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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

A AUTONOMIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA


NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Isabela Pinheiro Medeiros

FLORIANÓPOLIS (SC), MARÇO DE 1999.

Monografia apresentada à banca examinadora do Curso de Direito da Universidade Federal de


Santa Catarina, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a
orientação do Professor Msc. João dos Passos Martins Neto.

No dia 25 de março de 1999 foi apresentada, defendida e aprovada pela


banca examinadora composta pelos professores abaixo assinados esta monografia,
intitulada “A AUTONOMIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
NA CONSTITUIÇÃO DE 1988”, recebendo nota 10 (dez), sendo julgada adequada para o
cumprimento do requisito legal previsto no artigo 9º da Portaria nº 1886/94/MEC,
regulamentada pela Universidade Federal de Santa Catarina através da Resolução nº
003/95/CEPE.
EXAMINADORES
Ildemar Egger
João dos Passos Martins Neto
Sergio Cademartori

Dedico este trabalho

Ao Geyson,
companheiro de todas as horas,
meu amor,
minha razão.

Com carinho.

Ao meu pai, Medeiros, modelo de integridade e minha


mãe, Leonora, grande amiga, por tanto amor e
preocupação;
À minha irmã Érica, pela paciência, pelo quarto e,
principalmente, pela exclusividade no uso do
computador;
À minha irmã Camila, cuja meiguice e sorriso fazem-me
esquecer dos problemas;
Ao meu namorado, Geyson, pela segurança e incentivo
constante;
À Titi, maior responsável pela escolha do Direito;
À Graziela Thévenet, pelo retorno na hora certa;
À Cecília Caballero Lois, pelo apoio imprescindível;
Às amizades concebidas ao longo desta faculdade, em
especial à Elane Pereira da Rosa, Marianne da Silva
Brodbeck, Raquel Fernanda Veras dos Santos e Simone
Marien Nunes Saad, por terem tornado esta jornada
universitária inesquecível;
À Dra. Maria Soares Camelo Cordioli, por introduzir-me
no estudo da moralidade administrativa;
Ao professor João dos Passos Martins Neto, pela
dedicada orientação;
A todos aqueles que contribuem para que eu seja uma
pessoa plenamente feliz.

O meu eterno agradecimento.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

Capítulo 1 – MORALIDADE ADMINISTRATIVA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS


1.1. Direito e Moral
1.2. Moral e Ética
1.3. Moralidade Administrativa
1.3.1. Origem
1.3.2. Natureza
1.3.2.1. Moral Comum e Moral Administrativa
1.3.2.2. Moralidade e Legalidade
1.3.2.3. Moralidade e Probidade

Capítulo 2 – A MORALIDADE ADMINISTRATIVA À LUZ DA ORDEM


CONSTITUCIONAL
2.1. A Moralidade Administrativa no Direito positivo brasileiro
2.1.1. Gênese Constitucional
2.1.1.1. A Expressividade da Moralidade Administrativa no atual Texto Constitucional
2.1.2. Legislação Infraconstitucional
2.2. A Moralidade Administrativa na Constituição Federal de 1988
2.2.1. A Moralidade Administrativa em relação aos demais princípios insculpidos no
artigo 37, caput, da Carta Magna
2.2.2. Alcance
2.2.3. Efetividade
2.3. Caracterização da Moralidade Administrativa

Capítulo 3 – O CONTROLE JURISDICIONAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA


3.1. Noções Gerais acerca do Controle da Administração Pública
3.1.1. Conceito
3.1.2. Modalidades
3.1.2.1. Controle Interno
3.1.2.2. Controle Externo
3.2. O Controle da Moralidade Administrativa em face da Constituição
3.3. Tutela Jurisdicional da Moralidade Administrativa
3.4. A Moralidade Administrativa e a Jurisprudência

CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Anexo I
Anexo II
Anexo III

INTRODUÇÃO

O estudo da moralidade administrativa vem revelando-se bastante controvertido,


suscitando divergências doutrinárias. A inquietude dedicada ao tema evidenciou-se após a
promulgação da Carta de 1988, que reservou ao instituto um especial tratamento, elevando-o,
pioneiramente, à categoria de princípio de observância obrigatória da atividade da
Administração Pública.

Esta inovação, inevitavelmente, repercutiu sobremaneira na esfera jurídica


brasileira, já que acarretou na necessidade de vislumbrar o instituto de forma mais cuidadosa,
com uma amplitude maior a que lhe era conferida até então, posto que consistia em mero
princípio geral de direito.

Destarte, dada a importância do tema, o presente estudo tem por escopo precípuo
contribuir para a análise de tão relevante princípio, enfatizando prioritariamente os aspectos que
vêm gerando maiores controvérsias. Há que se ressaltar, no entanto, que o conteúdo desta
monografia parte de pressupostos eminentemente teóricos, fruto de uma corrente que ainda não
se encontra propriamente sedimentada e ainda está por merecer maior respaldo jurisprudencial.

Feitas estas considerações preliminares, procurar-se-á demonstrar, ao longo da


pesquisa, que a intenção do legislador constituinte ao insculpir o princípio da moralidade
administrativa como pressuposto do atuar administrativo, foi conferir-lhe total autonomia,
inclusive e principalmente em relação à legalidade. Para tanto, será necessária a abordagem de
alguns aspectos pertinentes para a melhor compreensão do real alcance desse preceito
constitucional.

Assim, no primeiro capítulo será possível observar-se, antes do início da


abordagem da moralidade administrativa propriamente dita, breves apontamentos acerca
da moral em relação ao Direito e a Ética. Posteriormente, adentrar-se-á no espectro
específico deste princípio constitucional, a partir de uma análise histórica que se faz necessária
para, além de tentar justificar a sua origem, apontar as influência com ela advindas.

Ainda no mesmo capítulo, buscar-se-á situar a moralidade a partir de sua


comparação com outros elementos, que por vezes são com ela confundidos por parte dos
juristas pátrios. Sob este prisma, serão apontados os principais aspectos diferenciadores e
aproximadores da moralidade administrativa com a moral comum e com a legalidade, bem
como com a probidade.

Posteriormente, no segundo capítulo, será realizada uma abordagem do princípio


enquanto inserido na ordem constitucional brasileira, demonstrando os novos contornos que lhe
foram dados pelo Texto Maior, assim como as repercussões e obstáculos que com eles
sucederam. Destacar-se-á, com primazia, as intenções da Carta Magna em relação ao instituto,
dando ênfase à questão do alcance, da efetividade e da forma que se dá a caracterização dos atos
eivados de imoralidade.

Finalmente, no último capítulo, serão apontados alguns tópicos do controle da


moralidade administrativa sob a égide dos preceitos constitucionais. Desta maneira, revela-se
indispensável versar suscintamente sobre os os aspectos gerais do controle da Administração
Pública, tais como a possibilidade de sua realização e suas principais modalidades.

Especificamente em relação ao controle da moralidade, será efatizada a


modalidade jurisdicional, por consistir na mais controvertida, já que grande parte da doutrina e
jurisprudência pátria teme em aceitá-la. Assim, serão trazidas à lume algumas idéias básicas
defensoras da realização desta espécie de controle, a fim de apontar os requisitos necessários
para a sua efetivação, e, da mesma forma, a justificativa para a sua realização. Por fim, a partir
da análise de provimentos jurisdicionais, far-se-ão comentários acerca da aplicação que alguns
Tribunais Pátrios vêm dando à matéria.

Quanto ao método de abordagem do presente trabalho, será feito uso do método


indutivo, acompanhado da técnica de pesquisa bibliográfica. Com consultas a fontes
bibliográficas diversas, será possível o exame e estudo do tema sob os mais diversos enfoques e
entendimentos, o que propiciará um aprofundamento na matéria e, conseqüentemente, um
embasamento teórico para a realização da monografia e a obtenção dos fins por ela visados.
Capítulo 1 – MORALIDADE ADMINISTRATIVA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1.1. Direito e Moral

Diversas são as teorias que tratam da questão da Moral e do Direito. Enquanto


alguns autores concentram seus esforços em demonstrar a total distinção entre os dois institutos,
outros, por sua vez, sustentam a íntima relação do Direito com a Moral.

Dado à complexidade do tema, tentar-se-á demonstrar, tão somente, as


semelhanças e diferenças observadas nos dois conceitos, utilizando os ensinamentos de Adolfo
Sánchez Vázquez1.

Consoante apregoado pelo autor, Direito e Moral aproximam-se em alguns


aspectos: ambos constituem normas reguladoras do comportamento humano que visam
“garantir certa coesão social” 2, tendo, por conseqüência, um caráter imperativo. Aos dois
institutos é conferido uma dinamicidade que se encontra vinculada à história. “Assim como
varia a moral de uma época para a outra, ou de uma sociedade para outra, varia também o
direito.” 3

Quanto às diferenças, o autor evidencia a interioridade da moral e a exterioridade


do direito. Enquanto a moral não possui codificação e é observada em função de uma convicção
interna que garante o seu cumprimento, no direito a codificação faz-se imprescindível e o seu
cumprimento dá-se independente da existência de qualquer convicção íntima, em função da
coação exercida pelo Estado.

Ressalta ainda o autor que o campo da moral é indubitavelmente mais amplo que
o do direito, posto que o primeiro regula todas as formas do comportamento humano e o
segundo regula apenas aquelas que tem relevância para o Estado. Assim, em função da distinta
relação da moral e do direito com o Estado, nota-se que a moral poderá vir a se confrontar com
o poder estatal, enquanto que o Direito estará sempre em conformidade com o Estado, posto
que depende diretamente dele.

“Em conclusão: a moral e o direito possuem elementos comuns e mostram, por


sua vez, diferenças essenciais, mas estas relações, que ao mesmo tempo possuem
um caráter histórico, baseiam-se na natureza do direito como comportamento
humano sancionado pelo Estado e na natureza da moral como comportamento
que não exige esta sanção estatal e se apóia exclusivamente na autoridade da
comunidade, expressa em normas e acatada voluntariamente.” 4

1.2. Moral e Ética

Etimologicamente, moral e ética equivalem-se. A diferença está na origem dos


termos: enquanto a moral deriva do latim mores, a ética provém da palavra grega ethos. Porém,

1
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Tradução por João Dell’Anna. 14. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1993. 267p. p. 80-84.
2
Idem, p. 81.
3
Idem, ibidem.
4
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. op.cit., p. 84.
tanto o termo latino quanto o grego têm o mesmo significado – costumes.

A experiência histórica tem demonstrado que, antes de qualquer diferenciação


que se possa dar aos dois termos, a utilização preponderante de um ou de outro foi em grande
parte influenciada pela sua origem. Nota-se, portanto, que povos de cultura católica privilegiam
a utilização da palavra moral, enquanto os povos de influência protestante dão mais ênfase à
palavra ética.

Justifica-se, assim, o fato de que na antigüidade, a utilização de tais termos


variava de acordo com o idioma adotado, porém ambos “compreendiam tanto os costumes
como os códigos destinados a reger a conduta humana e a exortação à sua obediência e, ainda, a
reflexão filosófica sobre tais costumes e comportamentos e os códigos que os regulam.” 5

Já na atualidade, uma gama de autores continua adotando os termos moral e ética


indistintamente. Alguns, porém, apegam-se à tentativa de diferenciá-los.

O entendimento mais preponderante proclama ser a ética a ciência da moral,


cabendo a esta o “estudo da conduta moral do homem” 6. Desta forma, ética e moral
diferenciam-se e se relacionam enquanto “uma ciência específica e seu objeto”.7

Adolfo Sánchez Vázquez confere à ética um caráter de generalidade:

“O que nela se afirme sobre a natureza ou fundamento das normas morais deve
valer para a moral da sociedade grega, ou para a moral que vigora de fato numa
comunidade humana moderna. É isso que assegura o seu caráter teórico e evita
sua redução a uma disciplina normativa ou pragmática. O valor da ética como
teoria está naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar com
vistas à ação em situações concretas.” 8

A partir destes ensinamentos pode-se compreender que, enquanto a moral é


concebida como um conjunto de regras da conduta humana, e portanto, tem uma função prática,
a ética é eminentemente teórica, limitando-se a “explicar, esclarecer ou investigar uma
determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes.” 9

Isto não significa entender a ética como algo imutável. A ética varia de acordo
com o seu objeto de estudo, tendo, portanto um caráter extremamente dinâmico, já que a moral,
como visto anteriormente, sofre constantes modificações que acompanham a história do
homem.

1.3. Moralidade Administrativa

5
DÁLLARI, Sueli Gandolfi. A Ética Sanitária na Constituição Brasileira. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, v. 30, n. 117, p. 419-428, jan./mar. 1993. p. 420.
6
CARLIN, Volnei Ivo Carlin. Deontologia Jurídica – Ética e Justiça. Florianópolis: Obra Jurídica, 1996. 180
p., p. 37.
7
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. op. cit., p. 14.
8
Idem, p. 11.
9
Idem, p. 10.
1.3.1. Origem

Desde a antigüidade os povos já se preocupavam com a existência da moralidade


no trato da coisa pública. No decorrer da história, esta preocupação apenas evidenciou-se, posto
que, como assevera Cláudio Ari Mello, “a ampliação das zonas de liberdade de ação do Poder
Público produziram diversos problemas, (...)” 10, dentre eles uma propensão a atuações
desprovidas de honestidade.

Apesar de se encontrar, já no direito romano, “a interseção da moral no direito em


termos de aplicação” 11, que se deu através da doutrina do abuso do direito12, na esfera do direito
público, a moralidade veio a se instalar muito tempo depois, apenas no começo do presente
século, em 1914, com as anotações feitas por Maurice Hariou acerca do pronunciamento do
Conselho de Estado Francês, cúpula
do sistema do contencioso administrativo desse país, no caso Gommel. 13

Nota-se, porém, que a moralidade administrativa teve seu ingresso na esfera


jusadiministrativa vinculada à noção de desvio de poder, já que o legalismo que imperava à
época optou por camuflar o conteúdo do elemento moralidade administrativa dentro da violação
da finalidade do ato.

Alguns autores ressaltam que mesmo antes de 1914, mais precisamente em 1910,
Maurice Hariou já havia feito referência à moralidade administrativa na 1ª edição de sua obra
Principes de Droit Public (Princípios de Direito Público), quando discorreu:

“Assim, o poder público constituiu a armadura moral da administração pública. E,


aliás, deve-se notar que todo controle organizado em nome da moralidade
administrativa sobre os atos administrativos deve partir da noção do poder”.14

A noção de moralidade formulada pelo autor francês, não muito bem explicitada
nesta pioneira experiência, foi ganhando clareza e expressividade com as edições que seguiram.
Foi assim que, em sua 10ª edição, a moralidade administrativa vem conceituada como “o
conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”15.

No entanto, foi apenas na 11ª edição de sua obra, em 1927, que Maurice Hariou
conceitua de forma exemplar a moralidade administrativa, apregoando:

10
MELLO, Cláudio Ari. Improbidade Administrativa – Considerações sobre a Lei 8.429/92. Cadernos de
Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 3, n. 11, p. 49-62, abr./jun. 1995. p. 50.
11
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Moralidade Administrativa: do conceito à efetivação. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 190, p. 1-44, out./dez. 1992. p. 4.
12
Antônio José Brandão assevera que “a doutrina do exercício abusivo dos direitos representa a primeira
intromissão da regra moral na esfera do jurídico”. (BRANDÃO, Antônio. Moralidade Administrativa. Boletim
de Direito Administrativo, p. 62-72, fev. 1996. p. 63.)
13
Consoante apregoa Antônio José Brandão, a partir destas anotações, Hariou “desenvolveu, com maior
brilhantismo do que transparência, a seguinte tese audaciosa: a legalidade dos atos jurídicos
administrativos é fiscalizada pelo recurso baseado na violação da lei; mas a conformidade dêsses atos aos
princípios basilares da ‘boa administração’, determinante necessária de qualquer decisão administrativa, é
fiscalizada por outro recurso, fundado no desvio de poder, cuja zona de policiamento é a zona da
‘moralidade administrativa’.” (BRANDÃO, Antônio José, op. cit., p. 64.)
14
apud MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 06.
15
apud ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994. 307 p. p. 189.
“Quanto à moralidade administrativa, sua existência provém de tudo que
possuindo uma conduta pratica, forçosamente, a distinção do bem e do mal.
Como a Administração tem uma conduta, ela pratica esta distinção ao mesmo
tempo que aquela do justo e injusto, do lícito e do ilícito, do honorável e do
desonorável, do conveniente e do inconveniente. A moralidade administrativa é
freqüentemente mais exigente que a legalidade. Veremos que a instituição do
excesso de poder, graças à qual são anulados muitos atos da Administração, é
fundada tanto na noção de moralidade administrativa quanto na legalidade, de tal
sorte que a Administração é ligada, em certa medida, pela moral jurídica,
particularmente no que concerne ao desvio de poder”.16

Ante tais ensinamentos, conclui-se que o legado deixado pelo mestre francês foi
fundamental não só no intuito de dar à moralidade a importância que lhe é necessária, mas,
principalmente, ressaltar que o seu conceito ultrapassa os limites da legalidade.

No entanto, apesar do exposto acima, a doutrina ainda continua bastante tímida ao


discorrer sobre o tema, nem sempre reservando à moralidade a importância a que faz jus.

