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LITERACIA PARA OS MEDIA: A CONSCIÊNCIALIZAÇÃO EM CURSO

1 – INTRODUÇÃO
“Comunicar é escolher”
José Rebelo, O discurso do Jornal

A televisão, o cinema, os jornais, a rádio ou os chamados novos media (sítios Web, blogs,
redes sociais) chegam a um número crescente de utilizadores. A comunicação transforma-se,
acrescenta-se, conduzindo a novos problemas e, consequentemente, a diferente exigências. Os
outrora meros receptores são, agora, comunicadores activos, jornalistas em potência. Uma
concorrência desenfreada entre meios privados e públicos gera uma panóplia de conteúdos
nem sempre distintos ou abarcando realidades diversas - e, não raro, esquecendo o papel dos
media enquanto educadores e vigilantes da esfera pública.
Neste contexto, tem sido desenvolvida a premência da chamada literacia para os media. Já
alvo de variados estudos e medidas nacionais, europeias e supra-nacionais, a literacia
mediática surge-nos como “a capacidade de aceder aos media, de compreender e avaliar de
modo crítico os diferentes aspectos dos media e dos seus conteúdos e de criar comunicações
em diversos contextos, tendo em conta todos os meios de comunicação social”1. Para além da
urgência que já lhe era inerente, latus sensus, a literacia vê-se agora perante as acuidades dos
novos media. Com a possibilidade de recepção, mas, acima de tudo, de colocação de
mensagens on-line, a interactividade em relação aos meios é uma realidade.
Na verdade, as problemáticas levantadas são inúmeras e os agentes envolvidos, ainda que
correlacionados, colocam problemas próprios. Consciente do enorme espectro das questões,
directa ou indirectamente, relacionadas com a literacia para os media, o presente trabalho
cingir-se-á apenas à análise de algumas delas, não se almejando, claro está, um debate
exaustivo sobre o tema. Em especial, atender-se-á aos media enquanto um todo, deixando de
parte as especificidades muito próprias dos novos meios de comunicação – que, obviamente,
exigiriam um trabalho, por si só. Também não se ambiciona o explorar de todas as medidas
comunitárias até hoje lançadas para incentivar a literacia mediática. Será, isso sim, dada maior
ênfase às políticas orientadoras que servem de substrato àquelas mesmas medidas, assim
como aos campos e agentes que têm merecido atenção da sua parte.

2 – O INTERESSE DA LITERACIA E A RESPONSABILIDADE DOS MEDIA

2.1. A importância da literacia na criação de uma memória informada


“As opiniões baseadas na informação e no conhecimento estão, geralmente, mais próximas
da verdade”
Harold Lasswell (1948)

Durante muito tempo, acessíveis a poucos, os meios de comunicação pareciam apenas exigir
uma literacia básica, de forma que o receptor conseguisse interpretar, de forma simplista, a
linguagem utilizada pelo meio. Actualmente, a concorrência, o sensacionalismo e as novas
tecnologias impõem mais e diferentes competências, problema este agudizado quando
pensamos na desmemorização latente no discurso mediático, geradora de uma informação
débil e pouco contextualizada. Ante tal realidade, o cidadão necessita de ferramentas para
compreender, filtrar e relacionar as mensagens recebidas até porque, ao acumular mensagens
falaciosas, todas as demais serão segundo elas analisadas.
Poderá afirmar-se que a memória constitui uma das ferramentas mais úteis (e, por vezes,
viciosas) que cada enunciador/receptor pode deter (Foucault, 2002). Em cada discurso
1
Recomendação da Comissão, de 20.8.2009, parágrafos 11 e 13.
proferido, o enunciador não descreve apenas a realidade uma vez que a sua memória, plena de
informação (ou desinformação), o influencia, o mesmo acontecendo com qualquer cidadão
receptor ou com qualquer jornalista: o gatekeeper determinará a escolha de factos que farão a
notícia mediante as construções sociais que lhe são caras, mesmo que de forma inconsciente.
E o jornalista jamais será rigoroso se não souber escolher de modo informado, tirando partido
das novas TICs mas apelando sempre ao juízo crítico e à hierarquização de fontes fidedignas2.
A ideia de partilha de construções e vivências enquanto substrato comunicativo não é
propriedade de Foucault. Já Bourdieu acredita existir “uma interiorização da exterioridade e
uma exteriorização da interioridade”: as condições sociais objectivas de existência são
interiorizadas pelos indivíduos na forma de habitus (Bourdieu, P. in Baraquin, N., Laffite, J.,
2000). Com o conceito de habitus, conclui que a opinião de cada um depende do seu capital
cultural (Rebelo, J., 2002, págs. 17/18). Também Habermas considerou a importância desta
herança cultural, a que chamou Lebenswelt ou “vivências do mundo”: segundo este autor, o
enunciador faz sempre reflectir sobre o seu discurso as vivências que detenha, a elas
adicionando os interesses políticos e económicos que possua (Rebelo, 2002: 17/18). Sob a
forma de memória, habitus ou vivências do mundo, todos confluem numa premissa: o
conhecimento e experiências diárias auxiliam a nossa interpretação de toda a informação. Se a
literacia mediática não pretende substituir vivências ou conhecimentos paralelos, apresenta-se
com uma ferramenta mais para auxiliar na árdua tarefa de comunicar na actualidade.

