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LAN-850 - TOXINFECÇÕES ALIMENTARES DE ORIGEM BACTERIANA

Claudio Rosa Gallo

Os alimentos frescos e processados, exceção daqueles contidos em embalagens


herméticas, estão em contato com o ambiente e passíveis, de sofrer alterações por fatores de
natureza física, química e biológica. É importante lembrar e salientar os eventuais riscos quanto ao
aspecto higiênico-sanitário e de saúde pública, pela contaminação por microrganismos
potencialmente patogênicos.

De acordo com dados do serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, existem 62 doenças
que podem ser transmitidas entre seres humanos ou de animais a seres humanos; destas, 25
podem ser transmitidas através dos alimentos (FOOD PROCESSORS INSTITUTE, 1983).

Alimentos de origem animal podem evidenciar a presença do patógeno que infectava


inicialmente o animal do qual eles derivaram; no entanto, nenhuma das doenças zoonóticas é
transmitida exclusivamente pelos alimentos, apenas servindo estes como veículo de transmissão
ocasionalmente, sendo a via oral apenas uma das várias vias de infecção.

Doenças como o antraz (causada por Bacillus anthracis), a tuberculose (Mycobacterium


tuberculosis), brucelose (Brucella abortus, B. melitensis), listeriose (Listeria monocytogenes),
tularemia (Francisella tullarensis), a febre de Query ou Febre Q (Coxiella burnetti), são algumas das
doenças zoonóticas de maior importância (ICMSF, 1978).

Existe um segundo grupo denominado de "doenças de origem alimentar" (Foodborne


Diseases), nas quais fica implícito que o alimento contaminado se constitui no mais importante
veículo do agente causal, usualmente servido de substrato para a multiplicação do microrganismo
responsável pelo processo patológico. Aqui, a via oral é a principal ou única via de penetração do
patógeno no organismo humano.

Ao se discutir as doenças de origem alimentar, devemos mencionar alguns termos e


conceitos:

1. Reservatório
Nicho ecológico inicial do microrganismo patogênico, ou substrato, meio ambiente, no qual
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ele naturalmente prolifera. Por exemplo: trato intestinal do homem e outros animais, no caso de
Salmonella, Shigella, Escherichia coli.

2. Veículo
Substrato ou meio responsável pela transmissão do agente patogênico. Pode ser animado
(inseto, roedor, ave, etc.) ou inanimado (alimento, utensílio, etc.), ativo (oferece condições para a
multiplicação do agente) ou passivo (sem proliferação do patógeno).

É interessante lembrar e não confundir veículo com vetor de uma doença, pois uma doença
existe com a presença ou não do veículo e não existe sem a presença do vetor (intermediário para
que o ciclo da doença se complete; normalmente é um hospedeiro intermediário onde o agente
causal da doença se multiplica).

3. Agente Causal
É o agente infeccioso responsável pela instalação e desenvolvimento de uma doença.
Podemos aqui considerar as bactérias, fungos, vírus, protozoários, etc.

Ao falarmos em agente causal de uma doença, devemos considerar as interações com o


organismo hospedeiro, para o desenvolvimento ou não da doença. Quando o agente entra em
contato pela primeira vez com o hospedeiro, o desenvolvimento da resistência do hospedeiro, ou
seja, a sua imunidade, segue em linhas gerais um gráfico como pode ser visto a seguir, onde há
uma certa demora do organismo hospedeiro em reconhecer o agente para a conseqüente produção
de anticorpos específicos e a imunidade adquirida que pode ser visualizada pelo patamar atingido é
dependente do tipo e intensidade do agente.
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As vezes a virulência do agente é tão grande que mata o organismo hospedeiro antes da
produção de anticorpos.

Se o hospedeiro já esteve em contato com o agente, a produção de anticorpos normalmente


é bastante rápida, uma vez que não temos a fase de reconhecimento do agente, e assim a doença
terá dificuldade de se desenvolver.

Ainda, quando o agente causal permanece tempo no hospedeiro, acaba se estabelecendo


um comensalismo, ou equilíbrio dinâmico entre ambos (latência). Quando por um ou outro motivo, o
hospedeiro se debilita, o agente pode se manifestar.

4. Foco
Fonte do agente causal em estado de virulência, ou seja, apto ao ataque e desenvolvimento
da doença. Portanto, o foco deve ser atacado sempre, ao contrário do reservatório, onde o agente
causal nem sempre se encontra na forma virulenta.

5. Universo
Diz respeito a população exposta ao risco. As vezes o universo é muito grande e não pode
ser aplicado (exemplo: doenças diarreicas em crianças no Brasil); assim tomamos um sub-universo
que é denominado amostra e que deve ser significativa do todo.

6. Morbidade
Se expressa como incidência, porém difere desta por considerar apenas os casos
notificados. Em muitos casos, a morbidade apresenta números muito diferentes da incidência, como
por exemplo se tomarmos as doenças gastrointestinais no Brasil, onde os números são bastante
errôneos pela notificação de poucos casos.
A morbidade pode chegar muito próxima da razão de incidência em doenças graves que
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normalmente são notificadas.

7. Alimento Infectado
Aquele que se apresenta contaminado por microrganismos patogênicos, embora não sendo
capaz de provocar doenças de origem alimentar pela sua ingestão.

8. Alimento Infectante
Aquele que, pela intensidade da contaminação por patógenos, irá seguramente provocar
doenças quando ingerido.

As toxinfecções alimentares resultam, na sua quase totalidade, da ignorância ou da


inobservância das normas básicas dos procedimentos da manipulação dos alimentos. Assim, pode-
se admitir que elas continuarão a ocorrer em níveis desnecessariamente altos enquanto:

a) O pessoal em contato com o alimento, em quaisquer das fases de manipulação e


processamento, não fizer uso de absoluta higiene em seus hábitos pessoais e na
manutenção de sua área de trabalho e equipamento;
b) Os alimentos não forem adequadamente refrigerados;
c) Os alimentos não forem adequadamente processados;
d) Situações de contaminação cruzada não forem evitadas;
e) Os setores de comando das indústrias de alimentos não levarem em consideração a
importância da prevenção das doenças nascidas no alimento.

É importante lembrar que os procedimentos de manipulação adequada dos alimentos


envolvem desde técnicas relativamente simples (como a manutenção a temperaturas especificadas)
até outras complexas (como o cálculo do binômio tempo/temperatura de processamento ou a
previsão das reações bioquímicas que podem resultar de modificações do processamento).

As toxinfecções alimentares são causadas principalmente por certas espécies bacterianas


(proliferação maior devido ao menor tempo de geração e condições favoráveis, principalmente
atividade de água em alimentos perecíveis), embora se saiba que certos vírus, bolores, protozoários
e outros agentes biológicos, além de agentes químicos, possam também ser responsabilizados.

As doenças nascidas no alimento de origem bacteriana são freqüentemente classificadas em


dois tipos: infecções e intoxicações.
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Infecções alimentares são aquelas nas quais o agente da doença é levado ao hospedeiro
através do alimento e aí se desenvolve (com invasão ou não dos tecidos) atingindo números que
causarão a doença.

Intoxicações alimentares são as doenças nas quais o agente causal cresce no alimento e
aí produz uma substância química, tóxica ao homem e/ou aos animais.

Embora sejam bem aceitas estas definições, há várias discordâncias, e certos autores optam
pelas denominações infecções e envenenamentos alimentares, permanecendo entretanto, a
diferenciação entre um e outro com base na ausência ou presença da produção de toxina.

Outros autores ainda preferem denominar as doenças nascidas no alimento de


envenenamentos alimentares, dividindo em dois grupos: o de origem infecciosa e o de origem
toxigênica. Aqui também o que prevalece é a ausência ou presença da produção de toxina no
alimento, para a distinção do grupo.

A intoxicação pode ser classificada como: neurotóxica, emética e diarréica

Neurotóxica: ingestão de toxina pré-formada no alimento produzido quando o C. botulinum


encontra condições favoráveis para se multiplicar.

Emética: causada por toxina do tipo exoenterotoxina, também pré-formada no alimento,


atuando a nível de trato gastrointestinal. Apresenta como sintomas principais dores abdominais,
náuseas e vômitos, ausência de febre, podendo ou não ocorrer diarréia. S. aureus e B. cereus
(forma vomitiva).

Diarréica: endotoxina (controvérsias). Ocorre a nível de trato gastrointestinal e se caracteriza


por diarréia profusa, em virtude do desiquilíbrio salino ocorrido no lúmen intestinal pela toxina.
Constata-se menor intensidade de vômitos e náuseas, com ausência de febre. Aqui enquadram-se
C. perfringens e B. cereus (tipo clássico).

C. perfringens : a doença aparece quando um número elevado de células vegetativas


(geralmente acima de 10 6 UFC/g ou ml de alimento são ingeridos). Atravessam as condições
adversas do estômago, atingem o trato intestinal, onde esporulam, e simultâneamente produzem a
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endotoxina que origina o desiquilíbrio salino no lúmen intestinal, provocando diarréia. Em virtude da
necessidade da ingestão de células viáveis, alguns autores consideram este tipo de doença uma
infecção. No entanto, o aparecimento rápido da doença (entre 2 e 10 h após a ingestão do
alimento), sua pequena duracão (± 24h) e ausência de febre, sugerem tratar-se de uma intoxicação.

B. cereus: presume-se que a intoxicação ocorra devido a liberação, após a lise celular a nível
de intestino, da endotoxina contida em células vegetativas oriundas de alimentos, contendo um
número elevado da bactéria (acima de 106 UFC/g ou ml).

Infecção:

Epidemiologicamente, ocorre uma infecção quando são ingeridos alimentos contendo grande
número de células viáveis que se multiplicam no trato gastrointestinal, provocando a febre como
sintoma característico, que a diferencia fundamentalmente da intoxicação.

Dependendo do patógeno, pode haver a produção de toxina, a invasão da parede intestinal


ou disseminação para outros órgãos.

Infecção: diarréica
disentérica

Diarréica: Salmonella spp, E. coli enteropatogênica e enterotoxigênica, Y. enterocolitica, C.


jejuni, L. monocytogenes, V. cholerae, V.parahaemolyticus.

Disentérica: além da febre, apresenta como característica importante a agressão ao epitélio


intestinal originando fezes com muco, pus e sangue. S. typhi, S. paratyphi, Shigella spp, E. coli
enterohemorrágica e enteroinvasiva.

Normalmente as doenças de origem alimentar aparecem por:


50% - serviços comunitários de alimentação
5% - alimentos industrializados
15% - residências (produção caseira)
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30% - origem desconhecida

Como bactérias causadoras de envenenamentos alimentares de origem infecciosa, podemos


citar Shigella spp, Salmonella spp, Yersinia enterocolitica, Campylobacter jejuni, Escherichia coli,
Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Clostridium perfringens (BRYAN, 1979 e SACK et al,
1980).

Exemplos clássicos de bactérias causadoras de envenenamentos alimentares de origem


toxigênica são Clostridium botulinum, Staphylococcus aureus e Bacillus cereus (BRYAN, 1979 e
SACK et al, 1980).

As diarréias agudas tem como característica comum a excreção de fezes líquidas em


volumes anormalmente altos ou com frequência elevada; para a sua ocorrência, há sempre a
necessidade de ingestão de células viáveis do microrganismo, que ultrapassam o ambiente ácido do
estômago e colonizam o intestino delgado ou grosso, seguido da invasão dos tecidos ou produção
de toxinas, sendo estes processos geralmente exclusivos, ou seja, apenas um deles prevalece.

Normalmente, quando há uma diarréia intensa, aquosa, sem sangue ou leucócitos e


associada com sinais de desidratação e febre pouco pronunciada, há indicações de uma infecção
do intestino delgado, por bactérias toxigênicas, não invasivas; por outro lado, os processos
patológicos associados com diarréias freqüentes, mas não volumosas, contendo sangue e pus
misturados, dores abdominais intensas, febre pronunciada e desidratação pouco definida, sugerem
infecção do intestino grosso, por bactérias invasivas (SACK et al, 1980).

A evidência de um quadro patológico típico depende de diversos fatores, relacionados tanto


com o agente patogênico (tipo e número), bem como com o indivíduo afetado (idade, estado
nutricional, condições gerais de saúde).

Dependendo destas variáveis, nos processos de infecção, a ingestão de células viáveis


poderá resultar num caso clínico de gastroenterite, ou estas serão destruídas ao longo da passagem
pelo trato intestinal, sem originar quaisquer danos ao indivíduo; ainda poderá ocorrer a eliminação
(normalmente pelas fezes) das células viáveis durante períodos variáveis, sem evidências de
sintomas de infecção, caracterizando a situação de portador assintomático da bactéria.

Um dos aspectos mais importantes relacionado com os problemas de intoxicações ou


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infecções de origem alimentar refere-se ao número de células que devem ser ingeridas ou estar
presentes no alimento, de forma a se expressar um quadro clínico de infecção ou intoxicação,
respectivamente.

Em estudos basicamente com voluntários humanos, demonstrou-se que as doses mínimas


de infecção, no caso da necessária ingestão de células viáveis, são extremamente variáveis,
dependendo principalmente da espécie da bactéria patogênica, como pode ser visto no quadro a
seguir (BRYAN, 1979; SACK et al, 1980).

BACTÉRIA DOSE DE INFECÇÃO (UFC)*


Shigella dysenteriae 10 – 200
Shigella flexneri 102 – 104
Vibrio cholerae 108
Vibrio parahaemolyticus 10 – 108
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Salmonella typhi 104


Salmonella anatum 10 – 107
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Salmonella derby 107


Salmonella pullorum 109
Escherichia coli 106 – 108
Clostridium perfringens 106 – 108
Yersinia enterocolitica 109
*UFC = Unidades Formadoras de Colônias

Estes dados demonstram que, em função da espécie de bactéria patogênica contaminando


um alimento, um mesmo produto pode ser infectante ou não. Assim, um alimento contendo 10
Shigella dysenteriae pode ser responsável por processo infeccioso, quando ingerido; por outro lado,
seria necessária a ingestão de 104 células de Salmonella typhi para desencadear o processo
infeccioso.

Vale a pena lembrar que as doses de infecção referidas no quadro apresentado, foram
determinadas em indivíduos adultos sadios; no caso de crianças, pessoas idosas, subnutridas ou
doentes, as doses seriam mais reduzidas.

Conforme já mencionado anteriormente, nos processos de intoxicação é necessária a


multiplicação prévia do agente patogênico no alimento, com liberação da toxina, a qual, ingerida
com o alimento, irá provocar o quadro clínico típico da intoxicação.

A intoxicação estafilocócica é a mais bem estudada, quanto a quantidade mínima de toxina


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capaz de desencadear o processo patológico. Dados de CASMAN & BENNETT, 1965; GILBERT et
al, 1972, indicam que níveis de enterotoxina variando de 0,01-0,4 µg/g de alimento, já são
suficientes para provocar a intoxicação, ao passo que a ingestão de quantidades de enterotoxina
inferiores a 1 µg já é capaz de afetar indivíduos mais sensíveis. Por outro lado, para se atingir tais
concentrações de enterotoxina no alimento, é necessário a intensa proliferação do agente
patogênico no mesmo, sendo que, no caso específico de S. aureus, números superiores a 10 6/g
seriam necessários (ICMSF, 1978).

Antes de considerarmos as bactérias responsáveis pelas toxinfecções alimentares, uma a


uma, parece-nos importante exemplificar um "Estudo de Surtos de Origem Alimentar", que é o
procedimento a ser adotado para diagnosticar alimentos envolvidos em casos de doenças de origem
alimentar, bem como para selecionar possíveis bactérias envolvidas, em função dos sintomas
apresentados e do tempo médio de incubação verificado. Logicamente este levantamento para ser
bem sucedido deve ser acompanhado de fichas de dados das pessoas doentes, onde apareçam
idade, alimentos ingeridos, horários da ingestão, horários dos sintomas, tempo de incubação,
sintomatologia, etc., para que possam ser calculadas as razões de ataque de cada alimento em
particular e se chegar ao produto provável de estar envolvido no quadro da toxinfecção. Sempre é
interessante, se possível, que além das análises efetuadas nas pessoas doentes se realize
paralelamente análises nos restos dos alimentos consumidos, para um diagnóstico mais preciso
quanto a bactéria envolvida no surto. Isto é muito importante sempre, e principalmente quando
estamos diante de um número elevado de pessoas doentes, por ocasião de festas, reuniões, ou em
restaurantes, onde a quantidade de alimentos preparada é normalmente grande, podendo se
constituir num surto de toxinfecção de grandes proporções e com consequências graves, a menos
que medidas adequadas de combate a doença sejam adotadas em tempo hábil.
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Exemplificando, se após uma recepção onde se ofereceu frango assado com batatas, salada
de atum e maionese e rocambole recheado de creme, tivermos as seguintes situações:

Horário de Início dos Frango Salada de Rocambole


Pessoa ingestão sintomas assado com atum com com creme
(20/08) (20/08) batatas maionese
D 12h00 14h00 C NC C
D 12h30 15h00 NC NC C
D 12h30 15h30 C C C
D 13h00 15h00 C NC NC
D 12h00 15h30 C NC C
D 12h00 16h00 NC C NC
D 13h00 15h30 C NC C
S 12h30 C C NC
S 12h30 C C NC
S 12h30 C C C
S 12h30 NC NC NC
S 12h00 C NC C
S 13h00 C C NC
D = Doente (com dores abdominais, náuseas, vômitos e diarréia); S = sadio; C = comeu;
NC = não comeu

Para calcularmos a razão de ataque

número de casos
(-------------------------------------------- x 100)
população exposta ao risco

para cada alimento, construímos um quadro como a seguir:


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Diferença das
Alimento Pessoas que comeram Pessoas que não comeram razões de
Vulnerável ataque (%)
D S Total R. Ataque D S Total R. Ataque
Frango assado
com batatas 5 5 10 5/10 = 50,0% 2 1 3 2/3 = 66,67% -16,67%
Salada de
atum com 2 4 6 2/6 = 33,33% 5 2 7 5/7 = 71,43% -38,10%
maionese
Rocambole
com creme 5 2 7 5/7 = 71,43% 2 4 6 2/6 = 33,33% +38,10%

Para traçarmos a curva epidêmica (em Barras ou Poligonal), utilizamos os números de casos
(ordenada) e o tempo de incubação em horas (abscissa):

Para o cálculo do período médio de incubação, basta aplicarmos:

2x2 + 2,5x2 + 3x1 + 3,5x1 + 4x1 19,5


Período médio de incubação = ------------------------------------------------- = ----------- = 2,8 h
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Concluindo, podemos colocar como alimento suspeito o rocambole com creme, pois foi ele
que apresentou a maior (positiva) diferença entre as razões de ataque para as pessoas que o
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comeram e ficaram doentes e as pessoas que não o comeram e ficaram doentes.

Quanto menor e mais negativa for a diferença entre as razões de ataque (∆%), menor a
chance do alimento estar envolvido no surto. Assim, quanto maior e positiva for a diferença entre as
razões de ataque (∆%), maior a chance do alimento estar envolvido no surto.

Ainda, pelos sintomas apresentados pelas pessoas doentes (dores abdominais, náuseas,
vômitos e diarréia) aliados ao baixo período médio de incubação, ou seja, 2 horas e 48 minutos,
podemos dirigir as análises para Staphylococcus aureus, que é a bactéria responsável pelos
sintomas citados em tempo de incubação tão pequeno.
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INTOXICAÇÕES DE ORIGEM ALIMENTAR

I. Staphylococcus

1. Introdução

A primeira suspeita de produção de enterotoxina por "strains" de Staphylococcus aconteceu


no século XIX, na Bélgica (DENYS, 1894).

A partir daí, em 1907 (OWEN) relatou a ocorrência de produção de enterotoxina por "strains"
de Staphylococcus nos Estados Unidos.

BARBER (1914), relatou um surto de intoxicação nas Filipinas, pela ingestão de leite de
vacas com mastite, sem refrigeração.

Em 1929, DACK relatou que pessoas que ingeriram bolo de natal preparado dois dias antes
e mantido sem refrigeração, após a ingestão do mesmo, em poucas horas apresentaram náuseas,
vômitos e diarréia. Com a utilização de pessoas voluntárias que ingeriram o bolo, reproduziram-se
os sintomas e conseguiu-se mostrar que a causa da intoxicação estava no creme do bolo.

De 1930 a 1948, praticamente nenhuma descoberta significante sobre as enterotoxinas


estafilocócicas aconteceu e a partir de 1948, vieram grandes descobertas com os trabalhos de
CASMAN, BERGDOLL e SARGALLA, propiciando um enorme impulso, tanto para as características
de Staphylococcus aureus, processos metabólicos, exigências nutricionais, tolerâncias, condições
de crescimento e produção de enterotoxinas, bem como para a caracterização dos diferentes tipos
de toxinas produzidas.

O crescimento de S. aureus em alimentos representa um risco em potencial para a saúde


pública, uma vez que muitas linhagens produzem enterotoxinas que causam intoxicações quando
ingeridas.

O problema da contaminação após o processamento, envolve sérios riscos, pois o alimento


está livre da microbiota normal que atuaria como competidora a este tipo de organismo e que
restringiria em muito o seu desenvolvimento e a produção de enterotoxinas. Os alimentos
preferencialmente envolvidos com a contaminação estafilocócica são: carnes e subprodutos,
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saladas, produtos de confeitaria, especialmente os que contenham creme, leite e derivados. Muitos
destes alimentos são contaminados durante o preparo em restaurantes e em cozinhas industriais ou
domésticas e a seguir refrigerados muitas vezes em condições inadequadas.

Em alimentos processados, a contaminação pode ser a partir de fontes humanas e animais


ou focos de contaminação ambiental. A produção de enterotoxina é extremamente favorecida,
quando os alimentos são expostos à temperaturas que permitam o crescimento de S. aureus, em
especial produtos cárneos e de laticínios.

