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A CONTRIBUIÇÃO DE EUCLIDES DA CUNHA PARA

A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO

Ana Paula da Silva Lima1


José Evaristo de Oliveira Filho2

RESUMO
Euclides da Cunha desempenhou um importante papel na construção do pensamento social
brasileiro, especialmente por trabalhar em prol de um projeto de desenvolvimento nacional
unindo compreensões teóricas e pragmáticas. Seu livro, “Os Sertões”, é referência sobre as
lutas do nordestino e seu abandono pela República. O conjunto de sua obra revela um
intelectual engajado nas transformações sociais e na busca por uma identidade nacional.

PALAVRAS-CHAVE: pensamento social, evolucionismo social, identidade nacional.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo descreve e analisa a contribuição de Euclides da Cunha para a formação


do pensamento social brasileiro. O trabalho será dividido em três partes: (a) vida e obra do
sociólogo; (b) um análise do livro “Os Sertões”; e (c) Sua contribuição ao pensamento social
brasileiro.

Euclides da Cunha pertence ao grupo de intelectuais que procurou representar a vida


social do Brasil em suas obras. Como tal, ele trabalhou para construir um projeto de
desenvolvimento nacional que integrasse a nação brasileira. Isso seria possível,
primeiramente, por construir uma identidade nacional que ultrapassasse as barreiras raciais.
Assim, a questão da raça estava bem presente na obra de Euclides da Cunha, pelas influências

1
Discente do 5º período do curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-
mail: paulinhasilvalima@ig.com.br.
2
Discente do 5º período do curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-
mail: evaristofilho@gmail.com.
recebidas do evolucionismo social, do qual ele se aproximava em diversos pontos, embora se
distanciasse em muitos outros.

O livro “Os Sertões” é uma amostra precisa da preocupação de Euclides da Cunha


em apontar os caminhos para a integração nacional em seu tempo, apontando para o
nordestino como o “tipo ideal” do povo brasileiro. No capítulo em que se dedica a examinar a
“Batalha de Canudos”, o sociólogo exemplifica esse tipo ideal cuja força interior que lhe
infunde a capacidade de lutar e resistir contra as forças opositoras.

Sendo republicano, Euclides da Cunha não deixa de denunciar os erros e descasos da


República. Antes, ele aponta com objetividade que havia um abismo entre as teorias
republicanas e sua ação prática. E a batalha de Canudos é um forte exemplo dessa dicotomia
republicana.

Assim, unindo intelectualidade e consciência cidadã, Euclides da Cunha representou


um olhar brasileiro sobre a identidade nacional e os caminhos para a construção de uma nação
mais igualitária e soberana.

2 A VIDA E OBRA DE EUCLIDES DA CUNHA

Nascido em 20 de janeiro de 1866, Euclides Rodrigues da Cunha pode ser


considerado um intelectual “multitarefa”. Ele foi geógrafo, historiador, engenheiro, repórter,
escritor, poeta e sociólogo. Ele perdeu a mãe aos quatro anos de idade e foi criado pelas suas
tias.

Sua vida foi marcada por dificuldades – na maioria das vezes – financeiras, razão
pela qual desistiu de continuar seus estudos na Escola Politécnica do Rio de Janeiro após um
ano de estudos. Assim, entrou para a Escola Militar, onde foi contagiado pelo fervor
republicano do então professor Benjamin Constant.

Ainda na Escola Miliar, Euclides da Cunha já demonstrava seu talento de escrito no


Jornal A Província de São Paulo. Mais tarde ele foi convidado a escrever no Estado de São
Paulo. O convite fora feito após a publicação de dois artigos durante a fase inicial da Batalha
de Canudos. Ele tornou-se, então, correspondente do jornal, com o encargo de cobrir as ações
do exército republicano contra Antônio Conselheiro em Canudos.
Euclides da Cunha não conseguiu presenciar o desfecho da batalha, pois teve que sair
quatro dias antes. Porém, durante o tempo que passou ali, conseguiu reunir dados suficientes
para escrever sua obra mais conhecida: Os Sertões.

O livro lhe rendeu a vaga na Academia Brasileira de Letras e o tornou


internacionalmente conhecido. Posteriormente, Euclides da Cunha tornou-se chefe da
comissão encarregada da demarcação dos limites entre o Brasil e o Peru. Ali, o sociólogo
estudou e denunciou a exploração dos seringueiros na floresta amazônica.