2.2 - A literacia enquanto veículo de uma cidadania e democracia plenas

"A literacia mediática é fundamental para uma cidadania plena e activa”


Comissária Viviane Reding, responsável pela Sociedade da Informação e Media

O desenvolvimento de uma cidadania activa, quer nacional, quer europeia3, apresenta-se como
um dos valores subjacentes a todo o funcionamento da UE. Ora, uma participação em
potência apenas poderá ser consequente se o/a cidadão/cidadã se encontrar plenamente
informado relativamente aos seus direitos e deveres, assim como aos assuntos políticos em
debate. Neste campo, o papel dos mass media torna-se fundamental: apresentando-se como a
principal fonte de informação dos cidadãos, devem fornecer-lhes aquilo de que necessitam
para a sua participação activa na vida social e política, constituindo-se como fundamentais
para os processos de deliberação, educação e integração social (Croteau, 2001: 29). Imbuída
deste mesmo espírito, a Comissão Europeia entende que “a literacia mediática é uma questão
de inclusão e de cidadania na sociedade da informação de hoje. É uma competência
fundamental, não só para os jovens, mas também para os adultos e as pessoas de idade, pais,
professores e profissionais dos meios de comunicação social. (…) A literacia mediática é
hoje considerada uma das condições essenciais para o exercício de uma cidadania activa e
plena, evitando ou diminuindo os riscos de exclusão da vida comunitária”4.
Também o Parlamento Europeu apresenta tal entendimento relativamente à importância da
literacia mediática no desenvolvimento de uma cidadania absoluta: “(…) a educação para os
meios de comunicação desempenha um papel determinante na obtenção de um elevado nível
de literacia mediática na União Europeia e constitui uma parte importante da educação
política ajudando as pessoas a fortalecer a sua conduta, enquanto cidadãos activos, assim
como a sua consciência de direitos e deveres (…)”5. Note-se ainda o papel essencial dos
2
Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, JO L 332 de18 de
Dezembro de 2007, pág. 31.
3
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, versão consolidada, art.º 10º.
4
Recomendação da Comissão sobre literacia mediática no ambiente digital para uma indústria audiovisual e de
conteúdos mais competitiva e uma sociedade do conhecimento inclusiva, de 20.8.2009, parágrafo 15.
5
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Consideração I.
media enquanto promotores da integração social, da igualdade entre homens e mulheres e do
combate a todas as formas de discriminação e exclusão, incluindo o racismo e a xenofobia6.
No que respeita ao pluralismo, não existem dúvidas da sua interdependência face à literacia:
“uma sociedade com um bom nível de literacia nas questões dos media será simultaneamente
um estímulo e uma pré-condição para o pluralismo e a independência dos meios de
comunicação social”7. De facto, apenas aqueles dotados dos conhecimentos e competências
necessárias para compreender a informação conseguirão exigir dos media o cumprimento da
representação plural de opiniões, assim como esta incitará a uma maior literacia mediática.
Uma vez que abordamos esta questão, é impossível deixar de fazer uma breve consideração
relativamente à concentração dos mass media. Dominados por interesses políticos e
económicos próprios, a concentração da propriedade em grandes grupos tem vindo a impedir
que o pluralismo de ideias se imponha (Correia, 2006). A este propósito, o Parlamento tem
insistido no desenvolvimento da literacia enquanto garante do pluralismo nos media: “(…)
uma forte concentração dos meios de comunicação social pode pôr em risco o seu pluralismo
e (…) a literacia mediática constitui, por conseguinte, um elemento importante da cultura
política e da participação activa dos cidadãos da União”8.
Na tripla função dos mass media, Harold Lasswell defendia que aqueles deveriam actuar
enquanto vigilantes do meio, procurando conhecer e alertar a sociedade em relação a todo o
tipo de perigos e iminências de relevância pública (Lasswell, 1948). Ora, realizando esse
mesmo papel, os media devem fornecer ao cidadão os meios essenciais para a compreensão
dos princípios basilares do funcionamento democrático do seu Estado e da União9, zelando,
deste modo, pela participação plena e informada.
Neste campo, saliente-se a importância das novas tecnologias e o seu papel no processamento
de informação ao nível da participação democrática. Como afirma a Comissão Europeia: “a
Democracia depende da participação activa dos cidadãos na vida da sua comunidade e a
literacia muni-los-á das competências para dar sentido ao fluxo diário de informações”10.
Enquanto criadores de oportunidades para a comunicação global e abertura ao mundo,
enquanto pilares essenciais das sociedades democráticas que veiculam simultaneamente saber
e informação, os novos meios de comunicação digitais proporcionam um aumento da
participação dos cidadãos nos processos políticos11.
Posto isto, eis que surge a questão: se estamos conscientes das suas virtudes, será esta
abrangente e exigente função dos mass media cumprida com a necessária transparência?
Tendo em conta a realidade portuguesa, Fernando Correia diz-nos que não: segundo o autor, a
Democracia encontra-se depauperada, muito em virtude da ausência de debate plural. O
consenso pré-determinado sobre os grandes temas da actualidade nacional e internacional,
expresso na maioria dos editoriais, e o silenciamento de vozes discordantes são exemplo
disso, ferindo o disposto na Constituição da República Portuguesa12 (Correia, 2006: 113).
Mas a responsabilidade não advém unicamente dos proprietários e profissionais dos media.
Como afirma Traquina, “(…) os próprios cidadãos precisam de se envolver nos assuntos
6
Decisão n.º 1718/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Novembro de 2006, que institui um
programa de apoio ao sector audiovisual europeu (MEDIA 2007), Consideração 1.
7
Recomendação da Comissão sobre literacia mediática no ambiente digital para uma indústria audiovisual e de
conteúdos mais competitiva e uma sociedade do conhecimento inclusiva, de 20.8.2009, parágrafo 16.
8
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Consideração A.
9
Tratado da União Europeia, versão consolidada, arts.º 2º e 10º.
10
Recomendação da Comissão sobre literacia mediática no ambiente digital para uma indústria audiovisual e de
conteúdos mais competitiva e uma sociedade do conhecimento inclusiva, de 20.8.2009, parágrafo 17.
11
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Consideração M.
12
Artigo 37.º (Liberdade de expressão e informação)
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem
ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem
impedimentos nem discriminações.
cívicos, e não se esconderem por detrás de uma crítica generalizada que é muitas vezes uma
máscara para esconder a sua incompetência” (2002). Assim, os cidadãos necessitam, cada
vez mais, de deter as competências essenciais para descodificar as mensagens pré-orientadas,
assim como para exigir mais daqueles que as remetem, assumindo um papel activo e
responsável na sociedade. De outro modo, “remeter-se-ão ao lugar de excluídos sociais, o
que, naturalmente, não coincide com os objectivos basilares da União Europeia”13.