Em alimentos processados, nos quais S. aureus é destruído, a sua presença em geral indica
contaminação através da pele, boca e nariz dos manipuladores de alimentos. Esta contaminação
pode ser introduzida por trabalhadores com algum tipo de lesão cutânea que esteja infectada nas
mãos, braços, etc., ou por tosse, espirros que são frequentes em todos os tipos de infecções
respiratórias. Outra importante fonte são os resíduos de materiais nas áreas de processamento que
em geral ficam expostas à condições que favorecem o crescimento de S. aureus.

Em alimentos crus, especialmente em alimentos de origem animal, a presença deste


organismo é comum e não necessariamente devida à contaminação humana.

Com relação ao número de microrganismos encontrado no alimento, surgem algumas


dúvidas, pois nem sempre uma contagem elevada destes organismos implica em o alimento ser
responsável por um surto, pois há a necessidade de se comprovar a capacidade destes S. aureus
serem capazes de produzir algum tipo de enterotoxina ou de pelo menos alguma das culturas
isoladas mostrarem este comportamento. Por outro lado, também não podemos afirmar
categoricamente que um alimento apresentando um número baixo de S. aureus não possa ser
implicado em surtos de intoxicação.

Para tanto, é necessário que se demonstre a presença ou não de alguma das enterotoxinas
estafilocócicas, uma vez que os S. aureus são mais sensíveis ao calor e facilmente eliminados por
qualquer dos processos térmicos convencionais; já as enterotoxinas por serem resistentes a alguns
desses processos e por se tratarem de exotoxinas podem permanecer no alimento em forma ativa e
provocar intoxicações quando ingeridas.

2. Distribuição de S. aureus
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S. aureus é largamente disseminado no ambiente, sendo o homem e outros animais seu


principal reservatório; ele está presente na mucosa nasal, garganta, cabelos e pele de mais de 50%
da população humana (BERGDOLL, 1979). Além disso, é agente causal de uma série de infecções,
que variam desde lesões purulentas e localizadas da pele até infecções generalizadas e sistêmicas;
a bactéria também é agente causal de mastites em bovinos e outros animais, razão pela qual o leite
cru apresenta com frequência contaminações elevadas (National Academy of Sciences, 1975).

Com base nas peculiaridades de seu habitat, a presença de S. aureus nos alimentos é
relativamente frequente, particularmente naqueles submetidos a manuseio intenso, sob condições
precárias de higiene. Em pesquisas conduzidas no Brasil e revistas por FURLANETTO (1982), a
ocorrência de S. aureus foi constatada em 35,3 e 100% dos manipuladores, em hospitais e
indústrias, respectivamente; por outro lado, no exame de alimentos diversos, incluindo macarrão,
carne moída, produtos cárneos embutidos e curados, queijos, doces cremosos, farinhas e amidos, a
ocorrência dessa bactéria foi alta, com variação de 1,3% nas farinhas e amidos a 69,5% nos
macarrões (FURLANETTO, 1982).

3. Características de Staphylococcus

Os estafilococos são membros da família Micrococcaceae, são cocos Gram-positivos, não


esporulados, catalase positiva, desprovidos de motilidade, capazes de fermentar a glicose em
anaerobiose, produzem uma grande quantidade de enzimas proteolíticas como hemolisinas,
coagulase e lipolíticas como lecitinase e outras.

S. aureus revela grande resistência a meios contendo elevada concentração salina e baixa
atividade de água, sendo o crescimento observado em valores de Aa = 0,86, sendo 0,84 o mínimo
tolerável pela bactéria.

Segundo TROLLER (1973), a produção de enterotoxina cessa em valores de Aa mais


elevados que os capazes de impedir o crescimento, provavelmente devido ao acúmulo de
determinados cationtes e aminoácidos, além de haver redução da respiração, com o consequente
decréscimo da produção de compostos ricos em energia, essenciais para a síntese da toxina.
Outros autores (LEISTNER & RODEL, 1975; CHRISTIAN, 1980), também confirmam que
embora S. aureus possa se desenvolver em valores de Aa oscilando entre 0,83 e 0,86, a produção
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de enterotoxinas não foi conseguida em Aa inferiores a 0,93.

Em relação aos limites de pH para crescimento e produção de enterotoxina, há bastante


discussão entre os pesquisadores: BAIRD-PARKER (1974), cita que a maioria das cepas de S.
aureus desenvolve-se na faixa entre 4,2 e 9,3, com ótimo no intervalo de 7,0-7,5; segundo TATINI
(1973), o pH ótimo para crescimento oscila entre 6,0 e 7,0, com crescimento em valores entre 4,5 e
10,0, embora o intervalo para a produção de enterotoxina seja menor, entre 4,5 e 9,8 com ótimo
entre 6,0 e 7,0; SMITLE (1977), cita o valor 5,45 como sendo o pH mínimo capaz de permitir a
produção de toxinas, enquanto BERGDOLL (1979), menciona valores de 5,15 a 9,0 como capazes
de permitir a elaboração de enterotoxina por diferentes cepas de S. aureus.

S. aureus também se destaca como a bactéria patogênica mais tolerante ao sal.


GENIGIORGIS & RIEMANN (1979), afirmam que S. aureus sobrevive em salmouras contendo 23%
de NaCl, multiplicando-se em aerobiose entre 16-18% e, em anaerobiose, entre 14 e 16; para a
produção de toxinas nos alimentos, colocam que valores entre 12-13% de NaCl parecem ser
limitantes.

TATINI (1973), cita que o crescimento de S. aureus ocorre em níveis de NaCl variando de 0
a 20% embora o intervalo para a produção de enterotoxina seja menor, entre 0 e 10%.

Em relação à temperatura, S. aureus é uma bactéria mesófila, com ótimo na faixa de 30-
37°C e intervalo de crescimento entre 6,5-47,8°C (TATINI, 1973; BANWART, 1979); a produção
ótima de enterotoxina parece ocorrer nas temperaturas mais elevadas, na faixa entre 37-40°C,
embora em alimentos, já tenha sido constatada entre 10-45°C (BERGDOLL, 1979).

É uma bactéria bastante exigente quanto a aminoácidos necessários ao seu crescimento e


produção de enterotoxinas, tendo sido relatada a necessidade de 14 aminoácidos, os quais podem
ser fornecidos pelos hidrolisados de proteína que normalmente são adicionados aos meios de
cultivo para S. aureus.

4. Enterotoxinas Estafilocócicas
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As enterotoxinas produzidas por S. aureus, encontram-se bem estudadas; são proteínas


simples, com peso molecular variando de 27.000 a 34.000 D, ponto isoelétrico oscilando de 6,9 a
8,6 e designadas pelas letras A, B, C1, C2, C3, D e E (BERGDOLL, 1979), com base em suas
reações com anticorpos específicos. Estas enterotoxinas são resistentes à ação de enzimas
proteolíticas como a papaína, renina, tripsina e quimiotripsina, e bastante termoestáveis, não sendo
a toxicidade perdida mesmo após o aquecimento à ebulição durante 30 minutos. Assim, o cozimento
usualmente dado a muitos alimentos não elimina a toxina produzida no alimento antes da aplicação
do processamento térmico. Esses alimentos podem causar envenenamento alimentar, embora não
mais contenham estafilococos vivos.

Após a ingestão do alimento contaminado, os sintomas de envenenamento alimentar


normalmente se desenvolvem em 4 horas, podendo ocorrer em limites de 1-6 horas. Os sintomas
consistem de náuseas, vômito, caimbras abdominais severas, diarréias, suor, dor-de-cabeça e
algumas vezes queda de temperatura corpórea. Os sintomas geralmente persistem por 24-48 horas
e o índice de mortalidade é baixíssimo ou nulo. O tratamento usual para pessoas saudáveis consiste
em repouso absoluto e manutenção do equilíbrio fluído.

A maioria dos surtos de intoxicação foi atribuída à enterotoxina A, seguida da D. O tipo B


raramente foi responsabilizado por surtos de envenenamento alimentar.

No Brasil, em pesquisas realizadas em alimentos, cepas enterotoxigênicas de S. aureus


foram isoladas com frequência, predominando as do tipo A, seguido dos tipos C, B, D e E
(FURLANETTO, 1982).

O mecanismo do processo patológico ainda não está suficientemente esclarecido; no


entanto, a enterotoxina mostra uma afinidade pelas paredes estomacal e intestinal, causando sua
inflamação e irritação, provavelmente estimulando a secreção de sódio e cloretos (BANWART,
1979).

Já se sabe que sob condições aeróbias a produção de enterotoxina é melhor e também que,
enquanto a toxina do tipo A é produzida ao longo da multiplicação das células da bactéria, a toxina
do tipo B tem sua produção maior no final da fase logarítmica e na fase estacionária de crescimento.

As análises qualitativas e quantitativas das enterotoxinas são feitas exclusivamente por


técnicas sorológicas e entre elas as mais utilizadas são:
18

a) Imunodifusão radial em gel, ou difusão em dupla dimensão (técnica de Ouchterlony e


OSP = "Optimum Sensitive Plate", que se trata de uma modificação da Técnica de
Ouchterlony).
b) Imunodifusão simples ou unidimensional (Técnica de Oudin).
c) Radio Imuno Ensaio (RIA).
d) Microimunodifusão em lâmina (0,1 µg/ml).
e) Ensaio Imuno Enzimático (ELISA).
f) Toxigenicidade através de ensaio biológico com macacos Rhesus.

As dificuldades relativas a estas metodologias são várias, a começar pelos padrões,


antígenos puros e respectivos antissoros que ainda não são encontrados comercialmente para usos
rotineiros.

5. Correlação entre a Produção de Enterotoxinas e Outras Características

Muitos pesquisadores tem tentado encontrar correlações entre a produção de enterotoxinas


e outros caracteres bioquímicos, fisiológicos e culturais dos estafilococos, tais como a produção de
coagulase (J.B. EVANS & NIVEN, 1950; EVANS et al, 1950), de DNASE termoresistente ou
termoestável (LASHICA et al, 1969) e a fermentação do manitol (GWATKIN, 1937), comprovando-se
que nenhuma dessas propriedades isoladas ou em conjunto se constituem num índice
absolutamente confiável de produção de enterotoxina (BERGDOLL, 1970).

Os primeiros estudos mostraram que a maioria dos estafilococos produtores de intoxicações


alimentares são coagulase positivos, ou seja, produzem a enzima coagulase, capaz de coagular o
plasma sanguíneo de coelho e do homem. No entanto, existem trabalhos que demonstram a
produção de enterotoxinas por linhagens de estafilococos coagulase negativas. Ainda, trabalhos
mais recentes demonstraram que muitas linhagens que se mostraram coagulase negativas com
plasma de coelho eram coagulase positivas com plasma suíno.

Também, trabalhos revelaram que estafilococos coagulase positivos provenientes de


pacientes submetidos a tratamento com antibióticos podem não produzir coagulase imediatamente
após o seu isolamento.
Embora até o presente momento não se tenha uma evidência clara da correlação entre
19

produção de enterotoxina estafilocócica e produção de coagulase e DNAse termoestável, como S.


aureus é coagulase positiva e termonuclease positiva, essas provas auxiliam bastante na
identificação dessa bactéria frequente em surtos de intoxicação alimentar. Vale lembrar, entretanto,
que as espécies Staphylococcus intermedius e S. hyicus subsp. hyicus são também coagulase e
termonuclease positivas, embora a enterotoxigenicidade dessas duas espécies não esteja ainda
completamente esclarecida. Porisso, embora apesar das dificuldades encontradas para a produção
e caracterização da enterotoxina estafilocócica como prática rotineira, é importante que sejam
realizadas para se afirmar com certeza o envolvimento de uma linhagem coagulase e termonuclease
positivas numa intoxicação alimentar.

II. Bacillus cereus

Essa bactéria, em forma de bastonetes, anaeróbios facultativos, Gram-positivos,


esporulados, pertencente a família Bacillaceae, é largamente distribuída na natureza, sendo o solo
seu reservatório natural, a partir do qual contamina diversos alimentos, principalmente vegetais,
como cereais e as farinhas e amido resultantes de seu processamento, além de condimentos e
especiarias.

Os alimentos mais relacionados a surtos de intoxicações alimentares por este microrganismo


incluem: pudins, carnes cozidas com vegetais, arroz, cremes que contenham farinhas e amidos.

No Brasil, vários autores pesquisaram a ocorrência de B. cereus em alimentos, incluindo


produtos de merenda escolar, farinhas e amidos, queijos, alimentos desidratados e carnes moídas,
com índices de positividade oscilando de 18,0 a 97,0% e níveis de contaminação variando, nos
diversos alimentos, de menos de 103 a 105 UFC/g (FURLANETTO, 1982).

Segundo BANWART (1979), a bactéria requer para crescimento atividade de água mínima
de 0,95; desenvolve-se em pHs variando de 4,9 a 9,3 e tolera concentrações de NaCl até 7,5%.

É uma bactéria mesófila, com temperatura ótima na faixa de 30-35°C, mínima entre 10 e
20°C e máxima entre 35 e 45°C, embora existam relatos de crescimento até 49-50°C.

Dentro do gênero Bacillus existe uma grande diversidade de espécies e linhagens, havendo
20

até o presente momento, muitas dificuldades na distinção precisa de muitas delas, como é o caso de
B. anthracis, B. thuringiensis, B. mycoides, onde taxonomicamente permanece a dúvida se devem
ser consideradas como espécies distintas ou variedades de B. cereus. Estudos recentes de
taxonomia numérica e taxonomia molecular tem trazido enormes contribuições na identificação de
inúmeras espécies bacterianas e sem dúvida deverão em curto período de tempo eliminar muitas
dúvidas na identificação de bactérias pertencentes ao gênero Bacillus.

A intoxicação alimentar causada por B. cereus geralmente apresenta curta duração,


normalmente não durando mais de 12-24 horas. Porém, algumas pessoas, especialmente crianças
de pouca idade, são mais sensíveis e aí o processo pode ser mais grave.

A intoxicação alimentar pode se manifestar sob duas formas clínicas distintas:

a) A forma clássica (síndrome diarréica): tem um período de incubação médio de 10-13


horas, e se manifesta por sintomas de dores abdominais, diarréia intensa, tenesmos retais e
raramente naúseas e vômitos. Esta forma de intoxicação tem uma grande semelhança em seus
sintomas e período de incubação com a produzida por Clostridium perfringens.

b) A síndrome emética: tem um período de incubação menor, entre 1 e 5 horas, e um quadro


clínico com sintomas típicos de gastroenterite aguda, com naúseas e vômitos muito intensos como
predominante, parecendo-se, portanto, com a intoxicação estafilocócica.

A forma clássica de intoxicação se conhece desde o início do século, porém, foi a partir de
1950 que apareceram numerosos surtos atribuídos de forma definitiva a esta bactéria, tanto em
países europeus como nos Estados Unidos e Canadá. Os alimentos normalmente implicados neste
tipo de intoxicação são as carnes e produtos cárneos, tortas, pudins, molhos, sopas, vegetais e purê
de batatas.

A segunda forma de intoxicação foi descrita mais recentemente na Inglaterra, Austrália,


Canadá e Holanda. Em todos os casos houve a ingestão de arroz frito ou aferventado, preparado de
várias horas a três dias antes de ser servido em restaurantes chineses.

Bacillus cereus causa estes processos patológicos apenas quando o alimento contaminado
contém número muito elevado de células, geralmente acima de 10 7 UFC/g (ICMSF, 1978) ou entre
21

106-108 UFC/g (BANWART, 1979).

Em relação a produção de enterotoxinas, acredita-se que ela ocorra durante a fase


logarítmica de crescimento da bactéria e liberadas quando as células sofrem lise (KRAMER et al,
1982).

Estudos mostraram que a enterotoxina causadora da síndrome diarréica é de natureza


protéica, antigênica, sensível a tripsina, termolábil (destruída em 5 minutos a 56°C) e sensível a
meios ácidos. Ainda, produz acúmulo de fluídos em alça ligada de coelhos, altera a permeabilidade
vascular na pele de coelhos (necrose dérmica) e induz a diarréia quando administrada oralmente a
macacos (SPIRA & GOEFERT, 1975).

GILBERT (1979), relata que a enterotoxina responsável pela síndrome emética, parece ser
totalmente diferente, ou seja, de baixo peso molecular (< 5.000 D), muito estável, resistente a
temperatura e ao meio ácido, bem como à ação de enzimas proteolíticas.

JOHNSON (1984), revela que a toxina diarréica é uma proteína, de PM 50.000 D, ponto
isoelétrico 4,9, produzida durante a fase de crescimento exponencial da bactéria, sem necessidade
de lise da célula para a sua liberação, é termolábil e atua estimulando o sistema adenilato ciclase-
AMP cíclico com acúmulo de fluídos nos intestinos. Já a toxina emética, de natureza diversa, está
presente em filtrados de culturas, sendo termoestável (resiste ao aquecimento a 126°C/90 minutos),
com PM de 1.000 D e não inibida pela tripsina e pepsina.

O controle de B. cereus em alimentos baseia-se na prevenção de sua multiplicação, uma vez


que é difícil ou impossível, impedir a presença da bactéria nas matérias-primas. Porisso é importante
que os alimentos preparados e prontos para o consumo, sejam mantidos em refrigeração adequada
ou mantidos em temperaturas superiores a 55°C.

A resistência térmica dos esporos é relativamente baixa, razão pela qual alimentos de baixa
acidez submetidos a esterilização comercial, não oferecem riscos quanto a presença de B. cereus.

Para se diagnosticar um surto de intoxicação provocado por B. cereus, a análise dos


alimentos suspeitos é essencial, já que nas fezes do indíviduo doente o número vai ser sempre
baixo, diferindo assim da infecção ocasionada por Clostridium perfringens onde o número de
esporos é elevado podendo ser reativados por choque térmico durante a análise.
22

Medidas Preventivas e Controle:

A própria distribuição e a grande quantidade de esporos de Bacillus no solo e em alimentos


de origem vegetal, torna inevitável a sua presença nos alimentos. Entretanto, sua presença em
números baixos usualmente não se constitue em problema, já que a ingestão de pequenos números
não é perigosa.

Consequentemente, a prevenção efetiva e as medidas de controle dependem de:


- Controle da germinação dos esporos
- Prevenção da multiplicação das células vegetativas em alimentos aquecidos prontos
para comer.

A ingestão de alimentos preparados por aquecimento tão logo estejam prontos é sempre
desejável, para se evitar que esporos sobreviventes possam germinar e células vegetativas se
multiplicar no alimento.

Temperaturas de 100°C ou pouco abaixo no aquecimento, irão permitir a sobrevivência de


alguns esporos de Bacillus. Portanto, condições desfavoráveis à germinação desses esporos como
baixa temperatura, baixa atividade de água e baixo pH, devem ser escolhidas como medidas de
prevenção de intoxicação alimentar.

Sempre que um alimento necessitar ser mantido no estado morno, a temperatura deve ser
maior que 60°C para evitar problemas com a multiplicação de células vegetativas.

Para prevenção de surtos de intoxicação por B. cereus associado a arroz, recomenda-se:

1. Arroz deve ser cozido (preparado) em pequenas quantidades, se necessário mais de uma
vez ao dia, reduzindo assim o tempo de estocagem após o preparo.

2. Após a fervura, o arroz deve ser acondicionado ainda quente ou resfriado rapidamente e
transferido a um refrigerador no máximo em 2h após o cozimento. É aconselhável a divisão de
grandes quantidades em pequenas porções para um resfriamento mais rápido.
23

3. Arroz cozido ou frito nunca devem ser estocados em condições de temperatura mornas
(entre 15 e 50°C). Jamais estocar arroz cozido ou frito a temperatura ambiente na cozinha por tempo
maior que 2h.

III. Clostridium botulinum

O botulismo é conhecido há muito tempo, ocorrendo o primeiro caso que se tem notícia em
1793. O agente etiológico da doença foi isolado pela primeira vez em 1895, na Bélgica, por E. Van
Ermengem, sendo o organismo denominado Bacillus botulinum, a espécie derivada do latim botulus,
que significa salsicha.

O botulismo por alimentos é uma intoxicação devida ao consumo de alimentos contendo


toxina botulínica pré-formada, produzida pela multiplicação prévia nos alimentos de Clostridium
botulinum.

Acredita-se que o "habitat" para o C. botulinum seja o solo, uma vez que esporos foram
encontrados tanto em terras cultivadas como em terras virgens. Acredita-se que do solo o organismo
encontre caminho para as águas. Nestes locais, podem chegar os alimentos contaminando-os, e
pela multiplicação celular, produzir toxinas que se ingeridas leverão ao desenvolvimento desta
doença alimentar tão séria.

São conhecidos, 7 tipos antigênicos de C. botulinum, designados pelas letras A, B, C, D, E, F


e G, e esta variabilidade é definida pela especificidade entre os diferentes tipos de toxinas por eles
produzidas e a sua neutralização pelo soro homólogo correspondente.

Os tipos A, B, E e F estão relacionados ao desenvolvimento da intoxicação no homem; os


tipos C e D, relatados como envolvidos em surtos de intoxicação em animais, principalmente em
aves, bovinos e equinos. O tipo G, isolado em solos Argentinos, não se encontra suficientemente
estudado, não estando ainda caracterizado adequadamente.
Todas as cepas do tipo A e algumas dos tipos B e F são proteolíticas. As cepas restantes
dos tipos B e F e todas as do tipo E, não são proteolíticas.

As cepas dos tipos C e D, não são proteolíticas e fermentam muito poucos açúcares.
24

O C. botulinum é uma bactéria anaeróbia, não apresentando, portanto, o sistema de


citocromo oxidase, catalase negativa, em forma de bastonetes e Gram-positiva.

Quanto ao ótimo de temperatura para crescimento, é mesófila; os tipos proteolíticos A e B,


tem ótimo na faixa de 35-37°C, sendo o máximo tolerável ao redor de 48°C e o mínimo a 10°C
(HOBBS et al, 1982); os tipos E, B e F, não proteolíticos, crescem no intervalo de 3,3 a 45°C,
embora a produção de toxina seja ótima na faixa de 25 a 30°C.

