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Filosofia 10º Ano

O Determinismo e a Liberdade na Acção Humana

No dia 7 de Outubro, por volta das 23:30, José dos Santos invadiu o Café
Central, sito na Rua dos Olivais nº7, Lisboa. No Café, encontrava-se o
proprietário a limpar o seu estabelecimento. José dos Santos retira o
dinheiro da caixa e em posse da sua arma, sequestra o proprietário
encaminhando-o para a carrinha do assaltante. Após o alarme silencioso
que havia sido accionado, a polícia dirigiu-se ao local, e circundou a zona.
Foi então que uma patrulha viu uma carrinha que tinha embatido contra
uma árvore. No seu interior, encontrava-se o assaltante procurado e o
proprietário.
Seguiu o caso para o tribunal onde o assaltante se declara inocente. Após
a audição das testemunhas seguem-se as alegações finais.

Juiz – Declaro aberta a sessão!


Iniciamos agora as alegações finais. Comecemos pela defesa.
Advogado de Defesa – Vossa Excelência, o meu cliente chegou a este
tribunal por uma simples razão. Pode pensar que a sua ganância,
maldade, crueldade foram as razões que o levaram a cometer tal acto.
Mas não. Não foi a vontade de ganhar mais e ser poderoso que o trouxe
até aqui. Desde que comecei a exercer advocacia que defendi uma ideia
já muito batalhada no seio da Filosofia, o determinismo. Espero pois que
Vossa Excelência conheça as razões desta batalha e os princípios
defendidos pelos deterministas. De qualquer modo, tomarei a liberdade de
o esclarecer. Na Natureza, tudo se rege pelo princípio causa-efeito. E é
inclusive neste princípio que se baseiam os estudos da Natureza, por parte
de ciências como a Biologia. A cada efeito está atribuída uma causa, e
sempre que temos aquele efeito temos aquela causa. Assim como sempre
que temos aquele fenómeno (causa), existe sempre aquele efeito.
Imaginemos assim um determinado animal, um pássaro, que habita em
zonas com plantas altas e abundantes, bastante maiores que o animal em
questão. Quando ele se sente ameaçado, e dada a cor das suas penas, ele
imita as plantas que o circundam, passando desapercebido. Assim
podemos compreender que sempre que ele se sente ameaçado, recorre
àquele método, e que sempre que ele recorre àquele método, está aquela
causa por detrás. Assim, podemos dizer que a acção daquele animal está
condicionada, por determinados factores, a que deterministas chamam
condicionantes da acção. Destas, temos os exemplos das características
(interiores) biológicas da espécie, como sendo a fisionomia e adaptações
ao meio do animal, do indivíduo, o facto de o animal ter ou não qualquer
tipo de doença, entre outras. Deste modo, como eu disse o animal tinha as
suas acções condicionadas por todos os factores interiores e exteriores, de
que temos exemplo o local em que o animal se encontra. Ou seja, não foi
livre.
Assim, posso afirmar que também o Homem é determinado. O Ser
Humano é condicionado por diversos outros factores (condicionantes) para
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além das que eu já enumerei. Afirmo assim Vossa Excelência, com


