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XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006

Análise de eventos em criminalística: um estudo de caso

Cláudio Vilela Rodrigues (UFSCar) claudiovilela@hotmail.com


Alessandra Rachid (UFSCar) arachid@power.ufscar.br

Resumo
Utilizando como perspectiva de análise o modelo de competências, mais precisamente a
importância dos eventos, este artigo analisa o trabalho de peritos do setor de criminalística.
Inicialmente, realizou-se uma pesquisa documental na legislação sobre o assunto e também
naquela específica sobre a Polícia Civil de Minas Gerais, para identificar como é a
prescrição do trabalho desses profissionais. Com base nestes documentos, realizou-se um
estudo de caso de uma Seção Técnica Regional de Criminalística do interior de Minas
Gerais. O estudo mostra a grande variedade de eventos com que esta categoria profissional
lida no seu dia-a-dia. Embora estes profissionais gozem de certa autonomia no exercício de
suas funções, o estudo mostra o enfrentamento de situações não previstas – eventos – de
grande diversidade e, muitas vezes, em levantamentos de locais externos, sob fortes
intempéries, além de riscos e da complexidade da função.
Palavras-Chave: Criminalística, Eventos, Competência.

1. Introdução
As mudanças políticas, econômicas e sociais que ocorreram no final do século XX afetaram o
modo das empresas atuarem, devido, principalmente, ao acirramento da competição. Neste
cenário de competição, globalização e disponibilidade de novas tecnologias, o mundo do
trabalho também passa por mudanças, com algumas as organizações procurando valorizar os
seus ativos intangíveis, sendo fundamental atrair, desenvolver e reter talentos (ABREU et al,
2003; SARSUR, et al, 2003; GRAMIGNA, 2002). A gestão por competências, já amplamente
difundida nos Estados Unidos e na Europa, ganha corpo também no Brasil.
O setor público também sofreu pressões do ambiente, com a redefinição do papel do Estado e
de suas atribuições, obrigando-o a diminuir de tamanho, ao mesmo tempo em que as
demandas sociais cresciam, principalmente, em países do terceiro mundo (HOBSBAWN,
1996). Da mesma forma, o modelo weberiano não atende mais aos anseios de uma sociedade
diversificada e fragmentada em seus desejos e aspirações. Esse contexto criou um ambiente
propício ao surgimento de novas formas de gestão do serviço público, diversas da burocracia
tradicional, como, por exemplo, o New Public Management (HOOD, 1991) e a proposta na
obra de OSBORNE e GAEBLER (1992), Reinventing Governament. Ambas as abordagens
têm como idéia central a aplicação de metodologias econômicas e a lógica do mercado à
gestão dos serviços públicos, tais como a autonomia, o foco no cidadão, agora tratado como
cliente/consumidor e o gerencialismo, entre outras.
Ao mesmo tempo, a população assiste ao crescimento da violência, que de uma forma mais ou
menos intensa atinge cada uma das diferentes regiões do país. O tema é a segunda
preocupação dos brasileiros, sendo superado apenas pelo desemprego (IBOPE, 2003). Tem
mobilizado, além do poder público, diversos segmentos da sociedade civil, como por exemplo
a ONG Viva Rio, universidades e centros de pesquisa, tais como o Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade de São Paulo e o Centro de Estudos de Segurança Pública
(CRISP), da Universidade Federal de Minas Gerais. Neste contexto, principalmente após a

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redemocratização e o advento da Constituição Federal de 1988 e a crescente preocupação com


