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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


CURSO DE DIREITO

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

GOIÂNIA
2002
DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
LILIAN VYVIANNE DE CASTRO FREITAS

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

Monografia Jurídica apresentada para


conclusão do curso de graduação em Direito,
no Departamento de Ciências Jurídicas, da
Universidade Católica de Goiás, sob
orientação do professor Ari Ferreira de
Queiroz.

GOIÂNIA
2002
Banca Examinadora: Nota para a monografia jurídica:

_______________________________ ____________________________
Professor-orientador

_______________________________ ____________________________
Professor-membro

iv
Dedico este trabalho a todos os meus
familiares que acreditaram em meu esforço e
contribuíram para meu sucesso como
estudante

v
Ao professor Ari Ferreira de Queiroz

vi
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ______________________________________________ 1
I - TEORIA GERAL DO CRIME _________________________________ 4
1 O crime em si ____________________________________________ 4
2 Ilícito penal e ilícito civil ____________________________________ 4
3 Do crime culposo__________________________________________ 6
4 Do crime doloso __________________________________________ 8
5 Crime qualificado pelo resultado ______________________________ 9
6 O dolo _________________________________________________ 11
6.1 Noções _____________________________________________ 11
6.2 Dolo direto __________________________________________ 12
6.3 Dolo indireto_________________________________________ 12
7 A culpa ________________________________________________ 12
7.1 Elementos do fato típico culposo __________________________ 13
7.2 Espécies de culpa _____________________________________ 13
7.2.1 Culpa consciente e inconsciente:______________________ 13
7.2.2 Culpa própria e imprópria ___________________________ 14
7.2.3 Culpa mediata ou indireta ___________________________ 14
7.3 Elementos da culpa ____________________________________ 15
II – DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE___________________ 16
1 Teorias para distinção ____________________________________ 16
1.1 Teorias intelectivas ___________________________________ 16
1.2 Teorias volitivas _____________________________________ 19
2 Dolo eventual __________________________________________ 20

vii
3 Culpa consciente ________________________________________ 22
4 Distinção entre dolo eventual e culpa consciente_________________ 23
CONCLUSÃO ______________________________________________ 29
ANEXOS __________________________________________________ 34
1 SENTENÇA CASO CARREFOUR____________________________ 35
2 SENTENÇAS CASO PATAXÓ ______________________________ 47
BIBLIOGRAFIA ____________________________________________ 67

viii
INTRODUÇÃO

1
Ao definir dolo eventual e culpa consciente, constata-se uma estreita
diferença, difícil de ser provada na prática.
A doutrina sempre procurou adotar fórmulas e elaborar teorias que
pudessem esclarecer a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. Embora
haja referências a critérios assentados no risco e na estrutura da atividade
volitiva, podemos classificar essas várias teorias em dois grandes grupos,
conforme a divisão dos elementos que compõem o dolo e a estrutura do tipo:
teorias intelectivas e teorias volitivas, às quais abordamos ao longo desta obra.
No dolo eventual o agente prevê o resultado e aceita-o, embora não seja
ele seu objetivo. Já a Culpa consciente ocorre quando o agente, prevendo o
resultado e não o desejando, age de modo a ensejá-lo.
Não se confunde, portanto, culpa consciente com dolo eventual, porque
neste o sujeito ativo aceita o resultado, pouco se importando com a sua
realização.
O fato polêmico, porém, se encontra na aplicação. Como decidir em
aplicar um ou outro no caso concreto? Na verdade, é realmente bastante difícil
provar que o sujeito ativo aceitava ou não o resultado previsível de seu ato.
As conseqüências da má caracterização geram injustiças, portanto, ao
imputar como dolo eventual o que era culpa consciente refletindo bastante na
dosagem da pena. Casos como esse, mesmo que raros, geram grande
repercussão quando ocorrem.
Em 1997 houve o caso do Índio Pataxó, de grande repercussão na
imprensa, o qual encontra-se em anexo neste trabalho.
O objetivo desta obra, além de esclarecer a distinção entre dolo eventual
e culpa consciente, é o de analisar a aplicação de um ou outro em casos
concretos.
Para isso, tratamos brevemente sobre a Teoria Geral do Crime, fazendo
a distinção entre um e outro e, posteriormente, tratando sobre toda essa
polêmica.

3
I - TEORIA GERAL DO CRIME

4
1 O crime em si

Doutrinamente “crime” é espécie de “infração”, assim como “delito” é


“contravenção”. O código Penal usa as três expressões.
Para a conceituação de crime existem dois sistemas predominantes, o
formal e o material. Formalmente, o crime é conceituado sob aspecto da técnica
jurídica, adotando o elemento dogmático da conduta qualificada como crime por
uma norma penal. Já materialmente o crime é conceituado sob o ângulo
ontológico, a conduta humana é tida como criminosa, o legislador extrai os
elementos que dão conteúdo e razão de ser ao esquema legal1.
Para a teoria causalista crime é fato típico, antijurídico e culpável. Dolo
e culpa estão incluídos na culpabilidade. São favoráveis a essa teoria Basileu
Garcia e Nelson Hungria.
Para a teoria finalista crime é fato típico e antijurídico = dolo e culpa
estão no tipo. Culpabilidade é pressuposto da pena, já que faz um juízo de
censurabilidade ou reprobabilidade.

2 Ilícito penal e ilícito civil

O ilícito penal tem relevância ao Direito Penal. Já o ilícito civil, por sua
vez, tem relevância para o art. 159 do Código Civil que trata dos Atos Ilícitos.

1
JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, Parte Geral, São Paulo, 1997, Capual, Diritto penale, parte generale,
Milano, 1945, p.79.
“Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a repara o
dano”.

Não há, em sua essência, diferença substancial ou ontológica entre o


ilícito penal e o ilícito civil, o primeiro é um injusto sancionado com a pena, o
segundo, sancionado com sanções civis.
Na prática, caberá ao legislador determinar através de uma valoração
jurídica dos interesses da comunidade, se a sanção civil necessita de proteção na
ordem legal, e se há a necessidade de determinação da ordem penal. Para isso,
há de se levar em conta a circunstância do momento, o dano objetivo, o alarma
social, a forma de lesão, a reiteração, a reparabilidade ou irreparabilidade da
lesão, a insuficiência da sanção civil, a necessidade de caracterização de algum
ato como crime... Essa é, em suma a lição de Nelson Hungria. Para ele ilícito
penal é a violação, cuja intensidade precisará de sanção adequada que seria a
pena. Já o ilícito civil é a violação, cuja punição se bastará em sanções de
indenização ou de execução forçada ou anulação do ato, etc 2.

3 Do crime culposo

Numa primeira fase, devemos examinar qual o cuidado exigível de uma


pessoa prudente e de discernimento diante da situação concreta do sujeito.
Encontraremos o cuidado objetivo necessário, fundado na previsibilidade
objetiva.
Vamos comparar esse cuidado genérico com a conduta do sujeito,
conduta imposta pelo dever genérico de cuidado com o comportamento do
sujeito. Se ele não se conduziu da forma imposta pelo cuidado no tráfico, o fato
é típico.

2
Comentários ao Código Penal. V.1, T.2, p.35. Rio de Janeiro, Forense, 1977.
6
A partir daí, devemos analisar a culpabilidade. Se o sujeito agiu na
intenção de impedir o resultado segundo seu poder individual, se constatou a
diligência pessoal possível segundo suas próprias aptidões. Se assim não fez,
constatar-se-á, a reprobabilidade, levando à culpabilidade.
A tipicidade da conduta conduz a sua ilicitude.
Tem a doutrina conceituado crime culposo como a conduta voluntária
(ação ou omissão) que produz um resultado antijurídico, não querido, mas
previsível (culpa inconsciente), e excepcionalmente previsto (culpa consciente),
que podia, com a devida atenção, ser evitado.
Para a teoria finalista, os crimes dolosos e culposos consistem duas
categorias independentes, com estruturas próprias.
Na doutrina tradicional, a culpa (em sentido estrito), como forma de
culpabilidade, está fundada na previsibilidade do resultado, tendo neste ser
elemento fundamental. Para a teoria finalista, o fulcro do crime culposo não é o
resultado e sim o desvalir da ação, que é a violação do cuidado objetivo
configurado na imprudência, imperícia ou negligência.
Observa Fragoso:

“não é possível que se afirme antijuridicidade de um comportamento apenas


porque sobreveio certo resultado. A inexistência de culpa nos casos em que o
agente revelou o cuidado exigível no âmbito de relação pressupõe a exclusão da
ilicitude3 ”.

Assim, embora a ação dos crimes culposos também contenha a vontade,


dirigida a um fim, este está fora do tipo. Não há, no crime culposo, vontade
dirigida ao resultado, sendo a conduta típica culposa indicada de forma genérica.
Em suma, há crime culposo quando o agente, por meio de negligência,
imprudência ou imperícia, viola o dever de cuidado, atenção ou diligência a que
estava obrigado, e causa um resultado típico.

7
4 Do crime doloso

O dolo, de acordo com a teoria finalista da ação, que passamos a adotar,


é elemento subjetivo do tipo. Integra a conduta, pelo que a ação e a omissão não
constituem simples formas naturalísticas de comportamento, mas ações ou
omissões dolosas.
Constitui elemento subjetivo do tipo.
O Código Penal Brasileiro adotou a teoria da vontade na primeira parte e
a teoria do assentimento na segunda parte.
O dolo tem sua forma de expressão variada de acordo com os elementos
da figura típica. Em face disso e por força do art. 18, I do CP, a doutrina
apresenta várias espécies de dolo.
A primeira parte trata do dolo Direto:

“quando o agente quis o resultado”; a segunda parte trata do dolo indireto:


“assumiu o risco de produzi-lo”.

O dolo direto se dá quando o agente visa certo e determinado resultado e


o atinge. Por exemplo um assassino que mata alguém a facadas projetando o
resultado morte.
O dolo indireto acontece quando a vontade do sujeito não se dirige a
certo e determinado resultado.
O dolo indireto possui duas formas:
a) dolo alternativo;
b) dolo eventual.
Há dolo alternativo quando a vontade do sujeito se dirige a um outro
resultado.

