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ISSN 1519-2415
www.tesseract.psc.br
NOELIZA LIMA
‘ ...Aquele que tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, pode se convencer de que
nenhum mortal é capaz de guardar um segredo. Se seus lábios se calam, ele tagarela
com as pontas de seus dedos, a revelação goteja de cada um de seus poros. E,
portanto, a tarefa de fazer consciente os mais escondidos recessos da mente, é
trabalho perfeitamente possível de realizar.’ (Freud apud. Vilete, 1997)
O sujeito traz para a análise todo o seu ser no mundo. Mesmo que se reporte a
coisas aparentemente banais, ou a uma dificuldade que está enfrentando, ou a uma
necessidade de auto conhecimento – existe um ser que se mostra. Este revelar-se é
feito verbal e não verbalmente. São sons, gestos, expressões que trazem um
universo de significados à disposição do clínico. Universo não objetivo que
necessita ser acolhido, acarinhado, desvendado e apresentado ao paciente na
dimensão do real.
No início dos anos 50 Julien Beck criou o Living Theâtre que utilizava a expressão
teatral como forma de sensibilização das pessoas a alternativas de vida. Um pouco
depois psicólogos se interessaram em estudar a dança no Laban Art of Movement
Center Trust (Surrey, Inglaterra) com o objetivo de vivenciar e desenvolver a
expressão corporal como forma de auto conhecimento e de terapia.
Este tema surgiu em minha experiência como terapeuta em 1974, quando tive a
oportunidade de ser parte de um grupo de Movimento e Dança conduzido por Varda
Dascal, psicóloga de nacionalidade uruguaia, que desde o início da década de 70 se
dedica a este estudo, com grupos em vários países e atualmente na Universidade de
Tel-Aviv.
*Esquema corporal
*Forma
*Fluência
*Esforço
O nosso corpo funciona como uma orquestra em que cada instrumento pode se unir a
outros sem perder sua identidade. As partes podem se combinar, como os violinos na
execução de alguns compassos de uma valsa, assim como o prato em um tempo do
compasso, ou se congregarem todos a um só tempo. Assim também o ato de "andar" é
efetuado a partir de classes de movimentos com sua própria identidade.
"Neruda: Bem, quando você diz que o céu está chorando – o que você quer dizer com
isto?
Uma das formas de se pesquisar é pedir ao grupo que relate sua experiência interna
ao "andar no mel". Uma a uma as pessoas se manifestam verbalmente. Ou então se
pergunta: "Quem quer falar sobre sua experiência?" Vamos imaginar que um homem (a
quem daremos o nome de Cid ) diga que se sentiu restringido em sua expressão
devido ao "mel". A terapeuta (a quem chamaremos Dra. ) terá mais de uma
intervenção a sua disposição. Dra. pode perguntar o que isto tem a ver com a vida
de Cid. Ele responde que se sente tolhido em sua vida profissional e afetiva. Se
seguirmos este caminho ocorrerá o seguinte.
Dra. pede a Cid que escolha pessoas do grupo e faça uma estátua desta restrição.
Cid escolhe as pessoas e as coloca conforme a solicitação. Dra. pede a Cid que
olhe a estátua e diga o que sente. Este responde: "Triste".(Neste instante ele se
confronta com sua necessidade interna de espaço). A Dra. diz para Cid transformar
a estátua de forma a adquirir maior liberdade, o que ele faz. Novamente é
questionado sobre seus sentimentos. Cid pode neste momento ter maiores percepções
ou não. Se notamos que o paciente esgota seu material, perguntamos: "Está bem para
você pararmos por aqui?" Com a aquiescência do paciente podemos passar para outra
pessoa, para outro tópico, ou não, conforme a disponibilidade das pessoas, do
terapeuta e do tempo da sessão .
O contrato antes das sessões de movimento explicita a não será permitido agressões
de qualquer espécie, que não se forçará o participante em nenhum momento e que
cada um irá segundo seu ritmo. Esta permissão de ir segundo sua decisão
possibilita que a pessoa se expresse livremente. Exemplo: Uma moça em um grupo
relatou que criar a partir do som estava difícil.
Devido a esta permissão e ao seu próprio processo interno ela tentou a experiência
de joelhos, conseguindo aumentar seu espaço. Neste "voltar ao engatinhar" houve a
possibilidade de uma retomada no desenvolvimento e de uma expansão de consciência.
Rico (nome fantasia) tem 12 anos e uma história de perdas. Foi primeiramente
entregue para adoção. Aos 3 anos sua mãe adotiva teve uma recidiva de câncer e
faleceu em dois anos, quando Rico tinha 5 anos. Quatro anos após o pai se casa
novamente, apresentando ao garoto a tarefa de se relacionar com a terceira mãe.
Rico veio para a psicoterapia com a queixa de dificuldades escolares. O que se
observa a nível familiar é que ele não se sente aceito pela nova mãe, sendo o
relacionamento mutuamente difícil .
Rico chega à sessão e lhe é proposta uma tarefa que ele aceita: a partir de um som
fazer movimentos ou inventar uma dança. No início apresenta certa inibição.
A forma solta de se relacionar com o corpo, espaço e música nos remete ao universo
do sujeito. Os significados etimológico e psicológico semelhantes. Naquele momento
o movimento proporciona a sintonia entre manifesto e latente.
Continuando a sessão peço que Rico efetue um movimento ou dança ao som de uma
musica de compasso longo. Ele executa movimentos circulares de braços e pernas,
dentro de um espaço de cerca de metro e meio, movimentos estes que parecem uma
busca – não chega a ser uma elaboração completa. Fica neste processo cerca de 5’.
Parece não conseguir criar além disto.
Pergunto com o que se parece esta dança. Rico diz que se parece com medo. Peço
para ele criar algum outro movimento ou brincadeira que pareça com o que ele
sente.
Rico constrói uma cama com as almofadas, deita-se nela e pede um cobertor. O
interessante é que a cama tem bordas, como um berço.
É então que ele consegue se exprimir de uma forma total. O movimento tem começo,
meio e fim. Depois de uns minutos diz que está cansado. E relaxa. É comum em
momentos de dificuldade em se exprimir pelo movimento que descubramos que executar
o movimento em um estágio anterior de desenvolvimento é mais fácil. Rico foi ao
colo materno para criar. Através desta regressão conseguiu atravessar uma
barreira.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FAGES, J.B. (1975), Para Compreender Lacan, Rio de Janeiro, editora Rio.
NOTAS
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