Em relação ao pH, o crescimento de C. botulinum ocorre num amplo intervalo, sendo o valor
máximo tolerável de 8,5; os tipos proteolíticos tem ótimo na faixa de 6,8-7,0, geralmente não
crescendo abaixo de pH 4,7, embora haja relato de crescimento do tipo A em pH 4,0; os tipos não
proteolíticos tem pH ótimo também na faixa de 6,8-7,0 e mínimo entre 5,0-5,2.

LYNT et al (1982), estudando o comportamento dos tipos proteolíticos A, B e F e não


proteolíticos B, E e F, em relação à temperatura mínima de crescimento e concentração máxima de
sal capaz de permitir a multiplicação, verificaram que os primeiros eram inibidos a 10°C e 10% de
NaCl, enquanto os não proteolíticos cresciam até 3,3°C, sendo, no entanto, inibidos com 5% de
NaCl.

Em relação a atividade de água mínima para início da germinação dos esporos e da fase de
desenvolvimento da célula vegetativa, observou-se em vários estudos que os tipos A, B e E
iniciavam a germinação em meios com Aa = 0,93, não se verificando a segunda etapa mesmo
depois de 6 semanas com Aa inferior a 0,96, nos casos dos tipos A e B, e abaixo de 0,97 para o tipo
E.

Apresentam esporos bastante resistentes ao calor. O tratamento térmico para destruição dos
esporos está na dependência da espécie de alimento, tipos e linhagens do organismo, composição
do meio em que os esporos foram produzidos, temperatura em que foram produzidos e número de
esporos presentes.

Em geral, os esporos dos tipos A e B são mais resistentes ao calor, com valores "D" a 121°C,
variando de 0,10 a 0,25 minutos; os esporos dos tipos não proteolíticos são mais sensíveis com "D"
a 80°C, oscilando de 0,6 a 3,3 minutos (HOBBS et al, 1982).
25

A toxina botulínica se encontra associada ao catabolismo celular (final da fase exponencial e


fase estacionária de crescimento), sendo liberada por autólise da célula.

A toxina parece ser codificada por elementos extracromossômicos, uma vez que fagos
podem tornar uma linhagem não toxigênica em toxigênica.

As toxinas botulínicas são proteínas simples, antigênicas, solúveis em água, estáveis em


meios ácidos, estáveis em salmouras com até 26% de NaCl, termolábeis, sendo destruídas pelo
aquecimento a 80°C durante 30 minutos ou a 100°C em alguns minutos.

O peso molecular é bastante variável, oscilando entre 5.000 e 900.000 D, sendo mais
frequente entre 25.000 e 250.000 D e aparentemente necessitam de ativação por proteases, como é
o caso da tripsina presente no trato digestivo, para evidenciarem máxima toxicidade.

As toxinas no intestino atravessam as paredes e passam à corrente sanguínea, através do


sistema linfático e atacam o sistema nervoso central. Esta proteína se une aos terminais pré-
sinápticos dos nervos colinérgicos, interferindo com a liberação de acetilcolina nas ligações
mioneurais. Assim, há um bloqueio de impulsos nervosos, provocando desta forma um bloqueio
neuro-muscular com consequente paralisia muscular.

O período de incubação da doença é em geral de 12 a 48 horas, podendo variar até 8 dias,


dependendo da quantidade e tipo de toxina ingerida, da resistência individual e tipo de alimento
contaminado.

Antes do desenvolvimento de sintomas neurológicos, perturbações gastrointestinais podem


ocorrer como naúseas, vômito, diarréia, dores abdominais, seguidas muitas vezes de prisão de
ventre. Após o surgimento destes sintomas, irão aparecer os sintomas neurológicos, caracterizados
por fraqueza, tonturas ou vertigens, visão embaçada, diplopia, pupilas dilatadas e fixas, paralisia
faringolaringeal causando dificuldade para falar (disfonia) e para engolir (disfagia), desidratação da
boca, língua e garganta, dificuldade de locomoção. A medida que a intoxicação progride os
músculos respiratórios e diafragmáticos são paralisados, resultando em dificuldade na respiração,
asfixia e morte.

A morte em geral é provocada por parada cardio-respiratória e normalmente ocorre entre 2 a


26

6 dias após o aparecimento dos primeiros sintomas, porém este período pode ser prolongado até 3
semanas aproximadamente. A terapia a ser adotada, envolve a neutralização da toxina através de
soro específico (antitoxina), que tem pouco valor se os sintomas já estiverem estabelecidos;
respiração artificial, repouso absoluto e equilíbrio do balanço fluídico.

O botulismo é felizmente raro, devendo receber porém muita atenção pelo alto índice de
mortalidade que apresenta. É doença típica de sub-processamento dos alimentos, sendo uma
preocupação constante nos países onde a preparação de conservas domésticas é comum.

Nos EUA, de 1899 a 1977, foram registrados 766 surtos nos quais 1961 casos foram
registrados, com 999 casos fatais. Nestes surtos a distribuição dos diferentes tipos de toxinas foi:
199 devidos ao tipo A, 60 ao tipo B, 32 ao tipo E e 1 ao tipo F.

No Brasil, a ocorrência dos vários tipos de C. botulinum já foi descrita por vários autores.
TOKARNIA et al (1970), descreveram surtos de botulismo em bovinos no Piauí; DOBEREINER
(1979) e LANGENEGGER (1980), relataram surtos de botulismo animal em Goiás; SARAIVA (1978),
mostrou o isolamento de C. botulinum em galinhas no Rio Grande do Sul; WARD et al (1967),
isolaram os tipos A, B, C e F em amostras de areias e sedimentos lacustres e marinhos no Ceará;
DELAZARI et al (1981/1982), encontraram 27% de amostras de pescado marinho capturado no
litoral de São Paulo contaminados com C. botulinum e LEITÃO & DELAZARI (1983), examinando
amostras de solos no Estado de São Paulo, provenientes de pastagens e hortas comerciais,
detectaram C. botulinum em 35% das originadas de hortas, predominando os tipos A, B e F.

A patologia de C. botulinum, pode ser expressa de 3 maneiras diversas:

a) Botulismo por lesões ("Wound Botulism") - de ocorrência rara, com apenas 15 casos
descritos nos EUA, no período de 1943-1974; normalmente associado com casos de lesões ou
feridas ocorridas no campo, constatando-se a presença dos tipos A e B. Os sintomas são
semelhantes aos do botulismo clássico, de origem alimentar, embora diarréia, vômitos e outros
sintomas gastrointestinais nunca tenham sido observados.
b) Botulismo infantil ("Infant Botulism") - descrito a partir de 1976 é devido à produção de
toxina botulínica "in vivo", após multiplicação da bactéria no trato intestinal. A enfermidade resulta da
germinação de esporos seguida de crescimento de microrganismos e produção de toxina botulínica
no trato gastrointestinal. De 1976 a 1981, 239 casos foram registrados nos EUA. Dados do "Center
for Disease Control - CDC", dos EUA, revelaram que muitos destes casos estavam associados à
27

ingestão de mel, contaminado por esporos de C. botulinum tipos A ou B. Todos os casos


diagnosticados ocorreram em crianças com menos de 6 meses de idade.

c) Botulismo de origem alimentar ("Foodborne Botulism") - ou botulismo clássico, é sem


dúvida o mais grave processo de doença de origem alimentar, sendo tipicamente uma intoxicação,
provocada pela ingestão de toxina pré-elaborada no alimento.

Os alimentos que em geral servem de veículo a esta enfermidade são alimentos enlatados
com pH superior a 4,5.

Prevenir a formação de toxina botulínica constitui um objetivo essencial nos processos de


conservação e industrialização dos alimentos. Os métodos aplicados devem: destruir todos os
esporos de C. botulinum, impedir a sua germinação, ou proporcionar um ambiente que não permita
a multiplicação do microrganismo e a produção de toxina. Assim, para alimentos que não
apresentam propriedades inibidoras da bactéria, deve-se executar ou um adequado tratamento
térmico ou conservação a baixas temperaturas (congelados ou no máximo a 3-4°C).

O diagnóstico clínico para associação de C. botulinum a um surto de intoxicação, envolve a


confirmação da toxina botulínica no alimento e checagem através da confirmação da toxina nas
fezes e vômitos.

A determinação da toxina "in vivo" é a metodologia mais importante para o diagnóstico, e é


realizada através de ensaio em camundongos. Uma vez isolado o microrganismo, o mesmo é
colocado para crescer em meio líquido apropriado; em seguida procede-se a centrifugação,
obtendo-se o sobrenadante que deve conter a toxina produzida; preparam-se 3 séries diferentes
como a seguir:

1) Inoculação do sobrenadante puro sem tratamento térmico, ocasionando a morte dos


camundogos;
2) Inoculação do sobrenadante aquecido, neutralizando a toxina e, portanto, sem
ocasionar a morte dos camundongos;
3) Inoculação do sobrenadante puro sem tratamento térmico, porém em camundongos
que receberam previamente as antitoxinas. Assim, se não morrerem os que
administramos a antitoxina A, sabemos que a toxina presente é do tipo A.
28

Se pretendemos estimar a dose letal mínima, basta diluírmos a toxina e inoculá-la em um


conjunto de camundongos, determinando assim, a quantidade mínima necessária à morte do
animal.
29

INFECÇÕES DE ORIGEM ALIMENTAR

I. Salmonella

O gênero Salmonella foi, inicialmente denominado Bacterium. Posteriormente foi


reclassificado como Eberthele (em homenagem a Eberth), sendo sua nomenclatura atual em
homenagem ao bacteriologista americano D.E. Salmon.

São organismos amplamente distribuídos na natureza, tendo o trato intestinal do homem e


animais, como principal reservatório natural.

A partir do seu reservatório natural, através de inúmeros veículos, as salmonelas irão


contaminar matérias-primas e alimentos processados, tanto de origem vegetal, como animal.

São bactérias em forma de bastonetes, pequenos, Gram-negativos, não esporulados, que


fermentam glicose usualmente com produção de gás, mas não fermentam lactose e sacarose.

A atividade de água limitante para o crescimento encontra-se situada entre 0,94 e 0,95; é
importante observar que na faixa de Aa entre 0,20 e 0,90, a razão de destruição das células
aumenta à medida em que há acréscimo de Aa. Este fato evidencia que, em alimentos
desidratados, é grande a capacidade e o período de sobrevivência das salmonelas, sendo que em
valores de Aa abaixo de 0,20 elas permanecem viáveis durante longos períodos, mesmo sob
condições adversas de acidez e temperatura.

Em relação ao pH, as salmonelas crescem no intervalo de 4,5 a 9,0, com ótimo entre 6,5 e
7,5, e de um modo geral são lentamente destruídas em pHs abaixo de 4,0 e acima de 9,0.

São microrganismos anaeróbicos facultativos, sendo assim pouco afetados pelas variações
do potencial de oxirredução do substrato.

As salmonelas apresentam relativa sensibilidade ao NaCl, havendo relatos de inibição de


crescimento em concentrações salinas de 8%.

Em relação a temperatura ótima para crescimento, são mesófilas, sendo 35 a 37°C a faixa
30

ideal para multiplicação. O intervalo de temperatura no qual se verifica crescimento está entre 5 e
45°C, embora abaixo de 10°C a velocidade de crescimento é bastante reduzida. Em alimentos
congelados, embora haja uma boa redução da população inicial, muitas células sobrevivem ao
armazenamento prolongado sob congelamento; de modo geral, a sobrevivência é maior em baixas
temperaturas de congelamento do que naquelas mais elevadas e próximas ao ponto de
congelamento do produto (GEORGALA & HURST, 1963).

A resistência térmica de salmonelas ao calor é muito baixa, havendo redução significativa


após aquecimento a 60°C por 1 a 5 minutos. Segundo STUMBO (1973), o aquecimento de
suspensões de células a 65,5°C durante 0,02 a 0,25 minutos, reduz em 90% a população viável da
maioria das salmonelas.

A possibilidade de infecção pelo consumo de alimento contendo Salmonella depende da


resistência do consumidor, da capacidade de infecção da linhagem envolvida e do número de
células ingeridas.

A Salmonella aparentemente pode atingir grandes números no alimento sem causar


alterações detectáveis na aparência, odor e mesmo sabor. Naturalmente, quanto maior o número de
patógenos presente no alimento, maiores serão as chances de infecção e menores os tempos de
incubação.

As salmonelas pertencem a Família Enterobacteriaceae. A diferenciação em relação às


outras enterobactérias se faz com o auxílio de reações bioquímicas e principalmente sorologia.

Dentre as salmonelas mais de 1.700 sorotipos são conhecidos e dentre estes 50 podem
provocar doenças ao homem, sendo que com maior frequência encontramos as espécies S.
typhimurium, S. newport e S. enteritidis. Estes organismos em geral são transmitidos via oral através
de alimentos como ovos, cremes, carnes e derivados, derivados do leite e água, e quando atingem
o trato gastrointestinal, penetram nas células do tecido epitelial do intestino delgado, de forma
semelhante a Escherichia coli enteropatogênica, sendo que esta penetração parece estar favorecida
pela ação de fragmentos de lipopolissacarídeos da parede celular do microrganismo, processo este
essencial para o aparecimento da sintomatologia característica desta síndrome.

As salmoneloses mais frequentes descritas no homem são:


31

a) Febre Entérica ou Febre Tifóide: provocada principalmente por S. typhi e S. paratyphi A, B


e C, afetando os primatas (seres humanos e macacos). Há uma invasão do sistema linfático e
disseminação a outros órgãos, em geral da cavidade abdominal (fígado, vesícula biliar, rins,
intestinos). Em portadores desta síndrome encontrou-se lesões hiperplásicas e necrose do tecido
linfático, necrose local do fígado, inflamação da vesícula biliar e dos pulmões. A ocorrência da
situação de portador assintomático por períodos bastante longos é frequente nesta infecção, o que
se torna muito delicado e perigoso em relação a manipuladores de alimentos.

Estas bactérias, altamente invasivas, passam pela membrana intestinal, são englobadas por
macrófagos, os quais são drenados nos nodos linfáticos mesentéricos através do duto toráxico,
atingindo a corrente sanguínea e se disseminando rapidamente, levando a um quadro de
bacteremia ou septicemia. As células bacterianas vão sendo liberadas dos macrófagos, sendo
novamente englobadas por células do retículo endotelial, sendo novamente liberadas e assim
sucessivamente, razão do aparecimento de febres intermitentes, à cada liberação.

A contaminação nesse caso é frequentemente devida a ingestão de água ou alimentos


contaminados; a transmissão pessoa-pessoa é rara devido ao alto número de bactérias necessário
ao desenvolvimento da doença. Em voluntários humanos, com a administração de 10 9 bactérias,
houve aparecimento da doença em mais de 90% das pessoas; com 10 5 bactérias, apenas entre 25
e 55% das pessoas apresentaram a doença e com a administração de 10 3 bactérias, não houve
desenvolvimento da doença.

b) Septicemia: causada por Salmonella cholerae, onde a bactéria se dissemina através da


corrente sanguínea a vários órgãos, provocando quadros bastantes sérios e frequentemente fatais.

c) Gastroenterites: as espécies mais importantes envolvidas são Salmonella typhimurium e


S. enteritidis. Nesta enfermidade, mais benígna que os outros tipos, o comprometimento do
organismo infectado é bem menor, pois não há invasão da corrente sanguínea nem veias linfáticas,
não havendo, portanto, migração do agente a outros órgãos. Assim, a ação é restrita a uma
inflamação e irritação das mucosas intestinais. Aqui, o índice de mortalidade é extremamente baixo,
podendo haver sequelas ou complicações em crianças e pessoas idosas.

Neste caso, as salmonelas também são invasivas, porém somente a nível de trato
gastrointestinal.
32

O mecanismo de ação ainda não se encontra totalmente elucidado. Inicialmente atribuiu-se a


uma endotoxina, porém quando administrada diretamente no hospedeiro, não produziu doença.
Pensa-se então que existe uma exotoxina, pois há um pouco de destruição da parede intestinal,
antes da colonização. Seria, assim, um processo semelhante ao estabelecido por Vibrio cholerae.

Ocorre a ativação da enzima adenilciclase → transformação de ATP em AMP cíclico →


desbalanço eletrolítico (Cl-, CO3-, Na+) → desbalanço hídrico no lúmen intestinal → diarréia devido a
falta de reabsorção.

Em 1975, KOUPAL & DEIBEL, isolaram uma toxina (fator tóxico não puro associado a
parede celular), e em experimentos de íleo ligado de coelho, ora obtinham acúmulo de fluído, ora
não, ficando assim, com resultados não conclusivos.
33

O quadro a seguir (RIEMANN, 1972), ilustra bem as infecções provocadas pelas principais
espécies de Salmonella:

Febres Entéricas Septicemia Gastroenterites


(S. typhi e (S. cholerae) (S. typhimurium,
S. paratyphi) S. enteritidis,
S. newport)

Período de incubação 7-20 dias (médio 14 dias) variável 08 - 48 horas

Início insidioso abrupto abrupto

Febre gradual com platô ascensão rápida não ou baixa

Duração da doença semanas variável 2 - 5 dias

Sintomas constipação inicial, diarréia nenhum náuseas, vômitos,


gastrointestinais com sangue diarréia

Cultura/sangue positiva = 1ª, 2ª semanas positiva = período negativa


febril

Cultura/fezes positiva = a partir da 3ª se- negativa (geralmente) positiva


mana (circulação pelo organis-
mo e volta ao intestino).

A identificação das linhagens de Salmonella é realizada quase que exclusivamente com


base na análise antigênica. A diferenciação entre as espécies e tipos, é feita normalmente por testes
de aglutinação para antígenos somáticos (O = lipopolissacarídeo) e flagelares (H = natureza
protéica). A S. typhi, apresenta também o antígeno K(Vi), ou capsular, um carboidrato, tendo como
unidade básica o ácido N-acetilgalactosaminurônico.

H (Hauch = flagelar)

K(Vi) = capsular

O (Ohne = somático)

PREVENÇÃO DA DOENÇA
34

A completa prevenção da contaminação dos alimentos, principalmente os de origem animal,


é praticamente impossível, face à ampla distribuição da bactéria no ambiente e a existência
frequente de portadores assintomáticos.

No entanto, a adoção de medidas higiênico-sanitárias no manuseio e processamento de


alimentos; o controle de rações e alimentos para animais; a rígida adoção de práticas higiênicas na
criação, transporte e abate de animais; a distinta separação a nível industrial, das operações com
matérias-primas daquelas com produtos em processo ou terminados; a rigorosa adoção de
programas de limpeza e desinfecção das instalações e equipamentos; a prevenção de
contaminações cruzadas, seja por meio de utensílios, equipamentos ou manuseio seriam alguns
exemplos de medidas que sem dúvida contribuíriam para a redução dos níveis de contaminação.

Sem dúvida, a temperatura é um dos principais fatores no controle, recomendando-se que


alimentos preparados ou processados sejam rapidamente resfriados abaixo de 7°C e armazenados
sob congelamento ou refrigeração.

Devido a baixa resistência térmica de Salmonella, pode-se destruir as bactérias que


contaminaram o alimento pela pasteurização do mesmo entre 60 a 75°C, onde teremos garantia do
produto sob o ponto de vista de saúde pública, lembrando que a refrigeração em seguida dará total
segurança ao alimento quanto a infecção por Salmonella.

II. Shigella

O gênero Shigella é constituído por bactérias Gram-negativas, aeróbias, não esporuladas,


sem motilidade, pertencente à família Enterobacteriaceae. Apresenta em comum com as
salmonelas, inúmeras características morfológicas e bioquímicas.

Não descarboxilam a LYS nem hidrolisam a uréia e apenas um sorotipo, a Shigella flexneri-6
produz gás. Não utilizam citrato ou acetato e são negativas ao teste de Voges-Proskauer. Com
exceção de S. sonnei as demais não fermentam a lactose.

O gênero Shigella apresenta quatro espécies: S. dysenteriae (sorogrupo A), S. flexneri


(sorogrupo B), S. boydii (sorogrupo C) e S. sonnei (sorogrupo D).
35

As shigelas são parasitas do homem e de outros primatas (macacos e chipanzés), de onde


podem chegar à água e outros alimentos.

É uma moléstia infecciosa transmitida mais frequentemente de pessoa a pessoa (número


muito baixo de microrganismos requeridos para desenvolvimento da doença) e que afeta
principalmente crianças muito pequenas incapazes de zelar por suas próprias condições de higiêne
pessoal, e aquelas pessoas de condições sócio-econômicas baixas que habitam zonas de precárias
e inadequadas condições higiênico-sanitárias. O número de organismos que constitui uma dose
infectiva é bastante baixo, ao redor de 10 organismos. Este fato é, portanto, um grande desafio aos
microbiologistas para a detecção de números tão baixos e que constituem doses infectivas em
alimentos.

Os alimentos tornam-se contaminados através do contato com matéria fecal contendo


Shigella; isto ocorre usualmente através das mãos de manipuladores de alimentos, e principalmente
aqueles alimentos compostos de múltiplos ingredientes tais como sanduíches, saladas, pratos a
base de carne moída ou picada, onde o manuseio é excessivo, se constituem nos principais
veículos da bactéria.

Vegetais consumidos sem cozimento, podem ser importantes veículos do microrganismo se


irrigados com água contaminada pela bactéria. Estes organismos quando presentes no intestino
invadem a mucosa através das células do tecido epitelial, induzindo a uma perda de água e
eletrólitos cujo efeito se traduz em diarréia. Esta enfermidade pode se agravar quando ocorrem
microulcerações nas paredes da mucosa intestinal, provocando hemorragias acompanhadas de
dores abdominais intensas.

As shigelas não são constatadas com grande frequência em alimentos, aparecendo em


menos de 10% do total de casos e surtos de doenças de origem alimentar relatados nos EUA
(BANWART, 1979).
36

Um ponto importante a se considerar, é a transmissão da moléstia através de veículos


ativos, por exemplo moscas, principalmente em razão do baixo número requerido no alimento para
desenvolvimento da doença.

