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O Positivismo sem Negacionismo1 na Geografia

RESUMO
Este artigo objetiva comentar o capítulo “A Filosofia (Neo) Positivista e a
Geografia Quantitativa2”, de José Carlos Godoy Camargo e Dante Flávio da Costa Reis Júnior,
inserido na obra “Contribuições à História e à Epistemologia da Geografia”. Busca-se destacar a
amplitude da Geografia, em sua relação dialética com a ciência, e como os paradigmas nela
estabelecidos não são excludentes entre si, até pelo caráter plural da disciplina, sendo perfeitamente
factível a coexistência de correntes como a teoretica-quantitativa, radical-crítica, e humanista-
cultural, entre outras, da mesma forma que se faz necessário um diálogo entre elas.
A estrutura deste artigo está composta por: 1. Introdução, onde se destacam os
principais argumentos do trabalho de Camargo e Reis Júnior (2007), incluindo comentários; 2.
Questões epistemológicas envolvendo a geografia; 3. A geografia teoretica-quantitativa e sua
relação com o (neo) positivismo: possibilidades e limites; 4. Considerações finais, destacando a
pluralidade da geografia e a necessidade do diálogo entre suas várias correntes.

ABSTRACT
This article aims to comment on the chapter “The (Neo) Positivistic Philosophy
and the Quantitative Geography”, by José Carlos Godoy Camargo e Dante Flávio da Costa Reis
Júnior, in “Contributions to the History and Epistemology of Geography” 3. Particular emphasis is
given to Geography’s wide scope, and its dialectical relationship with science, also showing how
paradigms in that field are not mutually exclusive, due to its pluralistic character, and how feasible
it is their co-existence, be it, for instance, the theoretic-quantitative, radical-critical, or humanistic-
cultural branch, calling for a necessary dialogue among them.
The structure of this article goes as follows: 1. Introduction, where the main points
of Camargo & Reis Júnior (2007) ideas, including comments; 2. Epistemological issues concerning
Geography; 3. The Theoretic-quantitative Geography and its relationship with (neo) positivism:
possibilities and limits; 4. Final remarks, evidencing Geography’s plurality and the need of dialogue
among its multiple tendencies.

1. Introdução
As diversas correntes da geografia lhe conferem um caráter dinâmico e plural –
uma característica que leva a repensar constantemente sua natureza. Camargo e Reis Júnior (2007,
p. 84) enfatizam a necessidade de os geógrafos terem conhecimento das várias escolas
epistemológicas, e a consequente opção/apoio a uma ou outra corrente que mais se identifica com
suas respectivas áreas de trabalho.
Denomina-se Geografia “Teorética e Quantitativa” ou Geografia “Neopositivista”
a corrente que começou a se formar logo após a Segunda Guerra Mundial e que terminou por trazer

1
Negacionismo (do francês négationnisme) é a escolha de negar a realidade como forma de escapar de uma verdade
desconfortável. Fonte: Maslin, J. Michael Specter fires bullets of data at cozy antiscience in “denialism”. The New
York Times. 4 de novembro de 2009. Acesso em 17 de fevereiro de 2011.
2
Neste trabalho, a Geografia Quantitativa poderá ser chamada de Teoretico-quantitativa ou mesmo Nova Geografia.
3
CAMARGO, J. C. G.; REIS JUNIOR, D. F. da Costa.A Filosofia (Neo) Positivista e a Geografia Quantitativa. In:
Contribuições à História e à Epistemologia da Geografia (Org: Vitte, A. C.) Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2007,
pp. 83-99.
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 1
profundas modificações teóricas e metodológicas, caracterizando-se pelo emprego maciço das
técnicas matematico-estatisticas na geografia. Segundo Burton, “a revolução quantitativa na
Geografia começou no fim da década de 1940 ou no início da de 1950, atingiu seu máximo no
período de 1957 a 1960 e agora está terminada [ou seja, se tornou corriqueira]” (Burton, 1977, p.
66) 4.
Em seu trabalho original5, Burton afirma que técnicas quantitativas são o método
mais apropriado para o desenvolvimento da teoria em geografia. O autor enfatiza que qualquer
ramo da geografia que se diz científico tem a necessidade do desenvolvimento de uma teoria, e
qualquer ramo da geografia que necessite de teoria necessita de técnicas quantitativas. Camargo e
Reis Júnior (2007, p. 84) seguem afirmando que os geógrafos que adotaram a linha “quantitativa”,
na ânsia de tornar a geografia uma verdadeira ciência, foram buscar os embasamentos teóricos na
chamada Filosofia Neopositivista.
O positivismo6 é um movimento relacionado com o empirismo e o naturalismo
introduzido em meados do sec. XIX por Auguste Comte, juntamente com o reformador social Saint-
Simon. O que destaca o positivismo na sua forma original é a tentativa de descrever a história do
pensamento humano como uma evolução em certos estágios definidos, que Comte classificou de
religioso, metafísico, e científico. A ciência se tornou mais autoconsciente, e mais preocupada em
extirpar os elementos metafísicos da própria ciência. Ela é baseada na observação, e não deveria
apelar para aquilo que não puder ser observado.
No seu aspecto social e ideológico, o pensamento conservador subjacente ao
positivismo encarnava os interesses das classes dominantes européias, que precisavam encontrar
uma solução para suas crises políticas e sociais, particularmente no final do século XIX. Vale
lembrar que a República brasileira nasceu sob a égide positivista, permeada nas forças armadas de
então, e sintetizada pelo slogan da bandeira da “Ordem e Progresso”, numa tentativa de inocular o
princípio na cultura da jovem nação que se formava7.
Na vertente científica, o positivismo assume o papel de valorizar o conhecimento
racionalizado, que era considerado útil, técnico, objetivo, baseado nos fatos concretos observados
no mundo real e que poderiam ser apreendidos pelo sujeito do conhecimento. Depreende-se daí o
quanto a filosofia dá importância ao que se verifica pela via empírica, a ponto de considerar a
observação e a experimentação os únicos critérios para atestar a veracidade, a única base possível
para se atingir o conhecimento de fato.
O empirismo é o método positivista por excelência: qualquer observação que
embasa o nosso conhecimento, ou os elementos pelos quais é construído pela experiência dos cinco
sentidos tradicionais8. O empirismo tem suas raízes na idéia de que todos nós podemos saber sobre
o mundo e o que o mundo quer nos dizer; nós devemos observá-lo de forma neutra e não passional,
e qualquer tentativa de moldar ou interferir no processo de receber tal informação pode levar à
distorção e imaginação arbitrária.
A passagem do positivismo tradicional para um novo – o Positivismo Lógico (ou
Neopositivismo ou empirismo lógico/linguístico) – se deu nas primeiras décadas do século XX, em
Viena, Áustria. O princípio central da doutrina do movimento, normalmente chamado de princípio