É o exemplo do Direito Francês, que vem abandonando a noção de moralidade


administrativa para utilizar preponderantemente a expressão desvio de
poder17, que, por consistir numa hipótese de ilegalidade, está mais facilmente sujeita ao controle
judicial. Neste contexto, a imoralidade seria, tão somente, uma espécie de ilegalidade, a
ilegalidade referente aos fins dos atos administrativos.

No Brasil, muitos são os autores que seguem a tendência francesa, entendendo


que o controle da moralidade administrativa estaria vinculado ao próprio controle da legalidade
e contrariando, desta forma, o disposto na Constituição Federal de 1988, que conferiu aos dois
elementos o mesmo nível hierárquico. 18

No entanto, entendem outros autores, mais acertadamente, que com a vigência da


atual Constituição19, a moralidade administrativa recebeu a possibilidade de ser tutelada de
forma autônoma e por conseguinte, mais eficaz, sendo fiscalizada pela sociedade inclusive
através do Poder Judiciário, revelando, desta forma, “um reconhecimento da insuficiência do
paradigma do princípio da legalidade para um controle efetivo da legitimidade de funções

16
apud FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. ver. atual. ampl. São Paulo:
Malheiros, 1995. 439 p. p. 48.
17
Cf. LOPES, Maurício Antonio. Ética e Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. 86
p. p. 31.
18
Ao analisar o tema, José Augusto Delgado ressalta que “A Administração Pública não está somente
sujeita à lei. O seu atuar encontra-se subordinado aos motivos e aos modos de agir, pelo que inexiste
liberdade de agir. Deve, assim, vincular a gestão administrativa aos anseios e às necessidades do
administrado, mesmo que atue, por autorização legal, como senhor da conveniência e da oportunidade.
Qualquer excesso a tais limites implica adentrar na violação do princípio da moralidade administrativa
sempre exigindo uma correta atividade.” (DELGADO, José Augusto. Princípio da moralidade administrativa
e a Constituição Federal de 1988. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 208-223,
jan./mar. 1993. p. 212-213.)
19
Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, mesmo antes da Carta Magna de 1988, enfatizava que o controle
externo da moralidade administrativa poderia ser realizado. Em sua obra “Princípio Constitucional da
Moralidade Administrativa”, o autor ocupa dois capítulos para discorrer acerca do “Alcance da Moralidade
Administrativa na Ação Popular Constitucional” e do “Alcance da Moralidade Administrativa no Mandado de
Segurança”. (FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O Princípio Constitucional da Moralidade
Administrativa. 2. ed. Curitiba: Genesis, 1995. 179 p.)
públicas”.20

1.3.2. Natureza

1.3.2.1. Moral Comum e Moral Administrativa

Com base no conceito deixado por Hariou, Welter, em sua monografia publicada
em 1930 - Le Contrôle Juridictionel de la Moralité Administrative (O Controle Jurisdicional da
Moralidade Administrativa), elaborou uma noção mais clara de moralidade:

“a moralidade administrativa, que nos propomos estudar, não se confunde com a


moralidade comum; ela é composta por regras da boa administração, ou seja: pelo
conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o
Bem e o Mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de
função administrativa”.21

Desta forma, resta imprescindível, para uma melhor compreensão da moralidade


administrativa, a sua distinção com a moral comum.

Analisando o conceito de Welter, nota-se que a noção de moralidade


administrativa está vinculada ao termo “boa administração” e portanto terá um caráter finalista,
já que para a realização desta última o que se leva em conta é a conduta externa do
administrador, o resultado por ele produzido. A atuação do administrador, para não configurar
violação à moralidade administrativa, deverá, assim, pautar-se sempre pelo fim desejado pela
Administração Pública, qual seja o bem comum.

Ao passo que a moralidade administrativa pode ser chamada de uma moral


específica da Administração, voltada para os resultados concretizadores da finalidade pública, a
moral comum, consoante apregoa José Augusto Delgado, tem como característica a
generalidade. Ensina o autor:

“A moralidade comum se baseia em um conjunto sistemático de normas que


orientam o homem para a realização de seu fim. Isto é, o do homem realizar, pelo
exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. O caráter de generalidade
posto na moralidade comum é o traço marcante diferenciador da moralidade
administrativa. Esta, ao contrário da moralidade comum, implica, tão-somente, a
necessidade que os atos externos e públicos dos agentes detentores de poder e de
atribuições sejam praticados de acordo com as exigências da moral e dos bons
costumes, visando uma boa administração.” .22

Cumpre ressaltar, no entanto, que apesar de constituírem elementos distintos e


que conseqüentemente não se confundem, a moral comum e a administrativa não podem ser
vislumbradas enquanto esferas estanques, já que, o contexto da boa administração tende a ser

20
MELLO, Cláudio Ari. op. cit., p. 50.
21
.
apud BRANDÃO, Antônio José. op. cit., p. 66.
22
DELGADO, José Augusto. A supremacia dos princípios informativos do direito administrativo:
interpretação e aplicação. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 83, n. 701, p. 34-44, mar. 1994. p. 40.
influenciada, indubitavelmente por preceitos da moral comum. 23

Este é o entendimento de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, adotado por uma


gama de autores. Segundo os ensinamentos do autor,

“o bom administrador (...) é aquele que usando da sua competência legal ‘se
determina, não só pelos preceitos vigentes, mas também pela moral comum’. Há
de conhecer, assim, as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto nos
seus fins.” 24

Conclui-se, desta forma, que apesar da moralidade administrativa regular, tão-


somente, as condutas concernentes à esfera da Administração Pública, seu conteúdo é atingido
pelos mandamentos da moral comum, já que o administrador, quando agir sob os preceitos da
“boa administração”, estará seguindo, igualmente, padrões morais comuns, provenientes da
sociedade em que vive.x25

1.3.2.2. Moralidade e Legalidade

A partir da análise do instituto da moralidade administrativa, torna-se mais


compreensível que certos autores tenham vinculado o conceito da moralidade administrativa à
legalidade, em função de sua origem, quando esteve diretamente ligada à idéia de desvio de
poder.

Mesmo com o decorrer do tempo e o amadurecimento da doutrina acerca do


tema, há ainda uma corrente tradicional que sustente esta vinculação, defendendo ser o vício de
moralidade tão-somente uma das hipóteses da ilegalidade, qual seja a ilegalidade concernente
aos fins (desvio de poder). Em conseqüência, o controle da moralidade por parte do Poder
Judiciário restringir-se-ia a esta modalidade de ilegalidade, restando seu exame enquanto
elemento isolado prejudicado, posto que tais autores vislumbram que, enquanto elemento da
disciplina interna da Administração, a análise da moralidade dos atos administrativos caberia,
igualmente, à esfera interna da Administração.

Talvez seja este entendimento um tanto quanto cômodo, já que a imprecisão do


23
Neste sentido apregoa Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho: “Parenteticamente, não custa mencionar
que é consenso, entre os administradores daqui e do exterior, que a moral administrativa não se confunde
com a moral comum, embora ganhe influência desta, já que aquela, encontrando-se juridicizada, representa
o conjunto de regras de conduta para uma boa administração, tiradas da disciplina interior da Administração
Pública, a qual não deixa de espelhar os valores morais prestigiados e amparados pelo ordenamento
jurídico, mormente, pela Lei Suprema”. (SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. O Princípio da
Moralidade Administrativa. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 22, p. 129-
132, jan./mar. 1998. p. 129.)
24
FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Controle da Moralidade Administrativa. São Paulo: Saraiva,
1974. 267 p. p. 11.
x

25
O Ministro Demócrito Ramos Reinaldo, ao concluir seus comentários acerca da relação entre a moral
comum e administrativa, assim se expressa: “A moralidade (administrativa), portanto, é a condizente com a
moral comum, a do homem médio, a que está em consonância com a cultura, costumes e hábitos sociais.
Atos morais são os acatados pela sociedade, porque se fundam em regras comuns e iguais a todos, são de
interesse geral e afinam-se com respeito à ordem natural das coisas. A sociedade repudia, sempre, os
provimentos administrativos personalizados, individualizados, que se sabe, ‘prima facie’, protecionistas de
pessoas ou grupos não isonômicos”. (REINALDO, Demócrito Ramos. O princípio da moralidade da
Administração Pública. Arquivo Forense, Pernambuco, v. 75, p. 45-50, jan. 1993/dez. 1995. p. 49-50.)
conceito da moralidade administrativa torna difícil não só a sua compreensão, mas
principalmente a sua conceituação e, portanto, a sua caracterização. Assim, enquanto elemento
absorvido pela própria noção de legalidade, sua configuração não ensejaria tantas ponderações,
já que a legalidade é, sem dúvida, um conceito de muito mais fácil apreensão.

Apesar de todas estas considerações, o entendimento ora exposto, revela-se


descabido após o avanço dos estudos doutrinários sobre o tema. É certo que a moralidade
administrativa constitui um conceito demasiadamente vago e que transcende a esfera jurídica,
porém estas dificuldades não podem impedir que a sua importância seja efetivamente
consagrada.

Seguindo esta linha de raciocínio é que a doutrina sofreu um visível


amadurecimento, e acabou por conferir à moralidade um caráter indubitavelmente mais amplo e
distinto da legalidade, tornando, por conseguinte, cada vez mais viável a apreciação da
moralidade administrativa nas mais diversas esferas, incluindo aí a judicial.

Os autores simpatizantes desta corrente deixam bem clara a distinção existente


entre a moralidade e a legalidade, o que não significa concebê-los como elementos estanques.
Não resta dúvida que diversos fatores por vezes os aproximam, a começar pelo fato de ambos
constituírem motivo suficiente para a invalidade de um ato administrativo por violação de seus
postulados.

No entanto, é necessário entendê-los enquanto elementos autônomos. Defendendo


este entendimento é que José Augusto Delgado ensina:

“Enquanto o princípio da legalidade exige ação administrativa de acordo com a


lei, o da moralidade prega um comportamento do administrador que demonstre
haver assumido como móbil da sua ação a própria idéia do dever de exercer uma
boa administração.
No cumprimento do princípio da legalidade, o administrador não tem necessidade
de dedicar a sua atenção com o motivo da própria ação, pois, suficiente que se
encontre autorizada por lei. O contrário, porém, acontece como princípio da
moralidade, que exige do administrador uma postura que faça com que os seus
atos exteriorizem a própria idéia do dever de haver atuado com base em ‘regras
finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o Bem e o Mal, mas
também pela idéia geral de administração e pela idéia de função
administrativa’.” 26

A doutrina brasileira vem adotando igual posicionamento, sob influência clara do


texto da atual Carta Magna que, através de seu artigo 37, não deixa dúvidas ao conceder à
moralidade e à legalidade a autonomia que lhes é necessária.

Ao comentar o dispositivo constitucional ora mencionado, Demócrito Ramos


Reinaldo assinala:

“O constituinte, portanto, estabeleceu nítida distinção: juridicizou a ‘moralidade’,


definindo-a como ‘princípio’, para viger, paralelamente, com o da ‘legalidade’. A
distinção é evidente e necessária. A moralidade administrativa integra o direito
(constitucional) como elemento de observância indeclinável (irretorquível),
26
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 209.
mas não está ínsita na legalidade, nem desta constitui corolário. O legislador
constituinte, ao instituir o princípio, não cuidou do mero ‘reenvio’ da norma legal
à norma moral, mas atribui à moralidade administrativa relevância jurídica, de
eficácia plena e mandamental autônoma – e de vida própria. Nessa linha de
raciocínio, há que se distinguir a ordem jurídica positiva, que caracteriza a
legalidade, da ordem jurídica positiva, que caracteriza a moralidade – ambas
compondo a mesma ordem jurídica integral – porque nem tudo que é ‘legal é
moral’.” 27

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Weida Zancaner manifesta-se sobre a


posição adotada pela nossa Constituição da seguinte forma:

“Esta posição, isto é, a compreensão do princípio da moralidade com um plus ao


princípio da legalidade, inclusive enquanto autônomo em relação a este, é a
aceitação de valores éticos e morais pelo sistema jurídico, valores que se
espraiam por todo sistema porque ajudaram a compor o perfil constitucional do
Estado adotado por uma
28
determinada sociedade em uma determinada época.”

Assim, interpretando a Constituição de 1988, conclui-se que cabe ao agente


administrativo a conformação de todos os seus atos com a lei, porém tal assertiva não é
suficiente, já que, além de obedecer aos imperativos legais a que está subordinado, o agente
deverá fazê-lo imbuído do senso de interesse público, tendo em vista que todas as vezes que
estiver agindo dentro da lei, porém com interesses diversos do bem comum, estará infringindo a
moralidade a que está igualmente subordinado e seu ato será passível de invalidação. 29

Sob este prisma, coloca José Afonso da Silva:

“A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é


feita, por exemplo, com o intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com
o intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato

27
REINALDO, Demócrito Ramos. O princípio da moralidade na Administração Pública e a liceidade do
limite etário para acesso dos cargos públicos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 84, n. 711, p. 17-22, jan.
1995. p. 19.
28
ZANCANER, Weida. Razoabilidade e Moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do
Estado Social e Democrático de Direito. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de (org.). Estudos em
homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997a. 2 v. p. 619-632. p. 632.
29
Nesse sentido, assinala Antônio José Brandão: “O ato conforme à lei jurídica nem sempre é um ato
irrepreensível do ponto de vista moral: non omne quod licet honestum est, dizia já Paulo. Se os particulares
podem cometer vilanias respeitando formalmente a lei, o mesmo acontece aos administradores. No entanto,
assim como há uma Moral positiva, que, para os primeiros, se acrescenta à lei vigente, também para os
segundos há uma moral institucional, que se sobrepõe à lei das suas atribuições e competência. Esta é-lhes
imposta de fora pelo Poder Legislativo, e apenas traça o âmbito da sua atividade e fixa os meios a utilizar.
Quanto aos preceitos da moralidade administrativa, são-lhe impostos de dentro, vigoram no próprio
ambiente institucional e condicionam a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo o discricionário. A
noção de moralidade administrativa é, assim, mais ampla do que a noção de legalidade jurídica. E, por isso,
as exigências da moralidade administrativa são mais fortes que as exigências da legalidade jurídica. (...)
Desta sorte, os agentes administrativos, se têm de inspirar os seus atos nas leis jurídicas vigentes,
expressão normativa da ordem jurídica a que a Administração está submetida, movem-se também na órbita
da ordem interna desta, gerada pela comunhão espiritual em que a idéia diretriz se tornou objetiva.
Semelhante ordem interna encontra a sua expressão normativa num ‘direito natural da instituição’ — o qual,
no caso da pública Administração, é a ‘moralidade administrativa’.” (BRANDÃO, Antônio José. op. cit., p.
65.)
formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade
administrativa.” 30

1.3.2.3. Moralidade e Probidade

Divergem os autores quanto à distinção destes dois elementos. Há os que


empreguem os termos indistintamente, conferindo-lhes o mesmo significado. 31 Outros autores,
analisando a legislação nacional acerca do assunto, acabam por destinar à improbidade uma
posição hierarquicamente superior à moralidade.32

A corrente majoritária, por sua vez, vem seguindo os ditames de José Afonso da
Silva, que, utilizando o conceito deixado por Marcelo Caetano, discorre acerca da probidade
administrativa da seguinte forma:

“A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que


mereceu consideração especial pela Constituição que pune o ímprobo com a
suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste
no dever de ‘o funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo
no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas
decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer’. Cuida-se
de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é
uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao
ímprobo ou a outrem.” (grifos no original) 33

Já a moralidade administrativa, como visto anteriormente, deve ser sacada da


própria noção de "boa administração”, o que torna tal conceito indubitavelmente mais
abrangente. Desta forma, partindo do pressuposto que a improbidade é espécie do gênero
moralidade administrativa, conclui-se que o dever da moralidade traz como uma de suas
conseqüências lógicas o dever da probidade, que pode ser tratado como “uma das possíveis
formas de externação da moralidade”.34

Destarte, acompanhando esta corrente, nota-se que os legisladores pecaram

30
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1995.
820 p. p. 616. (grifos do autor)
31
É o caso, por exemplo de José de Castro Meira, quando assevera que “A expressão probidade
administrativa é sinônima de moralidade administrativa ou simplesmente de honestidade”. (grifo no original)
(MEIRA, José de Castro. Administração Pública na Constituição Federal. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, v. 30, n. 119, p. 193-204, jul./set. 1993. p. 199.)
32
Flávio Sátiro Fernandes, ao defender esta corrente, expõe que “a probidade é (...) o gênero, do qual a
moralidade é espécie, haja vista a maior amplitude e o maior alcance emprestados à primeira, pela
Constituição Federal e pela legislação ordinária. De fato, examinando-se o que a Constituição de 5 de
outubro de 1988 e a legislação infraconstitucional contêm a respeito dos princípios aqui aludidos, verifica-se
que probidade e moralidade administrativas são conceitos que se não podem (sic) confundir e que a
segunda dessas noções está contida na primeira.”
A seguir, o autor enumera os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que fazem referência à
matéria e tece a seguinte conclusão: “Em suma, podemos dizer que todo o ato contrário à moralidade
administrativa é ato configurador de improbidade. Porém, nem todo ato de improbidade administrativa
representa violação à moralidade administrativa.” (FERNANDES, Flávio Satiro. Improbidade Administrativa.
1997. Endereço Eletrônico: http://www.jfrn.gov.br/doutrina20.htm)
33
SILVA, José Afonso. op. cit., p. 616.
34
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. op. cit., p. 58.
quando da formulação do texto da Lei de Improbidade Administrativa 35 (Lei nº 8.429/92), mais
especificamente em seu art. 11, caput, (Capítulo II, Seção III - Dos Atos de Improbidade
Administrativa que Atentam contra os Princípios da Administração Pública), haja vista a
ampliação que deram ao conteúdo do termo improbidade administrativa. Consoante
mencionado dispositivo legal,

“Art. 11: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os


princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições
(...)”.

