a americana ‘ou qualquer outra, jétrés uma controvérsia intrinseca. Viabilizar um servigo que contemple toda a sociedade nfo ¢ tarefa ficil, especialmente aquelas marcadas pela diversidade cultural, com movimentos sociais antagdnicos, com divergéncias politicas estruturas. Quanto maior a diversidade de idéins, mas dificil seri ao modelo manter independéncia editorial, caindo inevitavelmente em alguma tendéncia. Mesmo a BBC, que € supracitada como um exemplo, adotou um modelo que busca a neutralidade e objetividade, o que acaba por ser contraproducente.'* [Em diversas outras experiéncias, os modelos piblicos nfo se libertaram da dominayéo pelo poder politico estatal; aliés, o controle estatal era a regra, no a excegio, Quando se distanciavam do poder exercido pelo govemo, era o controle de interesses econdmicos do mercado que exerciam sua influéncia, numa busca para complementar orgamentos baixos por parte do Estado, impedindo a autonomia editorial sobre seu contetido. © MCCHESNEY, Robert W. Rich Media, Poor Democracy. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 242. Esta situagaio apenas ressaltava o grande paradoxo do modelo publico: como coexistir no regime capitalista, Este dilema € derivado de um problema maior, que é a tensio entre a democracia participativa ¢ as leis do mercado capitalista. A democracia se estabelece quando as condigdes sociais estilo equivalentes entre seus individuos, ¢ o bem publico é colocado como fundamental, Mas essas caracteristicas so desencorajadas pelo sistema capitalista, que valoriza a propriedade privada, em relagio a0 bem piblico © a livre- iniciativa dialoga constantemente com a diferenga social para justificar-se e retribuir a agiio do individuo no mercado. O que ocorre geralmente é que a televisio piblica, dentro do modelo capitalista, se esforga por no antagonizar as forgas politicas e econdmicas da sociedade, no méximo mantendo ‘uma postura critica comedida e vigiada. Essa autocensura, preocupada com a sobrevivéncia no cenério capitalista, acaba por ser tio marcante que afasta a televisto de seu propésito demoeritico, A burveracia em camadas, criada para proteger editorialmente a televisio piblica de tais influéncias, acaba por impedir a representagdo direta da sociedade, promovendo uma ruptura do processo comunicativo e do diélogo com a opiniio piblica. A televisdo publica esti sempre soffendo 0 ataque do capitalismo, mesmo que de forma indireta, pelo simples fato da sua imersio no modelo hegeménico. Mesmo quando a televisto publica se encontra com facilidades orgamentdrias e se encontra livre do controle direto do mercado, fica ainda assim dificil manter seu carter piblico, preocupado com a cidadania, se todos os outros aspectos da media em geral obedecem e esto organizados para atender as demandas da indiistria do entretenimento e da guerra pela audiéncia. O modo de produgio dos estiidios, 0 treinamento dos profissionais, a forma de remunerago das emissoras, a tradigao da publicidade, todos os detalhes do processo produtivo sio emprestados do modelo dominante comercial. A televisiio pablica sofre também o ataque direto de politicos da direita, que so contririos ncia de um modelo piiblico de televisio em associag&o com setores do modelo a exis comercial. Rupert Murdoch, dono do grupo News Corporation, proprietirio da rede Fox e diversos interesses em televis es no mundo, especialmente na Inglaterra, declara que a era da televisio subsidiada pelo dinheiro piblico acabou, tanto para a BBC quanto para outras redes. Mas, geralmente, a convivéncia é amigavel entre as redes comerciais ¢ a rede publica. Na verdade, essa “convivéncia amigavel” é fruto do interesse das redes comerciais em manter a PBS néo-comercial, sem antincios. A tltima coisa que as grandes corporagdes da midia gostariam era que a PBS viesse a disputar verba publicitaria abertamente, principalmente porque, embora tenha uma audiéncia pequena, ela representa um piblico bem-educado, de classe média alta em sua maioria, 0 piblico dos sonhos de varios produtos. Mas apesar do interesse das redes em manté-la funcionando e em carter piblico, as redes pretendem que © modelo comercial seja hegeménico, e 0 servigo piblico uma estrutura marginal, apenas dedicado aqueles piiblicos minoritérios que as emissoras comerciais descartaram como niio interessantes ao negécio, que nao geram um lucro justificavel. © conflito entre os dois modelos, porém, é inevitivel. Os dois dependem do apoio popular, da legislagdo, da regulagdo do govemo federal, ¢ como as légicas dos modelos estiio em oposigao, 0 conffonto € inevitavel. Porém, com a supremacia financeira do modelo comercial, a presséo sobre 0 poder politico exercida por ele obtém mais