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INTERRUPÇÃO DIÁRIA DA INFUSÃO CONTÍNUA DE SEDATIVOS

(“DESPERTAR DIÁRIO”)

Introdução

Pacientes que necessitam de ventilação mecânica (VM) normalmente


necessitam de sedativos para o controle de ansiedade e agitação. De forma
geral, estes sedativos são prescritos de forma contínua. No entanto, embora a
infusão contínua mantenha um nível constante de sedação e pareça deixar o
paciente mais confortável, tal prática já se mostrava associada a um maior
tempo de VM e de internação na UTI e no hospital há mais de 10 anos(1).

Assim, um grupo de pesquisadores da Universidade de Chicago propôs-


se a avaliar a eficácia e a segurança da interrupção diária da infusão de
sedativos em um trabalho clássico publicado em 2000(2).

O primeiro estudo

Foram incluídos todos os pacientes que necessitassem de ventilação


mecânica em uma UTI clínica, sendo excluídos apenas gestantes, pacientes
transferidos de outras instituições e admitidos após parada cardiorrespiratória.
Os pacientes eram randomizados a dois grupos. Nos dois grupos a sedação
era realizada com a administração contínua de midazolam ou propofol e a
analgesia, com a infusão contínua de morfina. A enfermagem tinha autonomia
para ajustar a infusão das drogas com o objetivo de manter o paciente em um
Ramsay 3-4 (obedecendo a comandos ou tranqüilo, com pronta resposta a
estímulo físico/sonoro). O uso de cisatracúrio era permitido em casos de SARA
ou mal asmático para facilitar a ventilação.

No grupo intervenção (“despertar diário”), um pesquisador que não


estivesse envolvido no cuidado do paciente suspendia a infusão do sedativo e
do opioide após 48h da randomização, exceto se o paciente estivesse
recebendo bloqueador neuromuscular (BNM). Quando o paciente acordasse,
era avaliado pelo médico assistente. Caso o paciente estivesse agitado ou
desconfortável, a infusão de sedativos e morfina era reiniciada em metade da
dose prévia. O paciente era considerado desperto quando conseguia seguir ao
menos três dos seguintes comandos: abrir os olhos, seguir o investigador com
o olhar, apertar a mão do investigador ou colocar a língua para fora. O grupo
controle tinha sua sedação guiada pelo médico assistente.

Os desfechos analisados foram duração da VM, tempo de internação na


UTI e no hospital, doses das drogas, necessidade de exames neurológicos
(TC, RNM, punção liquórica), uso de BNM, traqueostomia, extubação acidental
e morte.

Resultados
Foram incluídos um total de 128 pacientes, 68 no grupo intervenção e 60
no grupo controle. Os diagnósticos mais comuns de admissão foram SARA,
DPOC, asma e sepse.

Os pacientes submetidos ao “despertar diário” tiveram um menor tempo


de VM (4,9 vs. 7,3 dias, p=0,004) e menor tempo de UTI (6,4 vs. 9,9 dias,
p=0,02). Não houve diferença no tempo de internação hospitalar (13,3 vs. 16,9
dias, p=0,19).

Os pacientes do grupo “despertar diário” passaram 85,5% dos seus dias


acordados contra apenas 8,0% do grupo controle (p<0,001) e realizaram
menos testes neurológicos (6 vs. 15, p=0,002). Em relação às drogas, os
pacientes do grupo “despertar diário” que receberam midazolam usaram menos
sedativos e menos morfina do que o grupo controle. O mesmo não ocorreu no
grupo propofol.

Não houve diferença na incidência de extubação acidental ou remoção


de cateter central (3 vs. 4, p=0,88), necessidade de BNM (7 vs. 7, p=0,78),
reintubação (12 vs. 18, p=0,17), necessidade de traqueostomia (12 vs. 16,
p=0,31) e mortalidade hospitalar (36,3 vs. 46,7%, p=0,25).

Não houve diferença em nenhum dos desfechos analisados quanto ao


sedativo empregado (propofol ou midazolam).

Discussão

O presente estudo mostrou que a suspensão diária da infusão de


sedativos associa-se a menos tempo de VM e menos tempo de UTI. Foi o
primeiro estudo sobre estratégia de sedação em UTI publicado numa revista de
impacto e inauguraria uma fase de discussão sobre o assunto. Este estudo
teve um grande impacto na discussão de sedação em UTI, recebendo diversas
citações. A aplicação do “despertar diário” passou a ser recomendada em
diversas diretrizes(3;4).

Os pontos fortes do estudo foram avaliar uma estratégia de fácil


aplicação, em uma população geral de UTI, ou seja, com uma aplicabilidade
externa alta. Além disso, a aplicação dos resultados do estudo permite que se
reduzam sensivelmente os custos da internação do paciente. A estratégia
pareceu segura, uma vez que não houve uma maior incidência de extubação
acidental ou perda de cateteres.