Ora, se a improbidade, como visto acima, está contida na própria noção de


imoralidade, todos os atos de improbidade elencados pela citada lei, atentarão,
obrigatoriamente, contra o princípio da moralidade administrativa, o que torna a redação do
artigo supra citado um tanto quanto duvidosa. 36

Capítulo 2 – A MORALIDADE ADMINISTRATIVA À LUZ DA ORDEM


CONSTITUCIONAL

2.1. A Moralidade Administrativa no Direito positivo brasileiro

2.1.1. Gênese Constitucional

Até alcançar o momento atual, a moralidade administrativa, no contexto


constitucional brasileiro, percorreu um longo caminho, recebendo o status de princípio
constitucional de observância obrigatória apenas com a promulgação da Constituição Federal de
1988.

35
Anexo I.
36
A imprecisão da redação acabou por suscitar alguns comentários mais aprofundados de vários autores,
talvez numa tentativa de justificar os legisladores. Wallace Paiva Martins Jr., comenta o dispositivo em
questão trazendo à lume o conceito deixado por Ruy Alberto Gatto que entende tal tipificação “como norma
de encerramento ou de extensão, proporcionando a censura de atos comissivos ou omissivos que não
importam prejuízo patrimonial da administração pública ou enriquecimento ilícito do agente público, mas que
ofendem os valores morais da administração pública.” MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Alguns meios de
investigação da improbidade administrativa, Revista dos Tribunais, a. 85, v. 727, p. 325-344, maio 1996. p.
326.
No mesmo sentido, os autores da obra Improbidade Administrativa – Aspectos Jurídicos da Defesa do
Patrimônio Público, após tecerem críticas à redação do caput do art. 11 da Lei 8.429, acabam por concluir
que mencionado dispositivo “funciona como regra de reserva, para os casos de improbidade administrativa
que não acarretam lesão ao erário nem importam em enriquecimento ilícito do agente público que pratica.”
(PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade
Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas,
1997. 238. p. 117.)
Ainda sobre o assunto, Juarez Freitas faz o seguinte comentário: “Sob a ótica da Lei, ainda quando não se
verifique o enriquecimento ilícito ou o dano material, a violação do princípio da moralidade pode e deve ser
considerada, em si mesma, apta para caracterizar a ofensa ao subprincípio da probidade administrativa, na
senda correta de perceber que o constituinte quis coibir a lesividade à moral positivada, em si mesma,
inclusive naqueles casos em que se não se vislumbram incontrovertidos, os danos materiais”. (FREITAS,
Juarez. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, n. 204, p. 65-84, abr./jun. 1996. p. 71.)
Apesar de receber sua explicitação constitucional apenas em 1988, a moralidade
administrativa sempre foi objeto de discussões no âmbito do Poder Público, posto que a
corrupção tem acompanhado o Estado brasileiro desde seus tempos mais remotos.

Assim, analisando os textos das Constituições que vigoraram até a atualidade no


Brasil, observa-se que praticamente todas fizeram menção, mesmo que indiretamente, à
preocupação que tinham com as conseqüências advindas de atos imorais, como o
enriquecimento ilícito, por exemplo.

A primeira manifestação que se tem notícia da preocupação com a moralidade,


data do longínquo período imperial e fazia referência à profissão dos magistrados e oficiais de
justiça. Apregoava a Constituição de 1824:

“Art. 156. Todos os juízes de direito e os oficiais de justiça são responsáveis


pelos abusos de poder e prevaricações que cometerem no exercício de seus
empregos; esta responsabilidade se fará efetiva por lei regulamentar.

Art. 157. Por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra eles a ação
popular, que poderá ser intentada dentro de um ano e dia pelo próprio queixoso
ou por qualquer do povo, guardada a ordem do processo estabelecido por lei.” 37

Com o advento do regime republicano, especialmente na chamada Primeira


República, os interesses públicos sofreram sérios prejuízos, já que perderam espaço, para os
interesses da elite econômica. Descaracterizou-se, assim, o fim precípuo da Administração
Pública, que deveria estar voltada para os interesses de seus administrados. 38

Proveniente deste distanciamento do Poder com a sociedade é que a Constituição


de 1891, procurando resgatar algum senso moral por parte da Administração Pública, buscou
legislar, através de seu artigo 54, 6º, acerca dos atos ímprobos. Consoante mencionado artigo,

“São crimes de responsabilidade do Presidente da República os que atentam


contra:
(...)
6º. a probidade da Administração (...)”.

Mencionado texto esteve presente em todas as Constituições que sucederam a de


1891, demonstrando que a moralidade administrativa, até a promulgação da Constituição de
1988 esteve “embutido na menção expressa à probidade administrativa como dever do
Presidente da República, contra a qual, agindo este, veria suscitada a sua responsabilidade
criminosa no exercício do cargo”.39

Diante de um contexto histórico de corrupção exacerbada aconteceu o movimento


de 1930, que teve dentre seus objetivos a busca de uma atuação política e administrativa

37
Como apregoado por Cármen Lúcia Antunes Rocha, esta foi “a única referência normativa constitucional
brasileira do século XIX e a única norma que se refere à ação popular antes da Constituição de 1934”.
(ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 218.)
38
Constata Cármen Lúcia Antunes Rocha: “A contaminação ética do Poder na Primeira República, que a
denominada “política dos governadores” assegurou em grande parte, e a viciosidade do processo eleitoral
integraram-se à Administração Pública mais afeta a interesses privados dos coronéis e seus apaniguados
que à causa social”. (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 218.)
39
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 224-225.
pautada pela moral.

Sob a influência destes sentimentos é que se deu um momento de extrema


relevância na história constitucional concernente à moralidade administrativa. A Constituição
de 1934 introduziu em seu texto de forma expressa o instituto da ação popular, instrumento
utilizado até os dias atuais pelos cidadãos brasileiros que buscam coibir as imoralidades de seus
administradores. 40 Desta forma, rezava o artigo 113, inciso 38 daquela Constituição:

“Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou a


anulação de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos
Municípios”.

Este importante dispositivo, no entanto, foi omitido na Constituição de 1937, a


denominada “Constituição Polaca”, quando o Brasil atravessou um de seus períodos ditatoriais.
Com a retomada da democracia e a promulgação da Constituição de 1946, a ação popular foi
reintroduzida, bem como ampliado o seu alcance. Na nova redação dada pelo artigo 141, § 38,
acrescentou-se, ao “patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios”, a proteção ao
“patrimônio das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista”.

A partir da Constituição de 1946 a ação popular fez-se presente em todas as


Constituições que a sucederam.

A Constituição de 1946, no entanto, não se restringiu à ação popular. No § 31 do


mesmo artigo 141 pode-se notar, novamente, a preocupação mesmo que indireta do legislador
com a moralidade na Administração Pública. Segundo mencionado dispositivo constitucional,

“(...) A lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de


enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública,
ou de emprego em entidade autárquica”.

Já a Constituição de 1967 traz uma inovação, trazendo em seu bojo,


expressamente, o termo “corrupção”, através do artigo 151, que rezava:

“Aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos parágrafos 8º, 23, 27 e
28 do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem
democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos
direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal,
mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação
civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla defesa”.41

40
Ressalta Cármen Lúcia Antunes Rocha que “A entronização, no Direito Constitucional brasileiro, da ação
popular como instrumento de atuação do cidadão na defesa do patrimônio público constituiu um dos
melhores exemplos da possibilidade constitucional de sua participação no exercício da atividade
administrativa como controlador da qualidade ética dos comportamentos públicos”. (ROCHA, Cármen Lúcia.
op. cit., p. 222)
41
Os parágrafos a que o artigo faz remissão possuem a seguinte redação: (...) “§ 8º. É livre a manifestação
de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura,
salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos
que cometer. é assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de
licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de
preconceitos de raça ou de classe.(...) § 23. É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer. (...)
Este mandamento constitucional caiu por terra com os Atos Institucionais que
advieram como conseqüência de mais um regime ditatorial, que centralizou, nas mãos do
Presidente da República, as mais diversas atividades, incluindo aí a decretação do confisco de
bens daqueles que enriquecessem ilicitamente.

Ressalte-se que neste momento de cruel autoritarismo, o emprego dos termos


moral e corrupção foram utilizados para justificar as atitudes daquele governo ilegítimo. É o
que se percebe a partir da leitura das primeiras linhas do Ato Institucional nº 05, 13 de
dezembro de 1968, que marcou indubitavelmente a história brasileira, com o início de um
período de violenta repressão:

“O Presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de


Segurança Nacional, e

Considerando que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme


decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que
visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema
jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na
liberdade, no respeito à dignidade humana, no combate à subversão e às
ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção,
buscando, deste modo, ‘os meios indispensáveis à obra de reconstrução
econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar,
de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a
restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria’
(Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964)(...)”. (grifo nosso)

Após um longo período em que a sociedade brasileira encontrou-se tolhida por


um regime ditatorial de moral questionável, reinstaurou-se, após vários movimentos populares,
a tão esperada democracia brasileira. A sociedade, esgotada por tanto autoritarismo e falta de
liberdade, clamou por uma Administração provida de credibilidade.

2.1.1.1. A Expressividade da Moralidade Administrativa no atual Texto Constitucional

A fim de dar uma resposta aos anseios da sociedade é que foi promulgada a
Constituição de 1988, que se não concretizou todos os desejos sociais, teve um caráter
inovador no que concerne à Administração Pública. O atual Texto Constitucional modificou
efetivamente o tratamento dado até então à moralidade administrativa, explicitando-a em vários
de seus dispositivos e conferindo-lhe uma importância inquestionável, qual seja a de um dos
princípios retores da Administração Pública.

Assim, prevê de forma indubitavelmente clara o artigo 37 da atual Carta Magna:

“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos


Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

§ 27. Todos podem reunir-se sem armas, não intervindo a autoridade senão para manter a ordem. A lei
poderá determinar os casos em que será necessária a comunicação prévia à autoridade, bem como a
designação, por esta, do local da reunião.§ 28. É garantida a liberdade de associação. nenhuma associação
poderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial.(...)”
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. (grifo
nosso)

Em outros de seus dispositivos, revela-se a preocupação da Constituição de 1988


em disciplinar instrumentos que visem coibir a imoralidade administrativa. É o que se percebe a
partir dos preceitos a seguir elencados:

No artigo 5º, o legislador manifesta-se em três oportunidades, quando, em seus


incisos LXVIII e LXIX estabelece, respectivamente, a garantia do habeas corpus e mandado de
segurança em caso de abuso de poder. Já no inciso LXXIII fica prevista a possibilidade de
qualquer cidadão propor a ação popular que vise anular ato lesivo à moralidade administrativa.

No já mencionado artigo 37, além de submeter a Administração Pública ao


princípio da moralidade, como visto anteriormente, o constituinte, no § 4º, legisla acerca dos
atos ímprobos, conferindo-lhes a pena de suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade de
bens e ressarcimento ao erário.

Os crimes de responsabilidade recebem previsão com a redação dada pelo artigo


52, I e II, verbis:

“Compete privativamente ao Senado Federal:


I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexos
com eles;
II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-
Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de
responsabilidade;
(...)”.

O artigo 72, § 2º, prevê a possibilidade de sustação de despesa irregular, a cargo


do Congresso Nacional, por proposta do Tribunal de Contas da União, “se julgar que o gasto
possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública”. Ao analisar o termo despesa
irregular, Diogo de Figueiredo Neto expõe que ela deve ser entendida como “aquela que passa
do conceito de despesa ilegal, cuja anomalia injurídica só pode ser suscetível de apreciação
sobre o prisma da moralidade administrativa” 42.

Já o artigo 74, § 2º, legitima qualquer cidadão, partido político, associação ou


sindicato para “denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União”.

Por fim, seguindo a mesma linha das Constituições anteriores, o artigo 85, V,
preceitua que os atos que atentam contra a probidade na administração são crimes de
responsabilidade do Presidente da República.

Assim, após a análise de todos os preceitos supra mencionados, vê-se a clara


intenção do legislador constituinte em positivar certos valores que até então apenas permeavam
os sentimentos da sociedade brasileira.

42
apud DELGADO, José Augusto Delgado. op. cit., 1994. p. 41.
2.1.2. Legislação Infraconstitucional

Com a promulgação da Constituição de 1988 e as repercussões inevitáveis


provenientes da explicitação da moralidade administrativa, que de mero princípio geral de
Direito passou a integrar a ordem normativa brasileira enquanto princípio constitucional, leis
concernentes a este princípio foram elaboradas, passando a representar, juntamente com outras
já existentes, instrumentos auxiliadores para a concretização dos preceitos Constitucionais.

O exemplo mais evidente é o da Lei nº 8429/92, Lei de Improbidade


Administrativa, que “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração
pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”.

Diversas críticas foram feitas a mencionado digesto legal, como aliás, ressaltado
anteriormente no presente trabalho 43, porém é inegável a sua importância, já que, apesar de
algumas impropriedades, este diploma legal vem sendo reiteradamente utilizado, e, portanto,
tem-se revelado de vital importância na busca incessante por coibir os atos destituídos de
moralidade administrativa.

Antes da vigência da Lei nº 8.429/92, duas outras leis federais foram elaboradas
versando sobre o assunto: a Lei nº 3.164/57 (Lei Pitombo-Godói Ilha), que foi completada pela
Lei nº 3.502/58 (Lei Bilac Pinto). Enquanto a primeira “sujeitava a seqüestro os bens de
servidor público, adquiridos por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego
em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que aquele tenha
ocorrido (art. 1º caput)” 44, a segunda regulava “o seqüestro e o perdimento de bens de servidor
público da administração direta e indireta, nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou
abuso de cargo ou função” 45, enumerando diversas hipóteses caracterizadoras de
enriquecimento ilícito.

Desta forma, conclui-se que o alcance da atual Lei nº 8.429/92 é


indubitavelmente maior, já que, até então as legislações restringiam-se a estabelecer sanções
acerca de apenas uma espécie de improbidade administrativa, o enriquecimento ilícito. A lei
que as substituiu, seguindo os ditames Constitucionais vigentes, amplia a esfera dos chamados
atos ímprobos, a fim de dar regulamentação ao já referido artigo 37, § 4º da Constituição de
1988.

Os atos ímprobos que importam enriquecimento ilícito, por conseqüência, passam


a constar, tão-somente, como uma das modalidades da improbidade administrativa, já que a Lei
8.429/92 elenca outras duas, quais sejam a dos atos que causam prejuízo ao erário e daqueles
que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Outra norma infraconstitucional vigente e de grande relevância no que concerne


ao princípio da moralidade administrativa é aquela que regula a ação popular, instrumento que,
através do já mencionado artigo 5º, LXXIII, pode ser utilizado por qualquer cidadão que
pretenda anular ato lesivo à moralidade administrativa.

43
ver item 1.3.2.3, entitulado “Moralidade e Probidade”.
44
apud PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit., p.
29.
45
Idem, p. 30.
Conforme o comentário de Cármen Lúcia Antunes Rocha,

“A Lei n. 4.717/65 assegurou ao cidadão um instrumento efetivo para se


impugnar, judicialmente, a imoralidade de condutas públicas, grarantindo-lhe a
atuação no sentido de exigir a honestidade administrativa por ser este um direito
que lhe é inerente ou talvez mesmo um dever que lhe é atribuído
constitucionalmente”. 46

As leis que dispõem sobre a Improbidade Administrativa e Ação Popular são as


mais freqüentemente mencionadas em esfera de moralidade administrativa. Porém, outras leis
que enquadram a ordem normativa brasileira também merecem destaque por fazerem
referências acerca do tema, como é o caso da Lei nº 8.730/93, que “estabelece a obrigatoriedade
da declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções nos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciários e dá outras providências” e da Lei nº 8.666/93 (Lei das
Licitações e Contratos Administrativos).

Vale ainda ilustrar que a Lei 8.112/90, Estatuto dos Servidores Públicos Civis da
União, além de estabelecer as vedações e os deveres inerentes aos agentes públicos em geral, a
fim de garantir uma conduta ilibada, compatível com a moralidade administrativa, prevê a
responsabilidade civil, penal e administrativa do servidor pelo exercício irregular das suas
atribuições. 47

Insta ser ressaltada a existência do antigo, porém não menos importante Decreto-
Lei nº 201/67, que legisla acerca dos crimes de responsabilidade dos prefeitos e vereadores. Por
fim, cabe fazer menção à Lei nº 1.079/50, que dispõe acerca dos crimes de responsabilidade do
Presidente da República, ministros de Estado, ministros do Supremo Tribunal Federal e
procurador-geral da República.