3
FRAGOSO, Hungria. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio: Forense, 1978. v.1, t.2, p. 514.
8
Ocorre o dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o
resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele antevê o resultado e
age. Essa possibilidade de ocorrência do resultado não detém e ele pratica a
conduta, consentimento no resultado.
O autor tem consciência da realização do tipo legal se praticar a conduta
e se conforma com isso. Ele não quer o resultado, mas age.
Age também com dolo eventual o agente que, na dúvida a respeito de
um dos elementos do tipo, se arrisca em concretizá-lo. Atua com dolo eventual,
por exemplo, aquele que pratica ato libidinoso com jovem na dúvida de que
tenha a mulher mais de 18 anos, cometendo crime de corrupção de menores (art.
218); comete crime contra os costumes com presunção de violência (art. 224)
aquele que, na ignorância, tem dúvida ou incerteza quanto à idade da vítima que
é menor de 14 anos, e com ela mantém conjunção carnal ou pratica outro ato
libidinoso.

5 Crime qualificado pelo resultado

São crimes qualificados pelo resultado aqueles em que a lei, ao tipo


básico, fundamental, acrescenta elementos que constituem um evento mais
grave que o previsto no tipo simples, cominado ao fato pena mais severa.
Normalmente utilizou-se o legislador de parágrafo em que inscreve as
expressões “se resulta lesão corporal de natureza grave”, ou “morte”, etc. Esse
resultado mais grave do que o contido no tipo básico pode ocorrer por dolo
direto (se o agente assume o risco de produzi-lo), por culpa (se o agente não
prevê o resultado mais grave ou, prevendo-o não aceita como provável), ou
unicamente pela existência do nexo causal (quando não há dolo ou culpa do
agente).
Não se referida a lei anterior ao elemento subjetivo quando ao resultado
mais grave, ambas se entendia que esse evento somente poderia ser atribuído ao
9
agente quando tivesse ele atuado ao menos com culpa, configurando-se nessa
hipótese, o chamado crime preterdoloso, ou preterintencional. Esse tipo consiste,
portanto, num fato em que há dolo no antecedente (conduta do tipo básico) e
culpa no conseqüente4 (resultado mais grave). Notava, porém, A. J. da Costa e
Silva que a intenção do legislador foi, sem dúvida, contentar-se com a simples
relação de causalidade material5, no que era acompanhado por Euclídes
Custódio da Silveira6.
Dispõe porém, agora o art. 19 do CP, com a nova redação, que, pólo
resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que houver
causado ao menos culposamente. Ficou, portanto, totalmente superada a
discussão a respeito dos crimes qualificados pelo resultado. O agente somente
responderá pelo evento mais grave se o quiser (dolo direto ou eventual) ou se for
ele previsível (culpa em sentido estrito).

4
FRAGOSO, Hungria. Comentários. Op. cit. v. 52, p.81.
5
Lesões Corporais. In: Justitia, v. 52, pág. 8.
6
Direito Penal: Crimes contra a pessoa 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973 p.151.
10
6 O dolo

6.1 Noções

Mister se faz esse estudo para que não seja considerado como culpa o
que, na realidade, é dolo e vice-versa.
Isto porque existe uma grande diferença na punição desses crimes, como
dispõe o parágrafo ou único do artigo.

“Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como
crime, senão quando a prática dolorosamente”.

No dolo a culpabilidade e a imputabilidade constituíram o objeto do


crime.
Menciona-o CP no art. 18 o dolo e a culpa. Reserva o inc.I para aquele,
ressaltando o elemento no coletivo. Para ele, o dolo é vontade, mas vontade livre
e consciente.
Dois são, portanto, os elementos do dolo. A consciência há de abranger
a ação ou a omissão do agente, tal qual é caracterizada pela lei, devendo
igualmente compreender o resultado, e, portanto, o nexo causal entre este e a
atividade desenvolvida pelo sujeito ativo. Age, pois, dolosamente quem pratica a
ação (em sentido amplo) consciente de voluntariamente.
Age dolosamente quem atua com conhecimento ou ciência de agir no
sentido do ilícito ou antijurídico, ou, com conhecimento da antijuridicidade do
fato. Pode se concluir que ele pressupõe: a) consciência da ação, e do evento, e
conhecimento do nexo causal entre eles; b) consciência da ilicitude da conduta;
c) vontade da ação e do resultado.

11
Trataremos agora do dolo direto e dolo indireto. São as espécies do
dolo.

6.2 Dolo direto

Existe dolo direto quando o evento corresponde à vontade do sujeito


ativo. É o que diz o Código: “quando o agente quis o resultado”. Exemplo: um
indivíduo que matar outro, desfecha-lhe um tiro e prostra-o sem vida.

6.3 Dolo indireto

É indireto, quando, apesar de querer o resultado, a vontade não se


manifesta de modo único e seguro em direção a ele, ao contrário do que sucede
na espécie anterior. Comporta duas formas: o alternativo e o eventual. Dá-se o
primeiro quando o agente quer um dos eventos que sua ação pode causar: atirar
para matar ou ferir. Do eventual o sujeito ativo prevê o resultado e, embora, não
seja esta a razão de sua conduta, aceita-o.
Fala-se em dolo de dano e de perigo. No primeiro, o que se quer é um
dano, a lesão efetiva a um bem; e, no segundo somente um perigo.
É dolo específico o elemento que distingue delitos, cujo aspecto material
é o mesmo.

7 A culpa

O crime culposo quando o agente, deixando de empregar a atenção ou


diligência de que era capaz em face das circunstâncias, não previu o caráter
delituoso de sua ação o resultado desta, ou tendo-o previsto, supôs levianamente

12
que não se realizaria, bem como quando quis o resultado, limitando, entretanto,
em inescusável erro de fato.

7.1 Elementos do fato típico culposo

a) ação (em sentido amplo) causadora do resultado. Conduta


voluntária. O agente quer praticar a ação com a mesma
vontade de fato doloso;
b) o evento antijurídico não querido, ou por não ser previsto, ou
porque, tendo sido previsto, rejeitou-se a possibilidade de se
verificar. Se o agente previu e o quis haverá o dolo direto; se o
previu, e, embora não o querendo de modo exclusivo, existirá
dolo eventual;
c) o evento antijurídico querido, mas fruto de erro de fato
inescusável.
d) a inobservância do cuidado objetivo manifestado através da
imprudência, da negligência ou imperícia;
e) resultado involuntário;
f) nexo de causalidade;
g) tipicidade;

7.2 Espécies de culpa

7.2.1 Culpa consciente e inconsciente:

Na culpa consciente o resultado é previsto pelo sujeito, que espera


levianamente que não ocorra ou que possa evitá-lo. É também chamada culpa
com previsão.

13
A previsão, por ser elemento do dolo, encontra-se excepcionalmente
neste tipo de culpa, a culpa consciente. O agente prevê o resultado mas
levianamente acredita que este não ocorra. A grande polêmica está em
diferenciar está espécie de culpa de dolo eventual, o que aliás é um dos grandes
objetivos deste trabalho.
Na culpa inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora
previsível. É a culpa comum, que se manifesta pela imprudência, negligência ou
imperícia.

7.2.2 Culpa própria e imprópria

Culpa própria é a comum, em que o resultado não é previsto, embora


seja previsível. Nela o agente não quer o resultado nem assume o risco de
produzi-lo.
Na culpa imprópria, também denominada culpa por extensão ou
assimilação, o resultado é previsto e querido pelo agente, que, labora em erro de
tipo inescusável um ou vencível. A denominação é incorreta, uma vez que na
chamada culpa imprópria temos, na verdade, um crime doloso ou a que o
legislador aplica a pena do crime culposo.

7.2.3 Culpa mediata ou indireta

Trata-se em de culpa indireta ou imediata quando o sujeito,


determinando de forma imediata certo resultado, vem a dar causa ao outro.
Ex.: Ao socorrer um amigo atropelado, também é atropelado por outro
veículo. Questiona-se a existência de culpa do primeiro atropelado pela
produção do último resultado.

14
7.3 Elementos da culpa

São os elementos da culpa: Imprudência, Negligência e a Imperícia.


Imprudência é a prática de um fato perigoso.
A Negligência é a ausência de precaução ou indiferença em relação ao
ato realizado.
Ex.: deixar arma de fogo ao alcance de uma criança
Imperícia é a falta de aptidão para o exercício de arte ou profissão.
As formas de culpa encontram-se descritas no art. 18, II do CP vigente:

“Diz-se crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia.”

15
II – DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

16
1 Teorias para distinção

A doutrina sempre procurou adotou fórmulas e elaborar teorias que


pudessem esclarecer a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. Embora
haja referências a critérios assentados no risco e na estrutura da atividade
volitiva, podemos classificar essas várias teorias em dois grandes grupos,
conforme a divisão dos elementos que compõe o dolo e a estrutura do tipo: a)
teorias intelectivas e b) as teorias volitivas.

1.1 Teorias intelectivas

As teorias intelectivas fixam-se em que os limites do dolo devem ser


determinados sobre o conhecimento do agente acerca dos elementos do tipo
objetivo. Dentre essas teorias podem ser destacadas as seguintes: teoria da
representação ou da possibilidade, teoria da probabilidade, teoria da
evitabilidade, teoria do risco e teoria do perigo a descoberto.
A teoria da representação ou da possibilidade. Esta teoria sustenta, que
não existe culpa consciente, mas apenas culpa inconsciente.
Estabelece que a diferenciação se deve efetivar exclusivamente no plano
da possibilidade.
Assim, desde que o agente tenha conscientemente admitido a
possibilidade da ocorrência do resultado, haverá dolo eventual.
Segundo a teoria da probabilidade, haverá dolo eventual quando o
autor tenha tomado como provável a lesão do bem jurídico.
Esta teoria, assim como sua antecessora, não delimita claramente os
setores do dolo e da culpa e deixa de atentar para o fato de que a probabilidade
da lesão do bem jurídico é apenas um indício de que o agente assume o risco de
produzí-la
A teoria da evitabilidade foi formulada como desenvolvimento da teoria
finalista da ação. De acordo com sua concepção, se o agente representar como
possível o resultado, o dolo eventual só será excluído se a sua vontade dirigente
do fato estiver orientada no sentido de evitar o resultado. Haverá, assim, culpa
consciente quando o agente, juntamente com a prática de sua ação, assentar
contrafatores com a ajuda dos quais possa conduzir essa atividade, de modo a
não produzir as conseqüências que havia previsto como possíveis.
Para a teoria do risco o objeto do dolo não é o resultado típico, mas,
sim, unicamente a conduta típica. Por exemplo, no homicídio, não será a morte
da vítima, mas a conduta que traga risco para a vida. Com tal proposta, baseia-se
em que, na realidade, o dolo só pode ser identificado pelo seu elemento
intelectivo quanto ao risco indevido em face da prática de uma conduta.
Portanto, para o dolo eventual basta que o agente tenha conhecimento desse
risco, que não é qualquer risco, mas o risco tipificado como ação proibida.
A teoria do perigo a descoberto pretende estabelecer a diferença entre
dolo e culpa exclusivamente com base no tipo objetivo. Por perigo a descoberto
entende a situação em que a sorte ou o acaso é que decidem se o resultado
lesivo ocorrerá ou não, o que caracterizaria o dolo eventual. Já a culpa
consciente estaria presente na hipótese do perigo resguardado, quando o próprio
autor, a vítima ou um terceiro, tendo em vista cuidadosa observação do
resultado, pudesse evita-lo. Isto quer dizer que o perigo será resguardado quando
o resultado for evitável, não apenas em face do autor, senão no sentido objetivo,
o que significa que a evitabilidade é aqui tratada independentemente das
18
condições subjetivas. O dolo eventual se dará, portanto, segundo essa
concepção, quando o resultado estiver fora do poder de ser evitado.