os Direitos Humanos, ganha cada vez mais destaque o papel desempenhado por um ator chave
na investigação criminal moderna: a Polícia Técnica e Científica (PTC), como demonstram
amplas reportagens divulgadas pela mídia e diversos casos solucionados por seus integrantes.
O presente artigo tem como objetivo geral analisar sob a perspectiva de eventos proposta por
Zarifian (2001), o trabalho desenvolvido por profissionais de criminalística, os peritos
criminais, em uma unidade de trabalho no interior do Estado de Minas Gerais. Tem como
objetivos específicos analisar a atividade real e a diversidade de eventos enfrentados, o
trabalho prescrito e o trabalho real do perito criminal. A importância do artigo se justifica pelo
contexto de insegurança pública que vive a sociedade brasileira e pelo peso do trabalho deste
profissional na investigação e no processo criminal.
Aqui são apresentados os resultados iniciais de uma pesquisa em andamento. Fez-se estudo de
caso em uma Seção Técnica Regional de Criminalística (STRC) do interior de Minas Gerais.
Iniciou-se com uma pesquisa documental na legislação pertinente e na instituição pesquisada,
a Polícia Civil de Minas Gerais, focando na Criminalística e também nos arquivos da STRC,
quando se fez o levantamento das ocorrências atendidas, para analisar a sua variabilidade.
Foram entrevistados três peritos criminais desta Seção. Posteriormente, analisaram-se dois
casos de engenharia legal envolvendo acidentes de trabalho, para mostrar a diversidade de
situações em perícias de mesma natureza, e ainda um terceiro caso, de acidente de trânsito.
Cabe salientar que o primeiro autor é perito criminal da instituição pesquisada e que o
segundo caso foi observado a partir de experiência própria. Para realizar a pesquisa e elaborar
o artigo fez-se uma ruptura objetivante (PINTO, 1998), embora, a partir desta experiência
pessoal, tenham sido analisadas situações concretas de trabalho.
Este artigo apresenta, além desta introdução, outras três seções. A segunda aborda a gestão
por competências. A terceira analisa os eventos na criminalística à luz da teoria. E,
finalmente, a quarta que apresenta as considerações finais e as sugestões para novas
pesquisas.
2. Gestão por competências
A gestão por competências ganha espaço tanto no meio organizacional, quanto acadêmico,
pois, cada vez mais, as pessoas passam a ser o diferencial. “A competência é ‘o tomar a
iniciativa’ e ‘o assumir responsabilidade’ do indivíduo diante de situações profissionais com
as quais se depara” (ZARIFIAN, 2001, p. 68). Basicamente, existem duas abordagens sobre
competências. A primeira “parte da estratégia empresarial, passa pela definição das
competências organizacionais e desdobra-se em competências funcionais” (RUANO, 2003;
DUTRA, 2001; FLEURY, 2002); enquanto na segunda ocorre o processo inverso, ou seja, “a
análise das competências de cada profissional formaria o portifólio de competências
organizacionais e a partir desta definição a organização estabelece a sua estratégia no
mercado” (RUANO, 2003). Outra abordagem é a de competências essenciais (core
competences), formulada por Prahalad e Hamel (1995), que “são os conjuntos únicos de
conhecimentos técnicos e habilidades que causam impacto em produtos e serviços em uma
organização e fornecem uma vantagem competitiva no mercado” e devem agregar valor ao
produto ou serviço para os clientes e serem difíceis de imitar, propiciando um diferencial à
organização.
Para Zarifian (2001), o mundo do trabalho passou por mutações e três delas são a base do
surgimento do modelo de competências: a noção de evento, a comunicação e os serviços,
formando os elementos constitutivos do conceito. Comunicar, porque “trabalhar é em parte