3 – AS ORIENTAÇÃOES EUROPEIAS PARA A LITERCIA MEDIÁTICA E OS


SEUS AGENTES ALVO

“A literacia mediática deve ser abordada de diferentes modos a diferentes níveis”


Comissão Europeia, 200914

Dados os inúmeros envolvidos na implementação de uma literacia mediática na Europa, irei


proceder ao seu agrupamento, ainda que consciente de que muitos deles, com todas as suas
peculiaridades, não serão devidamente abordados, o mesmo se aplicando às medidas infra-
mencionadas, meros exemplos entre tantas outras implementadas. Vejamo-los, então:

a) A União Europeia
Concomitantemente à pressão efectuada sobre o Estados-Membros, na procura de
implementação de práticas reais em relação à literacia mediática, a UE tem vindo a realizar
Estudos, Programas e outras vias que procurem a sensibilização sobre a temática. Refira-se
que desde Novembro de 2000 a Comissão já organizou três workshops sobre literacia
mediática, e concedeu cerca de 3 milhões de euros a 30 projectos, através dos programas e-
learning15. Entre outras variadas iniciativas, salientamos:
• Em 2004, teve início o programa “Safer Internet Plus” (2004-2008)16, actualmente
sucedido pelo “Safer Internet Programme 2009-2013”17. Com ele pretende-se alertar a
sociedade para os perigos dos novos media, em especial no tocante às crianças;
• A criação, em 2006, de um grupo de peritos em literacia mediática, com o objectivo de
analisar e definir objectivos e tendências para a literacia mediática18;
• No mesmo ano, a realização de uma consulta pública, cujo Relatório se encontra
disponível on-line19;
• Em Maio de 2006 foi encomendado um estudo sobre as tendências e abordagens
actuais da literacia mediática na Europa20;
• No ano seguinte, surge o Programa MEDIA 200721. Na senda de outros programas
idênticos (Media, Media II, Media Formação, Media Plus e, actualmente sob fase de
proposta, Media Mundus), pretende-se o fomento das iniciativas de educação para os
media, em particular o cinema22;