Euclides da Cunha tentou seguir carreira no magistério e, com a ajuda de amigos,


conseguiu ser admitido no Colégio Pedro II. Porém, não teve tempo de assumir seu posto,
pois foi assassinado pelo cadete Dilermando de Assis em 15 de agosto de 1909, no Rio de
Janeiro.

Seus livros, expressões de seu pensamento aguçado sobre a realidade do seu país, são
o seu legado para a história e a cultura brasileira.

3 OS SERTÕES

O livro mais conhecido de Euclides da Cunha é Os Sertões. O material que resultou


na obra foi desenvolvido durante a Batalha de Canudos. O livro foi publicado em 1902 e está
dividido em três partes: A Terra, o Homem e a Luta.

Adepto do evolucionismo social, pelo menos em parte, Euclides da Cunha usa uma
metodologia que aproveita as ideias da biologia e da geologia para explicar os fenômenos
humanos.

O livro apresenta o sertão como uma terra esquecida, primeiramente, pela monarquia
e, depois, pela república. No olhar de Euclides da Cuinha, o sertão, que estava
geograficamente isolado, teria produzido um povo mestiço de caráter e aspectos físicos mais
fortes do que os mestiços do litoral. O lugar é severo com seus habitantes, não somente com
os homens, mas também com a natureza. Assim, homem e natureza se adaptam para
sobreviver ali.

Em Os Sertões, o líder do movimento de Canudos, Antônio Conselheiro, é descrito


como um indivíduo que tem em sua própria história a marca dos elementos sobrenaturais. Ele
é um profeta; seu ascetismo e carisma conseguem agregar pessoas de uma fé radical, quase, se
não, fanática.

No olhar de Euclides da Cunha, o povo congregado em Belo Monte era unido e, de


fato, homogêneo. De relance, se percebe algumas características do comunismo primitivo
como, por exemplo, a igualdade na partilha dos bens e o uso comum dos mantimentos.

A importância do livro está em sua reflexão sobre a identidade do povo brasileiro,


em sua denúncia dos crimes, da injustiça e barbárie cometidas pela República em Canudos.
Mostra a contradição de um regime que em tese defende a liberdade, a igualdade, a
democracia, mas que na prática esquece que o seu inimigo em Canudos não é outro se não um
grupo de brasileiros esquecidos, cidadãos brasileiros a quem a república deveria proteger.

4 O PENSAMENTO SOCIAL DE EUCLIDES DA CUNHA

Não é possível compreender bem a obra de Euclides da Cunha, especialmente Os


Sertões, sem conhecimento de sua matriz científica. O sociólogo, como muitos outros de sua
época, orientava-se pelo evolucionismo social de Spencer. Essa linha sociológica defendia a
compreensão de uma história linear em que as sociedades evoluíam de um estado primitivo ao
civilizado. A sociedade evoluída que servia de referência era a ocidental, europeia. Todas as
outras sociedades que não seguissem a ideia europeia de civilização eram consideradas
primitivas e, por conseguinte, necessitavam evoluir.

Dentro dessa concepção, subsistia a ideia darwiniana da sobrevivência do mais forte.


Assim, na visão dos evolucionistas sociais, a raça branca, europeia, era superior aos índios,
negros e asiáticos.

Como evolucionista social, Euclides da Cunha se deparou com um dilema: como


conciliar essa visão de uma raça superior dentro do complexo quadro da mestiçagem
brasileira?

Euclides da Cunha, assim como a maioria dos intelectuais de sua época, considerava
a mestiçagem um problema para o processo civilizatório defendido pelo evolucionismo social.
Portanto, diante da clara percepção de um forte entrelaçamento de raças no Brasil, o sociólogo
procurou conciliar a questão da raça superior com a mestiçagem. Suas pesquisas o levaram ao
estudo do mestiço do sertão. Mostrando uma clara simpatia pelo sertanejo, porém, sem perder
de vista sua posição científica, Euclides da Cunha percebeu no mestiço sertanejo o seu
potencial à Civilização. Assim, ele acaba “reconhecendo que a mestiçagem – considerada por
muitos intelectuais da época, mesmo pelo próprio autor, um estorvo ao processo civilizatório
– como um processo fundamental e positivo para a formação da sociedade sertaneja e
nordestina” (NASCIMENTO, 2002, p. 69).