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pelo menos, comunicar-se” (ZARIFIAN, 2001, p.45). Serviço, porque “trabalhar é gerar um
serviço, ou seja, uma modificação no estado ou nas condições de atividade de outro humano,
ou de uma instituição, que chamaremos de destinatários do serviço (cliente no setor privado e
usuário no setor público)” (ZARIFIAN, 2001, p. 48). O evento
“ocorre de maneira parcialmente imprevista, inesperada [...] em resumo, tudo o que
chamamos de acaso [...] no que consiste trabalhar? Trabalhar é, fundamentalmente,
estar em expectação atenta a esses eventos, é ‘pressenti-los’ e enfrentá-los, quando
ocorrem. Enfrentá-los com sucesso, dominando o evento [...] um evento é, então,
alguma coisa que sobrevém de maneira parcialmente imprevista, não programada,
mas de importância para o sucesso da atividade produtiva. É em torno destes
eventos que recolocam as intervenções humanas mais complexas e mais importantes
[...] O indivíduo deve confrontar o evento, deve resolver os problemas que revela ou
que gera.” (ZARIFIAN, 2001, p. 41).
O autor afirma que há três procedimentos possíveis para lidar com os eventos: a expectação,
antes do evento; a intervenção, que ocorre em situação de evento, muitas vezes sob pressão de
prazos; e um reflexivo, posterior, para compreendê-lo e analisá-lo. Estes momentos delineiam
um ciclo de aprendizagem. Neste sentido, “o grau de experiência dos assalariados não
depende mais, primordialmente, da duração de sua permanência no posto de trabalho, mas
da ‘variedade dos eventos enfrentados’ e da qualidade da organização, que permite examiná-
los a fundo” (ZARIFIAN, 2001, p. 44).
Uma das conseqüências do conceito de evento é que as tarefas a serem executadas não podem
mais ser incluídas no trabalho prescrito. O saber tácito passa a ser essencial para dominar os
eventos. Para o autor, a competência deve ser “automobilizada” por aquele trabalhador que se
encontra na situação real, que depende da iniciativa do indivíduo. Neste caso, o trabalho passa
a se constituir de “uma seqüência de eventos, de situações singulares que se entrechocam”
(ZARIFIAN, 2001, p. 43).
A criminalística é uma atividade que lida essencialmente com o imprevisto, com eventos. Por
isso, este trabalho analisa o trabalho de campo de peritos criminais.
3. Análise de eventos na criminalística
A perícia criminal é constituída pela criminalística e pela medicina-legal e está inserida num
ambiente judicial, de segurança pública e de investigação. A atividade está disciplinada no
Código de Processo Penal (CPP), artigos 158 a 184, e deve ser realizada em toda a infração
penal que deixar vestígio (CPP, art. 158). O mesmo estatuto inclui os peritos entre os
auxiliares da justiça, aplicando-lhes à mesma disciplina judiciária (Art. 275) e suspeição dos
juízes (Art. 280). Os órgãos de Polícia Técnica apresentam diversas configurações, em um
continuum que vai desde a autonomia completa, como no Amapá, passando pela autonomia
mesmo estando dentro da Polícia Civil, como nos casos de São Paulo e do Distrito Federal,
até a sua subordinação à Políca Civil, como em Minas Gerais.
Devido à diversidade e especialização das infrações penais, a criminalística realiza exames de
diversas naturezas, tais como crimes contra a vida, contra o patrimônio, acidentes de trânsito,
meio ambiente, engenharia, balística, contabilidade, informática, fonética, física, química,
biologia, toxicologia e documentoscopia (TOCCHETTO & ESPINDULA, 2005). É
constituída por profissionais com nível superior de escolaridade (CPP, art. 159) em diversas
áreas do conhecimento, como engenheiros, bioquímicos, físicos, químicos, biólogos,
agrônomos, dentistas, matemáticos, veterinários, contadores, cientistas da computação,
advogados, realizando tanto trabalhos em laboratórios, quanto de campo.

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A criminalística é um serviço governamental e seu produto final, o laudo pericial, é a


