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CapituLo XII Urbanizagao: cidades médias e grandes 1. Introducéo Neste fim do século XX, as fronteiras econ6micas se ampliam, mais éreas sio ocupadas e pode-se mestno dizer, como ji o fizemos, que o territ6rio bra sileiro esté inteitamente apropriado. Por outro lado, a natureza recuou con: deravelmente, enquanto todas as formas de densidade humana ficam mais presentes, Ainds que a sua distribuicio seja desigual, hi, em uma porgio con- siderével do territ6rio, maior densidade téenica, acompanhada de maior den- sidade informacional. Ao fendmeno de éxodo rural acrescenta-se também, ainda mais do que no periodo anterior, o éxodo urbano, Observa-se, ainda nos éltimos anos, ‘que as aglomeragdes urbanas nascidas das novas logicas territoriais tém um tamanho bem maior do que nos perfodos anteriores (Celso Lamparelli, 1990). Isso pode ser atribuido ao fato de as téenicas da produgio e da circulagio € 0 uso dos novos meios de transporte e informagio permitirem a uma boa par cela da populagio vencer as mesmas distincias em tempo menor, e desse modo torna-se menos necesséria a proliferagio de nécleos urbanos. Uma das ra- aes que tambéin levam as atuais cidades médias a ter maior populagio que as surgidas em épocas anteriores vem do fato das novas solicitagées do con- sumo, tanto das familias e do governo quanto da prépria atividade agricola, 7 MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA ‘Junte-sea essas casas ofito de que, gracasisfacilidades de transporte etam- bém as novas formas de organizagio do trabalho agricola, umn ntimero con- siderével de trabalhadores na agricultura vive na cidade, que se torna um reservatério de mio-de-obra. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais, 2 partir de certo volume demogritico, tais localidades sio capazes de atrair € reter um grande niimero de pobres. fo caso sobretudo das metrépoles e das grandes cidades. 2. As cidades médias na encruzilhada das verticalidades e das horizontalidades As cidades sio os pontos de intersecéo ¢ superposigio entre as hori- zontalidades e as verticalidades, Elas oferecem os meios para o consumo fi- nal das familias e administragGes e o consumo intermediério das empresas. Assim, elas funcionam como entrepostos ¢ fabricas, isto &, como deposité- ras e como produtoras de bens ¢ de servigos exigidos por elas préprias ¢ por seu entorno, “Trata-se, como indicamos em outro lugar, de uma oferta destinadaa prover seja 0 consumo consumptivo, sea © consumo produtivo, Entre as formas de consumo consuimptivo, isto 6, de consumo das famflas, podemes ineluir 0 con- sumo de educagio, de satide, de lazer, de religif, de informagio geral ou espe- cializada eo consumo politica, na forma do exereicio da cidadania, Entreas formas de consumo produtivo encontram-se, entre outras, 0 consumo de eigncia em- ‘butida nas sementes, nos clones, nos fertilizantesete,,o consumo de consultorias ‘€0 consumo do dinheiro adiantado como crédito. As atividades wrbanas estio ligadas a esses tipos de consumo, ¢ € assim que as cidades cumprem o papel de responder as necessidades da vida de relagies, que recentemente aumentaram (quantitativamente e se diversificaram qualitativamente. Na realidade, com a modernizacio da agriculcura e a instalagio de uma produgio corporativa, assim como de uma citculagio, distribuigio e informa ‘io corporativas, a demanda cumprida pelas cidades acaba sendo majoritaria ‘mente reclamada pelas empresas, ou em todo caso tal demanda é privilegiada nto dos planos regionais, A demanda das familias conside~ no estabeleci 280 (© BRASIL: TERRITORIO E SOCIEDADE NO IWIcio DO SECULO XX rada “residual”, exceto naquilo em que representa, direta ou indiretamente, ‘uma demanda empresarial. E certo que também isso se deve & deriva ideol6- gica que privilegia as exportagies, a competitividade, a cireulagio fluida e, conseqiientemente, um equipamento territorial custoso. A assim que as cidades constituem, cada vez mais, uma ponte entre o global e o local, em vista das crescentes necessidades de intermediagio e da demanda também erescente de relagoes. (Os sistemas de cidades constituem uma espécie de geometria variével, levando em conta a maneira como as diferentes aglomeragSes participam do jogo entreo local eo global. E dessa forma que as cidades pequenas e médias acabam beneficiadas ou, a0 contrétio, sio feridas ou mortas em virtude da resisténcia desigual dos seus produtos e de suas empresas face ao movimen« to de globalizagio. Conforme ja vimos, as cidades médias tém como papel o suprimento imediato e proximo da informagio requerida pelas atividades agricolas edesse modo se constituem em intérpretes da técnica e do mundo. Em muitos ca- 4505, a atividade urbana acaba sendo claramente especializada, gragas 3s stas relagSes préximas ¢ necessirias com a produgio regional. ‘Tal produgio encontra na cidade préxima muitas respostas as suas exi= géncias em ciéneia, técnica e informagio, incluindo uma demanda impor- tante de bens e servigos técnicos ecientificos. Dé-se também uma importante demanda de “racionalidade” a ser empregada no plantio, nos euiidados, na colheita, na armazenagem, estocagem, empacotamento, transporte ¢ comer- cializagio. Tal racionalidade inclui a atividade agricola em sistemismos que se contagiam mutuamente e desse modo se difundem, proc cias cumuhativas 4 homogencizagio e, outta vez, a racionalizagio, presididas pela cidade média proxima, ‘Uma das tarefas da cidade no campo modernizado &, pois, a oferta de formagio— imediata e proxima — a uma atividade agricola que, nos d atuais, jé nfo pode ser feita sem esse insumo, tornado indisper do tendén= cidade éa produtora dessa informagio,o que €0 caso, por exemple, das Jomeragdes onde Ih Ses de ensino ¢ de pesquisa pura e aplicada. a MILTON SANTOS € MARIA LAURA SILVEIRA na sua dif usio, Haveria assim, e desde logo, uma diferenga de qualidade na atividade dos dois tipos urbanos mencionados. E possivel que uma instituigio de ensino ou pesquisa, presente numa determinada érea, possa mostrar-se interessada num amplo espectro de pro- blemas ¢ no apenas naqueles que interessam dirctamente a0 seu entorno réiximo. Mas éraro que esse entomo préximo nfo acabe tendo uma influén- cia sobre o que fazer habitual de tais instituigdcs. De maneira geral, na cidade do campo a producio regional acaba por influir sobre as iniciativas dos agentes urbanos. As atividades de fabricagio servigos sio, em geral, tributirias da atividade regional c, desse modo, relati- vamente especializadas a partir dessa inspiragio. Tl especializagio liga-se sobretudo as necessidades de resposta imediata ¢ proxima is necessidades da produgio, da citculagio, do intercdmbio, da informagio dos agentes. A populagio urbana daf resultante € formada, de um lado, por agricolas que sio urbano-residentes e por pessoas empenhadas em permitir a vida de relagio, De um modo geral, tais localidades retinem atividades e profissdes tadicionais ¢ novas, abrigando também formas de burgucsia c de classes médias tradicionais e modernas. (© tamanho da cidade do campo esté em relagio com a importincia da demanda criada pelas circunstincias acima enumeradas ¢ pela