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Luciana Badin*
160
139,09
140
Saúde
117,8 Educação
120
Assistência Social
Organização Agrária
100 Segurança Pública
Urbanismo
R$ Bilhões
É preciso ressaltar que, a conseqüência dessa política vai além dos seus efeitos sobre
a capacidade financeira do Estado, pois a política econômica também orienta as
expectativas dos investidores quanto à realização das suas previsões de aumento da
demanda e dos lucros. Em outras palavras, o investidor privado só irá investir na
ampliação de sua base produtiva se ele vislumbra um horizonte de crescimento da
economia. Caso contrário, é muito mais seguro e lucrativo aplicar em ativos financeiros,
ainda mais com os altos retornos propiciados por taxas de juros estratosféricas.
Recursos públicos para fins questionáveis
O Brasil conta para financiar o seu desenvolvimento com um Banco Público que
tem um orçamento maior que o Banco Mundial. Só no ano passado, o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desembolsou R$ 47
bilhões, enquanto o governo federal desembolsou diretamente sob a rubrica
“investimento” apenas R$9,7 bilhões. Com um mercado de capitais pouco
desenvolvido, com uma taxa de juros elevadíssima e com pouco interesse dos
bancos privados em financiar projetos de longo prazo, a existência dessa agência
pública de fomento, que opera com uma taxa de juros de longo prazo(TJLP) de
8,15%, é central para o financiamento do desenvolvimento no Brasil.
3
O BNDES lucrou 3,2 bilhões de reais em 2005. 90,1% de sua carteira de operações crédito está
classificada entre os níveis de risco AA e B.
4
A incorporação do S (social) à sigla do Banco se deu na década de 1980, passando o BNDES a ser um
Banco de desenvolvimento não apenas orientado para atender a demandas estritamente econômicas,
mas também, a partir daquele momento, aquelas entendidas como “sociais”.
A questão regional é um exemplo que comprova a incapacidade do BNDES de
atuar na redução das desigualdades . No ano passado, confirmando a tendência
nos últimos anos, o volume de desembolso para a região Norte e Nordeste, as
regiões de menores Índices de Desenvolvimento Humano(IDH), ficou em 4% e
8% respectivamente, enquanto a região mais rica, o Sudeste, recebeu do Banco
60%.
Como bem aponta Mineiro, o governo brasileiro vem optando por um “pragmatismo
de curto prazo”, o que se traduz numa priorização dos ajustes das contas externas
e na busca de uma ampliação rápida na balança comercial 5. Essa estratégia
justifica os crescentes financiamentos do BNDES ao setor de Papel e Celulose,
5
Adhemar S. Mineiro: “Desenvolvimento subordinado ao modelo exportador “, Observatório da Cidadania,
Rugidos e Sussuros- mais promessas que ações, Relatório de 2005.
que obteve um aumento de 145% no volume de desembolsos do Banco em 2005,
enquanto os segmentos de produtos alimentícios e bebidas, têxtil, vestuário e
acessórios, couro e artefatos tiveram uma queda de 5%, 51%, 52% e 58%
6
respectivamente . Caso houvesse uma ação articulada entre uma política
econômica de governo e a adoção de incentivos para a tomada de crédito do
BNDES, esses setores deveriam estar sendo priorizados. Como é sabido, os bens
de consumo de massa, comparativamente com outros setores da indústria de
transformação, são intensivos no fator trabalho e, portanto, podem contribuir para
diminuir o desemprego. Além do que, num quadro desejável de retomada do
crescimento econômico e de inclusão via aumento da renda e do consumo das
famílias de baixa renda, esses setores devem responder a tempo ao aumento da
demanda agregada, condição para que não haja uma inflação de demanda. Por
fim, são capazes de alavancar o seguinte ciclo virtuoso: aumento da renda das
famílias trabalhadoras/ ampliação da base de consumo de
massa/investimentos/aumento da produtividade e da competividade/ aumento da
renda das famílias trabalhadoras.
6
Ver Boletim Desenvolvimento, Democracia e Direitos: http://www.ibase.br/dvdn/edicao_15122005.htm
7
Luiz Novoa: “O que está em jogo no megaprojeto doMadeira”, 2006, Mimeo.
sociedade brasileira8. Se o BNDES é um banco de fomento ao desenvolvimento,
por que não direcionar parte de seus recursos para a solução de problemas
estruturais como esse? Ainda dentro do campo da infraestrutura, em vez de
financiar a construção de novas hidrelétricas, projetos com grande impacto
socioambiental, o BNDES poderia estar investindo em projetos que visassem a
eficiência energética, a forma mais barata de tratar do déficit de energia9.
Porém essas escolhas, tal como tentamos mostrar, não são escolhas técnicas e
sim políticas, que reforçam ou contrariam os interesses de grupos que vêm se
beneficiando com um modelo nada comprometido com o combate às
desigualdades e o cuidado ambiental. Um dos exemplos emblemáticos é o caso da
agricultura comercial no Brasil. Apesar de uma política macroeconômica austera, o
governo liberou em maio deste ano 50 bilhões de reais para socorrer os
produtores do agronegócio, o que demonstra a força política dos exportadores de
soja, madeira e produtos agropecuários que atravessam com grande apoio
governamental conjunturas difíceis que envolvem a queda no preço da soja,
problemas climáticos e o desmatamento recorde na Amazônia e no Centro-Oeste
(com ampla repercussão internacional).
8
Dado levantado pela Confederação Nacional da Indústria(CNI), citado na matéria do Jornal O GLOBO,
publicada em 24/05/06.
9
Um estudo sob orientação do Banco Mundial e do Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas
afirmou que a China, a Índia e o Brasil poderiam reduzir em 25% o consumo de energia com medidas simples e
baratas, mas que os bancos ainda não atentaram para o potencial dessa alternativa.
PREFÁCIO
No fim da década passada, a sucessão de crises de Bretton Woods na política doméstica dos países
financeiras internacionais que atingiram, com grande em desenvolvimento só ocorreu porque, na ausência
violência, algumas das mais bem-sucedidas economias de crises de balanço de pagamentos, o FMI não tem
do mundo levou o então presidente dos Estados Unidos, instrumentos para forçar a aceitação de suas políticas.
Bill Clinton, a propor publicamente a necessidade de se Já os países mais pobres continuam a lutar contra as
construir uma nova arquitetura financeira internacional. restrições que continuam a estrangulá-los.
As crises financeiras, contudo, por mais dramáticas
que tenham sido, eram apenas a ponta do iceberg A importância desse tema é refletida nos estudos
do processo de liberalização financeira que avançou temáticos da edição de 2006 do Observatório
rapidamente naqueles anos. Os países mais pobres não da Cidadania. Dá-se o devido destaque à
sofreram crises financeiras, mas foram estrangulados transferência de recursos reais das economias
pelo esforço de servir uma dívida externa que mesmo em desenvolvimento para as desenvolvidas,
o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco especialmente a norte-americana, que vem ocorrendo
Mundial acabaram por concluir que era impagável. Já ano após ano. Um problema de especial importância
os países em desenvolvimento de renda média, que se tratado nesta edição refere-se ao papel exercido pelos
renderam às pressões domésticas e internacionais pela paraísos fiscais no arranjo financeiro internacional,
liberalização financeira, pagaram o preço da estagnação, que permite a fuga de capitais, o desvio da AOD e
do atraso e da concentração da renda, mesmo quando a evasão de impostos, enfraquecendo ainda mais a
não passaram por crises. posição de países em desenvolvimento.
A percepção de que o sistema financeiro internacional, Além desses problemas, é discutido ainda o déficit
e suas ramificações nacionais, tinha se tornado democrático na gestão das instituições multilaterais
um dos principais nós a impedir o processo de – especial, mas não exclusivamente, no caso do FMI
desenvolvimento dos países subdesenvolvidos levou e do Banco Mundial –, nas quais a voz de países em
à realização, pela Organização das Nações Unidas, da desenvolvimento, quando a tem, dificilmente exerce
Conferência Internacional sobre o Financiamento do qualquer impacto sobre as decisões tomadas. O déficit
Desenvolvimento, em Monterrey, México, em 2002. democrático também se reflete na imposição, por
Apesar dos seus pífios resultados, a conferência serviu governos de países desenvolvidos e por instituições
para que alguns princípios fossem estabelecidos e que multilaterais e internacionais, de condicionalidades,
compromissos fossem assumidos, como o dos países para acesso a AOD que limitam a autonomia de
desenvolvidos de dedicar um mínimo de 0,7% de seu cada país na escolha de suas próprias estratégias,
produto interno bruto à ajuda externa – que poucos subvertendo o exercício e o alcance da decisão
países realmente honraram. democrática nesses países.
Sony Kapoor * impostos internacionais – como tributos sobre seus fluxos de entrada de recursos positivos.
passagens aéreas e sobre transações financeiras O resultado é uma restrição severa do espaço
– para conseguir os recursos necessários. das políticas, com a redução de alíquotas tri-
Existe uma crença disseminada de que os países butárias, concessão de isenções temporárias
ricos transferem quantias substanciais de re- Conta imoral de impostos e introdução de políticas (como
cursos para as nações pobres. Embora muitas A quarta parte da dívida dos países pobres tem a liberalização financeira) que priorizam os
pessoas – incluindo os milhões de indivíduos origem odiosa NR ou ilegítima, representando interesses dos investidores estrangeiros em
que fizeram parte da Chamada Global para a Ação empréstimos feitos conscientemente a dita- detrimento dos objetivos domésticos de de-
contra a Pobreza no ano passado – acreditem dores ou a outros regimes ilegítimos – como senvolvimento nacionais e estimulam a fuga
que os países ricos não fazem o suficiente, ocorreu durante o regime do apartheid na África de capitais, por meio de canais legais e ilegais
poucas já questionaram se é verdade que os do Sul. Boa parte desse dinheiro foi desviada no sistema bancário.
países ricos ajudam os pobres. Isso deveria e nunca chegou ao país em cujo nome foi feito Com a crescente ameaça de instabilidade fi-
ser questionado! o empréstimo. nanceira resultante dessas políticas, os países em
A cada ano, centenas de bilhões de dóla- Nos últimos 23 anos (à exceção de três), desenvolvimento tiveram que acumular cerca de
res – muito mais do que as entradas relativas os países em desenvolvimento pagaram mais US$ 2 trilhões de reservas em moeda estrangeira
à Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) do que receberam em novos empréstimos (em para se protegerem contra crises financeiras. Tal
– saem dos países pobres para os ricos. Esse forma de juros, penalidades e multas sobre acumulação, na maior parte investida em títulos
dinheiro sai na forma de pagamentos da dívida, dívidas antigas). Quase todos os países pobres de países ricos com taxas de juros muito baixas,
transferências do setor privado e, mais signi- já pagaram mais do que pediram emprestado. ocorre em detrimento de investimentos que
ficativamente, por meio de canais comerciais Apesar disso, suas dívidas continuam a cres- teriam um retorno social muito maior.
