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Outubro, 2002
Talvez, algum dia, eu tenha os meus próprios filhos. Espero que sim. Se
os tiver, provavelmente eles perguntarão que papel tive no movimento que mudou o
mundo. E porque não sou a pessoa que era certa vez, eu lhes direi a verdade. Meu papel
foi nada. Eu não fiz nada. Fui somente o cara no canto tomando notas.
Meu nome é Chris Chandler e sou um repórter investigativo. Ou pelo menos
era. Até que descobri que ações têm conseqüências, e nem tudo está sob meu controle.
Até que descobri que não conseguiria mudar o mundo afinal, mas um garoto
aparentemente comum de doze anos poderia mudar o mundo completamente – para
melhor, e para sempre – trabalhando com nada exceto seu próprio altruísmo, uma boa
idéia e um par de anos. E um enorme sacrifício.
E um pingo de publicidade. Foi onde eu entrei. Posso contar-lhes como tudo
começou. Começou com um professor que se mudou para Atascadero, Califórnia, para
ensinar estudos sociais a alunos de uma escola secundaria. Um professor que ninguém
conheceu muito bem, porque não conseguiam olhar para além de seu rosto.
Começou com um garoto que não parecia tão notável por fora, mas conseguia
ver além do rosto de seu professor. Começou com uma tarefa que este professor havia
passado uma centena de vezes antes sem nenhum resultado surpreendente. Mas,
aquela tarefa nas mãos daquele garoto, motivou uma semente a ser plantada e depois
daquilo nada no mundo voltaria a ser o mesmo. E nem ninguém queria que fosse.
E eu posso lhes dizer o que se tornou. De fato, contar-lhes-ei uma estória que
irá ajudá-los a entender como se tornou grande.
Há cerca de uma semana atrás, meu carro falhou num cruzamento
movimentado e não voltaria a funcionar não importa quantas vezes eu tentasse. Era
hora do rush, pensei estar com pressa. Achava que tinha algo importante para fazer, e
não poderia esperar. Então, lá estava eu no meio do cruzamento olhando por sobre o
capô, o que era um esforço inútil porque eu não sei consertar carros. O que vocês
acham que eu vi? Estava esperando por isso. Era um carro velho. Melhor que morresse.
Um homem se aproximou por trás de mim, um estranho. “Vamos para o
acostamento,” ele disse. “Aqui, vou ajudá-lo a empurrar.” Quando conseguimos – e nos
conduzimos – em segurança, ele me deu as chaves de seu carro. Um belo Acura
prateado, mal tinha dois anos. “Pode ficar com o meu,” disse. “Vamos trocar.”
Ele não me deu o carro como empréstimo. Ele me deu como um presente.
Pegou meu endereço, então poderia mandar o título. E ele mandou; acabou de chegar
hoje. “Um grande lote de generosidade entrou tarde em minha vida,” dizia o bilhete,
“então, senti que poderia pegar seu carro velho e usá-lo como uma troca. Posso muito
bem dar algo novo, então, porque não dar algo tão bom quanto o que eu recebi?”
Foi nisto que o mundo se transformou. Não, de fato, é mais. Tornou-se muito
mais do que isso. Não é apenas o tipo de mundo em que um completo estranho lhe dá o
próprio carro como presente. É o tipo de mundo que, no dia em que recebi aquele
presente, não foi dramaticamente diferente de todos os outros dias. Tal generosidade
tornou-se o modo como as coisas são. Tornou-se comum.
E então, eu entendo disso o suficiente para relatar: começou como uma tarefa
valendo crédito extra para uma classe de estudos sociais, e tornou-se um mundo onde
ninguém passa fome, ninguém sente frio, ninguém está sem um emprego, uma carona
ou um empréstimo. E ainda assim, de início, as pessoas precisavam saber mais. De
alguma forma, não era suficiente que um garoto que mal entrara na adolescência fosse
capaz de mudar o mundo. De algum modo, tinham que saber por que o mundo poderia
mudar somente naquele momento, por que não poderia ter mudado antes, o que Trevor
trouxera e por que era aquilo que o momento exigia. E isto, infelizmente, é a parte que
eu não consigo explicar.
Eu estava lá. A cada passo do caminho, eu estava lá. Mas era uma pessoa
diferente até então. Estava olhando em todos os lugares errados. Pensei que era
somente uma estória, e a estória era tudo que importava. Eu me importava com Trevor,
mas no momento em que me importei o suficiente com ele, já era tarde demais. Pensei
que me importava com meu trabalho, mas não sabia o que realmente poderia significar
até que estivesse acabado. Eu quis fazer muito dinheiro. Eu fiz muito dinheiro. Doei
tudo. Não sabia quem eu era até então, mas agora sei quem sou.
Trevor me mudou também. Achei que Reuben teria as respostas. Reuben St.
Clair, o professor que começou tudo. Ele era o mais próximo de Trevor do que qualquer
um exceto talvez pela mãe de Trevor, Arlene. E Reuben estava olhando em todos os
lugares certos, eu acho. E acredito que estava prestando atenção.
Então, depois do fato, quando era meu serviço escrever livros a respeito do
movimento, fiz duas importantes perguntas a Reuben. “O que havia a respeito de
Trevor que o fazia diferente?”, perguntei.
Reuben pensou cuidadosamente e então disse: “A coisa a respeito de Trevor foi
que ele era apenas como qualquer outro, exceto pela parte dele que não era.”
Nem mesmo perguntei que parte era. Estou aprendendo.
Então, perguntei: “Quando você passou aquela agora famosa tarefa pela
primeira vez, você pensou que um de seus alunos iria de fato mudar o mundo?”
E Reuben replicou: “Não, eu pensei que todos mudariam. Mas talvez em escalas
menores.”
Estou me tornando alguém que faz poucas perguntas. Nem tudo pode ser
dissecado e entendido. Nem tudo tem uma resposta simples. É por isso que não sou
mais repórter. Quando você perde o interesse pelas perguntas, está fora do serviço.
Tudo bem. Não fui tão bom como deveria. Não trouxe nada de especial ao jogo. As
pessoas gradualmente pararam de precisar saber o porquê. Ajustamo-nos rapidamente
às mudanças mesmo que estejamos correndo à beira do abismo, e juremos que nunca
vamos conseguir. Todo mundo gosta de mudanças se é uma mudança para melhor.
Ninguém gosta de estender-se no passado se ele é feio, e tudo está finalmente correndo
bem.
A coisa mais importante que posso acrescentar de minhas próprias observações
é esta: Saber que tudo começou de circunstâncias comuns deveria ser um conforto para
todos nós. Pois isto prova que você não precisa de muito para mudar o mundo inteiro
para melhor. Você pode começar com os ingredientes mais comuns. Você pode começar
com o mundo que tem.
CAPÍTULO 1
REUBEN
Janeiro, 1992
A classe esvaziou-se, para seu alívio, e ele ergueu os olhos para ver um
garoto parado na frente de sua mesa. Um garoto branco, magro, mas com cabelos bem
escuros, possivelmente parte hispânico, que disse: - Oi.
- Olá.
- O que aconteceu com seu rosto?
Reuben sorriu, o que era raro para ele, sendo autoconsciente do efeito desigual.
Ele puxou uma cadeira para que o garoto pudesse se sentar e encará-lo, e fez menção de
convidá-lo, o que este fez sem hesitação.
- Qual é o seu nome?
- Trevor.
- Trevor do quê?
- McKinney. Eu feri seus sentimentos?
- Não, Trevor. Você não feriu.
- Minha mãe diz que eu não deveria perguntar coisas assim porque poderia ferir
sentimentos. Ela diz que você deve agir como se não tivesse notado.
- Bem, o que sua mãe não sabe, Trevor, porque ela nunca esteve em meu lugar, é que
se você age como se não tivesse notado, eu ainda sei que você notou. Então, é estranho
que não possamos conversar a respeito quando ambos estamos pensando a respeito.
Entende o que eu quero dizer?
- Acho que sim. Então, o que aconteceu?
- Fui ferido na guerra.
- No Vietnã?
- Correto.
- Meu pai esteve no Vietnã. Ele diz que foi um inferno.
- Eu tenderia a concordar. Embora tenha estado lá por apenas sete semanas.
- Meu pai ficou lá por dois anos.
- Ele foi ferido?
- Talvez um pouco. Acho que ele feriu o joelho.
- Eu supostamente ficaria por dois anos, mas fui tão ferido que tive que voltar para
casa. Então, de um jeito, tive sorte porque não tive que ficar, e seu pai teve sorte porque
não foi tão ferido. Se você sabe o que eu quero dizer. – O garoto não pareceu tão certo
de ter entendido. – Talvez algum dia eu encontre seu pai. Talvez na noite dos pais.
- Acho que não. Não sabemos onde ele está. O que tem debaixo do tapa-olho?
- Nada.
- Como pode não ter nada?
- É como se nada tivesse estado lá. Quer ver?
- Pode apostar.
Reuben tirou o tapa-olho. Ninguém parecia saber ao certo o que ele queria dizer
com “nada” até que viam. Ninguém parecia estar preparado para o choque do “nada”
onde deveria haver um olho, como qualquer outra pessoa teria. A cabeça do menino
oscilou para trás um pouco e, então, ele assentiu. As crianças eram mais fáceis. Reuben
recolocou o tapa-olho.
- Sinto muito por seu rosto. Mas, você sabe, é só apenas de um lado. O outro lado
parece muito bem.
- Obrigado, Trevor. Acho que você é a primeira pessoa a me oferecer este
cumprimento.
- Bem, te vejo por aí.
- Adeus, Trevor.
Reuben foi até a janela e olhou para o gramado da frente. Observou os alunos
em grupo, conversando e correndo pela grama, até que Trevor apareceu descendo as
escadas. Estava enraizado em Reuben, defender este momento, e ele não poderia
retornar à sua mesa mesmo que tentasse. Não poderia deixar isto escapar. Precisava
saber se Trevor correria até os outros garotos para pavonear-se de sua descoberta. Para
fazer apostas ou contar qualquer estória que Reuben não ouviria, apenas imaginaria de
seu poleiro no segundo andar, seu rosto ruborizando-se às palavras imaginadas. Mas
Trevor passou pelos garotos não dando mais do que um olhar de relance, não parando
para conversar com ninguém.
Estava quase na hora da segunda classe de Reuben chegar. Então, ele teria de
recomeçar, preparar-se para fazer tudo de novo.
Do Diário de Trevor
ARLENE
Ricky nunca voltou para casa exatamente, não como ela pensou que
iria, mas a caminhonete sim. Só que não como ela pensou. Já havia sido cogitado
algumas vezes, o que apenas a fez se sentir pior do que estava. Apenas funcionava.
Bem, era inútil. Uma coisa é funcionar e andar, outra de fato é chegar a algum
lugar. Embora ela odiasse aquela maldita Ford de cabine dupla, que imitava sua
própria condição atual, ela poderia perdoar isto. Potencialmente, poderia. Era o modo
como a mantinha acordada à noite. Especialmente agora quando tivera que pegar um
segundo emprego, no Laser Lounge, para manter os pagamentos em dia. E desde que
era culpa da caminhonete, ela não ter ido para cama até as três, ao menos poderia tê-la
feito dormir. Certamente não estava pedindo muito.
No entanto, lá estava ela novamente na janela, checando o modo como a luz da
lua incidia sobre as formas semi-destruídas do veículo. O modo como o reflexo
prateado batia onde a pintura tinha sido riscada. Somente Ricky poderia destruir uma
caminhonete daquela forma e ir embora. Ao menos explicaria a razão do por que ele
fora embora, visto que a caminhonete foi encontrada e Ricky não.
“Atacado por coiotes? Pare Arlene, se ligue. Ele está sentado num bar qualquer,
desfiando aquela mesma conversa fiada para alguma pobre garota que ainda não
aprendeu como somar as coisas. E o que não deveria somar.”
A menos, é claro, que ele tivesse sofrido um acidente perambulando por aí,
talvez estivesse num hospital, saído de lá bem, talvez tivesse morrido, longe de tudo que
o ligasse a um Ford de cabine dupla, longe de quaisquer laços com um lar. Então
poderia haver um túmulo por aí, mas como Arlene saberia? E mesmo que soubesse, ela
poderia não saber qual ou onde era. Mesmo que ela comprasse flores para Ricky com
suas gorjetas, nunca saberia onde colocá-las.
“Flores podem ser algo ruim, um mau pensamento, se você nem ao menos sabe
onde colocá-las. Apenas pare, Arlene. Volte para a cama.”
E ela o fez, mas caiu vítima de um sonho onde Ricky estivera vivendo fora da
cidade durante meses e meses, e nunca se incomodou em avisá-la de seu paradeiro. O
que a fez ir até a janela novamente, para culpar a maldita caminhonete por mantê-la
acordada.
Cheryl estava parada em pé na sua sala. Disse: - Você não tem nada
para se beber aqui?
E ela fez, embora sua madrinha tivesse lhe avisado para jogar fora. Mais cedo
ou mais tarde, vou ter que encarar isto, pensou; era o que diria à madrinha, cujo nome
era Bonnie. Mais tarde é uma coisa, pensou, diria Bonnie. Você tem apenas cinco dias
de sobriedade. Só que não tinha mais porque ela entornou dois copos.
Bonnie também dissera que era hora de se emendar, limpar os escombros de
seu passado, e era por isto que Arlene convidara a ex-mulher de Ricky para sua casa em
primeiro lugar. Para se desculpar por estar dormindo com Ricky enquanto eles ainda
eram casados. Por aqueles nove ou dez anos de coincidência.
Por outro lado, quando Cheryl apareceu em sua porta para agradecê-la por ser
uma piranha duas-caras, poderia ter dito somente bem-vinda e deixar que Cheryl
gritasse com ela e deixasse cheiro de borracha queimada na calçada como lembrança.
Antigamente, ela faria isto. Então sorriu para Duane como se nada tivesse acontecido.
Veria quais seriam os planos dele para aquela noite. Mas mal Doug se foi, com seu
oferecimento de caminhonete como porta, Cheryl surgiu parada lá de pé em sua sala, e
era tudo culpa de sua madrinha, Bonnie. Mais tarde, quando estivesse bem e bêbada,
telefonaria para Bonnie para dizer-lhe exatamente aquilo.
- Acredito que você saiba onde ele está e não está me dizendo apenas. – falou Cheryl.
- Se eu soubesse onde ele está não estaria despedaçando aquela caminhonete para
receber talvez um terço de meu dinheiro perdido de volta. Eu o encontraria e diria ao
cobrador de empréstimos onde ele está e mandaria aquele pedaço de traste lamentável
para você sabe onde, para tirar o valor de suas dívidas de seu traseiro. – respondeu
Arlene.
- É o que se ganha por traição. Você apenas recebeu o que merece.
Arlene começou a dizer algo de volta, mas não imaginava o que seria e
preocupou-se porque talvez fosse algo ruim e que soaria fraco, não importa quão
cuidadosamente tivesse pensado a respeito. Então, ao invés disso, serviu-se de dois
dedos de um velho e bom José Cuervo, o único homem em sua vida que nunca lhe disse
mentiras, então você sabia sempre o que receberia. E você não poderia dizer que não
sabia nunca. Disse, então: - Eu a convidei para vir até aqui para dizer-lhe que sinto
muito.
- É. Foi o que eu sempre disse a seu respeito. Você devia estar muito sentida, vindo
até minha casa como fez, como convidada, comer meu jantar como se fosse minha
amiga. Sendo legal comigo.
Arlene parou para considerar aquilo; como perderia pontos por ser simpática. –
Por que está me dizendo tudo isso agora? – perguntou.
Cheryl respirou fundo, daquele modo quando você recebe um impacto, uma
deixa onde são propensos a desviar de algumas das colisões que absorvem.
Ultimamente, todo mundo lembrava Arlene daquele pedaço de lixo caro em sua
garagem: ela rolara algumas vezes e ninguém mais teve uma porta inteira de novo.
- Quando ouvi dizer que a caminhonete estava aqui, pensei que... – começou Cheryl.
- Pensou que o quê? Que ele estava aqui comigo?
- Talvez.
O que há a respeito de Ricky, ela apenas se perguntava, que fazia com que as
mulheres desejassem que voltasse e estragasse as coisas um pouquinho mais?
- Bem, ele não está.
- É. Estou vendo agora.
A porta se abriu. O filho de Arlene apareceu. Seu cabelo estava emaranhado,
culpa de Arlene, porque em sua pressa para começar a desmontar aquele desastre em
sua entrada, ela deixara o garoto mais ou menos por conta própria. Parte da traseira de
sua calça jeans estava rasgada, mas Arlene não queria saber a respeito. Ainda. Pelo
menos, ele estava com as roupas de baixo limpas, graças a Deus.
- Trevor, onde esteve?
- Lá no Joe.
- Eu disse que você poderia ir até o Joe?
- Não. – Olhos abatidos que Arlene pensou que ele praticara no espelho. Ele sabia
quem era a pessoa que estava com sua mãe na sala, mas não por que. Mas sabia que
não era para brincadeira. Crianças sabem. – Desculpe. – Seus olhos pousaram no copo
de bebida. Sem julgamentos, apenas um silencioso assentimento.
Crescido demais para um garoto de sua idade, sabendo de certas coisas, como
por que crescidos tentam. E como são malditamente mal-sucedidos.
- Tudo bem, volte para lá agora.
- Acabei de chegar em casa.
- Você se importaria só por uma vez?
E ele obedeceu sem reclamar. Arlene fez uma nota mental para levá-lo pra
tomar sorvete mais tarde, a desculpa comum por quaisquer tipos de mau
comportamento de sua parte; como resultado, eles tomavam um bocado de sorvete. A
porta batendo atrás dele fez Arlene sentir dor pela separação, como se ainda não
tivessem lhe cortado o cordão umbilical antes de mais nada. Arlene encheu os dois
copos novamente.