forma como se di, numa drea mais ampla, a divisio territorial do trabalho. ‘As vonas de agriculeura moderna e os nticleos urbanos que Thes serve de centro, por meio da diversidade dos atores implicados na produgio, na circulagio e na distribuigéo, tem, apesarde suas singularidades, uma experién— cia comum de subordinagio, da qual Ihes advém a consciéneia da importin- cia dos fatores externos. Citemos, em primeiro lugar, o papel determinante de um mercado longinquo e abstrato, ao qual se adicionam a pressio “invisivel” da con- corréncia, juntamente com os pregos internacionais e nacionais, o valor externo da moeda, 0 custo do dinheiro, o peso da agio e dos Iucros dos intermediirios. Todos esses fatores externos se acompanham de wma demanda também “externa” de “racionalidades” e das dificusldades de uma resposta. Esse conjunto de dados de origem externa contribu para que, no lugar, 2H © BRASIL: TERRITORIO E SOCIEDADE NO INICIO DO sécULO xx! “mundo” seja confasamente enxergado até mesmo como um inimigo,como tia famosa expressio do escritor Raduam Nassar (1998). Daf as ambigitida- ides ¢ perplexidades eriadas a partir da propria atividade econdmica e social e erdespertar 0 florescimento, no lugar, da idéia e da necessidade de politica. Ascidades médias comandam o essencial dos aspectos técnicos da produ- ‘lo regional, deixando o essencial dos aspectos politicos para aglomerages miaiures, no pais ou no estrangeiro, em virtude do papel dessas metrépoles condlagio direta ou indireta do chamado mercado global. Mas isso constitui uma fonte permanente de indagagées, jé que a cidade regional, relé politico subordinado, é também um espelho de contradigées entre as preocupacSes Iyadas& produgio propriamente dita (seu lado técnico) e as ligadas a realiza~ io (seu lado politico). ‘Como, na propria regiio, os atores tém, objetivamente, em virtude de suas atividades especificas na divisio do trabalho, diferengas de interesse ¢ Ale visio, eria-se uma produgio local, “mista”, “matizada", contradit6ria, de adéias. E nessas condigies que so gestadas visées do mundo, do pais e do lugar claboradas na colaboragio € no conflito (M. Santos, 2000). Essa claboragio de visdes e de idgias, sejam elas gerais ou particularistas, constitu uma das fontes da produgio, também contradit6ria, de idéias poli- tweas, Bstas revelam a somia ¢ a sintese de interesses corporativos, privativistas € de interesses coletivos, que sio todavia mais freqiientemente apreciados a partir da propria escala local. Dafa necessidade de ultrapassar um nivel de formulagio baseado apenas em cagiragies de ordem téenica (ow na pare propriamente técnica do processo produtivo) ¢ de chegar a consideragio da parcels politica do mesmo processo produtivo. O pensamento suigerido pela 1 quando circunscrito ao lugar da produgio propriamente dita, é em nsuficiente e inadequado. Na verdade, o papel das cidades médias no processo politico & no ape~ nte percebido, No entanto, essas pee tues limitado ¢ incompleto, mas confusam ‘sulules produzem idéias politicas derivadas do proprio processo da produ- serahvela, Tais idéias sio, de certs forma ¢ sob a pressio da proxintidade e da veanlianga, reveladas pela midia local — imprensa, rilio, televisio —, erga anivialade pie em conteaste, de ut lado, as tendéineias para a houngencizagic le Lona ila regiie, poor via da disteibu on MTOM SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA cias, da publicidade geral eda difusio de idéias modernizadoras, ¢, de outro, as pressdes exercidas pelos atores locais. © préprio mercado da midia, seg mentado, tanto na sua oferta como na sua demanda, pelo mercado local e acaba fazendo desses érggios da imprensa, do rédio ¢ da televisio instituig6es sensiveis as problemiticas dos individuos e das empresas locais. Ocaso de Sio Carlos, examinado por Adriana Bernardes (1995), tipifica essa situagio, que alias se reproduz em outras cidades médias, mostrando a con- tradigio entre as influéncias dos interesses locais e as dos interesses chamma- dos nacionais e globais. Accidade do campo é, muito mais do que antes, o lugar de uma sociedade compésita, complexa, dinamica contraditéria. E talvez nessas condigdes que ‘0 “espfrito animal” dos agentes econémicos pode, também contraditoriamen te, ensejar que nelas se levante, de modo eficaz, a nogio de espirito pablico, As cidades médias constituem, desse modo, verdadeiros foruns regio- nais, um lugar de debate entre preocupagSes mais imediatas e designios mais amplos, que, por exemplo, revelam as caréncias ou os constrangimentos da politica local face 4 politica nacional e também das préticas eleitoreiras e clientelistas diante da necessidade de priticas politicas mais amplas. Assim, pode-se pensar que os atores regionais podem evoluir de um consumo polt- tico do tipo puramente eleitoral, que prope demandas oportui Aividualistas, para outra situagZo, em que haja um consumo politico auténtico, cas ¢ in= isto é, por meio de demandas mais gerais e sistémicas. 3. Das cidades médias as grandes cidades Nas cidades menores e médias, as oscilagSes sazonais podem ser bem nitidas, reduzindo as oportunidades de emprego. De modo geral, esas osci- ages sazonais, relacionadas com os calendérios agricolas e estes com a es pecializagio moderna da producio, sio praticamente to marcados quanto ram os calendirios agricolas de estrita obediéneia is condigdes naturais, Aamplificagio, a diversificagio e 0 aprofundamento das diversas moda lidades de consumo fazem das grandes cidades lugares ideais para localiza- ante repositérios de io de servigos e para a distribuigio dos bens, ¢ ign 2na © DRASIL: TERRITORIO € SoCIEDALE NO INICIO DO SLEULO xKI uni mio-de-obra ntais especializada, sobretudo nas condigées atuais da eco ia, com a terceirizagio das tarefas, dos empregos ¢ das ocupacies. A ‘essidade de informagio, inerente a muitas das atividades constitutivas do. nelor quaternério, leva a uma agreyagio dos possiveis candidatos a empregos. O que vitido para os nfveis superiores da atividade econdmica 0 é, ame [para 05 seus patamares mais inferiores. Dir-se-ia que a grande cidade Aspe de uma ecologia favorivel aos pobres, devida em grande parte & sua grande diversidade socioespacial, Sem divida, as grandes cidades buscam adaptar-se as demandas da eco- moderna, adequando o seu espago construido as respectivas exi« séncias. Isso, porém, atinge apenas uma pequcna parcela do territério urbano, lesmo Porque os respectivos custos sio muito altos, enquanto o resto da le cidade mostra uma grande variagio quanto a modernidade das infra- nomi m " estruturas disponiveis. Num mundo ondea fluidez € indispensével is atividades mais podero- sas ea gama de produgSes presentes num lugar se diferencia também por suus exigéncias de infra-estrutura modernizada e pela necessidade de flui- dex, uma relagio se estabelece, no conjunto do organismo urbano, entre uma Gpologia de sistemas de engenharia e uma tipologia de niveis de modernidade na produgio, no emprego, na eirculagio, na distribuigio € no consumo. Como a grande cidade jé era um lugar atrativo para os pobres desde 0 period anterior 3 globulizacio, esta contribu para aumentar ta atratividade. O centro regional é mais sensivel, como ja sugerimos, as demandas cor- respondentes a atividades estacionais. Desse modo, essas localidades tornam- se menos capazes de atrair e de reter populigdes pobres, Na grande cidade, pole haver — e certamente hi — atividades estacionais. Todavia essas ativ shies sio muito mais namerosas, e por isso a superposigio das diversas cur- vas de oscilagio do emprego correspondente faz com que elas tendam niente a se superpor ¢ anular. Essa é razio pela qual a grande cidade ito mais eapaz de acolher atividades a que chamamos de cireuito ntre os quais os pobres. sticidade do cireuito inferior da economia pods ser esmio muity grande, admitindo-se qu an MILTON SANTOS © MARIA LAURA SILVEIRA numa cconomia monetéria sempre haveria espago para uma circulagio fe~ cunda do dinkeiro, mediante a criagao de uma produgio circular de ocupa~ Ges. Nas condigées atuais, talvez pelo fato da ampliagio superlativa, tanto quantitativa como qualitativamente, da gama dos consumos, tal mecanismo parece estar sendo menos eficaz. 