Em relação a invasividade e produção da doença, sabe-se que o antígeno somático O, que


se trata de um lipopolissacarídeo (LPSO, constituído de lipídeos, D-Manose e N-acetilglucosamina-
Ramnose) é o responsável, sendo tóxico e levando a irritação da parede intestinal. A sua ação ficou
evidenciada, uma vez que, com a perda da parede celular da bactéria e consequentemente do Ag O
que nela se localiza, não se conseguia a produção da doença. Ainda, adicionando-se à estes
mutantes rugosos (sem LPSO) o antígeno LPSO, os mesmos readquirem a invasividade e a
patogenicidade.

Pensa-se tratar de uma toxina (exotoxina), que exibe três ações: neurotóxica (quando
inoculada em pequenos animais), citotóxica e enterotoxigênica (diarréia).

A infecção provocada por S. dysenteriae é mais severa do que a acarretada pelas demais
espécies, sendo caracterizada por um súbito início de dores abdominais agudas, diarréia
pronunciada, acompanhada de perda de sangue e muco (devido a abcessos na parede intestinal,
necrose da mucosa e ulcerações) e podendo ainda ocorrer naúseas e vômitos.

A infecção provocada por S. sonnei é menos grave, sendo que apenas pequena proporção
dos doentes apresenta fezes sanguinolentas. As demais espécies de Shigella, apresentam sintomas
intermediários e variáveis.

O período de incubação varia com o indivíduo, patogenicidade da bactéria e número de


células ingeridas, oscilando entre 12 e 50 horas.

São praticamente inexistentes estudos com relação ao comportamento das shigelas frente
aos fatores intrínsecos e extrínsecos, mas é provável que haja bastante semelhança ao
demonstrado pelas salmonelas.
37

Medidas de Controle

As medidas de controle baseiam-se fundamentalmente em cuidados higiênicos na


manipulação de alimentos, emprego de sistemas eficazes de limpeza e sanificação no ambiente
industrial e controle da entrada de insetos, roedores e aves no recinto de processamento. A
refrigeração de alimentos é uma prática desejável, porém vale lembrar que neste caso específico
não impedirá o alimento contaminado de ser infectante devido aos baixos números da bactéria
requeridos para a manifestação da doença. Também é útil enfatizar que por se tratar de uma
bactéria não esporulada, sua resistência térmica é baixa sendo facilmente destruída pela
pasteurização.

É interessante também pensarmos que estaremos agindo eficazmente no controle desta


infecção se tivermos um bom tratamento de esgotos, um bom controle sanitário da água, se
identificarmos portadores assintomáticos da doença e evitar que os mesmos manipulem alimentos.

III. Yersinia enterocolitica

Os relatos de infecções humanas por Y. enterocolitica tem sido mais ou menos frequentes
nos últimos anos, despertando um interesse maior por parte dos microbiologistas para melhor
conhecimento desta espécie bacteriana envolvida em infecções alimentares.

A exemplo de outras enterobactérias, é encontrada primariamente no trato intestinal do


homem e outros animais, especialmente cães e suínos. Também tem sido possível o isolamento
dela a partir de fezes de bovinos, felinos, aves e animais selvagens, bem como a partir da água e de
vários alimentos.

Y. enterocolitica foi responsabilizada por 2 grandes surtos de gastroenteritis: em 1973, no


Japão e em 1976 nos EUA.

São bastonetes, Gram-negativos, anaeróbios facultativos, realizam fermentação com pouca


ou nenhuma produção de gás, apresentam motilidade quando cultivadas abaixo de 25°C e são
geralmente urease positiva e redutores de nitrato.
38

Ao contrário dos demais representantes da família Enterobacteriaceae, esta espécie cresce


bem em baixas temperaturas, inclusive sob refrigeração.

Exibem crescimento em ampla faixa de temperatura, oscilando de 1 a 40°C, e como as


demais enterobactérias não crescem em temperaturas tão baixas, utiliza-se como enriquecimento
nas análises a temperatura de 4°C/20 dias.

Como as linhagens desta bactéria crescem a baixa temperatura, os alimentos com baixa
contaminação inicial servem não somente como veículos mas como meios de proliferação.

A infecção por estes organismos provoca vômitos, diarréia (com fezes sanguinolentas ou
não), sendo febre e dores abdominais menos frequentes. Outros sintomas podem incluir septicemia,
meningite e infecção do trato urinário.

O mecanismo da patogenicidade de Y. enterocolitica ainda não é bem conhecido, parecendo


ser de natureza invasiva.

Normalmente as manifestações clínicas incluem 3 estágios:

1º estágio: fase aguda (2-3 dias após a infecção), caracterizado por enteritis, com sintomas
parecidos aos da apendicite e estado inflamatório do intestino, dor de garganta, febre.

2º estágio: 1-3 semanas após a primeira fase, caracterizando-se por hemorragia de pele,
artrite reumatóide e obstruções vasculares.

3º estágio: continua a artrite reumatóide e inflamações inespecíficas.

Uma outra diferença importante em relação as outras enterobactérias, é que Y. enterocolitica


predomina no inverno.

A água não clorada, carnes pouco cozidas, leites não pasteurizados e vegetais frescos, são
os principais tipos de alimentos aos quais se associam as Yersinias.

Logicamente, todas as medidas higiênico-sanitárias já descritas como importantes no


39

controle de outras infecções alimentares, são também aqui válidas; no entanto, vale lembrar que a
refrigeração de alimentos preparados, é de menor validade no controle de Y. enterocolitica, que
como já vimos se multiplica em temperaturas de refrigeração.

IV. Campylobacter jejuni

As bactérias aqui incluídas apresentam forma de bastonetes, curvos, com movimento


característico de sacarolha, Gram-negativos, microaerófilos onde a mistura de 5% de O 2, 10% de
CO2 e 85% de N2 é indicada para uma boa multiplicação bacteriana.

Algumas diferenças que estas bactérias apresentam e que podem ser úteis para sua
diferenciação e caracterização se referem a temperatura ótima para crescimento de 42°C, não se
multiplicando em temperaturas inferiores a 30°C; reações negativas tanto para a prova de
fermentação ácido-mista (VM-) como para fermentação butanodióica (VP-) e também que não
retiram a energia de carboidratos e sim de aminoácidos e intermediários do ciclo de Krebs (ácidos
oxálico e succínico).

Bactérias do gênero Campylobacter tem sido isoladas frequentemente a partir de matéria


fecal de vários animais, parecendo ser as aves os principais reservatórios naturais.

Sua ocorrência já foi relatada em bovinos, suínos, roedores, cães e gatos há muitos anos e
mais recentemente mencionada como patógena ao homem.

São pertencentes a microflora intestinal de aves e outros animais, onde por ocasião da
evisceração podem contaminar as carcaças, contaminando então as pessoas. Ainda, as fezes de
animais portadores podem contaminar a água e/ou outros alimentos, atingindo assim as pessoas.

Em vários trabalhos de pesquisa efetuados tanto no Brasil como em outros países, detectou-
se Campylobacter em alimentos diversos como água, leite, carne de suínos e principalmente em
carcaças de frangos e perus.

Estudos recentes tem chamado a atenção para a importância de Campylobacter envolvidos


em surtos de infecção alimentar, para se conhecer melhor as suas características culturais e
40

bioquímicas, visando medidas de controle, uma vez que, em vários países da Europa ela foi
responsabilizada em mais surtos de doenças de origem alimentar do que Salmonella, entre 1979 e
1984. Ainda, em 1964, na Escócia, Campylobacter foi a segunda bactéria mais isolada a partir de
casos de doenças de origem alimentar, o mesmo ocorrendo no Japão em 1982.

Sabe-se que a resistência térmica de Campylobacter é bastante baixa, com valores D a 50°C
e 55°C, de 7,3 e 1,1 minutos, respectivamente, em leite.

A incidência de Campylobacter relatada em carcaças de frangos, provavelmente está


relacionada a não destruição de todas as células pelo escaldamento a 58-60°C, durante 120-170
segundos (OOSTEROM et al, 1983).

Duas constatações importantes como situações adversas a multiplicação e manutenção da


viabilidade celular, foram de que a ventilação para o resfriamento da pele de suínos após o
escaldamento, reduzia em mais de 100 vezes a população de células viáveis e que superfícies
secas normalmente não evidenciavam células viáveis de C. jejuni.

Embora se encontre em muitos trabalhos que 3 espécies de Campylobacter podem ser


patogênicas ao homem (C. fetus subsp. fetus, C. jejuni e C. coli), de acordo com SMIBERT (1974),
apenas 2 subespécies de C. fetus é que devem ser consideradas: C. fetus subsp. intestinalis e C.
fetus subsp. jejuni.

Esses organismos têm sido associados com gastroenterite, endocardite, meningite, lesões
de pele, artrite, peritonite, colicistite e infecções do trato urinário. Casos de bacteremia, sem
infecções localizadas têm sido também descritos com febre, cefaléia, dores abdominais, e aqui
normalmente se atribui a C. fetus subsp. intestinalis.

O período de incubação nas gastroenteritis varia de 2 a 5 dias e a dose mínima necessária


para infecção ainda não foi exatamente esclarecida. No entanto, existem dados que mostram que a
ingestão de 180 ml de leite pasteurizado contendo 500 UFC de C. jejuni, levou a um processo
diarréico após 4 dias; também que a ingestão de 10 6 células desta bactéria, desencadeou o
processo patológico após 3 dias. No processo de gastroenterite, a sintomatologia é caracterizada
por dores abdominais, cefaléia, febre e diarréia aquosa eventualmente com sangue. O quadro da
doença pode persistir de 1 dia a 3 semanas.
41

Neste caso, como já discutimos para outras infecções alimentares, a presença de portadores
assintomáticos da bactéria, pode se verificar após 6-8 semanas depois de desaparecidos os
sintomas, o que se constitui em grande risco no aspecto de saúde pública, uma vez que a forma de
propagação da doença é via fecal-oral.

O controle industrial para Campylobacter, baseia-se principalmente em rigorosa higiêne no


processamento e manuseio dos alimentos, refrigeração e tratamento térmico adequados.

V. Clostridium perfringens

São bactérias em forma de bastonetes, Gram-positivos, anaeróbicos facultativos,


esporulados com esporo subterminal, sem motilidade, produzem lecitinases, hemolisinas e H 2S,
reduzem o nitrato, fermentam lactose, liquefazem a gelatina e durante a fase de esporulação
produzem toxina de natureza protéica.

A enfermidade provocada por C. perfringens é um dos tipos mais comuns de toxinfecções


alimentares que ocorre em humanos. Os veículos em geral são: carnes cozidas e derivados que
contenham elevados números de células viáveis. A incidência de C. perfringens também é frequente
em carnes cruas, aves, sopas desidratadas, molhos e vegetais crus.

O envenenamento alimentar por C. perfringens é conhecido desde fins do século passado,


embora a demonstração do seu estado etiológico em envenenamento alimentar tenha somente sido
efetuada em 1945 por McCLUNG, e o primeiro relato completo da síndrome em 1953, por HOBBS.
Atualmente, a ocorrência de envenenamento alimentar por C. perfringens vem sendo relatada a
índices crescentes, passando a constituir-se numa preocupação mundial.

Linhagens de C. perfringens causadoras de envenenamento alimentar existem no solo,


água, alimentos, poeira, condimentos e no trato intestinal do homem e de outros animais.

A incidência de linhagens não hemolíticas e resistentes ao calor, parece ser de 2-6% nas
populações em geral; cerca de 20-30% do pessoal sadio dos hospitais e suas famílias apresentam
esse organismo em suas fezes, enquanto aproximadamente 50% de suas vítimas o carregam
durante semanas após a infecção, eliminando números elevados nas fezes.
42

Normalmente as fezes de pessoas sadias apresentam ao redor de 10 3 bactérias/g, enquanto


que nas fezes de pessoas doentes esse número normalmente é superior a 10 5 bactérias/g.

C. perfringens é dividido nos tipos A, B, C, D e E de acordo com a capacidade de elaborar


toxinas com características antigênicas. Estes antígenos, em número de 12 e designados por letras
gregas (α, δ, etc.), ocorrem de maneira diversa nas cepas dos diferentes tipos.

As cepas envolvidas na maioria dos surtos e doenças de origem alimentar são as do tipo A,
embora as do tipo C sejam também de importância.

As cepas do tipo A caracterizam-se pela produção da toxina α, com atividade hemolítica e de


lecitinase.

Em relação ao comportamento de C. perfringens frente aos fatores intrínsecos e extrínsecos,


sabe-se que: a atividade de água limitante a multiplicação bacteriana situa-se ao redor de 0,95; o
crescimento ocorre em intervalo de pH entre 5,5 e 8,0, sendo que a pH 5,5 ocorre crescimento
vegetativo porém sem haver esporulação e consequentemente produção de toxina; valores ao redor
de 6,0% de NaCl parecem inibir o crescimento; são inibidos pela presença de 400 ppm de nitrito de
sódio; é uma bactéria mesófila, com ótimo na faixa de 37-47°C e crescendo a 50°C; a resistência
térmica dos esporos é bastante variável, existindo cepas não hemolíticas termorresistentes ("D" a
100°C = 6-17 minutos) e cepas hemolíticas termossensíveis ("D" a 90°C = 3-5 minutos).

O mecanismo do processo patológico por C. perfringens tipo A, encontra-se bem estudado.


É necessária a ingestão de pelo menos 10 6-108 bactérias/g de alimento; as células que sobrevivem
ao passar pelo suco gástrico, se multiplicam no intestino delgado e esporulam. A produção de
enterotoxina ocorre simultaneamente à esporulação no intestino.

A enterotoxina não se encontra pré-formada no alimento em quantidade suficiente para o


desenvolvimento da doença. Além disso, não é detectada a presença da toxina em células
vegetativas, que normalmente são as formas encontradas no alimento. Usualmente não há
produção da toxina e nem esporulação no alimento.
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Na ruptura das células, por ocasião da liberação dos esporos é que se detectam níveis
máximos de enterotoxina.

A enterotoxina produzida por C. perfringens tipo A, é de natureza protéica (± 36.000 D),


inativada pela pronase, mas não inativada pela tripsina, quimiotripsina, papaína e bromelina, sendo
termolábil ("D" a 60°C = 4 minutos).

HAUSCHILD (1973), constatou semelhanças marcantes entre a enterotoxina de C.


perfringens e a produzida por Vibrio cholerae, por serem formadas "in vivo", induzirem o acúmulo de
fluído em teste de alça ligada de coelhos, serem inativadas pelo calor e pronase, serem resistentes
a tripsina, e com modo de ação parecido, ou seja, estímulo a produção de adenilciclase com
desbalanceamento de cloretos e sódio.

Seguindo-se à ingestão do alimento contaminado, os sintomas geralmente aparecem entre


8-24 horas, principalmente entre 10-20 horas, caracterizando-se por dores abdominais agudas e
diarréia, com naúseas, febre, sendo o vômito raro. Com exceção para as pessoas debilitadas ou
idosas, a doença é de curta duração (um dia ou menos), sendo a taxa de mortalidade baixíssima ou
nula. A doença fica restrita ao ambiente intestinal não havendo comprometimento de outros órgãos.

Para confirmação do envolvimento de C. perfringens em surto é necessário que se consiga o


isolamento da bactéria tanto das fezes como do alimento e que os sorotipos sejam coincidentes,
uma vez que como já vimos, uma alta taxa da população sadia carrega C. perfringens no intestino, e
as vezes, mais de um sorotipo.

Os alimentos envolvidos nos surtos específicos de envenenamento, são os pratos de carnes


preparadas de véspera. O preparo desses alimentos geralmente implica em temperaturas
insuficientes para destruir os esporos termorresistentes que germinarão com rápida multiplicação
celular posterior, caso os alimentos permaneçam após o tratamento térmico, em temperaturas que
favoreçam a multiplicação da bactéria (35-45°C).
A principal medida de controle para reduzir problemas de infecção por C. perfringens baseia-
se na prevenção da multiplicação bacteriana, pela refrigeração adequada dos alimentos, logo após
a aplicação de tratamento térmico.

VI. Vibrio cholerae


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São bactérias em forma de bastonetes, Gram-negativas, não esporulados, com forma


ligeiramente curva (vírgula), móteis com flagelo polar, a maioria das cepas sendo oxidase e catalase
positivas, fermentando a glicose sem produção de gás.

Diferentes tipos são agentes de epidemias e surtos de cólera, doença bastante grave e não
raramente fatal.

O principal reservatório natural de V. cholerae é o trato intestinal humano, daí atingindo a


água e alimentos diversos, particularmente os irrigados com águas contaminadas, ou provenientes
de solo fertilizado com matéria fecal.

A enfermidade é sempre transmitida via oral.

Recentemente vários surtos de cólera foram descritos na Itália, Louisiania, Flórida, e outros
locais. O processo patológico provocado por V. cholerae é, o mais severo de todas as doenças
diarréicas, adquirindo grande importância no aspecto de saúde pública, uma vez que a cólera pode
se caracterizar como pandemia, ou seja, alastrar-se, de forma marcante, através de países e
continentes. O mundo já vivenciou sete pandemias de cólera, sendo a última no início da década de
70, onde a enfermidade se alastrou pelo oeste da África, Leste e Sul da Europa.

O Vibrio responsável pela cólera, apresenta dois biótipos distintos:

A) El tor: produz hemolisinas solúveis;


B) Clássico: não produz hemolisinas.

O tipo A (El tor), é mais resistente fora do intestino do que o tipo B (clássico) e produz
doença menos drástica e com menor índice de mortalidade.
Após 1 a 4 dias de incubação, tem início o quadro clínico da doença com naúseas, vômitos e
diarréia profusa acompanhada de cólicas. Um aspecto típico da infecção é o material eliminado nas
evacuações não ter características fecais, mas usualmente lembrar uma água de lavagem de arroz,
com odor de peixe, carregando muco, células epiteliais e elevado número de microrganismos (até
108/ml). Devido a rápida perda de grandes quantidades de líquido e eletrólitos (até 2 litros/hora), é
frequente o colapso circulatório. A taxa de mortalidade é de 25 a 50%.
45

A terapia é baseada na rápida reposição de líquido e eletrólitos, sendo que após alguns dias
depois de eliminados os sintomas, a pessoa já para de excretar a bactéria nas fezes. A dose de
infecção é geralmente elevada, sendo, segundo SACK et al (1980) ao redor de 108 células.

A patologia de V. cholerae já foi bastante estudada, havendo colonização do intestino


delgado pelas bactérias ingeridas; há produção de mucilaginase razão da eliminação de
quantidades significativas de muco nas evacuações; há produção de uma enterotoxina que
estimula as células da mucosa a secretarem grandes quantidades de fluídos isotônicos, ou então
aumenta a permeabilidade do endotélio vascular.

A enterotoxina colérica é de natureza protéica e sua presença estimula a atividade da


enzima adenilciclase nas células do intestino; esta enzima, transforma o ATP em AMP-cíclico, que
ativa uma quinase havendo a intensa liberação de fluídos e eletrólitos no lúmem intestinal.

A enterotoxina, também já está bem conhecida, tendo PM = 84.000 D, constituída de 5


subunidades B de 11.000 D cada uma e 1 subunidade A, composta de duas porções: A 1 com PM =
24.000 D e A2 com PM = 5.000 D.

Uma vez que a bactéria é sensível a ambientes ácidos, é provável que a instalação do V.
cholerae no intestino delgado, deva ser precedida de neutralização transitória ou diluição do suco
gástrico, seja pela ingestão de alimentos ou de grandes volumes líquidos.

Também se sabe que os lipopolissacarídeos da parede celular da bactéria, juntamente com


a motilidade, auxiliam na aderência do agente infeccioso à mucosa intestinal, uma vez que mutantes
sem motilidade e/ou com lipopolissacarídeos alterados, não conseguem aderir-se ao intestino e não
produzem a doença.

A respeito da bactéria, ainda se sabe que, ela se desenvolve melhor em ambientes


levemente alcalinos (pH 7,6 - 8,6), crescendo, no entanto, em intervalo de pH entre 6,0 e 9,6; cresce
em presença de até 6% de NaCl; é mesófila, multiplicando-se entre 15 e 42°C, com ótimo entre 30 e
35°C; a resistência térmica é baixa, sendo destruída pelo aquecimento a 55°C/15 minutos; é
bastante sensível a desidratação.

Em geral, a resistência de V. cholerae em condições ambientais é reduzida, mas ela pode


sobreviver na água e em alimentos, por espaço de tempo suficiente para transmitir a infecção. Em
46

geral a sobrevivência na água salgada é maior do que na doce; na superfície de frutas e hortaliças a
sobrevivência é de alguns dias; em alimentos úmidos, de baixa acidez e refrigerados, a
sobrevivência pode ser superior a duas semanas; em alimentos ácidos, refrigerados, a
sobrevivência pode ser menor do que um dia; em alimentos desidratados, refrigerados,
normalmente a sobrevivência é inferior a 2 dias; em utensílios e equipamentos normalmente
sobrevive entre 4 e 48 horas.

A cólera é uma infecção restrita quase que exclusivamente à áreas densamente povoadas,
de poucos recursos econômicos, com deficiências em saneamento básico e população em precárias
condições de higiêne.

Portanto, o controle da disseminação da bactéria em alimentos, inicia-se fundamentalmente


em rigoroso controle microbiológico das águas utilizadas em irrigação e/ou processamento de
alimentos, passando por cuidados higiênicos no manuseio e processamento de alimentos,
culminando com auxílio de temperatura (tratamento térmico, refrigeração, congelamento) para o
controle da multiplicação de V. cholerae.

VII. Vibrio parahaemolyticus

É uma bactéria Gram-negativa, em forma de bastonete, as vezes curvos, com motilidade


através de flagelo polar, halófila moderada (requer em laboratório a adição de 3% de NaCl), requer
atividade de água mínima de 0,94, com temperatura ótima de crescimento entre 35-37°C (mínima de
5°C e máxima de 44°C), com tempo de geração de 12-15 minutos quando em temperatura ótima,
com pH ótimo para multiplicação entre 7,5 e 8,6 (desenvolve-se entre pH 4,8 e 11,0), anaeróbia
facultativa, catalase positiva, oxidase positiva (diferindo-a das enterobactérias que são oxidase
negativas), não fermenta sacarose nem lactose.
A resistência térmica de V. parahaemolyticus é muito baixa, sendo destruída em
temperaturas ao redor de 60°C.