e da fuga de capitais. Esses fluxos de saída cer, e os recursos para pagá-las vêm sendo Mais da metade do comércio dos países
solapam a mobilização de recursos domés- retirados, recorrentemente, de áreas sociais em desenvolvimento é controlada por empresas
ticos, prejudicam os investimentos locais, que, assim, permanecem em situação crítica, multinacionais, que podem manipular os preços
enfraquecem o crescimento e desestabilizam como a saúde e a educação. comerciais e das transações financeiras com
os países, tornando-os mais dependentes de Para ajudar a reverter o fluxo de perda de suas subsidiárias em paraísos fiscais e outros
fluxos imprevisíveis de recursos externos. recursos proveniente da dívida, é preciso cancelar países, retirando centenas de bilhões de dólares
Além disso, as entradas na forma de imediatamente todas as dívidas de origem odiosa, dos países pobres. Tomadas em conjunto, essas
AOD, novos empréstimos e fluxos de capital das dívidas ilegítimas ou não pagáveis. Essa perdas custam aos países em desenvolvimento
privado vêm com imposições, traduzidas por moratória deve vir acompanhada de um processo mais de US$ 500 bilhões em remessas não
receituários e restrições sobre os tipos de de arbitragem justo e transparente para negociar taxadas, solapando completamente o impacto
políticas que os países em desenvolvimento o saldo a pagar, assim como acompanhada da da AOD e outras entradas de recursos, e impe-
devem aplicar. Esses limites impostos ao adoção de diretrizes claras e transparentes para dindo que esses países tomem o caminho do
espaço político solapam o exercício da de- a cessão de novos empréstimos. desenvolvimento sustentável.
mocracia, contestam a implementação das Os fluxos privados – na forma de investi- Para estancar essas perdas, há uma
políticas domésticas e autodeterminadas e mentos estrangeiros diretos ou de investimen- necessidade urgente de controlar e reverter a
castram os esforços para reduzir a pobreza tos de portfólio –, em sua maior parte, têm liberalização da conta de capital, assim como
e alcançar o desenvolvimento sustentável. fracassado no suposto objetivo de contribuir de impor outra vez exigências de desempenho
Assim, há uma necessidade urgente de re- para a transferência de tecnologia, a criação doméstico ao investimento estrangeiro e
avaliar todos os canais de transferência de de empregos, o estímulo à economia local e fazer restrições à repatriação de seus lucros.
recursos entre os países ricos e pobres, e o crescimento da receita tributária dos países Outras medidas também ajudariam a impedir
de dar passos imediatos para assegurar o pobres. Até 13 anos atrás, os fluxos de saída essas perdas, como a eliminação do segredo
aumento das entradas nos países pobres e a na forma de lucros e encerramento de velhos bancário, o fechamento dos paraísos fiscais e
redução das saídas. investimentos excediam as entradas de novos uma ação firme contra instituições financeiras,
Os fluxos de AOD são insuficientes e de bai- investimentos. É provável que isso volte a ocor- empresas de contabilidade, de advocacia e
xa qualidade. Isso pode ser enfrentado tornando rer em um futuro próximo. corporações multinacionais que facilitam o
essa ajuda mais previsível, desvinculando-a de Na África Subsaariana, investimentos vazamento desses recursos.
restrições políticas e contratos com empresas obtêm lucros que chegam a 30% ao ano, Atualmente, mais da metade da riqueza
do país doador e aumentando as receitas dos obrigando os países a tentar atrair outros in- africana e latino-americana está localizada
vestimentos, cada vez mais altos, para manter fora dessas regiões, principalmente em
paraísos fiscais e em centros financeiros,
* Assessor sênior, consultor para política, defesa de direitos como Londres e Nova York. A identificação e
(advocacy) e economia, consultor de finanças interna- a repatriação desses ativos, muitos dos quais
cionais, desenvolvimento e meio ambiente. Este artigo NR Dívida odiosa é um termo jurídico que significa a dívida foram adquiridos ou transferidos ilegalmente,
baseia-se no texto de sua autoria intitulado “Learning the assumida por governos ditatoriais. Difere da dívida ilegíti-
lessons – Reorienting development. Which way forward ma, pois esta pode ser contraída mesmo por um governo
assim como a reversão da fuga de capitais,
for Norwegian development policy”, de 2006. eleito democraticamente. mobilizariam recursos domésticos, liberariam
Jan Kregel *
FMI RADIOGRAFADO
O Consenso de Monterrey – que emergiu da Con- O dia-a-dia das operações do FMI e do Banco Mundial é dirigido por um conselho de 24
ferência Internacional sobre o Financiamento do diretores executivos. Há sete países nesse conselho executivo que representam somente eles
Desenvolvimento, realizada em Monterrey, México, mesmos: Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, China e Arábia Saudita.
em março de 2002 – forjou uma parceria entre Portanto, os outros 17 diretores executivos devem representar os interesses dos demais
os países desenvolvidos e em desenvolvimento, 160 países. Cada um desses 17 diretores é responsável por um grupo de países. Na aloca-
baseada no reconhecimento mútuo dos benefícios ção atual, mais de 40 países que compõem a África Subsaariana estão representados por
da implementação de políticas que levassem a um somente dois diretores executivos. Assim, seus interesses não recebem a mesma atenção
desenvolvimento bem-sucedido. nas decisões dos conselhos que os membros com assento de único país.
Os países em desenvolvimento assumiram o Além disso, os cinco países desenvolvidos que possuem assentos únicos representam
compromisso de introduzir políticas econômicas quase um terço do total de votos. Outros países desenvolvidos têm assentos com outro
e sociais sólidas, melhorar a governança, elimi- terço dos votos. Isso assegura que qualquer decisão que necessite uma maioria de dois
nar a corrupção e criar um ambiente regulatório terços requeira a aprovação dos países desenvolvidos. Além do mais, os Estados Unidos
doméstico para apoiar o desenvolvimento do controlam um número de votos que ultrapassa 17% do total. É um número importante,
setor privado. Comprometeram-se, também, pois a maior parte das decisões principais sobre a estrutura do FMI (como mudanças no
em assumir a responsabilidade por seu próprio poder de voto) exige uma maioria de 85%. O Banco Mundial tem representação e estrutura
desenvolvimento. Em contrapartida, os países de votação similares.
desenvolvidos prometeram tomar medidas para Assim, enquanto os países em desenvolvimento são impelidos a assumir responsabilidade
prover os recursos financeiros necessários para por seu próprio desenvolvimento, melhorar suas estruturas de governança e assegurar que
que os países em desenvolvimento pudessem suas políticas sejam “apropriadas nacionalmente”, as principais instituições que determi-
cumprir as metas de desenvolvimento. nam a arquitetura do sistema financeiro internacional e que são responsáveis pela maior
Essas medidas incluíam as promessas de: es- parte do financiamento institucional para o desenvolvimento continuam com uma forma
forço para prover Ajuda Oficial ao Desenvolvimento de governança anômala e nada democrática, na qual os países desenvolvidos detêm uma
(AOD) no percentual mínimo de 0,7% da renda maioria estrutural.
nacional bruta de cada país desenvolvido; melhor
acesso ao mercado para as exportações dos países
em desenvolvimento; conclusão da dimensão de
desenvolvimento da Rodada de Doha da Organiza- representação eqüitativa naqueles processos e de tamanho em diferentes economias, enquanto
ção Mundial do Comércio (OMC); redução da dívida instituições que foram criados para gerir as regras, os votos básicos permaneceram fixos, os países
para garantir que o serviço da dívida dos países em regulamentos e instituições que constituem o sis- que cresceram mais rapidamente aumentaram
desenvolvimento não impedisse seus esforços para tema internacional de comércio e finanças. sua influência em relação àqueles países em
atingir o desenvolvimento; facilitação do impacto no O exemplo mais óbvio da atual falta de desenvolvimento (de crescimento mais lento),
desenvolvimento do investimento estrangeiro direto representação dos países em desenvolvimento especialmente aqueles que surgiram e entraram
por maior transferência de tecnologia; e melhorias encontra-se na estrutura de governança das insti- no FMI após sua criação.
na arquitetura financeira internacional para prever tuições de Bretton Woods – Banco Mundial e Fundo
e prevenir crises financeiras. Monetário Internacional (FMI) –, criadas para gerir Falta de representação
O Consenso também observou que, para ter o sistema financeiro e de comércio internacional O Consenso de Monterrey enfatizou a neces-
responsabilidade efetiva pelo desenvolvimento de do pós-guerra. Embora as duas instituições sejam sidade de ampliar e fortalecer a participação
seus próprios recursos, os países em desenvol- “agências especializadas” das Nações Unidas, sua dos países em desenvolvimento e países
vimento precisariam ter responsabilidade plena estrutura de governança não segue o princípio com economias em transição nas decisões
na formulação de regulamentos e na concepção tradicional da ONU (um país, um voto). econômicas e no estabelecimento de normas
das instituições internacionais que determinam o Ao contrário, as decisões são tomadas por um internacionais. Buscava, assim, fortalecer
ambiente internacional no qual participam e que conselho deliberativo com poder de voto determi- o diálogo internacional com as instituições
têm um grande impacto sobre o êxito de suas nado por uma fórmula complicada, representando financeiras internacionais a respeito das
estratégias de desenvolvimento nacional. Essa uma quantidade igual de votos básicos, mais necessidades e preocupações dos países em
responsabilidade adicional só poderia ser signifi- votos adicionais determinados pela contribuição desenvolvimento.
cativa se os países em desenvolvimento tivessem financeira do país à instituição, o tamanho da Embora a maior parte da atenção para melho-
economia e sua participação no comércio mundial. rar a voz e a representação tenha ficado centrada
Assim, os países desenvolvidos mais poderosos no FMI e no Banco Mundial, há outros organismos
* Professor e pesquisador do Centro para o Pleno Emprego
possuem um poder de voto maior que os países em internacionais que estabelecem regras e padrões
e Estabilidade de Preços da Universidade de Missouri-Kan- desenvolvimento. Como os itens variáveis foram globais, nos quais a representação dos países
sas City (UMKC) e consultor do Ibase. ajustados diversas vezes para refletir mudanças em desenvolvimento é ainda menos eqüitativa e,
Jan Kregel *
FMI RADIOGRAFADO
O Consenso de Monterrey – que emergiu da Con- O dia-a-dia das operações do FMI e do Banco Mundial é dirigido por um conselho de 24
ferência Internacional sobre o Financiamento do diretores executivos. Há sete países nesse conselho executivo que representam somente eles
Desenvolvimento, realizada em Monterrey, México, mesmos: Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, China e Arábia Saudita.
em março de 2002 – forjou uma parceria entre Portanto, os outros 17 diretores executivos devem representar os interesses dos demais
os países desenvolvidos e em desenvolvimento, 160 países. Cada um desses 17 diretores é responsável por um grupo de países. Na aloca-
baseada no reconhecimento mútuo dos benefícios ção atual, mais de 40 países que compõem a África Subsaariana estão representados por
da implementação de políticas que levassem a um somente dois diretores executivos. Assim, seus interesses não recebem a mesma atenção
desenvolvimento bem-sucedido. nas decisões dos conselhos que os membros com assento de único país.