informação (FITZSIMMONS & FITZSIMMONS, 2005, p.31 e 324). Perito é o “apreciador
técnico, assessor, do juiz com a função de fornecer dados instrutórios de ordem técnica e
proceder à verificação e formação do corpo de delito (MIRABETE, 2000, p. 420). O objetivo
maior da atividade é reunir evidências que levem a identificação de autores de crimes,
utilizando a ciência (TOCCHETTO & ESPINDULA, 2005), ou seja, a perícia prova.
Em Minas Gerais, os peritos estão subordinados ao Instituto de Criminalística (IC), localizado
na capital, cuja direção cabe a um perito criminal no nível final da carreira. O IC está
vinculado à Superintendência de Polícia Técnica e Científica (SPTC), que abriga os institutos
de identificação e médico-legal, cujo titular possui assento no Conselho Superior de Polícia,
instância máxima da corporação. No IC, as períciais estão agrupadas por especialidades, como
crimes contra a vida, contra o patrimônio, acidentes de trânsito, meio ambiente e engenharia.
No interior do Estado, os peritos criminais estão distribuidos por 52 STRC, situadas em
Delegacias Regionais de Polícia Civil (DRPC), as quais realizam todos tipos de exames,
exceto exames laboratoriais de maior complexidade, como DNA, por exemplo (POLÍCIA
CIVIL, 2005). Por esta razão, estes profissionais se autodenominam “clínicos gerais”.
Segundo documento da Academia de Polícia Civil (ACADEPOL) (2005), os principais
requisitos psicológicos do candidato à perito criminal são a exatidão (capacidade de executar
tarefas de maneira precisa), a habilidade em lidar com situações novas (capacidade de
reagir de modo apropriado às situações imprevistas que ocorrem no dia-a-dia de uma pessoa,
não comprometendo a sua integridade física e nem de outrem) (grifo nosso) e a sociabilidade
(capacidade para estabelecer relacionamentos interpessoais de forma cortês, criando um clima
de confiança, cordialidade e respeito mútuo).
Após aprovação em concurso público, os aspirantes à perito criminal freqüentam seis meses
de curso de formação na ACADEPOL em regime de tempo integral. Recebem formação
básica e profissional. Posteriormente, retornam à academia para cursos de aperfeiçoamento,
chefia e outros cursos de curta duração para se reciclarem. Trabalham 40 horas semanais, em
turnos que não excedem 12 horas. A carreira é organizada em quatro níveis verticais (I, II, III
e IV), cada um composto por cinco níveis horizontais (A, B,C,D,E), exceto o último.
Perito Criminal “é o servidor policial que tem a seu cargo o trabalho especializado de
investigação e pesquisa policial, que consiste em examinar peças, apurar evidências ou
colher indícios em locais de crimes ou acidentes, ou em laboratórios, visando a fornecer os
elementos esclarecedores para a instrução de inquéritos policiais e processos criminais” (Lei
Orgânica da Polícia Civil, art. 68). O trabalho prescrito para a atividade pode ser resumido
pela figura 1. Percebe-se a diversidade da atividades, que podem ser vários exames e
procedimentos diferentes. A atividade contempla a fase da expectação, pois estes profissionais
trabalham em regime de plantão, ficando disponíveis para o atendimento das ocorrências que
exijam perícia, ou seja, dos eventos. A intervenção e reflexão são inerentes à atividade, já que
a própria elaboração do laudo pericial resulta de análises e reflexões sobre o evento.
3.1 – A Regional estudada
A seção estudada é composta por quatro peritos oficiais e um funcionário administrativo. Um
dos peritos é graduado em matemática e direito, o outro em biologia, o terceiro em direito e o
quarto em engenharia mecânica. Todos têm especialização, sendo que dois têm mestrado, e
estão há mais de 10 anos na carreira, possuindo diversos treinamentos. Esta Regional atende,
além da sede, mais 10 cidades, em praticamente todos os tipos de ocorrências, analisadas
tanto internamente, envolvendo tóxicos, eficiência de armas, transcrição de fitas, falsificação

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de documentos, entre outros, quanto externamente, tais como homicídios, acidentes de


trânsito com vítimas, patrimônio, acidentes de trabalho e meio-ambiente. A seção dispõe de
dois computadores, internet, duas impressoras, balança de precisão, duas câmeras digitais e
duas convencionais, maletas contendo produtos e insumos próprios para levantamento de
impressões dígito-papilares, coleta de sangue, fios de cabelo e outras evidências, viatura
própria e outros objetos de apoio, como luvas, trenas, lanternas e máscaras.

Figura 1: Fluxograma dos serviços periciais


Fonte: Dados da pesquisa

Durante a pesquisa realizada nos arquivos da STRC, constatou-se que entre janeiro e
novembro de 2005 foram atendidas 727 ocorrências, tais como homicídios, suicídios,
acidentes de trânsito com vítimas, furto, roubo, meio-ambiente e tóxicos, entre outras. Dada à
diversidade de situações enfrentadas, pode-se afirmar que o levantamento no local, atividade
essencial do perito, enquadra-se no conceito de evento apresentado por Zarifian (2001),
porque estes eventos são aleatórios, imprevisíveis e diversos uns dos outros, mesmo quando
da mesma natureza.
3.2 – Análise de eventos observados
Procedeu-se a observação não-participante de um levantamento de local, realizado por um
perito da STRC, em que faleceu um operador de trator em decorrência de acidente de
trabalho num cafezal. O acionamento pela PM se deu à tarde. Após obter informações com o