13
Artº3º nº3 do Tratado da União Europeia, versão consolidada.
14
Recomendação da Comissão sobre literacia mediática no ambiente digital para uma indústria audiovisual e de
conteúdos mais competitiva e uma sociedade do conhecimento inclusiva, de 20.8.2009, parágrafo 18.
15
Vide: http://ec.europa.eu/avpolicy/media_literacy/act_prog/index_en.htm
16
Comunicação da Comissão ao parlamento Europeu e ao Comité das Regiões, de 20.12.2007, pág. 4.
17
Decisão nº 1351/2008/EC do Parlamento e do Conselho.
18
Comunicação da Comissão ao parlamento Europeu e ao Comité das Regiões, de 20.12.2007, pág. 4.
19
“Report on the results on the public consultation on Media Literacy”, disponível em
http://ec.europa.eu/avpolicy/media_literacy/docs/report_on_ml_2007.pdf
20
Vide: http://ec.europa.eu/avpolicy/media_literacy/index_en.htm
21
Decisão n.º 1718/2006/CE, de 15 de Novembro de 2006.
22
Vide: http://ec.europa.eu/information_society/media/index_en.htm
• Em 2007, durante a Presidência Alemã, a União apresentou um Seminário intitulado
“Maior confiança nos conteúdos”, a necessidade de reforçar a cooperação
internacional na matéria;
• A actualização da Directiva “Televisão sem fronteiras”, em 1997 e 2007, ajustando o
diploma comunitário às premências da actualidade comunicacional23.

Como tem sido demonstrado no presente texto, a matéria da literacia para os media tem sido
amplamente abordada pela União. Assistimos ao envolvimento de todos os órgãos
comunitários, a variadíssimas recomendações, directivas, comunicações, decisões, programas
e estudos, regulamentando e incitando a investigação ou exigindo a pró-actividade dos
Estados na área em apreço. Se parecem óbvias as lacunas ainda existentes, não o serão menos
as limitações da UE. De facto, a educação para os media implica o cruzamento de inúmeras
matérias, muitas delas apenas permitindo uma intervenção mínima dos órgãos comunitários:
ao nível da Educação, a União apenas pode “desenvolver acções destinadas a apoiar,
coordenar ou completar a acção dos Estados”, uma vez que não possui competência
exclusiva ou mesmo partilhada; não obstante, a exigência de um elevado nível de educação
deverá ser algo necessariamente presente aquando da definição e execução de qualquer
política europeia24.

b) O Estado
A intervenção do Estado e dos seus órgãos dotados de poder legislativo, executivo e
jurisdicional, é indispensável para a criação, instauração e garantia de cumprimento de
regras, nunca esquecendo o poder das entidades fiscalizadoras pelo respeito dos pilares nos
quais assentam essas regras.
No âmbito da Comunicação Social, realça-se a importância da ERC – Entidade Reguladora da
Comunicação, concebida para a promoção do pluralismo, protegendo os públicos mais
sensíveis, assim como os consumidores, assegurando a exigência e o rigor jornalísticos e
zelando pelo direito à informação e pela liberdade de imprensa, entre outros25.
Poderíamos arguir que, ante a existência de uma entidade reguladora e um desanimador status
quo no meio, o cumprimento do papel educativo dos media poderia começar numa iniciativa
legislativa mais exigente, a par do reforço das atribuições daquela mesma entidade. Não
obstante, as orientações europeias (e, actualmente, também as nacionais26) apontam o caminho
exactamente oposto: o da regulação partilhada. Teremos, assim, a figura da auto-regulação,
enquanto “iniciativa voluntária que oferece aos operadores económicos, aos parceiros
sociais, às organizações não governamentais e às associações a possibilidade de adoptarem
orientações comuns entre si e para si”27. Já a co-regulação implicará “uma relação jurídica
entre a auto-regulação e o legislador nacional”28.
De qualquer forma, o poder estatal não deverá ser abolido: no caso da auto-regulação,
funcionando como complemento dos mecanismos legislativos, judiciais e/ou administrativos
existentes; no que toca à co-regulação, assegurando sempre a possibilidade de intervenção
estatal caso os objectivos em causa não sejam atingidos. Claro que o cumprimento dos
mesmos parece afiançado se se conseguir a concordância de todos os agentes envolvidos –
23
Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997; Directiva 2007/65/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007.
24
V.g. artº 6º, alínea e), e artº 9º, ambos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, versão
consolidada.
25
Lei 53/2005, de 8 de Novembro, Estatutos da ERC, artº 7º e 8º.
26
Lei 53/2005, de 8 de Novembro, Estatutos da ERC, artº 9º.
27
Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, JO L 332 de18 de
Dezembro de 2007, pág. 31.
28
Idem.
nomeadamente através da criação de códigos de conduta. De facto, e segundo a União, a
experiência tem demonstrado que as medidas destinadas a atingir objectivos de interesse
público no sector da Comunicação Social são mais eficazes quando tomadas com o apoio dos
próprios fornecedores de serviços29. Desta forma, mais dificilmente qualquer Estado-Membro
cairá na tentação de, ao regular a actividade mediática, cair no atentado à liberdade de
expressão e de informação, direitos assegurados ao nível de toda a comunidade europeia30.
Não obstante, no que toca à regulação e à responsabilidade dos media, acredito haver que
alertar para a sua constante fuga aos deveres de quarto poder, pelo que não há que temer uma
regulação exigente que fuja, tanto quanto possível, a conceitos indeterminados. Como afirma
Traquina, “(…) os media noticiosos, tanto os proprietários como os seus profissionais, não
devem continuar a enterrar a cabeça na areia, a gritar “olha o lobo”, em resposta a toda e
qualquer crítica, não devem continuar a ignorar as suas profundas responsabilidades
sociais, enquanto participantes activos na construção da realidade” (Traquina, 2002: 118).
Nunca deveremos esquecer que a mesma liberdade de imprensa, sempre arguida aquando de
uma crítica ou maior exigência legal, é legitimada pelo mandato democrático, que lhes exige
as correspondentes responsabilidades ao nível do interesse público (Grevisse, 2002).