4
BURTON, I. A revolução quantitativa e a geografia teorética. Boletim de Geografia Teorética. Rio Claro, v. 7, n. 13,
1977, p. 63-84. Apud CAMARGO e REIS JUNIOR (2007, p. 84). Considera-se finalizada pelo método ter alcançado o
status de “normal” dentro da geografia.
5
BURTON, I (1968).
6
HONDERICH (1995, p.705-706).
7
Comentário deste autor.
8
HONDERICH (1995, p.226-229).
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 2
da verificação9, com a noção de que sentenças individuais ganham seu sentido por alguma
especificação dos passos reais que tomamos para se determinar sua veracidade ou falsidade. Se as
sentenças sob escrutínio não se enquadram no teste de verificabilidade, então são consideradas sem
sentido. Segundo Feijó (2003, p. 33) 10, para os membros do Círculo de Viena, a tarefa essencial da
filosofia consiste em analisar as sentenças do conhecimento com o propósito de torná-las claras e
não ambíguas.
A valorização do procedimento indutivo, por exemplo, começa a ser novamente
ensejada, ao contrário do positivismo tradicional. E este processo de inferir resultados genéricos
(replicáveis) a partir de fatos particulares devidamente experimentados trouxe avanço no
conhecimento (…). Reverenciando a física como modelo e acatando os efeitos epistemológicos da
adoção de um viés matematizante, o neopositivismo acarretou o estabelecimento da teorização,
pressupondo leis gerais operantes na manifestação de fenômenos 11. Por sua vez, Lacoste (1992, p.
4)12 enuncia que “a linguagem da física é de imediato considerada, por princípio, como linguagem
universal da ciência, como a única linguagem que permite aos homens comunicar-se com clareza”.
Para Reis Júnior (2003, p. 22) 13, a principal diferença entre o positivismo e o
neopositivismo é a existência de enunciados protocolares ou axiomas no segundo, enquanto que o
primeiro não admitia apriorismos. Pode-se dizer que o neopositivismo conserva o monismo
ideológico original, auxiliado pela análise lógica.
No âmbito da geografia, Camargo e Reis Junior (2007, p. 94) relembram que entre
as décadas de 50 e 60 passaram a ser comuns declarações solicitando a quantificação e a
matematização em áreas de interesse da geografia, atacando os sistemas explicativos de até então.
Neste sentido, Fred Schaefer foi um dos autores seminais para a mudança de postura da geografia –
de idiográfica (análise das partes separadamente) para nomotética (estabelecimento de leis gerais), o
que culminou com o aparecimento da geografia quantitativa, de cunho neopositivista. Em seu artigo
Exceptionalism in geography: a methodological examination (1953), o autor enuncia:
“Uma descrição, mesmo seguida por uma classificação, não explica a maneira pela qual
os fenômenos estão distribuídos no mundo. Explicar os fenômenos, que foram descritos,
significa sempre reconhecê-los como casos ligados a leis. (…) a ciência não se interessa
tanto pelos casos individuais quanto pelos padrões que eles exibem.” 14
Schaefer (1953)15 classificou de “excepcionalista” qualquer crença de que a
metodologia científica da geografia era de alguma forma diferente daquela praticada geralmente na
ciência. Uma das principais razões para ter uma visão excepcionalista era a singularidade da
localização dos dados arranjados no espaço: “o grau em que os fenômenos são únicos não é
somente maior na geografia do que em muitas outras ciências, mas a singularidade é de primordial
importância (Hartshorne, 193916, p. 432). Schaefer (1953, p. 239), ao comentar o enunciado, disse:

9
ibid
10
Apud CAMARGO e REIS JUNIOR (2007, p. 89)
11
RUSSEL, B. Significado e verdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. Apud CAMARGO e REIS JUNIOR (2007, p. 90)
12
LACOSTE, J. A filosofia no século XX: ensaios e textos. Campinas: Papirus, 1992. Apud CAMARGO e REIS
JUNIOR (2007, p. 91)
13
REIS JÚNIOR, D.F. da C. O humano pelo viés quantitativo: um exame do (neo) positivismo em Speridião Faissol
através da análise de textos selecionados. 2003. 141 f. Dissertação de mestrado em geografia. Instituto de
Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2003. Apud CAMARGO e REIS
JUNIOR (2007, p. 92).
14
SCHAEFER, F. K. O excepcionalismo na geografia: um estudo metodológico. Boletim de Geografia Teorética.
Rio Claro, v. 7, no. 13, 1977, p. 5-37. Apud CAMARGO e REIS JUNIOR (2007, p. 94)
15
Schaefer, F. K. 1953. Exceptionalism in geography: a methodological examination. Annals of the Association of
American Geographers, 43, 226-49 Apud BIRD (1993, p. 11).
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 3
“Daí, as generalizações na forma de leis são inúteis, se não impossíveis, e qualquer predição em
geografia é de valor insignificante.”
Por outro lado, para Camargo e Reis Junior (2007, p. 94), à medida que a
matemática foi se mostrando capaz de abarcar também relações de natureza mais qualitativa, ela foi
ganhando crédito junto aos que viriam a se constituir nos defensores de seu uso nas ciências sociais
ou humanas – é, portanto, neste sentido que a matematização mantém elo com a visão
neopositivista do mundo. Muito embora os conceitos em matemática não possuam propriamente um
conteúdo realístico, fato é que eles advêm de alguma maneira, do mundo real (...)
Vale reforçar que, além da transmutação da física para a geografia (conceitos de
gravidade, atração-repulsão, difusão, equilíbrio, entropia, homeostase, sistema aberto etc.), a nova
geografia apela para a quantificação maciça, ou seja, o uso das técnicas matematico-estatísticas que
se mostravam à disposição.
Sobre o emprego da matemática na geografia, Burton (1977, p. 75) é enfático:
“Dada a necessidade de concordar com os ditames rigorosos do método científico, a
necessidade de aperfeiçoar a teoria e de testá-la pela previsão, a Matemática é então o
melhor instrumento de que dispomos para este fim.”17
Burton também destaca que outro método importante incorporado à Nova
Geografia foi a construção e o emprego de modelos.
Vale ressaltar que os geógrafos da corrente neopositivista ocuparam-se com
estudos de processo e difusão espacial a partir do momento em que, mais ou menos
consensualmente, a geografia foi assumindo a tarefa de lidar com a “organização espacial” dos
fenômenos. E, a fim de melhor compreender as organizações verificadas no espaço, os geógrafos
neopositivistas assimilaram prontamente a Teoria Geral dos Sistemas, mesclando-a tanto quanto
possível, com um instrumental teórico e/ou quantitativo, ora trivial (Teoria dos Conjuntos), ora mais
aprimorado (Teoria dos Jogos, Teoria da Complexidade).

2. Questões epistemológicas envolvendo a geografia.


A epistemologia18 é abordada em seu senso etimológico como teoria da ciência,
como dinâmica de um pensamento e de um discurso científicos. Ela visa três objetivos:

1. Um objetivo de conhecimento do pensamento dominante, ou seja, a pesquisa da


problemática ou das problemáticas maiores;
2. Um objetivo metodológico para fazer compreender as modalidades de aquisição e de
organização dos conhecimentos que serão utilizados;
3. Um objetivo de iluminar as maneiras de agir privilegiadas pela organização do
pensamento científico, no empenho da coleta das idéias fundamentais dos procedimentos
de controle dos resultados.
De acordo com Bailly e Ferras (2001, p. 5), a epistemologia adquiriu seu estatuto
científico dentro da linhagem da filosofia das ciências após dois trabalhos seminais: o Discurso do
Método de Descartes (1637) e o Ensaio sobre a filosofia das ciências de Ampère (1860) 19.
16
Hartshorne, R. 1939. The nature of geography. Lancaster, Penn: Asociation of American Geographers. BIRD
(1993, p. 11).
17
Op. Cit. Apud CAMARGO e REIS JUNIOR (2007, p. 95)
18
Segundo Bailly e Ferras (2001, p. 5)
19
André-Marie Ampère (Lyon, 20 de janeiro 1775 — Marselha, 10 de junho 1836) foi um físico, filósofo, cientista e
matemático francês que fez importantes contribuições para o estudo do eletromagnetismo. Entre suas obras, deixou por
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 4
Nesse sentido, não há como falar de método científico sem que se remeta ao
cartesianismo, nome dado ao movimento inaugurado por René Descartes (31/03/1596 –
11/02/1650), matemático francês, cientista e filósofo, que moldou o cenário filosófico do começo
do período moderno, cuja influência, mesmo hoje, ainda se faz sentir 20 (…). O programa cartesiano
pressupunha que todos os fenômenos físicos são explicáveis em termos de modelos ou
modificações de extensão; com efeito, isto significava mostrar como que toda a aparente
complexidade e diversidade da matéria poderiam ser contabilizadas pela simples referência de
tamanho, forma, e movimento das partículas das quais era composta.
O método cartesiano envolve quatro ações distintas, a seguir21:
1. Nunca aceitar nada como verdadeiro aquilo que não tiver total certeza; ou seja,
cuidado no sentido de evitar precipitação e preconceito, e não adicionar nada a mais
no julgamento do que aquilo que foi apresentado na mente tão clara e distintamente,
excluindo-se qualquer sombra de dúvidas;
2. Dividir cada uma das dificuldades sob escrutínio em tantas partes quanto possível, de
tal forma a conduzir a uma resposta adequada;
3. Conduzir os pensamentos de tal forma que, começando pelos objetos mais simples e
fáceis se possa ascender pouco a pouco, passo a passo, ao conhecimento do mais
complexo; e,
4. Em todas as ocorrências, fazer enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que
se possa ter certeza de que nada foi omitido.
Um grande contraponto ao discurso cartesiano foi o trabalho seminal de Immanuel
Kant (1724-1804), considerado o mais importante filósofo europeu dos tempos modernos: Crítica
da Razão Pura. Na obra, o autor ressalta a questão metafísica, entendida como o conhecimento
filosófico que transcende os limites da experiência 22. Para Kant, tal conhecimento é tanto sintético
como apriorístico. Em outras palavras, a metafísica se propõe não somente prover as verdades
necessárias, que, dessa forma, não podem ser baseadas na evidência empírica (sua aprioridade),
mas também propõe que seus referentes podem ser derivados de uma análise de seus conceitos (sua
sinteticidade). Os enunciados: “Deus existe” e “Todo evento tem uma causa”, são exemplos de tais
proposições.
Para Kant, o conhecimento humano é limitado a aparências ou fenômenos,
conquanto a essência das coisas [ou noumena] pode ser pensada, mas não sabida. O filósofo
argumenta que, uma vez que os objetos devem parecer para nós de acordo com as formas
percebidas pelos sentidos, isto resulta que nós podemos conhecê-los somente na forma que
parecem, não como realmente são.
De acordo com Harvey (1969) 23, há dois caminhos para a explicação científica. O
primeiro, ocasionalmente conhecido como o caminho “baconiano” ou indutivo, deriva suas
generalizações das observações: um padrão é observado e uma explicação é desenvolvida a partir
dele e para ele. Entretanto, isso envolve uma forma perigosa de generalização a partir do caso
particular, porque, como argumenta Moss (1970) 24, a aceitação das interpretações depende
muitíssimo do carisma do estudioso envolvido. Assim, o método científico é o do segundo caminho

terminar Ensaio sobre a filosofia das Ciências, na qual iniciou a classificação do conhecimento do homem. Fonte:
Wikipédia. Acesso em 16 de fevereiro de 2011.
20
HONDERICH (1995, p. 122-124)
21
DESCARTES (2008; p. 21)
22
HONDERICH (1995, p. 435-438)
23
Harvey, D. Explanation in geography. Londres: Edward Arnold, 1969. Apud JOHNSTON (1986, p. 100)
24
Moss, R. P. Authority and charisma: criteria of validity in geographical method. South African Geographical
Journal. V. 52, 13-37, 1970 Apud JOHNSTON (1986, p. 100)
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 5
[ou dedutivo]. Este também começa com um observador percebendo padrões no mundo; ele então
faz experimentos, ou alguma outra espécie de teste, para provar a veracidade das explicações que
ele produziu para esses padrões. Somente quando suas idéias forem testadas com sucesso, em
relação a dados diferentes daqueles dos quais elas foram derivadas, é que uma generalização pode
ser feita.
“Uma lei científica pode ser interpretada como uma generalização que é empírica e
universalmente verdadeira, e que é também uma parte integral de um sistema teórico no
qual temos uma confiança suprema. Tal interpretação rígida poderia provavelmente
significar que as leis científicas não teriam existência em todas as ciências. Entretanto,
os cientistas afrouxam, numa certa medida, seus critérios na aplicação prática do
termo.” (Harvey, 1969, p. 105) 25
Lakatos (2001, p. 2-3) lembra que os cientistas querem fazer com que suas teorias
sejam respeitáveis, merecedoras do título “ciência”, que é conhecimento genuíno. Após o advento
do Iluminismo, a nova crença consistia na negação de uma teologia científica, ou do conhecimento
teológico. O conhecimento pode ser somente sobre a Natureza, mas este novo tipo de conhecimento
tinha de ser julgado pelos padrões tirados diretamente da teologia: ele tinha de ser provado além da
dúvida. Um cientista, digno do nome, não podia “achar”: ele tinha que provar cada sentença
proferida através dos fatos. Tal era o critério da honestidade científica (...). Foi somente com a
queda da teoria Newtoniana no século XX que fez com que os cientistas tomassem consciência de
que seus padrões de honestidade tinham sido utópicos.
O autor cita que, em 1934, Karl Popper, um dos mais influentes filósofos de nossa
era, argumentou que a probabilidade matemática de todas as teorias, científicas ou
pseudocientíficas, dado qualquer quantidade de evidência, seria zero. Popper (1963, p. 47-48), em
suas reflexões, destaca que:
1. É fácil obter confirmação, ou verificação, praticamente em toda teoria, se
procurarmos por confirmações;
2. Confirmações deveriam contar somente se elas forem o resultado de predições
arriscadas; ou seja, se, não elaboradas pela teoria em questão, deveríamos ter
esperado um evento que era incompatível com a teoria – um evento que teria
refutado a teoria;
3. Toda boa teoria científica é uma proibição: ela proíbe certas coisas de acontecer.
Quanto mais uma teoria proíbe, melhor ela é;
4. Uma teoria que não é refutável por nenhum evento concebível não é científica.
Irrefutabilidade não é uma virtude de uma teoria, mas um vício;
5. Todo teste genuíno de uma teoria é uma tentativa de faseá-la, ou refutá-la.
Testabilidade é falsificabilidade; mas há graus de testabilidade: algumas teorias
são mais testáveis, mais expostas à refutação, do que outras; elas se sujeitam a
maiores riscos;
6. Confirmação de evidência não deveria contar exceto quando ela é resultado de um
teste genuíno da teoria; e isto significa que ela pode ser apresentada como uma
tentativa séria, mas mal sucedida em falsear a teoria;
7. Algumas teorias genuinamente testáveis, quando provadas em contrário, são ainda
encampadas por seus admiradores – por exemplo, pela introdução ad hoc de
alguma condição auxiliar, ou pela reinterpretação da teoria ad hoc de tal forma
que ela escapa à refutação.