- Obrigada por não dizer nada na frente do menino.
- Ele se parece tanto com Ricky.
- Ele não é. De Ricky.
- É um retrato descarado.
- Ele tem doze anos. Eu só comecei a sair com Ricky há dez.
Ela sentiu como se Bonnie estivesse olhando por sobre seu ombro a lembrando.
Esta não era a honestidade que a ajudaria estabelecer o curso para toda uma nova vida.
Mas era uma mentira tão velha e tão difícil de consertar depois de todos aqueles anos.
Aquela mentira servia muito bem depois de todo esse tempo.
- Eu o vejo naquele garoto.
- Bem, você está vendo o que não está lá. – Ou o que você quis para si e nunca
conseguiu. O que não conseguimos, vemos em qualquer lugar que olhamos. O que nós
não permitimos fazer e ser, recusamos a tolerar em qualquer outra alma viva. Arlene
estava começando a perceber isto.
Do Diário de Trevor
Às vezes, eu acho que meu pai nunca foi ao Vietnã. Nem mesmo sei por
que penso assim. Apenas penso. O pai de Joe foi ao Vietnã, e ele conta histórias. E você
pode dizer, só pelas histórias, que ele realmente foi. Acho que meu pai talvez só diga as
coisas, às vezes, porque acha que as pessoas vão sentir orgulho ou pena dele.
Minha mãe sente pena dele porque foi para o Vietnã. Ela diz que não é de se
espantar que ele tenha problemas. Então, eu não digo a ela que acho que ele nunca foi.
O Sr. St. Clair é tão legal. Eu não ligo para o que Arnie diz. Acho que ele é
grande, e vou fazer um trabalho tão bom com aquela tarefa extra que o Sr. St. Clair nem
vai ser capaz de acreditar.
CAPÍTULO 3
JERRY
Bem, para começar, não vou dizer que mereço mais do que qualquer
um aqui. Porque, quem é quem para dizer?
Não sou uma pessoa perfeita, e talvez alguém vá dizer que é. E você é um garoto
esperto. Aposto que é. Vai saber que eles estão te passando conversa fiada. Estou sendo
honesto.
Eu sei que você disse que queria alguém sem sorte. Mas quer saber? É tudo
conversa fiada. Sorte não tem nada a ver com isto. Olhe para todas essas pessoas que
apareceram hoje. Somos um bando de vagabundos. Eles vão dizer que é má sorte. Mas
eu não vou te tapear. Fizemos isto para nós mesmos, garoto. Eu, eu tenho um problema
às vezes. Com drogas. Isto é por minha própria culpa. De ninguém mais. Não é de
minha mãe, não é de Deus ou do governo. Eles não enfiaram uma agulha em meu
braço. Eu fiz isto para mim mesmo. Mas não tomo qualquer droga já faz algumas
semanas agora. Estou limpo.
Perdi algumas coisas por causa de meus problemas. Um carro, apesar de não
ser muito bom. E meu apartamento. Então fui para a cadeia e eles não seguraram meu
emprego para quando eu saísse. Mas tenho um bocado de coisas que posso fazer. Tenho
qualificações. Trabalhei em ferros-velhos e lojas de autopeças, até mesmo trabalhei
como mecânico. Sou um bom mecânico. Não é que eu não seja. Mas costumava, e
trabalhava num negócio que era desmazelado e sujo. Por um bom emprego de
mecânico, ninguém liga para essas coisas. Mas agora os tempos estão difíceis, e os caras
aparecem pelo mesmo emprego. Vestem-se bem, e alguns têm até mesmo uma licença
do estado.
Então eles dizem, preencha este formulário. O que eu posso fazer. Porque, como
você pode ver, eu posso ler e escrever muito bem. Mas então eles dizem, coloque o
número de seu telefone. Ligaremos para você se conseguir o emprego. Mas o depósito
de lixo onde tenho ficado não tem um telefone. Então eu digo que ainda estou me
acomodando. E eles dizem, coloque seu endereço então. Vamos te mandar um cartão.
Daí, eles descobrem. Que você está na rua. E eu acho que eles percebem que
você tem problemas, coisas que não sabem nada a respeito. E, bem, eu acho que tenho.
Como já disse.
Mas, se tivesse a chance de conseguir um emprego agora, eu não estragaria tudo
como fiz antes. Seria diferente dessa vez. Essas outras pessoas, olhe para elas. Elas se
acostumaram à situação. Esperam dormir na rua. E eu acho que está tudo bem para
elas. Mas não está tudo bem para mim. Eu não acho que já desci a tanto. De qualquer
forma, ainda não. Então, se você me escolher, não irá se arrepender. Acho que é tudo
que eu tenho a dizer.
Também, obrigado. Eu nunca conheci nenhum garoto que desse dinheiro. Tive
um emprego quando tinha sua idade e gastava o dinheiro comigo. Você deve ser um
bom garoto.
Eu acho que é tudo agora. Obrigado por seu tempo.
Quando Jerry levantou os olhos, todo mundo, exceto o garoto, tinha ido
embora.
CAPÍTULO 4
ARLENE
Não eram nem mesmo sete horas, mas mesmo assim era uma
escandalosa hora da manhã, especialmente quando uma maldita caminhonete Ford de
cabine dupla a mantivera metade da noite acordada. Alguém sacudia seu ombro e, sem
estar exatamente consciente, ela sabia por instinto que era seu filho.
- Mamãe? Está acordada?
- Sim.
- O Jerry pode entrar e tomar um banho?
Ela piscou e olhou de soslaio para o relógio. Teria mais meia hora para dormir.
Nada deveria estar acontecendo agora. Um sonho talvez, mas era só. – Quem é Jerry?
- Meu amigo. – Ela não sabia que Trevor tinha qualquer amigo chamado Jerry, e
agora esquecera o pedido original.
- Use seu próprio julgamento. Estarei de pé em meia hora.
Ela cobriu a cabeça com um travesseiro e foi a última coisa de que se lembrou
até o alarme do relógio tocar, e ela jogar o travesseiro contra ele. Não estava irritada
com o alarme, mas com a maldita caminhonete e Ricky; só que um tinha sofrido abuso
suficiente como estava e o outro não se encontrava por perto.
Alguns minutos mais tarde, enquanto colocava uma tigela de cereais quentes na
frente do garoto, um completo estranho surgiu no hall e entrou na cozinha. Ela estava
pronta para gritar, mas se sentiu embaraçada demais para fazê-lo talvez porque, dos
três, ela era a única que parecia a mais surpresa. Imaginou que o homem devia ter uns
quarenta anos no mínimo, era baixo, barbeado, semi-calvo, vestia calças jeans e camisa
de brim nova.
- Quem diabos é você?
Ele não foi rápido o suficiente para responder, então Trevor disse: - É Jerry,
mamãe. Lembra que você disse que ele podia entrar e tomar um banho?
- Eu disse isto?
- Sim.
- Quando eu disse isto?
- Depois que acordou.
Enquanto isso, Jerry não falou nada em defesa própria ou fez qualquer coisa,
mas aparentemente era um homem esperto o bastante para saber quando e onde ele
não era bem-vindo porque começou a esgueirar-se de lado em direção à porta.
- Obrigado pela gentileza, madame – disse ele com a mão na maçaneta. Nesse
momento, Trevor perguntou-lhe, de todas as malditas coisas para uma criança dizer, se
ele precisava de dinheiro para o ônibus. O homem mostrou-lhe um punhado de
trocados. Ele as segurava como medalhas de guerra ou rubis, algo um pouco mais
importante do que centavos, com certeza. – Eu poupei, vê? Do dinheiro de minhas
roupas.
- Espero que consiga o emprego – respondeu Trevor. Depois que a porta se fechou
atrás dele, Trevor olhou para Arlene como se nada tivesse acontecido, e disse: - Você
sabia que sua boca está aberta?
Mas, quando viu a expressão de seu rosto, ele abaixou a cabeça para sua tigela
de cereais e concentrou-se em mexer o açúcar.
- Trevor, quem diabos era ele?
- Eu te disse. Jerry.
- Quem diabos é Jerry?
- Meu amigo.
- Eu não disse que ele podia entrar e tomar um banho.
- Sim, você disse. Disse que eu deveria usar meu próprio julgamento.
Ela não se recordava de ter dito aquilo, mas soou verdadeiro porque seria
exatamente isto que diria se estivesse tentando continuar a dormir. A não ser que o
garoto estivesse sendo esperto o suficiente para saber que era isto que ela diria e
continuar sua história daquele ponto. Mas era cedo demais para coisas que
aconteceram e aqueles que alegaram tê-las feito, então, ela apenas disse: - Se seu
julgamento é deixar um homem estranho entrar no banheiro para tomar banho, então
eu acredito que seu julgamento precisa ser afinado.
Ele tentou argumentar novamente dizendo que o homem não era um estranho,
mas, sim, seu amigo Jerry, porém Arlene nem quis ouvir. Apenas disse-lhe que
terminasse de comer e fosse para a escola, e não queria mais ver Jerry na casa nunca
mais, sob quaisquer circunstâncias, nem mesmo se o inferno congelasse, de jeito
nenhum, José.
No minuto em que Trevor saiu pela porta, ela arrependeu-se por ter esquecido
de perguntar por que lhe oferecera dinheiro para o ônibus. Ela foi direto para o
banheiro, que o homem deixara surpreendentemente arrumado, e começou a esterilizar
cada superfície exposta.
Talvez três ou quatro dias mais tarde, Arlene chegou em casa após o
trabalho no Laser Lounge, até as três da manhã, para descobrir que alguém estava em
sua garagem, mexendo na velha caminhonete com uma lanterna. E o fato de ela deter-
se em frente à própria casa não pareceu dissuadi-lo do serviço. Ela receara aquilo,
estando fora tanto quanto estivera. Toda vez que alguém vinha ver a caminhonete e ia
embora sem comprar nada, ela ficava meio receosa de que eles voltassem à noite para
pegar o que queriam. E agora, veja.
Arlene esgueirou-se pela casa até o armário em seu quarto onde estava a
espingarda de Ricky, na prateleira bem como ele a deixara. Numa caixa trancada
porque garotos eram curiosos. Sempre a fizera sentir-se bem, estando lá, não tanto
porque esperava usá-la, mas porque ela acreditava firmemente que Ricky a pegaria se
não estivesse planejando uma viagem de volta. Ela a tirou da caixa, enrolada numa
velha toalha como Ricky sempre fizera, e quando a toalha caiu, a luz da lua que vinha
da janela transformou o metal preto da arma num belo azul escuro. Cheirava a óleo
para armas e lembrou-a de Ricky, de vê-lo limpando-a em frente à TV de noite.
Ela carregou a culatra com três mais do que mortais cartuchos e, com um
grande suspiro, chutou a porta, abrindo-a direto para a garagem onde um homem
encontrava-se agachado, trabalhando sob a luz de uma lâmpada de metal preso ao
pára-choque. Ele a tinha ligado numa tomada em algum lugar de sua própria garagem.
O que a fez ficar ainda mais furiosa que de algum modo, um ladrãozinho covarde usasse
a eletricidade de sua própria casa para ver melhor enquanto a roubava.
Ele pulou e virou o rosto para ela no escuro. Quando ela finalmente o fez,
sentiu-se bem como pensou que se sentiria, engatilhou a arma com aquele enorme e
poderoso som de “shuck-shuck”, ante a reação de medo que aquele som era capaz de
produzir. Falando sobre aquele som, Ricky dissera-lhe, certa vez, “Você já viu aqueles
desenhos animados onde um sujeito corre direto para a parede e deixa um buraco com
o formato dele para trás? Bem, aquilo poderia acontecer.”
Só que este homem tinha os pés no chão. – Por favor, não atire, madame. Sou
só eu.
- Só você quem?
- Jerry.
Oh, para o inferno com tudo, maldição. – Que diabos você está tirando de
minha caminhonete? – ela perguntou, sem abaixar a arma.
- Tudo, madame. Estava empilhando as peças na garagem. Trevor me contou que
você estava os despedaçando. Pode conseguir muito mais dinheiro desse jeito. Você
sabia disso? Você tem que lhes dar um desconto se as pessoas tiverem que retirar as
peças elas mesmas.
- Então você está apenas tentando ajudar – disse ela, num tom que deixava claro que
não pensava dessa forma.
- Sim, madame.
- Às três horas da manhã.
- Sim, madame. Eu tenho um emprego agora durante o dia, no Quicky Lube & Tune,
há algumas milhas de Camino. Então, se eu tiver que ajudar tem que ser à noite.
Ela não conseguia ver o rosto dele tão bem quanto gostaria, escuro como estava,
mas a voz soava bem sincera e o incidente todo estava começando a enervá-la.
Abaixando a arma, a mulher pegou a pequena lâmpada que ele pendurara e caminhou
até a garagem para ver por si mesma. Ele empilhara várias peças ali, todas arrumadas,
com uma porta, um pára-choques, e bancos. E havia coisas marcadas com algo como
uma caneta pincel: Lado do motorista. Dianteira. Traseira.
Arlene afastou-se e direcionou o facho de luz direto sobre ele. Jerry ergueu a
mão para proteger os olhos.
- Eu lhe pedi ajuda?
- Não, madame. Mas é algo na qual sou bom. Eu costumava trabalhar num ferro-
velho. E o garoto me ajudou um bocado.
- Trevor tem lhe dado dinheiro?
- Sim, madame. Só para ajudar a me levantar. Você sabe, ficar limpo o suficiente para
conseguir um emprego novamente. Algo assim.
- E agora que você conseguiu um emprego, vai devolver o dinheiro para ele?
- Não, madame. Não me foi permitido. Eu tenho que pagar adiante.
- Pagar adiante? O que diabos isto significa?
Ele pareceu surpreso por ela não estar familiarizada com o termo. Ao mesmo
tempo, aquilo se transformara quase numa conversa normal com Arlene sem estar tão
defensiva; aquilo e o fato de que não conseguia ficar brava com ele deixou-a um pouco
irritada, mas bem.
- Você não sabe a respeito? Deveria conversar com ele. Estou surpreso por não ter lhe
contado. É algo para a classe de estudos sociais. Embora ele possa explicar melhor.
Sabe, se você tiver dez mangos para alugar um guincho, eu tiro aquele motor, arrumo
em blocos e cubro. Te poupo uma nota.
- Sem nenhuma ofensa pessoal, mas eu disse a Trevor que não queria você perto da
casa.
- Eu pensei que você disse a ele que não me queria dentro da casa.
- Diabos, qual é a diferença?
- Bem, a diferença é que por um lado eu estou na casa. E do outro, estou fora dela.
- Com licença, acho que é melhor eu ir ter uma conversa com o meu filho.
Mas Trevor estava tão sonolento que tudo o que ele pôde dizer foi, - “Oi, mãe”, e
“Está tudo bem?” E quando ela disse que Jerry estava lá na garagem despedaçando a
caminhonete, ele disse, - “Que bom.”
E ela não conseguiu ficar zangada com ele. Trevor era como o pai nessa questão.
Porque era sempre mais fácil desabafar sua fúria com um estranho, ela
foi até a escola de Trevor para ter uma conversa com este Sr. St. Clair. Primeiro foi à
secretaria – antes que a classe entrasse, esperando não encontrar Trevor, então ele
nunca precisaria saber que ela esteve lá. A moça da secretaria lhe disse para seguir em
frente. Estava na metade do caminho para a porta da sala de aula quando parou e se
esqueceu de tudo que pretendia falar e que pensara cuidadosamente.
Primeiro de tudo – embora não fosse a parte mais importante – ele era negro.
Ela não se sentia preconceituosa a respeito de pessoas negras; não era isto. Foi algo que
ela tentou duramente reprimir, para mostrar que não era assim. Depois de um tempo,
ficou difícil agir naturalmente. Então, tentou ainda mais. E descobriu que perdera a
batalha, se é que havia alguma. Era como perseguir a própria cauda. Então aquilo fez
com que se tornasse difícil gritar com ele. Provavelmente deveria pensar que ela se
achava melhor do que ele, mas acima de tudo estava seu garoto e, também o salário
dele vinha dos impostos que ela pagava. O salário de qualquer professor, na verdade.
Então, ele a avistou e ela ainda não tinha nada a dizer. Nada. Cem por cento
emudecida. E não era por qualquer questão racial tampouco, mas mais porque ela
nunca vira um homem com apenas metade do rosto. Era uma daquelas coisas. Levava-
se um minuto para se ajustar. E ela sabia que, se levasse um minuto a mais sequer, ele
notaria que ela notara sua infeliz cicatriz, o que seria um bocado rude. A cena toda se
desenrolara suavemente em sua cabeça a caminho da escola. Estivera zangada,
articulada e realmente bem.
Ela entrou na sala e se dirigiu à escrivaninha dele, sentindo-se pequena, como
se fosse há vinte e cinco anos atrás quando aquelas carteiras eram grandes demais para
comportá-la. E ele ainda estava esperando por algo a ser dito.
- O que é “Pague Adiante”?
- Perdão?
- Essa expressão. “Pague Adiante”. O que significa?
- Eu desisto. O que significa? – Ele pareceu meio curioso a seu respeito, ligeiramente
divertido e, como resultado, a milhas de distância dela, fazendo-a se sentir pequena e
ignorante. Ele era um grande homem e não apenas em estatura física, embora naquilo
também.
- É o que você supostamente deveria me dizer.
- Eu adoraria, madame, se soubesse. Se não se importa com minha pergunta, quem é
você?