Foi primeiramente descoberta no Japão como responsável por uma infecção alimentar
ocasionada pelo consumo de peixes e moluscos crus. Nos últimos anos, esta bactéria têm sido
isolada a partir de peixes, moluscos e águas costeiras da Ásia, Europa, Estados Unidos, Austrália e
América do Sul (inclusive Brasil), embora os surtos de infecção alimentar sejam pouco frequentes
fora do Japão. A razão principal para este fato reside no hábito de se consumir peixes e moluscos
47

crus no Japão. Os principais alimentos envolvidos são: ostras, mexilhões, camarão, caranguejo e
outros crustáceos.

A enfermidade aparece principalmente no verão, dificilmente se constatando a presença da


bactéria quando a temperatura das águas é inferior a 15°C.

O período de incubação varia de 2 a 48 horas (principalmente entre 14 e 20 horas); o


processo começa com dores abdominais violentas, acompanhado de naúseas, vômitos e diarréia.
Nos casos graves, se observa a presença de sangue e muco nas fezes. Quase sempre há febre e
dores de cabeça. Com estes sintomas, frequentemente se diagnostica erroneamente a infecção
como salmonelose ou shigelose.

O mecanismo do processo infeccioso ainda não está completamente esclarecido. Trabalhos


mostraram que as cepas de V. parahaemolyticus isoladas de fezes de pacientes com a
gastroenterite, produzem uma hemolisina característica, capaz de provocar B-hemólise do sangue
humano em agar de wagatsuma, num processo denominado reação de Kanagawa.

Segundo TAYLOR et al (1982), não se sabe ao certo se V. parahaemolyticus produz uma


enterotoxina similar a V. cholerae ou se a patogenicidade é devida a invasão de tecidos, ou a ambos
os processos, mas é bastante provável que a hemolisina de Kanagawa tenha uma participação na
expressão da patogenicidade.

Ainda, cepas de V. parahaemolyticus isoladas do ambiente natural (água do mar, peixes,


moluscos, crustáceos, sedimentos e plâncton) têm demonstrado reação de kanagawa negativa,
indicando que esta reação têm, de fato, uma relação com a patogenia da bactéria.

A dose de infecção, embora não se conheça ao certo, é relativamente alta, ou seja, acima de
6
10 UFC.

As medidas de controle baseiam-se na cocção adequada dos alimentos marinhos, na


refrigeração e congelamento para impedir a multiplicação bacteriana e na acidificação dos
alimentos, além logicamente, de cuidados na higiêne e sanificação no manuseio, equipamentos e
utensílios.
48

VIII. Listeria monocytogenes

Esta bactéria em forma de bastonetes curtos, em pequenas cadeias, Gram-positiva, com


motilidade, não esporulada, responsável por infecções como meningite, encefalites e septicemia, já
foi isolada a partir de muitas espécies de mamíferos e aves.

Apresenta reação positiva para catalase, B-hemólise em agar sangue, cresce em


temperaturas de refrigeração (enriquecimento a 4°C é utilizado no isolamento), cresce em valores de
pH entre 5,0 e 9,6, podendo sobreviver em valores bem mais baixos de pH, é um patógeno
intracelular.

É uma bactéria anaeróbia facultativa, largamente distribuída na natureza, tendo sido isolada
do solo, de animais, de aves, peixes, insetos, plantas verdes, silagem, água e produtos alimentícios
como leite, queijos, produtos cárneos, frutas e vegetais.

Já foram observados surtos epidêmicos e esporádicos de listeriose em diversas espécies de


animais como ovelhas, gado, aves e menos frequentemente em suínos e cães.

Nos animais recém-nascidos o mais comum são as septicemias e em ruminantes adultos as


encefalites. Também podem aparecer abortos e inflamações localizadas.

Esta zoonose se transmite dos animais ao homem porém a transmissão inversa ainda não
foi verificada.

Têm sido encontradas listerias em portadores humanos que não apresentam nenhum
sintoma clínico de enfermidade.
Nas infecções bovinas geralmente ocorre proliferação nas glândulas mamárias e úbere do
animal, proporcionando grande eliminação de Listeria no leite.

Até pouco tempo atrás pensava-se que apenas a ingestão de leite cru era responsável pela
listeriose no homem e que nenhum outro alimento seria veículo dessa infecção.

Porém, a eficácia do tratamento de alta temperatura por curto espaço de tempo (HTST) na
pasteurização do leite para eliminação de L. monocytogenes tem sido questionada desde 1983,
quando listeriose foi associada a muitos casos de ingestão de leite pasteurizado. Muitos estudos
49

tem sido conduzidos para se avaliar a real resistência térmica de L. monocytogenes e principalmente
estudos de recuperação de células injuriadas pelo tratamento térmico.

É uma bactéria que precisa ser melhor investigada para se poder correlacionar melhor sua
presença em determinados alimentos, com infecções no homem.

Provavelmente, se não fosse pelo incidente ocorrido em 1986, onde muitas mortes
ocorreram devido a presença de L. monocytogenes em queijos, a indústria alimentícia estaria
trabalhando hoje como se Listeria não existisse.

Listeria não é um microrganismo novo. Ela foi provavelmente vista pela primeira vez em
cortes de tecidos de pacientes por volta de 1891 e foi primeiramente isolada em 1911 de coelho na
Suécia.

A doença, agora referida como listeriose, foi primeiramente reconhecida em ovelhas em


1925; o primeiro caso de listeriose humana foi reportado em 1929. Depois, Listeria foi encontrada
como causa de aborto em gado, ovelha, septicemia em galinhas, encefalites em ovelhas e mastite
bovina.

As rotas de infecções em humanos podem envolver o manuseio de animais doentes, contato


com fezes infectadas ou ingestão de alimentos contaminados.

Manifestações primárias da doença em humanos são meningite, aborto e septicemia.

Meningite listérica pode resultar em morte. O desenvolvimento da doença em mulheres


grávidas resulta em aborto e doenças no feto. A mortalidade nesses casos também pode ser alta.

Inúmeros problemas com Listeria tem preocupado a indústria alimentícia e principalmente a


de laticínios além dos órgãos de fiscalização e de estabelecimento de padrões alimentares, uma vez
que: a metodologia analítica é inadequada; faltam conhecimentos de doses infectivas; faltam
conhecimentos de como controlar o organismo nas plantas de processamento, inclusive questões
envolvendo sua sobrevivência nos processos de pasteurização; faltam conhecimentos sobre a
biologia da bactéria e seu comportamento em alimentos.

Embora não existam muitos surtos de doenças alimentares atribuídos a L. monocytogenes,


50

os relatados foram bastante sérios, como pode ser visto pelos números a seguir: 1978, em
Massachusetts, com 23 casos, com taxa de mortalidade desconhecida e vegetais crus como
provável fonte; 1981, em Nova Scotia, com 51 casos e 44% de mortalidade, tendo como alimentos
envolvidos couve e repolho; 1983, em Boston, com 49 casos e 29% de mortalidade, sendo leite
pasteurizado o alimento envolvido; 1985, em Los Angeles, com 85 casos e 33% de casos fatais,
onde queijos foram implicados.

Assim, muitos trabalhos tem sido realizados recentemente com L. monocytogenes, na


tentativa de se conhecer melhor esta bactéria e seu provável envolvimento em doenças de origem
alimentar para que se consigam métodos eficazes para seu controle.

IX. Escherichia coli Enteropatogênica (EEC)

Bactéria pertencente à família Enterobacteriaceae, juntamente com Salmonella e Shigella,


apresentando assim características morfológicas e bioquímicas, parecidas aos demais membros
desta família.

Porém, E. coli pertence ao grupo dos coliformes, juntamente com os gêneros Citrobacter,
Klebsiella e Enterobacter, que se caracterizam pela capacidade de fermentar a lactose, com
produção de gases.

É importante lembrar, no entanto, que diversas cepas de E. coli fermentam lentamente a


lactose, motivo pelo qual devem ser realizadas outras provas bioquímicas e sorológicas para a sua
correta identificação.

Como a E. coli tem como habitat natural o trato intestinal do homem e outros animais, a partir
da matéria fecal e por vários veículos pode vir a contaminar a água e os alimentos. Esta é a razão
principal que faz desta bactéria a mais importante indicadora de contaminação fecal dos alimentos,
porém, como em muitos casos e surtos de gastroenterite nos últimos anos, o único agente etiológico
isolado era E. coli, passou-se a estudar melhor esta espécie, caracterizando linhagens
enterotoxigênicas.

Hoje, sabe-se que as cepas envolvidas em processos patogênicos são morfológica e


bioquimicamente indistinguíveis das não patogênicas. Ainda, sabe-se que nas cepas toxigênicas, o
51

fator que determina esta propriedade é mediado por um plasmídio ou episoma, podendo
teoricamente ser transferido para qualquer cepa não toxigênica. No entanto, apenas alguns poucos
sorotipos são efetivamente patogênicos, razão pela qual a sorologia é indispensável em estudos
epidemiológicos, embora a confirmação definitiva da patogenicidade somente seja obtida mediante
testes específicos em animais ou células.

Nem todas as linhagens de EEC obedecem a definição do grupo coliforme. Algumas delas,
são incapazes de fermentar a lactose dentro de 48 h ou não produzem gás. Entretanto, podem
apresentar reações positivas para um ou mais testes de atributos de enteropatogenicidade, ou seja:
produção de enterotoxinas (agem a nível de intestino delgado, distinguindo-se a termolábil LT,
semelhante à produzida por V. cholerae e a termoestável ST), onde a produção pode ser de uma
delas ou de ambas; invasividade (EIEC), produzindo um processo infeccioso semelhante ao
provocado por Shigella, ou seja, a patogenicidade é evidenciada pela invasão das células da
mucosa intestinal sem produção de toxinas; finalmente cepas denominadas enteropatogênicas
clássicas (EPEC), produzindo diarréia principalmente em crianças com menos de 1 ano de idade,
onde vários sorotipos são reconhecidos pela presença de antígenos somático, capsular ou flagelar.

Em relação ao mecanismo de patogenicidade, as linhagens produtoras de enterotoxinas (LT


e ST) levam a secreção excessiva de água e eletrólitos no intestino delgado; as linhagens
enteroinvasivas infectam e penetram nas células epiteliais do colon, produzindo lesões e sintomas
de disenteria bacilar semelhantes aos provocados por Shigella (febre, dores abdominais, disenteria
ou diarréia sanguinolenta); os biotipos responsáveis pela diarréia em crianças pequenas
normalmente não são produtores de enterotoxinas, nem invasivos, incluíndo linhagens capazes de
produzir colites hemorrágicas, que provocam o quadro em coelhos e no homem pelo efeito de uma
citotoxina.

A patogenicidade de E. coli enterotoxigênica é medida através das fimbrias (fator de


colonização) e % de toxina. As fimbrias desempenham papel importantíssimo para a patogenia, pois
permitem a aderência das células bacterianas às células epiteliais. Em ensaios realizados retirando-
se as fimbrias da bactéria e administrando via oral uma suspensão da mesma não houve
reprodução da doença, sendo as bactérias ingeridas rapidamente eliminadas nas fezes.

As enterotoxinas termolábeis (LT = perde a atividade a 65°C/15 minutos) e termoestáveis (ST


= suporta 100°C/15 minutos), encontram-se bem caracterizadas, sendo a LT uma proteína de PM =
79.000 D, composta de uma sub-unidade A de PM = 24.000 D e 5 sub-unidades B com PM =
52

11.000 D cada, onde as sub-unidades B entram em contato com a superfície da parede intestinal,
promovendo a entrada da sub-unidade A, que ativa a adenilciclase, levando a um aumento de
AMPc, com desiquilíbrio hidrossalino, impedindo a entrada de sais nas vilosidades e promovendo a
saída de sais pela cripta. A enterotoxina ST é um peptídeo de PM = 5.000 D, com mecanismo de
patogenicidade semelhante, diferindo pela ativação inicial da guanilciclase promovendo o GMPC.
Ainda, a enterotoxina LT é imunogênica e a ST não é imunogênica .

A transmissão de EEC se dá principalmente através de água, de contactos pessoa/pessoa e


via alimentos que porventura tenham sido contaminados.

O primeiro surto no qual este microrganismo foi implicado e responsabilizado, data de 1971,
nos EUA e atualmente conhecem-se muitos sorotipos diferentes.

O quadro clínico produzido pelas linhagens enterotoxigênicas é conhecido como "diarréia


dos viajantes", por ter sido responsável pela infecção de 259 passageiros, num vôo em 1976.

No quadro a seguir, podemos visualizar as principais diferenças entre a infecção causada


por linhagens enterotoxigênicas e a causada por linhagens invasivas:
53

Característica Tipo Toxigênico Tipo Invasivo

Sintomas Diarréia intensa, aquosa, febre, Idênticos com fezes sanguino-


dores abdominais, naúseas e vô- lentas
mitos

Local de ação do Intestino delgado Intestino grosso


patógeno

Dose de infecção 107 - 108 células 106 - 107 células

Período de incubação 6 - 36 horas Normalmente < que 36 horas

Duração do processo 1 - 3 dias 1 - 3 dias

Mecanismo do Na toxina LT, estímulo a produção Invasão e destruição das células


processo de adenilciclase e na ST, a de epiteliais do intestino grosso
guanilatociclase

Sistema modelo para Para toxina LT: teste de alça li- Inoculação no saco conjuntival
caracterização do gada de coelho - 18h; teste de de cobaia - produção de cerato-
tipo patogênico permeabilidade da pele, cultura conjuntivite - teste de Sereny
de células de tecidos. Para toxina
ST: teste de alça ligada de coelho
- 6h; teste em camundongos recém-
nascidos

Experiências recentes mostram que a incidência de toxinfecções alimentares por E. coli é


subestimada, pois as técnicas atuais para a demonstração de E. coli enteropatogênica por cultivo e
tipificação sorológica são insuficientes. No momento, não se conta com nenhuma técnica simples
para demonstrar a produção de toxina por cepas de EEC; a prova de alça ligada em coelhos se
utiliza em alguns casos, porém sua aplicação é muito restrita. Se tivessemos uma prova simples e
específica para a enterotoxina, certamente se esclareceria a etiologia de muitos casos confusos de
gastroenterites. Ainda, vale lembrar que a recuperação e isolamento de biotipos patogênicos requer
modificações nos procedimentos padrões e usuais para a análise de alimentos.

Medidas para o controle de E. coli são similares àquelas mencionadas para outras
enterobactérias: higiêne rigorosa na manipulação de alimentos, sanitização adequada de
equipamentos e utensílios, evitar contacto de alimentos preparados com utensílios e equipamentos
utilizados no manuseio de matérias-primas, refrigeração adequada de alimentos preparados e
cocção dos produtos antes do consumo.
Além de outros inúmeros benefícios que o aleitamento materno oferece, ele também auxilia
54

na prevenção da infecção por E. coli, uma vez que: apresenta de 1-6 mg/ml de lactoferrina que é um
agente bacteriostático para E. coli; tem aproximadamente 3.000 vezes mais lisozima que o leite de
vaca, que em combinação com outros constituintes do leite funciona como bom inibidor de bactérias.

Lisozima + IgA → lise de E. coli


Lisozima + IgA + peroxidase + ascorbato → inibição de outras bactérias (Streptococcus,
Pseudomonas e Salmonella)

O colostro materno é muito rico em imunoglobulina A (50mg/ml) e o leite maduro (1 mg/ml).

X. Enterococos

A classificação dos enterococos é baseada primeiramente em suas características


sorológicas e posteriormente em sua fisiologia.

São conhecidos como organismos pertencentes aos estreptococos do grupo antigênico D.


Basicamente as duas espécies características são S. faecalis que apresenta mais duas variedades
e S. faecium, hoje colocadas no gênero Enterococcus que engloba os Streptococcus de origem
fecal.

Em geral os enterococos tem como habitat o conteúdo intestinal de animais de várias


espécies inclusive insetos. Várias espécies de enterococos são conhecidas pela facilidade com que
se adaptam e crescem em vários ambientes mesmo sob condições adversas. Muitos são tolerantes
ao sal, são anaeróbicos facultativos e crescem bem a 45°C, E. faecium e E. faecalis são
relativamente termorresistentes e podem sobreviver em leites pasteurizados (termodúricos).

Dos enterococos, somente S. bovis e S. equinus são capazes de crescer a baixas


temperaturas (7 - 10°C).

São bastante resistentes ao congelamento, até mais que E. coli e porisso recomendados
como melhores indicadores de contaminação fecal dos alimentos congelados, sobrevivendo e se
reproduzindo após o descongelamento.

Ainda S. avium e S. gallinarum, têm sido incluídos como pertencentes ao grupo dos
55

enterococos, grupo este ainda pouco conhecido e atualmente com a utilização de taxonomia
numérica e taxonomia molecular, muito está se esclarecendo neste confuso grupo de bactérias.

Os alimentos podem conter enterococos procedentes de uma contaminação fecal direta ou


indireta.

Nos produtos semiconservados, processados e tratados termicamente, não esterilizados, os


enterococos juntamente com microrganismos esporulados, são frequentemente os únicos
sobreviventes.

Muitos autores tem atribuído a alimentos muito contaminados com enterococos casos e
surtos de "toxinfecções" alimentares. No soro de pacientes afetados por esta infecção/intoxicação,
alguns pesquisadores encontraram títulos elevados de anticorpos frente a linhagens de enterococos
isoladas de suas fezes. Outros autores tem mostrado que os enterococos isolados de pessoas
doentes pertencem a sorotipos diferentes das cepas isoladas de indivíduos sadios e de alimentos
que quando ingeridos não produziram a doença.

Entretanto, ainda é assunto de muitas controvérsias, pois frequentemente se encontra


enterococos em grande quantidade nos alimentos que ingeridos não produziram nenhuma
toxinfecção. Ainda, os autores não tem conseguido produzir a doença de modo experimental no
homem.

Porisso, não se reconhece a capacidade dos enterococos de produzir toxinfecções


alimentares, uma vez que não se sabe quais espécies ou sorotipos podem ser responsáveis por
toxinfecções; não foi possível demonstrar a existência de toxina produzida; não se conhece o
mecanismo pelo qual os enterococos poderiam levar a toxinfecções alimentares. Alguns autores, até
mencionam a necessidade de alguma associação sinergística com outro microrganismo para
produção da doença.
56

XI. Aeromonas hydrophila

Até o momento não está totalmente confirmado nenhum surto de doença de origem
alimentar atribuído exclusivamente à A. hydrophila.

Entretanto ela tem sido considerada um patógeno alimentar por uma série de evidências
indiretas, incluindo: seu frequente isolamento a partir de fezes de pacientes com diarréia, sua
enteropatogenicidade em alguns animais e sua presença em uma variedade de alimentos, incluindo
ostras associadas à surtos de gastroenterite.

Características:

A. Classificação

O gênero Aeromonas, da Família Vibrionaceae, inclue 2 grupos distintos. O primeiro consiste


de apenas uma espécie, A. salmonicida (psicrotrófica e sem motilidade). Embora esta espécie seja
altamente patogênica para peixes, não é patogênica ao homem e não cresce a 37°C. O segundo
grupo, consiste de 3 espécies com motilidade: A. hydrophila, A. caviae e A. sobria, com base em
características bioquímicas e similaridades do DNA.

Espécies com denominações diferentes de A. hydrophila não tem recebido boa aceitação
universal. As demais espécies não tem podido ser identificadas e diferenciadas com testes rotineiros
e muitos laboratórios continuam a incluir todas as espécies com motilidade, como A. hydrophila ou
grupo A. hydrophila.

B. Morfologia e Bioquímica

Membros das espécies com motilidade de Aeromonas são bastonetes, Gram (-), com 1,0 -
4,4 Mm, anaeróbios facultativos. Apresentam flagelos polar e normalmente monotríqueos. São
oxidase (+) e catalase (+). Fermentam vários carboidratos com produção de ácido e gás.
Bioquimicamente A. hydrophila é muito similar à membros da Família Enterobacteriaceae,
especialmente E. coli e Klebsiella spp.
C. Crescimento
57

São mesófilas, com ótimo de temperatura de 28°C e máximo de 42°C.


Alguns estudos mostram uma grande faixa de temperatura de crescimento. Todos os
isolados cresceram bem entre 20 e 35°C. Doze de 16 isolados cresceram a 42°C e 7 cresceram a
5°C (PALUMBO et al, 1985).

A habilidade de muitos isolados de crescerem a 5°C é altamente significativa à microbiologia


de alimentos, porque 5°C é considerada uma temperatura adequada para preservação do alimento
contra o crescimento dos patógenos alimentares.

Resultados parecidos foram obtidos por ROUF & RIGNEY (1971), que observaram que 6 de
13 isolados cresceram a 4°C.

As espécies de Aeromonas são relativamente sal-tolerantes. Isolados estudados por


PALUMBO et al (1985), cresceram na presença de 4% de NaCl a 28°C. No entanto, houve um
aumento da lag-fase e menor crescimento em níveis superiores à 1,5% de NaCl. Os isolados
mostraram maior sensibilidade ao sal quando crescendo em temperatura de 5°C, com somente a
metade sendo capaz de crescer com 3% de NaCl.

Espécies de Aeromonas são capazes de crescer numa faixa ampla de pH (4,0 - 10,0), mas
são mais tolerantes à condições ácidas quando incubadas a 28°C do que quando incubadas a 4°C.

DOENÇAS CAUSADAS POR A. hydrophila

A. Gastroenterite

Dois tipos de doenças gastrointestinais, tem sido atribuídos a A. hydrophila e A. sobria. A


primeira doença, mais comum, é a "choleralike", caracterizada por fezes aquosas e febre leve. Em
crianças com menos de 2 anos de idade, vômito também pode ocorrer. A segunda, é a
"dysenterylike", caracterizada pela presença de muco e sangue nas fezes. Aproximadamente 15%
das Aeromonas associadas à gastroenterite enquadram-se neste 2º tipo.