Essa tese de Euclides da Cunha seria comprovada através de Os Sertões e,


especialmente, na parte que trata da Batalha de Canudos. A resistência de civis ao exército
republicano durante seis meses seria uma prova incontestável da força do mestiço sertanejo.
De fato, no relato da batalha, quanto “mais os jagunços se aproximam de seu fim trágico, mais
eles crescem e suas qualidades intrínsecas surgem exaltadas. Mais e mais, eles aparecem
como uma raça (...)” (NASCIMENTO, 2002, p. 167).

Sendo evolucionista, Euclides da Cunha entendia que o meio tinha um papel


importante na formação desse tipo ideal. Assim, ele valoriza os aspectos geográficos da terra
no qual o mestiço sertanejo havia se desenvolvido:

Porque ali ficaram, inteiramente divorciados do resto do Brasil e do mundo,


murados a leste pela Serra Geral, tolhidos no ocidente pelos amplos campos gerais,
que se desatam para o Piauí e que ainda hoje o sertanejo acredita sem fins. O meio
atraía-o e guardava-os (CUNHA, 2001, p. 189).

De fato, ele “tomou a natureza dos sertões como cenário trágico, cuja vegetação, com
galhos secos e contorcidos, permitia antever as cabeças degoladas dos sertanejos”
(VENTURA, 2003, p. 201), e fez dessa terra abandonada por todos, na qual reinava a
pobreza, a fome, a falta de educação formal e a exploração, o meio ideal no qual se formara o
tipo ideal do brasileiro. Nela o mestiço teve que se adaptar para sobreviver. Assim, diante de
privações, na escassez de alimentos e de água, o mestiço sertanejo havia evoluído e se tornado
mais forte do que o mestiço do literal e, seria, portanto, o genuíno tipo brasileiro.

No entanto, a descrição que Euclides da Cunha faz do mestiço sertanejo, aparece,


muitas vezes, de forma antagônica. A ideia de força quase sempre se mistura a ideia de
debilidade:

Dois momentos opostos na descrição de Euclides da Cunha (...). A ilusão da


aparência conferindo à caracterização do sertanejo uma fluidez sempre renovada,
“... a todo momento, em todos os pormenores da vida sertaneja”. Instantaneamente
uma e/ou outra coisa – “É o homem permanentemente fatigado”, de uma aparência
de cansaço que ilude” (1988, p. 84).
Contudo, há um constante retorno à elevação das qualidades do sertanejo e de sua
capacidade de ascender no processo civilizatório, o que se vê em sua obstinação em resistir ao
inimigo. Portanto, “ao enfrentar o inimigo com grandeza, o sertanejo vai mostrando que,
apesar de distante dos melhores cruzamentos civilizacionais, é uma raça forte com amplas
possibilidades de adaptação, imitação e superação de seu estágio mais atrasado”
(NASCIMENTO, 2002, P. 135).

Essa questão da raça têm gerado diversas críticas à obra de Euclides da Cunha,
algumas vezes acusando-a de racista. Porém, ela deve ser considerada dentro do contexto das
ideias de seu tempo. O que o sociólogo pretendia era responder à questão que ainda não havia
sido respondida com a devida clareza: “quem é o brasileiro?”.

Essa interrogação da identidade nacional passava pela questão da raça e, embora as


ideias evolucionistas de Euclides da Cunha já tenham caído em desuso há tempos, permanece
como referencial a sua busca pela integração nacional e à exaltação das qualidades do
sertanejo que, sendo ou não uma raça, contribui de forma inequívoca para a formação dessa
colcha de retalhos que é o povo brasileiro, cuja identidade não se encontra na unidade racial,
mas na diversidade de seu povo e de sua cultura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUNHA, Euclides. Os Sertões. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

NASCIMENTO, José Leonardo (Org.). Os sertões de Euclides da Cunha: releituras e


diálogos. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

NAXARA, Maria Regina Capelari. Estrangeiro em sua própria terra: representações do


brasileiro. São Paulo: Annablume, 1988.

VENTURA, Roberto. Retrato interrompido da vida de Euclides da Cunha. São Paulo:


Companhia das Letras, 2003.

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