4. O papel da vida metropolitana: a nova riqueza, a nova pobreza Nas condigées de globalizacio, novas fontes de riqueza e novas razdes de pobreza se estabelecem nas grandes cidades. O niimero de grandes cidades aumenta. Em 1980 havia sete cidades con- tando entre 400 mile 1 milhdo de habitantes; em 1996 elas so 23, enquanto as cidades miliondrias, que perfaziam seis em 1980, sio 12 em 1996. Asaglo- meracSes com mais de 500 mil habitantes eram 14 em 1980 e sio 24 em 1996. Assistimos, assim, a fendmenos aparentemente contradit6rios mas na reali- dade complementares, isto é, 0 reforgo da metropolizagio juntamente com uma espécie de desmetropolizacio. Nessas dreas se dé uma criagio limitada de racionalidade, sobretudo nas 4reas populosas, € uma produgio ilimitada de irracionalidade escassez. O ‘outro lado dos novos dinamismos € 0 que podemos chamar de involucdo ‘metropolitana. ‘Ao mesmo tempo que 0s salirios dos trabathadores industrisis tendem a baixar, verifica-se, ainda que com menor impeto, uma imigragio de gente pobre proveniente de reas rurais modernas, de éreas rurais tradicionais e de outras dreas urbanas, As grandes cidades sio propicias a receber e acolher gente pobre ¢ Ihes oferecer alguma espécie de ocupagio (nio propriamente empregos). Mas as grandes cidades também criam gente pobre: a extrema variedade de capitais nelas presentes, tanto fixos como variiveis, assegura a possibilidade de uma extrema variedade do trabalho. ‘Sem diivida, a presenca de pobres ¢ a correspondente depressio do mer cado de trabalho e dos salérios projetam-se no empobrecimento das respecti- vas municipalidades. Esse problema, alias, é agravado com o crescente 286 © BRASIL: TERRITORIO E SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO XXt desmantelamento do estado de bem-estar, © que contribui para um empo- Irecimento ainda maior da populagio. A metrépole é 0 lugar em que se dio sucessivas adaptagées 20 moderne atengio ao preexistente. Todavia, o custo do alheamento com o qual sc implanta essa modernidade representa um peso sobre os outros aspectos «la vida local, mediante custos piiblicos e privados, eustos federais, esta~ duais e municipais. Tais adapages a0 modemo representam l6gicas dis- antes, que incidem sobre subareas privilegiadas mediante uma evolugio ‘qwe se realiza com a recusa a uma vocagio prépria ea um destino produzi~ do de dentro do organismo urbano. Toda a cidade, entretanto, sofre os re multados desse processo. ‘Com a globalizacio, amplia-se a variedade de tipos econémicos, cultu- Iuis, religiosos e lingifsticos, multiplicam-se os modelos produtivos, de cir- culagio ¢ de consumo, segundo qualificagSes e quantidades, e também cuta a variedade de situagSes territoriais. Na realidade, tais situagdes se submetem a constantes mutagdecs e enco= jo do trabalho e divisio bbrem uma rica, variada ¢ sempre renovada di territorial do trabalho. Nessas condigées, a metrépole esté sempre se refazendo: na forma, na fingio, no dinamismo e no sentido. Essa riqueza do inesperado constivui a possibilidade de construgio de novos futuros. au CapituLo XIV Uma ordem espacial: a econo! politica do territério 1, Introducao ndo falamos de ordem espacial, estamos novamente nos referindo sau expago explicado pelo seu uso. Cada momento da hist6ria tende a produzi sua ordem espacial, que se assucit a uma ordem econémica ea uma ordem social. E necessirio enten= ster sua realidade a partir de forcas que, freqtiensemente, nio sio vistveis a ‘Que seria essa ordem espacial? Como defini-h? Como encontear as ¢a 1s de anise? Como, também, individualizar empiricamente um pats, 10 Brasil, segundo tal dtica? Tropomos retomar a nossa proposta de definigio do espago como um nas de objetos e sistemas de agies. Trata-se Lemen Ses € 0s respeetivos processes so, em grande parte, submneti= ute indissocidvel de sist snacterizar una sitiag rea, os ohjetos tenden a exer haqt ador de instiungies ¢ empres Hee, ae papel 40 papel reg a9 MILTON SANTOS € MARIA LAURA SILVEIRA 2. As Ses do trabalho superpostas O territdrio, considerado como territ6rio usado, é objeto de divisses de tabalho superpostas. Desse modo, a expressio divisio territorial do traba- lho acaba sendo tum conceito plural. Pode-se considerar também que cada atividade ou cada empresa produz a sua propria divisio do trabalho. ‘Cada empresa, cada atividade necessita de pontos eéreas que constituem a base territorial de sua existencia, como dads da produgio e da circulagio e do consumo: a respectiva divisio do trabalho tera essa manifestagio geogré- fica. Visto assim, o terit6rio aparecerd como uma espécie de rendilhado for- mado pelas respectivas topologias. Podemos também considerar a existéncia de divisées do trabalho se~ gundo logicas escalares diversas, desde a local até a global, pasando pela nacional. Simplificando, dir-se~4 que certas atividades, ou empresas, ocu- pam 0 territério a partir de légicas globais, outras operam segundo légi- ‘cas que nio ultrapassam as fronteiras nacionais, mas incluem vastas 4reas do territério, enquanto ainda outras, como as atividades do circuito infe~ rior da economia, sio limitadas a areas menores, freqiientemente intra- urbanas. Seré talvez ocioso nos determos na questio de saber se se trata de divi- ses “particulares” do trabalho ou de divisdes territoriais do trabalho parti- culares. Mais importante sera considerar 0 conjunto do fenémeno como um trabalho “coletivo” no territério, formando clusters, que demarcam as cone- xdes entre divisdes do trabalho concorrentes e complementares. Vistas num dado momento de seu fimcionamento e de sua evolugio, elas aparecem como ‘complementares; olhadas na sua dinamica, sio concorrentes. Na realidade, ‘0 que se verifica é uma dialética entre divisées do trabalho (sejam elas vistas do ponto de vista escalar ou de um ponto de vista das empresas) que dispu~ tam o territério. Quando tomamos este como uma totalidade, chegamos & conclusio de que os circuitos de cooperacio so também cireuitos de com- petigio, o que conduz a questio explicativa maior de saber quem, em deter- minadas circunstincias, regula quem. 290 © BRASIL: TERRITORIO € SOCILDADE NO INICIO GO SECULO xxI 3. Um