convicção, que o meu cliente de nada é culpado. Ou se o é de algo, a
única culpa que pode ter foi a de ter nascido, pois, desde sempre, todas as
suas acções foram condicionadas, quer pela cultura e sociedade
degradantes a que ele foi exposto, quer pela própria personalidade
desenvolvida e típica do meio social em que se insere, que revela essa
mesma deficiente educação. Assim todas as acções produzidas pelo meu
cliente, foram feitas sem qualquer outra opção, pois os efeitos, que
resultam de uma acção anterior (a causa), não podem ser mudados, assim
como a causa, que provém de outra causa, e de uma cadeia longa de
sequências causa-efeito. Sendo assim, o meu cliente não agiu de livre e
espontânea vontade, não pôde optar entre nada, pois não tinha opções, e
assim, de nada deve ser acusado. Peço por isso, total absolvição.
Obrigado, Vossa Excelência.
Advogado de Acusação – Meritíssimo, calculo pois que ideias passarão
pela sua mente, depois de um discurso tão pouco coerente, o que foi
apresentado pelo meu distinto colega. Ele quer, pois, juntar alhos com
bugalhos, se me permite a expressão. Ele junta animais, e a sua natureza
selvagem, com o ser humano, racional. Por isso questiono se será possível
aplicar termos que servem para disciplinas como a Biologia, dirigida para
o estudo dos animais, aos homens. Concretizando, será possível falar de
uma relação causa-efeito aplicada ao Homem? Como deve calcular,
concordo em todos os pontos que o meu caro colega referiu acerca da
Biologia, os animais e a relação causa-efeito. No entanto, carece algo.
Será que o Homem tem condicionantes? Será que ele é determinado?
Volto à questão. Será que se lhe pode aplicar a relação de que tenho
falado?
A minha resposta para todas estas questões é não. O ser Humano é um
ser privado de instintos ou que, até certo ponto, não os utiliza, do mesmo
modo que os animais. Parece-me óbvio que a caça de rolas no campo, não
passa ou de uma mera actividade de lazer, ou de uma profissão. Decerto
que não é uma actividade que resulta do instinto do Homem para se
alimentar, que o leva a pegar numa espingarda, ir para o campo, e matar
rolas. Desta forma, e tendo o conhecimento de que os instintos de um
animal, estão relacionados com a sua natureza, o seu modo de ser, e que
os instintos condicionam a acção do animal e são condicionados por
factores que, mais uma vez o meu colega se encarregou de explicar,
então, de modo algum eu posso dizer que o Homem tem instintos. Como
tal, e como expliquei, se os instintos condicionam o animal, e os instintos
são condicionados por diversos factores, então, se o Homem não tem
instintos, não é um ser condicionado, posso por isso falar em liberdade
absoluta.
O Homem age como e quando quer. Ele tem a Razão, a chamada 2ª
Natureza do Homem – a Cultura (a Sabedoria, Inteligência), que lhe
permite escolher fazer tudo o que quiser. Assim, a relação causa-efeito
não pode ser aplicada ao Homem, devendo ser ligados os efeitos às suas
motivações e intenções. Assim, Vossa Excelência, penso que o homem
que hoje julgamos, agiu intencionalmente, dirigido pelos seus motivos e
intenções, ou seja agiu de livre e espontânea vontade, devendo por isso
ser julgado severamente pelo crime cometido. Peço por isso, a
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condenação a 12 anos de prisão, por tentativa de sequestro, assalto e


posse de arma ilegal. Obrigado, Meritíssimo.
Após uma interrupção, para deliberação do juiz, a sessão continua.
Juiz – Muito obrigado. Bom, antes de dar o meu veredicto, gostaria de
também eu dar a minha opinião que penso ser a mais consensual e a mais
aceite na comunidade filosófica.
Meus caros, devo dizer que não concordo nem com um, nem com outro,
ou seja, não concordo com nenhum de vocês. Enquanto um defendeu o
determinismo, e a ideia de que todas as acções estão determinadas e
condicionadas por certos factores, não podendo por isso ser alteradas,
utilizando a relação causa-efeito, o outro defendeu o oposto, a liberdade
absoluta, ou seja, que o Homem não é condicionado por nenhum factor,
sendo por isso livre de optar por aquilo que quiser, aquilo a que eu chamo
omnipotência. O que só Deus possui.
Na minha opinião, estão ambos errados, mas ambos certos. Eu defendo
uma ideia de liberdade condicionada, que se pode resumir da seguinte
forma, o Homem é livre dentro das suas limitações. Ou seja o Homem é
condicionado por certos factores, como ambos referiram, no entanto é
dentro destas limitações que o Homem pode optar, entre duas ou mais
opções. Assim, sempre que um indivíduo reconhece as suas limitações e
condicionantes, conhece melhor as suas opções podendo optar de forma
mais consciente e racional, pelo que a liberdade condicionada exige
sempre condicionantes e também responsabilidade, que é aquilo que
faltou ao acusado aqui presente, responsabilidade para responder e
assumir pelo e por aquilo que fez. Posso assim dizer que o Homem
aprende a ser livre, mas não nasce com esta condição.
Perante o que expliquei e os factos aqui em tribunal constatados, eis o
meu veredicto:
Considero José dos Santos culpado de todos os crimes de que é acusado.
Assim dou por encerrada a sessão.

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