- Oh, eu esqueci de lhe dizer? Desculpe-me. Arlene McKinney.
Ela estendeu a mão e ele a apertou. Tentando não olhar para seu rosto, ela
notou que o braço dele era deformado de alguma forma, num tamanho diferente, o que
lhe deu calafrios por alguns segundos.
- Meu filho está em sua classe de estudos sociais. Trevor.
Algo veio à mente dele então, e seu rosto mostrou um reconhecimento positivo,
o que fez com que ela gostasse mais daquele homem, o fato de estar conectado de
algum modo ao seu filho.
- Trevor, sim. Eu gosto de Trevor. Particularmente, gosto dele. Muito honesto e
direto.
Arlene tentou dar uma pequena risada sarcástica, mas o que surgiu foi um
bufar, um guincho que fez com que suas faces avermelhassem. – É, ele é tudo isso,
certo. Só que você diz isto como se fosse uma coisa boa.
- E é, eu acho. Agora, o que é isso sobre “Pague Adiante”? Devo supor que deveria
saber algo a respeito?
De fato, ela tinha esperado por uma risada, um sorriso, algo além de suas
maneiras profissionais; tinha a má sensação de que o Sr. St. Clair estava esnobando-a
de um modo que não conseguiria inteiramente provar.
- Tem algo a ver com uma tarefa que você deu. Foi o que Trevor disse. Ele falou que
era um projeto para sua aula de estudos sociais.
- Ah, sim. A Tarefa. – Ele se dirigiu ao quadro-negro e ela afastou-se do caminho,
como se um vento muito forte soprasse ao redor dele e a impedisse de chegar perto
demais. – Vou escrever para você exatamente como fiz para a classe. É muito simples. –
E ele o fez.
“Pense numa idéia para mudar o mundo e coloque-a em ação.”
Ele largou o giz branco e voltou-se. – Isso é tudo. Este “Pague Adiante” deve ser
a idéia de Trevor.
- Isso é tudo? Isso é tudo? – Arlene pode sentir a pressão subindo ao redor de seus
ouvidos, aquela fúria simples e satisfatória que viera descarregar. – Você só quer que
eles mudem o mundo. Isso é tudo. Bem, estou contente por não lhes dar algo mais
difícil.
- Sra. McKinney...
- Senhorita McKinney. Estou sozinha. Agora, escute aqui. Trevor só tem doze anos. E
você quer que ele mude o mundo. Nunca ouvi tamanho disparate.
- Primeiro de tudo, é uma tarefa voluntária. Para crédito extra. Se um aluno acha a
idéia difícil demais, ele ou ela não precisa participar. Segundo, o que eu quero é que os
estudantes reexaminem seu papel no mundo e pensem em maneiras onde uma pessoa
possa fazer diferença. É um exercício muito saudável.
- Assim como escalar o Monte Everest, mas isso pode ser demais para o pobre garoto
também. Você sabia que Trevor tem adotado um mendigo e o trouxe para dentro de
minha casa? Este homem poderia ser um estuprador ou molestador de crianças, ou
alcoólatra. – Ela quis dizer mais, mas estava ocupada pensando que, desde que ela
própria era uma alcoólatra, aquilo devia ter sido um exemplo ruim. – O que você sugere
que eu faça com relação aos problemas que causou?
- Sugiro que você converse com ele. Decrete as regras da casa. Diga-lhe quando seus
esforços para este projeto entram em conflito com sua segurança e conforto. Você
conversa com ele, não?
- Que diabo de pergunta é essa? É claro que eu converso com ele.
- É que parece estranho você ter vindo até aqui para descobrir o que é o “Pague
Adiante”. Quando Trevor poderia ter lhe dito.
Deixar a sala estava se tornando uma opção cada vez mais atraente. – Acho que
isso foi um engano. – Obviamente, nada estava sendo concluído aqui, exceto pelo
processo corrente que estava fazendo com que Arlene se sentisse estúpida e pequena.
- Srta. McKinney? – A voz dele a atingiu há poucos passos do longo caminho para sua
segurança e liberdade. Ela quase continuou andando, mas, assim como ignorar a
campainha do telefone, era contrária a natureza humana. Ela virou-se e encarou aquele
homem a quem abertamente detestara imediatamente, e não era por causa de seu rosto
ou sua cor tampouco.
- O que é?
- Espero que me perdoe por perguntar, mas o pai de Trevor está morto?
Arlene piscou como se tivesse levado um tapa. – Não. Claro que não. – Espero
que não. – Trevor lhe disse isto?
- Não, ele disse algo estranho. Disse, “Não sabemos onde ele está.” Pensei que talvez
ele estivesse sendo eufemístico.
- Bem, nós não sabemos onde ele está.
- Oh. Bem, sinto muito. Só me perguntei.
Perturbada agora, ela correu para a porta e nada poderia tê-la impedido. Que
modo de se sentir uma completa idiota. Não apenas admitira que o pai de seu filho não
mandava sequer um cartão de Natal, mas agora ela teria que encontrar um dicionário e
procurar a palavra “eufemístico”. Vejam só o que ele acusara seu filho de ser. Era
melhor que não fosse um insulto – foi tudo que ela pôde pensar.
Do Diário de Trevor
Às vezes, eu penso que esta idéia vai ser tão legal. E talvez seja. Mas
então me lembro de outras vezes em que achei que as coisas seriam legais. Como
quando eu era realmente pequeno. Com dez ou algo assim.
E agora que sou grande, eu posso ver que aquilo não era tão legal assim. Então,
eu penso, e se tudo der errado? Aí então, o Sr. St. Clair não vai ficar impressionado
comigo. Daí, daqui a alguns anos quando olhar para trás, vou pensar, cara, como eu era
estúpido. É realmente difícil saber o que é uma boa idéia quando se está crescendo e
essas idéias não funcionam, e nem você acredita nelas.
Mamãe odeia Jerry. O que é engraçado porque ele é um bocado parecido com
papai. Exceto que papai é mais limpo. Mas se mamãe deixasse Jerry entrar na casa, ele
estaria limpo também. Talvez se ela não deixasse papai entrar, ele se pareceria com
Jerry. Talvez, onde quer que esteja, ele já se pareça.
CAPÍTULO 5
JERRY
Às nove e meia, ele recebeu o seu pagamento. Ele não teria que ficar e
trabalhar naquele dia ou no seguinte. Então foi até o banco. Cem dólares vivos na mão.
Hora de comprar botas de trabalho. Ele parou num ponto de ônibus por alguns
momentos. Mas era um belo dia. Poderia caminhar até o Kmart. Andando com todo
aquele dinheiro, aquela grande soma no bolso. Que merecera também. Todo um novo
dia. Cometas à noite, quem sabe?
Ele passou pelo Stanley’s, o pequeno bar que costumava freqüentar. Achou que
uma cerveja cairia bem. Um bom dia, o bolso cheio de dinheiro. Se você não podia
ceder um minuto para celebrar com uma cerveja, então por quê? De que valera tudo
aquilo? E ele estava certo. Tudo correra realmente bem. Viu dois dos caras também.
Que ele conhecera quando estava quase na pior. E agora estava na deles novamente. E
também, eles não precisavam saber. Quiseram saber por onde ele andou. San
Francisco, respondeu, porque sempre quis ir até lá. Pagou-lhes uma cerveja, então
assim eles saberiam que ele podia. Veriam aquele rolo de notas sair de seu bolso, muito
bem dobradas. Comprou outra cerveja para si, para que soubessem que não estava com
pressa. Nenhum lugar onde tivesse que estar realmente. Sim, senhor. Com certeza, um
novo dia. Jogaram uma partida ou duas de sinuca, valendo dinheiro.
Então, um deles telefonou para Tito, um sujeito que costumavam conhecer.
Disseram a ele que Jerry estava carregado. Venha para cá. Ele veio com alguns
produtos. Disse a Jerry: - Eu sei que você está procurando para comprar. Não me diga
que perdeu o gosto pela coisa.
- Não, nunca mais – disse Jerry.
- Ora, vamos.
Eles jogaram mais algumas partidas de sinuca. Os outros três foram para o
banheiro se picar. Aquilo não parecia justo. Eles podiam e ele não, como aquilo era
justo? Quero dizer, qual é o ponto afinal? Por que ter todo um novo mundo preso às
regras? Onde você não pode se sentir bem. Não pode ter o que quer. Então, ele pediu
outra cerveja e Tito voltou. E Jerry disse que talvez um só pacotinho. O suficiente para
não se meter em confusão. Não tanto que ele não pudesse comprar as botas.
Era seu dia de folga. Apesar de tudo. Teve que emprestar uma agulha de Tito
porque nem mesmo tinha sua própria. Não soubera o quanto sentiu falta daquela
pequena picada até que sentiu novamente.
Então chegou a hora de fechar. Como poderia ser? Era apenas a manhã de
ontem há um minuto atrás. Que dia era hoje agora? Então, foi um dia todo no Denny’s,
tomando café. Faminto agora, com a barba por fazer. Doente. Sentindo-se mal. Café da
manhã, aquilo cairia bem. Mas não poderia ter nenhum. Porque aquele copo de café o
deixara liso. Remexeu os bolsos duas vezes, mas era inútil.
Aquele dinheiro havia sido todo consumido.
CAPÍTULO 6
REUBEN
Depois da aula, Trevor ficou por último e Reuben levantou a mão para
lhe chamar a atenção. Abriu a boca para chamar seu nome, mas, mais uma vez, Trevor
provou ser mais rápido no gatilho.
- Quero falar com você de novo – disse Trevor, virando-se e parando na frente da
mesa de Reuben. Ele enfiou as mãos bem no fundo nos bolsos e esperou até que o
último dos outros alunos se fosse. Pequenos movimentos em seus olhos e leves batidas
do calcanhar revelavam algo, mas Reuben não tinha certeza de que poderia decifrá-los
apropriadamente. Um pequeno nervosismo talvez. Finalmente convencido de que
estavam a sós, Trevor disse: - Minha mãe quer saber se você pode vir jantar conosco
amanhã à noite.
- Ela disse isto?
- Sim. Ela disse.
E aquele pequeno lugar dentro de Reuben, aquele que ele nunca conseguia
apropriadamente treinar, saltou para encontrar a gentileza daquela mulher a despeito
de sua precaução. Talvez ela não tivesse o detestado tanto quanto pensara. Mas mesmo
o coração de Reuben podia sentir quando algo não se encaixava. – Por que ela quer que
eu vá para jantar?
- Eu não sei. Por que não?
- Ela não gostou muito de mim.
- Você conheceu minha mãe?
- Conheci o temperamento dela, sim.
- Bem... talvez ela queira conversar a respeito de Jerry. Meu amigo Jerry. Ele é parte
de meu projeto. Mas ela não gostou de Jerry. Ao todo. Acho que ela quer que a ajude,
você sabe. Algo como tentar entender. Isso tudo.
Aquele convite estava se tornando mais plausível na mente de Reuben agora,
com algo que fazia sentido e encaixava-se com tudo que soubera desde então. – Não
poderíamos ter uma pequena conferência privada de pais-professores aqui na escola?
- Oh. Aqui na escola. Bem. Eu perguntei a ela. Mas ela disse, você sabe, ela trabalha
um bocado e tudo mais. Dois empregos. Ela falou que seria ótimo se você viesse.
- Acho que tudo bem. A que horas?
- Uh. Vou ter que perguntar. Eu te digo amanhã.
Eu fui até a casa dela. Não era tudo que eu esperava. Sua casa. Bem,
todo o resto, mas quero dizer sua casa. E aquilo me fez examinar minhas próprias
expectativas, e admito que talvez de algum modo tenha sido culpado por menosprezá-
la. Embora Deus saiba que nunca tive a intenção.
Era uma casa modesta, mas escrupulosamente limpa por dentro e por fora,
meticulosa e cuidada. Nenhuma erva-daninha crescendo na entrada. Nem uma única
mancha naquelas vidraças imaculadas. Exceto por uma caminhonete destruída na
entrada da garagem, cada pedaço da existência de seu lar trouxe de volta uma
expressão que minha mãe costumava usar como referência própria: orgulho do lar.
Nunca esperei que ela me lembrasse de minha mãe.
A coisa toda me deixou nervoso. O orgulho de sua casa me fez lembrar do
orgulho que pairava por trás de toda sua fúria. O que me fez sentir que não era páreo
para ela, e também esmagado, como se estivesse renunciando a minha força ao
encontrá-la no gramado de sua casa.
Ela atendeu a porta parecendo angustiosamente bela. Usava um vestido de
algodão com estampas floridas, como se levasse os convidados para jantar
demasiadamente a sério. Eu fiquei parado em sua sala de estar, segurando flores que
não tive coragem de lhe dar. Congelado. Cada parte de mim congelada. Durante um
longo tempo, nenhum de nós pareceu conseguir falar sobre qualquer coisa.
E então, Trevor apareceu, graças a Deus.
Do Diário de Trevor
Mamãe e o Sr. St. Clair gostam um do outro. Eu apenas sei. O que não
consigo entender é por que eles não sabem? Está bem ali e eu me sinto como se
estivesse os sacudindo e dizendo, oh, apenas admitam. O Sr. St. Clair seria bom para
ela, eu acho. Acho que ele daria o coração inteiro para alguém que dissesse, sabe, você
tem uma bela metade de rosto. Você sabe, como o copo está pela metade ao invés de,
bem, você sabe. Ele está triste a respeito de seu rosto. Acho que se ele não estivesse,
poderia admitir melhor quando gosta de alguém. Mas, então, minha mãe tem um
grande rosto e também sente o mesmo. Vai entender.
E se o mundo realmente mudasse por causa de meu projeto? Não seria a coisa
mais legal? Então todo mundo diria, quem se importa com seu rosto, ele é o melhor
professor do mundo isto é o que importa. Seria tão legal. Acho que a melhor aposta que
tenho para meu projeto agora é a Sra. Greenberg. Jerry foi preso e o Sr. St. Clair diz que
eu não posso orquestrar o amor, o que fez soar como se eu estivesse tentando acenar
uma batuta ao algo parecido. Mas até aqui, parece que ele está certo.
Mas um jardim. Um jardim ainda dura mais do que toda essa história de
orquestra.
CAPÍTULO 7
SRA. GREENBERG
ARLENE
Jerry,
Não posso me forçar a dizer “caro” porque, neste exato momento, você não me é
“caro” de todo. Posso perdoá-lo por ter falhado porque todos nós estragamos tudo às
vezes e eu não sou exceção. Mas este garotinho que o ajudou e contava com você, veio
até aqui para ver como estava e você não estava com humor. O que o faz ser dezoito
tipos diferentes de merda de galinha.
É sempre fácil ficar zangada em nome dele, de fato, é algo como uma
especialidade minha, mas a verdade é que eu estou zangada com o que você fez a mim
também. Contando-me todas as suas esperanças e sonhos, assim eu não poderia não
gostar de você, pois isto seria um bocado mais fácil se nunca tivesse gostado ou
confiado em você, mas tirou até mesmo este pequeno conforto de mim.
Eu não confio em muitas pessoas, então quando faço uma exceção, parece que é
sempre a pessoa errada. Tire seu traseiro lamentável deste lugar assim que puder e
então faça o que disse que faria por meu garoto e seu projeto da escola, que é muito
importante para ele.
Mas você não fará, eu sei, porque você é um duas-caras, o que eu poderia
perdoar porque as pessoas podem mudar, mesmo embora pareça que elas nunca
mudem, mas se você não pôde nos encarar hoje, isso diz um bocado a respeito do que
fará mais tarde.
Eu não acredito em estrelas cadentes e, se alguma vez já acreditei, não
acreditaria mais nelas e é isto que você fez a esta família. Pense a respeito enquanto
estiver na lavanderia da prisão, na penitenciária estadual, para onde dizem que está
indo no próximo ônibus.
Meu filho gostaria de escrever algo neste bilhete, quando eu tiver terminado, o
que já fiz.
Arlene McKinney
Oi Jerry,
Espero que esteja bem e a comida não seja tão terrível. Você costuma assistir TV?
Vai me escrever uma carta da penitenciária estadual? Nunca ninguém fez isto antes.
Bem, tenho que ir. Mamãe está furiosa.
Seu amigo,
Trevor
Do Diário de Trevor
REUBEN
Ele estava naquela casa fazia três meses, mas nada havia sido
desempacotado. Quase nada. A grande cama estava montada, feita e confortável, então
ele passava um bocado de tempo nela, dando notas, comendo no colo e vendo o
noticiário. Atravessou o mar de caixas até a cozinha, pegou um pequeno pote de sorvete
da geladeira e pôs-se a comê-lo de pé, direto do pote com a ajuda de uma colher de
plástico, o gato rodeando suas pernas. Aquilo o fez se sentir solitário, assim como
desempacotar. O telefone tocou e provou-se difícil de ser encontrado. Era Trevor.
- Tudo bem ter ligado para sua casa? Consegui o número do serviço de informações.
- Algo errado, Trevor?
- Sim.
- Está em algum tipo de encrenca? Sua mãe está aí?
- Não é nada disso. Estou bem. É só o meu projeto. Não está indo tão bem. De todo.
Ficou um bocado ruim. Algo aconteceu. Posso conversar com você a respeito?
- É claro que pode, Trevor.
- Ótimo. Onde você mora?
Reuben não esperara por isto. Deixou o fone escorregar e olhou ao redor. –
Talvez eu possa encontrá-lo em algum lugar, Trevor, como o parque. Ou a biblioteca.
- Está tudo bem. Vou de bicicleta. Onde você mora?