espago corporativo, a privatizacao do territério Anmcilida que o territ6rio brasileiro se torna fluido, as atividades econd- tuias modernas se difandem e uma cooperagio entre as empresas se impde, tuoduzindo-se topologias de empresas de geometria varivel, que cobrem vvantax porgies do territério, unindo pontos distantes sob uma mesma légica articularista. Os sistemas de engenharia que permitem esse relacionamen- tu constituem recursos pablicos, cujo uso privatista autoriza dizer que um ttovo processo ganha corpo — 0 da privatizagio do territério. Ganha mais ‘quem 6 mais forte. [Na medida em que essas grandes empresas arrastam, na stia l6gica, ou- tax cmpresas, industriais, agricolas e de servigos, e também influenciamn for- temente o comportamento do poder pablico, na Unido, nos Estados e nos uiniefpios, indicando-Ihes formas de agio subordinadas, no seré exagero dduver que estamos diante de um verdadeiro comando da vida econ6mica e suvial e da dinamica territorial por um neimero Timitado de empresas. As~ nm, 0 territério pode ser adjetivado como um territério corporativo, do smo modo que as cidades também podem ser chamadas de cidades corporativas, j& que dentro delas idénticos processos se verificam. Sem dévida, o territério como um todo e as cidades em particular aco- them uma tipologia de atividades. Muitas delas sio mais fortemente relacio- alas com o proprio territ6rio e, portanto, mais dependentes da sociedade prisima ¢ das virtualidades materiais ¢ sociopoliticas de cada rea, 0 que yeuinite certa horizontalizagio da atividade. © papel de comand, todavia, € twarvado 3s empresas dotadas de maior poder econdmico e pol juntos do territ6rio em que elas se instalam constituem meras bases de ope- tayo, abandonadas logo que as condigées deixam de hes ser vantajosas. As nuandes empresas, por isso mesmo, apenas mantém relagSes verticais com tars hagares. Na medida em que essas firmas t@mn aleance global, preocupadas prinei- pahnente cam parimetros plnetirios, é como se 0 uso das condigdes lernitoriais inclispensiveis pudesse permitir que se fale de uma “exportagio elo tervivsniv No campo munlernizado,a natanezs ali presente & jf uma natureza cien= mm MILTON SANTOS € MARIA LAURA SILVEIRA tificamente conhecida, domada, codificada, comandada, sobrea qual, median teas bioteenologias ¢ o influxo do mercado, se impoe um calendario a fa cada vez menos diretamente dependente das condigées naturais e mais dependente do progresso técnico e das demandas do mercado. ‘A atividade € subordinada aos mandamentos das empresas: na escolha induzida das sementes e das espécies; na condugio e na fiscalizagio dos pro- ces305; no uso do crédito oferecido, 3s vezes a taxas menores que as dos ban- ‘cos comerciais e, na sua contrapartida, dos contratos de exclusividade. Tais empresas também oferecem assisténcia técnica ¢ influenciam as formas de colhcita, de coleta e de transporte. Temos assiin uma produgio quantita~ tivamente ampliada em relagio aos padres técnicos € capitalistas anteriores e,de outro lado, uma circulagio restrita gragas ao conjunto de condigbes de racionalizagio introduzidas nas diversas éreas modernizadas por meio do nexo corporativo. Pode-se dizer que tal mecanismo conduz.ao crescimento eco- nGmico, mas 3 custa da perda do controle de seu destino pelas regides assim modernizadas. A.atividade agricola moderna, sob o comando téenico-cientifico de gran- fo da respectiva atividade as condigSes encon- des empresas, pie & disposi tradas em cada lugar. Na verdade, porém, ndo se trata de uma atividade que permita falar de horizontalidades, jf que as principais etapas do respectivo processo dependem exclusivamente dos interesses dessas grandes empresas. Por isso, nessas condigdes, éliito referirmo-nos & existéncia de verdadeiros oligopélios territoriais. 4. A légica territorial das empresas Cada empresa, cada ramo da produgio produz, paralelamente, uma l6gi- ca territorial. Como jé vimos, esta ¢ visivel por meio do que se pode consi~ dcrar uma topologia, isto é,a distribuigio no territ6rio dos pontos de interesse para a operacio dessa empresa. Esses pontos de interesse ultrapassam 0 am~ bito da propria firma para se projetar sobre as empresas fornecedoras, ou compradoras, ou distribuidoras. Para cada uma delas, o territ6rio do seu in- teresse imediato € formado pelo conjunto dos pontos essenciais ao exercicio 292 (© BRASIL: TERRITORIO E SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO xx! dle sua atividade, nos seus aspeetos mais fortes. Como jé notam 8,0 essen= cial équeo conjunto de suas operagies tore possivel uma posigio vantajosa em relagio ao nivel internacional no qual ela opera. Por cor esses pontos do territério nacional ¢ submetido a uma légica que, por in- termédio de uma empresa global, acaba sendo uma légica global Caberia aqui perguntar em que medida a existéncia de um mercado in- terno para dado produto ea participagio de determinada firma nesse merea~ «lo interno modificariam essa equagio. Uma légica menos dependente do indo” poderia atribuir as empresas um conjunto diferente de opgées, le- varido a outros comportamentos territoriais. Todavia, a doutrina atual da economia internacional, no que se refere aos paises subdesenvolvidos, con sulera o mercado interno praticamente “residual”, de modo que a I6gica do mercado global acaba interferindo fortemente sobre o mercado interno, ou, inte, 0 uso, ‘cm outras palavras, confere a este uma ligica global 3 qual se opée fracamen~ te urma I6gica nacional, tanto mais débil quanto o Estado nao se mostra inte~ ressado por cla, O resultado, quanto ao territério, € de novo o exereicio de um controle parcial de certos pontos por logicas que se interessam apenas por aspectos particularizados. Quanto aos outros interesses, nio respondem de forma neutra a essa agZo privativista, j{ que tal agio tem sobre eles reflexos indi- Fetos. A presenga numa localidade de uma grande empresa global incide sobre 4 equagio do emprego, a estrutura do consumo consumptivo edo consumo produtivo, 0 uso das infra-estruturas materiais e sociais, a composigio dos ‘orgamentos pablicos, a estrutura do gasto piiblico e o comportamento das ‘ontras empresas, sem falar na propria imagem do lugar e no impacto sobre ‘0s comportamentos individuais e coletivos, isto €, sobre a ética, Acreseen temt-se a tudo isso as inflexdes exigidas da politica nos planos federal, esta~ Ie municipal para atender as necessidades de instalagio, permanéncia & desenvolvimento das empresas. Estas estio interessadas sobretudo na pro- material, isto ‘3 ws indvitria 8 agricule empresas dec nas presas ligadas ao comeérein, aos servigos, aos transpor- rmagio ete, 4 MILTON SANTOS E mania LAURA sitveina 5. A ampli \c40 dos contextos ‘As novas bases técnicas ¢ as novas bases econdmicas criam as condigdes. ‘materia e politicas de uma ampliagio do contexto que interessa primordial= mente is atividades mais importantes, Uma empresa global tem, por defini ‘sio, uma drea de atuagio que freqtientemente envolve diversas regioes, paises € continentes. A expressio transnacional 6, alii, representativa desse fend meno. Enquantoa produgio total, em determinados ramos, concentra-se em ‘um niimero menor de