c) Entidades privadas proprietárias dos mass media e jornalistas


Antes de mais, há que sublinhar a dupla identidade da indústria dos mass media. Por um lado,
dependentes da publicidade, vêem os cidadãos como mera audiência e, movidas pelo lucro
num mercado que se quer competitivo, olham mais ao “interesse do público” que ao
“interesse público”, como modo de atrair mais investimentos publicitários. O que não
coincide necessariamente (Croteau, 2001: 33). Por outro lado, os media asseguram
importantes pilares da democracia, pluralismo e cidadania, e isto não pode ser descurado
aquando do tratamento regulamentar do sector (Croteau, 2001: 27). Como já afirmaram o
Parlamento e o Conselho: “os serviços de comunicação social audiovisual são,
simultaneamente, serviços culturais e serviços económicos. A importância crescente de que
se revestem para as sociedades, a democracia — garantindo designadamente a liberdade de
informação, a diversidade de opiniões e o pluralismo dos meios de comunicação social, a
educação e a cultura - justifica a aplicação de regras específicas a esses serviços”31. Razões
pelas quais existe um cuidado redobrado na questão da concentração de empresas e actos
lesivos da concorrência, como o abuso da posição dominante. Mais: “na sua Resolução de 27
de Abril de 2006, o Parlamento Europeu manifestou o seu apoio à Convenção da UNESCO
sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, que declara
nomeadamente que «as actividades, os bens e os serviços culturais têm natureza
simultaneamente económica e cultural, porque são portadores de identidades, valores e
significados, não devendo, portanto, ser tratados como se tivessem apenas valor
comercial»”32. Como tal, mais que mero objecto, válido apenas pelo seu valor no mercado, os
bens e serviços culturais devem ser encarados enquanto bens válidos em si mesmos.
Ora, a União e, consequentemente, os Estados-membros, têm vindo a desenvolver políticas de
responsabilização pela literacia mediática, como o incitamento à produção, distribuição e
reprodução de obras europeias audiovisuais33, nomeadamente encorajando a criação de
quotas34, garantindo a independência dos blocos informativos através da proibição do seu

29
Idem.
30
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2007/C 303/01)
31
Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, JO L 332 de18 de
Dezembro de 2007, pág. 27.
32
Ibidem, pág. 28.
33
Decisão n.º 1718/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Novembro de 2006.
34
Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, pág. 33.
patrocínio35, etc. Contudo, ante as especificidades do sector, existe um dever de atenção
redobrada às suas obrigações: uma vez que os media pertencem, na sua grande maioria, a
entidades privadas, não podemos esperar por iniciativas próprias que, não visando proveitos
financeiros, obriguem, pelo contrário, a gastos extraordinários (Correia, 2006: 124). Falamos,
em especial, da formação de jornalistas no seio das instituições, uma das propostas mais
recomendadas pela União. Razão pela qual, ainda que recorrendo à co-regulação, urge
pressionar no sentido do desenvolvimento da literacia dentro dos próprios media.
No tocante aos jornalistas, estamos perante uma realidade bipartida: aqueles cuja
responsabilidade passa pela construção de editoriais e orientação da informação, e os meros
“executantes” dessas mesmas orientações (sem qualquer demérito para estes últimos). De
facto, se os primeiros terão uma maior responsabilidade em relação ao desenvolvimento de
uma sociedade plural, os segundos deverão obter a formação necessária para, de modo
informado e crítico, promoverem o exercício de um verdadeiro quarto poder.
Recorrendo aos princípios europeus de uma preferência pela auto-regulação, surgem como
pertinentes as considerações de Correia. Actualmente, torna-se muito difícil ao jornalista
pugnar pela isenção e cumprimento do respectivo Código Deontológico ante um proprietário
que busca as exigências de mercado e que não possui qualquer código profissional que o reja
(Correia, 2006). Assim, “de pouco servirá ao jornalista pretender cumprir os princípios
deontológicos se estes não forem acolhidos no mundo empresarial” (Mesquita, 2003).

d) Operadores públicos (serviço público de media)