Normalmente diarréias leves tem sido associadas à Aeromonas spp, porém existem na
literatura, relatos de casos severos.Por exemplo, o caso de uma mulher de 67 anos hospitalizada
58

com diarréia "água de arroz", onde acreditava-se ser cólera, porém A. sobria, foi identificada como
agente causal (CHAMPSAUR et al,1982). SAWLE et al (1986), descreveram um caso fatal com
infecção por água contaminada, onde os sintomas eram idênticos aos da cólera. Análises nas fezes
mostraram a presença de A. sobria altamente hemolítica.

RHAMAN & WILLOUGHBY (1980), descreveram uma doença disentérica em um médico de


35 anos a qual se extendeu por várias semanas. A. hydrophila, foi implicada como o agente causal.

A. hydrophila, também foi responsabilizada por um severo caso de gastroenterite em uma


menina de 10 anos, hospitalizada com dor abdominal, febre, diarréia com sangue e desidratação. A
doença se arrastou por quase 1 mes, com recuperação a base de terapia com antibióticos.

Outro caso severo com a identificação de A. hydrophila isolada das fezes da paciente,
ocorreu com uma menina de 5 anos, também apresentando dores abdominais, diarréia com sangue
e febre de 38,5°C. Culturas das fezes foram (-) para outros patógenos entéricos e vírus.

B. Infecções Extra-intestinais

Aeromonas spp, tem sido implicadas como causa de septicemia e meningite.


Alguns autores tem relatado o isolamento de Aeromonas a partir de infecções do trato
urinário e do trato respiratório, porém não como único patógeno e assim não pode ser identificada
como agente causal.

Os sintomas da septicemia causada por Aeromonas são parecidos àqueles de outras


bactérias Gram (-). Há nas primeiras 24h da infecção período febril acompanhado de severos
calafrios. Hipotensão e dores abdominais também são verificados. Ocasionalmente náuseas,
vômitos e lesões de pele podem ocorrer. A maioria dos casos de septicemia e meningite atribuídos à
Aeromonas tem ocorrido em pacientes imunocomprometidos, particularmente aqueles com cirrose e
leucemia.

A disseminação ocorre fundamentalmente através de fezes de pacientes contaminados.


Epidemiologia

Nos últimos anos, especialistas de todo o mundo tem se dedicado a pesquisa de Aeromonas
59

spp em fezes de pacientes com diarréia e tem encontrado a bactéria com frequência crescente.

GRACEY et al (1982), isolaram Aeromonas spp enterotoxigênicas de fezes de 10,2% de


crianças Australianas com diarréia e em somente 0,6% de crianças sem diarréia.

MILLERSHIP et al (1983), isolaram A. hydrophila mais frequentemente de fezes líquidas do


que a partir de fezes sólidas.

GEORGE et al (1985), encontraram maior incidência de A. hydrophila em pacientes de um


centro médico em Los Angeles, do que qualquer outro potencial patógeno entérico.

AGGER et al (1985), em um estudo em WISCONSIN, detectaram A. hydrophila em fezes de


1,1% de pacientes com diarréia e em nenhum dos 533 paciente-controle sem diarréia.

Por outro lado, FIGURA et al (1986), não encontraram diferença significativa nas taxas de
isolamento de A. hydrophila de fezes a partir de pacientes com diarréia (3,7%) e de pacientes
normais (2,1%), em crianças Italianas.

Alguns estudos tem mostrado presença de A. hydrophila em % de 3,2 a 9,1, em indivíduos


normais.

Diferenças observadas nas taxas de Aeromonas spp tanto em fezes normais como
diarréicas, são provavelmente devidas a diferenças na prevalência da bactéria em diferentes áreas
geográficas e também a diferença de taxas de recuperação pela variedade de meios de cultivo
utilizados no isolamento de Aeromonas a partir de fezes.

Embora Aeromonas spp tenham sido isoladas a partir de indivíduos de todas as idades, há
uma predominância maior entre crianças muito novas ou adultos muito velhos ( menos de 7 anos e
mais de 60 anos).

Ocorre variação na incidência da bactéria com pico de isolamento no verão.


Patogenicidade

Vários estudos tem mostrado uma correlação entre a atividade citotóxica e enterotóxica em
alça ligada de coelho. Isolados que produziram citotoxina também produziram hemolisina e aqueles
60

que não produziram citotoxina também não produziram hemolisina.

Outros autores observaram uma forte correlação entre produção de enterotoxina e hemólise
em hemáceas humanas. Há muita controvérsia a respeito do mecanismo de patogenicidade.

Os testes bioquímicos que apresentaram melhor correlação com patogenicidade (produção


de citotoxina ou hemolisina) foram: reação positiva da LYS decarboxilase e reação positiva de
Voges Proskauer (VP).

Há ainda muitas controvérsias quanto a patogenicidade de Aeromonas spp, onde alguns


estudos mostram a presença da bactéria como causa primária da diarréia e outros que apontam a
bactéria presente no trato intestinal apenas como um comensal, em função das modificações
profundas que acontecem no intestino por ocasião de diarréias.

ABEYTA et al (1982), identificaram A. hydrophila como provável agente causal de 472 casos
de gastroenterite. Ostras cruas foram o veículo implicado. Os indivíduos afetados apresentaram
náuseas, vômitos, diarréia e dores abdominais. Imediatamente após o surto, as ostras foram
examinadas, sendo somente encontrado V. parahaemolyticus com baixo potencial patogênico. Um
ano mais tarde (1983), novo surto envolvendo 7 casos ocorreu na Florida, também tendo como
veículo ostra crua. Agora A. hydrophila foi isolada tanto das fezes dos pacientes envolvidos como
das próprias ostras. As ostras eram provenientes da mesma área de criação em Louisiana, que
tinha sido a fonte das ostras implicadas no surto de 1982. Devido as similaridades nos 2 surtos,
ostras que tinham sido implicadas no primeiro surto e que tinham sido congeladas por 1 ano, foram
reexaminadas e foi possível o isolamento de A. hydrophila das mesmas.

Reservatórios

Aeromonas spp são microrganismos aquáticos que ocorrem tanto em água doce, como em
estuários e oceanos.
A densidade da bactéria é maior em águas agitadas e salinas do que em águas paradas e
doces.

Foi isolada de amostras de água com pH variando de 5,2 a 9,8 e temperatura de 4,0 a 45°C.
Somente não foi isolada de lagos super salgados e de fontes termais com temperaturas superiores a
61

45°C e de rios extremamente poluídos.

Ainda Aeromonas spp podem ser isoladas de águas tratadas para consumo humano, como
aconteceu em vários estudos que mostraram a presença da bactéria em sistemas municipais de
águas tratadas.

Alguns animais como bovinos, ovinos, suínos e equinos, apresentam A. hydrophila em suas
fezes, porém a frequência em bovinos é muito maior do que nos demais animais.

Alimentos mais frequentemente citados como fontes de A. hydrophila : produtos do mar


(peixes, camarão, caranguejo, ostras), carnes vermelhas, frango e leite cru. Algus estudos relatam a
presença da bactéria em água mineral engarrafada.

Isolamento

Muitos meios de cultivo utilizados no isolamento de Salmonella, Shigella e outros patógenos


entéricos foram testados. A maioria deles apresentou alta % de inibição na recuperação de
Aeromonas spp.

Outros meios de cultivo foram testados, os quais permitiram uma boa recuperação de
Aeromonas spp a partir de fezes. Os melhores utilizaram ampicilina como inibidor da maioria das
competidoras fecais. Porém, nenhum dos meios desenvolvidos para o isolamento de Aeromonas
spp de fezes ou fontes ambientais, permitiu boa recuperação de A. hydrophila de alimentos e
também sua diferenciação de outros contaminantes de origem fecal.

PALUMBO et al (1985), desenvolveram um meio simples para plaqueamento direto,


especificamente para quantificar A. hydrophila em alimentos. Tal meio utiliza ampicilina como inibidor
e amido como substância diferenciadora. Após o crescimento das colônias as placas são inundadas
com lugol e as colônias amilase (+) são consideradas presuntivamente como A. hydrophila. A única
desvantagem desse meio é que ele não permite diferenciar A. hydrophila de Vibrio spp.

RIPPEY & CABELLI (1979), desenvolveram um método para a recuperação e a enumeração


de A. hydrophila de água usando membrana filtrante e meio seletivo contendo desoxicolato de
sódio, etanol e ampicilina como inibidores e trealose como substância diferencial. Este meio tem sido
62

utilizado no monitoramento de Aeromonas em água e em alimentos aquáticos.

Identificação

A identificação pode ser conseguida pela execução de testes bioquímicos convencionais ou


utilização de Kits comerciais de diagnóstico.

Testes (+): oxidase, catalase, hidrólise do amido, ARG dehidrolase, crescimento em caldo
nutriente sem NaCl, fermentação de manitol, TRE, FRU, GAL e dextrina.

Testes (-): pectinase, ORN decarboxilase, PHE e TRP deaminase, crescimento em caldo
nutriente contendo 5% de NaCl, produção de ácido a partir de sorbose, eritritol e RAF.

Vários autores utilizaram os Kits API 20E, API RE e API NFT, encontrando que o API 20E
identificou corretamente todos os isolados; o API RE identificou 77% dos isolados e o API NFT 87%
dos isolados.

Alguns testes bioquímicos adicionais devem ser aplicados para identificação de outras
espécies de Aeromonas. Por exemplo, A. sobria não produz ácido a partir de SAL, não hidrolisa
esculina e não cresce na presença de KCN e A. caviae não produz acetoína e gás a partir de GLU.
63

Propriedades que Permitem Distinguir o Grupo A. hydrophila de Outras Bactérias


Encontradas Normalmente nos Mesmos Ambientes

A. hydrophila

Oxidase (+) Enterobacteriaceae


Fermentação de carboidratos Pseudomonas spp
Cresc. Caldo Nutriente S/ NaCl sp halofílicas
Resist. Agente Vibriostático O/129 de Vibrio

Produção de DNase
Não metabolização de inositol
Resist. Agente Vibriostático O/129 P. shigelloides
Motilidade
Crescimento a 37°C A. salmonicida

Enterotoxina Citotônica:

Atividades "in vitro":


- Arredondamento das células Y-1 sem morte
- Alongamento das células CHO
- Estímulo da síntese de AMP cíclico

Atividades "in vivo":


- Acúmulo de líquido em alça ligada de coelho
- Aumento da permeabilidade vascular em pele de coelho

Propriedades Físicas:
- PM 15.000
- Ponto isoelétrico 4,2 - 4,6

Estabilidade tanto "in vitro" como "in vivo" a tratamento térmico de 56°C/10 minutos.

Enterotoxina Citotóxica (Hemolisina):


64

Atividades "in vitro":


- Arredondamento e morte de células Y-1 e CHO
- β-hemólise em células vermelhas de coelho (agar sangue)

Atividades "in vivo":


- Acúmulo de líquido em alça ligada de coelho
- Acúmulo de líquido em intestino de ratos

Propriedades Físicas:
- PM 50.000
- Pontos Isoelétricos: 5,43 - 5,41 - 5,28 - 5,58

Atividades biológica e citotóxica inativadas por tratamento térmico a 56°C/10 minutos.

Vários estudos mostraram que ß-hemólise sozinha pode causar modificações na


permeabilidade intestinal associada com diarréia e que a hemólise é o mais comum mecanismo de
patogenicidade apesar da relativa termo-tolerância da enterotoxina citotônica. Os referidos estudos
mostraram também que a produção de enterotoxina citotônica pode ser um fenômeno raro, não
devendo ser o mecanismo determinante da patogenicidade de A. hydrophila. Mostraram ainda que a
produção de enterotoxina citotônica é uma característica instável e que é rapidamente perdida após
subcultivos.

Medidas de controle:

Devido ao fato de boa proporção dos "strains" de A. hydrophila serem psicrotróficos, a


estocagem dos alimentos à temperatura de refrigeração não é, por si só, uma medida adequada de
prevenir doença de origem alimentar devido a esta bactéria. Outras medidas, como o adequado
aquecimento, são necessárias.

É possível estocar carnes seguramente por 3 meses a temperatura de refrigeração em


atmosfera com 100% de CO2, mas muito cuidado deve ser tomado, pois, um pequeno decrescimo
65

no % de CO2 permite o crescimento de Aeromonas spp, as quais são tão resistentes ao CO 2 quanto
Lactobacillus.

Estudos mostraram que A. hydrophila é uma bactéria relativamente termo-sensível, e que


processamentos como por exemplo a pasteurização do leite são suficientes para destruí-la.

A. hydrophila é também relativamente sensível a radiações, com valores D, variando de 14 a


22 Krads. Com um nível de A. hydrophila em carnes e frangos de 10 2 a 105/g, doses de 125-150
Krads, são suficientes para eliminar todas as células presentes.

XII. Plesiomonas shigelloides

Há muitos anos P. shigelloides tem sido considerada como suspeita de ser patogênica.

Recentes informações indicam que esta bactéria é responsável por importantes infecções
oportunistas, que em pessoas muito novas, ou idosas ou comprometidas imunologicamente, podem
levar à morte.

Há ainda muitas controvérsias à respeito de sua patogenicidade. P. shigelloides foi


primeiramente descrita em 1947 por Ferguson e Henderson como C 27. O organismo foi isolado de
uma amostra de fezes e verificou-se que ela contém um antígeno somático idêntico a Shigella
sonnei, razão pela qual durante muito tempo foi confundida com S. sonnei. Naquela época P.
shigelloides foi colocada como um membro da Família Enterobacteriaceae e hoje está classificada
na Família Vibrionaceae, com os gêneros Vibrio e Aeromonas. Motilidade foi uma das principais
características que permitiu diferenciar Plesiomonas de Shigella nos primeiros estudos.

Os 3 gêneros citados apresentam várias características similares: bastonetes Gram (-),


anaeróbios facultativos, catalase e oxidase (+), fermentativos e várias espécies apresentam
potencial patogênico.

A reação positiva da oxidase distingue-os dos membros da Família Enterobacteriaceae, além


da presenca de flagelos lofotríqueos ao invés de peritríqueos.
66

As respostas para os testes IMViC para P. shigelloides são as mesmas que para E. coli (+
+--), portanto, o teste da oxidase é muito importante para a diferenciação de ambas.

Em 1962, HABS e SCHUBERT, colocaram esta bactéria em um novo gênero (Plesiomonas),


com uma única espécie.

Estudos moleculares foram realizados, confirmando que Plesiomonas de fato não pertence
ao gênero Aeromonas e que deve permanecer como um gênero isolado.

Plesiomonas difere de outros membros da Família Enterobacteriaceae, principalmente pela


fermentacão do inositol.

Serologia:

Embora P. shigelloides tenha sido relacionada antigamente a Shigella, vários autores


mostraram que esta não é uma característica constante e que muitos "strains" não apresentam o
antígeno comum a Shigella. Plesiomonas apresenta vários antígenos O e alguns antígenos H.

Mais recentemente alguns autores demonstraram a presenca do antígeno enterobacteriano


(CA) em culturas de Plesiomonas, sugerindo que esta bactéria é estreitamente relacionada à
Família Enterobacteriaceae.

Crescimento e Sobrevivência:

Estudos iniciais a respeito das características de crescimento de P. shigelloides, revelaram


que 10% das culturas analisadas eram psicrotróficas.

Estudos posteriores, tanto com isolados clínicos, como de alimentos e de diferentes


ambientes, mostraram que nenhum dos 40 "strains" estudados foi capaz de crescer a 8°C e 100%
foi capaz de crescer a 10°C. Outros estudos realizados mostraram a mesma tendência quanto a
temperatura mínima de crescimento.
67

Assim como outros organismos Gram (-), há indícios de que esta bactéria é sensível ao frio.

À elevadas temperaturas, nenhuma das 40 culturas foi capaz de crescer a 50°C; 10


cresceram a 45°C e todas foram capazes de crescer a 42°C.

Nenhum isolado sobreviveu a 60°C/30 minutos, indicando que a cocção apropriada dos
alimentos deve destruir esta bactéria.

P. shigelloides, cresce bem em caldo triptona contendo 3% de NaCl, mas não cresce com
4% de NaCl. Entretanto, em meio de cultivo mais complexo (como por exemplo o Trypticase Soy
Broth), 65% dos isolados cresceram com 5% de NaCl.

Em relação a tolerância a diferentes pHs, 60% dos isolados estudados, mostraram ser
capazes de iniciar crescimento a pH 4,0 e 85% cresceram a pH 9,0. A habilidade de iniciar
crescimento a pH 4,0 é considerada incomum e tem implicações significativas para alimentos com
este pH que possam ser contaminados por esta bactéria.

Doenças:

P. shigelloides é capaz de produzir muitas manifestações de doencas em humanos, desde


enterites a meningites.

Sintomas de gastroenterite, incluem: diarréia (94%), dores abdominais (74%), náuseas


(72%), calafrios (49%), febre (37%), dor de cabeça (34%) e vômito (33%).

O período de incubação varia de 1 a 2 dias e os sintomas podem durar 1 semana ou mais.

As fezes são geralmente aquosas e livres de sangue.


Tratamento envolve a administração de líquidos e eletrólitos. Quando a terapia com
antibióticos é recomendada, a maioria dos "strains" de P. shigelloides é sensível a cloranfenicol,
gentamicina e tetraciclina.
68

Incidência:

Algumas pesquisas em surtos de diarréia tem identificado P. shigelloides como um dos


patógenos envolvidos.

Em 30 episódios de diarréia na Tailândia, E. coli enteropatogênica foi identificada em 37%


dos episódios; Salmonella em 33%; C. jejuni em 17%; P. shigelloides em 13% e Aeromonas
hydrophila em 10%.

Um estudo para se avaliar as causas da diarréia em viajantes em Bangladesh, mostrou que


2,6% dos 269 casos de diarréia, foram atribuídos a P. shigelloides. Ela foi a única bactéria
patogênica isolada das fezes e quando isolados foram testados em alca ligada de coelho, todos
causaram significante acúmulo de fluidos.

Ainda, estudos mostraram uma incidência da bactéria em 0,0078% em fezes de pessoas


assintomáticas, enquanto que a frequência em fezes de pacientes com diarréia variou de 0 a 8,3%.

Alimentos-Fonte:

Alimentos que tem sido envolvidos em surtos de enterites ocasionados por Plesiomonas,
incluem peixe salgado, caranguejos e ostras. Todos os alimentos envolvidos, foram de ambiente
aquático, indicando que tais alimentos representam maior risco.

Alguns surtos atribuídos a P. shigelloides foram devido ao consumo de ostras cruas (Nova
Zelândia e Carolina do Norte).

Água também tem sido envolvida em vários surtos, muitas vêzes com centenas de casos.

P. shigelloides já foi o único organismo suspeito isolado tanto de fezes de pessoas


contaminadas como da água consumida.

Em outros casos, águas contaminadas com P. shigelloides utilizadas para fins recreacionais,
já foram responsabilizadas por infecções.
69

Já existe relato de casos de diarréia aguda contraídas mediante recreação em água do mar.
ZAKHARIEV menciona que Plesiomonas não sobrevive na água do mar; entretanto, a bactéria tem
sido isolada de águas com alta salinidade.

Reservatórios:

Além de humanos, outras fontes de P. shigelloides incluem: pássaros, répteis, crustáceos e


mamíferos.

Merece atenção especial o fato do isolamento de P. shigelloides a partir de animais


domésticos de estimação como gatos e cachorros.

Estudos tem mostrado uma grande incidência em peixes, mostrando realmente a


importância do ambiente aquático como reservatório.

Outro fato a ser considerado é que P. shigelloides é um conhecido patógeno para peixes e
répteis e já existem relatos de répteis sendo veículos de infecção para humanos. P. shigelloides foi o
único patógeno entérico isolado de cobras e de seu tratador.

Os sintomas incluem: diarréia profusa, severas dores abdominais e febre gradual.

Detecção:

Os agars utilizados normalmente para as bactérias entéricas como: Salmonella-Shigella,


MacConkey, Desoxicolato, Hektoen entérico, Xilose Lisina Desoxicolato, foram utilizados nos
primeiros estudos de isolamento, onde P. shigelloides também cresce.
SCHUBERT (1981), foi o primeiro a desenvolver um meio seletivo (Inositol Verde Brilhante
Sais Biliares Agar - IBB). O meio é diferencial e seletivo baseado na fermentação do inositol e
tolerância a sais biliares.

Mais recentemente (1984), um novo meio de cultivo, Plesiomonas Agar (PL), foi formulado
para o isolamento seletivo de Plesiomonas. É parecido ao XLD, porém a incorporação de LYS e
carboidratos não fermentescíveis, auxiliam o isolamento de organismos LYS decarboxilase (+) e não
70

fermentativos, como é o caso de Plesiomonas. A atividade inibitória do meio fica por conta dos sais
biliares presentes em baixa concentração.

Embora Plesiomonas seja um membro da Família Vibrionaceae, ela não cresce bem em
Tiossulfato Citrato Bile Sacarose (TCBS) Agar.

Patogenicidade:

Existe muita controvérsia a respeito da enteropatogenicidade de P. shigelloides. A maioria


dos trabalhos indica que Plesiomonas não exibe as manifestações de um organismo
enteropatogênico como demonstrado pelos testes clássicos utilizados para E. coli ou V. cholerae.
Muitos destes trabalhos indicam que patogenicidade evidenciada pelo Teste de alça ligada em
coelho, Teste de Sereny e Ensaios com ratos recém nascidos, não foi confirmada para culturas de
Plesiomonas ou filtrados de culturas testados.

Alguns trabalhos mostraram que quando culturas de Plesiomonas eram isoladas de


pacientes com diarréia, não eram capazes de reproduzir a doença em outras pessoas ou mesmo
em macacos Rhesus.