2.2. A Moralidade Administrativa na Constituição Federal de 1988

Juntamente com o advento da Constituição de 1988, observou-se a


“juridicização” da moralidade administrativa, pela primeira vez na história das Constituições
brasileiras. Esta inovação, trazida pela redação emprestada ao artigo 37, caput, anteriormente
citado, fez com que a moralidade administrativa enfrentasse severas modificações no que
concerne à construção doutrinária que a ela era destinada até então.

Em primeiro lugar, como bem assinala o Ministro Demócrito Ramos Reinaldo48,


parece que se abandonou (ou pelo menos tem-se observado esta tendência) as teorias que
vinculavam a moralidade ao desvio de poder, como uma maneira de estabelecer a moralidade
dentro da esfera da legalidade.

A autonomia conferida à moralidade é inegável, bem como é autônoma a sua


aplicação. Assim, a partir dos Mandamentos Constitucionais, o controle do ato administrativo
imoral independe da existência de qualquer resquício de ilegalidade. A moralidade
administrativa, sob a perspectiva do Texto Constitucional, é, por si só, motivo suficiente para
viciar qualquer ato administrativo que não a observe.

46
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 222.
47
Cf. SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. op. cit., p. 129-132.
48
REINALDO, Demócrito Ramos. op. cit., 1993/1995. p. 49.
Sob esta perspectiva, assevera José Augusto Delgado:

“O princípio da moralidade administrativa não deve acolher posicionamentos


doutrinários que limitem a sua extensão.

(...) O interesse jurídico contido no ato administrativo deve se subordinar ao


interesse jurídico da moralidade. O simples fato do administrador usar de suas
atribuições para fins diversos daqueles conferidos por lei, implica em uma
violação direta ao princípio da moralidade.(...) Não há, assim, possibilidade de
não se reconhecer a sua supremacia”.49

Desta forma, tem-se que a moralidade administrativa, ao lado dos outros


princípios elencados no caput do artigo 37 da Carta Magna, quais sejam a legalidade, a
impessoalidade, a publicidade e a eficiência, constituem pressupostos da ação administrativa.
São “princípios regentes da Administração Pública” 50, e deverão, obrigatoriamente, constar
como elementos intrínsecos da atuação administrativa, sob pena de invalidação.

2.2.1. A Moralidade Administrativa em relação aos demais princípios insculpidos no


artigo 37, caput da Carta Magna

Como já salientado anteriormente, a Constituição ao elencar, em seu artigo 37,


caput, os princípios da Administração Pública, tornou-os elementos de observância obrigatória
ao atuar administrativo.51 A violação de quaisquer dos princípios previstos por mencionado
artigo, é causa suficiente para viciar o ato administrativo, o que demonstra a estreita ligação que
os quatro princípios mantém entre si, já que formam, conjuntamente, os pressupostos de
qualquer atuação da Administração Pública. 52

Nesta linha de argumentação, aponta Manoel de Oliveira Franco Sobrinho:

“Tais princípios (...) se afirmam diante de uma unidade preceitual de conteúdo


constitucional, jurídico, administrativo. Nenhum deles traz sentido de valor
estanque. Todos têm presença numa mesma situação relacional. Não há como um
só possa dar fundamento para legitimar a vontade de fazer ou a atos de
vontade.(...)

49
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1994. p. 41.
50
CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Ação Popular: um direito-dever do cidadão e a moralidade
administrativa. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, n. 13, 219-233, out./dez.
1995. p. 226.
51
Os autores da obra Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público,
fazem menção ao dispositivo constitucional denominando-o como “norma-princípio que, por si só gera, de
um lado, direitos subjetivos pessoais e, de outro, deveres indeclináveis aos que, ainda que transitoriamente,
militam nos quadros públicos”. (PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO
JÚNIOR, Waldo. op. cit., p. 49.)
52
Nesse passo, Fernando Andrade de Oliveira coloca que “(mais) do que a valorização deste ou daquele
princípio singularmente considerado, o que precisa ser destacada é a necessidade da hierarquização dos
princípios, das normas e dos valores, à vista da condição de mutuamente entrelaçados”. (OLIVEIRA,
Fernando Andrade. A Administração Pública na Constituição de 1988 (2ª parte). Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, n. 206, p. 43-87, out./dez. 1996. p. 68.)
Os quatro princípios lembrados da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e
da publicidade, numa síntese de manifestação volitiva administrativa, se reúnem
como elementos de composição da vontade, ficando assim indispensáveis, não
um, senão todos, para uma exata configuração jurídica dos atos administrativos.

Na falta de qualquer dos princípios, os atos não ficam legítimos e carecem de


validade”.53

Desta forma, conclui-se pela vital importância de cada um dos princípios, o que
torna necessária a abordagem, mesmo que muito sucinta, dos princípios que, juntamente com a
moralidade, constituem os princípios básicos da Administração Pública expressos no caput do
artigo 37 da Constituição Federal.

O princípio da legalidade talvez seja o mais conhecido e explicitado pela


doutrina. Ensina Amandino Teixeira Nunes Júnior que tal princípio “significa que as atividades
da Administração Pública se subordinam ao império da lei. Trata-se de limitação da atividade
administrativa, visando coibir o arbítrio, estabelecendo o primado da lei, que traduza a vontade
geral”.54

O princípio da impessoalidade, por sua vez, consiste no dever do agente público


primar sempre pelo interesse coletivo, não privilegiando, com suas atitudes, pessoas ou grupos
específicos. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello,

“Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os


administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. nem favoritismo
nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas
ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos
interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie”.55

Já o princípio da publicidade, como o próprio nome já prescreve, consiste no


dever da Administração tornar público todos os atos por ela realizados, com algumas
ressalvas56. Segundo os ensinamentos deixados por Hely Lopes Meirelles,

“A publicidade, (...) abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de


divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento
da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos
concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos
técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos
das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os

53
FRANCO SOBRINHO, Manoel. Do Princípio da Moralidade Administrativa, Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, n. 190, p. 247-252, out./dez. 1992. p. 250-251.
54
NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. A discricionariedade administrativa e o controle judicial de seus
Limites. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 31, n. 127, p. 207-221, jul./set. 1995. p. 21.
55
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:
Malheiros, 1997b. 655 p. p. 70.
56
Hely Lopes Meirelles aponta que o sigilo só é admitido “nos casos de segurança nacional, investigações
policiais ou interesse superior da Administração a ser preservado em processo previamente declarado
sigiloso nos termos do Dec. federal 79.099, de 6.1.77”.(grifo do autor) (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. 733 p. p. 86)
comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos
competentes”.57

Por fim, tem-se o princípio da eficiência, adicionado ao caput do artigo 37 da


Constituição através da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, e que, face à sua
recente explicitação, carece de maiores pronunciamentos doutrinários. No momento, portanto,
poder-se-ia conceituá-lo como um princípio que tem por escopo a maximização dos resultados
da atividade da Administração Pública.

Uma vez estabelecidos os conceitos básicos dos princípios da legalidade, da


impessoalidade, da publicidade e da eficiência, cabe demonstrar qual a relação destes princípios
com a moralidade administrativa, bem como porque esta última merece uma posição destacada
dentro do contexto dos princípios que regem a Administração Pública.

No sentido de dar ênfase a este destaque é Ives Gandra da Silva Martins aduz que
os princípios da legalidade, da impessoalidade e da publicidade “terminam por desaguar na
moralidade pública”. E explica o autor:

“O princípio da legalidade reveste todo o sistema jurídico do país. O art. 5º,


inciso I da Constituição Federal, elenca, como seu alicerce, a obediência à lei,
que, nos regimes democráticos, aprovada pelos representantes do povo, garante a
ordem, oferta segurança e protege os cidadãos.

Dizer, pois, que os administradores devem cumprir a lei é reiterar formulação


essencial e postada no mais relevante artigo da Constituição Federal, que é
voltada ao cidadão mais do que àqueles que o devem servir.

Por outro lado, determinar que o administrador público deve ser impessoal, pois
está à disposição da sociedade, não podendo privilegiar amigos, parentes ou
interesses em detrimento do bem servir, é afetar faceta da ética administrativa,
sendo, pois, a impessoalidade dimensão parcial da moralidade.

O mesmo se dá com o princípio da publicidade. Exceção feita às questões de


segurança nacional, os atos administrativos devem ser transparentes, não se
admitindo decisões escusas, resoluções de gaveta, visto que o administrado não
pode desconhecer as regras da Administração.

O princípio da moralidade administrativa, portanto, é princípio essencial. O mais


relevante, aquele que se destaca de forma absoluta. Que torna a Administração
confiável perante a sociedade e que faz do administrador público um ser
diferenciado”.58

Ante tais ensinamentos, conclui-se por conferir uma inegável superioridade à


moralidade administrativa, já que esta, além de representar pressuposto de validade da atuação
administrativa, acaba por influenciar o conteúdo de todos os demais princípios, revelando-se,

57
MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 87.
58
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Princípio da Moralidade no Direito Tributário. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, n. 204, p. 352-365, abr./jun. 1996. p. 352-354.
até mesmo, um verdadeiro sustentáculo dos princípios norteadores da Administração Pública. 59

2.2.2. Alcance

O alcance da moralidade administrativa revela-se um tema demasiadamente


controvertido, que vem suscitando divergências entre os estudiosos do assunto. No entanto,
seguindo o entendimento de diversos autores, entende-se que a aplicação do princípio da
moralidade administrativa alcança os atos administrativos de qualquer natureza, sejam eles
discricionários 60 ou vinculados.61

Defendendo esta corrente, Valéria Oliveira Quixadá pronuncia-se da seguinte


maneira:

“(...) a aplicabilidade do princípio da moralidade administrativa enseja limites à


atuação dos agentes políticos e administrativos como conseqüência de estarem
vinculados a um dever geral de boa administração e de sujeição ao interesse
público (...).

Não podemos ouvidar, por conseguinte, que tais restrições à liberdade do


administrador para a edição de atos administrativos alcançam tantos os atos
vinculados, como também os discricionários. No tocante a estes últimos, cuja
natureza suscita polêmica na doutrina, não se deve perder de vista que o limite
para o exercício do juízo de oportunidade e conveniência encontra-se na fronteira
que o separa do arbítrio. Por outro lado, o método para detectar ofensa ao
princípio da moralidade administrativa, tanto nos atos vinculados quanto nos
discricionários, reside, principalmente, na lógica do razoável para constatar se a
finalidade pública almejada foi alcançada em toda a sua extensão”.62

O termo “razoável” acima utilizado pode ser entendido a partir dos ensinamentos
de Weida Zancaner, que estabelece uma estreita ligação entre o princípio da moralidade e o

59
Assim, o princípio constitucional da moralidade administrativa, como bem assevera Cármen Lúcia
Antunes Rocha, “tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por
constituir-se em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento
público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios
constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a
moralidade como parte integrante do seu conteúdo”.(ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 213-214.)
60
Adota-se, para tanto, o conceito de discricionariedade de Celso Antônio Bandeira de Mello, que, sem
sombra de dúvidas, evidencia a moralidade como elemento inafastável dos atos discricionários. Aponta o
autor que “Discricionariedade (...) é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger,
segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis,
perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da
finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no
mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente”.
(MELLO: Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 1993. 110 p. p. 48.
61
Neste sentido: REINALDO, Demócrito Ramos. op. cit., 1993/1995.; QUIXADÁ, Valéria Oliveira. Princípio
da Moralidade Administrativa: Autonomia, Aplicabilidade e Controle em Face da Constituição de 1988.
Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, n. 73, p. 51-61, jul./set. 1997.; DELGADO, José Augusto.
op. cit., 1993.; LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. op. cit. e BASTOS, Celso Ribeiro. O Princípio da
Moralidade no Direito Público. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, v. 22, p. 44-
54, jan./mar. 1998.
62
QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op. cit., p. 56.
princípio da razoabilidade e aduz que, apesar da razoabilidade não constar expressamente do
Texto Constitucional, sua existência está subentendida.

De acordo com a autora, o princípio da razoabilidade “exige, simplesmente que a


Administração Pública no exercício de atuação discricionária seja racional, equilibrada, sensata
e atue de modo compatível com o bem jurídico que ela pretende curar” 63.

Sob esta ótica, tem-se que o agente público, especialmente em sua atuação
discricionária, deverá ter uma conduta orientada pela razoabilidade, sob pena de afrontar a
moralidade administrativa, já que o ato desarrazoado “desvirtua a finalidade da lei, gera
arbitrariedade, descumpre o interesse público, enfim, afronta o sistema jurídico como um todo e
necessita, então, ser eliminado” 64.

Destarte, a partir destes ensinamentos, entende-se que o poder discricionário


conferido aos agentes públicos não pode ser justificativa para a arbitrariedade evidenciada na
atuação de muitos deles65, já que, como aduz José Augusto Delgado, mesmo quando forem “os
juízes absolutos da oportunidade e da conveniência de determinados atos administrativos”,
deverão orientar-se sob a égide do interesse público, sob pena de terem seus atos invalidados. E
acrescenta o autor:

“Mesmo quando atua com certa margem de determinação no tocante à


oportunidade e à conveniência, deve fazê-lo, contudo, sem qualquer arbítrio. A
manifestação há que ser objetiva, baseada em norma jurídica positiva que a
legitime e com visão voltada a atender a um fim público, pelo que deve se
revestir, em sua totalidade, do caráter de moralidade”.66

Ressalte-se ainda que o alcance da moralidade administrativa não fica adstrito aos
agentes públicos, já que por vezes particulares também deverão observar tal princípio. É o caso
das pessoas, em geral as jurídicas, que se relacionam com a Administração Pública.

Em situações como, por exemplo, processos licitatórios, os licitantes deverão


pautar por uma conduta orientada pela moralidade administrativa, já que atitudes fraudulentas,
configurarão, certamente, em violação a este princípio, sendo passível, conseqüentemente, de
invalidação.67

2.2.3. Efetividade

A Constituição Federal de 1988, como já ressaltado ao longo deste trabalho,


proclamou a moralidade administrativa como princípio constitucional brasileiro em seu artigo
37. Urge, por conseguinte, a real concretização deste preceito constitucional. A moralidade já
foi juridicizada: almeja-se, tão-somente, a sua efetividade.
63
ZANCANER, Weida. Razoabilidade e Moralidade na Constituição de 1988. Revista Trimestral de Direito
Público, São Paulo, n. 02, p. 205-210, 1993. p. 209.
64
Idem, ibidem.
65
André Ramos Tavares e Guilherme Amorim c. Silva fazem a seguinte afirmação: “O denominado poder
discricionário, dotado de forte matiz político, tem sido utilizado como arcabouço jurídico de grande parte do
arbítrio e desmandos dos eventuais ocupantes do poder, alguns se comportando como autênticos donos da
coisa pública”. (apud BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit., p. 46.)
66
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 215-216.
67
Cf. QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op. cit., p. 56-57.
O termo “efetividade” ora empregado, cabe salientar, atém-se ao conceito
elaborado por Luís Roberto Barroso. De acordo com o autor,

“Efetividade (...) designa a atuação prática da norma, fazendo prevalecer, no


mundo dos fatos, os valores por ela tutelados. Ela simboliza a aproximação, tão
íntima quanto possível entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. Ao
ângulo subjetivo, efetiva é a norma constitucional que enseja a concretização do
direito que nela se substancia, propiciando o desfrute real do bem jurídico
assegurado”.a68

Muitos são os autores que, sob a justificativa da vagueza e imprecisão do


conteúdo da moralidade administrativa, entendem que a sua efetividade está comprometida.
Alguns autores buscam até mesmo a positivação do seu conteúdo, o que acabaria por restringir
o seu alcance. 69

Acerca do assunto, Demócrito Santos Reinaldo tece o seguinte comentário:

“O princípio da moralidade administrativa, na sua dicção ampla (art. 37),


tampouco poderia depender de lei que explicitasse o que é ou não moral. A
precisão que se exige da legalidade não tem cabimento quando se trata da
moralidade, pois, de outra forma, se estaria subsumindo um ao outro princípio
tornando-se ocioso falar-se em moral administrativa”.70

Sob este prisma, a moralidade administrativa tal qual a atual Constituição Federal
determina, não necessita de qualquer regulamentação. Tendo em vista que a intenção do
legislador constituinte ao explicitar a moralidade foi conformar a atuação da Administração
Pública com os anseios de seus administrados71, tem-se que o conteúdo da moralidade
administrativa deve ser sacado da própria noção de “bom administrador” e não limitado em uma
norma qualquer.