Com o crescente enfraquecimento da política e consequente descrença nas instituições, o
consumo tem vindo a sobrepor-se às realidades democráticas e de esfera pública. Dominados
pelo marketing, a globalização dos bens de consumo supera toda a preocupação com o debate
público (Cruz, 2004: 3). A este factor, junta-se o perigo da concentração da propriedade dos
meios, cada vez mais inibidor de mensagens pluralistas e democráticas, sendo urgindo o
estabelecimento de um serviço público enquanto suscitador de “um amplo acesso do público,
sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, a várias categorias de canais
e serviços”36. Como bem reconhece Hartley, “by remaining outside of market influences,
public service broadcasting provides a much needed public forum within which information
dissemination can occur, aiding in the stimulation of public debate” (2004: 190).
A este respeito, a Comissão Europeia Comissão aprovou uma Comunicação sobre o futuro da
política europeia de regulação audiovisual, nela fazendo exaltar a importância do pluralismo
dos meios de comunicação social, assim como o reforço da capacidade crítica do público e a
educação para os media aquando de qualquer regulação do sector37. A necessária
independência editorial e institucional do serviço público, enquanto patamar da democracia,
deverá equilibrar um mercado onde o risco da concentração dos media é latente38 39. De facto,
é do conhecimento geral que mesmo os media de controlo estatal estão a depender cada vez
mais da publicidade, alterando o seu modo de actuação (Patterson, 2002). No entanto, a sua
procura pelas audiências apenas deve ter como substrato a luta por uma ampla gama de
programação, dirigindo-se à sociedade no seu conjunto, e não a publicidade e os seus
benefícios financeiros40.

35
Directiva 89/552/CEE do Conselho, art.º 3º-F, nº4.
36
Resolução do Conselho e dos representantes dos governos dos Estados-Membros reunidos no Conselho de 25
de Janeiro de 1999 (JO C 30 de 5.2.1999, p. 1).
37
Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, JO L 332 de18 de
Dezembro de 2007, pág. 28.
38
“A new notion of media?”, Political declaration and resolutions from the “1st Council of Europe Conference
of Ministers responsible for Media and New Communication Services, 29 May 2009, Reykjavik, Iceland.
39
Ibidem
Claro que a defesa da existência de um serviço público jamais poderá pôr em causa o sistema
de mercado e as suas regras. A este respeito, e relativamente aos meios audiovisuais, a
Comissão Europeia alerta para o facto da radiodifusão de serviço público não dever exercer
actividades susceptíveis de provocar distorções desproporcionadas da concorrência que não
sejam necessárias para o cumprimento da missão de serviço público41.
No tocante a Portugal, podemos questionar-nos se todas as preocupações e regulamentações
europeias, no sentido de manutenção de um serviço público de qualidade, promotoras da
educação e intervenção cívica num sistema democrático, estarão a surtir qualquer efeito.
Pegando nas palavras de Cádima, no que concerne à RTP, “confrontando a realidade com o
que está estabelecido no Contrato de concessão, a verdade é que sentiremos uma certa
dificuldade em verificar, na prática, o cumprimento destes pressupostos que – esses sim –
fariam da RTP uma verdadeira televisão de serviço público”. De facto, determina o contrato
de concessão do serviço público de televisão que, dada a “função vital do serviço público de
radiotelevisão”, deverá existir “uma preocupação permanente de qualidade (...) contribuindo
para tornar o público cada vez mais exigente, sem prejuízo do justo equilíbrio entre
audiências e padrões de qualidade”, desenvolvendo “uma programação pluralista,
inovadora e variada, que responda a elevadas normas éticas e de qualidade e que não
sacrifique esses objectivos às forças do mercado” (Cádima, s/d). É igualmente estabelecido
que a RTP deverá manter “uma programação caracterizada por uma dimensão cultural e
educativa, contribuindo para uma progressiva sensibilização do público para a criação
artística e para o aprofundamento dos conhecimentos” e que “através da programação dos
dois canais, o serviço público de televisão deve contribuir para tornar o público mais
exigente, procurando alargar as suas audiências pela isenção e qualidade da programação e
não pela submissão a imperativos publicitários” (Cádima, s/d). Podemos, assim, concluir por
uma cuidada regulamentação transposta para os contratos, baseada nos ditames europeus. A
questão parece residir no real cumprimento contratual por parte dos operadores públicos.

e) Escolas, Centros de Formação e Entidades Afins


Reconhecendo que “a escola desempenha um papel essencial no desenvolvimento de
competências de comunicação e de um espírito crítico”42, a inserção da educação para os
media nos planos curriculares tem sido uma das propostas mais vincadas da União Europeia.
Segundo a Comissão, o debate público relativamente à inclusão da disciplina de educação
para os media no programa escolar obrigatório e da literacia mediática nas competências
essenciais para a aprendizagem ao longo da vida, é algo da responsabilidade dos Estado
Membros43. Debate este que, claro está, se pretende enquanto promoção dessa mesma
inclusão, uma vez que o próprio Parlamento Europeu “(…) salienta que a educação para os
meios de comunicação deve fazer parte integrante da educação formal, à qual todas as
crianças têm acesso, assim como dos planos curriculares de todos os níveis de ensino”44.
Contudo, não devemos pensar apenas em planos escolares, focados nos alunos e alunas, uma
vez que os próprios professores necessitam de se encontrar dotados das necessárias
competências para ministrar as ditas aulas. Razão pela qual se “recomenda que a formação de
professores, em todos os níveis de ensino, comporte módulos obrigatórios de ensino de