1.2 Teorias volitivas

As teorias volitivas, por seu turno, fixam-se em que a diferenciação


entre dolo eventual e culpa consciente deve ser feita com base no elemento
volitivo e não apenas no elemento intelectivo. Só assim seria possível equiparar
o dolo eventual ao dolo direto para mesmo tratamento penal, pois seria
desarrazoado admitir-se uma espécie de dolo sem referência ao querer. Dentre as
teorias volitivas destacam-se a teoria do consentimento ou da assunção e a
teoria da indiferença.
A teoria do consentimento ou da assunção é a teoria dominante e tem
por base uma vinculação emocional do agente para com o resultado. Vale dizer,
exige não apenas o conhecimento ou a previsão de que a conduta e o resultado
típicos podem realizar-se, como também que o agente se ponha de acordo com
isso ou na forma de conformar-se ou de aceitar ou de assumir o risco de sua
produção. Esta teoria comporta duas variantes. A primeira acolhe estritamente
os postulados iniciais da teoria e, tendo em vista que aqui o decisivo é a
vinculação ao chamado lado emocional, pugna, modernamente, por admitir o
dolo eventual somente naqueles casos em que o resultado se apresente como
agradável do agente. Haverá culpa consciente, ema caso contrário, a segunda
variante pretende fixar-se mais na idéia de que pode haver dolo eventual,
mesmo por ele não desejado.
A teoria da indiferença, impropriamente também chamada de teoria do
sentimento, quer diferenciar o dolo eventual da culpa consciente através do alto
grau de indiferença por parte do agente para com o bem jurídico ou a sua lesão.

19
2 Dolo eventual

Encontra-se na jurisprudência alguns casos de homicídios em que


considera se ter um réu agido como dolo eventual: desferir pauladas na vítima, a
fim de com um ela manter relações sexuais, estuprando-a em seguida e
provocando-lhe morte em conseqüência dos golpes desferidos7; atirar em outrem
para assustá-lo 8, atropelar ciclista e, em vez de deter a marcha do veículo,
acelerá-lo, visando arremessar ao solo a vítima que caíra sobre o carro 9, praticar
o militar a “roleta russa”,acionando por vezes revólver carregado com um só
cartucho e apontando-o sucessivamente a cada um de seus subordinados, para
experimentar a sorte deles.
Ocorre o dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir um
o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele antevê o resultado e
age.
Essa possibilidade de ocorrência do resultado não é detida e ele pratica a
conduta consentindo com o resultado.
O autor tem consciência da realização do tipo legal se praticar a conduta
e se conforma com isso. Ele não quer o resultado, mas age.
Age também com dolo eventual o agente que, na dúvida a respeito de
um dos elementos do tipo, se arrisca em concretizá-lo.
Um exemplo seria, aquele que pratica ato libidinoso com jovem na
dúvida de que tenha a mulher mais de 18 anos, cometendo crime de corrupção
de menores(art. 218); E ainda comete crime contra os costumes com presunção
de violência (art. 224) aquele que, na ignorância, dúvida ou incerteza quanto à
idade da vítima que é menor de 14 anos e com ela mantém conjunção carnal ou
pratica outro hábito libidinoso.

7
RT 441/326
8
RT 380/302
9
RT 454/362
20
O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é
executado. Assim, nada impede que o agente, embora prevendo resultado morte,
o aceite e pratique o ato usando de meio que surpreenda a vítima, o dificultando
ou impossibilitando a defesa, tal o quadro que se entremostra nos autos.
Damásio nos dá outro exemplo que deixa bastante evidenciado a
distinção entre dolo direto e dolo eventual.

“Ex.: o agente pretende atirar na vítima, que se encontra conversando com outra
pessoa. Percebe que, atirando na vítima, pode também atingir a outra pessoa. Não
obstante essa possibilidade, prevendo que pode matar o terceiro é-lhe indiferente
que este é o último resultado se produza. Ele tolera a morte do terceiro. Para ele,
tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora não queira o evento.
Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde por dois crimes de
homicídio: o primeiro, a título de dolo direto; o segundo, a título de dolo
eventual10 ”

Trata a jurisprudência:

Ementa

Dolo eventual, sua apreciação através da prova; falta de cautelas necessárias para
produção do evento danoso; denegação do habeas-corpus. (RHC – 35112, Relator
Min. Afrânio Costa, EMENT VOL – 00315 – 01, PG – 00104, RTJ VOL – 00002
– 01, PG – 00625, Julg. 5/8/1957 – Tribunal Pleno, STF).

Ementa

Penal e processual penal. recurso especial. homicídios dolosos.


pronúncia. desclassificação.
dolo eventual e culpa consciente.
Quaestio facti e quaestio iuris. reexame e revaloração da prova.
I – É de ser reconhecido o prequestionamento quando a questão, objeto da
irresignação rara, foi debatida no acórdão recorrido.

21
II – É de ser admitido o dissídio pretoriano se, em caso semelhante, no pactum
saliens, há divergência de entendimento no plano da valoração jurídica.
III – Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em delitos praticados no
trânsito. na hipótese de "racha", em se tratando de pronúncia, a desclassificação da
modalidade dolosa de homicídio para a culposa deve ser calcada em prova por
demais sólida. no iudicium accusationis, inclusive, a eventual dúvida não favorece
os acusados, incidindo, aí, a regra exposta na velha parêmia in dubio pro societate.
IV – O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor mas, isto sim,
das circunstâncias. nele, não se exige que resultado seja aceito como tal, o que seria
adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do
possível, provável.
V – O tráfego é atividade própria de risco permitido. o "racha", no entanto, é – em
princípio – anomalia que escapa dos limites próprios da atividade regulamentada.
VI – A revaloração do material cognitivo admitido e delineado no acórdão
reprovado não se identifica com o vedado reexame da prova na instância incomum.
faz parte da revaloração, inclusive, a reapreciação de generalização que se
considera, de per si, inadequada para o iudicium acusationis.
recurso provido, restabele cendo-se a pronúncia de primeiro grau. (RESP
247263/MG, DJ, DATA 20/08/2001, PG 00515, REPDT DATA 24/09/2001, PG:
329, Relator Min. Félix Fisher (1109), 05104/2001, TS, Quinta Turma, STF).

3 Culpa consciente

A culpa consciente ocorre quando o agente prevê o resultado, mas


espera, sinceramente, que não ocorrerá. Há no agente a representação da
possibilidade do resultado, mas ele a afasta por entender que o evitará, que sua
habilidade impedirá o evento lesivo que está dentro de sua previsão. Por isso, é
também chamada culpa com previsão.
Vimos que o fator Previsão é elemento do dolo. Mas aqui,
excepcionalmente integra a culpa.
Ex.: Numa caçada o sujeito percebe que um animal se encontra nas
proximidades de seu companheiro. Percebe que, atirando na caça, poderá acertar

10
Op. cit. p. 285.
22
o companheiro. Confia, porém, em sua pontaria, acreditando que não virá a
matá-lo. Atira e mata o companheiro. Não responde por homicídio doloso, mas
sim por homicídio culposo (CP, art. 121, §3º)11. Note-se que o agente previu o
resultado, mas levianamente, acreditou que não ocorresse12.

Trata a jurisprudência:

Ementa

Recurso especial. penal e processo penal. alíneas "a" e "c" do permissivo


constitucional. acidente automobilístico. denúncia. pronúncia. acórdão que afastou
a existência do dolo eventual. culpa consciente. dissídio jurisprudencial. Este Eg.
Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre não ser possível "generalização
no sentido de se excluir, sempre, o dolo em delitos praticados no trânsito".
Segundo precedentes, "o juízo de pronúncia é, no fundo, um juízo de fundada
suspeita e não um juízo de certeza. Admissível a acusação, ela, com todos os
eventuais questionamentos, deve ser submetida ao juiz natural da causa, em nosso
sistema, o Tribunal do Júri". (Resp 192.049, Rel. Min. Felix Fischer). Recurso
conhecido e provido. (RESP 225438/CE, Relator Min. José Arnaldo da Fonseca
(1106), Quinta turma, 23/05/2000, STF).

4 Distinção entre dolo eventual e culpa consciente

A culpa consciente se diferencia do dolo eventual. Neste o agente tolera


a produção do resultado, o evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou não.
Ele assume o risco de produzi-lo. Na culpa consciente, ao contrário, o agente
não quer o resultado, não assume o risco nem ele lhe é tolerável o indiferente. O
evento lhe é representado (previsto), mas confia em sua não-produção.