Como bem assevera José Augusto Delgado,

“O bem administrar se constitui numa atuação conjuntural que produza,


eficazmente, condições para que o fim a que se destina o Estado seja atingido.
Por isso, se torna bem claro que bem comum e moralidade administrativa
são ideais que jamais se podem objetivar de modo total em simples
regramento de direito positivo. Eles se caracterizam e se tornam visivelmente
presentes através das ações concretas do administrador público quando se
apresentam totalmente desprovidas de qualquer desvio ou abuso de poder. A
moralidade administrativa, como a moralidade comum, é imanente ao direito por

68
BARROSO, Luís Roberto. Princípios Constitucionais Brasileiros. Revista Trimestral de Direito Público,
São Paulo, v. 1, n. 1, p. 168-185, jan./mar. 1993. p. 169.
69
É o caso de Joaquim Antônio Castro Aguiar, que assim expõe seus entendimentos: “Não basta apregoar
a moralidade pública. Não basta invocar o princípio. Urge definir de alguma forma os seus contornos,
iluminar-lhe os meandros e aclarar-lhe pontos obscuros, dando-lhe um mínimo de precisão. A lei há de
desempenhar este papel, deve fazê-lo (...)”. (AGUIAR, Joaquim Antônio Castro. O Princípio da Moralidade
Administrativa. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo, v. 19, p. 146-148. abr./jun.
1997. p. 147.)
70
REINALDO, Demócrito Ramos. op. cit., 1995. p. 19.
71
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 213.
não exprimir-lhe mais que a própria validez da norma. Ela é parte íntima do
direito positivo, que a tem como pressuposto fundamental. A sua violação implica
tornar inválido e censurável o ato praticado com apoio na norma, mesmo que não
exista qualquer dispositivo expresso dizendo a respeito”.72

Assim, a real efetividade da moralidade administrativa não está a espera de


qualquer tipo de normatização. Basta que a sociedade brasileira, especialmente os membros da
Administração Pública e do Poder Judiciário, absorvam a idéia da moralidade administrativa tal
qual o legislador constituinte a concebeu, para que se observe o seu cumprimento, ou, ao
contrário, se tutele os atos que afrontem tal princípio.

Ressalte-se, ainda, o importante papel dos doutrinadores. Como observado por


José Augusto Delgado, “o princípio da moralidade administrativa (...) necessita ser,
demoradamente explicitado pela doutrina, para que o seu valor seja publicizado com o máximo
de eficiência e gere, cada vez mais, não só a conscientização do seu cumprimento, mas também,
condição de ser exigido pelo povo”.b73

2.3. Caracterização da Moralidade Administrativa

A caracterização da moralidade administrativa vem se demonstrando uma tarefa


de árdua consecução, tendo em vista a vagueza e imprecisão do conteúdo deste princípio.

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, ao tecer apontamentos acerca de tal


dificuldade, assevera que para se conhecer um ato imoral, que o autor denomina “vício da não-
moralidade” 74, “há sutilezas que pedem constatação hermenêutica, inclusive o exame prático da
intenção administrativa e o porque psicológico de seu desvirtuamento”.75

Apesar da complexidade ora apontada, vários são os autores que vem se


empenhando no estudo do tema. José Augusto Delgado, por exemplo, tece algumas
considerações referentes à caracterização do ato imoral. Como assinalado pelo autor,

“(...) imoral é o ato administrativo que não respeita o conjunto de solenidades


indispensáveis para a sua exteriorização; quando foge da oportunidade ou da
conveniência de natureza pública; quando abusa no seu proceder e fere direitos
subjetivos públicos ou privados; quando a ação é maliciosa, imprudente, mesmo
que somente no futuro essas feições ou alguma delas se tornem reais”.76

Destarte, observa-se que a caracterização da moralidade administrativa requer a


análise conjunta de diversos elementos. Partindo de todas estas observações e utilizando os
ensinamentos de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto
ocupou-se do que ele próprio denomina “problema da caracterização da moralidade
administrativa”77.
72
b
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993, p. 213-214. (o grifo é nosso)
73
Idem, p. 212.
74
FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. op. cit., 1993. p. 75.
75
FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. A Moralidade Administrativa nos Atos e Contratos
Administrativos. Revista de Direito Administrativo Aplicado, Curitiba, v. 1, p. 13-20, abr. 1994. p. 15. (o grifo
é do autor)
76
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 213.
77
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 09-15.
De acordo com o autor, dita caracterização pressupõe o entendimento que a
moralidade administrativa convive em estreita ligação com o inafastável objetivo dos atos
administrativos, qual seja o interesse público. No entanto, o interesse público (entendido
enquanto elemento finalidade de qualquer ato administrativo) não poderá receber uma análise
isolada, já que a sua realização não é suficiente na configuração da moralidade administrativa.
Justificando esta afirmação, aponta que por vezes observa-se a manipulação dos elementos
motivo e objeto, o que acaba por dar a falsa impressão de que o interesse público almejado foi
alcançado.

Com efeito, após tecer estes comentários iniciais, Diogo de Figueiredo Moreira
Neto explicita, objetivamente, seu método de verificação do ato imoral, designando várias
espécies de motivos e objetos que viciam o ato administrativo por serem incompatíveis com a
moralidade administrativa. Preleciona o jurista que o chamado “vício da moralidade” encontra
fundamento sempre que, no ato administrativo, for observado motivo inexistente, insuficiente,
inadequado, incompatível ou desproporcional à finalidade pública, bem como quando o objeto
analisado for impossível, desconforme ou ineficiente. 78

Cumpre assinalar, assim, as definições deduzidas pelo autor acerca de


mencionados motivos e objetos. Quanto aos motivos, discorre:

“O motivo inexistente (...) não pode suportar a realização de qualquer finalidade


pública. (...)

O motivo insuficiente (...) dificilmente poderá suportar a realização de um


interesse público, pelo menos nos termos pretendidos por seu agente. (...)

O motivo inadequado (...) decorre da falta da necessária correspondência entre o


que deveria motivar o ato e a natureza categorial do seu objeto. (...)

O motivo incompatível (...) é aquele que não guarda adequação com o objeto do
ato. (...)

O motivo desproporcional (...), por fim, revelará imoralidade administrativa


sempre que, embora declinado verdadeiramente, for erroneamente estimado pelo
agente para servir de fundamento para sua ação, levando a um resultado
incompatível com o atendimento de interesse público específico a que deveria
visar o ato”.c 79

Já em relação aos objetos, tece as seguintes considerações:

“O objeto é impossível (...) quando o resultado jurídico visado pelo agente não se
compatibiliza com o ordenamento jurídico.(...)

O objeto é desconforme (...) quando ocorrer uma incompatibilidade lógica entre


sua escolha (discricionária) e o interesse público contido na regra da
finalidade.(...)

78
c
MOREIRA NETO, op. cit., p. 11-13.
79
MOREIRA NETO, op. cit., p. 11-13.
O objeto é ineficiente (...) quando ocorrer grave comprometimento do interesse
público pela desproporcionalidade entre custos e benefícios”.80

Assim, a caracterização da moralidade administrativa deve realizar-se a partir do


estudo do interesse público em total e íntima relação com os elementos motivo e objeto dos atos
administrativos, já que o ato administrativo que acompanha os preceitos da moralidade deverá
trazer em seu bojo os elementos motivo e objeto coadunados com o elemento finalidade
pública.

Capítulo 3 – O Controle da Moralidade Administrativa

3.1. Noções Gerais acerca do Controle da Administração Pública

3.1.1. Conceito

A Administração Pública tem sua atuação vinculada a uma série de exigências,


que se fazem necessárias para a consecução do interesse público, elemento inafastável do atuar
administrativo, como já visto. Assim, para que o interesse público realize-se em sua inteireza,
torna-se indispensável a conduta do agente público visando a já mencionada “boa
Administração”.

Desta forma, o controle no âmbito da Administração Pública tem-se mostrado


como a garantia da realização do “bem administrar” e, por conseqüência, da obtenção de uma
Administração Pública com sua prática pautada pelos princípios elencados na atual Carta
Magna, especialmente no seu artigo 37, caput.

Controle em Administração Pública, conforme extrai-se dos ensinamentos


deixados por Hely Lopes Meirelles, “é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um
Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”.81 Esta faculdade, como
se tentará demonstrar, recebeu diversas inovações por parte da Constituição de 1988, o que
acabou por ampliar o seu espectro e garantir uma maior tutela dos direitos dos administrados
em face de seus administradores.

Ressalte-se, em princípio, que apesar do controle ser incumbência estatal, a


responsabilidade pela sua concretização não fica adstrita ao Estado. Neste sentido, Maria Sylvia
Zanella di Pietro lembra que a Constituição de 1988 oferece a possibilidade do que denomina
“controle popular”, uma vez que a participação dos administrados no controle também é viável,
no sentido que a eles incumbe provocá-lo sempre que entenderem que seus interesses ou mesmo
interesses coletivos estejam sendo lesados. 82

Quanto à abrangência deste controle, mister se faz o entendimento de que a


Administração Pública é o “conjunto de órgãos administrativos, (...) o complexo de atividades

80
Idem, p. 13-14.
81
MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 575.
82
Defende a autora que o controle popular “é (...) provavelmente, o mais eficaz meio de controle da
Administração Pública”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Atlas,
1994. 567 p. p. 478.)
desempenhadas imediatamente pelo Estado, tendo em vista os atendimentos das necessidades
públicas”, abarcando, portanto, o Poder Executivo bem como os Poderes Legislativo e
Judiciário, já que estes últimos, além das suas atribuições específicas, exercem, igualmente,
funções administrativas. 83

Destarte, tem-se que o controle da Administração Pública não se restringe ao


Poder Executivo, atingindo os demais poderes sempre que exercerem funções administrativas.
Lúcia Valle Figueiredo, citando Agustín Gordillo, “conceitua a função administrativa como
‘toda a atividade realizada pelos órgãos administrativos e a atividade que realizam os órgãos
legislativos e jurisdicionais, excluídos respectivamente os atos e fatos materialmente
legislativos e jurisdicionais’.” 84

Conclui-se, com base nestes apontamentos iniciais, que o controle da


Administração Pública é instrumento que deve ser utilizado sempre que, na realização da
função administrativa, se vislumbre qualquer tipo de lesão, ou mesmo iminência de lesão, a
direito individual ou coletivo ou simplesmente violação dos preceitos que os agentes públicos
devem obediência. Tal controle pode partir de iniciativa da própria Administração Pública ou
pode ser provocado por seus administrados.

3.1.2. Modalidades

Apesar de vários autores apontarem as mais inúmeras formas de controle da


Administração Pública, utilizar-se-á o método adotado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro 85,
que classifica as diversas espécies de controle a partir de critérios específicos.

Sob este prisma, o controle será administrativo, legislativo ou judicial de acordo


com o órgão que o exerça; será prévio, concomitante ou posterior dependendo do momento que
seja executado; será interno ou externo conforme provenha de órgão que faça parte ou não a
atividade controlada; e, por fim, será de legalidade ou de mérito conforme a análise que se
proceda do ato. 86

Tendo em vista a enorme gama de modalidades ora apresentadas, explicitar-se-á,


a seguir, tão-somente as formas de controle que levam em consideração o órgão ou autoridade
que o realiza, que, na expressão de Regina Maria Macedo Nery Ferrari. 87, consistem nos tipos
clássicos de controle: o controle interno e externo.

3.1.2.1. Controle Interno


83
Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit., 13-14.
Já De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, conceitua Administração Pública da seguinte forma:
“Num sentido amplo, administração pública pode ser compreendida como uma das manifestações do poder
público na gestão ou execução de atos ou de negócios políticos. Assim, se confunde com a própria função
política do poder público, expressando um sentido de governo, cujo conceito, por vezes, se entrelaça com a
da administração, por tal forma que, dificilmente, se poderá, de pronto, traçar uma diferenciação exata entre
os órgãos que estruturam o governo propriamente dito e as funções que indicam seu setor administrativo”.
(SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 875 p. p. 39.
84
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit., p. 30.
85
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 479.
86
.
Idem, ibidem.
87
FERRARI, Regina Macedo Nery. Controle da Administração Pública: um aspecto interessante. Revista
de Direito Administrativo Aplicado, Curitiba, v. 4, p. 37-47, mar. 1995. p. 40.
O controle interno, também denominado pelos autores de controle administrativo
ou autocontrole, é aquele que se dá no âmbito dos órgãos em que a atividade administrativa a
ser controlada está inserida. Assim, observa-se esta modalidade de controle sendo exercida pelo
Poder Executivo e pelos órgãos administrativos dos Poderes Legislativo e Judiciário sobre as
atividades provenientes de suas próprias esferas.

Esta espécie de controle vem insculpida pelo artigo 74 da Constituição, que


prevê:

“Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada,


sistema de controle interno com a finalidade de:
I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução
dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência,
da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da
administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades
de direito privado;
III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos
direitos e haveres da União;
IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de
qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas
da União, sob pena de responsabilidade solidária.
§ 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima
para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal
de Contas da União.”

Outrossim, os Tribunais Pátrios pronunciaram-se a respeito do controle interno,


sendo a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal a manifestação mais referendada. Preleciona
mencionada súmula:

“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que
os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Compreende-se, portanto, que o controle interno a ser realizado na Administração


Pública não se atém à legalidade do ato, podendo atingir seu mérito88, já que tem como objetivo
precípuo assegurar “que a atividade pública em geral se realize com legitimidade e eficiência,
atingindo sua finalidade plena, que é a satisfação das necessidades coletivas e atendimento dos
direitos individuais dos administrados”.89

Diversos são os meios para o controle administrativo. Conforme exposto por Hely
88
O conceito de mérito que ora se utiliza é aquele elaborado por Celso Antônio Bandeira de Mello. Para o
autor, mérito do ato administrativo “é o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a
remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade,
se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da
finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única
adequada”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., 1993. p. 38.
89
MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 580.
Lopes Meirelles,

“de um modo geral, bipartem-se em fiscalização hierárquica e recursos


administrativos. (...) A fiscalização hierárquica é exercida pelos órgãos
superiores sobre os inferiores da mesma Administração, visando a coordenar,
orientar e corrigir suas atividades e agentes.(...) Recursos administrativos, em
acepção ampla, são todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão
interna pela própria Administração. (...) Os recursos administrativos são um
corolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou
servidor atingido por qualquer ato da Administração”.90

Importante conferir destaque para a possibilidade do “controle popular pela via


administrativa” ou “controle interno com a participação do administrado” .91, caso em que o
controle interno dar-se-á por provocação do administrado. Conforme apregoado por Edson
Aguiar de Vasconcelos, o controle popular torna-se viável, especialmente, a partir de dois
dispositivos Constitucionais que asseguram ao administrado o “direito à informação” (art. 5º,
XXXIII) e o “direito de petição ou representação” (art. XXXIX).

Fazendo uso de tais direitos, afirma o autor, o administrado poderá “exigir dos
órgãos públicos informações de interesse coletivo ou geral”, bem como encaminhar “denúncia
formalizada destinada à defesa de direito, público ou privado, ou a coibir ilegalidade ou abuso
de poder” 92. O direito de petição será exercido, em geral, através do recurso administrativo, que
poderá, conforme o caso, consistir na representação, na reclamação administrativa, no pedido de
reconsideração, nos recursos hierárquicos próprios e impróprios ou ainda na revisão. 93

3.1.2.2. Controle Externo

Além do controle interno, tem-se a existência do controle externo, que é realizado


por órgão distinto daquele em que se encontra a atividade controlada. Assim, observa-se
inserida na Ordem Constitucional vigente a existência de mecanismos conferidos aos Poderes
Legislativo e Judiciário para a realização de mencionado controle, que tem por objetivo
precípuo assegurar que os agentes, dentro do atuar administrativo, não se afastem do interesse
público e, por consegüinte, da legalidade e da moralidade a que estão subordinados.

A seguir, far-se-á uma breve análise do controle legislativo e do controle


judiciário, já que consistem em formas de controle inseridas na modalidade do controle externo
da Administração Pública.

a. Controle Legislativo

O controle legislativo, também denominado controle parlamentar, é aquele


exercido pelos órgãos do Poder Legislativo. Destarte, esta espécie de controle será exercida,

90
.
Idem, 581-582.
91
A primeira expressão é utilizada por VASCONCELOS, Edson Aguiar de. Instrumento de Defesa da
Cidadania na Nova Ordem Constitucional: Controle da Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense,
1993. 186 p. p. 123. Já FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit., p. 235 faz uso da segunda.
92
VASCONCELOS, Edson Aguiar de. op. cit., p. 123-124.
93
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 482.
dependendo da esfera, se federal, estadual ou municipal, pelo Congresso Nacional, pelas
Assembléias Legislativas ou pelas Câmaras de Vereadores, respectivamente.