Então Reuben deu-lhe o endereço em Rosita, pouco além de San Anselmo,
pensando enquanto fazia aquilo que isto não era os anos 50 e a confiança pública era
tamanha que um estudante poderia ir à casa do professor sem que ninguém ficasse
maluco ou tivesse uma idéia errada. Mas ele não pensou rápido nem bem o suficiente
porque Trevor desligou o telefone e estava a caminho.
Eles poderiam conversar na varanda. Para estar extra salvo, ele telefonou para a
mãe de Trevor, que tinha o número na lista telefônica, para lhe explicar onde estava
Trevor e por que. Ela não estava em casa, e Reuben não tinha idéia se ela trabalhava aos
sábados, mas deixou um recado na secretaria eletrônica. Só para o caso.
Então olhou para baixo e percebeu que estava suando e não se barbeara. Tratou
de se trocar, colocando uma calça jeans limpa e camisa branca, e barbeou-se antes que
Trevor chegasse. Não levou muito tempo. Sua barba crescia apenas no lado direito de
seu rosto.
Aquilo deveria ter sido um seguro e confortável fim para tudo, mas na
noite da quinta-feira seguinte, ele a encontrou casualmente no mercado. Apenas
enfiou-se numa longa fila, com seu sorvete e seus jantares durante a TV, e encontrou-se
fitando sua cabeça por trás.
Parecia a Reuben que alguém poderia olhar para as costas de outra pessoa sem
ser notado, mas aparentemente estava errado porque ela virou-se imediatamente.
- Oh, você – ela disse, e foi isto. Arlene virou-se e ambos esperaram num exasperador
silêncio, observando Terri e Matt passarem e empacotarem as mercadorias, como se
achassem seus simples movimentos fascinantes. Ela olhou brevemente por sobre o
ombro para Reuben em seu caminho pra fora da loja. Então, ela se foi e ele deu um
profundo suspiro, um homem que acabara de encontrar a segurança do túmulo e do
imediato perigo.
Ele a encontrou no estacionamento, apoiada no carro dele. – Você sabe qual é
seu problema? – disse ela.
Era a velha Arlene e Reuben sentiu-se bem por tê-la de volta, aquele pequeno
relâmpago de indignação, pronta para ler a ele a lei da desordem de uma coisa ou outra.
- Não. Eu não sei. Qual é o meu problema?
- Seu problema é que você é tão rápido em achar que ninguém o quer que nem
mesmo lhes dá uma chance. Eu não poderia rejeitá-lo se tentasse. Você é rápido demais
para mim.
- Obrigado, Arlene. Isso foi muito informativo.
Ele dirigiu-se para a porta do motorista e Arlene afastou-se do caminho, como
se soubesse que ela o faria. Colocou suas compras no assento do passageiro, entrou e
fechou a porta. Mas ela não se foi. Ficou parada na janela enquanto ele ligava o motor e,
antes que pudesse ir embora, bateu no vidro. Ele baixou-o até a metade.
- Então – ela disse. – Você quer sair ou não?
- Sim e não.
- Que inferno de resposta é essa?
- Do tipo honesto. O que você quer que eu diga?
- Eu quero que diga, “Não estou fazendo nada no domingo à noite, Arlene. Talvez
você e eu possamos pegar um cinema ou algo assim.”
Reuben suspirou. Deixou o Volkswagen engrenado e saiu do carro novamente.
– Arlene, você gostaria de ir ao cinema no domingo? – Ele não quis soar daquele modo,
mas pareceu petulante, como um garotinho a quem foi ordenado que pedisse
desculpas, mas não estava nem um pouco arrependido.
- Sim, eu gostaria. Mas aposto que vou me arrepender por ter começado com isto.
- Vou cobrir esta aposta com dois dólares também – disse Reuben, mas ele estava a
meio quarteirão de distância ao dizer isto.
CAPÍTULO 10
ARLENE
Ela cortou caminho até a casa móvel de dois andares de Bonnie através
de bugigangas, objetos caseiros, penas, cerâmicas, vidros e palhaços de porcelana.
Bonnie gostava de coisas e mantinha um bocado delas ao redor da casa, então nunca
seria por falta de abastecimento. Arlene se fez à vontade no macio sofá, num ninho de
almofadas bordadas.
- Então. Você finalmente saiu daquele maldito Laser Lounge. – disse Bonnie.
- É. Um sujeito veio e comprou o motor por 800 dólares, então tenho dois meses de
adiantamento nos pagamentos.
- E dentro de dois meses. O que, então?
- Cruzo esta ponte quando chegar nela. Pelo menos, vou estar com meu sono em dia
antes de começar a me preocupar. Não é por isso que eu vim conversar.
- Como você pode ter problemas de relacionamento? Eu pensei que tínhamos dito
nenhum novo relacionamento em seu primeiro ano.
Arlene suspirou e estudou o teto. – Bem, sinto muito, Bonnie, mas desta vez eu
não fiz o que você disse.
- Desta vez? – A voz aguda de Bonnie cortou o ar como uma sirene. Se houvesse cães
no quintal, Arlene imaginou que eles uivariam, mas cães não eram permitidos no trailer
de Bonnie. – Garota, onde você aprendeu a contar? Você nunca faz o que eu lhe digo. E
quanto a Ricky?
- Você o tem visto por aqui?
- Não, mas e se o virmos?
- Cruzo esta ponte quando chegarmos nela também.
- Em outras palavras, você só vai entrar numa dispendiosa farra e preocupar-se com
as contas quando elas chegarem.
- Eu não disse isto.
- É o que eu ouvi. Então, qual é o problema?
- Bem, eu saí com esse cara quatro vezes. Ele nem ao menos tentou me tocar. Ele é só
como... um completo... cavalheiro.
- Pobre garota. Homens são uns animais.
- Entretanto, foram quatro vezes, Bonnie. Não parece demais para você?
- Você nunca chegou a conhecer um sujeito antes de pular nele?
De fato, pensou Arlene, não, mas ela não se incomodou em dizer aquilo. – Ele
não tentou nem ao menos segurar minha mão. Como isto soa para você?
- Soa como se o sujeito tivesse melhor bom senso do que você, não como se fosse o
mais difícil concurso do mundo a se vencer. E sem ofensa. Olhe. Você não tem mais do
que sessenta dias de sobriedade. Sem tempo para somar sexo a seus problemas mais
imediatos, mas se vai fazer de qualquer forma, e eu sei que vai, pelo amor de Deus, vá
devagar.
- Eu acho.
- Garota, você ouviu uma só palavra do que eu disse?
- Maldição, estou tão doente e cansada de dormir sozinha, Bonnie. Cansada. E eu sei
que ele está também. Então, o que há de tão terrível? Quero dizer, qual é o problema
dele?
- Está perguntando a mim?
- É. Foi por isso que vim até aqui. Estou perguntando a você.
- Não acha isso um pouco estranho? Perguntar a mim?
- Você é minha madrinha.
- Então, supõe-se que eu devo saber o que esse sujeito, que eu nem mesmo conheço,
pensa?
- Você quer dizer, perguntar a ele?
Bonnie deixou escapar um ruído indefinível, enorme, e levantou as mãos num
gesto de derrota. – E ela pensa que está pronta para ter um relacionamento. Que Deus
nos ajude a todos. – Então, ela a conduziu até a porta, visto que Arlene ia naquela
direção de qualquer modo, com ou sem sua ajuda. – Ei, esse é o cara de quem você me
falou a respeito, aquele com as cicatrizes?
- Sim.
- Tem certeza de que ele sabe que você o quer?
- Bem, claro que ele sabe. Quero dizer, ele deve. O que eu estaria fazendo, saindo com
ele, se não o quisesse?
- É melhor ter certeza de que ele sabe. Não diga a ninguém que eu lhe disse isto.
Supõe-se que você deveria ter um ano de sobriedade primeiro.
- Sim, mas você sabia que eu não seguiria isto.
Bonnie revirou os olhos e bateu a porta.
Ela se sentiu como uma criança, pelo modo como teve que cercá-lo na
frente da porta de sua própria casa, como se seus pais estivessem esperando lá dentro.
O problema era que Reuben sempre pagava uma babá. Bem, não era um
problema, era muito gentil, mas aquilo era parte do problema porque se ela o
convidava, bem, então a garota viria e, se não tivesse carro, então Reuben teria que
levá-la para casa. Arlene não conseguia resolver aquilo. Então, quando ele a levou até a
porta, o que sempre fazia sendo um cavalheiro, ela aproximou-se e enlaçou seu
pescoço.
- Eu tive uma noite ótima – ela disse baixinho em seu ouvido direito. Os músculos do
pescoço e ombros dele retesaram-se. Ela esperou que ele dissesse o mesmo. Ou que
dissesse qualquer coisa, relaxasse ou colocasse os braços ao seu redor, mas estes
permaneceram inertes enquanto não dizia nada. – Por que está tão tenso?
- Eu pareço tenso?
- Estou o deixando nervoso? Quer que eu pare?
- Acho que tenho sentimentos contraditórios a respeito.
Desencorajada como foi, aquilo pareceu um bom começo para Arlene que
imaginou que sentimentos contraditórios eram melhores do que nenhum sentimento
afinal. Ela deu dois passos e chegou mais perto, mas ele cedeu e terminou com as costas
contra a porta. Desde que ele não poderia ir a lugar algum, ela o beijou. Não sentiu
diferença de beijar qualquer outro.
Foi um beijo suave. Ela não sabia por que, desde que ela estava guiando, mas
nunca sentira um beijo suave antes. E aquilo trouxe todos aqueles sentimentos suaves
ao seu estômago, como pequenos suspiros tentando sair apenas mais agitado. Ela
realmente não esperou ter gostado e nem que chegasse perto daquilo. Afastou-se para
fitá-lo, se dando conta de que aquele era o momento para descobrir, de um jeito ou de
outro, se o aborrecia. Mas ele virou um pouco a cabeça e ela encontrou-se olhando a
maior parte do lado direito de seu rosto, que era bonito e prazeroso de qualquer forma
– ela sempre pensara assim.
- Você finalmente vai entrar esta noite? – Era uma pergunta difícil de fazer porque
ela se convencera de que não dormiria sozinha aquela noite, embora soubesse que
deveria estar errada; e se estivesse, preferia ainda assim não saber.
- Tenho que levar a babá para casa.
- Você poderia voltar.
- Mas Trevor está em casa.
Ela ainda estava pressionada contra ele enquanto discutiam, com os braços ao
redor de seu pescoço, ouvindo as mudanças na voz dele e vendo oportunidades para
responder passando.
- Aquele garoto dorme como uma pedra. Você não conseguiria acordá-lo mesmo que
tentasse. Certa vez, quando morávamos em Paso Robles, a casa vizinha pegou fogo.
Sirenes no meio da noite, pessoas gritando. Eu tive que levá-lo para fora na rua, num
transporte de bombeiros, e ele ficou lá, pendurado em meu ombro, dormindo. Não se
preocupe com Trevor. Estou falando demais, não estou? – Ele sorriu, o que ela achou
encorajador, e então beijou-o novamente. – Então, você vai voltar, certo?
- Arlene, não estou certo de que...
Ela colocou um dedo em seus lábios antes que tivesse de descobrir do que ele
não estava certo. – Você não fica cansado de dormir sozinho?
- Claro que sim.
- Não se sente desse modo a meu respeito?
Ele escapou de seu abraço e deslizou para as escadas. – Oh, Deus – disse. – É
isto o que pensa?
Então, ele se sentia daquele modo a respeito dela, mas tinha que ir mais longe
para lhe dizer isto. Arlene continuou: - Você é como um santo, certo, e é por isso que
tem esse nome. Santo Reuben.
- Não. Você não tem idéia do quanto eu não sou santo. Se pudesse passar um minuto
em minha pele, saberia.
- Então volte.
Ela tomou-lhe a mão, com medo de perdê-lo antes que respondesse, e Reuben
disse que voltaria.
Eu sou uma panaca mesmo. Estava bem lá para eu ver. Leva somente
cinco minutos até a casa da babá e outros cinco para estar de volta, mas, tola que sou,
levei uma hora para perceber que ele não voltaria. Foi uma hora ruim também, porque
me importei um bocado com o fato de que ele não viria. Mais do que desejava ou
esperava. Loretta disse que eu estava tão acostumada com caras me apalpando que,
quanto mais ele não queria, mais eu desejava que o fizesse. Eu não sei. Não sou grande
coisa em psicologia. Ela fez parecer uma doença, como se eu quisesse somente o que
não poderia ter. Talvez eu apenas gostasse do modo como ele me tratava, como se não
fosse uma coisa barata. Talvez gostasse de ter um cavalheiro ao redor para variar. Mas,
então, sentada ali, pensando em todas as coisas que eu estava começando a gostar nele,
apenas tornou tudo mais difícil; o fato de que ele não voltaria.
Terminei sentada na sala de estar, esperando o carro dele voltar pela rua. Toda
vez que ouvia o barulho de um motor, eu sentia aquela pequena agitação no estomago
e, quando o carro passava e não era ele, sentia lágrimas nos olhos. Eu tive que lutar
muito para não deixar que isto acontecesse.
Engraçado como às vezes eu me envolvia com um sujeito porque pensava de
algum modo, por alguma razão, que com aquele cara em particular não doeria tanto.
Engraçado, mas ainda pensava que funcionaria depois de todo esse tempo, porque isto
nunca funcionou antes. Finalmente, eu desisti e telefonei para a casa dele. Ele
respondeu ao telefonema, dizendo: - Sinto muito, Arlene. De verdade.
E eu disse: - É assim, então? Nada nunca vai mudar? – Estava quase chorando e
sabia que ele podia ouvir isso, porque eu podia. Odeio isso.
Ele disse: - Você não poderia me dar um pouco mais de tempo?
Eu disse que sim, mas tinha uma maldita coisa por certeza, contrataria uma
nova babá e essa teria que ter seu próprio carro.
Ele riu quando eu disse aquilo. Fiquei feliz por ele ter rido. Rir sempre ajuda em
momentos como este e, se ele não tivesse rido, eu nunca teria percebido que estava
assustado até a morte. Acho que poderia ir devagar. Então, lá estávamos dando essa
bela risada juntos e a próxima coisa que eu soube foi que chorei, desatei a chorar sem
tentar esconder. Eu sei, sou emocional demais. Todo mundo me diz isto. Se Bonnie
estivesse lá, ela teria dito que este era o exemplo perfeito de como eu não estava pronta,
mas, graças a Deus, não estava.
E ele disse: - Arlene? Você está bem?
- Maldição – respondi. – Odeio tanto ter que dormir sozinha. E você acharia que sou
boa nisso agora. Fico assustada e solitária à noite, e nunca consigo dormir. Eu me
demiti do emprego noturno para poder dormir pra variar, mas isto só tornou as coisas
piores. Apenas me deu mais tempo para ficar lá deitada e assustada e solitária. Às
vezes, penso em me levantar e voltar para lá, apenas pra fazer a noite passar.
Eu não sei se ele entendeu sequer a metade do que falei, entretanto, porque
quando começo a chorar é difícil compreender a maior parte do que digo.
Ele ficou em silêncio por um minuto. Bem, não foi um minuto, mas pareceu que
sim. Então, ele disse: - Você quer que eu vá até aí na sua casa apenas para dormir?
- Sabe, isto seria muito bom porque eu meti na cabeça que você deveria estar aqui
essa noite. – falei.
- Me dê dez minutos. – Foi a última coisa que ele disse. Depois que desliguei o
telefone, cruzei a sala até a janela e olhei através das árvores para a pequena e fina lua
crescente amarelada sobre a colina, e sorri porque foi gentil da parte dele se oferecer.
Mesmo embora eu soubesse que ele não iria aparecer. Nem por um instante. Você sabe.
Mas aquele homem era todo cheio de surpresas. Aprendi a não tentar lhe adivinhar as
intenções depois de algum tempo.
Ela já tinha desistido e estava na cama quando ouviu a breve batida. Ela
vestiu o robe e deixou-o entrar.
Bem, abriu a porta para deixá-lo entrar, mas Reuben parecia estar paralisado
no batente da porta. Ela teve que pegar sua mão e puxá-lo. Arlene quis lhe oferecer um
abraço, mas parecia que se ela se aproximasse, ele se afastaria como fizera antes. Ela
virou-se e caminhou até o quarto, esperando que ele a seguisse, mal ousando virar-se
para ver se o fazia. Jogou o robe no chão, não pensando realmente no fato de como ele
se sentiria a respeito daquilo, o modo como ela dormia sem nada, mesmo se fosse
apenas para dormir. Quando olhou por sobre o ombro, Reuben estava parado na porta
de seu quarto, observando-a.
As luzes estavam todas apagadas, então estava escuro, exceto por aquela
pequena e fina réstia de luz da lua amarelada, e ela não percebeu que ele podia ver
muito mais do que somente o perfil esfumaçado dela puxando os cobertores,
arrumando um lado da cama para lhe dar bastante espaço. Com o tempo, ele se
aproximou do outro lado da cama e deitou-se por cima do cobertor. Estava vestindo
calça jeans e camisa branca, e ela nunca o tinha visto em jeans desde aquele dia quando
foi até sua casa. Quando ele vinha buscá-la para saírem, sempre estava bem vestido,
com gravata e tudo.
Arlene rolou um pouco para mais perto e descansou a cabeça no ombro dele.
Depois de mais alguns minutos em silêncio, ela disse: - Você quer que eu tire meus
brincos? Eles estão incomodando? – Ela possuía três brincos daquele lado e não queria
deixá-lo desconfortável, dando-se conta de que ele nunca diria se estivesse.
- Não. Não consigo nem mesmo senti-los. – Era a primeira vez que ele falava desde
que entrara em sua casa. Sua voz soou baixa e cuidadosa.
- Obrigada por ter voltado, Reuben.