sucesso. Essa estrutura faz da televisto pibica americana fundamentalmente diferente da Inglaterra ¢ do Canada, Enquanto nesses dois paises 0 servigo publico é oferecido para todo 0 pais, os radiodifusores piblicos americanos compreenderam que eles s6 podem sobreviver politicamente nao aumentando sua parte da audiéncia, néio retirando piblico das redes comerciais. O papel da rede piblica se cristalizou em somente se preocupar com a audigncia nao-lucrativa, rejeitada pelo modelo comercial. Caso a televisio publica comece a engordar sua fatia do mercado, ela sofferia as restrigées politicas da presstio do modelo comercial sobre os governos ¢ 0 congresso. Esta é a estrutura que confina a televisio piblica 4 margem do modelo americano, com indices de audiéneias poucas vezes superiores a um porcento. O interesse das redes comerciais em manter a televisio publica para cuidar dessas audiéncias indesejéveis economicamente, pode estar insinuado em dois momentos histéricos da televistio publica. Por dois momentos, em 1969, logo em sua criagdo e na década de 70, durante o perfodo em ‘que 08 vetos orgamentirios quase inviabilizariam seu funcionamento, a rede piblica esteve ameacada de acabar por falta de recursos ¢ ela s6 pode continuar suas atividades gragas a generosas doagdes promovidas pela rede CBS,'* Essas doagdes indicam que, pelo menos, hé interesse das redes comerciais em manter 0 modelo piblico dentro dos limites praticados no mercado e sugere que a complementaridade entre a rede comercial ¢ a rede piblica é sustentada, muito mais, por fatores econdmicos, de lucratividade das redes comerciais do que exatamente uma ‘motivagao na natureza publica do servigo. 1.5. CIDADANIA, DIREITO A COMUNICACAO E A TELEVISAO PUBLICA AMERICANA ‘A primeira condigo para se analisar o papel da televisto publica americana na conquista da cidadania da sociedade a qual se destina & assumir © ponto de vista que abarea todo 0 modelo de comunicagdes da qual a televisio pablica faz. parte. A experiéneia americana se caracteriza por propor uma complementaridade entre o publico ¢ o comercial, em assumir que 0 conjunto promove um servigo piiblico de comunicagdes, atendendo aos interesses da coletividade. Partindo deste Angulo, vamos encarar 0 modelo americano de televistio sob 0 crivo dos conceitos desenvolvidos no capitulo V, da cidadania e do direito a informacao. Relembrando o que estava definido como caracteristicas essenciais para que um modelo de comunicagaio possa exercer seu papel de fomentador da cidadania ¢ garantidor do direito a informagao, destacam-se quatro propriedades. “4 RAKFR_ William F.. DESSART. Georve. op. cit. ‘A primeira diz respeito & promogo de uma arena de representagdo que promova autonomia em relagdo ao estado e a0 mercado. J4 empregamos algumas linhas na demonstracao de como este topico da autonomia se mostra complexo na televistio publica americana. 5 importante, porém ressaltar a nogdo de representagio, que corrobora com a idéia de participagao do estado, do mervado e da sociedade civil. Porém, o modelo ainda se mostra insuficiente em promover autonomia, j que a pressio para obter recursos acaba por subordinar a televisio piblica a essa busca. Ampliando o olhar do conceito para 0 modelo americano de comunicago incluindo o comercial, ai entiio é que se atesta o desequilibrio do modelo, pendendo fortemente para o financiamento privado. Com isso, a arena de representagiio nfio proporciona o alcance a cidadania, Segundamente, a propriedade essencial conquista de cidadania a0 modelo de comunicagdo é 0 fim da divisio entre o popular ¢ 0 alternativo, entre o interesse de massa e © contefido voltado a minorias. O importante é garantir que a sociedade, por completo, acesse a diversidade de contetidos e representagdes ¢ estabelega canais de debate para interferitem na opinido publica e, conseqilentemente, na determinagdo do tipo de sociedade que descjam seus cidadiios. Neste ponto é marcante que, apesar da televisio publica proporeionar um aumento na representatividade de setores relegados pelo modelo comercial, a divisio entre as duas televisdes espelha esta separago, contréria a0 estabelecimento da cidadania nos meios de comunicagio. 