Professional Documents
Culture Documents
arquitetura neocolonial na
Semana de Arte Moderna de 1922
Carlos Kesscl
Int,.oduçiiO
110
Vallguarda efêmera
111
estudos lristóricos .2002 - 30
112
Vanguarda efomera
tismo (...) um tanto de reação nacionalista (...) um fone anseio por restabelecer a
perdida harmonia no mundo da nossa arquitemra". Esta, na sua opinião, havia
chegado a "uma confusão babélica ( ...) verdadeira mascarada" (Lino, 1933: 110).
Quanto a Ricardo Severo, encarregou-se do projeto e construção de uma
residência destinada à sua própria moradia na cidade do Porto, erguida na antiga
rua do Conde (hoje rua Ricardo Severo), que define bem o que se pode depreender
da sua tímida atividade como arquiteto, nesse interregno português, revelando
que tipo de respostas ele estava disposro a dar, diante dos questionamentos que
se apresentavam: enfrentar os novos programas, os novos materiais e as novas
técnicas armado da tradição vernacular, cooptando e adaptando soluções nativas
e privilegiando a opção pragmática, liltrando as novidades pelo prisma do
sentimento nacional e encontrando um caminho que acomoda, de forma muito
própria, expressões de modernidade e identidade. Raul Lino continuaria a seguir
essa senda em Portugal, notabilizando-se depois como o expoente de um
movimento batizado justamente como "Casa Portuguesa". Qualllo a Ricardo
Severo, a trajetória é interrompida pela necessidade de voltar ao Brasil, por
motivos financeiros.
Voltando a São Paulo, associa-se a Ramos de Azevedo, e passa a ocupar
lugar de destaque no gerenciamento das obras da sua firma. Era uma cidade muito
diferente da que ele havia deixado. O processo de crescimento urbano, dire
tamente ligado à prosperidade crescente da atividade econômica que girava em
torno da cafeicultura, havia se acelerado. São Paulo assumira definitivamente o
papel de centro industrial, financeiro e comercial, ligado ao porto de Santos e às
regiões agrícolas por estradas de ferro eletrificadas, e contava com uma infra
estrutura de serviços - água canalizada, esgotos, iluminação e transportes públi
cos - que tinha como modelo as grandes capitais européias.
O crescimento populacional, em grande parte decorrente da imigração
italiana e porruguesa (entre 1884 e 1914, aproximadamente um milhão de
imigrantes chegariam ao estado), havia gerado uma demanda progressiva por
novas moradias, que abrigavam desde o proletariado industrial crescente at� os
aristocratas do café, passando pela burguesia comercial. A isso se somava um ciclo
de construções monumentais encomendadas pelo setor público, afinado com os
interesses das elites cafeeiras, que procuravam moldar a cidade de acordo com os
preceitos de salubridade e bom gosto importados do velho mundo.
,
113
__ estudos
____ his.!óricos e 2002 - 30
com os clientes, era a versatilidade para atender ao gosto dos responsáveis pelas
encomendas sem comprometer a eficiência no atendimento dos programas.
A firma contava com a mão-de-obra especializada egressa do Liceu de
Artes e Ofícios e da Escola Politécnica; o próprio Ramos, que dirigia o Liceu,
ensinava na Politécnica e participava de diversos empreendimentos - uma firma
de importação de material de construção, uma serraria, uma fábrica de tijolos e
telhas prensadas, outra de esquadrias, uma companhia imobiliária, bancos e
estradas de ferro - tendo assumido cada vez mais um papel de gerência, deixando
progressivamente de se encarregar dos projetos. Estes ficaram a cargo de uma
equipe de desenhistas, colaboradores e engenheiros, e embora em certos casos
tenha sido possível estabelecer autorias individuais, os grandes empreendimen
tos levavam a assinatura do escritório (Haskel e Gama, 1998: 22).