No entanto, a segurança da abordagem continuou sendo questionada.


O próprio editorial questionou a eficácia de uma redução de cerca de 3 dias de
VM ao provável custo de um maior stress psicológico(5).

Posteriormente, os mesmos autores mostraram que estes mesmos


pacientes não tiveram uma maior incidência de complicações na UTI
(pneumonia associada à VM, sinusite, hemorragia digestiva, eventos
tromboembólicos, barotrauma e bacteremia)(6). Havia ainda um receio de tal
abordagem em pacientes com risco cardiovascular. Os autores, em outro
estudo, mostraram que não havia diferença na resposta adrenérgica ou nos
eventos cardiovasculares em pacientes coronarianos ou com múltiplos fatores
de risco cardiovascular(7). Por fim, verificou-se que os pacientes cuja
estratégia de sedação adotada era o “despertar diário” tinham uma menor
pontuação em questionários de stress pós-traumático em 6 meses(8),
exatamente o oposto do que aquele editorial previu.

Após todas estas publicações, persistia uma crítica: Todos os dados


vinham do mesmo grupo, seriam estes resultados aplicáveis a outras
populações? Um segundo estudo veio responder esta dúvida.

O segundo estudo

Neste novo estudo, publicado em 2008(9), foram incluídos 336 pacientes


em 4 centros americanos. Novamente, os pacientes foram randomizados para
um grupo “despertar diário” e outro controle. Agora, os pacientes do primeiro
grupo ao despertarem eram submetidos também a um teste de respiração
espontânea (TRE).

Basicamente, o grupo “despertar diário” seguia o seguinte protocolo:

1. Avaliação diária da possibilidade de desligar os sedativos (TODOS


os pacientes, exceto se o uso de sedativos fosse por crises
convulsivas, abstinência alcoólica ou agitação grave, se o paciente
estivesse em uso de BNM, tivesse evidências de síndrome
coronariana aguda - SCA - ou de hipertensão intracraniana - HIC);

2. Caso o paciente pudesse ter sua infusão de sedativos desligada,


esperava-se até que o paciente pudesse obedecer a comandos e
não apresentasse agitação ou sinais de desconforto por 4h;

3. Se o paciente ficasse agitadoou desconfortável, os sedativos eram


religados em metade da dose prévia e eram ajustados para manter o
paciente confortável. No dia seguinte, procedia-se a nova avaliação
quanto à suspensão dos sedativos;

4. Caso o paciente permanecesse desperto e confortável, avaliava-se a


possibilidade de se realizar um TRE (SaO 2≥88%, com FiO2≤50% e
PEEP ≤ 8cmH2O; sem evidência de SCA ou HIC; uso de
dobutamina≤5mcg/kg/min ou noradrenalina≤2mcg/min);

5. Sendo possível o TRE, este era realizado por 120 minutos em tubo T
ou em pressão de suporte (PS 7cmH 2O e PEEP 5 cmH2O). Caso o
TRE não fosse possível, o paciente era reavaliado no dia seguinte;
6. Considerava-se falha do TRE se a frequência respiratória fosse maior
que 35 ou menor que 8 , houvesse hipoxemia (SaO 2 ≤88% por mais
de 5 minuntos), alteração do estado mental ou sinais de desconforto
respiratório (dois ou mais dos seguintes: taquicardia > 130bpm,
bradicardia < 60bpm, uso de musculatura acessória, respiração
paradoxal, diaforese ou dispnéia importante). Neste caso, o paciente
voltava à VM nos parâmetros prévios;

7. Caso o paciente passasse no teste, o médico era notificado e cabia a


ele a decisão de extubar.

No grupo controle, avaliava-se diariamente se o paciente tinha


condições de proceder a um TRE. A partir daí, a conduta era igual.

O desfecho principal a ser analisado foi o tempo livre de VM em 28 dias.


Outros desfechos analisados foram o tempo de internação na UTI e no
hospital, mortalidade em 28 dias e em 1 ano, e duração de coma e delirium.

Resultados

No total, foram randomizados 167 pacientes para o grupo intervenção e


168 para o grupo controle. Os diagnósticos mais comuns foram sepse/SARA,
IAM/ICC, DPOC/asma e alteração do estado mental.