empresas, estas se tomnam capazes de utilizacio, a seu servigo, de um ntimero maior de pontos e de reas. Com o fendmeno de alargamento do contexto, aprofisnda-se outro fendmeno, isto 6, 0 uso dife- rencial acentuado do territério. As empresas mais poderosas escolhem os pontos que consideram ins- ‘trumentais para a sua existéncia produtiva. E uma modalidade de exercicio do seu poder. O resto do territ6rio torna-se, entio, o espaco deixado as em- resas menos poderosas. Os primeitos seriam, do ponto de vista da prodiati- vidade, da competitividade, “espagos luminosos”, enquanto o resto do territétio chamar-se-ia “espagos opacos”. Na verdade, as coisas nio se dio de maneira tio simples. Em primeiro lugar, os pontos luminosos abrigem também atividades menos luminosas, que tanto podem ser complementares As atividades mais dinimicas como resultar da permanéncia, em cada lugar, de uma sociedade desigualitéria, Em segundo lugar, o que existe é toda uma gama de lugares luminosos ede Ingares opacos, disputados por empresas com diferentes grans de modemidade capitalista ou organizacioual No entanto, ¢ de maneira geral, pode-se dizer que, do ponto de vista da economia internacionalizada, 0 uso diferencial do territério é também um uso hierérquico. Na verdade, essa hierarquia pode nio ser permanente ou sequer durivel nas circunstincias atuais da globalizagio. Vantagens compa- Tativas locais, tanto as da ordem técnica como as da ordem politica, podem ser rapidamente alcancadas ou perdidas, numa combinagio dificil de prever com precisio, entre circunstincias do mercado global e decisées do imbito nacional ¢ local Esse processo de construgio-destruigio-reconstrugio de diferenciagSes ¢ hierarquias conduz a freqiientes desvalorizagies e revalorizagies de partes 296 © BRASIL: TERKIGHO € SOCIEOADE NO INIcIe vO SécULO xX do territsrio, quando o encaramos do ponto de vista da sua participagao na deuma competitividade global, Este, lids, étambém um dos resulta hos do alargamento dos contextos. 6. O uso competitivo do territé: poder de uso do territério 6, pois, diferente conforme a importincia ‘las empresas. Tal poder tanto se exerce frente a0 processo direto da produ- Gio — isto €,3 sua fragio técnica, segundo aqualas empresas utilizam seges io — quanto no que se refere aos processos politicos ot 3 fragio jo e consumo € do terri politica da produgio, constituida pela circulasio, distribiai mediante a qual o territério € utiizato como um todo, Lembremos aqui definigio de Taylor e Thrift (1982, p, 1.604) segundo qual o poder pode ser definido como a capacidade de uma organizagio para controlar os recursos que lhe sio necessérios, mas que também sio necess4- Fins a ontras organizagdes. O uso competitivo do espago acaba por se mos- ‘var um uso hicrirquico, na medida em que algumas empresas dispoem de muaiores possibilidades para utilizagio dos mesmos recursos territoriais. Annogio de espaco corporativo deriva de tal mecanismo, que inclai uma lzacio privileginda dos bens piblicos e uma utilizagio hierérquica dos bens privados. E dessa forma que maiores lucros séo obtidos por alguns agentes, sinda que trabalhem sobre os mesmos hens e embora estes sgjam nominal vente piblicos, Quando as corporagées encorajam, segundo varias formas de conviegio, a construgio de sistemas de engenbaria de que necessitam, & ‘uuando os governos decidem realizar tais obras, 0 processo de produgio do espaco corporativo se fortalece, A partir desses dados, as maiores empresas passam a desempenhar um papel central na produgio e no funcionamento do territ6rio ¢ da economia. Medliante a colaboragio o a omissio do Estado, acabam por se tornar parte « jsizes em conflitos de interesse com empresas menos poderosas, no mais necessitando buscar acordo com os outros niveis empresariais, pois sua 0 forgada, o dis empresas globais, na busea de uma l6gica hegemonii O priprio fi MILTOW SanlTOS E MARIA LAURA SILVEIRA planet, ¢ internamente normado ¢ externamente normativo, acarretando podcrosos efeitos ao entorno, mediante vetores de padronizacio, pragmatism ©, dat, violencia. Esse entomo resulta, pois, imprevistvel tanto no set fancio- namento como na sua evolucio, jf que 0 processo que o constitui depende das oscilagdes ¢ caprichos de um mereado mundializado. Por isso, como jé foiassinalado por Rowley e Jain (1997), a relagio entre o macro e 0 micro s¢ torna indispensével para conhecer as situagdes. Nio € 0 mereado como sum todo que opera sobre lugares, regides e pai ses. De resto, haveria tal coisa, o mercado como um todo? Cada firma tem 0 seu priprio escopo, 0 seu préprio timing, operando assim segundo metas especificas e motivacdes privatistas, egoistas, sendo tais motivagoes, els pré~ prias, motivadas pelo “instinto animal” das empresas, por uma busca inces~ sante de aperfeicoamento ¢ adaptacio ao chamado mercado global, segundo as regras fluidas ¢ eaprichosas da competitividade. Os objetivos de tais em~ presas nio sio propriamente finalidades, porque nio tém teleologia. A busca fundamental e desesperada (¢ cega para tudo o mais) é a procura de um lu- ¢ro, uma mais-valia, que deve ser sempre maior do que no minuto anterior, 7. A guerra global entre lugares Fala-se hoje muito em guerra fiscal, na medida em que a disputa de Es- tados © municipios pela presenga de empresas e a busca pelas empresas de lugares para se instalar lucrativamente é vista sobretudo nos seus aspectos fiscais. A realidade é que, do ponto de vista das empresas, 0 mais importante mesmo é a guerra que elas empreendem para fazer com que os lugares,isto £05 pontos onde desejam instalar-se ou permanecer, apresentem um con- junto de circunstincias vantajosas do seu ponto de vista. Trata-se, na verda- de, de uma busca de lugares “produtivos”, A rigor, os fandamentos dessa guerra de lugares podem ser tanto locais quanto regionais, nacionais ou mundiais. Neste thkimo caso, tratar-se~i de ‘uma verdadeira guerra global dos lugares, quando uma localidade, em um pats ou continente, disputa a mesma atividade ou empresa frente a outro pais ‘ou continente; mas pode ser também examiinada pela ética da empresa, quan- 296 © ORASIL: TERRITORIO € SOCIEDADI NO INIcio BO SEeULO XxE thy esta escolhe 0 lugar para se instalar e negocia a introdugio, nesse lugar, de ainda "a fard dele um espago ainda mais condigh se cuja preset ativo. ssa busca de lugares produtivos pelas empresas globais, isto é, essa guerra Hlolul dos lugares, pode ter consegtiéneias sobre niveis escalares inferiores. ‘Considerado assim tal processo, a existéncia das empresas sobre um dado leiitGrio acaba por ser algo que, ao mesmo tempo, é resultado ¢ causa de ‘una disputa por posigies hierérquicas, cabendo is empresas mais poderosas « proferéneia pelos lugares mais rentiveis, enquanto as demais devem ser ‘eleyadas a posigdes menos produtivas. Vale a pena, todavia, considerar que + exighncias de produtividade espacial nao sio as mesmas para diversos pro- os, de tal maneira que um lugar pode ser Stimo para o produto A e ape~ nay bom, regular ou mesino ruim para os produtos B, C ou D. Desse ponto de vista, cada lugar, como cada regio, deve ser considerado lum verdadeiro tecido no qual as condigdes locais de