4 se adiantou acima um terceiro ponto, 0 equilfbrio do género do contetido: informagao, educagio, cultura e lazer, simplificadamente. Novamente, a divisio entre a televisio do entretenimento ¢ a televisfio do servigo publico, ou, mais corriqueiramente, a televisdio divertida e a chata, a rica e a pobre, a colorida e a preto ¢ branca, sendo que a segunda apenas uma pequena parte do todo no modelo, claramente coloca o equilfbrio nas caracteristicas do contetido longe do ideal. Ultimo ponto essencial para 0 estabelecimento de um modelo que atenda ao cidadao & exatamente que ele seja cstendido a todos os cidadios. Embora a acessibilidade contabilizada esta em cobrir 99% dos lares americanos, esta possibilidade nfo proporciona concretamente a garantia do acesso, do servigo prestado. Os baixos indices de audiéncia, 0 investimento menor no servigo piblico ¢ até a tradigdo de se encarar a tevé piblica como uma televistio que atende a temas minoritérios, de interesse restrito, nfo promove a0 cidadao, em igualdade de condigées um servigo piblico, comparado ao modelo comercial centrado no entretenimento. Ii justamente no fato de ser um modelo marginal, que apenas complementa 0 modelo comercial, naquilo que nfo interessante financeiramente que reside todo 0 descompromisso do modelo americano em fazer da comunicago um modo de promover cidadania, Voltamos novamente a0 quesito financiamento, agora analisando-o no ambito do modelo americano como um todo. JA foi dito que, embora no contexto fechado da televisto publica possa ser argumentado que se alcangou equilibrio razodvel das fontes de recursos, quando se amplia 0 foco para 0 modelo completo & que se nota que sua imensa maioria, para nfo dizer totalidade, esti baseada na estrutura comercial ¢, se existe 0 interesse de complementar 0 modelo comercial com um servigo piblico de comunicagéio, € preciso ampliar investimentos outros, que nfo os da publi idade para equilibrar 0 modelo © estabelecer alguma complementaridade. O equilibrio do financiamento destinado ao servigo piiblico e ao entretenimento incide diretamente na oferta equanime a todos os cidadiios. 2. CONCLUSAO Retomando as hipéteses levantadas na origem da pesquisa, confirmam-se algumas expectativas, principalmente no que se refére & multiplicidade de vozes. © modelo de televisdo piblica escolhido pela sociedade americana realmente conseguiu aumentar 0 niimero de vozes, ou melhor, de representagdes que estavam A margem do modelo comercial. O crescimento de programagao infantil, o caréter educativo desta, a produgdo de documentérios e de jomalismo critico atingiram um nivel e estabeleceram novos parimetros para cada género. E verdade que, no que diz respeito as programagées locais, 0 avango nfo foi grande, mas, esta nfo uma caracteristica somente da televisto publica. A concentrago é uma ténica do setor de comunicagdes. Mas, mesmo neste item, 0 modelo diferenciado de rede, com a emissora sendo sécia, em uma cooperativa da rede, ainda apresenta uma autonomia maior da emissora local que 0 modelo comercial. Na segunda hipétese, referente & autonomia da PBS em relago ao governo € ao mercado, a conclusio nfo ¢ uma simples assertiva ou negetiva, Embora se tenha conseguido, primeiramente uma distincia do mercado, aproximando-se do poder publico, no seu processo histérico, de embate politico, a televisio piblica distanciou-se do poder estatal, e, novamente, na década de 80, aproximou-se mais do mercado. Durante todo 0 processo, a0 longo da historia, a tevé piblica teve sua autonomia quanto ao controle de um lado e de outro, em uma oscilagio que mais ocupava que despreocupava. Essa relativa autonomia munca se estabeleceu de forma harménica continuou estivel por um periodo longo. As idas e vindas do sistema de financiamento foram responsdveis por esta instabilidade e, entio, é possivel concluir que a independéncia desejada nunca se estabeleceu por definitivo. ‘Apenas a luta para conquisté-la foi acirrada, sem vencedores definitivos. Em linhas gerais, no seu principio, a televisdo piblica teve autonomia maior com o financiamento do Estado. Mais tarde o Estado, na administragiio Nixon, resolveu questionar essa autonomia ¢ fez uso do controle financeiro que tinha sobre o modelo. Ultimamente a PBS Iuta por conseguir sua autonomia através do financiamento do setor privado, mas acaba por soffer as conseqiiéncias desse tipo de financiamento. Outro caminho para garantir a autonomia que se estabeleceu como tradigio na televisfio plblica foi a participagao direta da sociedade por meio de doagdes. Em uma visdo teérica, 0 equilibrio tripartite de seu financiamento - patrocinio do setor privado, fundos federais € contribuigées da comunidade - estabeleceria o equilibrio necessério a sua autonomia, Mas a harmonia que © conceito sugere ndo se verificou na pritica. Esse equilibrio sempre foi muito efémero e sensivel as agdes de cada setor, prejudicando assim, a autonomia, jé que a PBS estava sempre preocupada em garantir seu financiamento imediato, fosse politicamente, junto ao governo, fosse por meio da construgo de uma boa imagem piblica, garantindo seus patrocinadores corporativos. Ou ainda, quando se ocupava das campanhas por doagdes que, por muitas vezes, faz. uso do