- Por que está fazendo isto? E não diga que é porque odeia dormir sozinha. Tenho
certeza de que existem vários homens que gostariam de estar aqui com você esta noite.
- Tem o número do telefone de qualquer um deles?
- Foi porque Trevor nos quis juntos?
- Maldição, Reuben. A que ponto você acha que eu iria para ajudar aquele garoto com
sua lição de casa?
- Por que eu, então?
Arlene sentou-se. – Você sabe qual é o seu problema?
- Não, mas felizmente tenho você para me dizer.
- Seu problema é que você se preocupa demais com sua aparência. Eu não me
importo tanto quanto você, nem possivelmente poderia. Mesmo que eu me demitisse
do emprego diurno, não teria tempo. Você alguma vez já considerou que, se não tivesse
sido ferido como foi, você seria bom demais para mim? Eu quero dizer que você estaria
numa liga totalmente diferente que nem mesmo me daria um tempo de seu dia.
- Ninguém está fora de sua liga, Arlene. Você é bonita demais.
- Há muito mais coisas nessa história de liga do que somente aparência.
- É uma coisa boa para mim, se for verdade.
Havia um lado da história muito maior para ela, mas não havia palavras para
descrevê-la. Não faria sentido para ele provavelmente, ou nem mesmo soaria
verdadeiro se ela dissesse que gostava dele porque ele a pegava para saírem vestindo
uma gravata, pagava por uma babá, levava-a a um belo restaurante e então a
acompanhava até a porta. Como você explica a um sujeito que até conhecê-lo, você não
sabia que estava tendo um negócio ruim?
Ela encostou o rosto no ombro dele e passou um braço por sobre seu peito, um
peito grande e sólido, ela pensou, do tipo que espanta maus espíritos no escuro. – Não
leve isso para o lado errado, mas você não ficaria mais confortável sem estas roupas?
Reuben não respondeu de imediato, de fato, ela pensou que ele provavelmente
nunca o faria. Então, disse: - Talvez da próxima vez. Talvez amanhã.
E ela se sentiu tão aliviada em pensar que ele estaria ali novamente amanhã que
não disse qualquer outra palavra, não querendo dizer ou fazer algo que pudesse
quebrar aquela magia.
CAPÍTULO 11
MATT
Querido Matthew,
Se você está lendo isto é porque já faleci. Deixei esta carta com alguns objetos
pessoais e um bilhete a meu filho, Richard, pedindo que a postasse depois que eu me
fosse. Esta manhã, eu dei alguns telefonemas. Para minha companhia de seguros e
meu advogado. Tive que tomar uma grande decisão, e o fiz.
Eu tenho uma apólice de seguro de vida no valor de U$ 25,000 e decidi não
deixá-la para meu filho. Não confio que ele usaria do modo correto. Eu decidi reparti-
la de três maneiras. $ 8,333 irão para você. A mesma quantia para Terri, de quem eu
também gosto muito, e a outra terceira para aquela gentil dama do Abrigo de Gatos
porque é desinteressada e faz um bom trabalho. Isto deixa um dólar a Richard. Ele
vai espernear e será bem temperamental. Eu acho que você deve atender à leitura do
testamento e pode não ser agradável. Mas trabalhei nisso cuidadosamente com meu
advogado. Richard pode contestá-lo, e provavelmente o fará, mas não vai vencer.
Selamos tudo cuidadosamente.
Você deve fazer o que quiser com este dinheiro, mas estou confiando em você
para que o use bem. Não desinteressadamente, apenas bem. Definitivamente gastá-lo
consigo mesmo. Mas não o desperdice. Se você quer saber por que escolhi você, foi
porque sempre teve um sorriso gentil, perguntou-me como estava me sentindo. E
então, você ouvia a resposta. Você nunca me fez sentir como se eu não importasse ou
como se não estivesse lá.
Agora. O dinheiro não é exatamente de graça. Eu lhe fiz um grande favor. Bem,
os maiores favores estão em meu poder fazê-los. Eu sei que $ 8,333 não são muito
como costumava ser. Mas é tudo que eu tenho. A casa foi hipotecada plenamente e os
pagamentos de meu seguro social terminam quando o faço.
Aqui está o que eu quero que faça. Faça um favor bem grande a três pessoas.
Não precisa ser dinheiro. Apenas dê-lhes algo que seja tão grande para você quanto
os $ 8,333 são para mim. E quando eles tentarem pagar de volta, diga-lhes que, ao
invés disso, paguem adiante. Dê-lhes seu tempo, se você tiver, ou sua compaixão. Um
bocado de pessoas têm dinheiro, mas não tem isso.
Você é um bom garoto. Aproveite o dinheiro.
Com os melhores votos,
Ida Greenberg
Pouco mais de seis semanas depois, ele teve o dinheiro nas mãos.
Imediatamente fez um depósito de cinqüenta dólares no apartamento, assim o cara não
o alugaria para outra pessoa. Passou a noite lá, num saco de dormir. Ele tinha uma
cama decente na casa de alguns amigos, mas ainda não tinha como fazer a mudança.
Quando abriu a janela, viu-se direto no telhado inclinado porque aquele
apartamento costumava ser, certa vez, um sótão antes de alguém dividir a casa. Sentou-
se sobre o telhado no escuro, no frio, de calção e sem camiseta, apenas apreciando o
silêncio. O que ele viu daquele telhado foram árvores e nada mais. Apenas um lado da
colina coberta de árvores. E um raio da luz amarelada da lua brilhando através delas. O
que era mais do que o suficiente.
Então, ele ficou sentado lá por um longo tempo, se perguntando para onde as
pessoas iam quando morriam e o que ele possivelmente poderia fazer por alguém que
significasse tanto quanto estes $ 8,333 significaram para ele. E o que comprar com o
resto do dinheiro. E se a Sra. Greenberg saberia. Ele não imaginava que ela
provavelmente soubesse; parecia um lugar comum pensar que estava observando. Mas
ele nunca conheceu alguém que morreu, nunca pensou muito a respeito, e não estava
completamente certo de que ela não saberia. Do contrário, $ 8,333 dólares não seria
algo que ele pudesse levar ao banco.
O que o fez pensar em decisões, e se as suas eram boas e como isto o mudaria,
não estando completamente certo se ela tomaria conhecimento. Mas era um assunto
longo para se pensar e não muito claro; e antes que terminasse, ele se sentiu com frio e
sonolento, então entrou e foi para a cama.
Na manhã seguinte, ele levou seu pedaço de lixo de motocicleta para a
concessionária Honda em San Luis Obispo. Disseram que lhe dariam $ 75 em troca. A
primeira coisa que chamou sua atenção foi uma bela e novinha 750cc. Com um pára-
brisa e toda aquela aerodinâmica de era espacial, em vermelho e branco, com trabalho
de pintura sob medida. Ele se sentou nela. Não deveria tê-lo feito. Custava quase $
7,000. O que era muito perto de tudo que lhe sobrara depois do primeiro e último valor
do aluguel e aquele grande depósito de segurança. Mas maldição. Era mais do que bela.
Era como... poder. Mas era demais. Eles também tinham uma nova 350cc, como a sua
velha moto, mas sete anos mais nova em modelo e sem milhagem. E uma luz de ponto
morto e partida elétrica. E então, por $ 3,500, eles tinham uma 250cc. Com uma bela
pintura. Novinha em folha. 350, 250. A de 250 seria rápida o suficiente para correr
numa auto-estrada. Apenas simples. E se pudesse ir mais rápido talvez aquilo só o
ajudasse a conseguir uma multa da qual ele não poderia se dar ao luxo. O seguro já
comia demais de seu cheque como estava. Então, ele se sentou novamente na 750cc,
sentindo aquele poder. Ninguém passaria ao lado dele enquanto estivesse sobre aquele
“bad boy” para falar sobre rodinhas de treino. Mas era demais. Era quase todo o
dinheiro da velha senhora. Aquilo era tudo que ela possuíra, aquele seguro, como se
alguém o tivesse depositado em sua vida e fosse tudo que se somara. Aquilo estava lhe
dando uma dor de cabeça.
Ele pegou seu velho pedaço de lixo e dirigiu até o Taco Bell. Comeu um burrito,
pensou um pouco mais. Então voltou e comprou a 250cc. E no caminho de casa, parou
no Colégio Cuesta para pegar um catálogo de todos os seus cursos intensivos. Sentado
em sua moto novinha em folha, no estacionamento, ele folheou o catálogo e foi legal
porque não havia possíveis combinações de cursos que não pudesse freqüentar. Enfiou
o catálogo na mochila e deu a partida no motor novinho e limpo quando apertou o
botão. Pegou a Estrada 41 apenas para sentir as curvas.
Então lá estava. Se ela pudesse vê-lo, saberia que ele tomara uma boa decisão. E
se não, bem. Se não, ele poderia ver. Saberia que não desperdiçara, queira ou não a Sra.
Greenberg tenha descoberto.
Do Diário de Trevor
Mary Anne e Arnie nunca foram legais comigo. Como quando eu lhes
disse que achava que Clinton venceria as eleições. Arnie me gozou e riu de mim. Bush,
ele disse. George Bush. Apostamos. Mary Anne veio para a escola no dia seguinte com
um boné que dizia, “Ross Para Chefe”. Como se você soubesse muito, ela disse. E eu que
costumava sentir esse negócio pela Mary Anne também. No que eu estava pensando?
De qualquer modo, minha mãe disse para não lhes dar atenção. Ela me contou
uma história de quando era criança, e disse a seu tio Henry, que era um grande fã de
futebol, que Joe Namath e os Jets arrasariam os Colts no Super Bowl. Ele riu dela.
Então, quando os Jets venceram, ele nunca mais falou a respeito. Ela disse que algumas
pessoas não conseguem suportar que estão erradas. E eu disse, os Jets e os Colts no
Super Bowl? Cara. Isto deve ter sido há um século atrás. Ambos os times fedem
totalmente agora.
Obrigada, ela disse. Agora eu me sinto realmente velha. Quando eu tiver que
levantar e disser que meu projeto fracassou, Mary Anne e Arnie vão me dar o inferno. É
claro que eu espero que Clinton vença as eleições.
CAPÍTULO 12
REUBEN
Do Diário de Trevor
CHARLOTTE
ARLENE
Ela parou na frente da varanda dele com uma mão pronta para bater na
porta e o coração batendo tão forte que conseguia ouvi-lo. Ela não fizera nada de
errado, o que era exatamente o que pretendia dizer a ele quando parou ali, mas então,
por que tinha tanto medo que ele lhe dissesse pra ir para o inferno? Exatamente
quando tudo aquilo dera errado novamente? Arlene decidiu que devia ter estado em
outro quarto quando tudo aconteceu sem ela. Bateu com força na porta e,
imediatamente, quis fugir. De fato, deu dois passos para trás quando ele abriu a porta.
Ele vestia um calção azul-escuro e uma justa e simples camiseta branca.
- Arlene.
- Reuben, você acha que eu sou fácil?
- Não. De fato, acho você um bocado difícil. – Então ele se inclinou contra o batente
da porta e sorriu. E ela não conseguiu se sentir ofendida com o que ele disse, porque era
um belo sorriso, embora o canto esquerdo de sua boca não puxasse muito, então, ele
deveria estar provocando-a de um modo gentil.
- Lá vai o roto falando do rasgado. Posso entrar por um minuto?
O sorriso desapareceu. – Oh. Uh. Está uma bagunça.
- Sua casa? Fale sério. Você não é do tipo para ter uma bagunça.
Ele abriu a porta só um pouco para lhe mostrar o interior de sua sala de estar,
toda abarrotada com caixas de papelão para mudança. – Eu ainda não desempacotei
tudo.
- Bem, diabos, Reuben. Isso não é uma bagunça. Não é sua culpa se todas as suas
coisas acabaram de chegar, certo?
- Certo. – disse ele, ainda não parecendo estar certo de si mesmo; mas afastou-se do
caminho na porta e a deixou entrar. – Por que você pensaria que é fácil?
- Diabos, eu não sei. De qualquer forma, eu nunca sei o que você está pensando. Só
queria ter certeza de que não pensa assim. – Ela encontrou um lugar no sofá.
- Você é fácil?
- Bem, não. Eu acho que não. Bem, não pelos meus padrões. Quero dizer, eu me dou
bem com sexo, não é isso. Mas, se estou com um cara, então ele é o único. Ricky já foi
embora há mais de um ano e eu ainda não estive com ninguém mais. Isso não faz de
mim exatamente promíscua. E quanto a você?
- Não, eu não sou exatamente promíscuo tampouco. Posso lhe oferecer algo para
beber? Você gostaria de uma cerveja?
- Diabos, eu adoraria de montão, mas não. Sou uma alcoólatra em recuperação.
- Oh, desculpe-me. Isso foi estúpido de minha parte.
- Você não sabia.
- Eu notei que você nunca pediu drinques, mas não pensei a respeito.
- Nós ainda não nos conhecemos realmente tão bem assim.
Aquilo era a outra parte do que ela viera lhe dizer. Que ele se mantinha tão
calado sobre si mesmo que se sentia um estranho, o que deveria explicar por que ela
terminou se sentindo tão barata.
- Eu tenho suco de laranja e ginger ale.
- Ginger ale seria ótimo.
Ele afastou-se para pegar a bebida e ela ficou ali sentada, roendo a ponta das
unhas, dizendo a si mesma que parasse com aquilo, mas não parando. Pelo menos, ele
não disse que fosse para o inferno. Quando lhe entregou o copo gelado, ela disse: - O
que eu fiz de errado, Reuben? Não tenho a mínima idéia. O que havia de errado com
beijar aquele lado de seu rosto afinal? É tudo você. Eu só estava, você sabe, aceitando-o.
Como parte de você.
Ele se sentou ao lado dela, empoleirado na beira do sofá, do modo como fazia
quando algo o deixava desconfortável. Bem, veja, ele não era um total estranho. Ela
sabia aquele tanto a seu respeito.
- Não estou certo de que eu consiga explicar.
- Sabe o que Trevor me disse? Ele disse que você lhe contou que é melhor não fingir
como se não tivesse notado porque isto não o enganaria nem um pouco, de qualquer
forma. E você sabe, quando ele disse aquilo, fez total sentido. Eu pensei, tenho feito
errado durante todos esses anos, nossa, e estou certa de que não vou cometer este erro
novamente. Então, não tratei aquele lado de seu rosto como se não existisse. E daí, você
foi embora com raiva e eu não tenho ouvido a seu respeito desde então.
- Eu sinto muito.
- Você sente? – Ela não pensou que ele sentiria; pensou que, de algum modo, ela
deveria estar sentindo muito, que ela era a culpada. Era o modo como normalmente
seria. – Oh. Bem, está tudo bem. É só que feriu meus sentimentos um pouco naquela
hora.
Ele deslizou até ela e deu-lhe um abraço. Ele nunca fizera aquilo antes. E ela
sempre quis que ele o fizesse e sempre notou aquela falta, então, por que agora que
estava ali, parecia fazer com que se sentisse um pouco inquieta? Ele não a soltou de
imediato tampouco. Apenas segurou-a por um minuto, fazendo Arlene pensar que
talvez fosse chorar novamente e, se o fizesse, ele acharia que ela era algum tipo de
caixinha emocional, sempre chorando por qualquer coisa.
- Você está certa – disse ele, a boca perto de seu ouvido. – Eu fico zangado quando as
pessoas fingem não notar e fico zangado quando sei que elas fazem isto. Não tenho
certeza do que eu quero das pessoas. Acho que quero que não pulem a um quilômetro
de distância quando me vêem pela primeira vez, e eu nunca vou entender.
Então ele a soltou, tendo certeza suficiente de que àquela altura, ela estava
chorando porque se sentia muito mal por ele. O que, de um modo – mas um modo que
nunca tentou explicar – foi a razão pela qual ela beijara seu rosto naquela manhã.
Sentindo-se mal por ele, como Trevor se estivesse com o joelho ralado, como se ela
tivesse sido uma mãe por muito tempo e pensasse que poderia fazer tudo melhorar se o
beijasse.
Ele não teve qualquer reação às lágrimas dela, e ela se perguntou se queria que
ele as notasse ou fingisse não notar. Era um problema complicado e ele estava certo a
respeito daquilo. Então, Reuben disse: - Arlene, eu tenho uma confissão a fazer. Estas
caixas não acabaram de chegar. Elas têm estado aqui por meses. Eu só não consigo me
forçar a desempacotá-las. Mudei-me três vezes nos últimos quatro anos. Fiquei tão
cansado disso. Toda vez que eu tento desempacotar, fico esmagado.
Ela fitou-o e enxugou as lágrimas nos cantos dos olhos, cuidadosamente, para
não borrar a maquiagem. – Isso é tão maravilhoso.
- O quê?
- Que você tenha me dito isso. É a primeira coisa real que você, alguma vez, me
contou a respeito de si próprio. E o que é ainda melhor, eu posso relacionar isto
totalmente a você. Não a mudança, mas diabos, me sinto desse modo a respeito de todo
tipo de coisas. Fico esmagada. Como se paralisada.
E Reuben disse: - É assim mesmo. – E ambos sorriram um para o outro,
ficando embaraçados novamente.
- Talvez fosse mais fácil se você não tivesse que fazer isto sozinho. Eu poderia ajudá-
lo a desempacotar.
- Você faria isto?
- Claro que faria. Inferno, para que servem os amigos? Apenas deixe-me usar seu
telefone um minuto para dizer a Trevor onde eu estou.