25
Ibid
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 6
Concluindo, para Popper, o critério do status científico de uma teoria é sua
falseabilidade, ou refutabilidade, ou testabilidade.
Lakatos argumenta que, se Popper estiver certo, as teorias científicas não somente
são improváveis como também não-prováveis. Para o autor, uma teoria é “científica” se alguém está
preparado para especificar antes um experimento (ou observação) crucial que possa falseá-la, e é
pseudocientífica se alguém se recusa a especificar tal “falseador potencial” – neste caso, não
demarcaríamos teorias científicas das pseudocientíficas, mas um método científico do não
científico.
O autor coloca que o critério de falseabilidade de Popper não é a solução do
problema da demarcação entre ciência da pseudociência. Isto porque não leva em conta a admirável
tenacidade das teorias científicas. Os cientistas não abandonam uma teoria meramente por causa dos
fatos que a contradizem. Eles normalmente ou inventam alguma hipótese de resgate para explicar o
que chamam de mera anomalia ou, se não puderem explicar a anomalia, eles a ignoram e dirigem
sua atenção para outros problemas. Neste último aspecto, há concordância com o que disse Popper.
Vale destacar que o principal trabalho de Kuhn sobre filosofia da ciência, A
Estrutura das Revoluções Científicas (1962) 26, tem sido muito influente no âmbito da ciência. Um
dos conceitos-chave do livro é o de paradigma27, que, apesar de usado por Kuhn em diversas
maneiras, pode significar uma filosofia compartilhada por um grupo de pensadores, uma metateoria
a orientar seu trabalho, que pode então ser descrito como “ciência normal”. Segundo define o autor,
“é o conjunto de crenças, de valores comuns e das técnicas próprias a um grupo (característica
sociológica) que permitem trazer as soluções de problemas científicos pendentes (característica
filosófica)”. 28
Uma diferença fundamental entre o pensamento de Kuhn e Popper29 é a crença da
ciência “normal” como o estado básico da ciência, considerado pelo segundo como uma ameaça à
ciência. A ciência normal lida com três classes de problema, de acordo com Kuhn: “determinação
do fato significativo, comparação dos fatos com a teoria, e articulação da teoria” (Kuhn, 1962, p.
34). O autor complementa que é uma característica notável desses problemas normais de pesquisa o
quão pouco eles estão propensos a produzir maiores novidades, conceituais ou fenomenológicas.
Uma crise é uma pré-condição para a emergência de novas teorias, via pesquisa “extraordinária”
levando a um novo metaparadigma via revolução científica.
Uma crítica implícita à proposta de Kuhn vem da pergunta: quais os critérios
científicos para a mudança da crença de um metaparadigma para outro? Popper, ao seu turno, critica
a “ciência normal” em seu trabalho O Mito do Arcabouço, afirmando que, “se tentarmos, podemos
quebrar o arcabouço a qualquer momento. Então, nos encontraremos num outro arcabouço,
melhor e mais espaçoso; e podemos quebrá-lo novamente” 30 (...) arcabouços para ações de
pesquisa em geografia são diferentes de qualquer perspectiva que pudesse ser chamada de método
científico; além do mais, tais abordagens são muito diferentes umas das outras. Para alguns
geógrafos, isto constitui num pluralismo intolerável; outros buscam acomodação via ecletismo.

26
Kuhn, T. S. 1970. The structure of scientific revolutions. First Pub. 1962. Chicago: University of Chicago Press.
Apud BIRD (1993, P. 13).
27
Segundo o Merriam Webster’s Collegiate Dictionary (10ª. Ed), “paradigma é um arcabouço filosófico e teórico
de uma escola ou disciplina científica dentro do qual teorias, leis, generalizações e experimentos executados para
prová-lo são formulados.” Tradução livre.
28
Bailly e Ferras (2001, p. 6)
29
Popper, K. R. 1970. Normal science and its dangers. In I. Lakatos, and A. Musgrave (eds.), Criticisms and the
growth of knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 51-8. Apud BIRD (1993, p. 15).
30
Ibid
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 7
Lakatos (2001, p. 6) defende que a crítica elaborada é sempre construtiva: não há
rejeição sem uma teoria melhor. Kuhn estaria errado ao pensar que as revoluções científicas são
mudanças súbitas e irracionais de visão. A História da Ciência refuta tanto Popper quanto Kuhn:
numa inspeção de perto tanto os experimentos cruciais popperianos quanto as revoluções kuhnianas
não passam de mitos: o que acontece normalmente é que os programas progressivos de pesquisa
substituem os decadentes.
O autor argumenta que (p. 102):
1. A Filosofia da ciência proporciona metodologias normativas em termos de que o
historiador reconstrói a “história interna”, e, portanto proporciona uma explicação
racional para o crescimento do conhecimento objetivo;
2. Duas metodologias concorrentes podem ser avaliadas com a ajuda da história
(interpretada normativamente);
3. Qualquer reconstrução racional da história precisa ser suplementada por uma história
externa empírica (sócio-psicológica).
Historicamente, a geografia, enquanto ciência, não caminha por saltos, como
poderia prever o modelo kuhniano: ao invés disso, a imagem de uma espiral ascendente reflete
melhor a realidade, na qual a disciplina sempre recorre a modelos históricos das diversas escolas,
agregando elementos gerados pela própria evolução científica.. Neste sentido, a geografia [pós-
moderna] não pode prescindir do caráter físico da escola alemã, nem do regionalismo da escola
francesa; por outro lado, as correntes teoretica-quantitativa, radical-crítica, e humanista-cultural acabam
encontrando pontos de interseção, o que implica na necessidade de um melhor diálogo entre elas, sob pena
do dogmatismo ou da redução de seu caráter científico.

3. A geografia teoretica-quantitativa e sua relação com o (neo) positivismo: possibilidades e


limites.
Os proponentes da “Nova Geografia” [ou teoretica-quantitativa] argumentavam
que a geografia tradicional era intelectualmente fraca e que os acadêmicos de outras disciplinas a
enxergavam meramente como uma interpretação de lugares únicos (Gould, 1979) 31. Eles também
acreditavam que através da nova metodologia a geografia poderia se juntar às principais tendências
da ciência, em busca de um entendimento e de sua respectiva sedimentação da organização e da
evolução da paisagem. Essa geografia recém-criada procurava analisar o que dava à paisagem sua
feição (tanto física quanto cultural). Numa certa medida, a divisão entre a nova e antiga geografia
seria a divisão entre os novos e velhos geógrafos (Martin, 2005, p. 419).
(...) A nova geografia prometeu maior precisão, poderia ser verificada, levaria a
generalizações, e poderia ser cumulativa na sua construção do conhecimento científico. Ela também
ocupava significativas áreas de crescimento da disciplina. Assuntos como o tamanho e localização
das cidades e a localização dos negócios tinham sido estudados por geógrafos urbanos e
econômicos, duas das mais desenvolvidas áreas na geografia americana por décadas. (...)
Inicialmente ela adicionou menos ao conteúdo do que ao método. Ela tentou reorganizar a maneira
com que os geógrafos faziam medidas, mudando a linguagem usada de narrativa para numérica, e
procurava leis de dados aleatórios e processados em computador. O objetivo era fazer a geografia
mais científica (ibid).