40
Resolução do Conselho e dos representantes dos governos dos Estados-Membros reunidos no Conselho de 25
de Janeiro de 1999 (JO C 30 de 5.2.1999, p. 1).
41
Comunicação da Comissão relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de
radiodifusão, de 27/10/2009.
42
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Consideração H.
43
Recomendação da Comissão sobre literacia mediática no ambiente digital para uma indústria audiovisual e de
conteúdos mais competitiva e uma sociedade do conhecimento inclusiva, de 20.8.2009, ponto 3.
44
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Educação para os meios de comunicação nas
escolas e enquanto parte integrante da formação de professores, ponto 18.
competências mediáticas, a fim de garantir uma formação intensiva, e requer, por
conseguinte, às autoridades nacionais competentes que familiarizem os professores de todas
as disciplinas e categorias de escolas com o emprego de meios audiovisuais didácticos e com
os problemas da educação para os meios de comunicação”45.
É também essencial abrir a literacia mediática aos adultos que já tenham terminado a sua vida
escolar. Assim, o Parlamento Europeu “reclama que a literacia mediática seja inscrita como
nona competência essencial no quadro de referência europeu para a aprendizagem ao longo
da vida, nos termos da Recomendação 2006/962/CE”46. Esta formação deverá ser alvo de
cuidado redobrado quando falamos de pessoas idosas, devendo ser desenvolvida “nos seus
locais de permanência e encontro, nomeadamente associações, lares de idosos e instituições
de acolhimento e prestação de cuidados de assistência, residências e centros de dia, grupos
de tempos livres e actividades de lazer, iniciativas ou grupos de seniores”47.
Ainda que, “de acordo com o princípio da subsidiariedade, as autoridades nacionais sejam
os primeiros responsáveis pela inclusão da literacia mediática nos currículos escolares a
todos os níveis”48, não deverão ser apenas estas as envolvidas no processo de aprendizagem.
Como salienta o Parlamento Europeu “para além de políticos, jornalistas, rádios, televisões e
empresas de comunicação social, são sobretudo as pequenas entidades locais, como
bibliotecas, centros de educação de adultos, centros culturais e mediáticos dos cidadãos,
estabelecimentos de ensino e formação profissional e os meios de informação dos cidadãos
(p. ex. meios de comunicação associativos) que podem prestar um contributo activo para
promover a literacia mediática”49.
É impossível deixar de salientar a constante e meritória preocupação da União em relação às
Tecnologias de Comunicação e Informação e à literacia para os novos media. De facto, a
“Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 2006,
relativa à protecção dos menores e da dignidade humana e ao direito de resposta em relação
à competitividade da indústria europeia de serviços audiovisuais e de informação em linha,
contém já uma série de medidas susceptíveis de fomentar a educação para os media, tais
como, por exemplo, a formação contínua de professores e formadores, a aprendizagem
específica da Internet destinada às crianças desde a mais tenra idade, incluindo sessões
abertas aos pais, ou a organização de campanhas nacionais junto dos cidadãos, envolvendo
todos os meios de comunicação social, de modo a divulgar informações sobre a utilização
responsável da Internet”50. Realce-se o cuidado na protecção dos cidadãos, parte envolvida
nas novas comunicações: de facto, apenas a literacia mediática poderá criar um sentido de
responsabilidade e cuidado aquando da criação de qualquer mensagem. A segurança e a
protecção da privacidade, tão discutidas ao nível nacional e supra-nacional, surgem como um
dos princípios basilares dos documentos oriundos dos órgãos comunitários na matéria51 52.

f) A sociedade civil
Após esta breve menção aos vários agentes envolvidos na literacia para os media, há que
sublinhar a importância do envolvimento dos cidadãos e das estruturas sociais. Ainda que a
utilidade da educação para os media tenha que ser alvo de campanhas de sensibilização de
45
Ibidem, ponto 25.
46
Ibidem, ponto 19.
47
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Educação para os meios de comunicação
destinada às pessoas idosas, ponto 28.
48
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Comité das Regiões, de 20.12.2007, pág. 6.
49
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Considerações Gerais, 6.
50
Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, JO L 332 de18 de
Dezembro de 2007, pág. 31.
51
A new notion of media?”, Political declaration and resolutions from the “1st Council of Europe Conference of
Ministers responsible for Media and New Communication Services, 29 May 2009, Reykjavik, Iceland.
52
Council conclusions on media literacy in the digital environment, 15441/09, Brussels, 27 November 2009.
responsabilidade institucional variada, cabe também a toda a sociedade civil incluir-se e
acompanhar as oportunidades fornecidas, de modo a fomentar o seu potencial cognitivo e o
seu sentido crítico. Dotadas de conhecimento, o seu poder enquanto público exigente,
consciente dos seus direitos e deveres, assim como dos perigos da utilização de certos meios,
apenas poderá conduzir a um sistema mais equitativo e realmente promotor da coisa pública.