Os países em desenvolvimento assumiram o Além disso, os cinco países desenvolvidos que possuem assentos únicos representam
compromisso de introduzir políticas econômicas quase um terço do total de votos. Outros países desenvolvidos têm assentos com outro
e sociais sólidas, melhorar a governança, elimi- terço dos votos. Isso assegura que qualquer decisão que necessite uma maioria de dois
nar a corrupção e criar um ambiente regulatório terços requeira a aprovação dos países desenvolvidos. Além do mais, os Estados Unidos
doméstico para apoiar o desenvolvimento do controlam um número de votos que ultrapassa 17% do total. É um número importante,
setor privado. Comprometeram-se, também, pois a maior parte das decisões principais sobre a estrutura do FMI (como mudanças no
em assumir a responsabilidade por seu próprio poder de voto) exige uma maioria de 85%. O Banco Mundial tem representação e estrutura
desenvolvimento. Em contrapartida, os países de votação similares.
desenvolvidos prometeram tomar medidas para Assim, enquanto os países em desenvolvimento são impelidos a assumir responsabilidade
prover os recursos financeiros necessários para por seu próprio desenvolvimento, melhorar suas estruturas de governança e assegurar que
que os países em desenvolvimento pudessem suas políticas sejam “apropriadas nacionalmente”, as principais instituições que determi-
cumprir as metas de desenvolvimento. nam a arquitetura do sistema financeiro internacional e que são responsáveis pela maior
Essas medidas incluíam as promessas de: es- parte do financiamento institucional para o desenvolvimento continuam com uma forma
forço para prover Ajuda Oficial ao Desenvolvimento de governança anômala e nada democrática, na qual os países desenvolvidos detêm uma
(AOD) no percentual mínimo de 0,7% da renda maioria estrutural.
nacional bruta de cada país desenvolvido; melhor
acesso ao mercado para as exportações dos países
em desenvolvimento; conclusão da dimensão de
desenvolvimento da Rodada de Doha da Organiza- representação eqüitativa naqueles processos e de tamanho em diferentes economias, enquanto
ção Mundial do Comércio (OMC); redução da dívida instituições que foram criados para gerir as regras, os votos básicos permaneceram fixos, os países
para garantir que o serviço da dívida dos países em regulamentos e instituições que constituem o sis- que cresceram mais rapidamente aumentaram
desenvolvimento não impedisse seus esforços para tema internacional de comércio e finanças. sua influência em relação àqueles países em
atingir o desenvolvimento; facilitação do impacto no O exemplo mais óbvio da atual falta de desenvolvimento (de crescimento mais lento),
desenvolvimento do investimento estrangeiro direto representação dos países em desenvolvimento especialmente aqueles que surgiram e entraram
por maior transferência de tecnologia; e melhorias encontra-se na estrutura de governança das insti- no FMI após sua criação.
na arquitetura financeira internacional para prever tuições de Bretton Woods – Banco Mundial e Fundo
e prevenir crises financeiras. Monetário Internacional (FMI) –, criadas para gerir Falta de representação
O Consenso também observou que, para ter o sistema financeiro e de comércio internacional O Consenso de Monterrey enfatizou a neces-
responsabilidade efetiva pelo desenvolvimento de do pós-guerra. Embora as duas instituições sejam sidade de ampliar e fortalecer a participação
seus próprios recursos, os países em desenvol- “agências especializadas” das Nações Unidas, sua dos países em desenvolvimento e países
vimento precisariam ter responsabilidade plena estrutura de governança não segue o princípio com economias em transição nas decisões
na formulação de regulamentos e na concepção tradicional da ONU (um país, um voto). econômicas e no estabelecimento de normas
das instituições internacionais que determinam o Ao contrário, as decisões são tomadas por um internacionais. Buscava, assim, fortalecer
ambiente internacional no qual participam e que conselho deliberativo com poder de voto determi- o diálogo internacional com as instituições
têm um grande impacto sobre o êxito de suas nado por uma fórmula complicada, representando financeiras internacionais a respeito das
estratégias de desenvolvimento nacional. Essa uma quantidade igual de votos básicos, mais necessidades e preocupações dos países em
responsabilidade adicional só poderia ser signifi- votos adicionais determinados pela contribuição desenvolvimento.
cativa se os países em desenvolvimento tivessem financeira do país à instituição, o tamanho da Embora a maior parte da atenção para melho-
economia e sua participação no comércio mundial. rar a voz e a representação tenha ficado centrada
Assim, os países desenvolvidos mais poderosos no FMI e no Banco Mundial, há outros organismos
* Professor e pesquisador do Centro para o Pleno Emprego
possuem um poder de voto maior que os países em internacionais que estabelecem regras e padrões
e Estabilidade de Preços da Universidade de Missouri-Kan- desenvolvimento. Como os itens variáveis foram globais, nos quais a representação dos países
sas City (UMKC) e consultor do Ibase. ajustados diversas vezes para refletir mudanças em desenvolvimento é ainda menos eqüitativa e,
Moema Miranda* o capitalismo e para reforçar sua confiança na campo da política de esquerda, criando formas
possibilidade real, factível e efetiva de construir um inovadoras de ação. Ao mesmo tempo, abre-se
mundo que não esteja a serviço do mercado. Um a pauta para um debate mais fraterno e profícuo
Estamos às vesperas do Fórum Social Mundial mundo com paz e eqüidade, plural e diverso. – embora sempre tenso e combativo – entre
(FSM) que ocorrerá na África, em Nairóbi, em Assim, vamos cimentando não apenas as diferentes formas de pensar e ver o mundo e as
janeiro de 2007. Próximo à sua sétima edição, ações, mas também as idéias e a força contra- formas de subvertê-lo.
o FSM já não pode ser computado apenas em hegemônica em escala mais ampla. Vale lembrar Temos muito a comemorar no processo FSM.
termos dos seus eventos mundiais. Surgido que, quando o FSM começou, parecia inevitável Nossa ida para a África abre um espaço funda-
como uma surpreendente e atrativa novidade a rendição à lógica do capital, dada a derrota de mental de encontro entre a cidadania planetária e
em 2001, converteu-se efetivamente em um formas alternativas de organização da economia o grito, a resistência, a arte, a cultura e a luta dos
espaço aberto e denso de encontro, mobilização e da sociedade – mesmo para alguns setores de povos, movimentos, redes e organizações em toda
e articulação de movimentos, redes, entidades, esquerda. Naquele momento, muitos(as) afirma- a África. Mas, ao mesmo tempo, há necessidade de
campanhas e até mesmo de indivíduos que, em ram, pragmáticos(as) e realistas, que o máximo avaliar os limites dessa iniciativa, suas dificuldades
diferentes partes do mundo, resistem e buscam a fazer era “humanizar” o sistema, contribuindo e os desafios que temos pela frente.2
alternativas à globalização neoliberal. Dá conta para lançar um véu sobre sua violência intrínseca
da relevância desse processo não apenas seu e inescapável.
número de participantes, mas, principalmente, Finalmente, e não de menor importância, o
a diversidade de atividades auto-organizadas, processo FSM contribuiu para um redesenho nas
preparadas de forma a valorizar, cada vez mais, práticas da esquerda. Sem entrar em detalhes
a articulação entre diferentes iniciativas, (dada a exigüidade do espaço e a prioridade que
Além disso, podemos contar como elemento gostaria de dar ao debate de nossos dilemas), DESAFIOS PARA NAIRÓBI
de êxito o fato de que a idéia/proposta do FSM vale ressaltar que, por meio do processo FSM, Muitos recortes e diferentes perspectivas
tenha se espalhado pelos sete cantos do planeta. fomos capazes de reacender o debate contra prá- poderiam ser adotados para tratar de
Uma quantidade considerável de fóruns temáti- ticas autoritárias que marcaram grande parte da desafios. Opto por abordar três deles, que
cos, regionais e locais ocorre ao longo de todo esquerda no século passado. Foi possível afirmar têm certa articulação interna. Em resumo,
o ano, nos mais diversos lugares. Desde fóruns – ainda que em disputa e em intenso processo de estão ligados à necessidade de:
hemisféricos ou sub-regionais nas Américas, construção coletiva – uma nova forma de fazer
1. avançar no sentido de ações mais efe-
na Europa, no sul, sudeste e norte da África política, baseada em princípios de horizontalidade,
tivas na luta contra o neoliberalismo e
e da Ásia até iniciativas em pequenas cidades de diálogo entre diferentes, de questionamento ao
na formulação de agendas positivas,
e favelas de países como Brasil, Peru, França, vanguardismo e ao eurocentrismo nas concepções
fortalecendo nossa articulação em
Índia, Marrocos e Senegal. e formas de luta. É interessante que, em artigo
escala planetária e nossa capacidade
recente, Ezequiel Adamovsky (2006) afirmou:
Além da humanização de impacto;
darei por assentados, sem discuti-los, três 2. garantir a sustentabilidade política
Cada uma dessas iniciativas conserva e amplia
princípios1 que considero suficientemente e financeira do processo FSM, afir-
o sentido geral da proposta e articula, em vez de
demonstrados e que distinguem a política an- mando a autonomia da sociedade
dispersar, as forças da sociedade civil, tendo como
ticapitalista da política da esquerda tradicional. em sua luta e organização contra o
referência a Carta de Princípios – pequeno, mas
Primeiro, que qualquer política emancipatória neoliberalismo;
fundamental documento que sintetiza a unidade
deve partir da idéia de um sujeito múltiplo que
de princípios que se expressa na diversidade das 3. ampliar o espectro dos públicos com
se articula e se define na ação comum, antes
atividades. Ao articularem redes e entidades da os quais falamos, garantido impacto
de supor um sujeito singular, predeterminado,
sociedade civil, tais iniciativas constroem pautas de mídia e capacidade de comunicação
que liderará os demais no caminho da transfor-
comuns de diálogo, ações e lutas de enfrentamento de massa para o processo.
mação. Segundo, que a política emancipatória
à globalização neoliberal em suas múltiplas dimen-
necessita adquirir formas prefigurativas ou
sões, faces e aspectos.
antecipatórias, quer dizer, formas cujo funcio-
Nesse processo, por um lado, sai fortalecido
namento busque não produzir efeitos sociais
um leque mais aberto de temas, lutas, campanhas
contraditórios aos que diz defender.
e, tão fundamental quanto isso, de perspectivas, de
formas de ver, interpretar e avaliar o neoliberalis- Claro que essas não são idéias universalmente
mo, bem como de caminhos para sua superação. compartilhadas no universo do FSM. Mas, inde-
Contribuem também para espalhar fortemente pendente das divergências, o fato positivo aberto
a esperança entre aqueles(as) que lutam contra por tal dinâmica é a possibilidade de retomar o
2 As informações sobre Nairóbi 2007, bem como os desa-
fios principais desse processo, podem ser encontradas
* Antropóloga, coordenadora do Ibase e representante do 1 Neste trecho, cito apenas os dois princípios que mais se no texto de Cândido Grzybowski, no boxe que acompanha
instituto no Conselho Internacional do FSM. vinculam a nosso debate. este artigo.
Universo externo
Finalmente, é importante mencionar um dos
maiores desafios: a capacidade de expansão do
processo Fórum e sua necessidade de comunica-
ção para além das redes, entidades e campanhas
Alex Wilks*
Francesco Oddone**
COMO FUNCIONA O ACORDO?