31
GOULD, P. R. “Geography, 1957-1977: the Augean Period” Annals AAG 69: 139-150, 1979 Apud Martin (2005,
p. 419)
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 8
O conhecimento científico obtido através do método dedutivo é “uma espécie de
especulação controlada” (Harvey, 1969, p. 5) 32, e foi esse conhecimento que um número crescente
de geógrafos humanos procurou aplicar durante os anos 50. O método, conhecido como
positivismo, foi desenvolvido por um grupo de filósofos de Viena, durante as décadas de 20 e 30
[como mencionado anteriormente] (...) Ele está baseado na concepção de um mundo objetivo, no
qual uma ordem existe – padrões espaciais de variação e covariação no caso da Geografia – ela não
pode ser contaminada pelo observador. Um observador neutro, com base tanto em observações
como em suas leituras das pesquisas de outros, derivará uma hipótese (uma lei especulativa) sobre
algum aspecto da realidade e, então, testará aquela hipótese: a verificação de sua hipótese traduz a
lei especulativa para o nível de lei aceita.
Vale destacar que, para Bird (1993, p. 46), é uma prática comum considerar o
método científico e o positivismo moderno como sinônimos, com as seguintes cinco características
principais:
• Objetividade (via uma metodologia livre de valores);
• Método hipotético-dedutivo (via observação guiada por teoria);
• Testabilidade;
• Replicabilidade;
• Habilidade preditiva.
Da mesma forma, o desenvolvimento de uma ciência espacial [no contexto da
geografia quantitativa] subentendia a assunção da filosofia positivista – que limita o conhecimento a
fatos que podem ser observados e a relações entre os fatos. Isto levaria a uma aceitação na
comunidade científica ampla e propiciaria tanto a explicação quanto a predição.
Segundo Fotheringham et al (2005, p. xi), um dos mais intrigantes paradoxos aos
analistas do desenvolvimento da geografia é o fato de que, ao final do século XX, uma corrente
relevante deste campo se voltou contra a análise de dados espaciais quantitativos, na mesma medida
em que outras disciplinas passaram a reconhecer sua importância.
Uma razão comumente expressada para tal atitude negativa contra um dos
elementos básicos da disciplina é a desilusão com a filosofia positivista subjacente aos primeiros
trabalhos da geografia quantitativa (décadas de 1950 e 1960), que acabou relegada ao segundo
plano pelos novos paradigmas em geografia humana, tal como o Marxismo, pós-modernismo,
estruturalismo e humanismo. Tal posicionamento não leva em conta os trabalhos mais abrangentes
desenvolvidos nas duas últimas décadas.
Fotheringham et al (2005, p. 4) alegam que seu livro foi escrito num período
quando a geografia quantitativa alcançou o estágio da maturidade, no qual seus discípulos não são
mais meros importadores de técnicas de outras disciplinas, mas principalmente exportadores de
novas idéias sobre a análise de dados espaciais. Como delimitação do campo, os autores colocam
que a geografia quantitativa consiste em uma ou mais das seguintes atividades: a análise dos dados
espaciais numéricos; o desenvolvimento da teoria espacial; e a construção e o teste dos modelos
matemáticos dos processos espaciais.
Murray (2009, p. 1) fala de seis grandes categorias usadas para discutir a
amplitude dos métodos encontrados na geografia quantitativa: sistemas de informação
geográfica; sensoriamento aéreo; estatística e análise exploratória de dados espaciais;
matemática e otimização; análise regional; e, ciência da computação e simulação, todas33 de
ampla utilização prática na sociedade moderna, tanto no setor público quanto no privado.
32
HARVEY, D. Explanation in Geography. Londres: Edward Arnold, 1969. Apud Johnston (1986, p. 100)
33
Observação deste autor
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 9
De acordo com Fotheringham et al (2005, p. 5), os geógrafos fisico-quantitativos,
pelo fato de suas investigações serem mais prováveis de envolver processos previsíveis, tendem a
adotar um ponto de vista naturalista mais frequentemente do que seus colegas humanistas. Na
geografia humana, onde o objeto é tipicamente obscurecido pelas idiossincrasias humanas,
problemas de medida e incerteza, a procura não é geralmente pela evidência pura de que leis globais
do comportamento humano existem. Ao invés disso, a ênfase da análise quantitativa na geografia
humana é de reunir evidência suficiente que torne a adoção de uma linha particular de pensamento
convincente.
Tipicamente na geografia, como em outras disciplinas, a pesquisa empírica tem
dependido das idéias teóricas como guia, e a sua dependência ainda se faz sentir nesta direção.
Contudo, com o advento de novas idéias e técnicas na análise de dados espaciais exploratórios, a
pesquisa empírica está sendo cada vez mais usada para guiar o desenvolvimento teórico para formar
uma simbiose equilibrada (Ibid, p. 7).
Existem no mínimo duas limitações envolvendo a pesquisa empirico-quantitativa
na geografia. Uma consiste na nossa limitada habilidade de pensar sobre como os processos
espaciais operam e para produzir insights que levem a formas melhoradas dos modelos espaciais. A
outra é o conjunto restrito de ferramentas que temos para testar e refinar tais modelos (Ibid, p.13).
Amorim Filho (1985, p. 46) destaca a polarização das críticas à Nova Geografia
(ou teoretico-quantitativa) em duas grandes direções:
1. De um lado, a acusação de que a “Nova Geografia” se transformou em um
neopositivismo cientificista e “reducionista”, cujos trabalhos – conscientemente ou não –
colocam a serviço da ideologia dominante, no caso, o capitalismo. A aplicação de modelos
matemáticos puros ou de esquemas teóricos como os sistêmicos, por exemplo, sem um
embasamento teórico suficiente ou sem um teste empírico adequado, levou à “neutralização” da
geografia como uma ciência crítica e ao insucesso de muitas de suas explicações, uma vez que os
componentes socioeconômicos e históricos do fenômeno estudado não tinham sido analisados de
forma eficaz (...);
2. De outro lado, a acusação de que o desenvolvimento teórico e metodológico da “Nova
Geografia” tem sido insuficiente, gerando uma expectativa não satisfeita em relação à
capacidade de explicação científica da geografia. Para essa corrente crítica a “Nova Geografia”
foi capaz de desenvolver uma explicação no máximo estruturalista, atemporal, utilizando um
instrumento estatístico ainda muito limitado, baseado praticamente apenas na estatística
descritiva e inferencial.

Guelke (1971, p. 50-1) 34 sumariza que:


“A Nova Geografia (...) não produziu ainda quaisquer leis científicas e (...) parece pouco
provável que possa produzi-las no futuro. (...) As teorias e modelos (...) não são
suscetíveis de teste empírico. (...) Os novos geógrafos têm insistido com (...) teorias e
modelos lógica e internamente consistentes. Todavia, nenhum de seus construtos teóricos
foi complexo o suficiente para descrever com exatidão o mundo real. Eles alcançaram
consistência interna, enquanto perderam sua compreensão da realidade.”

34
GUELKE, L. Problems of scientific explanation in geography. The Canadian Geographer 15, 38-53, 1971 Apud
Johnston (1986, p. 206)
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 10
Em outro trabalho, Guelke (1981, p. 133) 35coloca que:
“O mundo só pode ser conhecido indiretamente através de idéias (...) de que todo
conhecimento está, em última análise, baseado em uma experiência individual subjetiva
do mundo, e compreende construtos mentais e idéias. Não há nenhum mundo real que
possa ser conhecido independentemente da mente.”
Lukerman (1965, p. 194) 36 afirma que:
“Assim, vemos a explicação científica afastar-se do contexto ao qual os geógrafos
macroscópicos queriam nos levar, o produto final da pesquisa geográfica. A ciência não
explica a realidade, ela explica a conseqüência de suas hipóteses.”
Bird (1993, p.46) destaca as cinco maiores críticas da metodologia positivista:

1. Uma metodologia livre de valores é por si uma ideologia, que, por causa de sua
alegada neutralidade apóia o status quo subliminarmente, e, portanto, torna-se uma
ideologia classificada como de direita no mundo ocidental;
2. É pouco factível assumir que o observador, o “cientista” possa objetivamente se
separar do objeto observado;
3. Uma observação direcionada pela teoria enxerga os dados em isolamento do “ruído”
em volta, e os ganhos resultantes da seletividade e canalização de esforço pode
amputar o que poderia ser um contexto essencial;
4. O objetivo de um geógrafo humanista não é a explicação dos fenômenos, mas a
compreensão das ações dos seus pares humanos;
5. Para assumir uma realidade independente do observador é ilógico porque o observador
é sempre parte do mundo real sendo observado.
Um geógrafo positivista poderia replicar (p. 47):
1. A assunção de uma metodologia livre de valores é um experimento do pensamento
(via hipótese) do tipo possibilitante “se”, que pode gerar resultados por métodos
aceitáveis de testes. Pode-se mostrar que a metodologia de fato vicia os resultados,
isto é uma crítica sustentável ou não, e todo trabalho é sujeito a crítica;
2. Se o cientista assume que ele é separado dos dados, que é uma das condições
subentendidas na hipótese a ser testada;
3. Porque tudo é conectado a tudo, todas as metodologias têm de colocar limites entre
elas e um contexto infinito;
O método científico não impede a inserção de detalhes humanos esclarecedores
exemplificando questões importantes;
4. É verdade que o olho tende a ver o que procura, mas na observação apoiada na teoria é
necessária, contudo, a possibilidade dos dados contrariarem a hipótese inicial.

Segundo Swartz37, Bourdieu é um crítico feroz do positivismo, dentro do


argumento de que a ciência é empírica, mas não positivista. Bourdieu defende que a evidência não
fica simplesmente esperando por ser descoberta. O conhecimento científico social é construído
conscientemente contra o conhecimento assumido como certo do mundo social (Bourdieu e

35
GUELKE, L. Idealism. In: M. E. Harvey e B. P. Holly (eds.). Themes in geographic thought. Londres, Croom
Helm, 1981, p 133-47 Apud Johnston (1986, p. 210)
36
LUKERMANN, F. Geography: de facto or de jure. Journal of the Minnesota Academy of Science, 32, 189-96,
1965 Apud Johnston (1986, p. 109)
37
SWARTZ (1997, p.250-251)
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 11
Wacquant 1992:23538). Para Bourdieu, a ciência progride pelos novos insights críticos dentro do
mundo das relações de poder do que é assumido como certo, ao invés de um acúmulo de fatos.
Além do mais, Bourdieu (1975b39; Bourdieu e Wacquant 1992:17640) argumenta
que a ciência é um campo de luta pela legitimação social. Ele coloca que a razão científica se
realiza quando se inscreve não em normas éticas de uma razão prática ou nas regras técnicas de uma
metodologia científica, mas nos aparentes mecanismos sociais anárquicos de competição entre
estratégias armadas com instrumentos de ação e de pensamento capazes de regular seus próprios
usos, e nas disposições duráveis que o funcionamento deste campo produz e pressupõe (Bourdieu e
Wacquant 1992:18941).
Por outro lado, a ênfase que Bourdieu dá para o poder e violência simbólicos
sugere fortemente que o estudo de fatos “sociais” é bem diferente do estudo de fatos “naturais”. O
conhecimento sociológico é fundamentalmente histórico e político, ao invés de natural. As
propostas teóricas originam da posição do pesquisador no campo intelectual tal como dos limites
conceituais da disciplina intelectual. O autor admite (1975B 42) que a ciência social não pode nunca
alcançar o grau de autonomia das forças externas presente na ciência natural.
Em suma, ao invés de estabelecer uma razão universal ou um sujeito racional tal
como o cogito cartesiano, Bourdieu sugere que haja o desenvolvimento de uma possibilidade
histórica de algo como uma razão universal ou um sujeito racional, e que isto seria um evento
desejável. No lugar da idéia de um sujeito de escolha livre presente na natureza humana, Bourdieu
pensa sobre a racionalidade humana como uma possibilidade histórica que não é inata, mas deve ser
conquistada pouco a pouco numa luta sem fim contra o mundo das determinações sociais. A
posição do autor, então, é paradoxal: ele propõe tanto uma visão histórica da razão como uma visão
normativa e universal. Ele admite que “o sujeito universal é uma realização histórica que jamais
será completada. É através das lutas históricas, nos espaços históricos de forças, que progredimos
em direção a um pouco mais de universalidade” (Bourdieu e Wacquant, 1992:19043).
A seguir, dois exemplos [recentes] que ilustram o quão inexato – ou manipulável
– pode se tornar o método quantitativo, no âmbito da geografia, tendo impactos sociais diretos na
execução de políticas públicas, tanto no âmbito interno quanto internacional.
Nas décadas de 70 e 80 havia uma corrente na geografia econômica brasileira que
compartilhava o preceito da célebre frase de Antonio Delfim Netto 44: “É preciso crescer o bolo
para depois reparti-lo” - os números daquela época talvez o justificassem: o Gráfico 1 ilustra que a
economia brasileira cresceu vertiginosamente até a década de 1970, diminuindo o ritmo após este
período, até meados dos anos 2000.

38
BOURDIEU, P; WACQUANT, L. J. D. An invitation to reflexive sociology. Chicago: University of Chicago
Press, 1992 apud Swartz (1997)
39
BOURDIEU, P. La spécifité du champ scientifique et les conditions sociaux du propre de la raison.
Sociologie et Sociétés. Montréal, avr. 1975 apud Swartz (1997)
40
Op. Cit.
41
Op. Cit.
42
Op. Cit.
43
Op. Cit.
44
Economista, professor universitário, e político brasileiro, nascido em São Paulo em 1º. de maio de 1928. Fonte:
Wikipedia. Acesso em 16 de fevereiro de 2011.
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 12
Por sua vez, desde a década de 70 até meados dos anos 2000, o coeficiente de
GINI, que exprime a desigualdade da renda familiar per capita [no Brasil], não demonstrava
melhoras palpáveis, tanto num ambiente de crescimento econômico quanto de recessão (Ver
Gráfico 2); deduz-se, pelo gráfico, que é possível repartir o bolo, mesmo num contexto de
crescimento econômico (especialmente nos anos 2004-2005, quando o país cresceu em torno de
10% 45), tendo o índice alcançado um mínimo histórico no contexto brasileiro, indicando menor
desigualdade.

Fica implícita a tentativa de se justificar [através de números de crescimento de


PIB] uma política econômica concentradora de renda, com o concomitante retardo do
desenvolvimento social brasileiro. Não obstante, podemos verificar através da Figura 1 que, mesmo
com a evolução dos indicadores de desigualdade de distribuição de renda no Brasil, a situação de
assimetria social relativa ao resto do mundo é ainda bastante desfavorável, implicando em um
problema de escala.

45
Dados disponíveis em http://www.bcb.gov.br/pec/appron/apres/Palestra%20IBEF%20160410%20v03.pdf .
Acesso em 22 de janeiro de 2011.

Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 13


Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 14
Outra questão envolvendo posições controversas é a do aquecimento global (Ver
Figura 2), no âmbito da Geografia do Clima. Enquanto uma corrente [aparentemente majoritária]
apela para o envolvimento urgente dos líderes mundiais no sentido de mitigar o problema, outra
argumenta que não há evidências que subsidiem o pânico. O jornal New York Times assim
estabelece um lado da questão:
“O Aquecimento Global tem se tornado talvez a questão mais complicada para os líderes
mundiais. Por um lado, os avisos da comunidade científica estão se tornando mais
enfáticos, uma vez que um número cada vez maior de elaborações científicas aponta
para os perigos crescentes do aumento dos gases do efeito estufa provocados pelo
homem – produzidos principalmente pela queima de combustíveis fósseis e de florestas.
Por outro lado, questões tecnológicas, econômicas e políticas têm de ser resolvidas antes
que um esforço mundial coordenado para a redução de emissões possa começar,
particularmente diante de um cenário de desaceleração econômica mundial.” 46
O outro lado da moeda está contido no artigo do estatístico Edward Wegman 47,
enfatizando que os cientistas do clima tem feito um trabalho inadequado na incorporação da
tecnologia estatística. O autor coloca que:
“No debate sobre aquecimento global, há essencialmente dois campos majoritários. Um
acredita que a ciência está estabelecida, que o aquecimento global é sério e provocado
pelo homem, e que ações urgentes devem ser tomadas para mitigar ou prevenir uma
calamidade futura. O outro acredita que a ciência está longe de ser estabelecida, que
pouco é conhecido sobre aquecimento global ou seus efeitos prováveis, e que a
prudência pede mais pesquisa e cuidado antes de uma intervenção maciça na
economia.”

46
The New York Times, global warming, ed. 13.01.2011. Disponível em
http://topics.nytimes.com/top/news/science/topics/globalwarming/index.html .
Acesso em 26 de janeiro de 2011. Tradução livre.
47
PhD em estatística matemática pela Universidade de Iowa. Artigo disponível em
http://www.canada.com/nationalpost/story.html?id=22003a0d-37cc-4399-8bcc-39cd20bed2f6&k=0 . Acesso em 26
de janeiro de 2011. Tradução livre.
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 15
4. Considerações finais.

“Filosofia da ciência sem história da ciência é vazia; história da ciência sem


filosofia da ciência é cega.” Imanuel Kant.

Depois de refletirmos sobre o papel do positivismo na geografia, e percebermos as


virtudes e limitações inerentes ao modelo, enquanto metodologia científica, finalizaremos com
algumas reflexões filosóficas no sentido de salientar os limites da racionalidade humana, reduzindo
a capacidade de apreensão da realidade, destacando o valor do contexto histórico no
desenvolvimento epistemológico e identitário da geografia, enquanto ciência, e como que tais
elementos implicam na necessidade de melhoria do diálogo entre as múltiplas correntes que a
compõem.
Mills (1980, p.190) questiona se não devemos, em nossa época, enfrentar a
possibilidade de que a mente humana, como realidade social, possa estar se deteriorando
qualitativamente e em nível cultural, e não obstante, muitos não o percebem devido à esmagadora
acumulação de recursos técnicos... Não será esse um dos sentidos da racionalidade sem razão? Da
alienação humana? Da ausência de qualquer papel livre para a razão nas questões humanas? A
acumulação dos recursos técnicos oculta esses sentidos: os que usam tais recursos não os
compreendem; seus inventores também não compreendem muito mais (…). A formulação de
qualquer problema exige que exponhamos os valores em causa e as ameaças que sobre ele pesam.
Pois é a ameaça aos valores existentes – como a liberdade e a razão – que constitui a substância
moral necessária de todos os problemas significativos da pesquisa social, bem como de todas as
questões públicas e perturbações privadas.
O autor (p. 11) também coloca que não é apenas informação que [os homens
comuns] precisam – nesta Idade do Fato, a informação lhes domina com frequência a atenção e
esmaga a capacidade de assimilá-la (...). O que precisam, e o que sentem precisar, é uma qualidade
de espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com
lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos. É
essa qualidade que jornalistas e professores, artistas e públicos, cientistas e editores estão
começando a esperar daquilo que poderemos chamar de imaginação sociológica. (...). É por isso, em
suma, que por meio da imaginação sociológica os homens esperam, hoje, perceber o que está
acontecendo no mundo, e compreender o que está acontecendo com eles, como minúsculos pontos
de cruzamento da biografia e da história, dentro da sociedade (ibid, p. 14).
Muito do que se considerava como “ciência” passou a ser visto hoje como uma
filosofia dúbia; muito do que se considerava como “verdadeira ciência” frequentemente nos
proporciona apenas fragmentos confusos das realidades entre as quais vive o homem. Homens de
ciência, pelo que se acredita geralmente, já não tentam retratar a realidade como um todo ou
apresentar um esboço verdadeiro do destino humano. Além disso, a “ciência” parece [a muitos]
menos um elemento moral criador e uma forma de orientação do que um grupo de Máquinas
Científicas, operadas por técnicos e controladas por economistas e militares, que não a representam
nem a compreendem como ética e orientação. Enquanto isso, os filósofos que falam em nome da
ciência com frequência a transformam num “cientificismo”, considerando sua experiência idêntica à
experiência humana, e pretendendo que somente pelos seus métodos podem os problemas da vida
ser resolvidos (ibid, p. 23).
Por sua vez, Bailly e Ferras (2001, p. 20-21) citam Piaget, que distingue dois
aspectos do conhecimento “irredutíveis, mas indissociáveis”: as racionalizações são geradas pela

Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 16


zona dita “intencional” da alma (crenças, desejos, motivações, vivências), e que a cognição
mobiliza as capacidades para lhes racionalizar a posteriori... Ele fala de uma racionalização dos
processos subconscientes para chegar a resultados científicos através de diversas linguagens, como
as matemáticas, ou à expressão verbo-conceitual. Do ponto de vista epistêmico esta verdade
“psicológica”, racionalizada a posteriori (Ein Gefühl fur Wahrheit), não passa de uma crença,
apesar de sua utilidade prática.
Par suite de la diversité des représentations, si la réalité est une, ses connaissances sont
multiples et rien n'assure a priori leur intercohésion. Toute étude de géographie, en
organisant la connaissance par valorisation de certains points de vue et de certaines
logiques, est donc éminemment subjective. Même si chaque chercheur peut défendre la
logique de son modèle, il ne faut pas oublier la diversité des visions du monde, donc de
ses modèles potentiels... et réduire la géographie à une idéologie disciplinaire
dominante. 48
Bird (1993, p. 55) afirma que, enquanto autores como Hill49 sugerem que deveria
ser possível conectar os resultados de todas as ciências empíricas num único sistema unificado
dedutivamente... e que é uma estupidez injustificável insistir que as ciências naturais e humanas
lidam com diferentes tipos de realidade (p. 55-6), autores como Paul Feyerabend 50 atacam os
defensores do método científico ou positivistas: por “anarquismo” o autor quer dizer suspeita de
uma filosofia que é regida por algum objetivo abstrato tal como a “busca da verdade (ou
verisimilitude segundo Popper)”; que o anarquismo teórico é mais humanitário do que suas
alternativas de “ lei-e-ordem”.
Por sua vez, Keat51 afirma que a ciência é autoritária ao não permitir
competidores, e isto tem implicações políticas: o conhecimento científico, concebido
positivisticamente, é inerentemente repressivo, e contribui para a manutenção de uma forma de
sociedade na qual a ciência é um dos recursos empregados para a dominação de uma classe por
outra, e que as possibilidades da transformação radical em direção a uma sociedade mais racional
são bloqueadas e ocultas (ibid, p. 2).
Tipicamente na geografia, como em outras disciplinas, a pesquisa empírica tem
dependido das idéias teóricas como guia, e a sua dependência ainda se faz sentir nesta direção.
Contudo, com o advento de novas idéias e técnicas na análise de dados espaciais exploratórios, a
pesquisa empírica está sendo cada vez mais usada para guiar o desenvolvimento teórico para formar
uma simbiose equilibrada (Fotheringham et al, 2005, p. 7)
Existem no mínimo duas limitações envolvendo a pesquisa empirico-quantitativa
na geografia. Uma consiste na nossa limitada habilidade de pensar sobre como os processos
espaciais operam e para produzir insights que levem a formas melhoradas dos modelos espaciais. A
outra é o conjunto restrito de ferramentas que temos para testar e refinar tais modelos (ibid, p.13).