Ao Tribunal de Contas também é conferida a participação nesta modalidade de


controle, como órgão auxiliador do Poder Legislativo, nos termos dos artigos 70 e 71 da
Constituição.94

Mencionado controle, no entanto, não se dará de maneira ilimitada: o Poder


Legislativo há que obedecer às delimitações impostas constitucionalmente, já que o controle
indiscriminado por parte do legislativo acabaria por afetar ou mesmo inviabilizar o princípio da
separação dos poderes, pois abalaria a harmonia que se faz necessária entre os três poderes. 95

A efetivação do controle legislativo dar-se-á através das Comissões


Parlamentares de Inquérito; da convocação de autoridades para prestarem informações; da
participação na realização do exercício da função administrativa do Executivo pela aprovação
ou autorização para atuar; do julgamento das contas do Chefe do Executivo; do processo e
julgamento do Presidente e Vice Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os
dos Ministros de Estado nos crimes conexos com aqueles, através do Senado Federal e isto,
também em relação ao crimes de responsabilidade cometidos pelos Ministros do Supremo
Tribunal Federal, Procurador Geral da República e Advogado-Geral da União.96

Insta assinalar, por fim, a possibilidade de participação popular também nesta


forma de controle da Administração Pública, conferida através dos artigos 58, § 2º, 74, § 2º e
31, § 3º, da Constituição Federal de 1988.

b. Controle Jurisdicional

O controle jurisdicional da Administração Pública é tema que suscita polêmica


por parte da doutrina. A corrente mais tradicional afirma ser este um instrumento que se atém à
análise da legalidade do ato administrativo.97 Este entendimento parece não haver se adequado
com os novos ditames trazidos pelo Texto Constitucional vigente, que, em diversos momentos,
expressa a vontade do legislador constituinte em viabilizar um amplo controle dos atos
administrativos, a fim de exigir a sua adequação com os princípios constitucionais,
principalmente os previstos em seu artigo 37, caput.

A corrente que se entende ser mais acertada, ao revés, parte de uma análise mais
pormenorisada das inovações trazidas pela atual Carta Magna. Desta forma, defende que o
94
A respeito do Tribunal de Contas, Valéria Oliveira Quixadá expõe que suas atribuições foram bastante
ampliadas em face no novo Texto Constitucional. E aduz: “O seu poder judicante sobre as contas dos
administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e
indireta, incide sobre atos, tanto de ordem financeira, orçamentária e patrimonial, como também sobre
aqueles de natureza operacional e que envolvam aspectos de economicidade. Tal amplitude demonstra que
a fiscalização exercida agora pelas Cortes de Contas Brasileiras tende à formação de um juízo sobre fatores
de legitimidade fora, muitas vezes, de considerações meramente legais. (QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op.
cit., p. 59.)
95
Neste sentido MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 605 e DI PIETRO, Maria Sylvia Za nella. op. cit., p.
488. Defende esta última autora ser esta modalidade de controle uma exceção ao princípio da separação
dos poderes, “não podendo ser ampliado fora do âmbito constitucional”.
96
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. op. cit., p. 41.
97
Neste sentido: MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit.; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., 1997. e
PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit.
controle jurisdicional dos atos administrativos tem um espectro muito mais abrangente e que
portanto não se exaure no exame da legalidade administrativa, atingindo, igualmente, o exame
da moralidade. 98

Defendendo a ampla abrangência do controle da Administração Pública em face


da Constituição Federal é que assevera José Augusto Delgado:

“A Constituição, sensível aos vícios identificados pela Nação na prática da


administração pública, não deixou sem solução satisfatória tão grave problema de
ajuste do atuar do agente público com a finalidade pública da ação produzida,
fazendo com que o direito seja o reflexo de uma nova concepção de justiça
compatível com a realidade social a que se destina. O amplo controle da atividade
administrativa se exerce, assim, na atualidade, não só pelos administrados
diretamente, como também, pelo Poder Judiciário, em todos os atributos do ato
administrativo”.(o grifo é nosso)99

O controle da moralidade administrativa, no entanto, é tema que será abordado


posteriormente. No momento, tratar-se-á apenas, de tecer alguns apontamentos básicos acerca
do controle jurisdicional da Administração Pública.

Nesse passo, cabe ressaltar, preliminarmente, que a Constituição Federal de 1988,


ao prever, em seu art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça de direito”, ampliou a esfera de atuação do Poder Judiciário, sujeitando a
Administração Pública à revisão jurisdicional sempre que se observar um ato administrativo que
fuja aos padrões a que deva estar conformado. Destaque-se, outrossim, que o ato controlado não
precisa ter configurado uma lesão de direito, podendo consistir, tão-somente, mera ameaça. 100

Assim, levando em consideração que o controle jurisdicional não se faz


voluntariamente, posto que necessita, obrigatoriamente, de algum tipo de provocação por parte
do interessado, conclui-se por vislumbrá-lo enquanto elemento indispensável aos administrados,
já que, através dele, “foi aperfeiçoada e ampliada a garantia dos direitos dos administrados, cuja
proteção é sua característica essencial” 101.

No sentido de possibilitar a concretização do controle jurisdicional é que a


Constituição Federal elenca diversos instrumentos. São eles, entre outros constantes do Texto
Constitucional, o mandado de segurança (individual e coletivo), a ação popular, o habeas data,
o mandado de injunção, a ação civil pública, etc.

3.2. O Controle da Moralidade Administrativa em face da Constituição

O controle da moralidade administrativa é assunto que muitos doutrinadores


persistem em evitar, pois adentra em um terreno bastante arenoso da esfera do Direito
Administrativo. Entende-se, no entanto, que apesar da complexidade conferida ao tema, este
98
Fazem parte desta corrente José Augusto Delgado, Lúcia Valle Figueiredo, Mauricio Antonio Ribeiro
Lopes, Edson Aguiar de Vasconcelos, Toshio Mukai, Valéria Oliveira Quixadá, Cármen Lúcia Antunes
Rocha, Demócrito Ramos Reinaldo, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho.
99
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 216.
100
Cf. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit., p. 242-246.
101
STEPHANO, Sílvia Pucú de. Controle da Administração Pública: Legalidade. In: XIX Congresso Nacional
dos Procuradores de Estado – Teses. Manaus: out. 1993. p. 273-320. p. 305.
possui indubitável relevância, e que, principalmente com o advento da Constituição Federal de
1988, que trouxe inovações acerca do assunto, necessita de uma ampla abordagem por parte da
doutrina pátria.

Como já visto anteriormente, a Constituição de 1988, ao tratar do controle da


Administração, conferiu aos três poderes do Estado mecanismos que possibilitam um amplo
controle da atividade administrativa. A partir da análise de alguns dispositivos constitucionais,
vê-se que este controle inclui a moralidade administrativa, já que a submissão da Administração
Pública a este princípio é indubitável, e, portanto, a sua violação requer a utilização dos meios
de controle oferecidos constitucionalmente. 102

Aliás, ressalte-se que do momento em que a atual Carta Magna alçou a


moralidade administrativa à categoria autônoma de princípio constitucional da Administração
Pública, tornou-se evidente a intenção do legislador constituinte em torná-la elemento
inafastável de qualquer atuação administrativa e, conseqüentemente, passível de ser controlada
amplamente, inclusive no âmbito judicial.

Corroborando este entendimento é que Maurício Antonio Ribeiro Lopes, ao fazer


referência ao disposto no artigo 37, caput da Constituição, tece os seguintes apontamentos:

“Essa disposição constitucional não pode deixar de ser vista como um dado
relevantíssimo para ruptura de uma tradição malsã de uma legislação
extremamente conveniente aos administradores e imprestável sob a ótica do
controle social e judiciário permitidos que tinha vigência, até então. Ruptura de
obstáculo para que os valores éticos e morais da atividade administrativa
quedassem distante desses controles”.103

Feitas estas considerações preliminares, não há como negar que a moralidade


administrativa pode e deve ser analisada nas três esferas de controle da Administração Pública
abordadas anteriormente, quais sejam a administrativa, a legislativa e a judiciária, esta última
maior fonte de polemização.

Na esfera administrativa, o controle da moralidade não suscita maiores


problemas, já que nesta modalidade de controle é pacífico que a análise do mérito do ato
administrativo pode ser realizada. Assim, sempre que agentes públicos ou mesmo administrados
vislumbrarem, na atividade administrativa, a presença de qualquer irregularidade que constitua
ofensa ao princípio da moralidade insculpido no artigo 37 da Carta Magna, deverão fazer valer
os mecanismos que lhes são colocados à disposição para a realização do controle interno da
Administração Pública.104

No âmbito do Poder Legislativo, o controle realizado também abrange a análise


do mérito do ato administrativo. 105 Aliás, não há como negar que a grande maioria das hipóteses
elencadas pela Constituição para a realização deste controle invadem a esfera da moralidade

102
Neste sentido, QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op. cit., p. 57.
Lúcia Valle Figueiredo reforça este entendimento expondo que “(...) a moralidade não é mais – como se
pretendia antigamente – expressão fugidia, sem que se possa precisar o conceito e controlá-la pelas formas
concebidas pela Lei das Leis”. (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit., p. 52.)
103
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. op. cit., p. 61.
104
Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit., p. 17.
105
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 488.
administrativa, como é o caso, por exemplo, dos crimes de responsabilidade (art. 52, I e II) e da
fiscalização e controle dos atos do Poder Executivo(art. 49, X), só para citar alguns.

Quanto ao controle legislativo com auxílio do Tribunal de Contas, a presença da


moralidade administrativa também é indubitável, já que este controle atingirá, basicamente,
aqueles agentes públicos que malversarem a coisa pública, o que alcança , sem sombra de
dúvida, o exame da moralidade administrativa.

Em relação, por fim, ao controle jurisdicional da moralidade administrativa, esta


se faz possível através do teor da atual Carta Magna, já que analisando o caráter de observância
obrigatória do princípio, pode-se concluir que o ato administrativo que violá-lo será inválido tal
qual o ato administrativo ilegal e, por conseguinte, será este ato passível de apreciação pelo
Poder Judiciário para a decretação de sua invalidade. 106 Este assunto, porém, por revelar-se
objeto de maiores divergências, será explicitado mais demoradamente em tópico a seguir
apresentado.

Após ressaltado a possibilidade do amplo controle da moralidade administrativa,


insta lembrar que cabe, no momento, à Administração Pública e, principalmente aos seus
administrados, a efetiva utilização dos meios de controle oferecidos constitucionalmente, para
que se observe a concretização da moralidade administrativa e, por conseqüência, a
aproximação do atuar administrativo com os anseios da população brasileira.

Nesta linha de raciocínio, torna-se indispensável assinalar a importância da


existência cada vez maior do controle da moralidade administrativa para que esta aproximação
não seja mera utopia. A fim de destacar esta importância é que aponta Cármen Lúcia Antunes
Rocha:

“(...) o controle impõe não apenas desfazimento de efeitos de atos contrários ao


princípio da moralidade administrativa, mas, especialmente, que a Administração
Pública esteja atenta e aberta a se repensar continuadamente, a fim de que o
resultado obtido em determinada apuração não se exaura nela, mas que, ao
contrário, possa traduzir, e efetivamente venha traduzir, mudança de organização
e de comportamentos públicos em seu seio, se e quando se comprovar que a
estrutura vigente ou os procedimentos admitidos propiciam, ou facilitam, ou não
impedem, como deveriam, práticas corruptas”.107

Desta forma, extrai-se destes ensinamentos que o controle da moralidade


administrativa é o meio mais eficaz colocado à disposição dos cidadãos brasileiros para que a
Administração Pública revele-se de uma vez por todas, merecedora de credibilidade, e que,
compatibilize a sua atuação com as “finalidades que a sociedade exige que sejam cumpridas
pelo Estado”.108

3.3. Tutela Jurisdicional da Moralidade Administrativa

Acerca do assunto, manifestam-se divergentemente os autores. Observa-se, no

106
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São
Paulo: Atlas, 1991. p. 116.
107
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 209.
108
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 215.
entanto, duas grandes correntes: há os autores que admitem o controle por parte do Poder
Judiciário e há os que negam com veemência esta possibilidade. Outros autores, por seu turno,
simplesmente omitem-se no tratamento do assunto. As justificativas para a admissão ou não de
mencionado controle são as mais diversas, pelo que se faz necessário a explicitação de algumas
delas.

Os autores que não admitem o controle jurisdicional da moralidade


administrativa, fitam-se na justificativa da vedação imposta ao Poder Judiciário de analisar o
mérito do ato administrativo. Representante deste entendimento, Hely Lopes Meirelles aduz que
o controle jurisdicional da Administração Pública “é um controle a posteriori, unicamente de
legalidade, por restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege”.109

Dentre os que admitem o controle da moralidade administrativa, urge mencionar


três entendimentos distintos, a seguir abordados.

O primeiro entendimento admite o controle da moralidade sob a justificativa de


que esta estaria inserida dentro do elemento legalidade e, portanto, consistiria, tão-somente, no
controle da legalidade do ato administrativo. Sob este prisma, assenta Amandino Teixeira
Nunes Júnior que “os critérios de moralidade administrativa se incluem no conceito amplo de
legalidade. (...)Neste sentido, a conveniência e a oportunidade da prática do ato se inserem nas
condições de sua legalidade”.110

O segundo entendimento a ser destacado admite o controle da moralidade


administrativa, por este não consistir, propriamente, no exame do mérito do atuar
administrativo. Defensora desta corrente, Maria Sylvia Zanella Di Pietro expõe que “não há
invasão de mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a
elaboração do ato”.111

E, por fim, o último entendimento, e que ora filia-se o presente trabalho, defende
a tese de que o controle da moralidade administrativa não só é possível como também consiste
na exceção conferida ao Poder Judiciário de examinar o mérito do ato administrativo.112

Ao tecer considerações acerca desta incumbência do Poder Judiciário, José


Augusto Delgado preleciona que

“(...)encontrando-se o Poder Judiciário consciente de sua novas responsabilidades


a respeito do exercício do controle dos atos administrativos, há de cumprir a sua
missão de modo que, não obstante penetrando no fundo de todos os atos
administrativos, o faça de tal forma que o princípio da independência e da
harmonia dos poderes seja respeitado, prestigiando-se as competências e
atribuições legais de cada um”.113

109
MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 610.
110
NUNES JÚNIOR, Amandino Teixeira. op. cit., p. 217.
111
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 1994. p. 493.
112
Coloca Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho que “em nome do princípio da moralidade administrativa,
a qual difere da ilegalidade por desvio ou abuso do poder, o Poder Judiciário, excepcionalmente, tem
competência para anular o mérito do ato administrativo quando a valoração dos motivos e a escolha do
objeto do ato mostrem-se notória e iniludivelmente ineficientes e contrárias à moral interna da entidade em
relação à outras hipóteses que o senso comum da sociedade teria adotado. (SARAIVA FILHO, Oswaldo
Othon de Pontes. op. cit., p. 131.)
113
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 223.
Tal corrente, apresenta-se como a mais condizente com o Texto Constitucional
vigente. Apesar de ainda ser repudiada por parte da doutrina mais tradicional, como destacado
ao longo do presente trabalho, vem ganhando força desde a promulgação da atual Constituição,
já que, a partir das inovações por ela trazidas, houve um fomento ao estudo da matéria e o
conseqüente amadurecimento no tratamento da moralidade administrativa.

Sob a influência deste último entendimento, aduz Diogo de Figueiredo Moreira


Neto, citando Nagib Slaibi Filho:

“ Com a nova Constituição, introduzindo o requisito de moralidade como


essencial aos atos de Administração Pública, não terão os tribunais, em casos
concretos que lhes forem submetidos, senão a alternativa de apreciar o elemento
subjetivo, visando apurar se há boa administração da coisa pública, não só nos
aspectos de adequação à ordem jurídica, mas também no que diz respeito aos fins
e motivos da atuação do administrador”.114

Assim, tem-se que, na atual conjuntura brasileira, a possibilidade do amplo


controle da moralidade administrativa é o entendimento não apenas mais coerente, mas o que se
faz necessário no alcance “melhor administrar” 115. Ele é fruto não apenas de construção
doutrinária, mas, especialmente, de exigência constitucional. A par deste reconhecimento,
assinala Valéria Oliveira Quixadá:

“O amplo espectro conferido pela Lei maior ao controle jurisdicional da


moralidade administrativa indubitavelmente consiste em verdadeira conquista do
Estado Democrático de Direito. A Carta Constitucional ampliou sobremaneira o
campo de atuação do poder judicante na defesa do princípio, possibilitando a este
perquirir ‘avaliar e julgar o mérito do ato administrativo, o abuso ou desvio de
poder sob o escudo da discricionariedade e da não obrigação de motivar’. Neste
sentido, faculta-se ao magistrado, também, a emissão de juízo acerca da
constitucionalidade do ato praticado pela administração em face da observância
ou não do princípio da moralidade administrativa. Dentro da ótica constitucional,
o titular do poder jurisdicional possui competência para anular atos
administrativos, mesmo discricionários, desde que, eivados do vício da
imoralidade, haurido de objeto ou motivo inidôneos, não alcancem os fins
específicos aos quais se destinavam por força normativa, ou venham a contrariar
o interesse público”.116

Em suma, compete ao Judiciário anular o ato administrativo sempre que este


distanciar-se dos preceitos a que está subordinado ou fundar-se em motivo ou objeto
incompatível com o fim visado pela atividade administrativa, qual seja, o interesse público.
Desta forma, sempre que se observar a existência de ato administrativo com motivo inexistente,
insuficiente, desproporcional, incompatível ou inadequado ou ainda com objeto desconforme,
impossível ou ineficiente117, será ele passível de controle por parte do Poder Judiciário.
114
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 30.
115
Este é o termo empregado por José Augusto Delgado. De acordo com o autor, “A extensão do princípio
da moralidade administrativa conduz ao entendimento de que a administração pública tem o dever de
melhor administrar, que ultrapassa o conceito de bem administrar”. (DELGADO, José Augusto. op. cit.,
1993. p. 214.)
116
QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op. cit., p. 58.
117
Ver item 2.3 supra.
Maurício Antonio Ribeiro Lopes preleciona que a competência do Poder
Judiciário vai mais além. Acredita o autor que

“o Poder Judiciário, em sede de qualquer ação, de natureza constitucional ou não,


pode ingressar no exame da moralidade administrativa para salvaguarda dos
interesses individuais e sociais postos ao abrigo do pedido”.118

Cumpre lembrar, que na seara da concretização do princípio constitucional da


moralidade administrativa, a ativa atuação do administrado e do Ministério Público revela-se
indispensável. Sob este prisma, a Constituição conferiu ao primeiro o direito de ingressar com a
ação popular que vise especificamente a tutela da moralidade administrativa. Já em relação ao
Ministério Público, este teve sua atuação ampliada através da Constituição de 1988. No
entendimento de José Augusto Delgado,

“Recebeu (...) essa instituição um grande desafio, na medida em que se


compreenda a extensão de todo o poder que lhe foi outorgado como sujeito ativo,
em nome de uma coletividade heterogênea, de promover perante o Judiciário,
ações civis públicas que redundem em efetivo controle dos atos administrativos
quando fugirem dos princípios a que estão sujeitos, especialmente o da
moralidade”.119

Destarte, conclui-se que o controle da moralidade administrativa, para se


concretizar, necessita de uma atuação conjunta por parte dos administrados, do Ministério
Público e do Poder Judiciário.