A par da atividade profissional, como engenheiro associado da firma e
responsável pelo andamento de diversos projetos, Ricardo Severo participava da
concorrida vida intelectual da emigração portuguesa, proferindo palestras e
conferências em centros e clubes, tratando de temas históricos e políticos. Sua
atuação não se limitava aos círculos de conterrâneos ( foi um dos fundadores do
Centro Repubhcano Português de São Paulo, em 1908), estendendo-se pelas
redes sociais e institucionais das elites paulistanas. Em 1911, tomava posse no
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, proferindo um discurso intitulado
"Culto à tradição", em que se lastimava
114
VaI/guarda efêmera
Ao concluir a conferência, Severo pede aos ouvintes que não vejam nas
suas palavras uma "manifestação de 'saudosismo' romântico e retrógrado". Suas
palavras de despedida encerram um apelo que tem o sentido de diferenciar a
ocasiao de uma simples palestra para ilustração dos amantes da arte, consti
tuindo-se num programa de ação:
1/5
estudos históricos. 2002 - 30
nosso passado e no qual terá que prosseguir o nosso futuro ( ...). E ne-
cessário, pois, que os jovens arquitetos nacionais dêem princípio a uma
nova era de RENASCENÇA BRASILEIRA; a eles ofereço esta lição
inicial. Examinai todas as coisas - disse São Paulo, bendito patrono desta
terra, em uma de suas epístolas - e aproveitai o que é Bom.
Saindo da conferência, os assistentes não precisavam ir muito longe para
se deparar com a paisagem condenada pelo expositor. Os paulistanos viviam, em
julho de 1914, o apogeu da indústria de construções, que logo entraria em crise
diante das restrições à importação de material causada pela guerra (Lemos, 1985:
164)-, e a convivência cotidiana com manifestações diversificadas, que evocavam
a arquitetura gótica, renascentista, neoclássica, mourisca, assíria; e ainda com o
art 1l01lVeall, o floreaI, o normando etc. Os responsáveis eram profissionais
formados majoritariamente no Liceu de Artes e Ofícios e o grande contingente
de pintores, estucadores, escultores, pedreiros e arquiteloS estrangeiros - espe
cialmente italianos - que, vindos na onda da imigração, aplicaram sua formação
e conhecimentos técnicos para dotar as casas e sobrados da capital dos sinais de
pertença à cultura civilizada.
Os primeiros profissionais a trabalharem no sentido da exortação con
tida no encerramento da conferência de Ricardo Severo aos jovens arquitetos
naciollais não eram assim tão jovens e nem nacionais. Chamavam-se Georg
Przyrembel e Victor Dubugras e eram nalUrais, respectivamente, da Polônia e da
França. O primeiro havia nascido em 1885 e tinha se educado na Alemanha,
chegando a São Paulo pouco antes da eclosão da Primeira Guerra, contratado
para dirigir as obras de reforma do Convento de S. Bento. Przyrembel projetou
uma residência para Odon Cardoso na rua Mome Alegre, em São Paulo, em 1916,
e outra para Heládio Capote Valente, na praia Grande, local de veraneio dos
paulistanos de então, ambas incorporando diversos traços da arquitetura tradi
cional brasileira (Lemos, 1985: 164).
O movimento em prol da revalorização da arquitetura tradicional bene
ficiou-se enormemente, em São Paulo, da simpatia do prefeito Washington Luís.
Há registros de uma excursão que, acompanhado de Victor Dubugras (que
aparece numa fOlO fazendo anolações), empreendeu à antiquíssima Casa do Padre
Inácio, em Cana. A excursão foi noticiada na revisraA Cigarra de março de 1916,
e novamente comentada no número do mês seguinte. A presença e o engajamento
do prefeito foram assinalados e acompanhados de elogios à atuação pioneira de
Ricardo Severo, que assinou o primeiro artigo e definiu a campanha como "o
116
VrUlguarrfa cjêmera
117
�___
estlldos históricos. 2002 - 30
118
Vanguarda efêmera
119
estlldos histólÍcos • 2002 - 30
mlSSlOnanos )eSUllas.
" .