Nos termos da Imad, os países que cumprirem os requisitos poderão conseguir o cancela-
O ministro da Fazenda britânico, Gordon Brown, mento das dívidas com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Fundo
saudou o acordo da dívida de 2005 do G-8 (grupo Africano de Desenvolvimento.
dos países mais desenvolvidos do mundo, formado Dezoito países devem receber o benefício de cancelamento da dívida da Associação para
por Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido, o Desenvolvimento Internacional ainda em 2006, e mais 25 países preencherão os requisitos
França, Alemanha, Itália e Rússia) como um “avan- nos próximos cinco anos. No total, o cancelamento de dívidas da IDA alcançará cerca de
ço histórico”, utilizando a linguagem do cancela- US$ 37 bilhões num período de 40 anos. Esse cancelamento será feito de forma antecipada:
mento de 100% da dívida. Será verdade que, após a os países beneficiários receberão uma carta do banco, a qual anunciará que não precisarão
Cúpula do G-8 – realizada em Gleneagles, Escócia, mais fazer os pagamentos do serviço da dívida IDA sobre empréstimos contraídos antes da
em julho daquele ano –, a questão da dívida tenha data-limite do fim de 2003.
ficado resolvida? Não. Há ainda muitos países – e, O FMI aprovou o cancelamento da dívida de 17 dos 18 países que receberam promessas de
portanto, muitos milhões de pessoas – que ficaram cancelamento da Cúpula do G-8 em Gleneagles. Dois outros países também serão beneficia-
de fora das iniciativas oficiais da dívida e são for- dos: Camboja e Tadjiquistão. Assim, cerca de US$ 3,3 bilhões de dívidas foram eliminados da
çados a pagar seus credores, em detrimento dos contabilidade de 19 países, desde janeiro de 2006. A data-limite adotada foi o fim de 2004, um
investimentos sociais nas suas nações. ano de vantagem em relação à data escolhida pela IDA.
A Iniciativa Multilateral de Alívio da Dívida
(Imad), lançada em Gleneagles, inclui, até o mo-
mento, 19 países, que terão cancelados entre 21%
e 79% de seus estoques de dívida. No entanto, inglês), cuja lista foi ampliada por um número Na África, a situação é variada: em termos
ainda continuarão com dívidas registradas em seus muito limitado de países que têm potencial percentuais, Uganda terá a maior proporção de
livros, e muitos deles não receberão absolutamente para cumprir os requisitos. Por exemplo, Eri- sua dívida cancelada (79%). Em seguida, vêm
nada dessa iniciativa. Ainda que valioso, o acordo tréia, Haiti, Quirguistão e Nepal – mantendo as Gana, com 76%, Tanzânia e Zâmbia, ambas com
de Gleneagles deixará muitos países em desenvol- profundamente impopulares condicionalidades 74%. Os dois países da África Subsaariana que
vimento com dívidas incapacitantes. Na verdade, econômicas. É um mistério saber quantas terão a menor redução em termos percentuais
a cifra muito citada de US$ 40 bilhões de dívidas extensões e expansões ainda teremos do HIPC, são o Mali, com 56%, e Moçambique, com 48%,
canceladas torna-se relativamente insignificante antes que os credores compreendam que, como principalmente porque devem a outros credores
quando comparada com os estoques das dívidas está, essa iniciativa não oferece solução para as além do FMI, do Banco Mundial e do Banco
de todos os países em desenvolvimento (US$ 2,6 dívidas insustentáveis ou para a crise global da Africano de Desenvolvimento.
trilhões) ou com as dívidas dos países de baixa dívida. Na verdade, o que representa explicita- Na América Latina, o quadro é ainda mais som-
renda (US$ 424 bilhões). mente a Imad senão o reconhecimento de que brio. Em média, os quatro países latino-americanos
a iniciativa HIPC era – e ainda é – insuficiente classificados como HIPCs terão menos de um terço
Limites e processo falho para permitir que os países cumpram as MDMs de suas dívidas canceladas, graças à exclusão do
De modo algum, o acordo da dívida do G-8 repre- e para eliminar implicitamente todos os cálculos
senta um cancelamento de 100%: não cobre 100% e metodologias da sustentabilidade?
dos países necessitados nem 100% das dívidas. O Depois da Imad, os países beneficiários GRÁFICO 1. Países de baixa renda:
cancelamento não foi estendido a todos os países verão o peso de sua dívida agregada geral, em estoque da dívida de longo prazo antes
que dele necessitam para atingir as Metas de De- termos de valor atual líquido (NPV, na sigla em e depois da Imad
senvolvimento do Milênio (MDMs) até 2015. Esse inglês), cair de US$ 26,5 bilhões para US$ 11,3
acordo cobre apenas as dívidas de 17 países pobres bilhões, assim como a relação dívida-exportação
com o FMI, o Banco Mundial e o Fundo Africano de (também em termos de NPV) decrescer de 139%
Desenvolvimento. Por exemplo, as dívidas com o para 59%. Naturalmente, isso varia de país para
Banco Interamericano de Desenvolvimento estão país e, mais ainda, de acordo com a região que
excluídas. Isso é importante para países como está sendo analisada. Por exemplo, a relação dí-
Honduras e Bolívia, que têm 40% e 32% de suas vida-exportação de Uganda diminuirá 79%. Para
dívidas, respectivamente, com o BID. os países africanos incluídos, vemos uma dimi-
O acordo também permanece firmemente nuição do peso da dívida de US$ 19 bilhões para
vinculado ao falho processo dos países pobres US$ 6 bilhões (com a relação dívida-exportação
altamente endividados (HIPC, na sigla em caindo de 144% para 43,9%); para os países
latino-americanos (Bolívia, Guiana, Honduras e
* Coordenador da Rede Européia sobre Dívida e Desenvolvi- Nicarágua), o ônus da dívida é reduzido de US$
mento (Eurodad) . 7 bilhões para US$ 5 bilhões, e a relação dívida-
** Técnico de políticas da dívida e advocacy da Eurodad. exportação passa de 127% para 92%.
Burkina Fasso
Mauritânia
Benin
Zâmbia
Moçambique
Níger
Ruanda
Etiópia
Tanzânia
Madagáscar
Mali
Senegal
Gana
Bolívia
Nicarágua
Honduras
Guiana
O que ocorre com aqueles países que não são
HIPCs, mas que precisam urgentemente de cance-
lamento da dívida e ficaram de fora desse acordo?
Uma vez mais, o acordo cobre somente um número
limitado de países que necessitam urgentemente
de cancelamento da dívida para cumprir metas de
desenvolvimento acordadas internacionalmente. muitas dessas dívidas, contraídas com objetivos Subsaariana foram de menos US$ 240 milhões em
Consideremos a Indonésia, um país de renda média questionáveis por regimes antidemocráticos, com 2004 – o pagamento de juros foi maior do que as
inferior, onde mais de 50% de sua população, que é pleno conhecimento dos credores do Norte. entradas líquidas da dívida. O total do serviço da
em torno de 220 milhões de pessoas, vive abaixo do Consideremos a Nigéria, uma jovem e pobre dívida da África Subsaariana pago durante aquele
limiar de pobreza de US$ 2. O país deve a tremenda democracia que tem sido consistentemente deixada ano alcançou o montante avassalador de US$
soma de US$ 130 bilhões, dos quais US$ 60 bilhões de fora da iniciativa HIPC. Em conseqüência de 15,2 bilhões. Foi reconhecido pelas instituições
a credores oficiais. Outro país que pode ser citado é pressões intensas tanto do interior – Parlamento, financeiras internacionais que “os países da Imad
o Equador, que tem uma dívida de US$ 17 bilhões e governo e sociedade civil – como do apoio do Reino ainda necessitariam de substanciais doações para
mais de US$ 6 bilhões emprestados por credores Unido, que, na época, presidia o G-8, a Nigéria manterem a sustentabilidade da dívida, se a ajuda
bilaterais e multilaterais. conseguiu um acordo da dívida pelo Clube de fosse aumentada substancialmente para que pudes-
Quando questionado, o Banco Mundial Paris, em 2005. Significou o cancelamento de 60% sem cumprir as MDMs”.
responde consistentemente que hoje não há ne- de suas dívidas bilaterais (US$ 18 bilhões de um Governos como os da Zâmbia e de Uganda sau-
nhuma discussão em curso sobre cancelamento total de US$ 31 bilhões). Contudo, para conseguir daram o acordo de Gleneagles anunciando planos
de dívidas, além da iniciativa HIPC (incluindo esse acordo, o governo teve que pagar adiantado de gastos extras, por exemplo, no tratamento do
os quatro países mencionados anteriormente: e em dinheiro US$ 12,5 bilhões em um período de HIV/Aids. No entanto, esses governos não tinham
Eritréia, Haiti, Quirguistão e Nepal). No entanto, somente seis meses. observado os detalhes do acordo. Os ministros da
como já tivemos quatro extensões dela, pode- Isso representa mais do que a Imad conseguirá Fazenda do G-8 disseram que os países que obtive-
mos suspeitar que seja somente uma questão para o restante da África nos próximos dez anos! São ram cancelamentos de dívida deveriam ter reduzidos
de tempo para que as instituições financeiras recursos que fluem do Sul para o Norte, e não na direção seus futuros financiamentos do Banco Mundial,
internacionais e, mais amplamente, a comuni- oposta – recursos extremamente necessários para o deixando-os com pequenos ganhos líquidos. O se-
dade internacional compreendam que países combate à pobreza e para enfrentar os graves problemas cretário geral da Coalizão de Alternativas Africanas
empobrecidos, como o Quênia e muitos outros, do maior país africano. Esses fundos são necessários para a Dívida e o Desenvolvimento, uma coalizão
também precisam de um cancelamento de dívida em Abuja e Lagos para financiar a estratégia governa- de campanha do Mali, Dao Donanti, em declaração
abrangente. É triste, entretanto, que nesse meio mental de cumprimento das MDMs – uma estratégia à Rede Européia sobre Dívida e Desenvolvimento
tempo sejam perdidas vidas e oportunidades em que realmente existe e é denominada Estratégia Nacional (Eurodad), em junho de 2006, relatou que
números que mal se podem precisar. de Empoderamento e Desenvolvimento Econômico.
ninguém no Mali pode ainda afirmar quanto
Um passo necessário na direção dessa abor- Foi aprovada pelo FMI, por meio do Instrumento de
foi economizado por essa iniciativa. Por causa
dagem é a mudança radical no conceito de susten- Apoio a Políticas, e não pelos recursos financeiros das
disso e porque as instituições financeiras
tabilidade da dívida. Atualmente, apenas reflete a agências de crédito à exportação do Norte, que podem
internacionais nunca respeitaram seus compro-
capacidade de um determinado devedor pagar suas utilizá-los para causar mais prejuízos no Sul.
missos, estamos sendo cautelosos. No entanto,
dívidas, quaisquer que sejam as conseqüências
Dúvidas e cautela reconhecemos que – se for implementado – este
para seu desenvolvimento social e econômico.
será um pequeno passo adiante, especialmente
Esse princípio, consagrado no recente Marco de Os cancelamentos de estoque da dívida que alguns
porque envolve o cancelamento de estoque da
Referência de Sustentabilidade da Dívida das países conseguiram nos últimos meses avançaram
dívida. (Eurodad, 2006b).
instituições financeiras internacionais, não leva em um pouco no alívio do problema criado pelas
consideração as necessidades urgentes que muitos instituições credoras do Norte, que “dão com Além disso, os países mais ricos simplesmente
países enfrentam para cumprir as MDMs. Também uma mão e tiram com a outra”. As transferências não estão fornecendo o financiamento concessional
ignora completamente as origens ilegítimas de líquidas relativas à dívida dos países da África necessário para que os países tentem cumprir as
de dívida, o acordo G-8 do ano passado não é sufi- OXFAM. The view from the summit – Gleneagles G8 one year
on. 2006. Disponível em: <www.oxfam.org.uk/what_we_
cientemente abrangente em relação às dívidas e aos
do/issues/debt_aid/bn_gleneagles_oneyear.htm>.
países que cobre. De nenhuma forma, o problema
ZULU, Jack Jones (Coord.). Zambia after HIPC
de eliminar o excesso de dívidas passadas está re- surgery and the completion point. 2006. Disponível
solvido e os ativistas das campanhas continuarão a em: <www.eurodad.org/uploadstore/cms/docs/
destacar a profunda injustiça de os governos serem Zambiaafterhipcsurgery.pdf>.
forçados a favorecer os credores no lugar de seus
próprios povos. Também apontamos os principais
problemas do sistema financeiro internacional, que
está estruturalmente distorcido em favor dos ricos
e dos fortes e consistentemente voltado contra
a capacidade de os países em desenvolvimento
atingirem as MDMs.
está num ciclo de expansão, com altas taxas de Saldo primário 0,3 -1,7 -3,2 -1,9 -1,9 -4,8 -6,8 -5,4 -2,9
mento da relação dívida/PIB nos países da região. Dívida do governo federal 16,5 19,3 25,3 32,5 32,1 34,4 41,7 37,2 34
Entretanto, esse crescimento não acompanhou o Interna 14,9 17,3 21,1 23,9 24,3 25,7 27 26,9 26,9
Externa 1,6 2 4,2 8,5 7,8 8,6 14,7 10,3 7,1
do restante do mundo.