infra-estrutura, recure ‘1s hunanos, fiscalidade, organizagio sindlical, forga reivindicatéria afastam ‘ou atraem atividades em dado momento. Outro dado a se levar em conta ¢ obrigatoriamente a dinimica presente ‘em ada lugar, jé que as situagdes, sobretudo em tempos de globalizagio, no io estiveis, variando tanto mais e com maior freqiiéneia na mesma medida «1m que 0 contexto das atividades presentes, isto é,a sua escala, é mais amplo. B.A ulagdo desnecessaria Herdamos da literatura marxista a idéia de produgio necesséria e de pro- slugio desnecessiria, isto éa producio euja presenga é eapaz de assegurar © ben-estar das populagses, em confronto com outra produgio, destinada & ‘sportagio, Esse tema pode ser visto segundo um eritério moral: a produgio hevessiria seria a que ajuda a populacio a subsistir e a se desenvolver, en- «punto a produgio desnecesséria seria no apenas excedente, mas também eseessiva, acarretando para a socicdade tnt duus desnecessitio. Piopomos considerar que, da mestna maneira, haveria uma circulagio € mibio necessarios contivmtinde cons sua eirculagio e um inter a MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA cimbio desnecessérios, que seriam redundantes eteriam um custo social, Por ento de infia-estruturas de custo pesado ¢ a mobi- lizagdo de vefculos e servigos para assegurar tal circulagao e tal intercimbio, exemplo, 0 estabele quando nfo incidem sobre o bem-estar geral da populaeio, constituiriam uma carga para a sociedade como um todo, reduzindo-Ihe as possibilidades efetie vas de ampliagio do seu bem-estar. Jase vé, por af, que estamos discutindo a questdo da importincia do mer- ado interno na ampliagio do bem-estar das populagSes de paises pobres, em contraposigio & predicagio da exportagio como solugio necessiria, Poder-se~ ia entio, quando este tiltimo caso 0 que triunfa, falar nfo apenas de amplia- ‘lo da producio desnecesséria eda circulacio e do intercimbio desnecess ras também da ampliagio e do aprofimdamento de uma divisio do trabalho desnecessiria, A globalizacio acelera este ultimo processo, porque faz parte do seu credo a idéia de que sem exportar é impossivel modernizar-se e participar plenamente. De fato, o que resulta na pritica € vit6ria de uma ldgica econd- mica a despeito das distorgées de ordem social que possa acarretar. A conse- iiente divisio do trabalho passa a ser comandada de fora do interesse social Em seu conjunto, os respectivos processos trazem importantes conse~ ailéncias para 0 funcionamento do espaco € sua estruturagio, assim como para a retroagio do proprio espago sobre a sociedad e a econom 9. A instabilidade do territério A instabilidade do territério é uma das conseqiigncias dos processos aci~ mma descritos e deve sua origem 3 propria turbuléncia do mercado global. Tal instabilidade marca as relagdes da empresa com o seu entomo, isto com outras empresas, as instituigdes e o proprio territ6rio, jé que existe uma con= ‘ina necessidade de readaptagio 20 mercado ea0 entorno, Cria-seassim uma permanente produgio de desordem, que a cada momento ¢ diferente da de- sordem precedente eda desordem seguinte. O fato de atualmentea atividade corporativa se realizar por intermédio de empresas-rede acaba por influen- ciara totalidade ou partes significativas do territorio, por meio das redes das infra-estruturas e de informagio e comunicagio. 298 © BRASIL: TERRITORIO E SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO xx! Podle-se pensar que se trata apenas de um momento de répida evolugio slo territ6rio, ou 6 de instabilidade mesmo que se trata? O resultado ja sabi- » & que,a partir de sua origem exégena, as fragdes do territério assim atin silas acabam por manifestar uma verdadeira crise de identidade. 10. Especializacées alienigenas alienadas Com a globalizagio e as exigéncias feitas pelo mercado global, algumas Areas do pats acabam por se consagrar a atividades mais competitivas, ligadas 0 exportagio, seja na agricultura, na indsistria ou ainda nas atividades- auporte, indispensiveis a0 circuito total da produgio. Gragas & cognoscibilidade do planeta, jé mencionada, algumas regides sio reconhecidas como as mais aptas para o exercicio de determinadas produgSes. As condig6es nelas presentes, ou que podem ser adrede introduzidas, favore~ tuma rentabilidade maior a tal ou qual atividade ou produto, recomen- do a instalagio das respectivas empresas mais exigentes de produtividade. nv outras palavras, algunas zonas mais propicias para sediar atividades de nivel global se tornam auténticos espacos da globalizacéo, Como as exigencias pro- dutivas sio diferentes segundo os produtos,a expressio espago da globalizacio xba por ser genérica. Na verdade, essas areas constituem os espagos de elei- gio global para certos produtos, E por isso que ha uma tendéncia a agregagio Inga, erianda, dle arividades similares on complementares sobre tim mecmn verttadeiras especializagdes produtivas, seja no campo, com novos lengSis agrt- colasglobalizados, monoprodutores ou no, seja nas cidades consagradasa certo tipo de produgio industrial ou a um conjunto de produgdes. ‘Talagregacio tem efeitos econémicos importantes. Em primeiro lugar, a nulagio de atividades semelhantes ou complementares numa area cria ssa espécie de efeito de massa, uma nova economia de escala que acaba por reduziros custos globais e individuais. Em segundo lugar, a proximidade entre to de vizinhanga que implica facilitar a difusio ificas nio apenas ligadas aos processos mas in- cionamento do mereado, o que represen idles produz um e' dle informagdes gerais ¢ esp jressandlo tambén a0 proprio yportaute vantage eomparativa, ao MILTON SANTOS & Mania LAURA sivEIRA Esses dois primeiros conjuntos de vantagens criam outros, relacionados possibilidade de implantacZo, sustentagio desenvolvimento de servigos especializados locais. Cada atividade constitu, no conjunto, um processo para as demais, um clo importante no sistema produtivo eriado em determinado lugar ou rea, constituindo a base socioespacial sobre a qual assenta uma determinada equa- ‘so de emprego, uma determinada massa salarial, um determinado ritmo das atividades, um determinado movimento dos agentes, dos prodiutos, das mer- cadorias, do dinheiro e da informagio, uma determinada estrutura de ordens eum determinado sistema de poder fundado na economia e na politica. Tra- ta-se de um verdadeiro sistema coerente, cuja base é espacial, Assim, numa equena érea pode haver actimulo de relagSes que se sustentam mutuamen- te € tendem a criagio de um produto econémico importante se comparado. ‘com outras éreas do pafs, levando-se em conta a superficie ocupada ea po- pulacio concernida, ‘This Areas se caracterizam também pelo fato de boa parte da produgio ‘que realizam destinar-se a ser consumida cm outros lugares, tanto no pats como no estrangeiro. Paralelamente, uma parte importante dos insumos intelectuais,financei- 08, técnicos ¢ politicos que asseguram o alto nivel da produgio local tam- bbém tem origem externa em relacio a érea de produgio direta, uma origem freqiientemente distante, A velha nogio marxista que opie uma tendéncia 3 reducio da arena da produgio e & expansio da respectiva frea de realizagio aplica-se amplamente aqui. Todas essas vantagens comparativas que exaltam os indices econdmicos obtidos devem, pois, ser contrastadas com o fato de a coeréncia e, 3s vezes, 0 brilho das atividades locais constituirem uma coeréncia subordinada, depen dence de entidades estranhas érea ¢ enjo processo obedece a mandamentos ‘que nio tém nem inspiragio local nem preocupacio com os destinos locais. (exceto naquilo que corresponde ao seu interesse privativista e imediato), de modo que o proceso de crescimento realizado no lugar pode ser definido ‘como um processo alienado, o que autoriza a considerar taisatividades como cespecializages no apenas alienfgenas, por sua origem, mas alienadas, pelo seu desenvolvimento ¢ di no, Nesse easo, nfo se trata apenas de uma 300 UFPE. CFCH BIBLIOTE7A SETORIAL © ORASIL: TERRITORIO E SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO Xx! eteriorizagio ou abertura — como parece da moda atualmente —, mas de verdadcira alienagio, Na realidade, de um conjunto de alienagSes que se (tata, cada qual atraindo e alimentando a outra. 