É claro que a primeira coisa que Trevor falou foi se ele poderia vir e ajudar
também, então Arlene cobriu o bocal e indagou a Reuben se ele poderia vir. Reuben
respondeu que sim, é claro, mas além disso, ele tinha aquele olhar terno no rosto, como
se realmente gostasse de Trevor, o que Arlene já sabia, mas toda vez que ela o via,
gostava ainda mais do que antes. Ele tinha bom gosto em crianças, foi tudo que ela
pôde dizer dele.
Ela meteu o filho na cama as dez, desde que era sábado e não teria que
ir para a escola no dia seguinte. Ele perguntou se poderiam ter um gato e ela evitou
responder. Poucos minutos depois, durante o noticiário das onze, veio a batida. A chuva
estava caindo realmente forte agora. Ela não havia se dado conta do quanto até que
abriu a porta. Chovia aos cântaros atrás dele, e ele ficou ali parado na sua varanda,
ensopado, os cabelos e roupas saturados, a água pingando de seu queixo.
- Você está ensopado. É melhor entrar. – Ele deu um passo para dentro e ela fechou a
porta atrás dele. – Vou pegar uma toalha. – Ela entrou no quarto e foi até seu próprio
banheiro para pegar uma toalha grande e felpuda. Quando voltou, ele a seguiu até o
quarto e ficou parado junto à cama, pingando água no carpete. Ela o fez sentar-se na
beira da cama e enxugou-lhe os cabelos curtos. – Não leve isto a mal, mas o que está
fazendo aqui?
- Senti-me solitário. Foi uma coisa engraçada. Algo a respeito de ter você e Trevor na
casa comigo o dia todo. Depois que vocês se foram, a casa pareceu tão vazia. Eu não
quero mais ser solitário, Arlene.
Ao dizer aquela última coisa, ele se aproximou e colocou a mão direita ao redor
de suas costas, puxando-a para mais perto. Ela descansou um joelho sobre a cama ao
lado dele e segurou sua cabeça, sentindo a umidade das roupas molhadas ensoparem
seu roupão. Ele não a tocou de nenhum modo íntimo, apenas abraçou-a bem junto de
si, mas sentiu-se íntimo, muito, com o modo como sua testa pressionava-se contra o
peito dela e seu rosto apenas permanecia entre seus seios, a respiração quente.
- Por que não pegou o guarda-chuva, seu tolo? – Ela sabia que ele tinha um. Ela
mesma o arrumou.
- Eu não consegui encontrá-lo.
- Eu o coloquei em seu armário da frente.
- Oh. Eu não pensei nisso. – Um gentil beijo no decote em V de seu robe, na parte
óssea de seu peito, fez com que ficasse difícil para engolir.
- Todo mundo não guarda seus guarda-chuvas no armário?
- Não. Eu não.
- Onde você guarda o seu?
- No cesto de guarda-chuvas.
- Que cesto?
- Aquela coisa alta de vime.
- Oh, era aquilo? Eu achei que fosse algum tipo de vaso para plantas grande e fininho.
Coloquei-o na varanda dos fundos.
Ela pôde senti-lo inclinar-se para trás, ainda abraçando-a e, se ele inclinasse
todo para trás até a cama, ela ficaria por cima dele, o que não poderia manejar a curto
prazo. Então ela resistiu sem perceber.
- Você parece tensa – ele disse.
- Pareço?
- Da última vez, você pareceu tão certa.
- Sim, bem. Alguém tinha que estar.
Ele inclinou um pouco a cabeça para trás e ela enxugou-lhe o rosto com a
toalha. Mesmo que a maior parte da umidade tenha secado em seu robe. Talvez ela
tivesse sorte e não teria que explicar. Talvez ele apenas soubesse de algum modo. Se ele
perguntasse, talvez ela lhe desse a razão mais fácil, não que não fosse verdade. Que era
difícil, estando malditamente sóbria e tudo, acostumada a ter aquele calmante para
superar os momentos mais duros e que não podia se impedir de ser quando duas
pessoas são tão novas uma para a outra. Mas a maior parte daquilo não era. A maior
parte era, tanto quanto podia dizer, que talvez estivesse errada a respeito do que aquilo
poderia ser. Ele não era do tipo de homem do “enquanto isso”.
E então, ouvindo a chuva sobre o telhado, puxando a cabeça dele contra si
novamente e mantendo-a lá, ela foi capaz, pela virtude da presença dele, de superar
suavemente o momento, de saber o que deveria ter sabido o tempo todo. O que ela
soubera o tempo todo, num lugar bem lá no fundo, o que sabia melhor do que se
permitira descobrir. Sozinha, de qualquer forma.
Que Ricky nunca voltaria.
E mesmo se voltasse, o que não faria, que tipo de mulher ela seria se abrisse a
porta? Ela se inclinou sobre ele e Reuben terminou de costas sobre a cama com Arlene
por cima; e aquele belo e jovem homem da fotografia retornou novamente, invadindo a
mente dela. Ela nunca compreenderia as forças que o trouxeram até ali. Aquilo a trouxe
de volta a seu lugar de novo, aquele lugar da qual ela não gostava. O lugar onde sabia
que, com todos os direitos, ele era algo que nunca seria capaz de possuir.
CAPÍTULO 15
REUBEN
Quando ele finalmente encontrou o anel que sabia ser o anel certo, ele
viu que teria que fazer tudo exceto drenar suas economias, o que odiaria fazer. Dinheiro
para os dias chuvosos. Aquilo fazia com que se sentisse bem, apenas saber que estava
lá. Mas sabia que não estaria lá por muito tempo.
O anel não era grande o suficiente para ser espalhafatoso, mas era grande o
bastante, composto em ouro branco com pequenos diamantes em meia-lua. Um pouco
fora de moda, mas ele gostava daquilo. Um pouco como o de sua mãe, mas não o
bastante para ser significativo. Era o certo porque ele sabia que era. Ele deixou o anel
exposto na loja e foi para casa, obcecado a respeito. Decidiu descansar com aquilo, mas
não dormiu bem. Pela manhã, ele voltou à joalheria novamente, com medo que tivesse
sido vendido. Quando viu que não foi, deixou-o separado, sabendo que ainda poderia
mudar de idéia.
Mas após seu próximo encontro na mesa do café da manhã com Trevor, ele
soube que tinha que fazê-lo. Olhou para Trevor e soube. Ele não poderia comprar um
anel barato ou baratear seu relacionamento não comprando nenhum afinal. Fazer a
coisa certa por Arlene era fazer o certo por Trevor. E, é claro, por si mesmo.
Ele teve o anel em seu bolso na noite seguinte, ao pegá-la para jantarem
fora. Ela vestia uma blusa de seda rosa e sorriu-lhe abertamente, parecendo para o
mundo todo como alguém que ele sempre conheceu e quis, sem nenhuma dúvida no
meio. Enfiou a mão no bolso de sua jaqueta e segurou a pequena caixa de veludo. Ele
tinha certeza. Quase o dera, mas perdeu a oportunidade. Mas iria dá-lo. Era somente
uma questão do momento certo. Ele tinha certeza.
Ela poderia não ter. Ele esteve tão ocupado com suas próprias dúvidas que
esquecera de considerar a muito real possibilidade de que ela pudesse dizer não. Tirou
a mão do bolso e tentou esquecer que a caixa estava lá.
Quando a acompanhou até a porta da casa dela, mais tarde naquela noite,
ambos reclamaram exaustão. Reuben deu-lhe um pequeno e casto beijo. O momento
deixou-o nervoso e lembrou-o da noite em que ela viera até seus braços
inesperadamente, com um oferecimento de si, justo no momento em que ele esperara
ser mandado embora. Ele a amou por aquilo. Mesmo quando fugiu. Todo o resto foi um
jogo para evitar aquele exato momento, quando soube malditamente bem que ela era o
que queria, e soube também que algo estava errado.
- Você está bem? – ela disse. Sua voz soou fraca. Assustada. Ou era ele quem estava
assustado o suficiente para ouvir daquele modo.
- Claro. Por que eu não estaria?
- Eu não sei. Você parece um pouco esquisito esta noite.
- Apenas cansado.
- É. Eu também.
Ele chamou a si mesmo de covarde a caminho do carro. Na metade do caminho
para casa, o pensamento o atingiu, como acordar de um sonho. Ele não conseguia
imaginar no que estivera pensando ou por quê. Não conseguia acreditar que quase
dissera em voz alta. Pensou em Arlene, tentou trazer sua imagem à cabeça, mas era
como se ela fosse uma estranha. Quando chegou em casa, encontrou o recibo do anel
em sua gaveta, exatamente onde o deixou.
Miss Liza pulou na cama com ele e esfregou-se contra seu queixo. Ele lhe
contou tudo. Descreveu o penhasco da qual quase pulara. Ela concordou que humanos
eram impulsivos e estranhos. Quando muito. Ele lhe contou que devolveria o anel pela
manhã, mas nunca exatamente convenceu-se disso.
CAPÍTULO 16
SIDNEY G.
Ele vacilou para dentro e fora do espaço da consciência. A dor estava lá,
esperando pacientemente por ele. Levantou-se em questão de um minuto. Ele sempre o
havia feito antes. Havia algo de limpo e vitorioso a respeito de acordar sentindo-se mal
assim. Significava que ainda estava vivo. Que sobrevivera novamente.
Ele abriu os olhos. O teto rodou ligeiramente. Olhou para baixo, para seu braço
direito, a fonte da pior dor. Claramente estava quebrado no cotovelo, inchado duas ou
três vezes mais do que seu tamanho natural e apontando para uma direção não-natural.
Procurou por seu vidro de comprimidos no bolso da jaqueta com a mão esquerda.
Derramou o conteúdo em seu colo. Encontrou dois Percodans e engoliu-os sem água.
Então permaneceu deitado, com os olhos fechados, contando os danos. Seus joelhos
pareciam contundidos e esfolados, mas ele não quis ver. Não ainda. Nenhum
movimento significativo, até que as pílulas fizeram efeito. E sentiu um lugar em suas
entranhas que poderiam ainda envolver uma ou duas costelas quebradas. Tomar um
completo e profundo fôlego era algo entre desaconselhável e impossível.
Ele derivou meio adormecido por alguns minutos e, então, aquilo o varreu, o
alívio, como o desligamento de um interruptor. Gradualmente silenciando a dor,
afastando-a para longe na escuridão até que praticamente não estivesse mais ali afinal.
Moveu-se para levantar. Bem, a dor estava lá, de fato, mas era quase como se outra
pessoa a tivesse. Ficou de pé e deteve-se, oscilante e nauseado. Olhou ao redor e
encontrou-se num pequeno e mal-mobiliado apartamento. Ninguém à vista. Caminhou
até a janela aberta, esperando que o ar fresco pudesse ajudá-lo.
Ele encontrou o garoto do lado de fora, sentado no telhado. Parecia magro e
pálido, com não mais do que vinte anos, como alguém com quem Sidney G. nunca
andaria nem em um milhão de anos.
- Ei – disse o garoto.
- Ei. – Sidney G. deu um suspiro de alívio, aceitando conscientemente agora que
estava vivo, e dopado o suficiente com os Percodans, para considerar aquilo uma coisa
boa. – Você deve ser o cara que me tirou de lá ontem à noite.
- É. Eu teria o levado para um hospital, mas você desmaiou. Mal pude mantê-lo em
cima da moto. Tive que segurá-lo com sua mão esquerda sobre meu ombro. Não pude
mexer com a embreagem. Tive que vir para casa num segundo. Não ousei tentar ir mais
longe.
Vê?, pensou Sidney. A vida tinha sua maneira de ser boa para ele. Só do que ele
não precisava era de uma viagem para o hospital. Comece lá, termine na cadeia. Nem
mesmo estaria nesse lugarejo atrasado se pudesse ter um paradeiro, pra começo de
conversa. Garoto estúpido, nem mesmo teria pensado nisso, mas resolveu tudo sem
nenhum problema. Voltaria para L.A., quietinho, e veria aquele médico que guardava
bons segredos. E então escaparia da cidade novamente, antes que alguém desse uma de
esperto.
- Sabe, garoto, é uma coisa boa que você não seja como eu. Uma coisa boa para mim,
é isto. Eu teria ficado no fim daquele beco, sentado e rindo. Imaginando o que aquele
filho da puta traria para fora.
O garoto levantou os olhos para Sidney G. com um olhar sombrio e frio em seu
rosto. Nenhum senso de humor, nenhum estilo. Um bom corte de cabelo, mas nada
mais do que isto. Nada de substancioso por dentro.
- Um modo engraçado de dizer obrigado.
Sidney G. sentou na beirada da janela. Ele não diria obrigado, não a menos que
enfiasse isto malditamente bem na cabeça. Certeza, como o inferno, que não diria isto
numa deixa. Observou as árvores ao longo da rua, onde um pequeno retalho branco da
lambreta aparecia. Vê-la o fez se sentir bem. Em algum lugar, bem lá no fundo, fez com
que se sentisse bem. Como na noite passada.
- Você tem uma lambretinha bonita aí. Já rodou numa moto de verdade? – Sidney G.
tirou um cigarro do bolso. Tentou acendê-lo com a mão esquerda. O garoto arrancou-
lhe o cigarro e o isqueiro e jogou-os na rua. – Ei.
- Não em meu lugar.
- É, inferno de belo lugar você tem aqui. Um verdadeiro palácio.
- Dane-se.
- Perdão?
- Você ouviu. Eu disse, dane-se.
O garoto entrou pela janela. Sidney afastou-se, grogue em razão dos
comprimidos. Como ele pôde ter se afastado? Nunca o faria, nem mesmo na cara da
morte. Mas aquele braço. Ele não queria que fosse nem mesmo tocado, empurrado,
além do mais, não conseguia pensar direito. Então, Sidney terminou com as costas
contra a parede nua e este punk infeliz direto em seu rosto.
- É uma moto de verdade e é uma maldita coisa boa para você que seja pequena ou
nós estaríamos mortos. Aquele sujeito que estava tentando te matar quase conseguiu
derrubá-la. Se eu não conseguisse mantê-la de pé com uma das pernas, ambos
estaríamos mortos agora. Por que eu fiz isto? Por que arrisquei minha vida para ajudá-
lo? Você é um cuzão.
- Perdão?
- Você me ouviu.
- Eu poderia te derrubar com uma mão presa às costas.
- Vá em frente.
Mas, mais uma vez, foi bom que ele estivesse machucado. Além do mais, aquele
estúpido fedelhinho o ajudara, mesmo sendo um ranho a respeito agora.
- Por que fez isto afinal?
- Eu não o conhecia ainda. Não sabia o cuzão que você é.
- Por que você ajudaria alguém que nem mesmo conhece?
- Você não entenderia.
O garoto se afastou do rosto de Sidney e ele, que concordava que provavelmente
nunca entenderia, desceu as escadas, encontrando seu cigarro e isqueiro no gramado
da frente. Sentou-se, fumando por algum tempo, e imaginou o que fazer em seguida.
SIDNEY: Eu não sou um cara ruim. Sou um cara ruim? Sou como qualquer outro, eu
acho, só que eles estão mortos e eu ainda estou aqui. Você acha que eu sou um cara
ruim?
CHRIS: Eu nem mesmo o conheço, Sidney.
SIDNEY: Fere meus sentimentos que ele tenha pegado uma antipatia por mim. Não
que me importe. Quero dizer, que panaca. Mas você pensa, alguém salva sua vida, será
especial daquele ponto em diante. A única coisa especial foi quando ele me contou a
respeito do Movimento. Eu não conhecia ainda. Perguntei-me se aquilo atingiria L.A.
ou se eu seria o sujeito a levá-lo. Mas este é um modo ruim de ouvir afinal. Alguém lhe
diz que você não é bom o bastante nem para sentar na frente de seu gramado. Mas eu
ainda estou tentando entender, sabe, por que alguém perderia tempo para fazer o que
ele fez. Então, ele me conta a respeito do Movimento, mas diz que não me é permitido
tocar. Você acredita nessa merda?
CHRIS: Ele estava com raiva.
SIDNEY: Ele te disse isso?
CHRIS: Sim. Ele disse.
SIDNEY: Eu não acredito nessa merda. Por quê? Porque eu desdenhei a lambretinha
dele? Por que teria essa antipatia por mim? Como se eu tivesse algum tipo de doença,
como se fosse destruir a coisa toda. Movimentos são para as pessoas. Eles pertencem às
pessoas. Eu sou uma pessoa tanto quanto um louro com uma lambretinha.
CHRIS: Matt. O nome dele é Matt.
SIDNEY: É, que seja. Ninguém me diz o que eu posso ou não tocar.
Do Diário de Trevor
Eu não tenho idéia do que aconteceu entre Reuben e mamãe. Deve ter
sido realmente estranho, no entanto. Pois agora toda vez que eu vejo Reuben, ele diz,
“Então, Trevor. Como está sua mãe?” E daí, diz, “Então. Ela alguma vez perguntou a
meu respeito?”
Perguntar o quê? Eu sempre fico imaginando. Mas, normalmente, é melhor eu
não me meter nessas coisas. Então eu chego em casa, e mamãe diz, “Tem visto
Reuben?” E eu digo, sim, vejo o tempo todo. E ela diz, “Então, ele alguma vez falou a
meu respeito?”
Às vezes, eu quero gritar com os dois. Eu quero dizer, “Apenas conversem um
com o outro! Não é tão difícil! Quer dizer, isto não é uma cirurgia de cérebro, pessoal.”
Mas crescidos odeiam quando você fala assim com eles. Então, eu tenho este
sistema. Nunca digo, a nenhum dos dois, o que realmente querem saber. Daí, mais cedo
ou mais tarde, eles vão ter que desistir e conversar um com o outro. Às vezes, preocupo-
me de que eu vá ser assim, estranho a respeito de uma garota, quando crescer. Odeio
pensar que sim.