11
Art. 121, § 3º: “Matar Alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. (...)§ 3º. Se o homicídio é
culposo: Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) anos”.
12
Op. cit., p. 295.
23
Mas, na prática, o que ocorre é uma verdadeira polêmica para se aplicar
em casos concretos, uma, ou outra denominação.
Isto porque, são penas bastante diversas para condições pouco diversas.
O liame de diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente é muito estreito.
A pena para homicídio culposo, ao caracterizar tal fato como culpa
consciente, é de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos (CP, art. 121, § 3º).
Já para a condição de homicídio doloso a ser caracterizado como dolo
eventual, a pena será de no mínimo 6 (seis) a 20 (vinte) anos (CP, art. 121,
caput), tendo ainda seus atenuantes e agravantes.
Esta questão atormenta juristas de todo o mundo jurídico, pelo menos do
ocidente. Com efeito, na Itália, por exemplo, Giuseppe Bettiol, depois de
considerar importante a distinção que comumente se estabelece entre o dolo
direto e o eventual, procura extremar, com base em Frank, este último da culpa
com “previsão” (ou consciente), dizendo que

“o evento deverá ser considerado intencional quando se puder provar que o


agente teria igualmente agido ainda que tivesse previsto o evento como
conseqüência do próprio atuar. Se verificar, ao contrário, que o agente em tal
hipótese teria abstido de agir, o dolo deve ser excluído para admitir se a culpa
com previsão13 ”.

Em outras palavras, é necessário verificar se o agente quis assumir o


risco do evento, se entre a previsão do próprio evento e a sua aceitação por parte
do agente subsistia ou não uma relação de contradição. Se o agente atua numa
situação de indiferença em relação à produção do evento, assumindo o risco do
evento o esperando que ele se verifique o dolo (eventual) deve ser admitido, mas
se atua esperando que o evento não ocorra, o dolo deve ser excluído e admitido a
culpa consciente.

13
JUSTITIA, Doutrina, São Paulo, 55 (162), abril-junho. 1993 - apud, in Direito Penal, tradução brasileira de
Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco, Editora Revista dos Tribunais, abril de 1977, Volume II,
páginas 109/111
24
A prova, sem dúvida, não é fácil. O que interessa é que ela não deve ser
exclusivamente dessumida do caráter do réu, mas de todo o complexo de
circunstâncias que determinam a capacidade de delinqüir do réu.
Concluiu-se, portanto, que se faz necessário confrontar casos concretos
com lições doutrinárias colacionadas, preenchendo a lacunosa proposição
normativa do dolo eventual, expressa na perigosa cláusula “assumir o risco de
produzir o resultado”.
Essa necessidade se baseia nas injustiças, que muitas vezes ocorre,
considerando alguns casos de culpa consciente como de dolo eventual.
A representação do resultado como possível e a anuência aqui ele ocorra
são dado íntimos da psicologia do sujeito, que não podem ser apreendidos
diretamente, mas só deduzidos das circunstâncias do fato. Há que se confirmar,
a existência daqueles elementos necessários ao julgamento da situação psíquica
do agente em relação ao fato como dolo eventual. Se elas não conduzem
seguramente a esta conclusão, e a dúvida se mantém, deve-se admitir a solução
menos severa, que é a da culpa consciente14.
É com a Aníbal Bruno, fundado em Frank, que é estudioso da matéria,
que vamos encontrar preciosos elementos para nortear a compreensão do
problema e encontrar a solução que se apresenta mais consentânea com a
realidade.
Com efeito, inicia ele a análise elucidando a confirmação entre o dolo
eventual e a culpa com o seguinte exemplo figurado, extraído de Welzel:

“Se o agente, prevendo, embora, o resultado, espera sinceramente que este não
ocorra, não se pode falar de dolo, mas só de culpa. É a culpa com previsão ou
consciente. Um empregado de fazenda provoca involuntariamente o incêndio de
um celeiro cheio de feno, onde, ao fim do dia, tinha ido fumar o seu cachimbo,
prevendo, embora, que daí resultasse o fogo. Se ele esperou sinceramente que tal
resultado não ocorresse e por isso aventurou-se ao ato imprudente, o seu caso é de

14
Op. cit. p.. 15 e 16.
25
culpa com previsão. Se porém, por causa de uma rusga com o patrão, por
exemplo, pouco se lhe dava que esse resultado previsto ocorresse ou não, o que se
configura é o dolo eventual.15 ”

Em seguida, elucida-nos:

“Duas teorias distintas procuram traçar os limites inferiores do dolo eventual, isto
é, a sua delimitação da culpa consciente - a teoria da probabilidade de e teoria do
consentimento”.

A teoria da probabilidade distingue-se o dolo eventual segundo grau de


probabilidades da realização do resultado representado pelo agente. Há dolo
eventual quando o agente prevê como provável, e não apenas como possível, o
resultado. É uma concepção que se mantêm dentro dos limites da teoria da
representação que já vimos ser suficientes para fundamentar o dolo.
A teoria do consentimento, que representa a teoria da vontade, constrói a
figura do dolo eventual tendo em vista o querer do agente, a sua atitude de
anuência a ou não em face do resultado, pouco importando que este tenha sido
previsto como provável ou simplesmente como possível.
Hoje esta teoria é geralmente desdobrada em duas subteorias - a
hipotética e a positiva, que se podem de distinguir segundo as duas conhecidas
fórmulas de Frank. Na teoria hipotética do consentimento, o dolo eventual existe
em relação ao resultado representado como possível, quando, como diz a
fórmula I, de Frank, a previsão do mesmo resultado como certo não teria atuado
como contramotivo eficaz. Conforme a teoria positiva do consentimento, há
dolo eventual quando o agente não toma na devida consideração a possibilidade,
por ele prevista, da ocorrência do resultado e age, assumindo o risco de produzi-
lo.
Segundo a fórmula II, de Frank, o agente disse consigo mesmo:

15
Op. cit. p. 16.
26
“seja como for, aconteça isto ou não, em todo caso agirei”.

O que é essencial é que o dolo eventual se integra por estes dois


componentes - representação da possibilidade do resultado e anuência a que ele
ocorra, assumindo o agente o risco de produzi-lo 16

Tem a jurisprudência decidido:

Ementa

Processual civil. agravo de instrumento. tempestividade. recurso especial. reexame


de provas. acidente de trânsito. Dolo eventual ou culpa consciente. súmula n. 7/stj.
- Por prerrogativa legal, o Ministério Público deve receber intimação pessoal em
qualquer processo de qualquer grau de jurisdição. E esta intimação se efetua por
meio de entrega dos autos com vista. É o que preceitua o art. 41, IV, da Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93).
- Constatado que o agravo de instrumento foi ajuizado tempestivamente, impõe-se
o acolhimento do agravo regimental.
- Na hipótese, ainda que tenha sido verificado a tempestividade do agravo de
instrumento, correta a decisão hostilizada ao promover o trancamento do recurso
especial cuja pretensão implica no reexame das provas produzidas para
desclassificar o crime de homicídio doloso de competência do Tribunal Popular do
Júri, para homicídio culposo, o que é vedado em sede de recurso especial a teor
da Súmula n. 07, do STJ. (AGA 158750/MG, Relator Min. Vicente Leal (1103),
23/11/1998, Sexta Turma, STF).

Ementa

Dolo eventual e culpa consciente. Não exorbita o tribunal ao submeter o réu a


novo julgamento, pelo júri, para que de a decisão final. Hc indeferido. (DJ DATA
– 19-04-85, PG – 05456, EMENT VOL – 01374-01, PG – 00153, Relator Min.
Cordeiro Guerra, 26/03/1985 – Segunda Turma, STJ)Ementa
Ementa

16
In Direito Penal, Forense, Rio, 1978, Parte Geral, tomo 2.º, págs. 74/75
27
Competência - habeas-corpus - ato de tribunal de justiça. Na dicção da ilustrada
maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas,
compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus
impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de superior.

Júri - veredicto - insubsistência - atropelamento - homicídio culposo x homicídio


doloso. Além das nulidades, o veredicto dos jurados somente não subsiste quando
se mostra manifestamente contrário à prova dos autos. A existência de teses
conflitantes (homicídio culposo e homicídio doloso, decorrente de atropelamento)
é conducente a afastar-se a aplicação do disposto na alínea “d” do inciso II do
artigo 593 do Código de Processo Penal. Isso ocorre quando de um lado tem-se,
no sentido do homicídio culposo, o pronunciamento monocrático do juiz de direito,
o do procurador que atuara no julgamento do recurso em sentido estrito e do
próprio júri e, de outro, o do Tribunal de Justiça, mediante o julgamento do citado
recurso e o da apelação interposta contra o veredicto dos jurados. (HC –
74750/PG, Relator Min. Marcos Aurélio, Publicação DJ DATA – 26-11-99, PP –
00084, EMENT VOL 01973-02, PP 00219, JULG. 18/02/1997, Segunda Turma).

28
CONCLUSÃO

29
O Conceito material do crime tem relevância jurídica, uma vez que leva
em conta seu conteúdo teleológico, abrangendo os bens protegidos pela lei
penal. Deste ângulo o crime nada mais é que a violação de um bem penalmente
protegido.
Formalmente, o crime é um fato típico e antijurídico, tendo a
culpabilidade como pressuposto da pena.
O fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo que
provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como infração).
A antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato típico e o
ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal incriminadora será
ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarado lícita.
A culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica em face de estar
ligado o homem a um fato típico e antijurídico.
O crime não deve ser confundido com o ilícito civil. Na verdade, não há
diferença substancial ou ontológica entre o ilícito penal e o civil. Em sua
essência, não há diferença entre eles. A diferença é de natureza legal e
extrínseca: o ilícito penal é um injusto sancionado com a pena, o civil é o injusto
que produz sanções civis. Somente se atendendo à natureza da sanção é que
podemos determinar se nos encontramos em face de um ou de outro.
Cabe ao legislador, tendo em vista a valoração jurídica dos interesses da
comunidade, estabelecer se a sanção civil se apresenta eficaz para a proteção da
ordem legal, aparecendo a necessidade de determinação da penal. Em suma,
seguindo a lição de Hungria, podemos dizer que ilícito penal é a violação do
ordenamento jurídico, contra a qual, pela sua intensidade ou gravidade, a única
sanção adequada é a pena, e ilícito civil é a violação da ordem jurídica, para cuja
debelação bastam as sanções atenuadas da indenização , da execução forçada, da
restituição in specie , da breve prisão coercitiva, da anulação do ato, etc.
Diz-se o crime doloso quando o sujeito quer ou assume o risco de
produzir o resultado. Culposo quando o sujeito dá causa ao resultado por
imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, II).
O dolo, de acordo com a teoria finalista da ação, a qual adotamos, é
elemento subjetivo do tipo. Integra a conduta, pelo que a ação e a omissão não
constituem simples formas naturalísticas de comportamento, mas ações ou
omissões dolosas.
A teoria finalista da ação sustenta que o dolo é natural, correspondendo
à simples vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo, não portando a
consciência da ilicitude. Não comportando ainda a consciência da
antijuridicidade, que pertence à culpabilidade. De acordo com Welzel, o dolo
abrange o objetivo que o sujeito deseja alcançar, os meios que emprega para isso
e as conseqüências secundárias que estão necessariamente vinculadas com o
emprego dos meios.
O dolo deve abranger os elementos da figura típica. Assim, para que se
possa dizer que o sujeito agiu dolosamente, é necessário que seu elemento
subjetivo tenha-se estendido às elementares e às circunstâncias do delito.
A culpa com determina a teoria finalista da ação, também constitui
elemento do tipo. Isto porque esta teoria não se preocupa apenas com o
conteúdo, da vontade, o dolo, que consiste na vontade de concretizar as
características objetivas do tipo penal, mas também com a culpa. As ações que,
produzindo um resultado causal, são devidas à inobservância do mínimo de
direção finalista no sentido de impedir a produção de tal conseqüência,
ingressam no rol dos delitos culposos.