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plantonista da DRPC e selecionar o material (máquina fotográfica, trena, luva descartável e


prancheta), o perito deixou a delegacia. O fato fora em outra cidade, distante 35km da sede.
Na cidade, PMs o aguardavam, que o acompanharam ao local do fato, que não estava
identificado e foi localizado pedindo-se informações à transeuntes. Tratava-se de uma fazenda
localizada a 15 km do centro da cidade, cujo acesso se dava por uma estrada vicinal, de terra.
Chegando ao local, o perito observou o local, o trator e a vítima, um homem de 39 anos, e
indagou às pessoas presentes, o feitor, lavradores e familiares, o que havia acontecido.
Constatou-se a presença de ferramentas e arame farpado no reboque do trator. Os peritos
fotografaram a vítima e o trator, mediram as marcas de arrastamento dos pneus no solo.
vistoriaram o veículo, o sistema de direção e o freio e retornaram à sede.
Em outra data, o próprio pesquisador foi acionado pela DRPC para atender a uma ocorrência
de acidente de trabalho numa pedreira em uma cidade localizada a 38 km da sede. Selecionou
o mesmo material e dirigiu-se à DP local, de onde, juntamente com o delegado de polícia e
outro policial civil foram para local do acidente, de difícil acesso. Chegando ao local,
preservado pelos PMs, estavam presentes o corpo de bombeiros, dois técnicos de segurança
do trabalho da companhia e o gerente da mesma, uma mineradora de capital italiano. No
local, era realizada a extração de pedras. Após a explosão de veios das jazidas, os
trabalhadores transformam as pedras brutas em lâminas de diversos tamanhos. O banco de
pedras apresentava uma altura de aproximadamente de 20m, estando inclinado externamente
em relação à base, ou seja, era um talude invertido. Cinco trabalhadores cortavam as pedras
na base do banco, quando algumas delas caíram, atingiram dois deles fatalmente, e feriram
um terceiro. Após os questionamentos iniciais, procedeu-se a um exame macroscópico no
primeiro cadáver, identificou-se a pedra e de onde se desplacou. Em seguida, examinou-se o
outro cadáver, quando se constatou que o operário estava trabalhando agachado, pois havia
várias ferramentas ao seu redor, e teve o seu capacete de proteção perfurado. Constatou-se a
utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs). Identificou-se também a pedra que
o atingiu. Os dois foram fotografados. Verificou-se a presença de uma máquina perfuratriz,
caminhões e pás-carregadeiras no topo. Então, procedeu-se às medições de distância dos
corpos em relação à base e da altura do talude. Fotografou-se o local de forma panorâmica,
principalmente no topo do banco de pedras, a fim de evidenciar a quantidade de pedras
soltas.. Após a liberação da área, optou-se por sua interdição temporária, para evitar novos
acidentes.
O terceiro evento foi a observação não participante da perícia em um acidente de
trânsito. O acionamento da DRPC se deu às 07 horas da manhã de um domingo e foi realizado
por policiais rodoviários. Após conversar com o plantonista e selecionar o material, o perito
deixou a delegacia. Tratava-se um acidente em outra cidade, numa estrada asfaltada com
várias curvas, envolvendo três veículos, que resultou em 06 vítimas com lesões corporais. O
perito foi sozinho, dirigindo viatura própria da perícia e relatou que esta situação é normal,
mesmo de madrugada. Às 08:15h, o perito estava no local. O trecho era inclinado e em curva.
Ao verificar o local, ainda de dentro do automóvel, o perito reclama da dificuldade de
entender o que aconteceu. É recebido por três policiais rodoviários, cuja explicação indica que
dois veículos bateram de frente e se imobilizaram na pista e, a seguir um terceiro veículo se
chocou contra o que trafegava no seu sentido antes da colisão. Foi confirmado que houve seis
vítimas transportadas por uma ambulância e pelo serviço de resgate para o hospital da cidade
sede da DRPC com lesões, sendo que três estavam em estado grave, correndo risco de vida. O
perito conversa com um dos ocupantes do terceiro veículo, que sofreu apenas lesões leves.
Em seguida, avalia o local, olhando em ambas as direções e, então, inicia o levantamento.
Examina cada um dos veículos, começando pelos que bateram de frente, procurando