CAPÍTULO 17
ARLENE
Loretta misturava leite ao seu copo de café com aquele pequeno som de
clink-clink que rangia nos nervos de Arlene. A máquina Sr. Café de Loretta estava
quebrada novamente e, desde que nunca gostou de instantâneo, ela apareceu na casa de
Arlene por café nesta manhã. A cafeteira de Arlene nunca quebrou então ela se forçou a
concluir que Loretta usava demais a dela.
Arlene decidiu que, quando tivesse dois anos de sobriedade como Loretta,
nunca tomaria vinte e quatro copos de café por dia. Então, percebendo o tom arrogante
daquele sentimento, ela mudou mentalmente a redação: se ela tivesse dois anos de
sobriedade. Não era tão fácil quanto parecia nas ordens. Normalmente, ela gostava de
ter Loretta por perto, quanto mais melhor, mas esteve aborrecida na última semana,
tanto que não telefonara à sua madrinha nem uma vez sequer, detalhe que não passou
despercebido a Bonnie.
A voz de Loretta rompeu a quietude. – Você não fala mais a respeito dele.
- Quem?
- O que você quer dizer com quem? Aquele sujeito por quem estava toda acesa a
respeito.
- Oh. – Por alguma razão, ela pensou que Loretta queria dizer Ricky, um fato que não
conseguia explicar e escolheu não mencioná-lo. – Eu acho que resolvi evitá-lo.
- Não foi tão bom, huh?
- O quê?
- Você sabe. Dormir com ele.
- Não. Foi ótimo.
- Eu aposto.
- Foi ótimo. De verdade.
- Ele tem mais cicatrizes quando acontece de ele tirar as roupas? Quero dizer, você
sabe, toca onde quer que as toque?
Arlene penteou os cabelos para trás com os dedos e desejou ainda estar
fumando. Ou que houvesse um maço por aí em algum lugar, para que pudesse cair
naquele rol. Havia mais cicatrizes quando ele tirou as roupas. Ao redor de suas costelas,
à esquerda, e aquelas em seu braço esquerdo pareciam realmente estranhas. Mas ela
não notou até de manhã, e não era lá grande coisa.
- Não, Loretta. Não é isso.
- Ele não tem cicatrizes, bem...
- O quê?
- Lá?
- Não. – Arlene levantou-se e se dirigiu ao fogão. Aquilo estava se tornando uma
conversa-de-garotas pessoal e, em breve, terminaria derramando a parte que nem
mesmo ela queria saber. Chegando ao fogão, ela viu que seu copo estava cheio e não
conseguiu encontrar outra boa razão para estar ali. – Não, lá na parte de baixo, ele é
tudo o que eu esperava que fosse, apenas um pouco mais.
- Então, qual é o problema?
- Eu desejava saber. – Voltou a se sentar. Cabeça entre as mãos. Aquilo não poderia
ser mais adiado. – Da última vez em que saímos, ele não ficou. Estava agindo estranho.
Você sabe como as pessoas agem.
- Não. Eu achava que um bocado de pessoas diferentes agem de um bocado de
maneiras diferentes.
- Eu quero dizer como as pessoas agem quando estão tentando dizer algo. Você nunca
fez isso? Praticar no espelho algo que tem que dizer? E então, quando você a vê, apenas
ficam no ar. Como se todo mundo pudesse ouvir? Eu fiquei achando que até o garçom
podia ouvir.
- Então, o que ele disse?
- Ele nunca disse. Mas eu sei, de qualquer forma. Estava tentando terminar tudo
comigo. Eu podia dizer.
- Você não sabe disso até perguntar a ele.
- Eu sei agora.
- Você deveria lhe perguntar.
- Então ele pode me dizer. – Ela pôde ver Trevor através da janela, brincando no
telhado da garagem com seu amigo, Joe. Ela nunca lhe disse exatamente para não
brincar ali, mas ele devia ter sabido que ela não gostaria nem um pouco se o visse.
Quando enfiou a cabeça para fora da janela, ele desceu pela ameixeira e acenou.
- Então você vai ter que falar com ele algum dia.
- Pensei em talvez ir até a casa dele com Trevor. – Aquilo funcionara
inesperadamente bem da última vez, mas parecia um fio tênue, uma pequena trapaça
para explicar, então ela não tentou.
- Então agora é importante que ele não termine com você.
- Por que isso parece ser tão estranho?
- A última coisa que ouvi foi que ele era só para sexo até Ricky voltar para casa.
Arlene reclinou-se em sua cadeira e fixou Loretta com aquele olhar que ela
reservava para os imaturos, grosseiros e simplesmente estúpidos. – Ricky não vai
voltar. Não entende isso, Loretta?
As sobrancelhas de Loretta arquearam-se. – Eu não entendo isso? Querida, na
última contagem, a única alma viva na face do planeta a não entender isto, era você.
Não entendo?
Arlene suspirou e jogou o resto de seu café na pia. – Bem, eu solicitei uma
recontagem – disse.
REUBEN
De fato, eu acho que ela estava assustada até a morte. Mas qualquer um
não estaria, num momento como aquele, encarando tal grande decisão? Eu estava
assustado também, mas tinha todas as intenções de ir até o fim. Mas havia também...
quero dizer, para complicar as coisas para ela... quero dizer, o nome dele apareceu.
Aqui e ali. O que parecia normal para mim. Eu ainda esperava que pudéssemos dar
certo. Até aquele dia.
19 de Outubro de 1992. É uma daquelas datas que você não esquece. De fato,
você não se esquece de nada a respeito. Você se recorda do jingle que estava tocando na
televisão. Lembra do pensamento que estava girando em sua cabeça um segundo antes,
quando tudo ainda estava em ordem. É vulgar dizer, mas sua vida se divide em antes e
depois, e você não tem mais problemas em situar as coisas no tempo. Você quase
consegue datá-las, algo como A.C. e D.C. Acho que soa como se eu estivesse
desperdiçando um bocado de tempo sentindo pena de mim mesmo. Eu não vou mentir.
Não desisti completamente de tudo. De algumas formas, eu desisti. Não de todas.
Provavelmente, estou sendo sensível demais. Talvez as feridas de outras pessoas se
curem num razoável espaço de tempo.
Não, eu retiro o que disse. Elas não se curam.
CAPÍTULO 19
19 DE OUTUBRO DE 1992
GORDIE
CHRIS
MITCHELL: Não é uma coisa de Nova York. Quero dizer, agora é. Mas não começou
aqui. Começou em L.A. Quero dizer, foi o modo como ouvi. Quero dizer, o boato nas
ruas. Eles estão dizendo isto.
CHRIS: Ouvi dizer que você sabe tudo a respeito. Ouvi dizer que a coisa toda começou
com você.
MITCHELL: Nem de perto. Boa tentativa, cara. Você acha que eu tenho ego, hein? Eu
te digo qual é a palavra. Cara chamado Sidney G. Ele tem o crédito pela coisa toda. Vou
te dizer, o cara pensou na coisa toda. Não que eu já tenha o encontrado. Diabos, Sidney
fala todo tipo de merda. São os boatos da rua. Outros dizem que não. Sidney G. pode ter
começado em L.A., mas não foi idéia dele. Só pegou em algum lugar. E trouxe de volta.
CHRIS: O quê. Trouxe o que de volta?
MITCHELL: O Movimento.
CHRIS: Isso tudo é parte de um Movimento?
MITCHELL: Se move, não?
CHRIS: Conte-me a respeito.
MITCHELL: Eu não sei. Não te vejo como um de nós. Quero dizer, quem diabo é você?
Sabe quando eu te diria? Se você cruzasse o meu caminho. Então, eu iria atrás de você.
Mas não iria matá-lo, não a menos que estivesse todo pago. Adiante, quero dizer.
Então, eu diria, vim para te matar, mas, cara, você teve sorte. Então eu te contaria.
Seria algo como parte de meu serviço.
CHRIS: O que você quer dizer com “adiante”? Você disse algo sobre estar todo pago,
mas mudou para “adiante”.
MITCHELL: Você precisa ir ver Sidney G. Ele gosta de falar.
CHRIS: Sabe onde eu posso encontrá-lo?
MITCHELL: Merda, não. Nunca nem mesmo encontrei o homem pessoalmente.
Ele fez uma discagem direta para a Costa Oeste depois das cinco, hora
de Nova York, para poupar algum dinheiro já que aquilo provavelmente não
funcionaria de qualquer forma.
- Central, Parker.
- Detetive Harris, por favor.
- Um momento.
Um estalido e ele ficou na espera silenciosa. Ficou sentado por vários minutos,
irrequieto, balançando a perna. Aquilo era uma perda de tempo. Então houve um toque
na linha.
- Harris.
- Harris. Aqui é Chris Chandler.
- Certo, companheiro. O que posso fazer por você? Isso aqui está parecendo um
zoológico. Tem que falar rápido.
- Pensei que talvez pudesse lhe pedir um favor.
- Se for legal e não tiver que ser neste exato segundo.
- Não, quando puder. Amanhã. Segunda. Quando puder. Pensei que você poderia
puxar em seu computador. Ver se consegue encontrar um pistoleiro chamado Sidney G.
- Sobrenome?
- Não tem. Eu sei que isso não ajuda.
- O que você quer sobre ele?
- Qualquer coisa que possa me dizer onde ele está. Algo como se tem um oficial na
condicional, diga. Então, eu saberia como entrar em contato.
- Isso vai levar alguns dias.
- Que seja.
- Pode haver dúzias de Sidneys G’s.
- Só terei que rastrear todos, eu acho. Apenas me dê uma lista.
- Sua vida, cara. Dê-me três dias de trabalho.
Harris mandou-lhe uma lista por fax, dois dias depois: Sidney Greenway.
Sidney Gerard. Sidney Garcia. Sidney Gilliam. Sidney Guzman. Sidney Guerrera.
Sidney Galleglia. Sidney Garris. Sidney Gant. Sidney Gonzales. Todos envolvidos com
gangues. Três em condicional. Cinco com apenas últimos endereços conhecidos. Dois
atualmente encarcerados.
Chris levou dois meses rastreando todos. Ele achava que aquilo o fazia se sentir
vivo. Sally disse que ele se tornara totalmente obcecado e mudou-se, temporariamente,
talvez permanentemente. Dependia de quando ele recuperasse o bom senso. Nunca
encontrou Sidney Gerard. Os outros nove Sidneys não tinham idéia de que diabo ele
estava falando.
Ele perdeu duas outras reportagens enquanto isso, e oito quilos. E começou a
beber novamente, embora não muito no início. Aquilo o incomodava, imaginar que
sempre saberia que era Sidney Gerard porque era sempre aquele que você não
conseguia encontrar.
Ele colocou o anúncio para rodar durante um mês no Los Angeles Times, então
decidiu que estava desperdiçando dinheiro. Marginais não liam o Times. E ele não
tinha mais dinheiro para desperdiçar porque não fez nenhum trabalho de verdade por
tempo demais. Ele visitou o irmão e pediu emprestada outra quantia, que foi um
empréstimo sem culpas ou sensações ruins. Já fizera aquilo antes e sempre foi bom.
Então, colocou o mesmo anúncio no Valley News e no L.A. Weekly.
Ele abriu uma caixa postal e tentou trabalhar em outra história. Todos os dias,
ele checava a caixa. Todos os dias ela estava vazia. Nem mesmo cartas maníacas de
impostores atrás da recompensa em dinheiro. Onde ele conseguiria mais dinheiro se
algo surgisse?
Caro C. Chandler,
Alguém que eu conheço viu seu anúncio no Weekly e mostrou-a para mim.
Sidney G. não inventou nada. Nunca em toda sua vida. Ele me deixou com duas
crianças bastardas. Não se importa. Não passa de um cuzão. Ele pegou esse negócio
de alguém que encontrou em Atascadero. Esconde-se lá quando as coisas ficam
quentes. Mas não vai funcionar para sempre.
A última que ouvi foi que seu traseiro lamentável está na cadeia. Eu não sei onde
e não me importo. Mas seu nome não é Sidney nem G., isto é apenas o que ele chama a
si mesmo. O nome dele é Ronald Pollack Jr. Não é surpresa que não consiga encontrá-
lo. Espero que você tenha mais problemas para ele. Espero que isto seja um truque.
Foi por isso que escrevi. Não é pelo dinheiro. Mas eu realmente preciso dele, com essas
duas crianças. Se você quiser mandar algum.
Sinceramente,
Stella Brown
Parece que existe algo de errado com o fato de você não gostar do
próprio pai. Como se eu tivesse que estar envergonhado a respeito. Mas é a verdade, e
eu não sei o que fazer sobre isso.
Ontem, eu disse isto para minha mãe. Que eu apenas não gostava dele. Achei
que me sentiria melhor ao dizer aquilo em voz alta. Pensei que ela fosse gritar comigo,
me bater ou mandar que fosse para meu quarto. Ao invés disso, ela apenas pareceu
cansada.
CAPÍTULO 22
ARLENE
CHRIS
Ele encontrou a casa dela. Aquilo foi fácil. A parte difícil era explicar a
si mesmo por que se incomodou. A casa de uma mulher morta não era útil para contar
muito de uma história. O sol mergulhou no horizonte, amenizando o calor do dia, mas
apenas um pouco. Ele parou em frente à casinha azul-escura e admirou o jardim.
Perfeitamente arrumado. Alguém novo devia estar morando ali agora.
Bateu na porta; nenhuma resposta. Afundou no topo do degrau da varanda e
começou a se sentir cheio. Sua motivação para ir embora se escoou. Poderia ir jantar,
mas não estava com fome. Por que voltar para o motel quando não conseguia dormir?
Um menino desceu a rua pedalando uma velha e pesada bicicleta, entregando
os jornais da tarde. Ele não jogou um na casa da Sra. Greenberg. Talvez o banco ainda
estivesse a segurando. Mas bancos não mantinham o trabalho no jardim. Mantém? E
talvez quem quer que estivesse morando ali não pegasse os jornais da tarde.
Ele tirou seu Mastercard do bolso da camisa e fitou-o. Bateu-o contra o joelho.
Chris usara-o ao máximo, então transferiu o saldo para um Visa com uma taxa melhor.
E jurou cortar este no meio para não duplicar seu débito. Mas não o fez. Ao invés disso,
usou-o para uma passagem de avião, um motel e o aluguel de um carro. E para quê?
Uma mulher saiu da casa do outro lado da rua para buscar o jornal. Chris pulou
de pé. – Com licença – chamou ele e correu. Aquilo pareceu alarmá-la. – Com licença,
posso apenas lhe fazer uma pergunta a respeito da casa do outro lado da rua?
- A casa da velha Sra. Greenberg?
- Certo. Você a conhecia bem?
- Não muito. – Ela cruzou os braços, descruzou-os, puxou nervosamente o vestido
caseiro. – Meu marido acha que não devemos ser muito amigáveis com os vizinhos.
- Alguém está vivendo na casa agora?
- Não, ainda não foi vendida. O banco a possui.
- Quem está mantendo-a tão bem cuidada?
- Eu realmente não saberia dizer. Se você me der licença.
Ela virou-se para a porta e fechou-a rapidamente. Chris respirou fundo e voltou
à varanda da Sra. Greenberg. Ele ficou de pé e olhou através das janelas da frente.
Lençóis cobriam a mobília. Tudo parecia revestido com uma fina camada de poeira.
Tombou sobre os degraus novamente.
Deveria ir para casa. Sabia disso agora. Ele não poderia entrevistar uma mulher
morta e, mesmo que pudesse, para onde aquilo o levaria? Alguém pagara adiante a ela.
Talvez não soubesse o nome da pessoa. Talvez fosse parte da décima segunda geração
ou da 112ª. Mesmo que fosse o melhor repórter investigativo do maldito planeta inteiro,
o que não era, nunca conseguiria rastrear todo o caminho de volta até suas raízes. Não
sem algum tipo de registro escrito.
O garoto jornaleiro voltou e largou a bicicleta no perfeito gramado da Sra.
Greenberg. Caminhou na direção de Chris. Chris esperou, imaginando se o garoto
estaria dirigindo-se a ele ou teria algo a dizer, mas ele pegou um desvio para o quintal
ao lado. Quando passou, Chris viu que o menino carregava um saco de ração para
gatos. Quando voltou, tinha um par de tesouras para poda.
- Oi – disse Chris ao vê-lo passar.
- Oi. – O garoto começou a podar a sebe que servia como cerca contra a propriedade
vizinha. Para começar, ele não parecia maltrapilho.
Quando o garoto chegou mais perto com seu serviço, Chris disse: - Você é quem
está mantendo este lugar arrumado.
- É.
- Quem te paga para fazer isto?
- Ninguém.
- Por que faz então?
- Eu não sei. É só porque – ele franziu o cenho e concentrou-se no trabalho por um
momento. Então levantou a vista e disse: - Acho que ela não gostaria de ver isto aqui
todo desmazelado novamente. Eu não sei se ela pode ver. O que acha?
- Sobre o quê?
- Você acha que quando alguém está morto ainda pode olhar aqui para baixo assim?
Chris lutou com a pergunta por um instante, então sacudiu a cabeça. Ele nunca
realmente assumiu uma posição no que acreditava àquele respeito. – Eu acho que não.
Mas não tenho certeza.
- Não, eu não tenho certeza também. Imagino que é melhor estar seguro.
- Então, você a conheceu.
- É.
- Você a conheceu bem?
O garoto parou seu trabalho, deixou a tesoura pender em sua mão e coçou o
nariz. – Não realmente bem, eu acho. Costumávamos conversar.
- Sobre o quê?
- Oh, eu não sei. Coisas. Futebol. Este projeto que eu estava fazendo para a escola. Ela
ia me ajudar com ele. Mas então ela morreu.