31
São elementos do fato típico culposo a conduta humana voluntária, de
fazer ou não fazer, a inobservância do cuidado objetivo manifestada através da
imprudência, negligência ou imperícia, a previsibilidade objetiva, a ausência de
previsão, o resultado involuntário, o nexo de causalidade e a tipicidade.
Dentre essas classificações de dolo e culpa, há peculiaridades, as quais
justificam todo este presente trabalho.
Dento da culpa vamos encontrar a Culpa Consciente, que se apresenta
por ser uma exceção. Nela o resultado é previsto pelo sujeito, mas este espera
levianamente que não ocorra ou que possa evitá-lo. Há aqui a previsão em
caráter excepcional, pois que este é elemento característico do dolo.
Dentro do dolo temos o Dolo Eventual. Neste o sujeito assume o risco
de produzir o resultado, admite e aceita o risco de produzí-lo. A vontade não se
dirige àquele resultado específico, mas à conduta. Percebe que é possível causar
o obstáculo e, não obstante, realiza o comportamento.
Fazer essa diferenciação é de suma importância, principalmente no que
tange à aplicação da pena.
Tanto no Brasil como em todo o mundo se travam interessantes debates
dialéticos acerca da busca da distinção sobrenatural inteligível entre o dolo
eventual e culpa consciente.
O art. 18, I do código penal brasileiro, acolhe a teoria do dolo eventual,
pois admite pelo simples fato de assumir o risco de produzir o resultado. Neste
Particular a fórmula do código é incompatível com um direito penal de garantia,
necessitando do posicionamento doutrinário.
Doutrinariamente, o dolo deverá se baixar em dois fundamentos que são
a consciência do agente de que sua atuação poderá lesar seriamente ou por em
risco um bem jurídico e a indiferença diante dessa possibilidade.
Outro aspecto relevante é a questão se o dolo eventual pode ser
compatível com estados afetivos ou emocionais do agente. Este estado
emocional poderia gerar dúvidas acerca da posição de indiferença por parte do
32
sujeito em relação à lesão ou não do bem jurídico, o que deverá levar à exclusão
do dolo eventual, em face do princípio “in dubio pro reo”.

33
ANEXOS

34
1 SENTENÇA CASO CARREFOUR

Autos nº 085/96
Autor: Ministério Público
Réus: Levi Fonseca Moreira, Adriana Santos do Amaral, Webert Lacerda da Silva, Elion de Souza Lima, Jason
Alessandro Benevides Duarte, Alexandre Teixeira Neto e Fernando Freitas Carneiro
Denúncia: arts. 121, § 2º, V, 171, caput, c/c 14, II e 288, par. único ao primeiro e arts. 171, caput, c/c 14, II e
288, par. único aos demais, todos c/c arts. 29 e 69, ambos do CP.

SENTENÇA

O Ministério Público denunciou LEVI FONSECA MOREIRA, ADRIANA SANTOS DO


AMARAL, WEBERT LACERDA DA SILVA, ELION DE SOUZA LIMA, JASON ALESSANDRO
BENEVIDES DUARTE, ALEXANDRE TEIXEIRA NETO e FERNANDO FREITAS CARNEIRO todos
residentes em Brasília-DF, dando o primeiro como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso V, art. 171,
"caput", combinado com o art. 14, inciso II e art. 288, parágrafo único, combinado com o art. 69, CP, por ter
matado Marcos Barros Maciel e por ter formado quadrilha e tentado estelionato em conjunto com os demais, por
isso incursos nas sanções do art.171, "caput", combinado com o art. 14, inciso II e art. 288, parágrafo único,
combinado com os art. 29 e 69, contra o Supermercado Carrefour, nesta Capital, no dia 14 de julho deste, por
volta das 14:30 horas.
Segundo a denúncia, dias antes Levi foi levado por Webert para a cidade satélite de Ceilândia Norte, em
Brasília-DF, onde comprou de indivíduos não identificados um talonário de cheques furtado e uma cédula de
identidade em branco, preenchendo-a com o nome constante do cheque, Manoel de O. Filho e nela colando a sua
fotografia e apondo a impressão digital. De posse disto, contactou os demais acusados, que são seus vizinhos e
amigos, e os convidou para passarem um final de semana nesta Capital, onde reside sua mãe, ocasião em que
fariam compras utilizando os cheques e a cédula de identidade fraudulenta. A viagem foi feita na madrugada de
13 de julho deste ano, sábado, em dois automóveis conduzidos por Fernando e Webert.
Assim que chegaram, os acusados deixaram Adriana na casa da mãe de Levi, para, então,
adquirirem, cumprirem o desiderato, comprando peças de veículos, barracas de camping, combustível, rodas e
pneus de automóveis em vários comércios desta cidade, além de pagarem as despesas de em boate em que
estiveram à noite.
No dia seguinte, domingo, durante o período da tarde, Levi, Adriana, Jason, Elion e Webert se
dirigiram ao Carrefour, onde, todos juntos, encheram o carrinho de mercadorias e enquanto os três últimos
ficaram aguardando no estacionamento, Levi e Adriana foram ao caixa pagar com o cheque nº 5643, no valor de
R$ 420,38. Chamado, surgiu um segurança do supermercado e os convidou para acompanhá-lo até uma
determinada sala, onde Levi confessou que a identidade e o cheque eram "frios", e tentou sair, sendo impedido
por outros três seguranças ali presentes, dentre os quais a vítima Marcos Barros Maciel. Nesta hora, de inopino
Levi sacou de um revólver que trazia consigo e disparou um tiro a queima-roupa contra a vítima, eliminando-a e
em seguida saiu correndo sem Adriana, que foi entregue a policiais militares. Depois, em diligências, a polícia
prendeu todos em flagrante, inclusive Levi.
Denúncia recebida, citados, os réus foram interrogados na presença de advogados, que funcionam
também como curador dos menores de 21 anos, e apresentaram defesa prévia com testemunhas, das quais foram
inquiridas 21, depois das 6 arroladas pela acusação.
Na fase das alegações finais o Ministério Público acrescentou à denúncia a qualificadora do inciso
IV, por ter Levi agido de surpresa, emp regando recurso que impossibilitou a defesa, ratificando-a quanto ao
mais. Entende, ainda a Dra. promotora de justiça, que não há ofensa à denúncia por não ter dela constado a
qualificadora ora pedida, posto que se encontra implícita e o réu se defende dos fatos narrados, não da tipificação
que se lhe atribui.
Levi pediu a desclassificação para homicídio culposo por não ter agido intencionalmente, bem como
insiste em que não houve formação de quadrilha para o fim de cometer crimes, mas aceita a denúncia por
infração ao art. 171 na forma tentada.
A defesa dos demais, embora patrocinada por advogados diferentes, sustenta teses semelhantes:
a) Adriana, Alexandre e Fernando sustentam nulidade do flagrante por falta de nomeação de curador especial
imparcial, vez que o nomeado pertence aos quadros da própria polícia, e, no mérito, dizem não configurado o
crime do art. 288, nem o estelionato, por faltar-lhe elementos essenciais, como o conhecimento prévio dos
atos preparatórios e nem participaram do fato típico, além do que os dois últimos sequer estavam no
Carrefour, por isso querem a impronúncia;
c) b) Elion e Webert requereram, preliminarmente, o desmembramento do processo, nos termos do art. 80 do
CPP, para aplicação das regras previstas na lei 9099/95, ou a absolvição sumária porque não caracteriza a
quadrilha a reunião ocasional de um grupo de amigos ao local, nem tampouco foi provado o estelionato;
c) Jason alegou preliminar de incompetência absoluta do juízo, vez que entende não caracterizada a conexão ou
continência que autoriza o simultaneus processus, pelo que pede o desmembramento. Sustenta também a
inépcia da denúncia, por não ter narrado qual o seu comportamento do fato. No mérito sustenta que não se
apresentam os elementos que caracterizam o crime de estelionato vez que o cheque utilizado por Levi já
estava cancelado junto ao BB, por isso pede expedição de ofício neste sentido. Ao final pede, então, a
absolvição sumária ou a impronúncia geral, mas, de qualquer forma, excluindo desde logo a incidência do
art. 288, posto não configurado de modo algum o crime de formação de quadrilha ou bando, nem, pela falta
de animu, a incidência dos arts. 29 e 69, CP.

RELATADOS. DECIDO.

Como ficou exposto no relatório, 7 são os acusados, apenas o primeiro deles incurso em crime cuja
competência é deste juízo, estando os demais no mesmo processo por alegada conexão, o que provoca a reunião
e o simultaneus processus. De outro lado, as defesas alegam nulidades processuais, que, uma vez reconhecidas,
impedem a apreciação do mérito, por isso delas devo conhecer em primeiro lugar:

As preliminares alegadas são:

a) não nomeação de curador isento e imparcial aos menores de 21 anos, Alexandre, Fernando e Adriana;
b) inexistência de conexão ou continência que autorize a reunião de processos, ponto rebatido por todos os réus,
exceto Levi, autor do disparo da arma que matou a vítima;
c) inépcia da denúncia quanto a Jason por não ter descrito de forma individualizada qual o seu comportamento
no caso;
d) incompetência deste juízo para processar e julgar todos acusados menos Levi, vez que seus crimes não são
contra a vida e justamente por não ter ocorrido a conexão ou continência com o homicídio, que autorizaria o
simultaneus processus.