Saldo primário 0,4 -0,2 0,6 2,3 1,9 1,8 2,4 2,5 3
Com exceção do Chile, os países latino-ameri-
Chile
canos apresentam um alto grau de endividamento,
Saldo total 2,2 2,1 0,4 -2,1 -0,6 -0,5 -1,2 -0,4 2,2
tanto interno como externo. No caso do Brasil,
Dívida pública 15,1 13,2 12,5 13,8 13,7 15 15,7 13,1 10,9
o aspecto mais preocupante é a dívida interna
Interna 10,9 10 9,3 9,8 10 10,4 10 7,6 6
– devida pelos estados e pelas grandes cidades ao
Externa 4,2 3,2 3,2 4 3,6 4,5 5,7 5,6 4,8
governo federal –, que está entre as mais altas da
Pagamento de juros (percentual da renda) 6,4 5,7 5,7 6,2 5,6 5,4 5,5 5,5 4,4
América Latina.
Saldo primário 3,6 3,3 1,6 -0,9 0,6 0,7 -0,1 0,7 3,1
Esses países, e especialmente o Brasil, estão
Venezuela
se endividando mais, visto que têm crescimento
Dívida do setor público não financeiro 46,8 31,7 29,1 29 26,7 30 41,9 45,8 39
econômico mínimo. Há um grande número de metas
Interna 7,8 5,1 4,6 5,9 8,8 12,1 14,8 17,7 14,3
macroeconômicas que devem cumprir, incluindo
Externa 39 26,6 24,5 23 17,9 17,9 27,1 28,1 24,6
manter um superávit primário no orçamento e
Pagamento de juros
evitar erros na política cambial. Depois da crise, (percentual da renda total) 14,5 9,9 12,8 12,3 9,4 12,5 17,7 16,1 …
a Argentina apresenta os patamares mais altos de Saldo primário 12 6,7 -1,4 4 7,5 -1,2 4,2 5,4 …
dívida de toda a América Latina. Uruguai
Pela primeira vez desde 1999, as taxas de Dívida pública 22 22,6 24 26,2 31,9 41,9 98,7 94,3 74,7
investimento estrangeiro direto na América Latina Pagamento de juros
registraram aumento em 2004. Isso ocorreu es- (percentual da renda total) 7 7,4 6,8 8,4 10,2 12 19,1 26,3 22,9
pecialmente por causa da Argentina, do Chile, da Saldo primário -0,6 -0,2 0,2 -2,1 -1,5 -2 -0,8 1,1 2,4
Colômbia e do México, alvos de um aumento desse Fonte: Inesc, com dados extraídos do Levantamento econômico da América Latina e Caribe 2004-2005, da Comissão Econômica para
a América Latina e o Caribe (Cepal).
investimento. Em todo caso, suas taxas naquele ano
são significativamente inferiores àquelas de meados
da década de 1990. competir globalmente por investimentos com regiões Latina. Depois do boom de atração de investimentos
Essa tendência à redução do investimento como a Ásia e a Europa do Leste. A capacidade de atrair na década de 1990, causado pelas privatizações e
estrangeiro no início da atual década pode ser ob- investimentos varia de acordo com as estratégias das pelas políticas para atrair capital estrangeiro, chegou
servada em toda a América Latina. Nos países que corporações multinacionais, como a busca por recur- a hora de os grandes investidores internacionais
sofreram crises econômicas recentemente, como sos naturais, novas tecnologias e mercados locais ou colherem os lucros dessas operações. Os poucos
a Argentina e o Brasil, esse investimento caiu mais a conquista dos mercados de terceiros. investimentos novos de empresas privadas não
de 70% entre 1999 e 2003. No Brasil, o pico de entradas de investimento são suficientes para compensar a fuga de lucros e
A atração de investimentos estrangeiros por estrangeiro na economia coincide com o período juros para o exterior.
parte da América Latina está caindo continuamente, de privatizações das empresas estatais, quando os O Brasil e a Venezuela mostram as maiores
revelando as limitações de capacidade da região para investidores eram mais atraídos pelo nosso mercado. quedas nas transferências financeiras. Depois da
Hoje, mesmo após a adoção de políticas econômicas crise, a Argentina apresenta crescimento no saldo de
* Integrante do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos atraentes para o investidor externo, o investimento transferências líquidas. Na situação argentina, já em
Socioeconômicos (Inesc), antropóloga e cientista política. estrangeiro no Brasil continua a cair gradualmente, um “buraco” profundo, qualquer entrada de recursos
1 Este texto foi beneficiado pela participação de Márcio
atingindo em 2004 o menor volume desde 1995 e, representa um avanço. Deve-se também notar o caso
Pontual, assessor de política internacional, de Francisco
Sadeck, assessor de política orçamentária e fiscal, e de portanto, demonstrando a ineficiência dessa política. do Chile, que, depois do período das privatizações que
Álvaro Gérin, assistente de política orçamentária e fiscal. Desde 2000, os recursos financeiros têm durou até a década de 1990, tem vivido uma situação
apresentado uma tendência de abandonar a América de constante fuga de recursos desde o ano 2000.
Mike Lewis*
Entre o início da década de 1970 e o fim de
2004, o número de paraísos fiscais reconhecidos
aumentou de cerca de 25 para 72. De forma cor-
PARAÍSOS FISCAIS
Grande parte do fracasso no financiamento dos respondente, a Organização para a Cooperação e o Definimos “paraísos fiscais” como países
gastos com desenvolvimento, especialmente do Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que o ou territórios cujas leis podem ser utili-
malogro dos países ricos doadores em aumentar volume de comércio mundial, que aparece no papel zadas para evitar ou sonegar impostos,
os orçamentos da Ajuda Oficial ao Desenvolvimen- passando por paraísos fiscais, aumentou durante que podem ser devidos em outro país de
to (AOD), tem a ver com falta de disposição polí- esse período de um percentual muito baixo para acordo com suas leis. Suas características
tica. Porém, os Estados do Mundo da Maioria são mais de 50%, embora essas jurisdições representem incluem jurisdições que permitem a não-
incapazes de sustentar seus próprios gastos com somente 3% do produto nacional bruto.2 residentes que desempenham atividades
saúde, educação e infra-estrutura, principalmente Essa diferença extraordinária indica a que pagarem pouco ou nenhum imposto;
porque não conseguem arrecadar receitas adequa- ponto a maioria das grandes corporações mul- inexistência de intercâmbio eficaz de infor-
das a seus gastos sociais. Este artigo argumenta tinacionais tem se aproveitado da mobilidade mação fiscal com outros países; ausência
que a crise fiscal é alimentada pela arquitetura transnacional de seus ativos para “lavar” seus lu- de transparência legalmente garantida
financeira global de sonegação de impostos e cros por meio de regimes de baixa tributação e de para as organizações lá sediadas; ausência
fuga de capitais, em grande parte sustentada pelo paraísos fiscais. Para isso, utilizam uma variedade de exigências para evitar que corporações
Mundo da Minoria. Também apresenta evidências de mecanismos, de emissões repetidas de notas locais de propriedade de não-residentes
de que o combate às causas dessa crise fiscal fiscais e de formação de preços de transferência 3 realizem atividade local substancial (na
poderia não somente diminuir o atual déficit de fi- a sociedades de propósito especial e fundos verdade, essas corporações podem até
nanciamento global para o desenvolvimento, como offshore secretos.4 Visto que essa economia da ser proibidas de realizar negócios na
também corrigir aspectos do sistema financeiro “sombra” e efetivamente apátrida vem solapando jurisdição onde foram fundadas). Ver Tax
internacional que contribuem maciçamente para a base fiscal dos Estados de bem-estar social, Justice Network. (2005, p. 12-13).
a pobreza e a desigualdade global. especialmente no Sul Global, taxar tal riqueza
Nos últimos 25 anos, testemunhamos o cres- elusiva poderia gerar os fundos para financiar o
cimento da mobilidade do capital pelas fronteiras, desenvolvimento dos países mais pobres.
o surgimento de um modelo de desenvolvimento Continua havendo uma necessidade urgente declarados e, portanto, provavelmente não taxa-
que estimula os países em desenvolvimento a de produção de estudos empíricos sobre a escala dos no país de residência (Tax Justice Network,
oferecer incentivos fiscais aos investimentos da sonegação e elisãoNT fiscais no plano global. A 2005, p. 34-37).5
estrangeiros e acesso doméstico aos fluxos pesquisa é prejudicada pelo segredo obsessivo Os benefícios de tributar somente essa riqueza
financeiros internacionais. Assim, tanto as mu- que cerca as transações e os capitais nos paraísos individual – sem falar nas somas inegavelmente
danças financeiras como a ideologia econômica fiscais. Entretanto, algumas estimativas da escala superiores que são perdidas pela sonegação e elisão
têm encorajado a proliferação de mecanismos do problema foram feitas desde que o Relatório de impostos das corporações – superariam em muito
que permitem que os ricos – indivíduos com mais do Observatório da Cidadania/Social Watch tratou qualquer aumento realista dos orçamentos da AOD. É
mobilidade e corporações – evitem contribuir para desse tema em 2004. provável que a renda em escala mundial desses ativos
as receitas governamentais.1 Cálculos realizados pela Rede pela Justiça não declarados alcance cerca de US$ 860 bilhões
Fiscal sugerem que cerca de US$ 11,5 trilhões, por ano.6 A tributação dessa renda com a alíquota
somente da riqueza privada das pessoas físicas de moderada de 30% produziria aproximadamente
alto valor líquido, estão atualmente nos paraísos US$ 255 bilhões anuais – o suficiente para financiar
* Integrante da Rede pela Justiça Fiscal.
fiscais, em grande medida como valores não integralmente as Metas de Desenvolvimento do Mi-
1 Essa estratégia de desenvolvimento não somente tem
lênio (MDMs).7 Em termos simples, apenas obrigar
erodido as receitas fiscais nacionais no mundo em
desenvolvimento, mas também tem aumentado algumas os ricos a pagarem os impostos devidos poderia
das vulnerabilidades dos países em desenvolvimento à 2 Ministro da Fazenda francês, D. Strauss-Kahn, em discurso financiar imediatamente as medidas necessárias para
instabilidade financeira internacional. Um exemplo notório para o Grupo de Especialistas de Paris, em março de 1999, reduzir a pobreza mundial à metade.