11. As desarticulagées resultantes O fato de 0 territério ser teatro de especializagées alienadas, de uma superposicio de contextos entre agentes de diferente forga e de ser também » apenas o teatro de divisdes de trabalho superpostas mas de uma guerra lobal entre empresas ¢ lugares permite sugerir que o territério é também objeto de desarticulagies. Sem divida, as complementaridades entre empresas com diferente nivel ule poder eriam articulagées entre elas. No entanto, como cada empresa ne- ccessita de um “espago” proprio para a acio, resultante das suas necessidades ile produgio, circulagdo € consumo, pode-se admitir que entre os respecti~ ‘vos “espagos” existe uma verdadeira desarticulagio, na medida em que essas «diferentes topologias se sujeitam a Iigicas diferentes ¢ nio raro opostas, a0 sos parcialmente. 12. Desvalorizagées e revalorizagées do territério ‘As mesmas razSes que conduzem as desarticulagSes Jevam também a constantes desvalorizagbes ¢ revalorizagSes do territério. O territério € uno, o que significa que o seu movimento € solidério. Desse modo, desvalorizagdes e revalorizagées obedecem a uma mesma I6- nwa. Dir-se-ia que certas fragies do territ6rio aumentam de valor em dado nomento, enequanto outras, 20 mesmo tempo e por via de conseqiiéncia, we desvalorizam, Como, todavia, definir esse valor? © territério pode valorizar-se em dado mento para o exercicio de certo nivel de capital e tornar-se, paralelamen- ode uma fragio do ia segundo 0 tipo de ens. De fi os valioso para os hi tuubéu diferentemente aproveit >, a constitu tevitério pode MILIOM SANTOS € MARIA LAURA SILVEIRA produto. Em outras palavras, para 0 produto A o territério se valoriza, en- quanto para o produto B ele se valoriza menos ou se desvaloriza. Trata-se, pois, de um valor relativo e nio absoluto, e que por isso exige qualificagio, adjetivagio. O exercicio intelectual correspondente tem apenas a vantagem de lembrar como, em qualquer momento — mas sobretudo em condigies de globalizagio —, o territério é sensivel, nervoso € objeto de numerosas mudangas de contetido. 13. Neoliberalismo e uso do territério Aprética do ncoliberalisimo acarreta mudangas importantes na utilizagio do territétio, tornando esse uso mais seletivo do que antes ¢ punindo, assim, 4s populagdes mais pobres, mais isoladas, mais dispersas e mais distantes dos grandes centros ¢ dos centros produtivos. © neoliberalismo conduz.a uma seletividade maior na distribuigio geo- gtifica dos provedores de bens ¢ de servigos, levados pelo império da competitividade a buscar, sob pena de seu proprio enfraquecimento, as loca lizagdes mais favoréveis. A tendéncia 3 concentragio econdmica agrava essa tendéncia, Desse modo a acumulagio, em certos pontos, das respectivas ati- vidades pode conduzir a maiores dificuldades quanto ao acesso aos respecti~ ‘vos produtos, sejam eles bens ou servigos. Que pensar, por exemplo, de uma educagio privatizada, em que o efeito de escala leva a uma utilizagio melhor tanto das infra-estrucuras educacionais como da mio-de-obra docente? A mesma indagagéo pode ser feita quanto a produgio da satide, Pensemos tam= bém numa atividade dos correios estritamente bascada na necessidade de lucro competitive. Acrescentem-se 4 mecanica acima descrita as possibilidades de seu aprofundamento com mais concentragio da atividade em mios de um nii= mero reduzido de empresas, eapazes assim de impor pregos altos e qualida- de menor, além de um acesso mais dificil. Devemos admitir, desse modo e como conseqiiéncia das priticas neoliberais, que se produzem “vazios de consumo”, Estes tendlem a ser tanto mais numerosos e vastos quanto mais sens{veis sfo os produtos e servigos. 302 © BRASIL: TRKIIOHIO L SociCDADE NO INICIO DO SécULO XXE Essa dindmica do territsrio pode conduzie 4 ampliagio do éxodo rural e do éxodo urbano ea mais concentracZo nas grandes cidades, ainda que possa ovorrer certa redistribuicio do fato metropolitano, como parece ser © ¢280 lo Brasil. Tais exemplos permitem acrescentar uma pergunta: qual é 0 nove con tciido explosivo do territério hoje? 14. Forgas centrifugas e centripetas hoje ‘Como em todos os tempos, mas sobretudo depois que se estabelece uma Kigica unitéria sobre o territério, agem paralelamente sobre ele forcas de concentragio e (Forgas) de dispersdo. Pode-se também falar em forcas cen- tvifugas ¢ centripetas. O territ6rio tende a funcionar dentro de um modelo Ue sistoles e difstoles, um modelo combinado segundo o qual alguns dos seus pontos tendem a reunir recursos e forgas, levando a fendmenos aglo- ‘merativos, enquanto em outras partes €o contrério que se verifica. Entre esses casos extremos, hd toda uma gama de situagGes intermedidrias, E assim que sw estabelecem, no mapa de um pais ou de uma regio, hierarquias estatisti= case funcionais, juntamente com reas de densidade e rarefagio ¢ com man~ chas mais ou menos dinémicas. Cada época produz as suas forgas de concentracio € de dispersio, que univ podem ser confi ‘ores, Tal arquitetura vai depender da utilizacio combinada de condi Genicas e de condigdes politicas. Na época atual, o Estado neoliberal, junto coma difisio do sistema téenico comandado pelas técnicas informacionais, ria uma modalidade de centrifuguismo e centripetismo ainda uma vezcom- Imados. De um lado (0 que é diferente dos periodos anteriores), as ativida- «les modernas tendem a se dispersar em funcio das virtualidades oferecidas ns subespagos, distantes dos centros estabelecidos mas cobigados pelas gran- «ley empresas. Por outro lado, hi uma concentragio de comando. Como. vinios, 0 comando téenico das operagces prodativas pode ser relativamente disperso, rel wdidas com aquelas caracteristicas dos momentos ante Mas © comando propriamente politico, que MILTON SANTOS € MARIA LAURA SILVEIRA financeira, informacional, tende a se concentrar em um nimero menor de lugares, sendo que no Brasil esse papel 6 realizado sobretudo por Sio Paulo. Brasilia pode criaras grandes normas impulsionadoras ot limitadoras da agio, ‘mas 0 uso dessas normas esti subordinado ao interesse dos agentes mais poderosos. Em outras palavras, sendo o papelativo da regulagio