Além de tais preliminares a defesa de Webert e Elion, batendo na mesma tecla da inexistência de
conexão ou continência, suscita a aplicação da lei 9099/95, que instituiu rito próprio para os crimes cuja pena
mínima não seja superior a 1 ano.

Preliminar de nulidade do processo por falta de curador especial isento

Não procede a alegação de nulidade do processo por defeito na nomeação de curador especial, porque
se tal defeito houve foi apenas quanto ao inquérito, vez que em juízo cada um foi interrogado na presença do
respectivo advogado, que funcionou também como curador. A nulidade, então, quando muito poderia atingir o
inquérito e o flagrante, não se comunicando com a atividade jurisdicional. Neste sentido é farta a jurisprudência
de todos os tribunais e dela não diverge a Corte deste Estado, como se vê de julgado relatado pelo E. Des. Byron
Seabra Guimarães:
EMENTA: "APELAÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL: NULIDADES - DENÚNCIA:
INÉPCIA - CONEXÃO - PREVENÇÃO - "PERPETUATIO JURISDICTIONIS" - JUÍZO
NATURAL. - Possíveis nulidades do inquérito policial não invalidam o processo de
conhecimento. Não é inepta a denúncia que, mesmo sucintamente, descreve dando
oportunidade de ampla defesa aos acusados. - Se o furto ocorreu na comarca de Itumbiara
e a receptação na de Uruana, há conexão de causas, e porque idênticas as penas, fixa a
competência pela prevenção: no caso, o juízo da comarca de Itumbiara que recebeu a
denúncia, o primeiro a tomar conhecimento do fato, conforme o comando do artigo 83 do
Código de Processo Penal. A competência do juízo é um dos pressupostos de validez do
processo. Em virtude da perpetuatio iurisdictiones e do princípio do juízo natural (artigo
5º, inciso LIII, da Constituição Federal), conheço da apelação e decreto, de ofício, a
nulidade do processo, na forma explicitada no voto, remetendo-se os autos ao juízo
competente". Acórdão de 24/03/94, relator, Des. Byron Seabra Guimarães.
Demais disso, esta questão já foi ventilada nos habeas corpus impetrados em favor da ré Adriana
Santos Amaral (fls.322) e Webert Lacerda da Silva (fls. 404), tendo sido rejeita em ambas as oportunidades.
Assim, considero superada e rejeito esta preliminar.

Preliminar de inépcia da denúncia contra Jason


A alegada inépcia da denúncia quanto a Jason Alessandro Benevides Duarte também não merece
acolhida. Embora a peça inaugural não seja um primor de técnica, aponta claramente qual foi o comportamento
do réu - ajustar previamente com os demais a prática de estelionato nesta capital, fazendo uso de cheque
roubado, em concurso com Levi e outros, no Carrefour, onde, depois de ter ajudados a encher os carrinhos, foi
aguardar no estacionamento.
Assim, ainda que pudesse ser considerada participação de menor importância no estelionato, está bem
descrita. O mesmo se diz quanto ao crime de quadrilha.
Por conseguinte, rejeito a preliminar de inépcia da denúncia.

Preliminares de inexistência de conexão ou continência que autorize a reunião de processos e a aplicação


da lei 9099/95

Fosse comarca do interior do Estado, em que não há vara privativa para processo e julgamento de
crimes conforme o tipo de procedimento, o questão em enfoque não constituiria problema dos mais relevantes,
posto que qualquer que fosse o delito seria julgado pelo mesmo juiz, pelo menos quanto à primeira fase do
procedimento. No entanto, nesta capital há vara privativa para processo e julgamento de crimes dolosos contra a
vida, como o imputado a Levi Fonseca Moreira, e para os crimes punidos com a pena de reclusão, como o são os
dos arts. 171 e 288, atribuído a todos os acusados.
Trata-se, no caso de competência absoluta, que não pode ser modificada por convenção das partes.
À guisa de esclarecimento, para melhor adequação da caso concreto à solução que me proponho
apresentar, supondo que a denúncia fosse apenas em relação a Levi, que a toda evidência utilizou o cheque
furtado e a falsa identidade, como admite nas alegações finais, inteira aplicação teria o disposto no art. 78, I,
CPP, que estabelece o foro de atração ao Tribunal de Júri para ambos os crimes. Levi responderia, pois, perante
este juízo tanto pelo crime de homicídio como pela tentativa de estelionato. Se fosse desclassificado o homicídio
para culposo, como pediu nas alegações finais, a juízo da vara dos crimes punidos com reclusão deveria ser
remetido o processo, mas ainda assim reunido.
Como, porém, a denúncia incluiu mais 6 pessoas, todas por tentativa de estelionato e formação de
quadrilha, crimes que originariamente não são de competência deste juízo, realmente a questão se torna
relevante, vez que configurada a conexão, ou continência, fica prorrogada, também com suporte no mesmo art.
78, I, CPP.

O que é a conexão, afinal, e o que a justifica?

Conexão, segundo Tourinho Filho,

“é o nexo, a dependência recíproca que as coisas e os fatos guardam entre si. A conexão existe
quando duas ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo, um nexo, um liame que
aconselha a junção dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro
probatório”. Mais adiante o mesmo mestre ensina que “nas hipóteses de conexão ou
continência, como deve haver um simultaneus processos, é preciso que uma infração exerça vis
atractiva sobre as demais, prorrogando-se, assim, a competência do juízo de atração”.
Assim, se resultar provada a conexão, pela necessidade de se apurar em bloco as infrações, impõe-se
a reunião dos processos. Ao contrário, a separação é pelo menos medida de justiça, até porque mesmo em caso
de condenação, pelas penas previstas em lei e pelo perfil dos agentes, não se autorizaria o regime fechado.
Ora, não há dúvida de que se pode falar em conexão quanto aos crimes de estelionato e formação de
quadrilha, posto que este só se configura quando os agentes se reúnem para o fim de cometer crimes, no caso,
segundo a denúncia, para o fim de praticar estelionato nesta capital. Portanto, a prova da intenção de praticar tais
crimes de estelionato é essencial para provar a ocorrência, ou não, da quadrilha.
Também há conexão entre o crime de formação de quadrilha e os demais, incluindo o homicídio,
posto que, praticado por um dos integrantes do grupo, cuja intenção a denúncia afirma ser de conhecimento dos
demais.
Assim, nulidade no processo sob ao argumento de que inexiste a conexão que autoriza e determina a
reunião de processos, posto que a prova de uma infração incide na de outra, nos termos do art. 76, III, CPP.
Por isso, não acolho a preliminar de desmembramento do processo.
Há, porém, a questão levantada por Webert Lacerda da Silva e Elion de Souza Lima, relativamente à
aplicação da lei 9099/95, que prevê a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89.
Aliás, esta me parece ser questão que deve anteceder as outras, porquanto, tratando de crime isolado,
implica em regra mais benéfica, portanto, de aplicação obrigatória. Do ponto de vista processual, no entanto,
duas dúvidas surgem:
a) aplica-se a regra prevista no art. 89 da lei 9099/95 mesmo quando se trate de concurso de agentes, cujo
procedimento seja de competência do tribunal do juri?
b) sendo positiva a resposta à pergunta, aplica-se regra do mesmo artigo quando ao réu seja atribuída duas ou
mais infrações em concurso material, cujas penas somadas ultrapassem o mínimo legal de 1 ano, como se dá
com a tentativa de estelionato e quadrilha ou bando?

A resposta à questão tem sede constitucional.

Segundo o art. 5º, XL, CF, a lei que de qualquer forma beneficiar o réu é a que se lhe aplica. Assim,
regras previstas em leis processuais, que estabelecem a reunião de processos ou outra causa, não têm aplicação
quando colidirem com leis que beneficiem o agente. No caso, o disposto no art. 89, da lei 9.099/95, é mais
benéfico. Por conseguinte, a questão colocada na letra “a” deve ser respondida afirmativamente prevalecendo
sobre a regra prevista no art. 78, I, CPP, que determina a reunião de processos.
Por isso, talvez haja aqui outra dúvida de ordem processual, antes de se responder a tais indagações.
Refiro-me à competência deste juízo, justamente para apreciar o caso, pois, se a final restar demonstrada a
necessidade de se desmembrar o processo, poderá parecer que terei feito pré-julgamento ou invadido esfera de
competência de outro juízo.
No entanto, refletindo sobre o assunto, concluo que devo analisar o caso e só remeter os réus ao juízo
da vara dos crimes punidos com reclusão se responder afirmativamente às duas questões, vez que, caso contrário
deve prevalecer a regra já analisada - de simultaneus processus.
Pois bem. Segundo a denúncia os réus infringiram em concurso material (art. 69, CP) o art. 171,
caput, c/c art. 14, II, e art. 288, par. único, ambos do CP. A pena para a o crime de quadrilha ou bando prevista
no par. único do art. 288 é aumentada pelo dobro, chegando, pois, a 2 anos no mínimo, enquanto a mínima do
estelionato tentado é de 4 meses. Nos termos do art. 69, CP, as penas devem ser somadas, totalizando, então, o
mínimo de 2 anos e 4 meses de reclusão.
O art. 89, da lei 9099/95 autoriza a suspensão condicional do processo quando a pena mínima
cominada em lei não for superior a um (1) ano. Esta é a questão. Se fosse só o estelionato, caberia a aplicação da
regra. Se fosse só a quadrilha (art. 288, caput), também caberia, posto que a pena mínima de um e outro não
extrapolaria o limite legal. No entanto, aos réus foi atribuído o par. único do art. 288, cuja pena por si já é maior
que o limite mínimo, posto que é dobrada.
Além disso, há a questão posta, de se saber se podem ou não serem somadas as penas para, efeito de
aplicação do art. 89, da lei 9099/95.
Não há ainda, que seja de meu conhecimento, posição jurisprudencial a respeito. Também as fontes
doutrinárias não tocam no problema. Penso, então, que devo recorrer à analogia e valho-me dos princípios que
informam, no procedimento comum, o concurso de crimes e crime continuado, em casos de sursis. A
jurisprudência neste ponto é uníssona no sentido de que se deve considerar a pena total:
“Se um dos pressupostos do sursis é não exceder e pena de detenção a dois anos ou, ao
mesmo limite, a de reclusão, seria absurdo concedê-lo quando as duas pena, cumuladas,
ultrapassam esse limite” (julgado do STF in RT 483/386).
“Não se aplica à disciplina do sursis o desmembramento das infrações continuadas, para
efeito de considerar-se a pena-base imposta por um só dos delitos da série, devendo-se levar
em conta, ao contrário, o quantum final da pena resultante da condenação” (julgado do
TACrimSP, in JUACRIM 15/135).
Em sede doutrinária, Luiz Fux e Weber Martins Batista (Juizados Especiais Cíveis e Criminais e
Suspensão Condicional do Processo, pág. 292), apontam a mesma solução. Dizem que só se aplica a regra
prevista no art. 61 da citada lei quando o máximo das penas somadas não ultrapassar o limite legal.
É o que penso também. Se as penas impostas aos réus, em tese, abstratamente consideradas pode
exacerbar o limite de um (1) ano, no mínimo, seria ilógico admitir-se a suspensão condic ional do processo para
apenas um dos crimes, no caso o estelionato tentado.
Por conseguinte, como se trata de crime em concurso material, cujas penas, em tese, somadas,
excedem o mínimo de 1 ano, nego acolhimento à preliminar levantada por Webert Lacerda da Silva e Elion de
Souza Lima, mantendo reunidos os processos e, em conseqüência, a competência deste juízo, porque a lei que
seria mais benéfica não tem aplicação ao caso. Não há, assim, ofensa ao preceito constitucional.
Finalmente, em face do que restou exposto, nego acolhimento a todas as preliminares, da forma como
foram ventiladas e passo ao exame do mérito.