Chris levantou-se para ir embora. Ele poderia conversar com cada ser humano
naquela cidade e não iria topar com ninguém que realmente soubesse. Mas tinha que
tentar mais uma vez porque, pela manhã, ele sabia agora, estaria voando para casa.
- Você por acaso não saberia nada a respeito do testamento dela?
- O que dela?
- O testamento. Por que ela deixou dinheiro para certas pessoas.
- Oh. Esse tipo de testamento. Não. Eu nem mesmo sabia que ela tinha um
testamento.
- É. Não imaginei que soubesse. Bem, adeus.
- Vejo você por aí.
Ele sentou-se no carro por alguns minutos, observando o garoto trabalhar.
Pensando que era estranho para um garoto daquela idade trabalhar quando tinha a
morte como desculpa perfeita para dar o fora dali. Então, perguntou-se se a Sra.
Greenberg estaria olhando lá de cima.
Se você está, pensou ele, que tal uma pista? Que tal me deixar ver algo por aqui?
Mas tudo que viu foi um garoto podando a cerca viva. Ligou o motor e foi embora.
Do Diário de Trevor
Eu ainda acho que nem uma única pessoa sequer pagou adiante. Acho
que foi uma idéia estúpida. Só que acho que a Sra. Greenberg teria pago. Se pudesse.
E Reuben quer pagar. Eu sei que ele quer. Mas não consegue pensar em nada
que seja tão grande. Aqui está a parte que ninguém parece estar entendendo. Nem
mesmo tem que ser grande. Quero dizer, não realmente. Quero dizer, pode só parecer
grande. Dependendo de para quem você faz.
CAPÍTULO 24
REUBEN
Ela me disse, mais tarde, que tentou ligar. Disse que telefonou todos os
dias depois daquilo e que eu não atendi. Eu pensei, como ela sabia que eu estava em
casa e não atendendo? Por que não poderia estar fora? Ninguém nunca pensou em mim
como alguém que poderia apenas estar fora.
Bem. Eu não diria que estava saindo muito na época. Mas não fiquei lá, só
sentado e deixando o telefone tocar. Eu nunca fiz isto. Não sei por que ela pensa que fiz
particularmente.
Talvez tenha sido durante a época em que eu estava tendo problemas com meu
telefone.
ARLENE
Bem na hora em que estava deixando a casa, ela percebeu que não
despachara a espingarda de Ricky. Tinha começado a se sentir um pouco mais tranqüila
e centrada, então a levou consigo. A distância era mais longa do que recordava. Não
parecia certo, ela ter que ir a pé, ser aquela com dois empregos, caminhando, mas tinha
que seguir este pensamento até o fim.
Cheryl atendeu a porta de roupão e, então, quase a fechou novamente; Arlene
pôde notar aquele pequeno reflexo. – Tarde demais para mudar de idéia agora – disse
Cheryl.
- Oh, eu não mudei. É só que Ricky tem algo que me pertence e eu tenho algo dele. Só
quero fazer uma troca. Então estaremos todos quites.
Uma voz vaga e familiar chamou do quarto. – Quem é, querida?
- Não importa – respondeu Arlene, empurrando-a. – Eu direi quem é.
Ela entrou no quarto com Cheryl a seguindo de perto e encontrou-o na cama, os
lençóis cobrindo sua cintura. Era uma noite quente e não parecia mais fresca na cama
de Cheryl.
- Arlene, que diabos?
- Vocês caras vão dormir mais cedo, huh? Bem, eu não vou ficar para bater papo.
Onde estão as chaves da GTO?
- Por quê? Por que pergunta? Eu não gosto de ninguém dirigindo meu carro, você
sabe disso.
- Bem, isto não importa agora, Ricky, porque não é seu carro. Você o está dando para
mim.
- O inferno que estou. Eu construí aquele carro desde o fundamento. É meu bebê.
Maldição, de modo algum, Arlene. De onde, infernos, você saiu?
Cheryl deu um pequeno empurrão no ombro de Arlene e disse: - Saia daqui,
inferno, ou vou chamar a polícia.
Arlene abriu o estojo da espingarda. Foi capaz de fazê-lo rapidamente porque
deixara o cadeado em casa. Era seu cadeado afinal. Virou-se, não tanto para apontar a
arma para Cheryl, mas é claro que apontou para onde Arlene virou.
- Vá em frente e faça isto então, Cheryl. Eles são malditamente lentos e isso não vai
levar muito tempo.
Ela voltou-se para Ricky novamente, que se arranjou para encostar contra a
cabeceira da cama. – Aqui foi de onde eu saí, Ricky. Você me passou uma conversa para
ser a fiadora daquela caminhonete. Você jurou sobre sua honra que nunca me
desapontaria. Então você a totalizou, me deixou trabalhando em dois empregos para
pagá-la e conseguiu outra coisa realmente boa. Agora, você tem duas escolhas. Pagar
cada centavo que me tirou por aquela caminhonete ou me dar a maldita GTO.
Ele levantou a mão com gestos lentos e calmos, como que para hipnotizar a
violência dela. Mas Arlene não estava realmente se sentindo violenta. Apenas
estabelecendo as coisas às claras.
- Abaixe a arma, baby, e podemos conversar.
- Eu acho que teremos uma conversa melhor desse modo. Sabe, Ricky, eu costumava
me sentir tão mal por você quando me contava histórias a respeito de todas as mulheres
em sua vida que tentaram matá-lo. Como a sua primeira esposa que apontou uma arma
carregada em seu rosto ou quando Cheryl jogou um cobertor sobre você e bateu-o com
um bastão, ou aquela no meio que lhe puxou uma faca. Eu pensei comigo mesma, pobre
Ricky. Ficando confuso com todas essas mulheres malucas. Mas, sabe, eu realmente
compreendo agora. Pegue um pedaço de papel, você pode escrever uma nota de venda
para mim.
Ele tombou até uma gaveta da mesinha de cabeceira para pegar um pequeno
bloco de mensagens. Cheryl jogou-lhe uma caneta. Arlene não a ouviu chamando a
polícia nem se importou se ela o fez. Esta era apenas uma boa e calma transação de
negócios. – Então eu estou lhe vendendo minha GTO.
- Malditamente correto.
- Decidiu por quanto?
- Um dólar e outras considerações valiosas. Não tente colocar o número de licença
errado. Eu não sou tão estúpida para verificar.
- Quais são as outras considerações que vou receber?
- Acho que seria considerável de minha parte não atirar em você. Não acha?
Ele baixou a cabeça e concentrou-se numa lufada de rabiscos, então lhe passou
o papel, entregando-o cuidadosamente, pronto para pular pra trás. Ela leu os rabiscos.
- Você se esqueceu de assinar.
- Ah, é. – Ele assinou e devolveu o papel.
- Onde estão as chaves?
Ele torceu o nariz por um momento, quase resmungou como um garotinho e,
então, disse: - Melhor pegar as chaves para ela, Cheryl.
Arlene pegou-as em seu caminho para a porta. – Obrigada. Aqui está a
espingarda de Ricky. Agora estamos todos quites. Oh, espere. Eu esqueci. – Ela cavou
um dólar do bolso e jogou-o no chão da sala de estar. Deixou a arma nos braços de
Cheryl e dirigiu-se ao seu novo carro.
Gostou dele. Era algo como veloz. Uma bela pintura nova, de carro de corrida,
embora talvez laranja não fosse a ideal. Uma beleza sob o capô. Ela teria que trocar
aquele velho conjunto de amortecedores de vidro, é claro, para que o maldito mundo
todo não tivesse que ouvi-la chegando.
Pelas costas, ela ouviu Ricky dizer: - Maldição. Eu realmente adorava aquele
carro.
Ela sentou no banco do motorista e ligou o motor. Sentiu o estrondo debaixo de
si enquanto ajustava o assento para encaixar as pernas. Antes que pudesse mudar a
marcha, Ricky surgiu na janela com a espingarda e parou com as pernas firmadas,
furioso, apontando e mirando através da janela para sua cabeça.
- Saia agora mesmo, Arlene, estou falando sério. Devolva-me aquela nota de venda e
ninguém sai ferido.
Ela baixou o vidro até a metade. – Oh, eu esqueci de te contar. Não a mantenho
carregada. E não trouxe de volta quaisquer cartuchos. Eu os comprei, lembra-se?
Através do brilho avermelhado das lanternas traseiras, ela desfrutou do olhar
no rosto dele por um instante, então Ricky desapareceu na escuridão da noite. No
passado.
CHRIS
Foi depois do jantar, quando o telefone tocou. Ele estava sentado perto
dela no sofá, pensando no quanto o cheiro dela era familiar. Talvez parte fosse seu
perfume, parte apenas pele ou talvez sua pele cheirasse a perfume. Ele não tinha
certeza. Estava pensando que um drinque seria ótimo, mas não disse aquilo. Então o
telefone tocou e Chris rezou para que não fosse para ele.
Ela atendeu e seu rosto ficou sombrio. Cobriu o bocal com a mão. – Você
distribuiu este número?
Ele sacudiu a cabeça. – Telefonema adiantado.
Quaisquer momentos que eles estivessem perto de obter desapareceram do
horizonte dele. Sabia disso. Partiram-se no ar entre ambos e ele sentiu.
- É uma moça, para você.
- Não é o que está pensando.
Ela lhe passou o fone e deixou a sala. Chris sentou-se e respirou, segurando o
receptor por um instante. Ele podia escutá-la na cozinha, mexendo os pratos na pia, um
pouco mais alto e severo do que necessário. Ele sempre terminava sendo ele mesmo
diante dela, com sua vida real visível demais e, então, tudo desabava. – Alô?
- Chris Chandler?
- Sim. Quem é? – Ele tentou não soar irritado, mas não deve ter funcionado.
- Terri, da mercearia. Você sabe. De Atascadero? Eu o peguei numa hora ruim?
- Uh, não. Está tudo bem, Terri. O que foi?
- Bem, você disse para ligar se eu me lembrasse de algo. É só que provavelmente isto
pode não ser muito. Provavelmente não é nada. Mas eu pensei em algo. Aquela última
vez em que a vi? Lembrei a respeito do que ela estava de tão bom humor. Lembro que
disse a ela que o jardim parecia realmente ótimo. E o rosto dela ficou como que
iluminado. E ela disse, “O garoto da vizinhança fez tudo aquilo”. Ela me falou o nome
do garoto, mas eu esqueci agora.
Chris esperou em silêncio por um momento, desejando, contando com algo
mais. O jardim havia sido importante para ela. Ele já sabia daquilo.
- Bem, eu disse que provavelmente não era nada.
- Não, estou contente que tenha telefonado, Terri. De verdade. Se pensar em
qualquer outra coisa...
- Bem, é isto, eu acho. Por agora. Apenas que ela estava toda feliz a respeito do
jardim.
- Apreciei que tenha ligado, Terri. Realmente.
- Bem, eu não quero abusar de minha conta telefônica. Tchau.
Ele desligou o telefone, piscando lentamente, e a viu parada na porta da
cozinha. – Oh, Deus, Sally, não é o que você está pensando. Não estou vendo ninguém.
Era somente uma daquelas pessoas que entrevistei sobre aquela história.
Ela não se mexeu. Chris imaginou se ela acreditara nele, se acreditaria, se teria
acreditado. Se ela realmente deveria.
- Estou tentando decidir se isso é melhor ou pior – ela respondeu. Mas então Sally
sorriu, aproximou-se e sentou no sofá. Pegou o fone e tirou-o do gancho.
Do Diário de Trevor
ARLENE
Arlene acordou doente. O que não teria sido tão ruim se sua mãe não
estivesse na casa. Sua mãe estivera dormindo no sofá-cama da sala de estar, ainda que
o som de Arlene correndo para o banheiro tenha sido a primeira coisa que pareceu fazê-
la sair do esconderijo. Aquele radar dela. Quando Arlene voltou para o quarto com o
sangue todo drenado de seu rosto, lá estava sua mãe sentada ao lado da cama. Uma
visão em poliéster. Mas Arlene voltou para a cama de qualquer forma. Era o quanto se
sentia mal.
- Andou bebendo?
- Mãe, eu não tomo um drinque há mais de um ano. Sabe disso.
- Uma grande celebração na noite passada. Toda aquela excitação.
- Você esteve lá. Você me viu bebendo suco de maçã.
- Não sei o que fez depois que fomos para a cama.
- Meu Deus, mamãe. Você nunca dá uma afrouxada?
- Tudo bem, okay. Apenas perguntando. – Um longo, ressonante, silêncio. Arlene
imaginou se deveria pedir à sua mãe que avisasse em seu trabalho que estava doente.
Não, ela não era mais uma criança. Deveria fazer isso ela mesma. – Gripe estomacal?
- Como diabo vou saber, mamãe? Eu apenas acordei doente.
- Tem acontecido com freqüência?
- Essa é a primeira vez que vi.
- Só pensei que poderia estar grávida.
- Nem mesmo pense nisto.
- Apenas perguntando.
- Faça-me um favor, mãe. Vá fazer o café da manhã para Trevor. Eu tenho que ligar
para o trabalho avisando que estou doente. Tenho que descansar um pouco aqui.
Quando ela deixou o quarto, Arlene sentiu o ar lhe faltar de alívio. Se sua mãe
não tivesse dito que voltaria para Redlands hoje, ela o teria sugerido.
Depois do telefonema, ela mergulhou de volta no sono, mas a náusea acordou-a
novamente. Ao subir de volta na cama, Trevor apareceu para lhe dar um beijo de
despedida. Sua avó estava pronta para levá-lo de carro à escola.
- Você é uma celebridade grande demais para pedalar sua bicicleta agora?
- Ah, mãe. Ela só quer me levar.
- Vamos comprar uma bicicleta melhor para você em breve.
Ele se sentou na beira da cama e ela partiu seus cabelos com os dedos,
penteando-os para o lado. – Aquela que eu tenho está boa.
- Nah, você merece uma melhor. Apenas me sopre um beijo, okay? Não quero que
fique doente.
- Eu te amo, mamãe.
- Estou realmente orgulhosa de você, Trevor. Tão orgulhosa que poderia explodir.
Sabe aquele negócio sobre como todo mundo consegue quinze minutos de fama? Foi o
quanto eles te deram naquele show, hein?
- Hoje a escola vai ser divertida de verdade. Eu aposto que Mary Anne Telmin nem
vai falar comigo. – O rosto dele abriu-se num sorriso satisfeito. – Mamãe? – disse ele,
ao sair em direção à porta. – Eu gosto de minha bicicleta, okay? De verdade.
Então ele lhe soprou um beijo.
“Aquele sujeito repórter ligou. Precisa realmente falar com você. Ele quer
pegar um vôo e vê-la pessoalmente. Algo que diz respeito à Trevor, alguma
correspondência e outra coisa que não entendi totalmente, só que era sobre a Casa
Branca com alguma honraria. Ligue para ele à cobrar, se quiser. Assim que puder.
Talvez você devesse ver um médico. Pode ser uma úlcera. Talvez tenha herdado isso
de seu velho.”
Amor, mamãe
Arlene respirou fundo e pegou o telefone. Graças a Deus, era sexta-feira e ela
poderia acordar sentindo-se como o inferno por mais dois dias, e não importaria no dia
do pagamento. Ela não achava certo ligar para Chris a cobrar. Aquilo a fazia sentir-se
pobre, como uma indigente. O telefone tocou cinco vezes e, então, a secretária
eletrônica atendeu.
- Aqui é Chris Chandler – respondeu a máquina. – Se for Arlene McKinney, estou a
caminho do aeroporto para pegar um vôo pra Califórnia. Desculpe-me por pegá-la de
surpresa, mas nós realmente precisamos conversar pessoalmente. Todo tipo de coisas
acontecendo. Eu prometi a você que não daria seu endereço e número de telefone, mas
agora tenho todas estas mensagens importantes para você. Eles querem que eu comece
as entrevistas para o programa Cidadão do Mês imediatamente. Você não tem idéia de
quanto timing está envolvido nisto. Essa história pode não permanecer quente por
muito tempo. Vejo-a pela manhã. Se for outra pessoa, por favor, deixe uma mensagem.
Bip.
Arlene deu uma olhada no relógio e se perguntou se seu estômago agüentaria
comida. Perguntou-se por quanto tempo os quinze minutos de fama de Trevor estariam
destinados a durar.
Do Diário de Trevor
Bem, esta é a última vez em que vou ter que escrever neste diário por
algum tempo. Porque estou o deixando em casa. Céus, eu tenho um presidente para
encontrar. Não vou ter tempo para escrever num diário bobo.
Mas, cara. Quando eu voltar. Cuidado.
Reuben diz que vou ter o resto de minha vida para escrever tudo que está
prestes a acontecer comigo. Eu só espero que seja tempo suficiente.
CAPÍTULO 28
REUBEN
GORDIE
REUBEN
CHRIS
Ele acordou assustado, surpreso por ter conseguido dormir. Olhou para
o relógio e viu que já era tarde da manhã. A TV zumbia aos pés da cama. Ele podia ouvir
Sally na cozinha, fazendo café. Sentou-se e esfregou os olhos. Na tela, o presidente
Clinton dava uma entrevista coletiva. Ou a gravação de uma entrevista coletiva anterior
estava sendo mostrada.
Chris acordou bem a tempo de ouvi-lo dizer que as bandeiras em Washington
tremulariam a meio mastro hoje e, que ao meio-dia, o país iria parar o que estivesse
fazendo para observar um momento de silêncio. Um corte para o âncora jornalístico,
que disse: - Numa triste nota final, hoje teria sido o 14º aniversário de Trevor. Mais
notícias após as mensagens.
ARLENE
REUBEN