4 – CONCLUSÃO

“In the promotion of media literacy particular attention should be paid to the fact that
different groups in society may have different needs and behaviors (…)”53

Antes de mais, é oportuno deixar explícita a concordância, política e académica, relativamente


ao facto de não existirem respostas certas e vias absolutamente eficazes para a implementação
da literacia mediática ao nível nacional, europeu ou mesmo internacional. Não obstante,
conscientes do objectivo da literacia mediática de aumentar os conhecimentos das pessoas
acerca das muitas formas de mensagens que encontram no dia-a-dia, as instâncias europeias
têm pugnado pela investigação científica, pela criação de programas e mesmo pela instituição
de regras, oriundas de um iniciativas institucionais e campanhas de sensibilização. Estaremos,
deste modo, ante um mundo de cidadãos plenamente munidos das necessárias armas para a
real compreensão das mensagens mediáticas – ou, pelo menos, em vias de tal acontecer?
Ciente de que não existem, actualmente, dados que permitam aferir com exactidão o nível da
literacia mediática na EU54, tal realidade parece ainda bastante distante. O programático
distancia-se do pragmático. E os resultados são visíveis. Conforme se pode ler num estudo
comunitário, nos últimos anos, Portugal tem abraçado inúmeras iniciativas que visam
favorecer a literacia mediática; não obstante, existem apenas “sinais incipientes” de que a
literacia tem sido adoptada pelos agentes sociais enquanto um objectivo específico a atingir55.
No que toca à educação para os media no nosso país, o mesmo estudo refere que, embora
todas as áreas educacionais ligadas aos media tenham concordado na importância pedagógica
e cultural da formação para uma relação crítica e esclarecida com aqueles, a verdade é que tais
orientações não levaram à constituição de políticas concretas, mas apenas a “experiências
fragmentadas e inconsequentes que não conseguiram articular-se numa plataforma político-
educativa”56. A informação para os novos media, parte integrante do interesse público, não se
encontra suficientemente desenvolvida. Saber utilizar a Internet não equivale a encontrar-se
informado relativamente ao seu conteúdo. Em Portugal, impera esta ideia falaciosa, existindo
formação para as novas tecnologias mas não para os media, tal como o demonstram estudos
europeus57. E, uma vez que cada utilizador da internet se torna um jornalista potencial, é
necessário possuir um nível adequado de literacia mediática, não só para entender as
informações, como também para ficar habilitado a produzir e difundir conteúdos mediáticos.
Deste modo, e pegando nas palavras do Parlamento Europeu, “possuir conhecimentos
informáticos, por si só, não induz automaticamente uma maior literacia mediática”58.
Não obstante a pertinência de toda a formação para os novos media, não pode deixar de ser
referido que, no tocante aos media tradicionais, os cidadãos e ainda não se encontram
educados. E as políticas e programas parecem olvidar tal facto. Aliás, segundo dados do
supra-mencionado estudo comunitário, apenas 31% dos cidadãos e cidadãs portugueses
53
Ibidem.
54
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Consideração N.
55
Study on the Current Trends and Approaches to Media Literacy (2.º semestre de 2007, Country Profile –
Portugal)
56
Idem.
57
Idem.
58
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Consideração F.
acediam regularmente à Internet no ano de 2006. Pelo contrário, a televisão continuava e
continua a ser o meio partilhado por todas as classes sociais e todas as faixas etárias (Wolton,
1990). Já consciente desta situação, uma vez mais, o Parlamento Europeu advertiu para o
facto de, se os jovens recorrem sobretudo à Internet como principal fonte de informação, já os
adultos informam-se fundamentalmente através da rádio, televisão, jornais e revistas. Assim
sendo, “no actual panorama dos meios de comunicação, a literacia mediática tem de dar
resposta, quer aos desafios suscitados pelos novos meios de comunicação social (…) quer
aos conhecimentos que requerem os meios de comunicação tradicionais, que continuam a
constituir a principal fonte de informação dos cidadãos”59. Urge, portanto, o melhoramento
da abordagem europeia de promoção da literacia mediática “em particular no que se refere à
inclusão dos meios de comunicação social tradicionais e ao reconhecimento da importância
da educação para os meios de comunicação”60.
De facto, parece-me ainda termos um largo caminho a percorrer no que toca à concretização
de um sistema ancorado na literacia mediática, que muna cidadãos da respectiva consciência
crítica, obrigue as instituições ao respeito pelo debate plural, crie um mercado que compita
pelo vector da qualidade, permita uma verdadeira liberdade de imprensa e envolva o Estado e
a União na concretização das prioridades já estabelecidas.

59
Ibidem, Consideração C.
60
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de Dezembro de 2008, Considerações Gerais, 1.
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