Quanto ao crime de art. 121, § 2º, V, CP

A Levi, além da imputação quanto ao crime de quadrilha, foi atribuída o crime de homicídio
qualificado, por ter sido ao autor do disparo de arma de fogo que matou Marcos Barros Maciel.
Alega o réu que o tiro foi disparado quando se descobriu a farsa do “cheque frio”, se prontificou a
pagar em dinheiro, mas o gerente recusou a oferta e nesse instante, várias pessoas no recinto, uma delas colocou
a mão em seu ombro. Foi neste momento, segundo diz, que sacou de sua arma calibre 38, que trazia na cintura, e
apontou para cima. A vítima segurou e torceu seu braço, sendo que a arma disparou.
O laudo de exame cadavérico aponta que o disparo foi a queima-roupa.
O fato foi presenciado por Regivam, Francisco e Claudinei. Regivan (fls. 187) disse que a vítima
estava no rumo da porta junto com Claudinei e Eurípedes e Levi tinha que passar, necessariamente, por eles, para
sair. Disse também que não presenciou a vítima fazer qualquer gesto agressivo contra Levi.
Francisco disse (fls. 193) que a vítima estava entrando na sala na hora em que foi disparado o tiro, e
que Claudinei estava entre o réu e vítima e encostou a mão no ombro dele. Foi nesta hora, Claudinei entre
ambos, que Levi disparou em sua direção, mas acertou a vítima, que estava entrando na sala. Claudinei só não
foi atingido porque percebeu a arma e pulou de lado.
Claudinei (fls. 199), confirmando depoimento prestado na fase policial disse que quando Marcos (a
vítima) abriu a porta “deu de cara com Levi” e nesta hora tomou o tiro (fls. 17).
As evidências são fortes, de que Levi, realmente, atirou porque quis. Estava armado, entrou no
supermercado para praticar estelionato e quando se viu encurralado quis abrir passagem a qualquer custo. Atirou
em direção onde estava o segurança Claudinei, mas, por infelicidade da vítima, acabou atingindo-a no momento
em que entrava no recinto.
Ainda que se admita que Levi não teve a intenção de matá-lo, pelo menos assumiu o risco, vez que
efetuou disparo de arma de fogo em local pequeno com várias pessoas em seu interior. Como diz Aníbal Bruno,
o réu agiu com dolo eventual, pois,
“No dolo indireto ou indeterminado o querer do agente se degrada, não é tão definido em
relação ao resultado como no determinado ou direto propriamente dito. Não há, então, uma
direção segura de vontade. O agente prevê e admite a ocorrência eventual de um resultado,
ou quer um ou outro entre vários resultados previstos”.
Porém, é essencial que o agente tenha se conduzido consentindo o resultado. Ora, Levi viu Claudinei
em sua frente, bem como Francisco que estava ao lado deste e, querendo sair do ambiente que lhe era
desfavorável, o que é natural, não viu alternativa senão atirar para abrir caminho. Fê-lo, porém, correndo o risco
de atingir um deles, o que acabou ocorrendo. Neste sentido há decisão do TJSP:
“Age com dolo eventual, não simples culpa, agente atira em outrem para assustá-lo,
ocasionando-lhe a morte, resultado não querido mas previsto, assumindo o risco de
produzi-lo” (RT 380/3802).
Assim, tenho, pois, por provado o dolo na conduta de matar alguém. Configurado está o homicídio.
A denúncia o qualifica pelo intenção, qual seja, conseguir impunidade em relação ao crime de estelionato (art.
121, § 2º, V).
De fato, o réu pretendia fugir do local para não responder pelo crime que praticara, ou que tentara
praticar, seja no interior do supermercado ou em outro local. A qualificadora está presente. Porém, nas
alegações finais a Dra. promotora de justiça pediu a aplicação também da qualificadora da surpresa, prevista no
inciso IV.
Esta qualificadora não tem suporte fático. O réu, ainda que agindo de inopino, apenas assumiu o risco
de produzir um resultado fatal, não se dirigindo, especificamente, à vítima. A qualificadora só se verifica quando
a agressão se dá de modo inesperado e repentino, colhendo a vítima descuidada, desprevenida, sem razões
próximas ou remotas para esperá-la s nem mesmo dela suspeitar (RT 561/386).
Ora, ora. Ainda que a vítima tenha sido apanhada de surpresa, o destinatário inicial do tiro - a
testemunha Claudinei - e todos os demais foram negligentes, porquanto, encarregados que são da segurança,
deveriam no mínimo prever o resultado. Tinham, pois, razões de sobra para prever que o réu, acuado, como
qualquer animal na mesma situação, poderia agir de forma abrupta.

Rejeito, pois, a qualificadora contida nas alegações finais, mas acato a da denúncia.

Quanto ao crime do art. 288, par. único, CP

Aprecio agora o crime de formação de quadrilha, mas desde logo excluo-o da denúncia contra todos
os acusados, vez que na conduta narrada não se encontram reunidos os elementos necessários de sua definição
legal. Efetivamente, dispõe o art. 288, CP:
“Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer
crimes”.
Por conseguinte, para que se configure o crime, essencial é que se trate de reunião deliberada de pelo
menos 4 pessoas para a prática de crimes, não se admitindo quando a reunião não seja com este fim, ainda que
seja para a prática de crime continuado, porque, somente por ficção legal trata-se de crime único. Igualmente,
não se configura o crime se a reunião for momentânea, não estável.
É bem verdade que não são uníssonos os julgados, nem os doutrinadores, sobre a não ocorrência do
crime de quadrilha ou bando em caso de crime continuado. Talvez inaugurada por Hungria, que não admitia,
rebatida por Fragoso, que pensava ao contrário, a polêmica continua acesa. Penso, porém, sem embargo da
corrente contrária, como a maioria, que admite o crime de quadrilha ou bando mesmo quando a reunião tenha
tido o fim de cometer crime em continuação delitivas (art. 71, CP).
Em sede doutrinária dizia Hungria que na hipótese de crime continuado inexiste organização estável
entre os co-autores, por isso não configura o crime de quadrilha ou bando. De outro lado, porém encontram-se
Magalhães Noronha, Fragoso e outros, bem assim a jurisprudência do E. TJGO:
EMENTA: "Recurso de Apelação. Furto. Crime continuado. Formação de quadrilha ou
bando. Artigos 155 e 288, combinados com o artigo 71, do Código Penal. A prática
sucessiva de furtos de acessórios de veículos, alguns consumados no mesmo dia e, outros
dias depois, com a participação dos mesmos agentes, executados de maneiras semelhantes,
configura o crime continuado e, se nessa prática delitiva, há a associação de mais de três
pessoas para o fim de cometer crimes, estará caracterizada a infração do artigo 288, do
Código Penal - quadrilha ou bando. Recurso improvido." Acórdão de 23/02/95, relator Des.
Juarez Távora de Azeredo Coutinho.
Não basta, porém, para a configuração do crime de quadrilha a prática de vários crimes por grupo de
pessoas. É essencial que tenham agido com o propósito deliberado de agir de forma permanente neste
agrupamento, pois, como dizia Hungria, citado Magalhães Noronha (pág. 101),
“Não bastam meros atos preparatórios da convenção comum; não é a simples troca de idéias por alto
acerca do fim, mas o propósito firme e deliberado, a resolução seriamente formada, com programa a ser posto
em execução em tempo relativamente próximo, de modo que se possam divisar no fato a lesão jurídica e o perigo
social, contra os quais se dirige a tutela penal.
"Característico do bando ou quadrilha é a estabilidade ou permanência da reunião, com o
fim de cometer crimes, ainda que esse conceito de permanência seja relativo e dependente,
em regra, dos planos criminosos que a associação tem em vista. É o que a distingue da co-
participação delituosa: conjugação de esforços transitória ou momentânea para o
cometimento de certo crime. Dessa distinção já dava conta Carrara: “É necessário, a meu
ver, distinguir o caso do verdadeiro brigantaggio, constituído por organizações
permanentes de bandos e, o caso de mera extorsão mediante seqüestro, cometida por
pessoas acidental e precariamente congregadas para esse fim especial”. Há que se
distinguir, pois, entre societas dilinguentium e societas in crimine, bastando dizer que,
nesta, se o delito não é, pelo menos, tentado, não haverá punição, ex vi do art. 27”.
Com inteira razão o mestre. Se a reunião for para o fim deliberado de, permanentemente, se reunirem
pelo menos 4 pessoas para praticar crimes, configura a quadrilha ou bando, mesmo que crime algum seja
praticado, posto que a objetividade jurídica, no caso, é a paz pública, não o patrimônio ou a pessoa, como o são o
estelionato e o homicídio, respectivamente; se, ao contrário, a reunião momentânea ou acidental, ausente, pois,
intenção de a estabilidade, quadrilha não há, ainda que o grupo seja de centenas de pessoas e consumem,
efetivamente, vários crimes, caracterizando apenas concurso de pessoas e conexão (arts. 29, CP e 76, CPP). No
concurso, é essencial que o crime seja pelo menos tentado; o crime de quadrilha independe do resultado material
dos crimes, a cuja reunião se deram os integrantes.
Na mesma linha de pensamento incorre Damásio:
“1º Na quadrilha ou bando os seus membros associam-se de forma estável e permanente, ao
passo que na co-delinqüência os sujeitos se associam de forma momentânea; 2º na co-
delinqüência os participantes associam-se para a prática de determinado crime, antes
individuado, ao passo que na quadrilha ou bando os seus componentes se associam para a
prática de indeterminado número de crimes”.