foi a criação do Fundo Bancário Internacional de Bangcoc, citado em Christensen e Hampton (1999).
em 1992, como parte de uma agressiva estratégia do
3 Tais como comércio de mercadorias entre empresas de
governo tailandês para melhorar o acesso das empresas
propriedade das mesmas pessoas ou companhia, a preços
locais aos mercados financeiros internacionais. Os bancos
arbitrários ou fora do mercado, permitindo um aumento do
ligados ao BIBF podiam receber depósitos ou empréstimos
custo das mercadorias ou uma redução do valor de venda 5 Estimativas realizadas com dados sobre riqueza offshore do
do estrangeiro e emprestar em moeda estrangeira na Tai-
nos países de impostos mais altos. 1998 World Wealth Report, de Merrill Lynch / Cap Gemini,
lândia e no exterior, funcionando essencialmente como um
4 Para mais informações sobre os mecanismos multinacionais do 2003 Global Wealth Report, do Boston Consulting Group.
centro bancário offshore, com incentivos fiscais e isenções
regulatórias nos seus negócios internacionais. Quando para evitar o pagamento de impostos, incluindo preços de 6 Baseado em estimativas do Merrill Lynch/Cap Gemini e Bos-
estourou a crise financeira asiática em 1997, o BIBF tinha transferência, subcapitalização, emissão repetida de notas ton Consulting Group de que os donos da riqueza esperam
quase a metade dos empréstimos estrangeiros do país. fiscais, inversões corporativas (ver http://www.taxprophet. rendimentos de 7% a 8% ao ano sobre seus ativos.
A crise da dívida e o retrocesso econômico fizeram o PIB com/hot_topic/August03.shtml), sociedades de propósito 7 O Projeto Milênio das Nações Unidas estimava, em 2005,
tailandês cair cerca de 12%, com sérios impactos nos especial e fundos, ver Tax Justive Network (2005). que o cumprimento de todas as MDMs exigiria cerca de
empregos e nos salários, e empurrando mais de 1 milhão NT Elisão fiscal é o uso de brechas legais na legislação tributá- US$ 135 bilhões de AOD, atingindo US$ 195 bilhões até
de pessoas para a pobreza. (Ver Oxfam GB, 2000). ria para pagar menos impostos. 2015. (Ver UN News Centre, 2005).
sonegação fiscal em suas jurisdições devem ser global pelo desenvolvimento, à frente da TAX JUSTICE NETWORK. Tax Us If You Can. London: Tax
qual devem estar ativistas e participantes Justice Network, 2005. Disponível em: <www.taxjustice.
de campanhas do Mundo da Maioria. net/cms/upload/pdf/tuiyc_-_eng_-_web_file.pdf>.
Convidamos você para se juntar a nós. UN NEWS CENTRE. New funding vital for reaching Millennium
10 Ver o artigo “Hora da tributação internacional”, de Peter Development Goals in health - UN. 2005. Disponível em:
Wahl, na pág. 32 deste relatório. <www.taxjustice.net>.
<http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=15497&
11 Veja o site <www.eitransparency.org>. Cr=MDGs&Cr1=WHO>.
Peter Wahl* O resultado é um processo inexorável de redistri- O Estado-nação territorial foi, e continua sendo, identi-
buição de impostos de cima para baixo, exacerbação ficado como espaço social da democracia parlamentar.
da polarização social, pressões crescentes para O fato de que a globalização pelo menos relativizou o
Os impostos internacionais constituem um pa- privatizar a infra-estrutura pública e diminuição da princípio da territorialidade, pela transnacionalização
radigma inteiramente novo. Sua concretização é capacidade governamental de solucionar problemas da economia e da comunicação, traz implicações
uma inovação com significado histórico porque, urgentes. Finalmente, a compreensão de que a ideo- substanciais para o funcionamento da democracia par-
até agora, os impostos estavam firmemente logia tributária neoliberal está levando à desintegração lamentar, em geral, e para a tributação, em particular.
vinculados ao Estado-nação. No entanto, os social, com conseqüências políticas imprevisíveis. É recomendável começar examinando os impactos da
pré-requisitos para a tributação internacional Esse é o motivo pelo qual, quando discutimos globalização nos impostos nacionais.
surgiram com a globalização e chegou a hora política tributária em geral e impostos internacionais Os sistemas de tributação que foram desenvol-
dos impostos internacionais. em particular, estamos falando não somente de vidos durante os séculos XIX e XX eram concebidos
Em 1996, vários membros da equipe do dinheiro, como também sobre a possibilidade de para as economias comparativamente fechadas
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi- recuperar espaço para as políticas e opções políticas. do Estado-nação. O capital e o trabalho estavam
mento (Pnud) publicaram um livro (Ul Haq et al., Numa situação na qual o escopo e o alcance dos ins- vinculados territorialmente, aproximadamente no
1996) no qual propuseram um imposto interna- trumentos de política nacional estão em declínio pelas mesmo grau, e era relativamente fácil estabelecer a
cional sobre transações financeiras, a chamada condições impostas pela globalização, os impostos base tributária na legislação nacional de impostos. A
Taxa Tobin. Pode-se dizer que essa publicação internacionais devem ser considerados pelo seu globalização fez surgir uma situação nova. O aspecto
abriu a discussão sobre tributos internacionais e, grande potencial para regulamentar a globalização. econômico essencial da globalização é o fato de que
desde então, o debate só tem crescido de inten- A tributação internacional é um enfoque importante as fronteiras nacionais estão desaparecendo cada vez
sidade. Isso não é surpreendente, pois, afinal de no desenvolvimento de alternativas ao paradigma mais para os movimentos de capital, mercadorias e
contas, os impostos não são simplesmente mais neoliberal e, ao mesmo tempo, é um componente serviços. Nesse aspecto, nenhum outro fator de pro-
uma variável econômica entre outras. indispensável numa ordem mundial pós-neoliberal. dução tem se mostrado tão móvel quanto o capital.
Com sua função dual – geração de recursos No Estado-nação democrático, a legitimidade
financeiros e meio para alcançar efeitos regula- dos impostos está baseada em procedimentos parla- Novas maneiras de obter lucros
tórios – os impostos são um instrumento-chave mentares democráticos. A Declaração dos Direitos do Em paralelo aos novos problemas tributários que
no direcionamento dos processos sociais. Homem e do Cidadão, na França de 1789, estabeleceu afligem o Estado-nação, a globalização possibi-
Juntamente com o monopólio do uso da força, a norma que ainda é válida nos dias de hoje: “Todo litou também o surgimento de fontes de lucros
os tributos podem ser vistos como o segundo cidadão tem o direito de constatar por si próprio ou para as corporações (Wahl, 2005b). Naturalmen-
pilar do Estado moderno. por meio de seus representantes a necessidade de te, alguns desses novos lucros ainda podem ser
No entanto, para o atual modelo econômico imposto público, consenti-lo livremente, acompanhar facilmente taxados nos marcos nacionais. No
dominante, os impostos são, antes de tudo, uma o seu emprego e determinar sua cota, valor, paga- entanto, boa parte dessas atividades de alta lucra-
“externalidade negativa”. Por esse motivo, os mento e duração” (artigo 14). De forma resumida, tividade é bem talhada, por sua própria natureza,
pontos essenciais da política tributária neoliberal “nenhum imposto sem representação”. para evitar as obrigações fiscais nacionais.
são os seguintes: Pelo menos até agora, não existe representação Se alguém lucra dessa forma com a globali-
• cortar impostos, principalmente das empre- parlamentar além do Estado-nação, nenhum parla- zação, é lógico que esses ganhos sejam taxados
sas e dos(as) ricos(as); mento internacional ou global, para não falar de um globalmente e as receitas sejam utilizadas para
Estado mundial.1 Tampouco existe, em termos do financiar o meio ambiente, desenvolvimento e
• deslocar o peso tributário principal para
princípio da representação parlamentar, uma legi- outros bens públicos globais. Por esse motivo, o
os impostos sobre o consumo e para os
timidade democrática para impostos internacionais Relatório Landau aborda a tributação internacio-
impostos que incidem sobre a população
e, portanto, nenhuma base para esses tributos na nal das transnacionais como “uma contrapartida
em geral;
legislação pública ou internacional. Isso é um fato normal dos benefícios que as transnacionais
• impor políticas de austeridade governamental que deve ser considerado seriamente, pois qualquer extraem da globalização” (Landau, 2004, p. 16).
voltadas para o ideal do Estado “enxuto”; defesa da tributação internacional terá que enfrentar A erosão da base tributária do Estado-nação
• promover a competição tributária internacio- essa questão. Afinal de contas, se atribuíssemos relacionada à globalização não é somente um
nal como meio de forçar aqueles que pensam uma validade absoluta ao princípio de “nenhum problema econômico. Tal fato atinge também a
de forma distinta a ceder à doutrina tributária imposto sem representação”, não haveria necessi- essência do Estado moderno e da democracia.
neoliberal dominante. dade de continuar essa discussão. Uma boa parcela de soberania democrática tem
É correto dizer que os tributos internacionais se perdido porque o poder soberano está sendo
podem não ser aplicados na base da tradição legal que gradualmente privado dos meios materiais
normalmente legitima os impostos. Porém, também de que precisa para direcionar e sustentar a
devemos ter em mente que a globalização não era parte comunidade. Se a crise crônica das finanças
* Especialista do sistema financeiro internacional, dos fundamentos das teorias históricas da democracia. públicas levar a uma maior deterioração da infra-
fundador da Associação pela Tributação das Transações
estrutura comunitária, social e física, terá como
Financeiras em Apoio aos Cidadãos (Attac) da Alemanha
e colaborador da ONG alemã Economia Mundial, Ecologia conseqüência também uma erosão das opções
e Desenvolvimento (Weed). 1 Se isso seria desejável, já é uma questão inteiramente distinta. e espaços políticos democráticos.
lamentar o processo de globalização. A adoção WAHL, Peter. Internationale Steuern: Globalisierung regulieren,
Entwicklung finanzieren. Berlin, 2005b.
de um imposto internacional seria um passo na
direção da democratização e de uma configuração ______. Comment on the “Opinion of the European Central
Bank” on the Belgian law for a currency transaction
eqüitativa da globalização, sobre a qual Jacques tax, dated from 4th of November 2004 (CON/2004/34).
Chirac observou corretamente: “A forma como se Brussels, 2005a. Disponível em: <http://www2.weed-online.
desenvolve a globalização hoje em dia não somente org/uploads/WEED_ECB_CTT.pdf>.
não está reduzindo a desigualdade, como também WORLD BANK; INTERNATIONAL MONETARY FUND – IMF.
a aprofunda cada vez mais”. Moving Forward: Financing Modalities Toward the MDGs.