Entretanto, existem vários trabalhos que citam que Plesiomonas podem produzir uma série
de toxinas, tanto termo-lábeis quanto termorresistentes (100°C/30 minutos).

Ainda uma série de outros trabalhos, mostram que P. shigelloides foi o único organismo
isolado de pacientes com diarréia e presente em grande número nas fezes (10 6 - 107/g) e que
quando testes que evidenciam patogenicidade (citados anteriormente) foram realizados,
confirmaram a patogenicidade (tanto culturas como filtrados de culturas).
A produção de toxina foi maior quando as células eram cultivadas em TSB contendo 1% de
inositol do que quando cultivadas em caldo BHI.

Utilizando extratos livres de células de P. shigelloides, alguns autores isolaram uma


endotoxina (lipopolissacarídeo). Além de ser pirogênica em coelhos, a toxina foi letal a ratos e
coelhos.

Alguns autores observaram que células invasivas (com motilidade) haviam mostrado reação
71

negativa no Teste de Sereny, indicando que os resultados desse teste podem nem sempre estar
correlacionados com a habilidade de invasividade de um organismo.

Outros autores também sugerem que ocorra invasividade de mucosas, em função do


elevado número de glóbulos brancos encontrados nas fezes de pacientes com infecção ativa por
Plesiomonas.

O exato mecanismo da enteropatogenicidade é desconhecido e com certeza há necessidade


de mais estudos para evidenciar o envolvimento de P. shigelloides como um patógeno intestinal via
alimentos contaminados. Como um patógeno extraintestinal, há muito pouca dúvida sobre o seu
envolvimento em infecções.

XIII. Vibrio vulnificus

V. vulnificus é considerado um dos mais invasivos e letais patógenos humanos conhecidos.


Isto, não como resultado de sua potencialidade em ocasionar infecções alimentares fatais, mas por
sua habilidade de causar infecções em ferimentos (hemorragias, febre, edema e necrose).

Os primeiros estudos tentativos de identificação da bactéria nestes ferimentos, levou a


inclusão da mesma como V. parahaemolyticus ou Vibrio não colérico.

Trabalhos posteriores mostraram que muitas destas bactérias isoladas eram diferentes de V.
parahaemolyticus e V. alginolyticus pela habilidade de fermentar a lactose. Então pensou-se em
serem subespécies de V. parahaemolyticus ou espécies distintas.

Somente ao redor de 1985 é que através de muitos trabalhos com taxonomia, ecologia,
epidemiologia, patogênese e genética dessa bactéria, é que se estabeleceu pertencer a mesma à
espécie V. vulnificus.
Este Vibrio fermentador de lactose é um habitante normal de alguns estuários e ocorre em
grande número em moluscos. Assim, a infecção de humanos pode ocorrer principalmente pela
ingestão de frutos do mar crus.

As taxas de mortalidade são altíssimas podendo ser maiores que 60%.


72

Características:

São halofílicas (ótimo de 1-3% de NaCl), fermentadores de lactose (diferenciação de V.


parahaemolyticus e V. alginolyticus).

Havia sido designada de Beneckea vulnifica por REICHELT et al (1976), porém o gênero
não foi bem aceito pelos microbiologistas, tendo então FARMER (1979), sugerido a mudança para
V. vulnificus. Tal proposição foi aceita em 1980.

A temperatura ótima de crescimento é de 37°C. São aeróbios. Apresentam bom crescimento


em BHI, porém a presença de glucose neste meio, inibe a produção de hemolisina/citotoxina e
também a produção de albuminase.

As infecções ocorrem em estações mais quentes e esta espécie é raramente isolada de


águas frias. É bastante sensível ao frio, e estudos mostraram um rápido e drástico declínio da
viabilidade celular quando células de V. vulnificus foram incubadas a 4°C, em homogeneizados de
ostras. Observações idênticas foram conseguidas quando a bactéria foi armazenada a 4°C, em
homogeneizados de camarões.

Doença e Epidemiologia:

V. vulnificus apresenta a habilidade de produzir doença através de 2 pontos de entrada


diferentes: através da ingestão da bactéria, onde uma septicemia primária é produzida com alta taxa
de mortalidade e ainda a bactéria pode penetrar através de uma lesão na pele, onde as taxas de
mortalidade são menores embora necessitem de tratamento específico na área afetada e muitas
vezes amputações.
Alguns casos mostram uma septicemia seguindo uma infeccão por ferimento, ficando difícil
muitas vezes estabelecer com exatidão a porta de entrada.

Septicemia Primária:

O reservatório primário de V. vulnificus é a água do mar e estudos sobre o desenvolvimento


de septicemia primária em pessoas tem mostrado a presença de frutos do mar crus, especialmente
ostras na epidemiologia da doenca.
73

Poucas células viáveis no alimento podem ser suficiente para iniciar a infecção, cujo período
de incubação pode variar de 7h a alguns dias, com média ao redor de 16-38h.

Os sintomas mais importantes são febre (94%), calafrios (86%), náuseas (60%) e hipotensão
(43%).

Sintomas intestinais, normalmente ocorridos em infecções alimentares, como dores


abdominais (44%), vômitos (35%) e diarréia (30%), são bem menos frequentemente observados na
infecção por V. vulnificus.

Dados tem mostrado que a mortalidade pode ocorrer em períodos bastante variáveis, sendo
mais comum em poucos dias. Ainda é desconhecida a razão da maior incidência da doença em
homens (81%) do que em mulheres.

A terapia com antibióticos, largamente utilizada, mostra que a tetraciclina é que tem
conseguido melhores resultados.

Infecções por Ferimentos:

Normalmente ocorrem devido a ferimentos provocados por algum animal marinho (ex.
caranguejo), nos pés, pernas ou mãos. Ainda ferimentos provocados por utensílios utilizados no
manuseio de peixes e frutos do mar podem ser fontes de infecção. Também ferimentos provocados
em rochas no interior da água ou proximidades podem desenvolver a doença.

Uma vez que a bactéria penetre no ferimento, o desenvolvimento dos sintomas é mais rápido
que na septicemia primária. Períodos inferiores a 4h tem sido relatados. Os sintomas incluem: dor
intensa, eritema (avermelhamento), edema, rápido desenvolvimento de lesões, com vesículas ou
bolhas nas mesmas. Erupções da pele frequentemente são delimitadas por uma descoloração (azul-
violeta) no tecido adjacente. Tais lesões podem rapidamente evoluir para necrose do tecido.

Os sobreviventes permanecem internados em hospital por pelo menos 1 semana. Assim


como na septicemia primária, sintomas como febre (85%) e calafrios (68%) são frequentes.
74

Isolamento e Identificação:

A Partir de Amostras Clínicas:

Os seguintes meios de cultivo tem sido utilizados com sucesso: Agar Sangue - colônias após
18-24h regulares, com 2-4mm de diâmetro, halo claro ao redor da colônia devido a hemólise e uma
zona com coloração esverdeada que evidencia a α-hemólise nas hemáceas de carneiro.

Também bom crescimento tem sido relatado em MacConkey, Endo, XLD e Hektoen entérico
e ausência de crescimento em EMB agar, SSA ou Desoxicolato agar.

Laboratórios clínicos tem utilizado o Tiossulfato Citrato Sais Biliares Sacarose (TCBS) agar,
onde V. vulnificus produz colônias verdes (sacarose -) geralmente com centro escuro, gerando
confusão com colônias de V. parahaemolyticus que também se apresentam da mesma maneira
neste meio.

Isolamento de Fontes Ambientais:

Estudos tem mostrado que é bem mais difícil o isolamento de fontes ambientais do que de
amostras clínicas. A variedade das bactérias é aqui muito maior.

Porém muitos relatos existem na literatura a respeito de isolamento de Vibrios sacarose (-) e
lactose (+) a partir de água do mar e frutos do mar (especialmente ostras).

A maioria dos trabalhos tem utilizado o meio de cultivo TCBS agar para isolamento de Vibrios
de ambientes marinhos, embora saiba-se que bactérias não pertencentes ao gênero Vibrio também
crescem nesse meio. Além disso, nesse meio não é possível diferenciar V. vulnificus de outros
Vibrios não fermentadores de sacarose.

Assim, apareceram outras tentativas de meios de cultivo mais específicos para V. vulnificus.
BRYTON e COLWELL (1983), sugeriram o meio VV agar, que usa o telurito como inibidor,
verificando melhor crescimento e recuperação de V. vulnificus do que em TCBS agar. No entanto,
outros gêneros bacterianos também crescem nesse meio e V. parahaemolyticus e V. fluvialis
apresentam colônias idênticas a V. vulnificus.
75

KITAURA et al (1983), observando que V. vulnificus produzia uma "alkyl sulfatase" capaz de
hidrolisar "sodium dodecyl sulfate" e sua resistência a polimixina B, desenvolveram o meio de cultivo
SPS agar como sendo diferencial para V. vulnificus. Verificaram que embora neste meio alguns
outros Vibrios cresçam e que tendo também esta enzima possam ser confundidos com V. vulnificus,
o mesmo se constitui um excelente meio de cultivo para isolamento de Vibrios e especialmente de
V. vulnificus. Adicionaram ainda gelatina e amido ao meio (SGP agar), uma vez que mais estas
características podem ajudar na identificação de V. vulnificus (gelatinase + e amilase +).

Outro meio tentado com sucesso foi o CPC agar (MASSAD e OLIVER,1987), onde entre
muitas espécies de Vibrio testadas, apenas V. vulnificus e V. cholerae foram capazes de crescer, e
estas duas espécies podem ser distinguidas facilmente pela habilidade de V. vulnificus fermentar a
celobiose.

Ainda é uma espécie com identificação um pouco complexa, uma vez que trabalhos recentes
tem mostrado "strains" que fermentam a sacarose (aproximadamente 15%), e também que alguns
"strains" sacarose(+) e lactose (-) tem se mostrado (-) na fermentação da celobiose.

V. vulnificus apresenta apenas um antígeno flagelar H, o que possibilita a diferenciação


desta espécie dos demais Vibrios em testes de aglutinação.

Patogenicidade:

Os mecanismos de patogenicidade de V. vulnificus são ainda desconhecidos. Muitos


trabalhos mostram que tanto por uma via quanto outra de entrada da bactéria em animais há o
desenvolvimento dos mesmos sintomas já descritos em seres humanos.

Testes que foram realizados injetando-se a bactéria em alça ligada de coelhos e ratos,
mostraram o desenvolvimento rápido de uma bacteremia, com morte em algumas horas.

Como V. vulnificus pode atravessar a mucosa intestinal de coelhos e ratos e causar


bacteremia e morte, há a possibilidade da bactéria poder ter acesso ao sistema circulatório de
76

humanos a partir do trato alimentar. Quando testes com alça ligada de coelho foram realizados, a
bactéria já aparecia no sangue do animal após 5h da injeção. Nestes animais, através de exames
histológicos ficou bem claro os danos e necroses na mucosa do trato intestinal.

ESTUDOS EM RELAÇÃO A PRESENÇA DE HEMOLISINA/CITOTOXINA

KREGER e LOCKWOOD (1981), foram os primeiros a descreverem a produção por V.


vulnificus de uma toxina termo-lábil, antigênica e extracelular, com atividade citolítica contra
eritrócitos de mamíferos (hemolítica), ação citotóxica contra células do ovário de Hamster (células
CHO), atividade na permeabilidade vascular na pele de suínos e atividade letal para ratos.

GRAY e KREGER (1985), purificaram esta toxina (hemolisina) e determinaram que a mesma
apresenta PM de 56.000 D e dose letal LD 50 para ratos de 3Mg/Kg por administração intra-venosa.

Além de hemolisina, alguns autores acreditam que outros fatores são responsáveis pela
virulência da bactéria, uma vez que alguns "strains" produtores de hemolisina não se mostraram
virulentos.

Outras substâncias produzidas pela bactéria como protease, elastase,colagenase, DNAse,


lipase, fosfolipase, mucinase, condroitina sulfatase, hialuronidase e fibrinolisina, devem tomar parte
na virulência.
Medidas de Controle:

Parece não haver correlação entre a presença de V. vulnificus em águas estuárias e


moluscos e a presença de organismos indicadores de contaminação fecal. Estudos mostram que
essa bactéria é parte da microbiota natural de ambientes estuarinos, incluindo moluscos e não
devido a alguma forma de poluição.

Assim, tentativas de estabelecer medidas de controle para as indústrias de frutos do mar, ou


definir limites numéricos para a presença de V. vulnificus em ostras, não tem tido sucesso.

Outro fato que tem dificultado bastante tomada de medidas de controle, tem sido a
dificuldade de identificar corretamente V. vulnificus e também mesmo que algumas técnicas
77

moleculares permitam a identificação não permitem saber se são "strains" virulentos ou não.

Não tem havido relatos de infecções advindas do consumo de frutos do mar cozidos e
embora não se tenham estudos a respeito da sensibilidade térmica da bactéria, não é de se esperar
que ela seja mais resistente que outras bactérias Gram (-) não formadoras de esporos.

Assim, a melhor medida de controle está no se evitar o consumo de frutos do mar crus. A
prevenção contra infecção por V. vulnificus em ferimentos é bem mais difícil, já que tais infecções
ocorrem em indivíduos com aparentemente boa saúde.

Observação: Mesmo em áreas costeiras a frequência de infecções por V. vulnificus não é alta,
porém, como tanto septicemia primária como infecções por ferimentos tem sido relatados e também
devido a severidade das infecções, novos conhecimentos a respeito deste patógeno precisam ser
conseguidos.

XIV. Outras Bactérias de Importância em Enfermidades Transmitidas pelos Alimentos

Os alimentos implicados em surtos de toxinfecções alimentares contém muitas vezes


bactérias, cujo significado sanitário é duvidoso.

Por exemplo, espécies dos gêneros Proteus, Providencia, Citrobacter, Klebsiella,


Enterobacter, Pseudomonas, Arizona, Bacillus, Edwardsiella e Aeromonas, podem pertencer a
microbiota intestinal normal do homem e de outros animais, sendo muitas delas contaminantes
comuns dos alimentos. Entretanto, a mera presença dessas bactérias em um alimento, não é
suficiente para considerá-las responsáveis por enfermidades.

Muitas espécies destas bactérias já foram isoladas a partir de pacientes portadores de


toxinfecções alimentares, mas faltam estudos que comprovem eficientemente o envolvimento das
mesmas nas toxinfecções alimentares.

Experimentos com voluntários humanos poderiam esclarecer definitivamente o possível


papel etiológico destas bactérias nas toxinfecções alimentares, porém tais experimentos, são difíceis
de se realizar por muitas e óbvias razões, ficando somente ensaios com animais, que além de
78

proporcionarem poucas informações, não refletem exatamente o comportamento das bactérias no


homem.
79

ALIMENTAÇÃO COLETIVA NO BRASIL E SURTOS DE TOXINFECÇÕES

A alimentação coletiva, no Brasil é um mercado em franca expansão, com um potencial pra


servir aproximadamente 15 bilhões de refeições/ano.

Os serviços de alimentação, que hoje servem por volta de 2 bilhões de refeições/ano, estão
sempre sujeitos a ocorrência de surtos de doenças bacterianas de origem alimentar. O que é pior,
raramente dispõem de especialistas em microbiologia em suas equipes técnicas.

Atualmente, no Brasil, existem cerca de 1.000 empresas do setor de refeições coletivas,


sendo 150 filiadas à ABERC (Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas).

Nos últimos anos, o setor de refeições coletivas no Brasil vem crescendo cerca de 20% ao
ano. Nem mesmo a aquisição contínua de novos conhecimentos sobre os processos patológicos, de
técnicas de higienização e de formas de conservação de alimentos, tem sido suficientes para deter o
crescimento da incidência das toxinfecções alimentares.

Levantamentos epidemiológicos incriminam os serviços comunitários de alimentação como


os responsáveis pela ocorrência de 50% dos surtos.

As bactérias são responsáveis por 70% dos surtos e por 95% dos casos de doenças
(BANWART, 1989), o que realça a grande importância do seu controle, sob o aspecto da saúde
pública.

Hoje, dispomos de um sistema informatizado para diagnóstico de toxinfecções de origem


bacteriana, denominado BAC-SIST, o qual trata-se de um programa composto de 3 módulos:

1) Avaliação Epidemiológica do Surto (AES): avalia os aspectos epidemiológicos, com base


em informações acerca da sintomatologia, período de incubação e alimentos envolvidos na doença.
A partir desses dados, o sistema define se o problema é uma intoxicação (emética, diarréica ou
botulínica) ou infecção (diarréia ou disentérica). Também fornece indícios sobre o provável ou
prováveis microrganismos envolvidos.

2) Avaliação Laboratorial dos Alimentos (ALA): solicita e avalia informações de análises


80

laboratoriais dos alimentos envolvidos no surto, com base no levantamento epidemiológico.

3) Análises Clínicas dos Pacientes (ACP): fundamenta-se em dados de exames laboratoriais


de fezes, vômitos e/ou sangue da população envolvida no surto.

Quando se tem informações apropriadas para os 3 módulos mencionados, pode-se emitir um


laudo final, confiável e completo.

OCORRÊNCIA DE SURTOS NO BRASIL

No Brasil, as informações sobre as ocorrências de surtos de doenças de origem bacteriana


por alimentos, são, na maioria das vezes, precárias, dispersas, pouco confiáveis e incompletas.

Os órgãos de saúde não implantaram, ainda, um sistema eficaz de vigilância epidemiológica


das doenças veiculadas por alimentos e porisso é difícil avaliar a magnitude do problema.

Microrganismos Envolvidos em Surtos de Doenças Transmitidas por Alimentos no Município de São


Paulo

Microrganismos %
Clostridios Sulfito Redutores 39,7
Staphylococcus aureus 38,1
Bacillus cereus 12,7
Escherichia coli 6,3
Salmonella spp 1,6
Clostridium botulinum 1,6
Dados da Central de Diagnósticos Laboratoriais (CDL-1990)

Causas:
- Conservação inadequada do produto elaborado (50,9%)
- Contaminação por manipuladores (22,6%)
- Matéria-prima contaminada (13,2%)
- Tratamento térmico insuficiente (13,3%)

Ainda constatou-se:
81

- Problemas na qualidade de água de abastecimento (5,6%)


- Preparação com muita antecedência antes de servir os alimentos (5,6%)
- Higienização deficiente dos equipamentos e utensílios (3,7%)
- Transporte incorreto (1,8%)

Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro:

Relato de 141 surtos diagnosticados no período de 1988 a 1992, envolvendo


aproximadamente 2.250 pessoas. Principais agentes etiológicos: S. aureus, C. perfringens,
coliformes fecais, bolores e leveduras. Maioria dos alimentos envolvidos: produtos de confeitaria e
aqueles à base de carnes.

Causas mais comuns observadas: contaminação por manipuladores, refrigeração


inadequada durante o armazenamento, temperatura de distribuição e má conservação dos
alimentos.

Ainda no Rio de Janeiro:

- 1990: um surto pela ingestão de leite em pó (importado) contaminado por E. coli e


outro pela ingestão de linguiça contaminada por E. coli e S. aureus.
- 1992: um surto causado pelo consumo do queijo contaminado por bolores e leveduras.
82

Surtos de Toxinfecções Alimentares Notificados à Secretaria de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro

ANO NÚMERO DE SURTOS NÚMERO DE CASOS


1988 36 193
1989 31 670
1990 22 110
1991 28 488
1992 24 187

Curitiba: Setor de Vigilância Epidemiológica do Paraná

Entre 1985 e 1988: S. aureus, C. perfringens, E. coli, B. cereus, Salmonella spp e Shigella
spp, foram responsáveis por, respectivamente, 25,6, 11,2, 8,1, 8,1, 3,7 e 0,6% do total de 159 surtos
estudados. Os demais 42,5% dos surtos não tiveram o agente identificado.

Os dados levantados em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, são indicativos da


importância das toxinfecções alimentares para a saúde pública, principalmente considerando-se a
estimativa de que apenas um pequeno % dos surtos são informados às entidades ligadas à saúde.

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A OCORRÊNCIA DE SURTOS

Há evidências de que os principais fatores que contribuem para os surtos de doenças


alimentares são:
- A temperatura inadequada de armazenagem
- Tempo e temperatura de cozimentos incorretos
- Matéria-Prima de qualidade insatisfatória
- Equipamentos e utensílios contaminados
- Más condições higiênicas dos manipuladores
Além disso, podem contribuir no aparecimento destes surtos:
- Preparo de alimentos com muita antecedência ao momento de servir
- Falta de condições adequadas de armazenagem
- Contaminação cruzada
- Adição de ingredientes contaminados à alimentos já cozidos sem reaquecimento
- Reaproveitamento de alimentos
83

No de No de Agentes
País Período surtos casos Etiológicos
média/ano média/ano

Arábia Saudita S. aureus (28,9%)


(Alkanahl & Gasim,1993) 1982-1986 18 306 Salmonella spp (7,8%)
Canadá Salmonella spp., S. aureus,
(Todd, 1992) 1975-1984 138 2.901 C. perfringens, B. cereus
Croácia Salmonella spp (45,4%),
(Razem & Katusin- 1986-1992 49 1.694 C.perfringens (14,4%),
Razem, 1994) S. aureus (6,3%)
Estados Unidos Salmonella spp., S. aureus,
(Bean & Griffin, 1990) 1973-1987 497 15.836 Shigella spp., C. perfringens
C. botulinum, B. cereus
França Salmonella spp.(32%),
(Veit, 1987) 1978-1982 69 2.663 S. aureus (22%), Clostridios
sulfito redutores (15%)
Holanda Salmonella spp. (27%),
(Notermans & Van de 1983-1990 165 1.264 B. cereus (19%),
Giessen, 1993) C. perfringens (13%),
S. aureus (10%),
Campylobacter spp (10%)
Paraná (Brasil) S. aureus (34%),
(MINISTÉRIO DA 1978-1993 46 1.690 C. perfringens (13,1%),
SAÚDE, 1995) Salmonella spp. (7,1%),
B. cereus (6,7%),
E. coli (5,4%)

Fatores que Contribuíram para Surtos de Doenças de Origem Alimentar - São Paulo - 1983 a 1990
(Fonte CDL,1990)
84

CAUSAS %
Temperatura de cocção inadequada 57,0
Armazenamento em refrigeração inadequada 19,0
Armazenamento em temperatura ambiente 28,5
Manipulação excessiva à temperatura ambiente 33,3
Manipulação contaminada 23,8
Utilização de sobras e/ou reaproveitamento 23,8
Técnica culinária inadequada 9,5
Contaminação cruzada 4,7
Matéria-prima ruim 4,7
OBS: % superior a 100% porque muitas causas se sobrepõem.