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identificar onde foram os pontos de impacto. Examina o eixo longitudinal central da pista e
determina a segunda região de choque, resultado do choque do terceiro veículo. Para
determiná-la, o perito parte da posição final dos veículos, do ponto de impacto em cada um
deles, por fragmentos de ambos os veículos desprendidos no local e por montículos de terra
sobre o asfalto, mas tem dificuldade para determinar e localizar a região do primeiro choque,
aquela em que os dois veículos bateram de frente. Com uma trena e a ajuda de um dos
policiais rodoviários, inicia as medições e amarrações do local, após a interrupção do tráfego
no local. Mede a distância entre os veículos, a distância entre a 2ª região de choque e o
veículo mais próximo, o que colidiu duas vezes. Mede também a largura da pista, a extensão
de uma marca de frenagem deixada sobre a pista pelo terceiro veículo, na tentativa de evitar o
choque. Por fim, mede os sulcos, tanto a extensão quanto a sua localização em relação ao eixo
central da pista e em relação à 2ª região de choque. Analisa o sentido de produção dos sulcos.
Faz um comentário se um sulco está naquela posição, é porque o veículo estava parcialmente
sobre a outra pista. Com base nos sulcos e na posição dos dois primeiros veículos, determina e
localiza a 1ª região de choque. Libera a pista ao tráfego. Um veículo passa em alta velocidade,
sem que os policiais consigam pará-lo, mostrando os riscos da profissão. Por fim, com o
tráfego novamente interrompido pelos policiais rodoviários a pedido do perito, este passa a
fotografar o local. Primeiramente, faz uma tomada panorâmica do local, depois da marca de
frenagem produzida pelo terceiro veículo. Faz também uma tomada de cada um dos veículos,
tanto da posição, quanto do ponto de impacto nos mesmos. Fotografa as ranhuras no piso e
faz novas tomadas panorâmicas, mas no sentido inverso. Às 09:15h encerra o levantamento e
faz anotações.
A análise destes casos mostra como que a essência da atividade é lidar com o imponderável,
no sentido mais amplo da palavra, pois não se sabe se haverá ocorrência ou não, se houver, a
que horas será, em que condições climáticas (tempo bom, chuva, etc.), que tipo (homicídio?
acidente de trânsito? etc.), onde e qual o acesso, em que circunstâncias, qual a duração da
intervenção, qual o risco envolvido, dentre outras variáveis.
No segundo momento, o da reflexão, há articulação entre as circunstâncias do fato, as
evidências coletadas e a legislação pertinente ao assunto, que é materializada na peça judicial
probante: o laudo pericial. Sua elaboração, em ambos os casos de acidentes de trabalho,
exigiu estudo da legislação e situações de segurança do trabalho, para emitir um parecer
cientificamente fundamentado. No segundo caso, foi necessária uma discussão e análise do
evento entre o perito e um engenheiro de minas do Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM), que também inspecionou o local posteriormente, a fim de obter subsídios
técnicos para elaborar o seu laudo. No terceiro, é preciso recorrer à física, para estabelecer a
dinâmica do evento e respectivas velocidades dos veículos.
4. Considerações finais
O texto faz um estudo da atividade de perito criminal, utilizando como perspectiva de análise
a categoria evento, um dos três componentes do conceito de competências. Realizou-se uma
pesquisa documental na Polícia Civil de Minas Gerais, com o recorte na criminalística e,
posteriormente, entrevista com três profissionais e um estudo de caso em uma das 52 Seções
Técnicas Regionais de Criminalística existentes no interior do Estado.
O objetivo da atividade pericial é reunir evidências, que identifiquem autores de crimes,
utilizando a ciência, ou seja, a perícia prova. A característica essencial do trabalho é o evento,
tanto que é exigido que o candidato ao cargo tenha a habilidade para lidar com situações
novas muito desenvolvida. O estudo comprovou a grande variabilidade de eventos com que
estes profissionais lidam. Variabilidade em termos de natureza do evento, circunstâncias,

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localização e distâncias, condições climáticas, horários, enfim, a premissa maior é a


imprevisibilidade. Analisaram-se dois casos de acidentes de trabalho e um acidente de
trânsito, que mostraram a diversidade dos eventos, além dos riscos, enfrentados por estes
profissionais.
Por fim, sugere-se para novas pesquisas, a utilização de uma amostra mais representativa para
se proceder a análise da atividade sob a perspectiva de eventos. Sugere-se também pesquisas
na categoria de comunicação e serviços, que reunidas compõem o conceito de competências.
Referências
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