Washington, 2005. (Draft Report for Development
Além disso, usando a segunda função básica
Committee Meeting, 17 de abril de 2005, SECM2005-0125).
dos impostos, a geração de receitas, um imposto
WORLD TRADE ORGANIZATION. Electronic Commerce and
internacional poderia servir para desenvolver novas the Role of the WTO. Geneva, 1998. (Special Studies, 2).
e substanciais opções de políticas. Particularmente,
será impossível financiar as MDMs sem utilizar ins-
trumentos de financiamento não convencionais. A
frente daqueles que apóiam a tributação internacio-
nal é cada vez mais ampla. Ao adotarem o imposto
sobre passagens aéreas, a França, o Brasil, o Chile
e outros países ousaram dar um primeiro passo
num paradigma inteiramente novo.
No entanto, a resistência política ao projeto
é também um fator a ser considerado. Afinal, o
projeto está dirigido contra o “espírito da época”
(Zeitgeist) que, em geral, vê os impostos como
nada mais do que uma “externalidade negativa”.
Nesse sentido, o debate sobre os impostos
internacionais tem também uma dimensão socio-
política fundamental: a preocupação de substituir
o sentimento amplo e indiferenciado contra o
70
50
40
O Observatório da Cidadania/Social Watch de- Alto
30
senvolveu o índice de capacidades básicas (ICB) 1 Médio
como uma abordagem para medir a pobreza e o 20 Baixo
bem-estar, baseada somente nas capacidades. 2 10 Muito baixo
Cada um desses indicadores – percentual de 0 Crítico
crianças matriculadas na primeira série que
Renda baixa
Renda alta
Renda alta
(fora da OCDE)
Total
atingem a quinta série, percentual de desnutrição
de crianças menores de 5 anos, percentual de
partos assistidos por pessoal de saúde qualifi-
cado – expressa resultados em dimensões dife-
rentes da condição humana incluídas nas metas
de desenvolvimento (educação, saúde infantil e O patamar de satisfação das necessidades básicas mostra claramente as desigualdades de riqueza
saúde reprodutiva). O ICB, como uma medida de entre os países, medida pela renda nacional bruta (RNB) per capita. A metade dos países com as
síntese, é capaz de resumir, em geral, a situação rendas mais baixas3 está na situação mais crítica em relação à satisfação de suas capacidades
sanitária e o desempenho educacional básico de básicas. Além disso, nenhum dos países classificados como de ICB muito baixo ou crítico está
uma população. Além disso, tem demonstrado acima da renda média baixa.
ser altamente correlacionado com a medida de Na outra extremidade, somente os países de renda alta que pertencem à Organização para a
outras capacidades humanas relacionadas ao Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) estão quase totalmente na categoria mais
desenvolvimento social dos países. alta do ICB, com satisfação plena ou quase plena de suas capacidades básicas. Os restantes
Por meio desse índice, é possível designar países de renda alta estão perto de atender às capacidades básicas e todos estão classificados
um valor para cada país, que serve para classi- nas duas categorias mais altas do ICB. Em resumo, entre os países de renda alta, o patamar de
ficá-lo em relação aos demais. Foi possível fazer necessidades básicas não atendidas é mínimo ou inexistente.
essa classificação para 162 países. No entanto, alguns países de renda baixa atingiram uma classificação de ICB médio ou mesmo
alto. Entre esses, quase 15% estão inseridos na categoria com mais alto grau de satisfação
das capacidades, mostrando que o atendimento das necessidades básicas de uma população é
possível, mesmo além da riqueza desses países.
Crítico
Muito baixo
Baixo
Médio
Alto
Sem dados
Mais de sete de cada dez países com um ICB crítico pertencem à África localizados na América Central e no Caribe. Somente o Chile está classi-
Subsaariana. Essa região e a Ásia Meridional representam 88% dos países ficado entre os países com ICB alto.
com as necessidades básicas mais altas (ICB muito baixo). Entre os países do Leste Asiático e do Pacífico, cinco possuem ICB
De uma perspectiva regional, a Ásia Meridional e a África Subsa- crítico e muito baixo, enquanto quatro atingem valores altos do atendi-
ariana são as áreas do mundo com percentual mais alto de países nas mento de suas capacidades básicas.
categorias mais baixas do ICB (quatro dos países da Ásia Meridional As regiões do Norte da África e do Oriente Médio também possuem
estão com ICB crítico, e dois deles são classificados com ICB muito países com desempenho diversos. Embora quatro países tenham ICB
baixo). Na região Subsaariana, a metade dos países está com ICB crítico, muito baixos ou críticos, cinco estão no grupo de ICB mais alto.
e 36%, com ICB muito baixo. O desempenho da Ásia Central é mais uniforme, com os cinco países
Numa situação intermediária, há regiões com países de comporta- sobre os quais há informações disponíveis apresentando valores baixos e
mentos muito diversos. Na América Latina, 11 dos 31 países sobre os médios de ICB. Na Europa e na América do Norte, o ICB mostra valores médios
quais dispomos de informações têm ICB baixo ou muito baixo – todos e altos para todos os países sobre os quais há informações disponíveis.
mas o cumprimento dos requisitos essenciais dimensões específicas.4 Em cada uma delas, na acompanha este relatório, fica claramente visível
mínimos para avançar na direção de patamares média, a situação melhora à proporção que os que o grupo de países de ICB crítico possui,
mais elevados de bem-estar. países sobem na classificação do ICB. em média, insuficiências extremas em todas as
No grupo de ICB alto, estão os países mais de- A utilidade do ICB provém de uma identifica- dimensões de desenvolvimento social avaliadas
senvolvidos e aqueles sem grandes problemas para ção eficiente dos países em situação mais crítica, pelo Observatório da Cidadania/Social Watch. Esse
garantir a satisfação das mencionadas capacidades. permitindo a visualização de suas situações em comportamento explica por que a maioria desses
relação a seus estágios de desenvolvimento. De países pertence aos grupos de “pior situação rela-
Indicador de síntese acordo com a análise apresentada no CD que tiva” em cada uma das áreas estudadas.
O ICB é um índice sintético que classifica
eficientemente os países de acordo com as
dimensões básicas normalmente associadas ao 4 Segurança alimentar; saúde; saúde reprodutiva; educa-
desenvolvimento social e presentes nas metas ção; gastos públicos; informação, ciência e tecnologia;
água e saneamento; e eqüidade entre os gêneros. As
assumidas pelos países em seus compromissos
tabelas deste relatório avaliam os países de acordo com
internacionais. A classificação de cada país nas o desempenho médio de um conjunto de indicadores
categorias do ICB está estreitamente relacionada específicos em cada dimensão do desenvolvimento,
às classificações obtidas como resumo da situação classificando-os em quatro categorias: países em melhor
situação relativa na área; países acima da média; países
atual nas várias áreas do desenvolvimento que
abaixo da média; e países em pior situação relativa. Para
o Observatório da Cidadania analisou, baseado mais detalhes sobre essa classificação, ver o artigo sobre
num conjunto mais amplo de indicadores de metodologia no CD que acompanha este relatório.
CLASSIFICAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
NÍVEL CRÍTICO
NÍVEL MUITO
NÍVEL MÉDIO
NÍVEL BAIXO
NÍVEL ALTO
BAIXO
ICB
ICB
ICB
ICB
ICB
Chade 162 47 Mianmar 136 70 Bolívia 110 80 Kuweit 92 90 Trinidad e Tobago 45 98
Etiópia 161 49 Togo 135 70 Equador 109 81 Suriname 91 90 Emirados Árabes 42 98
Unidos
Ruanda 160 52 Camarões 134 70 Guiana 108 81 Belize 89 90 Ucrânia 42 98
Bangladesh 159 53 Costa do Marfim 133 71 Paraguai 107 82 Cabo Verde 89 90 Jordânia 42 98
Níger 158 55 Burkina Fasso 132 71 Gabão 106 82 Botsuana 88 90 Bulgária 41 98
Nepal 157 56 Guatemala 131 72 Ilhas Cook 105 82 Vietnã 87 91 Itália 40 99
Burundi 156 56 Honduras 130 73 Tadjiquistão 103 83 Panamá 86 92 Letônia 37 99
Laos 155 58 Comores 129 73 Azerbaidjão 103 83 México 85 92 Barbados 37 99
Guiné Equatorial 154 59 Índia 128 73 Indonésia 102 84 Turquia 83 92 Belarus 37 99
Camboja 153 59 Nicarágua 127 73 Peru 101 84 Granada 83 92 Hungria 35 99
Paquistão 152 60 Benin 126 73 República Dominicana 96 85 Brasil 82 92 Lituânia 35 99
Guiné-Bissau 151 60 Tanzânia 125 74 Vanuatu 99 85 China 81 93 Croácia 33 99
Moçambique 150 61 Senegal 124 74 Namíbia 98 86 Irã 80 94 Maurício 33 99
Iêmen 149 61 Zâmbia 123 74 Síria 97 87 Tonga 79 94 Eslovênia 32 99
Malauí 148 63 Papua Nova Guiné 122 75 África do Sul 96 87 Geórgia 78 94 Estônia 28 99
Uganda 146 63 Iraque 121 75 Ilhas Marshall 95 88 Palau 77 94 Cuba 28 99
Nigéria 146 63 Mauritânia 120 76 Egito 94 88 Albânia 76 94 Austrália 28 99
Libéria 145 64 Zimbábue 119 77 Colômbia 93 89 Dominica 75 94 Canadá 28 99
Madagáscar 144 65 Suazilândia 118 77 Malásia 73 94 França 26 99
Mali 143 66 Filipinas 117 78 Jamaica 73 94 República Tcheca 26 99
Gana 142 66 São Tomé e Príncipe 116 78 Venezuela 72 94 Barein 25 99
Eritréia 141 67 El Salvador 115 78 Mongólia 70 95 Chile 22 99
Guiné 140 67 Djibuti 114 79 Tunísia 70 95 Polônia 22 99
Butão 139 69 Maldivas 113 80 Argélia 69 95 Estados Unidos 22 99
Gâmbia 138 69 Marrocos 112 80 Cisjordânia e Faixa 67 95 Irlanda 17 99
de Gaza
Lesoto 137 70 Sudão 110 80 Arábia Saudita 67 95 Israel 17 99
São Cristóvão e Névis 66 95 Reino Unido 17 99
Romênia 65 95 Malta 17 99
São Vicente e 63 95 Chipre 17 99+
Granadinas
Moldávia 63 95 Coréia do Sul 6 99+
Macedônia 62 95 Holanda 6 99+
Fiji 61 96 Nova Zelândia 6 99+
Bahamas 60 96 Grécia 6 99+
Catar 57 96 Espanha 6 99+
Santa Lúcia 57 96 Áustria 6 99+
Eslováquia 57 96 Bélgica 6 99+
Líbano 56 96 Suíça 6 99+
Cazaquistão 54 96 Alemanha 6 99+
Costa Rica 54 96 Dinamarca 6 99+
Argentina 53 96 Portugal 6 99+
Uruguai 52 97 Finlândia 1 99+
Armênia 51 97 Japão 1 99+
Samoa 50 97 Noruega 1 99+
Luxemburgo 49 97 Suécia 1 99+
Omã 48 97 Islândia 1 99+
Brunei 47 97
Tailândia 45 98
* Países sobre os quais há informações disponíveis suficientes para construir o índice. Ver seção sobre a metodologia no CD que acompanha este relatório.
Em toda sociedade, há práticas, relações, instituições e identidades que constituem um sistema de gênero, além de uma divisão sexual
do trabalho que transforma as diferenças entre os gêneros em desigualdades. Para que haja eqüidade entre os gêneros, o primeiro
passo é que a sociedade e o governo aceitem e compreendam que esse sistema gera desigualdades entre homens e mulheres e, então,
promovam políticas para enfrentá-las. O índice de eqüidade de gênero (IEG) do Observatório da Cidadania/Scocial Watch fornece
evidências conclusivas de que são ainda limitadas as oportunidades das mulheres nas esferas econômica e política.