-
Oferecendo aos crês primeiros classificados prêmios no valor de, respec
tivamente, um conto e quinhentos mil réis, um conlO de réis e quinhemos mil
réis, o regulamento determinava que os projetos concorrentes seriam expostos e
selecionados durante a exposiçao organizada anualmente pela Escola Nacional
de Belas Artes em suas dependências. Em suma, o que era oferecido aos partici
pantes era um conjunto de atrativos: prêmios em dinheiro, prestígio e visibili
dade num dos mais importantes eventos da vida cultural e arústica da capital do
paIs.
-
120
Vallguarda efêmera
/21
- ------
estudos Izistóricos
--����� ������
• 2002 - 30
•
122
VnlJgrtardn cftme rn
Modcmidade questionada
123
_____ .cs
" ",
, t."
lI,rIos
-,",--,-,-
, "!"
i s=
t6ricos • 2002 -
12
124
Vallguarda efêmera
A partir daí, esse novo modernismo vai ganhar uma expressão concreta
com as escolas construídas pelo prefeito Pedro Ernesto, a sede do Ministério da
Educação e o prédio da ABT, no Rio de Janeiro, o edifício Esther, em São Paulo,
e muitas outras iniciativas (Segawa, 1999). O neocolonial, defendido insistente
mente por José Marianno, foi repetidamente derrotado nessa guerra de posições
(Williams, 2001) e finalmente alijado da posição de vanguarda que ocupava em
1922. Estigmatizado como "pastiche" e como vertente abrasileirada do ecletismo,
embora ainda continuasse inspirando alguns arquitetos e agradando o gosto dos
clientes, passou a simbolizar o passadismo academicista que tanto combatera em
sua j liventude.
Crítica rctroatil'a
125
·
--
__ -,"" tl",
cs..., ""os históricos . 2002
/d - 30
126
Vfll/gllartla cfêmcra
N o tns
1. As informações que se seguem sobre o 3. JeITo Roxa c Outras Terras, São Paulo,
prêmio foram extraídas da Revista 17.9.1 926.
Architectura 110 Brasil, ano t, n. I, outubro 4. A rchitecm ra .«cusano de Ane, ano 1, n.
de 192 1 . 6, novembro de 1929, p. 33.
AMARAL, Aracy. 1970. /ll1cs plásticas "a 95-103; 11. 52, p.289-93; o. 54, p.
Semana de 22. São Paulo, Perspectiva. 102-11.)
---.. 1976. Taxi e crônicas 110 Diário BRUAND, Yves. 198 1 . A rquitelllra
Naciollal. Organização de Telê Porro contemporânea no Brasil, São Paulo,
Ancona Lopez. São Paulo, Duas Perspectiva.
Cidades/Secretaria da Cultura, Ciência
CHIARELLI, Tadeu. 1995. Um jeca ,ws
e Tecnologia.
vemissages: Monteiro ÚJbato e o desejo de
---.. s.d. "A arte religiosa no Brasil", uma ane naciona/ no Brasil. São Paulo,
Revista do Brasil (n. 49, p. 5-1 1 ; n. 50, p. '.ed.
127
estudos históricos . 2002 - 30
DE LUCA, Tânia Regina. 1999. A Revista MOTTA, Marl)' Silva da. 1992. A uação
do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. faz 100 allos: a qUEStão lIacional ,w
São Paulo, Unesp. cemc/lário da independência, Rio de
Janeiro, CPDOC-FGV.
GONÇALVES, Ana Maria do Carmo
Rossi. 1977.A obra de Ricardo SevelV. PAIM, Gilberto. 2000.A beleza sob
Trabalho de graduação interdisciplinar. slIspeilll: o ornamento em Rltskitl, Uoyd
São Paulo, FAU/USE IlYnglll, LO(Js, Lc embusier e uutrV)', Rio
GUIMARAENS, Ceça de. 1996. Lucio de Janeiro, Jorge Zahar,
Costa: um ceno arquiteto em illCC110 c SANTOS, Afonso Carlos Marques dos.
secular roreiro. Rio de Janeiro, Relume 1983. O Roi deJaneiro de Lima Ban'clO,
Dumad/Rioarte. Rio de Janeiro, Rioarte, 2 vals,
GUL\iARAE S, Alborto Neves et alli.
-
Paulo, Edusp.
MARIANNO FlLHO, José. 1943. .1
•
128