Pois bem. Delineados os contornos do crime de quadrilha, resta analisar o caso em julgamento.
Segundo a denúncia, em primeiro lugar, Webert levou Levi até a cidade de Ceilândia onde este
comprou o talão de cheques e a cédula de identidade em branco, que depois preencheu com o mesmo nome que
constada da cambial e apôs a sua fotografia. Não disse, e não provou a Dra. promotora, que Webert sabia o que
Levi fora fazer no local. Por isso, até aqui não há crime de Webert. Poderia, em tese, ter havido de Levi, pela
falsificação, mas, como se verá, foi absorvida pelo estelionato (súmula 17, STJ), por ser crime-meio.
Acrescenta a denúncia que depois de preencher a identidade falsa, Levi convidou Adriana, Webert,
Elion, Jason, Alexandre e Fernando para virem passar o final de semana em Goiânia, na casa de sua mãe, onde
fariam compras com aqueles cheques e identidade. Disse a denúncia que todos sabiam da origem do cheque e da
identidade e aceitaram o convite. Cumprindo o desiderato, acrescenta a peça inaugural que aqui nesta capital
compraram várias mercadorias em estabelecimentos diferentes e pagaram contas de boate, tudo com cheques
daquele talonário, até que chegou o fatídico dia no Carrefour, onde tudo deu errado.
Não disse, no entanto, a denúncia, quem efetuou as compras (disse que “saíram para efetuar
compras...”; “... foram à boate e pagaram as despesas com o cheque...”).
Ora, tudo isto, até aqui, mesmo que fosse demonstrado de modo claro que todos tivessem emitido os
cheques, ou pelo menos participado na forma do art. 29, CP, não se demonstrou que o fizeram de modo
permanente e estável. A narrativa apenas deixa ver que não passou de um grupo de jovens que, o mais novo com
18 anos e o mais velho com 22, quem sabe até por “espírito de aventura”, quiseram vir a esta cidade “festar”,
mostrar que tinham dinheiro, até mesmo impressionar a mãe de Levi e depois voltar para casa, cada um cuidando
e sua vida, seja no laboratório de prótese Levi), no Lojão do Povo (Ariana), na Auto Peças (Elion), na
Construtora Borges (Alexandre) ou no Batalhão da Aeronáutica (Fernando).
Não bastasse isso, a imputação aos réus os enquadra no par. único do art. 288, que prevê aumento de
pena quando o bando ou quadrilha é armado. Ora, a digna representante do Ministério Público parece que andou
assistindo muito a noticiários sobre violência e quadrilhas. Querer comparar o caso ora tratado com o de grupos
de assaltantes de bancos ou seqüestradores que agem no Rio e em São Paulo (poderia ser até aqui mesmo), com
o dos réus, é uma violência maior que a por eles praticada. Ora, não há qualquer menção de que o grupo
estivesse armado, mas apenas que Levi fizera uso de arma de fogo, portanto, ele estava armado, mas não a
“quadrilha”.
Porém, como não vejo a configuração do caput, não tenho porque discutir o parágrafo único, que não
representa conduta autônoma.
E aí, do ponto de vista processual, quid iuris, se o fato não é crime e se se trata de procedimento cuja
decisão, nesta fase, seria a pronúncia (art. 408), impronúncia (art. 409), desclassificação (art. 410) ou absolvição
sumária (art. 411), todos do CPP? Poderia ser indeferida a denúncia nesta fase, com espeque no art. 43, I?
Para a pronúncia é essencial que se demonstre provada a materialidade do delito; para a impronúncia,
que não esteja provada a existência do crime, ou haja dúvida fundada sobre a autoria; a desclassificação opera-se
quando o crime tipificado é outro, diverso do contido na denúncia ou queixa; por fim, a absolvição sumária,
quando houver qualquer causa excludente da ilicitude do fato, ou que isente de pena o agente, (arts. 20, 21, 22,
23, 26, caput e 28, § 1º CP).
Não é, pois, o caso de pronúncia, nem de desclassificação. Seria, então, caso de indeferimento da
petição inaugural, absolvição sumária, ou de impronúncia?
Embora seja possível, do ponto de vista processual, indeferir a denúncia antes da sentença, quando
configurada qualquer hipótese do art. 43, CPP, nenhuma delas se aplica a este caso. Poderia ser alegada a
incidência do art. 43, I, ao argumento de que o fato narrado não constituiu crime de quadrilha ou bando. Porém,
não se poderia falar em inépcia da peça inaugural, vez que descreve o fato, apenas não prova a reunião de todos
os elementos de sua definição legal, mas permitiu aos acusados se defenderem amplamente, tanto que sobre o
ponto escrevi várias páginas.
Tempos atrás entendeu o STF, no julgamento do HC 56.729, que a ausência do dolo - no caso, dolo
de reunir para fim duradouro de praticar crimes, seria caso de absolvição sumária. A posição não é correta,
posto que a absolvição nesta fase, só pode se fundar nos termos do art. 411, CPP (excludente de ilicitude ou
causa de isenção de pena). Também não é o caso presente.
Por conseguinte, não sendo inepta a denúncia, e não sendo o caso de pronúncia, desclassificação ou
absolvição sumária, incide o art. 409, CPP, primeira parte, vez que, por faltar um dos elementos da definição
legal - a reunião estável - não me convenço da existência de crime de quadrilha ou bando, pelo que, rejeito a
denúncia, quanto ao art. 288, par. único, CP, e impronuncio todos os réus.

Quanto ao crime do art. 171, caput, c/c art. 14, II, CP

Linhas atrás apontei o art. 5º, XL, CF, que diz que a lei que de qualquer forma beneficiar o réu é a
que se lhe aplica. Assim, regras previstas em leis processuais, que estabelecem a reunião de processos ou outra
causa, não têm aplicação quando colidirem com leis que beneficiem o agente. No caso, o disposto no art. 89, da
lei 9.099/95, é mais benéfico. Conclui também que não prevalece a conexão de crimes se a prova de uma
infração não influenciar na outra, de modo que não se justifica o simultaneus processus, que representa ofensa ao
princípio constitucional da lei mais benéfica.
Por conseguinte, como aos réus Adriana, Jason, Webert, Elion, Fernando e Alexandre somente
são imputadas ofensa ao art. 171, caput, c/c art. 14, II, CP, cuja prova não influencia na prova dos fatos quanto
Levi, não há razão para manter os processos reunidos. Mesmo que houvesse, como a regra prevista no art. 89 da
lei 9099/95 é mais benéfica, de qualquer forma é a que se lhes aplica, pelo que este juízo é incompetente
absolutamente.
Quanto a Levi, porém, como reconheço a sua autoria e materialidade do crime de estelionato tentado,
em concurso com o art. 121, § 2º, V, CP, não há como conceder-lhe os benefícios daquela lei, devendo responder
por ambos perante o seu juiz natural, que é o tribunal do juri desta comarca.

Em face de tudo quanto expus, decido:

a) julgo improcedente o pedido contido na denúncia contra os réus relativamente ao crime do art. 288, par.
único, CP, pelo que, com suporte no art. 409, primeira parte, CPP, os impronuncio. Acrescento que decidi
sobre este porquanto era essencial para demonstrar a inexistência de elo que justificasse a reunião dos
processos, em especial quanto ao crime de estelionato;
b) julgo procedente em parte o pedido contido denúncia contra Levi Fonseca Moreira, rejeito a segunda
qualificadora incluída na denúncia e o pronuncio como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, V, CP e art.
171, caput, c/c art. 14, II do mesmo Código, pelo que deve ser submetido a julgamento perante o E. Tribunal
do Juri;
c) desaparecendo o liame que justifica a reunião de processos, e como as regras previstas na lei 9099/95 são
mais benéficas, reconheço a incompetência deste juízo para julgar os réus Adriana Santos do Amaral,
Webert Lacerda da Silva, Elion de Souza Lima, Jason Alessandro Benevides Duarte, Alexandre
Teixeira Neto e Fernando Freitas Carneiro em favor de quem, com fulcro no art. 81, par. único, CPP,
acolho a preliminar de que não se justifica o simultaneus processus com o Levi, e determino que respondam
perante o seu juiz natural, que é o dos crimes punidos com pena de reclusão. Por tal razão, deixo de apreciar
a questão de mérito.
Em cumprimento ao preceituado na letra “c” determino que sejam trasladadas por fotocópia todas as
peças que formam estes autos, remetendo por ofício ao distribuidor para que de lá seja encaminhado ao juízo da
vara dos crimes punidos com a pena de reclusão.
Sem embargo disto, entendo que não mais se justifica a prisão dos réus, vez que o rito da lei a que
responderão - art. 89 da lei 9099/95 - não prevê a supressão da liberdade mediante clausura. Assim, cumprindo o
disposto no art. 5º, LXV, CF, que, em respeito ao princípio-garantia fundamental da liberdade determina o
relaxamento do prisão ilegal pela autoridade judiciária, determino a imediata soltura dos réus. Expeça os
ALVARÁS DE SOLTURA incontinenti para Adriana Santos do Amaral, Webert Lacerda da Silva, Elion
de Souza Lima, Jason Alessandro Benevides Duarte, Alexandre Teixeira Neto e Fernando Freitas
Carneiro.
Quanto a Levi Fonseca Moreira, embora seja primário e de bons antecedentes, pelo que se viu de seu
comportamento em audiência, demonstrando frieza, e bem porque não reside no distrito da culpa, a fim de
garantir a aplicação da lei penal mantenho a prisão, como está.

CUMPRA-SE.
P.R.I

Goiânia, 30 de novembro de 1996

ARI FERREIRA DE QUEIROZ


Juiz de direito
BIBLIOGRAFIA

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