ligado, como 6 a acio, confere ao lugar que decide dos investimentos e de sua modulagio a capacidade de promover uma historia da concentragio e da dispersio. Nas condigdes do mundo atual, o papel das finangas internacionais, decididas como estio a submeter as moedas nacionais, também representa ‘um papel central no jogo acima mencionado. O comportamento do sistema financeiro acaba por ter influéncia decisiva sobre a dinamica da economia na medida em que alguns “dinheiros” sio privilegiados, enquanto outros sio negligenciados, arrastando uns ¢ outros as atividades correspondentes € os lugares onde se situam. ‘Outro papel ser levado em conta éo da tendéncia a fusio das empre- sas, jf que esse fendmeno leva a uma reducio do ndimero de pélos deci- sGrios, a uma concentracio maior dos vetores de comando c, com essa concentrizacio, a uma rigidez maior nas relagSes entreas reas pobarizadoras ¢ reas polarizadas. Na medida em que as fuses de empresas tendem a ampliar a presenga de capitais e de firmas globais no territ6rio, avolumam-se, a0 mesmo tempo, desequilibrios, juntamente com as novas formas de manifestagio de cresci- mento do setor externo da economia, em detrimento do sector interno. A orientagio, hoje vitoriosa, no sentido de dar grande importincia & atividade de exportagio, anunciada como solugio indispensivel para o equi- librio das contas nacionais, juntamente com a preocupagio relativa 3 luta contra a inflagio e que leva a uma necessidade de importar mais os bens necessérios ao consumo, nao apenas das empresas mas também da popula- cio, acaba por ampliar o mencionado desequilibrio entre setor externo setor interno. Esse modelo leva a dois tipos de distorgao. De um lado, as empresas de menor poder de concorréncia e portadoras de légicas propriamente territoriais tornam-se mais vulnerdveis ¢, de outro, as empresas com I6- gicas extravertidas ampliam a sua participagio no mercado interno. De 304 (© BRASIL: TERRII6iIO E SOCIEOADE No INicto DO SéCULO xx! certa forma, pode-se dizer que surge uma espécie de modelo externo para o setor interno, Esse modelo est tanto mais presente quanto mais o mercado interno passa «ser objeto de uma preocupacio residual. O abandono das preocupagées com » mercado interno aparece como a tinica opgio para uma participagio no iiereado dito global e o resultado &, freqitentemente, a recessio, 0 desem- prego © o empobrecimento das populagics. Os fenémenos acima mencionados estao estreitamente relacionados com. afastamento do Estado da elaboragio de politicas industriais e de outras politicas produtivas, assim como de politicas de interesse social. O proprio Lato da globalizagio e a subordinagao ao mercado dito global, coriferindo um uuovo papel a0 mercado, pode ser apontado como uma das causas do dese ibrio do pacto federativo, jé que a Uniio precisa reunir forgas mais con- radas e macigas para operacionalizar a economia globalizada. Isso tem tum prego, que € 0 seguinte: para fazé-lo, tanto a nagio quanto o territério «lever ser desconsiderados, enquanto o proprio Estado renuncia as fungoes deregulagio social e privilegia o seu papel de suporte da expansio das logicas monetaristas. Tal evolugio leva, como no caso brasileiro, a uma verdadeira supressio do discurso territorial na retérica do Estado e a desconsideragio dos proces- sos espaciais como dado tanto da dinamica da sociedade e da economia quanto «a formulacio de politics piblicas. ‘© quadro que estamos buscando retragar nio estaré completo se nio fi xzermos mengio a0 fato dea emergéncia da globalizagio diminuir ainda mais 4 preocupagio com a cidadania, jf que a figura do cidadio quase sempre é confundida com a do consumidor. A cidadania constitui uma forca centripeta, capaz de estar presente em todos os lugares onde se exerce, independentemente do tamanho. O con- sumismo, amparado pela informagio orientada, amplia centrifuguismno na taioria das localidades e conduz a mais concentrizagio (Luiz Navarro de Britto, 1986). Eaassim que 0 conterido politico dos lugares se rarefaz, a0 mesmo tempo que se revela cada vez mais a desnaturalizagio do espago, 0 que amplia, em virtude da exigeneia de abstragio para entendé-Io, a possibilidade de expan MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA sio ¢ aprofundamento de ideologias espaciais distanciadas da realidade vivi- da pelas populagées. Tudo isso contribui para que se afirmem racionalidades alienigenas e alienadas, cuja difiusio ¢ facilitada por uma superposigio, em cada lugar, de ambitos ¢ contextos de expressio diferente. Trata-se, na verda~ de, de outra forma de reconhecer a oposigio entre o que é, até certo ponto, irredutivel e 0 que é fluido ou que, até certo ponto, se deixa dissolver. As forcas centrifgas constituem, em cada lugar, um dado do exercfcio da flui- dez, a0 contririo do centripetisino, inclusive a cidadania, situacio que é ca- paz de facilitar a eclosio da vontade de entendimento das situagScs e de ampliagio da conseiéneia. 15. A racionalidade do espaco: da solidariedade organica a solidariedade organizacional Pode-se falar ein racionalidade do espago? Essa expressio cabe a certas fragdes do territ6rio cujas condigdes materiais e politicas permitem uin uso considerado produtivo pelos atores econdmicos, sociais, culeurais ¢ politicos dotados de racionalidade, Na realidade, o que estamos chamando de racio- nalidade do espaco vem, em dltima instincia, das ages que sobre ele se rea lizam mas tal possibilidade somente se perfaz quando o proprio territério oferece as condigdes necessérias. Pode-se, de modo geral, dizer que nas condigées hist6ricas atuais 0 meio ‘€enico-cientifico-informacional, eja como 4rea continua, mancha ou pon- to, constitui esse espaco da racionalidade e da globalizagio. A servigo de gran- des empresas privadas, territ6rio nacional conhece, em certos lugares, uma acdequuagio técnica e politica que permite a tais empresas tuma produtividade eum lucro maiores, Em diltima anilise, trata-se de uma racionalidade priva~ da obtida com recursos pablicos. Em outras palavras, tal racionalidade re~ presenta sempre uma drenagem de recursos sociais para a esfera do setor privado, A solidariedade orginica resulta de uma interdependéncia entre agdes e atores que emana da sua existencia no lugar. Na realidade, ela ¢ fruto do pré- prio dinarnismo de atividades cuja definigio se deveao préprio lugar enquanto 306 (© BUASIL: TERHITORIO € SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO xx! \rio usado, £ em fimngio dessa solidariedade orginica que as situagées tombeccns uma evolugio ¢ reconstrugio locais relativamente autOnomas e apontando para um destino comum |‘ a solidariedade organizacional supde uma interdependéncia até certo [pity mecinica, produto de normas presididas por interesses de modo geral iereantis, mutiveis em fungio de fatores do mercado. Neste iiltimo caso, 1s “oryanizadores” prosperam a custa da solidariedade interna e, freqiien- ten tc, também a custa da solidariedade no sentido ético. Em ambos os ‘asus solidariedade organizacional é paralela a produgio de uma raciona~ Intute que nao interessa a maior parte das empresas nem da populagio. aw

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