Análises Clínicas dos Pacientes (ACP):

Intoxicação Emética : Havendo suspeita, deve-se avaliar a presença da toxina nos vômitos e
fezes.
Botulismo: pesquisa-se a presença de toxina nas fezes e sangue.
Demais Toxinfecções: determina-se a presença dos microrganismos em vômitos, fezes e se
for o caso no sangue dos pacientes.

Análises Microbiológicas de Rotina:


- Contagem de aeróbios mesófilos
- Coliformes totais e fecais
- Bolores e leveduras

Demais análises são consideradas específicas e devem seguir as especificações


microbiológicas legais para cada produto (Salmonella, Clostridios sulfito redutores, S. aureus, B.
cereus, V. parahaemolyticus).
85

Reportagem: DOENÇAS POR TRÁS DA SUA COMIDA


Jornal da Tarde - 19/06/95

Alimentos contaminados provocaram pelo menos 2.100 surtos de doenças no Brasil em


1994, afetando cerca de 70.000 pessoas.

Carnes estiveram envolvidas em 26% dos casos e leite em 12%. Estes são dados de uma
projeção do consultor Natal Camargo, da OMS, com base em casos constatados no Paraná, o único
Estado Brasileiro que possui um Centro de Epidemiologia Alimentar.

Segundo o pesquisador, o número de surtos detectados representa apenas 2 ou 3% do total


de ocorrências, pois na maioria dos casos, as doenças transmitidas por alimentos não são
diagnosticadas como tal.

Segundo dados estimativos do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), 49% dos


alimentos que são colocados no carrinho do supermercado, apresentam problema de alterações ou
por microrganismos, pelas suas toxinas, por fragmentos de insetos, fraudes,etc...

O consumidor Brasileiro não está levando para casa apenas alimentos de qualidade inferior,
mas está comprando produtos que podem fazer mal a sua saúde.

Os riscos maiores decorrem da falta de fiscalização, que abre espaço para as fraudes, a
produção de alimentos fora das condições sanitárias adequadas e a proliferação de doenças.

Alimentos de origem animal e seus derivados tem sido os mais envolvidos nos surtos,
principalmente com contaminações por S. aureus (34%) e C. perfringens (30%).

Algumas denúncias são muito preocupantes, como a do pesquisador do Ital, Paulo Roberto
N. de Carvalho: "No Brasil, a alimentação animal é melhor produzida e fiscalizada pelas autoridades
sanitárias do que a alimentação destinada ao consumo humano".

Nos anos de 1996 e 1997, em São Paulo ocorreram surtos de Salmonelose decorrentes da
ingestão de ovo cru (Dilma Gelli do IAL), tendo sido recomendado à população que evitasse o
86

consumo de ovo cru, maionese caseira, gemada e massas que levassem ovo cru.
A seguir são citados alguns produtos e os principais organismos que tem estado implicado
como agentes de doenças alimentares nos mesmos:

Verduras: coliformes fecais e cisticercose.


Ovo: Salmonella.
Carne Bovina: Salmonella, Teníase, S. aureus e Clostridium.
Carne Suína: Clostridium e Teníase.
Leite e Queijos: S. aureus e coliformes fecais.
Pimenta do Reino: Salmonella

Até pouco tempo atrás, a Portaria SVS/MS 451, de 19 de setembro de 1997, publicada no
DOU de 2 de julho de 1998, era usada como legislação referente ao controle sanitário na área de
alimentos ( padrões microbiológicos).
Hoje, a Resolução RDC n. 12, de 2 de janeiro de 2001, revogou a Portaria 451 e está em
vigor para ser utilizada como referência de legislação para controle sanitário de alimentos,
estipulando os padrões microbiológicos para os alimentos.

COMPLEMENTO

Mesmo na Europa, onde a morbidade das doenças veiculadas por alimentos é


superada pelas doenças respiratórias, ocorrem 50.000 casos de gastroenterites agudas, por
87

milhão de habitantes por ano ( Notermans & Giessen, 1993).


Nos EUA, o cômputo total, é ainda mais elevado, estimando-se de 6,5 a 33 milhões
de casos de doenças de origem alimentar, com 200 a 500 mortes por ano ( Knabel, 1995;
Todd, 1989).
Na maioria dos casos, o quadro clínico dos surtos de doenças de origem alimentar,
consiste em náuseas, vômito e diarréia ( Notermans & Giessen, 1993). Entretanto, os casos
graves, que constituem 1 a 5% dos episódios de gastroenterite aguda, levam a sequelas
sérias e frequentemente crônicas ( Baird-Parker, 1994). Nessa categoria, incluem-se as
doenças reumáticas como espondilite anquilosante, síndrome de Reiter, que são sequelas
da infecção por Campylobacter spp, Salmonella spp e Yersinia enterocolitica; problemas
nutricionais, má absorção e colite hemorrágica, pela verotoxina de E. coli, sorotipo
O:157:H7; aterosclerose e síndrome de Guillain-Barré, após infecção por Campylobacter
spp ( Chung & Murdock, 1991; Smith et al., 1993; Untermann, 1994).
Segundo Todd (1989), o custo total dos surtos de doenças de origem alimentar nos
EUA, atinge 8,4 bilhões de dólares/ano e no Canadá 1,3 bilhões de dólares/ano.
Embora haja diferenças devido aos hábitos alimentares, a salmonelose ocupa quase
sempre lugar de destaque nas estatísticas realizadas em muitos países. Existem relatos de
outros agentes etiológicos predominando em alguns países, em determinados períodos,
como por exemplo na Província Leste da Arábia Saudita e na Espanha, onde S. aureus foi o
agente mais notificado. Tal situação, também ocorreu no Brasil (Ministério da saúde, 1995).
Em contrapartida, no Japão e na China, a toxinfecção causada por Vibrio
parahaemolyticusse sobressai, devido ao consumo frequente de peixe cru.
As investigações clínicas, epidemiológicas e laboratoriais, vem incriminando novos
agentes patogênicos. Sem dúvida, uma das estratégias mais eficazes e práticas, no controle
de riscos e na garantia da qualidade higênico-sanitária ao longo do sistema alimentar,
consiste em adotar a Análise de Riscos e Pontos Críticos de Controle (ARPCC/HACCP).

Staphylococcus aureus

A intoxicação estafilocócica é uma das principais doenças veiculadas por alimentos


nos EUA. No entanto, se desconhece a verdadeira incidência das intoxicações
88

estafilocócicas em muitos países. A maioria dos casos passa despercebida, devido a sua
curta duração, sendo notificados às autoridades públicas, somente os surtos com
envolvimento de um grande número de pessoas.
As falhas na manipulação dos alimentos constituem a principal causa das
toxinfecções por S. aureus, já que 20-50% dos indivíduos normais apresentam a bactéria
no nariz, garganta, cabelo e pele. Os estafilococos também estão presentes na pele e couro
dos animais, contaminando equipamentos da planta de processamento.
Embora a acidez da maionese iniba os estafilococos, ingredientes complementares
como ovos e frango tamponam o pH, permitindo o crescimento. Sistemas alimentares que
contém elevada concentração de sal ou açúcar, também favorecem o crescimento de S.
aureus, em vista da inibição de microrganismos mais sensíveis. S. aureus tolera até 10-20%
de sal e 50-60% de sacarose, sendo igualmente tolerante ao nitrito, e se multiplica em
soluções de cura ou carnes curadas.
De acordo com os dados do Centro de Saneamento e Vigilância Sanitária do Paraná,
S. aureus, tem sido isolado em 34% das toxinfecções alimentares notificadas; C. perfringens
em 13%; Salmonella spp em 7%; B. cereus em 6,7% e E. coli em 5,4%. Cerca de 47% dos
surtos notificados no Estado tem ocorrido nos domicílios, 16% em estabelecimentos
comerciais, 15% em refeitórios industriais e 7% em escolas.

Coliformes/ Escherichia coli

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% das doenças que ocorrem
nos países em desenvolvimento são ocasionadas pela contaminação da água. Sabe-se também
que a cada ano, 15 milhões de crianças até 5 anos morrem direta ou indiretamente pela falta ou
deficiência dos sistemas de abastecimento de águas e esgotos (Batista, 1996).
Sob o aspecto de saúde pública, a água potável deve estar isenta de contaminação por
microrganismos do grupo coliforme, portanto, é aconselhável a determinação periódica do índice
colimétrico e contagem total em placas, já que o aumento repentino do número de microrganismos
pode indicar contaminação, funcionamento deficiente da estação de tratamento de água ou mesmo
informar sobre a possível qualidade da água de um novo manancial de abastecimento.
A E. coli, é um indicador clássico da possível presença de patógenos entéricos na água e
nos alimentos, e números elevados desta bactéria, sugerem uma falta geral de limpeza,
manipulação e armazenamento inadequados.
89

A monitoração das condições sanitárias de águas para consumo é realizada através de


análises das bactérias do grupo coliforme, que atuam principalmente como indicadores de poluição
fecal, devido a sua frequência na flora intestinal do homem e de animais de sangue quente.
Dentre as bactérias dos gêneros Escherichia, Klebsiella, Enterobacter e Citrobacter, que
compõem o grupo coliforme, muitas podem ser encontradas em outros locais, além do trato
gastrintestinal humano ou de outros animais.
A E. coli é considerada como sendo de origem unicamente fecal. Existem várias críticas e
algumas desvantagens apontadas sobre o uso de coliformes como indicadores de poluição fecal,
particularmente o fato de sua pouca tolerância à toxicidade da água do mar e ao procedimento de
cloração, quando comparada com alguns patógenos mais resistentes. Vários outros indicadores
foram sugeridos, mas nenhum apresentou vantagens superiores capazes de suplantar a tradição do
emprego de coliformes, como método de escolha para a análise microbiológica da água.
A temperatura elevada (44,50C) utilizada na prova para coliformes fecais, torna-se mais
seletiva para E. coli, uma vez que evita o crescimento de bactérias não fecais mais adaptadas às
temperaturas mais baixas do meio ambiente. Por exemplo, em águas superficiais o teste de
coliformes totais inclui uma população de E. coli de aproximadamente 20%, enquanto que no teste
de coliformes fecais esta população atinge 70% ou mais de E. coli. É provável que os restantes
coliformes termotolerantes sejam espécies de origem fecal, como K. pneumoniae.
Cerca de 95-99% das bactérias coliformes isoladas de fezes, crescem no teste a 44,5 0C. Por
esta razão, o teste de coliformes fecais é mais específico para a determinação da contaminação de
origem fecal.
Ainda, cerca de 95% dos coliformes presentes nas fezes humanas e de outros animais, é de
E. coli. De acordo com estudos realizados, foi estabelecido que as fezes do homem e de animais de
sangue quente são riquíssimas em coliformes e que estas bactérias usualmente não ocorrem em
águas não poluídas. Alguns membros do grupo coliforme podem ocorrer, às vêzes com relativa
abundância, no solo e mesmo em plantas, mas, ainda assim, as águas não poluídas praticamente
não apresentam estas bactérias.
Uma grande vantagem dos coliformes como índice de contaminação, é o fato do seu número
numa água, apresentar com o tempo, decréscimo praticamente igual ao das bactérias patogênicas
intestinais.
O interesse em coliformes fecais (CF) e estreptococos fecais (EF), como os mais confiáveis
indicadores de contaminação de águas vem aumentando. Estes dois grupos de indicadores são de
interesse quando aplicados juntos, onde a proporção entre as densidades dessas bactérias na
amostra, informa quanto a origem da poluição fecal.
90

Salmonella

As pessoas podem expor-se à Salmonella de várias maneiras, porém a mais comumente


documentada é através da ingestão de alimentos de origem animal (carnes, leite, ovos)
contaminados com esta bactéria e ingeridos crus ou insuficientemente cozidos. Eventualmente,
outros alimentos que estiverem em contato com a água contaminada, tais como moluscos bivalvos e
verduras, também podem ser contaminados. Assim, a salmonelose está classificada como uma
enfermidade transmitida por alimentos (ETA).
Tem sido verificado um grande aumento de casos de salmonelose provocados pela espécie
S. enteritidis. Esta espécie, pode viver no trato intestinal de diversos animais. No caso das aves
também pode infectar os ovários e ovidutos. O ovo com a casca rachada apresenta maior
possibilidade de contaminação (das fezes da ave para o interior do ovo). No entanto, os ovos com
as cascas intactas e com aparência e cheiro normais, também podem estar contaminados ( do
ovário da ave para o interior do ovo).
No Brasil, existem iniciativas no sentido da elaboração de um sistema de informação sobre
salmonelose. No Estado de São Paulo, o sistema de vigilância de enfermidades transmitidas por
alimentos (VETA) dispõe, a partir de 1994, de dados de enfermidades transmitidas por alimentos, os
quais reforçam a hipótese de salmonelose estar constituindo-se em um problema de saúde pública
no Estado de São Paulo. Na quase totalidade destes surtos o alimento associado, quando
identificado, continha ovos em sua composição.
Segundo a relação parcial de surtos de salmonelose ocorridos no Estado de São Paulo,
entre 1994-1995, registraram-se 27 surtos, envolvendo 2.364 pessoas e 2 óbitos. No Rio Grande do
Sul, entre 1980 e 1994, notificaram-se 776 surtos, que envolveram 46.819 pessoas.
O gênero Salmonella, contém uma ampla variedade de espécies patogênicas ao homem
e/ou animais. As salmonelas não fermentam lactose e nem sacarose, sendo praticamente todas
com motilidade. Para facilitar o isolamento a partir de fezes, são utilizados meios seletivos contendo
inibidores como verde-brilhante, desoxicolato, selenito, tetrationato e citrato, que suprimem o
crescimento de bastonetes do grupo dos coliformes.
Nos Estados Unidos, são relatados anualmente entre 40.000 a 70.000 casos de
gastroenterite por Salmonella, porém, o número deve ser maior devido ao grande número de casos
não relatados. Chalker & Blaser (1988), citados por Felipe et al. (1995), fazendo um estudo do
número de infecções por Salmonella através de 3 métodos diferentes, estimaram que, somente nos
Estados Unidos, devem ocorrer a cada ano, entre 800.000 a 3.700.000 casos humanos. No Brasil,
os registros não permitem uma avaliação global do problema.
91

De uma maneira geral, a incidência real de salmonelose nas toxinfecções alimentares, é


ainda desconhecida, uma vez que pequenos surtos frequentemente não são relatados às
autoridades de saúde pública. Sabe-se, no entanto, pelos relatos estatísticos que o número de
casos de salmonelose tem aumentado anualmente nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e País
de Gales (Felipe et al., 1995).
O gênero Salmonella recebeu esta denominação devido ao bacteriologista americano Daniel
E. Salmon, em 1900, não tendo relação com salmão como algumas pessoas imaginam.
Para que ocorra gastroenterite é necessário que um grande número de células da bactéria
(normalmente acima de 10 4 UFC) seja ingerido, uma vez que muitas delas são rapidamente
eliminadas no trato gastrintestinal. Se as células sobreviventes se multiplicarem e atingirem número
suficiente, os sintomas irão aparecer: súbita dor abdominal acompanhada por diarréia aquosa (as
fezes podem conter muco e sangue), náuseas, vômito e febre de 38-400C.
As salmonelas são bactérias em forma de bastonetes, Gram negativas, anaeróbias
facultativas, onde mais de 2000 sorotipos diferentes são conhecidos e com potencial patogênico
para o homem e para muitos animais. Cada sorotipo é caracterizado por uma combinação particular
de antígenos O (polissacarídeo da PC) e H (proteínas flagelares). Para crescimento, a atividade de
água limitante está na faixa de 0,20 a 0,90, com a razão de destruição das células aumentando à
medida em que há aumento da atividade de água; esta constatação evidencia que, em alimentos
desidratados, é grande a capacidade e o período de sobrevivência das salmonelas, e em valores de
Aa abaixo de 0,20 elas permanecem viáveis durante longos períodos de tempo, mesmo sob
condições adversas de acidez e temperatura; o pH situa-se na faixa de 4,5 a 9,0 (ótimo de 6,5-7,5);
os limites de temperatura entre 10 e 450C (ótimo de 35-370C); sensibilidade relativa ao NaCl, com
crescimento inibido em concentrações salinas de 8%; por não serem esporuladas são facilmente
destruídas pelo calor (600C/1-5 minutos).
Em alimentos congelados, pode haver uma redução de 10 a 100 vezes na população inicial,
embora muitas células sobrevivam ao armazenamento prolongado sob congelamento; de modo
geral, a sobrevivência é maior em baixas temperaturas de congelamento do que naquelas mais
elevadas e próximas ao ponto de congelamento do produto.
O ser humano é infectado quase que exclusivamente devido ao consumo de água e
alimentos contaminados, sendo os alimentos mais comumente envolvidos: ovos, cremes doces
utilizados em tortas, carne moída, linguiças e carnes de aves.
Seres hmanos podem disseminar Salmonella para outros seres humanos, já que, portadores
assintomáticos e pessoas doentes, que excretam a bactéria nas fezes, podem contaminar suas
mãos e daí os alimentos que contaminarão as pessoas que deles se alimentarem.
São descritas 3 formas clinicamente distintas de salmoneloses que podem ocorrer no
92

homem:
1. Febres Entéricas: tratam-se de infecções sistêmicas, geralmente causadas por S. typhi e
S. paratyphi, que começam de maneira insidiosa, depois de um período de incubação de
7-14 dias, com mal estar, anorexia e cefaléia, seguidos de febre que aumenta
gradativamente e é acompanhada de bradicardia, tosse e sinais de bronquite. Ocorre
apenas em humanos e é transmitida somente por alimento ou água contaminados por
fezes humanas infectadas. Após a ingestão, os bacilos alcançam o intestino, aderem e
penetram na parede intestinal, multiplicam-se e podem invadir a circulação sanguínea.
Atualmente, cerca de 400 a 600 casos de febre tifóide ocorrem anualmente nos Estados
Unidos, porém grandes surtos epidêmicos ocorreram no passado, antes da
pasteurização do leite, do tratamento da água de abastecimento e do tratamento de
esgotos.
2. Septicemias: comumente causadas por S. cholerae e se caracterizam por febre alta e
renitente, bacteremia, sem envolvimento do trato gastrintestinal. Podem se desenvolver
lesões supurativas em qualquer local do corpo, incluindo trato biliar, rins, coração,
meninges, articulações e pulmões.
3. Gastroenterites: tem como agentes causais as espécies S. typhimurium, S. enteritidis, S.
newport, que quando ingeridas em grande número (acima de 10 4 UFC) levam ao
aparecimento de sintomas como: cefaléia, calafrios, dores abdominais, náuseas, vômitos,
diarréias e febre. O período de incubação é geralmente de 8 a 48 horas e a duração da
doença de 1 a 4 dias. Nos Estados Unidos, são relatados anualmente entre 40.000 a
70.000 casos de gastroenterite por Salmonella, porém o número real deve ser maior
devido ao grande número de casos não relatados. A incidência da doença varia com as
estações do ano, sendo muito maior no verão.

Prevenção:
As seguintes recomendações são indicadas:
Cozimento adequado de alimentos de origem animal, com a finalidade de destruir as salmonelas;
Conservação dos alimentos à temperaturas adequadas de refrigeração, evitando a sua
multiplicação;
Proteção dos alimentos do contato com roedores, moscas, aves, que podem veicular a bactéria;
Análise periódica de amostras de fezes de manipuladores de alimentos para detecção de
portadores;
93

Inspeção periódica de locais de processamento de alimentos;


Boas práticas pessoais sanitárias e higiênicas.

Alimentos crus de origem animal são as maiores fontes de Salmonella e o risco de se


contrair uma salmonelose tem início quando esses alimentos já contaminados, entram em contato
direto com o manipulador que poderá servir como agente disseminador da bactéria aos
equipamentos, utensílios e alimentos já preparados.
A incidência real de Salmonella nas toxinfecções alimentares, é ainda desconhecida, uma
vez que pequenos surtos frequentemente não são relatados para as autoridades de saúde pública.
Sabe-se, no entanto, que o número de casos vem aumentando de uma maneira generalizada,
inclusive no Brasil, tendo como principal alimento-fonte o ovo cru. O principal reservatório natural das
salmonelas é o trato intestinal do homem e animais, sendo a ocorrência mais frequente em aves,
particularmente perus e galinhas.
Embora como já citado anteriormente, a dose infectante é alta (>104 UFC) para pessoas
saudáveis, porém para idosos, crianças, gestantes e imunodeprimidos, esta pode ser bem menor.
Nestes grupos mais susceptíveis às enfermidades transmitidas por alimentos, as manifestações
clínicas e a evolução da salmonelose também podem ser mais graves, caso não haja tratamento
precose e adequado. Assim, hospitais, asilos, berçários, creches e outras instituições que agrupem
estes susceptíveis sob maior risco de adoecer gravemente, devem Ter particular cuidado no preparo
dos alimentos servidos, buscando reduzir o risco de enfermidades transmitidas por alimentos.
Muitos autores citam a manipulação inadequada de alimentos como a responsável pela
maioria dos casos de doenças de origem microbiana transmitidas por alimentos. Estes
procedimentos inadequados seriam através da má utilização da temperatura no preparo e na
conservação dos alimentos; contaminação cruzada; higiêne pessoal insatisfatória; higienização e
sanitização deficientes dos equipamentos e utensílios; manipuladores contaminados (doentes ou
portadores assintomáticos).

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