48
“Pela lógica da diversidade das representações, se a realidade é uma, seus conhecimentos são múltiplos, e nada
garante a priori sua inter-coesão. Todo estudo de geografia, ao organizar o conhecimento pela valorização de
certos pontos de vista e de certas lógicas, é portanto eminentemente subjetivo. Mesmo se cada pesquisador pudesse
defender a lógica de seu modelo, ele não deveria esquecer a diversidade das visões do mundo, portanto de seus
modelos potenciais...e reduzir a geografia a uma ideologia disciplinar dominante.” Bailly e Ferras (2001, p. 21).
Tradução livre.
49
Hill, M. R 1981. Positivism: a “hidden” philosophy in geography. In M. E Harvey; B. P. Holly (eds.). Themes in
geographic thought. London: Croom Helm, 38-60.
50
Feyerabend, P. 1975. Against method: outline of an anarchistic theory of knowledge. London: New Left Books.
(p. 11)
51
Keat, R. 1981. A política da teoria social. Oxford: Blackwell. Apud Bird (1993, p. 2)
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 17
Martin (2005, p. 500) chama a atenção para a existência de dicotomias, por causa
do significado dado à representação simbólica das palavras, e que tem sido prejudicial ao
pensamento geográfico, destacando cinco casos:
1. Que a geografia deve ser abordada idiograficamente ou nomoteticamente, mas não as
duas condições simultaneamente;
2. Que a geografia física e humana são áreas diferentes de estudo, com diferentes estruturas
conceituais;
3. Que a geografia deve ser tópica ou regional;
4. Que a geografia deve ser indutiva ou dedutiva; e,
5. Que a geografia como um campo de estudo deve ser classificada ou como uma ciência ou
como arte.
Ao final, o autor comenta que o fato da literatura geográfica estar colocada em
todas estas categorias destrói a validade das dicotomias - daí seu caráter plural52.
O autor destaca que as alterações no pêndulo acadêmico podem ser observadas na
interação entre as duas tradições básicas da geografia – matemática e literária. Seria errôneo
equivaler o uso da matemática com um objetivo de estabelecer uma lei, e o uso da linguagem com
um objetivo descritivo. Na realidade, a matemática em muitos casos proporciona um método
descritivo notavelmente mais preciso. Estudos na forma literária podem propiciar excitantes
abordagens inovadoras na formulação de conceitos (ibid, p. 527).
Por seu turno, Bird (1993, p. 2) parte do princípio de que a disciplina acadêmica
da geografia tem um caráter sempre inacabado, e isto até mesmo se aplica à visão adotada de sua
própria história – qualquer sistema proposto deve de alguma forma lidar com o fato da propensão
inerente de ser trocado, modificado, ou mesmo refutado.
Em meados da década de 70, ganha força a corrente radical-crítica (neomarxista):
trata-se de uma reação à suposta neutralidade científica da geografia, enfatizada pela geografia
teoretico-quantitativa (...). Pretende deixar claro que existe uma íntima relação entre ideologia e
geografia e que o espaço geográfico só poderá ser compreendido em suas estruturas e processos a
partir do momento em que for considerado como um produto social, um produto do modo de
produção dominante da sociedade (Amorim Filho, 1982, p. 14).
Outra corrente, segundo Amorim Filho et al (1987), é a Geografia da Percepção e
do Comportamento Espacial ou Humanística (hoje humanista-cultural), que constitui uma outra
forma de reação à Geografia Teorético-Quantitativa, e seu pressuposto fundamental é a afirmação
segundo a qual as pessoas se comportam no mundo real não a partir de um conhecimento objetivo
desse mundo, mas com base nas imagens subjetivas dele.
Com o desenvolvimento das várias correntes na geografia, o ecletismo parecia
caracterizar a disciplina, que por outro lado parecia perder o seu centro de referência (...). E, com a
chegada do pós-modernismo, uma teoria geral não era mais possível (...). Martin (2005, p. 424).
Johnston (1986, p. 307-8) comenta que:
“A Geografia Humana de certo modo tem sido sempre pluralística como disciplina,
contendo mais de um discurso. Atualmente, sem dúvida, ela é pluralística. Nenhum
discurso controla a organização institucional da disciplina – suas sociedades eruditas e
seus corpos pedagógicos. E nenhum parece estar em condição de fazê-lo num futuro
previsível.”

52
Comentário deste autor
Luiz Eduardo Pereira de Oliveira O Positivismo sem Negacionismo na Geografia 18
Alisdair Rogers53, citado por Amorim Filho (1997, p. 16), descreve o que seria
uma geografia pós-moderna:
“A realidade é complexa, não há caminhos garantidos de representação ou de
modelagem, nossas explicações são parciais e nossas interioridades se parecem mais
com o criticismo literário ou à psicanálise... nossa fé na planificação racional e no
progresso se debilitou... a ausência de cada uma das explicações e uma incapacidade
para predizer e controlar a realidade poderia ser um resultado positivo se for concebido
como que o dito controle é exercido principalmente pelos poderes centralizados e
hierárquicos. A abertura, pluralidade e possibilidade são os lemas do pós-modernismo.
Amorim Filho (1997, p. 16) também cita Monteiro (1988) na sua ênfase de que:
“... mais do que as novas técnicas e teorias espetaculares, os geógrafos deste ou do
próximo século precisam de uma nova sensibilidade.” 54
Essa nova sensibilidade passa pela eliminação do negacionismo contido nas
diversas correntes da geografia em relação às demais, numa postura de humildade ética ao
reconhecer que a geografia são muitas, dependendo do contexto - nem por isso desprovida de
validação científica ou de unidade filosófica, congruente com o zeitgeist 55 respectivo de cada época
e lugar.
É inegável o quanto o positivismo fez avançar a geografia, em sua matriz
teoretico-quantitativa, com vantagens e desvantagens. Se, por um lado, resultou na melhoria da
sistematização do estudo das interações entre geografia física e comportamental, principalmente
pela vertente da “análise espacial”; por outro, possibilitou a manipulação de dados ou recortes da
realidade, no sentido de justificar ações onde o interesse de grupos minoritários (ou de ideologias
espúrias) subjugasse o da maioria [ou de grupos antagônicos].
Mills (1980), através da imaginação sociológica, nos dá a dimensão de quão
extensa é a capacidade criadora do ser humano operando na superfície terrestre – tanto nas ações
como na tentativa de encaixá-las em algum recorte ou classificação racional [ou ideológica],
encerrando uma complexidade no âmbito da geografia humana. O diálogo deve permear as diversas
visões de mundo, permitindo uma melhor compreensão dos vários recortes vinculados à realidade
complexa, na busca da convivência de um ideário geográfico plural.
Concluindo, os geógrafos devem continuar seu trabalho [científico], dialogando as
diferenças, no sentido de criar, refletir, ou refazer a realidade, visando tornar nossa Oikoúmene 56
um lugar melhor e mais harmonioso para se viver.

53
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Segundo o Merriam Webster’s Collegiate Dictionary (10ª. Ed), zeitgeist é o contexto cultural, moral e intelectual
geral de uma era.
56
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