apelo popular, com grandes produgdes (por exemplo, as transmissées de shows) para atingir seus objetivos de financiamento. Em qualquer das situagSes, o real sentido educativo estaria subjugado. ‘A terceira hipétese verificada diz respeito ao conceito de cidadania. A esse assunto, a resposta é dada com o conceito de Televisio Péblica Marginal de McChesney, que comprova bem a hipétese relativa ao papel do modelo de televistio americano para promover a cidadania (melhor seria, ndo promover). A hegemonia da logica comercial reflete-se sobre a televisio piblica. O caminho escolhido pela sociedade americana posiciona a televistio como indiistria do entretenimento ¢, secundariamente, como um mecanismo garantidor dos principios do direito a informagio ¢ direitos culturais de cidadania. Apesar de seus primérdios definirem na lei de 1934 a comunicagdo radiofénica como bem piiblico, seu cariter piblico é um complemento, uma resposta a algumas exigéncias de setores da sociedade, mas um complemento coadjuvante no consolidado como uma necessidade. Isto no € novidade ao observar-se que o Estado liberal americano rnflo tem tradigo em proporcionar um estado de bem-estar sem contrapartida alguma, diferi lo do cendtio predominante europeu. Por isso 0 conceito de interesse priblico, nas raizes do modelo americano, pode até ser visto com ironia. direito a um servigo piblico de comunicagiio é minimamente atendido, sendo apenas mais uma op¢do de programagio entre os canais comerciais muito melhor remunerados € integrados a um modo de produgo adequado. Assim, essa orientagdo ndo comercial da televisto piblica sofie concorréncia desleal para se afirmar quanto a sua importincia no ‘modelo das comunicagdes americanas. Tanto que a pressio para o auto-financiamento tem se manifestado na tendéncia de crescimento da participagéio do mercado corporativo no seu financiamento. ‘A.compreensto do papel do Estado, a partir da conceituago da categoria de servigo é ponto de destaque, nfo s6 para © entendimento da televisio piblica, como também para ser aplicado a qualquer andlise dos modelos de comunicagSes. A procura pela definigaio da natureza dos servigos de comunicagées depende de uma complexa equago que envolve os ‘temas aqui estudados, além de outras abordagens que partem da economia politica, passa pelo direito, pela ciéncia politica, pelas politicas piblicas, pela democracia e no poderia ser esgotada num trabalho deste porte € nem era esse 0 objetivo. Porém o estudo cumpre com as nogées necessarias para se entender a televisio piblica americana. ‘As hipéteses levantadas foram assim investigadas e a conclustio foi satisfatéria € esclarecedora para se compreender a sorte de servigo de comunicagio que a televisao piblica americana proporciona. O estabelecimento das duas categorias basicas de modelos de comunicagdo, oriundas dos modelos americanos ¢ britinicos simplifica 0 leque de possibilidades. insinuavam que o estudo seria somente da televisio piblica, mas este foi obrigado a abarcar verdade que as conclusées corrigiram 0 curso inicial das proposiges, que © modelo completo americano para conseguir justificar propriamente 0 conceito de cidadania aplicado ao campo da comunicagao. Com uma andlise ainda insipiente, estes conceitos - cidadania, direito a informagdo ¢ & comunicagdo - merecem investigages 4 parte, devido a sua complexidade e relevancia quando aplicados & comunicagaio e este trabalho consegue apenas definir linhas centrais a serem seguidas no tratamento do assunto. Ainda sobre a comunicagio americana pode-se dizer que uma compreensio econdmica pormenorizada do setor poderia colaborar com um entendimento melhor de sua légica. Claramente, este trabalho aponta para um outro, futuro, que venha a estabelecer ilagdes comparativas a realidade da televistio educativa brasileira, que sabemos ainda é pouco desenvolvida. O debate sobre televistio publica no Brasil ainda nao encontra nem mesmo amparo normativo, visto que sua definigao como educativa ¢ a confusio gerada pelos conceitos de piblico ¢ estatal denotam que tal categoria de televisto ainda esta por se elaborar. BIBLIOGRAFIA ALEXANDER, Alison, OWERS, James, CARVETH, Rod (Ed.). Media Economics: Theory and Practice. New York: Columbia University Press, 1996. ‘ALMEIDA, André Mendes de. Midia Eletrénica: seu controle nos EUA e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1993. ‘A PUBLIC TRUST: THE REPORT OF THE CARNEGIE COMMISSION ON THE ‘FUTURE OF PUBLIC BROADCASTING. New York: Bantam Books, 1979. AUFDERHEIDE, Patricia. Cable Television and the Public Interest. Journal of Communication. Oxford: Oxford University Press, Vol. 42, numero 1, winter 1992. 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