Ao administrado fica a incumbência de exercer efetivamente a sua cidadania e,


desta forma, ingressar em juízo, fazendo uso dos instrumentos constitucionais e processuais
cabíveis, sempre que desejar coibir atos administrativos imorais. Para o Ministério Público
reserva-se o dever de uma atuação digna e constante no intuito de representar a coletividade na
tutela da moralidade administrativa através da ação civil pública.

Quanto ao Judiciário, por fim, resta a obrigação de não se ausentar da


incumbência de analisar a moralidade dos atos administrativos e, sob a ótica do “bom
administrador”, anular os atos que entender viciados. 120

3.4. A Moralidade Administrativa e a Jurisprudência

Mesmo antes da elevação da moralidade administrativa à categoria de princípio


constitucional, os tribunais pátrios já haviam se manifestado a respeito da moralidade
administrativa. É o caso do Tribunal de Justiça de São Paulo, que se pronunciou pioneiramente
em acórdão, da lavra do Desembargador Cardoso Rolim, que se tornou clássico 121:

118
LOPES, Maurício Antonio. op. cit., p. 74.
119
DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 222-223.
120
Cf. MUKAI, Toshio. Da Aplicabilidade do Princípio da Moralidade Administrativa e do seu Controle
Jurisdicional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 1, n. 4, p. 211-215, jul./set.
1993. p. 215.
121
Cf. MEIRA, José Castro. op. cit., p. 202.
“O controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato
administrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a
conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o
interesse coletivo”..122

Extrai-se deste julgado, no entanto, que o tratamento dispensado à moralidade


administrativa restringe seu real conteúdo, já que faz referência a ela enquanto elemento
inserido na própria legalidade administrativa, entendimento que, atualmente, em face da atual
Constituição e das inovações por ela trazidas, demonstra-se indubitavelmente ultrapassado.
Como já ressaltado anteriormente, a atual Carta Magna alçou a moralidade administrativa à
categoria de princípio constitucional da Administração Pública, e, enquanto tal, tem observância
obrigatória e aplicação autônoma, existindo, portanto, paralela e independentemente da
legalidade administrativa.

Não obstante as inovações trazidas pelo Texto Constitucional, nota-se que a


admissão do controle judicial da moralidade dos atos administrativos ainda não se configura
em prática muito freqüente dos Tribunais brasileiros. Ao revés, a jurisprudência brasileira vem
caminhando lentamente na abordagem da moralidade administrativa, evidenciando a falta de
amadurecimento acerca da matéria, e dificultando, conseqüentemente, a sua efetivação. 123

Assim, na atual conjuntura brasileira, apesar de tantos desmandos sofridos por


parte da Administração Pública, vislumbra-se que os julgadores continuam temerosos ao
permitir o controle judicial da moralidade administrativa. Por conseqüência, nota-se, a partir do
estudo de alguns pronunciamentos, que a moralidade administrativa dificilmente integra o
conteúdo central dos julgados, fazendo parte dos provimentos jurisdicionais como mero
elemento influenciador da decisão. 124

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina tem comprovado esta


tendência, já que a moralidade administrativa vem constando como mero “componente
secundário” de grande parte de seus acórdãos. Da análise de acórdãos proferidos entre os meses
de setembro de 1997 e dezembro de 1998 125, revelou-se tarefa difícil encontrar o termo
moralidade administrativa em alguma ementa. Na maior parte dos acórdãos, a moralidade
administrativa não se apresenta como elemento realmente relevante ou justificador da decisão.
Como exemplo, cita-se o acórdão nº 98.001873-0. 126, de 22 de abril de 1998, cujos trechos a
seguir se transcreve:

“APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO


ADMINISTRATIVO PUNITIVO. AUSÊNCIA DE SINDICÂNCIA E AMPLA
DEFESA. ATO IMOTIVADO. INVALIDAÇÃO. REMESSA DESPROVIDA.
A falta de sindicância impede que se assegure ao acusado o direito
constitucional ao contraditório e ampla defesa, maculando,
irremediavelmente, o ato punitivo da autoridade.
.

122
Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 28. Ao comentar mencionado julgado, o autor
ressalta que o mesmo “identificou a moralidade não só com a legalidade mas com a ilegitimidade, numa
propositada confusão, nitidamente positivista de categorias éticas”.
123
Cf. LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. ob. cit., p. 77-79.
124
Idem, ibidem.
125
Acórdãos pesquisados sob o argumento “moralidade administrativa”. Relação dos Acórdãos analisados
no Anexo II.
.

126
O texto integral do acórdão mencionado consta do Anexo III.
Há flagrante ilegalidade no ato punitivo de suspensão de servidor quando
apenas constar os artigos da Lei Municipal que se entende afrontado, sem,
contudo, demonstrar ou mesmo justificar os fatos funcionais ensejadores da
punição, ou tampouco a apuração de sua efetiva ocorrência.
(...)
Observa-se – principalmente pelos termos das informações – que não houve
instauração de qualquer procedimento administrativo com o fim de apurar
ocorrência de falta funcional, não conferindo à impetrante, conseqüentemente,
oportunidade de defesa.
(...)
Descumpriu-se, portanto, regra particular de legalidade do ato administrativo
impugnado, quanto a sua parte vinculada, requisito de operacionalidade, que era a
instauração de sindicância para averiguar a falta funcional da espécie.
A falta de sindicância impediu, conseqüentemente, que se assegurasse à
impetrante o direito constitucional ao contraditório e ampla defesa, o que resta
por macular, irremediavelmente, o ato punitivo da autoridade.
Cumpre notar, ainda, que todo ato administrativo – com apenas exceções legais –
deve ser obrigatoriamente motivado, sob pena de ser inválido, mormente quando
impositivo de penalidade. Tal dever é corolário do princípio da moralidade
administrativa que permeia, modernamente, toda a Administração Pública, ao
exigir a fundamentação dos seus atos, que permitam apurar a probidade e a
transparência de sua atividade administrativa, tornando possível a impugnação
direta, frente a motivação apresentada.
(...)
Florianópolis, 22 de abril de 1998.
Eder Graf - PRESIDENTE PARA O ACÓRDÃO
Silveira Lenzi - RELATOR”..127

Há que ser afirmado, no entanto, a contribuição de certos julgados, que,


indubitavelmente, vêm se revelando indispensáveis para o enriquecimento do estudo da
moralidade administrativa e a sedimentação de sua real importância e alcance. 128 É o caso das
ementas a seguir citadas, da lavra do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal
Federal, respectivamente:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.


1. O acórdão deve expressar, de forma explícita, as razões pelas quais determinou
a conclusão assumida, para que a parte possa analisar o conteúdo de sua
fundamentação e preparar o recurso cabível.
2. A prática de qualquer ato administrativo, quer da administração direta, quer da
administração indireta, não terá apoio do ordenamento jurídico se não se
apresentar rigorosamente vinculado ao princípio da moralidade.
3. A defesa da moralidade administrativa pode ser efetuada via qualquer forma
legislativa ou até mesmo sem norma expressa. É dever do administrador.
4. Não há ofensa ao princípio da legalidade e ao ato jurídico perfeito quando o
Tribunal de Contas, em decisão colegiada, impede que sociedade de economia
.

127
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível em mandado de segurança. Apelação
Cível nº 98.001873-0. Beatriz Zeczkowski e Prefeito Municipal de Santa Terezinha. Relator: Desembargador
Silveira Lenzi. 22 de abril de 1998. Endereço eletrônico: http:// www.tj.sc.gov.br. (o grifo na expressão
moralidade administrativa é nosso)
128
Cf. QUIXADÁ, Valéria Oliveira, op. cit., p. 58.
mista assuma encargos financeiros de pessoa jurídica de direito privado que rege
interesses particulares.
5. Não é lícito que o Banco de Brasília pague as despesas administrativas de
pessoal da empresa Regius S/C de Previdência Privada.
6. Embargos de declaração acolhidos”.129

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. VEREADORES:


REMUNERAÇÃO: FIXAÇÃO: LEGISLATURA SUBSEQÜENTE. C.F., art. 5º,
LXXIII; art. 29, V. PATRIMÔNIO MATERIAL DO PODER PÚBLICO.
MORALIDADE ADMINISTRATIVA: LESÃO.
I. - A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixada
pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subseqüente. C.F., art. 29, V.
Fixando os Vereadores a sua própria remuneração, vale dizer, fixando essa
remuneração para viger na própria legislatura, pratica ato inconstitucional lesivo
não só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidade
administrativa, que constitui patrimônio moral da sociedade. C.F., art. 5º,
LXXIII.
II. - Ação popular julgada procedente.
III. - R.E. não conhecido.” 130

Assim, longe de negar a importância destes pronunciamentos, deve-se ressaltar a


necessidade de uma maior abordagem ao tema, já que, como demonstrado, para que a
moralidade administrativa se concretize, seu controle precisa ser efetivado, a fim de impor
limites aos agentes administrativos.

A efetivação deste controle, por sua vez, só se dará através de uma longa
construção jurisprudencial e doutrinária do tema, pelo que se faz necessário a mobilização de
todos os juristas, em especial dos magistrados brasileiros, nesta árdua tarefa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após esta breve incursão na seara da moralidade administrativa, tornou-se


possível apreender que a complexidade conferida ao tema é inegável, bem como sua amplitude,
que transcende em várias oportunidades a esfera jurídica, adquirindo contornos diversos.

Saliente-se, no entanto, que apesar das dificuldades advindas com o estudo do


tema, ao longo da elaboração deste trabalho algumas conclusões puderam ser trazidas à lume.
Logo, urge ressaltá-las no presente momento.

Preliminarmente, há que se destacar que as considerações a seguir apontadas


pressupõem que, com o advento da Constituição Federal de 1988 e as profundas inovações
trazidas em seu bojo acerca da matéria, a moralidade administrativa foi elevada à categoria de

129
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso em Mandado de Segurança.
EDROMS nº 6234. Relator: Ministro José Delgado. 15 de maio de 1998. Diário de Justiça, Brasília, p.
00022, 17/08/1998.
130
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário em Ação Popular. RE-206889/MG.
Vereadores da Câmara Municipal de Conselheiros Lafaiete e outros e Diarlhes Pider Benjamin e outros. 25
de março de 1997. Diário de Justiça, Brasília, v. 01873-11, p. 02257, 13/06/1997.
princípio constitucional inerente à Administração Pública, recebendo portanto, uma ampliação
em sua esfera, o que suscitou repercussões.

Sob este prisma, tem-se que o conteúdo da moralidade administrativa não pode
ser confundido ou vinculado à legalidade ou à probidade. Em relação ao primeiro elemento, que
consiste igualmente em princípio constitucional elencado no artigo 37, caput, do Texto
Constitucional, a moralidade reserva indiscutível independência. Justifica-se esta assertiva a
partir do entendimento de que a legalidade, apesar de essencial à atividade administrativa, não é
suficiente para a configuração de sua validade, devendo existir, portanto, acompanhado da
moralidade.

A probidade, por sua vez, tem seu conteúdo inserido na própria noção de
moralidade, sendo decorrência direta desta, e possuindo, por consegüinte, uma dimensão mais
restrita.

Desta forma, percebe-se que a moralidade merece estudo destacado dos demais
institutos, tendo em vista a autonomia que lhe foi conferida constitucionalmente. Aliás, com a
promulgação da atual Carta Magna, que pioneiramente juridicizou o seu conteúdo, alçando-o a
um dos mais altos níveis da hierarquia normativa brasileira, o alcance da moralidade ganhou
proporções que ainda recebe certo receio por parte da doutrina, que temendo reconhecê-la acaba
por destinar-lhe limites descabidos em face do Texto Constitucional.

Estas resistências sofridas vêm se revelando como verdadeiros obstáculos,


embaraçando até mesmo a existência da moralidade administrativa, já que o reconhecimento da
real amplitude deste princípio, é fator relevante quando se adentra no âmbito da efetividade de
referido preceito constitucional.

Atendo-se a esta linha de raciocínio é que se percebe que tornou-se


imprescindível na atualidade a existência de estudos cada vez mais freqüentes e pormenorizados
do tema, a fim de que ele sofra uma maior explicitação. Revela-se de suma importância que se
perceba um amadurecimento doutrinário e a conseqüente sedimentação dos objetivos
insculpidos pela Constituição, já que não resta dúvida que o legislador constituinte, ao definir a
moralidade da maneira que o fez, ansiava por sua concretização sem qualquer tipo de obstrução.

Neste passo, insta salientar que foi com o desejo de vislumbrar a real aplicação
deste princípio na atividade da Administração Pública que a Constituição Federal lançou, em
inúmeros de seus dispositivos, mecanismos que tornam possível o controle dos atos
administrativos que tragam vícios quanto a sua moralidade. Assim, constata-se que a partir da
utilização destes instrumentos constitucionais, o controle da moralidade administrativa pode ser
amplamente realizado. Este controle poderá ser interno ou externo. Quando externo, poderá
advir do Poder Legislativo ou Judiciário.

Ressalte-se, outrossim, a importância conferida pela Constituição à participação


popular. Segundo os ditames da Carta Magna, a participação dos administrados neste controle é
possível, independente da modalidade, já que cabe ao cidadão provocá-lo, seja no âmbito
interno da Administração Pública ou recorrendo à esfera judicial.

Adentrando no aspecto mais controvertido do controle da moralidade


administrativa, qual seja o jurisdicional, observa-se que este vem se esbarrando em
entendimentos que não o admitem, numa visível afronta às exigências contidas na Carta
de 1988, que conferiu ao magistrado, não apenas o poder, mas sobretudo o dever de analisar e,
se for o caso, controlar o ato administrativo sob a eiva da imoralidade.

Sob a perspectiva constitucional, deve o magistrado adentrar até mesmo no


mérito da atividade administrativa sub judice, a fim de examiná-la profundamente e perceber se
a conduta é condizente com o fim colimado pela Administração Pública e, também, se esta
finalidade, ainda que alcançada, encontra-se em consonância com os elementos motivo e objeto
do ato administrativo.

Não obstante a previsão de vários mecanismos de controle da moralidade por


parte do Poder Judiciário, uma fração de magistrados brasileiros vêm se demonstrando um tanto
reticentes na aplicação da matéria. Demonstração disto pode ser obtida a partir da análise de
alguns fragmentos da jurisprudência pátria, que revelam caminhar lentamente ao discorrer sobre
a moralidade administrativa, nem sempre conferindo-lhe a importância a que faz jus.

Afora esta observação, não há como negar que os Tribunais brasileiros, em


especial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, vêm adequando suas
decisões aos anseios do legislador constituinte, mesmo que por vezes timidamente. Assim, nota-
se que os pronunciamentos que fazem referência à matéria são cada vez mais freqüentes, porém
não são suficientes. É imprescindível que se dê mais ênfase à moralidade administrativa.

Por fim, há que se perceber uma maior conscientização por parte dos mais
variados setores da sociedade brasileira, em especial àqueles que sofrem desmandos por parte
da Administração Pública e àqueles outorgados de competência para o julgamento de tais
desmandos, no sentido de que é coibindo a imoralidade na atividade administrativa, seja através
de sua prevenção, seja através do controle dos atos administrativos ou, ainda, da observância
pura e simples de tal preceito é que será possível vislumbrar a concretização de tal princípio.

E só a partir da efetiva concretização da moralidade administrativa é que se


tornará viável a aproximação da Administração com seus administrados, que, na atual
conjuntura brasileira, têm lhe debitado ínfima credibilidade.

Espera-se, finalmente, que o anseio pela moralidade na Administração Pública


não se configure em mera utopia, fruto de um idealismo exacerbado.

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632.