Os principais achados estão na tabela abaixo:

Desfechos Intervenção Controle p


(n=167) (n=168)

Dias livres de VM 20,0 (0-26) 8,1 (0-24,3) 0,02


Tempo de UTI 9,1 (5,1-17,8) 12,9 (6,0- 0,01
24,2)
Tempo de 14,9 (8,9- 19,2 (10,3- 0,04
hospital 26,8) NA)
Duração do coma 2 (0-4) 3 (1-7) 0,002
Extubação 16 (10%) 6 (4%) 0,03
acidental
Extubação 5 (3%) 3 (2%) 0,47
acidental com
necessidade de
reintubação
Reintubação 23 (14%) 21 (13%) 0,73
Traqueostomia 21 (13%) 34 (20%) 0,06
Assim, mais uma vez o “despertar diário” associou-se mais tempo livre
da VM. Desta vez, à custa de uma ocorrência maior de extubação acidental. No
entanto, sem diferença quanto à necessidade de reintubação.

Não houve diferença quanto à mortalidade em 28 dias (28 vs. 35%,


p=0,21), porém em 1 ano a mortalidade foi maior no grupo controle (44 vs.
58%, p=0,01).

Novamente, a dose de benzodiazepínico foi menor no grupo intervenção


e não houve diferença quanto ao uso de propofol.

Discussão

Este estudo recente mais uma vez mostrou a eficácia da suspensão


diária de sedativos na redução do tempo de VM e de UTI. A novidade foi uma
“otimização” nesta redução acoplando o despertar diário com um TRE. Desta
vez, com uma amostra maior e proveniente de mais centros, os resultados
parecem mais imponentes.

No entanto, algumas questões permanecem em aberto na prática do dia-


a-dia:

1. Será que o “despertar diário” é melhor que um protocolo de sedação


em que ocorram ajustes constantes da dose dos sedativos com o
objetivo de deixar o paciente calmo e confortável?

2. Será que o uso da dexmedetomidina que parece reduzir o tempo de


VM quando comparada ao midazolam(10) é melhor que o “despertar
diário”? Será que a dexmedetomidina ao deixar o paciente em um
nível superficial de sedação precisa ser desligada diariamente?

Quanto à primeira pergunta, dois estudos-piloto foram conduzidos(9;11)


e agora um grande estudo canadense está em andamento. Quanto à segunda
pergunta, vamos esperar.

Por ora, usar um protocolo de sedação ou o despertar diário são duas


estratégias recomendadas e que parecem ter um impacto bastante positivo no
tempo de VM.

Referências

(1) Kollef MH, Levy NT, Ahrens TS, Schaiff R, Prentice D, Sherman G. The
use of continuous i.v. sedation is associated with prolongation of
mechanical ventilation. Chest 1998; 114(2):541-548.
(2) Kress JP, Pohlman AS, O'Connor MF, Hall JB. Daily interruption of
sedative infusions in critically ill patients undergoing mechanical
ventilation. N Engl J Med 2000; 342(20):1471-1477.

(3) Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM, Bion J, Parker MM, Jaeschke R et al.
Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of
severe sepsis and septic shock: 2008. Crit Care Med 2008; 36(1):296-
327.

(4) [Brazilian guidelines for treatment of hospital acquired pneumonia and


ventilator associated pneumonia- 2007]. J Bras Pneumol 2007; 33 Suppl
1:S1-30.

(5) Heffner JE. A wake-up call in the intensive care unit. N Engl J Med 2000;
342(20):1520-1522.

(6) Schweickert WD, Gehlbach BK, Pohlman AS, Hall JB, Kress JP. Daily
interruption of sedative infusions and complications of critical illness in
mechanically ventilated patients. Crit Care Med 2004; 32(6):1272-1276.

(7) Kress JP, Vinayak AG, Levitt J, Schweickert WD, Gehlbach BK,
Zimmerman F et al. Daily sedative interruption in mechanically ventilated
patients at risk for coronary artery disease. Crit Care Med 2007;
35(2):365-371.

(8) Kress JP, Gehlbach B, Lacy M, Pliskin N, Pohlman AS, Hall JB. The
long-term psychological effects of daily sedative interruption on critically
ill patients. Am J Respir Crit Care Med 2003; 168(12):1457-1461.

(9) Girard TD, Kress JP, Fuchs BD, Thomason JW, Schweickert WD, Pun
BT et al. Efficacy and safety of a paired sedation and ventilator weaning
protocol for mechanically ventilated patients in intensive care (Awakening
and Breathing Controlled trial): a randomised controlled trial. Lancet
2008; 371(9607):126-134.

(10) Riker RR, Shehabi Y, Bokesch PM, Ceraso D, Wisemandle W, Koura F


et al. Dexmedetomidine vs midazolam for sedation of critically ill patients:
a randomized trial. JAMA 2009; 301(5):489-499.

(11) de Wit M, Gennings C, Jenvey WI, Epstein SK. Randomized trial


comparing daily interruption of sedation and nursing-implemented
sedation algorithm in medical intensive care unit patients. Crit Care 2008;
12(3):R70.

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