Anexo I - LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA*

LEI 8.429 DE 02/06/1992


Dispõe sobre as Sanções Aplicáveis aos Agentes Públicos nos Casos de Enriquecimento Ilícito
no Exercício de Mandato, Cargo, Emprego ou Função na Administração Publica Direta,
Indireta ou Fundacional e da outras Providencias.
CAPITULO I - Das Disposições Gerais (artigos 1 a 8)
Art. 1º - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente publico, servidor ou não, contra
a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio
publico ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com
mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta
Lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos as penalidades desta Lei os atos de improbidade
praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, beneficio ou incentivo, fiscal
ou creditício, de órgão publico bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual,
limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial a repercussão do ilícito sobre a contribuição
dos cofres públicos.
Art. 2º. - Reputa-se agente publico, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou
qualquer outra forma de investidura ou vinculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
entidades mencionadas no artigo anterior.
Art. 3º. - As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, aquele que, mesmo não sendo

*
Diário Oficial [da República Federativa do Brasil] de 03 de junho de 1992.
agente publico, induza ou concorra para a pratica do ato de improbidade ou dele se beneficie
sob qualquer forma direta ou indireta.
Art. 4º. - Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita
observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos.
Art. 5º. - Ocorrendo lesão ao patrimônio publico por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do
agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.
Art. 6º. - No caso do enriquecimento ilícito, perdera o agente publico ou terceiro beneficiário os
bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.
Art. 7º. - Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio publico ou ensejar
enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar
ao Ministério Publico, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o "caput" deste artigo recairá sobre bens
que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do
enriquecimento ilícito.
Art. 8º. - O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio publico ou se enriquecer
ilicitamente esta sujeito as cominações desta Lei ate o limite do valor da herança.
CAPITULO II - Dos Atos de Improbidade Administrativa (artigos 9º a 11)
SEÇÃO I - Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento
Ilícito (artigo 9º)
Art. 9º - Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir
qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato,
função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem
econômica, direta ou indireta, a titulo de comissão, percentagem, gratificação ou presente de
quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou
omissão decorrente das atribuições do agente publico;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou
locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art.
1º., por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou
locação de bem publico ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor
de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, maquinas, equipamentos ou material de
qualquer natureza, de propriedade ou a disposição de qualquer das entidades mencionadas no
art. 1º., desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a
exploração ou a pratica de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura
ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração
falsa sobre medição ou avaliação em obras publicas ou qualquer outro serviço, ou sobre
quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a
qualquer das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função
publica, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional a evolução do patrimônio ou
a renda do agente publico;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para
pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido, ou amparado por ação ou
omissão decorrente das atribuições do agente publico, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba publica
de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato
de oficio, providencia ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei.
SEÇÃO II - Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário
(artigo 10)
Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação
ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, mal
baratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º., desta Lei, e
notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de
pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial
das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei,
sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis a espécie;
III - doar a pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins
educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das
entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei, sem observância das formalidades legais e
regulamentares aplicáveis a espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de
qualquer das entidades referidas no art. 1º., desta Lei, ou ainda a prestação de serviço por parte
delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior
ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar
garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder beneficio administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis a espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensa-lo indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz
respeito a conservação do patrimônio publico;
XI - liberar verba publica sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de
qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, maquinas, equipamentos
ou material de qualquer natureza, de propriedade ou a disposição de qualquer das entidades
mencionadas no art. 1º., desta Lei, bem como o trabalho de servidor publico, empregados ou
terceiros contratados por essas entidades.
SEÇÃO III - Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam contra os Princípios
da Administração Publica (artigo 11)
Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração publica qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade as instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na
regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de oficio;
III - revelar fato ou circunstancia de que tem ciência em razão das atribuições e que deva
permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso publico;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a faze-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva
divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria,
bem ou serviço.
CAPITULO III - Das Penas (artigo 12)
Art. 12 - Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação
especifica, esta o responsável pelo ato de improbidade sujeito as seguintes cominações:
I - na hipótese do art. 9, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,
ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função publica, suspensão dos direitos
políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de ate três vezes o valor do acréscimo
patrimonial e proibição de contratar com o Poder Publico ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 1º.,0, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstancia, perda da função publica,
suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de ate duas
vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Publico ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 1º.,1, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função
publica, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de ate
cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder
Publico ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda
que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três
anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levara em conta a extensão do
dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
CAPITULO IV - Da Declaração de Bens (artigo 13)
Art. 13 - A posse e o exercício de agente publico ficam condicionados a apresentação de
declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada
no Serviço de Pessoal competente.
§ 1º. - A declaração compreendera imóveis, moveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e
qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizados no Pais ou no exterior, e,
quando for o caso, abrangera os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos
filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos
apenas os objetos e utensílios de uso domestico.
§ 2º. - A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente publico
deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.
§ 3º. - Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço publico, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis, o agente publico que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo
determinado, ou que a prestar falsa.
§ 4º - O declarante, a seu critério, poderá entregar copia da declaração anual de bens
apresentada a Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a
Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a
exigência contida no "caput" e no § 2º deste artigo*.
*Regulamentado pelo Decreto numero 978, de 10/11/1993.
CAPITULO V - Do Procedimento Administrativo e do Processo Judicial (artigos 14 a 18)
Art. 14 - Qualquer pessoa poderá representar a autoridade administrativa competente para que
seja instaurada investigação destinada a apurar a pratica de ato de improbidade.
§ 1º. - A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação
do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que
tenha conhecimento.
§ 2º. - A autoridade administrativa rejeitara a representação, em despacho fundamentado, se
esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1 deste artigo. A rejeição não impede a
representação ao Ministério Publico, nos termos do art. 22 desta Lei.
§ 3º. - Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinara a imediata apuração
dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos
artigos 148 e 182 da Lei numero 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de
servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.
Art. 15 - A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Publico e ao Tribunal ou
Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a pratica de ato
de improbidade.
Parágrafo único. O Ministério Publico ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a
requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.
Art. 16 - Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representara ao Ministério
Publico ou a Procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do
seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao
patrimônio publico.
§ 1º. - O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos artigos 822 e
825 do Código de Processo Civil.
§ 2º. - Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens,
contas bancarias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei
e dos tratados internacionais.
Art. 17 - A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Publico ou
pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
§ 1º. - E vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o "caput".
§ 2º. - A Fazenda Publica, quando for o caso, promovera as ações necessárias a
complementação do ressarcimento do patrimônio publico.
§ 3º - No caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério Publico, a pessoa jurídica
interessada integrara a lide na qualidade de litisconsorte, devendo suprir as omissões e falhas da
inicial e apresentar ou indicar os meios de prova de que disponha.
§ 4º. - O Ministério Publico, se não intervier no processo como parte, atuara obrigatoriamente,
como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
Art. 18 - A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda
dos bens havidos ilicitamente determinara o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o
caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.
CAPITULO VI - Das Disposições Penais (artigos 19 a 22)
Art. 19 - Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente publico ou
terceiro beneficiário quando o autor da denuncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses de multa.
Parágrafo único. Alem da sanção penal, o denunciante esta sujeito a indenizar o denunciado
pelos danos materiais, morais ou a imagem que houver provocado.
Art. 20 - A perda da função publica e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o
transito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o
afastamento do agente publico do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração, quando a medida se fizer necessária a instrução processual.
Art. 21 - A aplicação das sanções previstas nesta Lei independe:
I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio publico;
II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou
Conselho de Contas.
Art. 22 - Para apurar qualquer ilícito previsto nesta Lei, o Ministério Publico, de oficio, a
requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com
o disposto no art. 1º.,4, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento
administrativo.
CAPITULO VII - Da Prescrição (artigo 23)
Art. 23 - As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta Lei podem ser
propostas:
I - ate cinco anos após o termino do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função
de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei especifica para faltas disciplinares
puníveis com demissão a bem do serviço publico, nos casos de exercício de cargo efetivo ou
emprego.
CAPITULO VIII - Das Disposições Finais (artigos 24 e 25)
Art. 24 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 25 - Ficam revogadas as Leis números 3.164, de 1 de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demais
disposições em contrario.
*
Anexo II – RELAÇÃO DOS ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA ANALISADOS

TIPO DE PROCESSO: Ação Direta de Inconstitucionalidade


NÚMERO ACÓRDÃO: 98.005567-9
COMARCA: Chapecó
DES. RELATOR: Francisco Borges
ÓRGÃO JULGADOR: Órgão Especial do Tribunal Pleno
DATA DECISÃO: 03 de junho de 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.012641-7
COMARCA: Capital
DES. RELATOR: Eder Graf
ÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara Civil
DATA DECISÃO: 28 de abril de 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível em mandado de segurança


NÚMERO ACÓRDÃO: 98.001873-0
COMARCA: Itaiópolis
DES. RELATOR: Silveira Lenzi
ÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara Civil
DATA DECISÃO: 22 de abril de 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível em mandado de segurança


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.011875-9
COMARCA: Urussanga
DES. RELATOR: Newton Trisotto
ÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara Civil
DATA DECISÃO: 07 de abril de 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível em mandado de segurança


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.015337-6
COMARCA: Barra Velha
DES. RELATOR: Anselmo Cerello
ÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara Civil
DATA DECISÃO: 12 de fevereiro de 1998

TIPO DE PROCESSO: Agravo de instrumento


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.012730-8
COMARCA: Blumenau
DES. RELATOR: Trindade dos Santos

*
Fonte: Endereço Eletrônico: http://www.tj.sc.gov.br.
ÓRGÃO JULGADOR: Primeira Câmara Civil
DATA DECISÃO: 02 de dezembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo de instrumento


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.003761-9
COMARCA: Indaial
DES. RELATOR: Newton Trisotto
ÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara Civil
DATA DECISÃO: 20 de novembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.008351-3
COMARCA: Turvo
DES. RELATOR: Newton Trisotto
ÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara Civil
DATA DECISÃO: 06 de novembro de 1997

TIPO DE PROCESSO : Processo-Crime


NÚMERO ACÓRDÃO: 323 (88.085814-4)
COMARCA: Taió
DES. RELATOR: Nilton Macedo Machado
ÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara Criminal
DATA DECISÃO: 30 de outubro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo de instrumento


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.004573-5
COMARCA : São Miguel do Oeste
DES. RELATOR: Pedro Manoel Abreu
ÓRGÃO JULGADOR: Quarta Câmara Civil
DATA DECISÃO: 23 de outubro de 1.997

TIPO DE PROCESSO: Embargos infringentes


NÚMERO ACÓRDÃO: 96.003117-0
COMARCA : Capital
DES. RELATOR: Eder Graf
ÓRGÃO JULGADOR: Seção Civil
DATA DECISÃO: 6 de outubro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo de Instrumento


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.004577-8
COMARCA: São Miguel do Oeste
DES. RELATOR: Pedro Manoel Abreu
ÓRGÃO JULGADOR: Quarta Câmara Civil
DATA DECISÃO: 02 de outubro de 1.997

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.008332-7
COMARCA: Imaruí
DES. RELATOR: Silveira Lenzi
ÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara Civil
DATA DECISÃO: 30 de setembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível


NÚMERO ACÓRDÃO: 96.002202-3
COMARCA: Anita Garibaldi
DES. RELATOR: Orli Rodrigues
ÓRGÃO JULGADOR: Primeira Câmara Civil
DATA DECISÃO: 23 de setembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível


NÚMERO ACÓRDÃO: 88.070407-6 (44.862)
COMARCA: Capital
DES. RELATOR: Eládio Torret Rocha
ÓRGÃO JULGADOR: Primeira Câmara Cível Especial
DATA DECISÃO: 17 de setembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo regimental em agravo de instrumento


NÚMERO ACÓRDÃO: 97.003761-9
COMARCA: Indaial
DES. RELATOR: Newton Trisotto
ÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara Civil
DATA DECISÃO: 11 de setembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo de instrumento


NÚMERO ACÓRDÃO: 96.011810-1
COMARCA: Quilombo
DES. RELATOR: Francisco Oliveira Filho
ÓRGÃO JULGADOR: Primeira Câmara Civil
DATA DECISÃO: 9 de setembro de 1997

Anexo III – ACÓRDÃO Nº 98.001873-0, DE 22 DE ABRIL DE 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível em mandado de segurança


NÚMERO ACÓRDÃO: 98.001873-0
COMARCA: Itaiópolis
DES. RELATOR: Silveira Lenzi
ÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara Civil
DATA DECISÃO: 22 de abril de 1998
Apelação cível em mandado de segurança n. 98.001873-0, de Itaiópolis.
Relator: Des. Silveira Lenzi.
APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO
PUNITIVO. AUSÊNCIA DE SINDICÂNCIA E AMPLA DEFESA. ATO IMOTIVADO.
INVALIDAÇÃO. REMESSA DESPROVIDA.
A falta de sindicância impede que se assegure ao acusado o direito constitucional ao
contraditório e ampla defesa, maculando, irremediavelmente, o ato punitivo da autoridade.
Há flagrante ilegalidade no ato punitivo de suspensão de servidor quando apenas constar os
artigos da Lei Municipal que se entende afrontado, sem, contudo, demonstrar ou mesmo
justificar os fatos funcionais ensejadores da punição, ou tampouco a apuração de sua efetiva
ocorrência.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível em mandado de segurança n.
98.001873-0, da comarca de Itaiópolis (Vara Única), remetidos pelo Juízo de Direito, em que é
impetrante Beatriz Zeczkowski, sendo impetrado o Prefeito Municipal de Santa Terezinha:
ACORDAM, em Terceira Câmara Civil, por votação unânime, desprover o reexame necessário.
Custas na forma da lei.
Beatriz Zeczkowski impetrou mandado de segurança contra ato do Prefeito Municipal de Santa
Terezinha que a suspendeu de suas funções por 15 (quinze) dias, pena disciplinar esta que reputa
ilegal e pretende ver declarada nula.
Alega que é professora do quadro de servidores públicos daquela municipalidade e que vem sendo
perseguida pelo Prefeito em virtude de desavenças políticas. Argüi já haver sido removida da escola
onde lecionava, de forma arbitrária, conseguindo reverter o ato por decisão judicial, tendo o
impetrado imputado a ela a penalidade de quinze dias de suspensão, em decorrência do conteúdo de
alguns trabalhos escolares apresentados por seus alunos. Aduz que a suspensão lhe foi aplicada sem
a devida sindicância ou processo disciplinar, e sem direito de ampla defesa.
A liminar foi concedida parcialmente (fls. 56/59).
A autoridade coatora prestou suas informações (fls. 68/69).
O Promotor de Justiça opinou pelo deferimento da ordem.
Sentenciando, o Togado a quo concedeu em definitivo a segurança pleiteada, declarando nulo o ato
de suspensão da impetrante.
Sem recurso voluntário mas por força da remessa obrigatória, ascenderam os autos a esta Superior
Instância.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento da remessa.
É o relatório.
Imerece reparo a sentença em apreço. Senão vejamos.
Observa-se – principalmente pelos termos das informações – que não houve instauração de
qualquer procedimento administrativo com o fim de apurar ocorrência de falta funcional, não
conferindo à impetrante, consequentemente, oportunidade de defesa.
A Lei Municipal n. 41/93 (fls.14/54), que trata do regime jurídico dos servidores da municipalidade
de Santa Terezinha, prescreve que seja instaurada sindicância para casos de punição de suspensão
até trinta dias (art. 120).
Descumpriu-se, portanto, regra particular de legalidade do ato administrativo impugnado, quanto a
sua parte vinculada, requisito de operacionalidade, que era a instauração de sindicância para
averiguar a falta funcional da espécie.
A falta de sindicância impediu, consequentemente, que se assegurasse à impetrante o direito
constitucional ao contraditório e ampla defesa, o que resta por macular, irremediavelmente, o ato
punitivo da autoridade.
Cumpre notar, ainda, que todo ato administrativo – com apenas exceções legais – deve ser
obrigatoriamente motivado, sob pena de ser inválido, mormente quando impositivo de penalidade.
Tal dever é corolário do princípio da MORALIDADE ADMINISTRATIVA que permeia,
modernamente, toda a Administração Pública, ao exigir a fundamentação dos seus atos, que
permitam apurar a probidade e a transparência de sua atividade administrativa, tornando possível a
impugnação direta, frente a motivação apresentada.
No caso presente, afere-se que o ato punitivo suspensivo da autoridade coatora (fl. 8) apenas indica
os artigos da Lei Municipal nos quais afirma ter incorrido a impetrante, sem, contudo, demonstrar
ou mesmo justificar os fatos funcionais ensejadores da punição, ou mesmo a apuração de sua efetiva
ocorrência.
Não basta indicar os dispositivos violados, mister é demonstrar os motivos, devidamente
fundamentados, que, mesmo assim, só produzirão efeitos – os atos administrativos assim elaborados
– se corresponderem verdadeiramente aos fatos sucedidos. É o que reza a hodierna teoria dos
motivos determinantes.
Diante do exposto, nega-se provimento à remessa oficial.
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Des. Silveira Lenzi, e participaram do mesmo, com votos
vencedores, os Exmos. Srs. Des. Cláudio Barreto Dutra e Vanderlei Romer, e lavrou parecer,
pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Raulino Jacó Bruning.
Florianópolis, 22 de abril de 1998.
Eder Graf
PRESIDENTE PARA O ACÓRDÃO
Silveira Lenzi
RELATOR

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