Equipe de Pesquisa do Social Watch* um fenômeno global. Segundo estudos internacionais, modo que ambos os sexos ajam diferentemente e
para que as mulheres tenham influência real nos se considerem diferentes, determinando que tarefas
processos políticos, sua participação deve ser de, sociais estão dentro do escopo de cada gênero
Desde que a Assembléia Geral da Organização das no mínimo, 30%. – é a organização social do trabalho que deriva da
Nações Unidas (ONU) adotou a Convenção sobre Para compreender o escopo teórico e me- existência dessa divisão sexual.
a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina- todológico da dimensão de gênero, é necessário Embora os papéis de gênero sejam diferentes
ção contra a Mulher (1979), a eqüidade entre os primeiramente estabelecer como marco teórico em cada cultura, o tema comum que os define
gêneros tem sido um tema central da agenda de fundamental a divisão sexual do trabalho e a orga- em todos os países é a segregação: homens e
desenvolvimento internacional. Após a Cúpula nização social que o regula – o sistema de gênero mulheres não se encontram nos mesmos setores
Mundial sobre Desenvolvimento Social (1995) que molda as relações entre homens e mulheres. da sociedade.
e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Pe- Sistema de gênero traduz o conjunto de práticas Um elemento importante – e talvez o pri-
quim, 1995), a comunidade internacional dedicou associadas à vida social cotidiana: símbolos, meiro passo na direção da eqüidade entre os
duas das Metas de Desenvolvimento do Milênio costumes, identidades, vestimentas, crenças e gêneros – é a sociedade e o governo aceitarem e
(MDMs), cujo prazo final é 2015, à melhoria da convicções, valores e significados comuns, assim compreenderem que o sistema de gênero existe
situação da mulher. A MDM 3 exige a promoção como outros elementos vagamente vinculados que e gera desigualdades entre homens e mulheres.
da igualdade de oportunidades entre os sexos e fazem referência, de modo direto ou indireto, à for- A sociedade deve reconhecer tais desigualdades,
o empoderamento das mulheres – representação ma culturalmente específica de analisar e entender pois esse reconhecimento significa entender que
eqüitativa dos dois sexos nos processos deci- as diferenças entre os gêneros reconhecidos – na o gênero é um dos muitos fatores já reconhecidos
sórios; a MDM 5 requer a redução das taxas de maioria das culturas, entre homens e mulheres que geram desigualdade social, “obrigando” os
mortalidade materna em 75%. (Anderson, 2006). governos a promoverem políticas que corrijam
Apesar desses gestos, a ratificação de tal Podemos imaginar o sistema de gênero como essas desigualdades.
consenso continua difícil: 47 países-membros da um conjunto de elementos altamente diferentes, O segundo elemento central é estabelecer que a
ONU não assinaram ou ratificaram a Convenção, e variando de superficiais “marcadores” de estilo e principal preocupação não são as diferenças em si,
outros 43 o fizeram com reservas. Enquanto isso, preferências pessoais a normas profundamente mas a transformação da diferença em desigualdade.
as estatísticas sobre eqüidade entre os gêneros são enraizadas que regulam as instituições e as rela- O objetivo das políticas deve ser o enfrentamento
sombrias. Do total de 1,3 bilhão de pessoas pobres ções sociais. Nesse conjunto de práticas, relações, dessas desigualdades. O Estado tem a responsa-
do mundo, 70% são mulheres. As mulheres também instituições e identidades humanas, aquelas que bilidade de desenvolver políticas de gênero claras
constituem dois terços das 860 milhões de pessoas estão marcadas pelo gênero têm sido historica- e explícitas para se opor aos efeitos negativos das
que não sabem ler ou escrever e, em todo o mundo, mente variáveis. forças sociais, culturais e do mercado que causam
a renda das mulheres representa de 30% a 60% O destaque de gênero em diferentes esferas da desigualdade entre os gêneros e uma maior exclu-
da renda dos homens. A cada dia, complicações vida é visto como um fator que está condicionado são social das mulheres.
na gravidez e no parto matam 1.600 mulheres e pelo tempo, lugar e circunstâncias. Isso tudo ilus-
causam danos à saúde de outras 50 milhões. tra duas das principais características do sistema Oportunidade e reconhecimento
Não pode haver justiça social sem que essa de gênero, que é tanto dinâmico como cultural e Como, neste momento, os debates em torno da
situação seja revertida. O secretário geral da ONU, historicamente determinado. Essas características noção de eqüidade são muito extensos, é importante
Kofi Annan, enfatizou: “aumentando efetivamente implicam a possibilidade de mudanças e modifica- enfocar esse conceito metodológica e conceitual-
o impacto das mulheres sobre a vida pública em ções no sistema de gênero. mente com o reconhecimento de três dimensões
todas as esferas, cresce o potencial de mudança Outro conceito central para entender o alcance que devem ser levadas em conta ao falarmos de
na direção da igualdade entre os gêneros e do dessa perspectiva é o da divisão sexual do trabalho. eqüidade entre os gêneros: eqüifonia, eqüipotência
empoderamento das mulheres, assim como o de Em toda sociedade, mulheres e homens realizam e equivalência (Batthyány, 2004).
uma sociedade mais democrática e justa” (United algumas tarefas diferenciadas, consideradas como A eqüifonia se refere ao acesso ao discurso, à
Nations, 2005, p. 14). atividades femininas e masculinas. Embora essa possibilidade de ter uma voz. Porém, não é o bas-
Como o analfabetismo e a pobreza feminina afe- divisão sexual do trabalho nunca seja a mesma e tante. Essa voz deve ter o mesmo valor e impacto da
tam duramente os países do Sul e, em menor medida, varie em cada sociedade, é um fenômeno que se voz de outros atores sociais. Não é meramente uma
também os países industrializados, a marginalização mantém ao longo da história. questão de poder contribuir com o discurso, mas
das mulheres em relação aos processos decisórios é Há normas que estabelecem códigos de com- também de reconhecimento e do valor concedido
portamento aceitável para homens e mulheres e à contribuição.
mecanismos de punição que impedem as pessoas A eqüipotência se refere à eqüidade no acesso
*
Os nomes dos(as) integrantes da Equipe de Pesquisa
de se desviarem dessas normas em sua conduta e no exercício do poder. Esse é um elemento que
de Ciências Sociais do Social Watch estão listados nos pessoal. O sistema de gênero – processos e fatores normalmente causa conflitos porque envolve as-
créditos no início deste relatório. que regulamentam e organizam a sociedade de tal pectos do poder e do acesso ao poder.
Finalmente, a equivalência se refere à atri- Esse índice permite o posicionamento e a têm, em geral, uma boa situação em termos de
buição de igual valor e igual reconhecimento às classificação dos países por meio da seleção de eqüidade entre os gêneros por causa da aplicação
atividades realizadas por homens e mulheres, tanto indicadores relevantes para a iniqüidade entre os avançada de políticas progressistas (acima de
em termos econômicos como em termos sociais. gêneros, escolhidos de acordo com as informações tudo, cotas e políticas de eqüidade de gênero no
A esse respeito, há uma esfera que não deve ser disponíveis e comparáveis no plano internacional. O mercado de trabalho).
ignorada: a esfera reprodutiva e sua relação com a IEG classifica 149 países e verifica, com evidências
esfera da produção. A equivalência está relaciona- conclusivas: em nenhum país as mulheres desfru-
TABELA 2 – Defasagem de renda
da com o valor econômico atribuído às atividades tam das mesmas oportunidades dos homens; a
(mulheres/homens) por região geográfica
realizadas pelas mulheres, tanto na esfera produ- eliminação da desigualdade entre os gêneros não
tiva como na reprodutiva. Isso envolve o mundo exige aumento de renda; e, embora a situação das REGIÃO MÉDIA
do trabalho nas suas duas formas, remunerada e mulheres tenha melhorado em certos aspectos ao Oriente Médio e Norte da África 0,32
não remunerada. longo dos anos, está claro que são ainda limitadas América Latina e Caribe 0,43
as oportunidades das mulheres nas esferas eco- Ásia Meridional 0,46
IEG 2006 nômica e política.
África Subsaariana 0,56
Para o tema específico da eqüidade entre os gê- As três dimensões incluídas no IEG são atividade
Europa 0,58
neros – um conceito complexo, multifacetado e econômica, empoderamento e educação. Os valores
difícil de mensurar – e com o objetivo de contribuir possíveis do IEG variam de 0 a 100, com 0 represen- Leste Asiático e Pacífico 0,59
para o debate e o monitoramento consistente da tando o menor grau de eqüidade e 100 o mais alto. Ásia Central 0,62
situação da mulher, o Observatório da Cidadania/ Os resultados obtidos pelo IEG 2006 indicam América do Norte 0,63
Social Watch desenvolveu o índice de eqüidade que Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca são os Total 0,53
de gênero (IEG). países com índices mais altos. Os países nórdicos
26-46
47-57
58-64
65-73
74-89
Sem dados
As desigualdades de gênero no Brasil, como em toda parte do mundo, são fruto de relações de poder enraizadas na cultura
e na história. Uma de suas principais características é encontrar sempre novas formas de se reproduzir em todos os campos
das relações humanas. Perceber e atuar sobre os mecanismos dessa reprodução constitui o grande desafio para a efetivação
de uma sociedade com eqüidade de gênero.
Cristina Buarque*
PANORAMA MUNDIAL
É necessário reconhecer que a promoção da O índice de eqüidade de gênero (IEG) encontra-se entre os instrumentos aceleradores da revelação
eqüidade no âmbito das relações de poder, como dos indicativos para mobilização de ações por parte das forças que hoje interagem no vasto
as relações de gênero, exige, por princípio, a insta- campo político em favor da eqüidade de gênero. Composto por três indicadores – educação,
lação de um processo político. Esse começa com a atividades econômicas e empoderamento –, o IEG nos possibilita analisar em que patamar estão
rejeição da parte que se reconhece oprimida a essa sendo efetivados os direitos sociais, econômicos, culturais e políticos das mulheres. Tomando o
condição e vai, paulatinamente, tomando formas e ano de 1990 como referência e os últimos dados disponíveis, o relatório 2006 do Observatório
definindo conteúdos à medida que se legitima como da Cidadania/Social Watch nos oferece avaliações sobre o IEG em 149 países, permitindo-nos
ação qualificadora da vida democrática. refletir sobre os avanços na eqüidade de gênero e sobre as estagnações e retrocessos das
No caso das populações femininas, tal dinâmica desigualdades de forma comparativa no tempo, no espaço e entre os indicadores.
se expressa na busca das mulheres de se situarem no A primeira observação a ser feita é que, até o momento, nenhum dentre os países avaliados
lugar de sujeito sociopolítico, por meio da construção atingiu a eqüidade, mesmo que alguns poucos já apresentem um movimento ascendente sig-
de formas próprias de organização. Isso atinge a na- nificativo, e um percentual expressivo manifeste uma leve tendência à diminuição do fosso que
tureza da própria relação, que é tradicionalmente a de separa mulheres e homens.
sujeitos-homens com não-sujeitos-mulheres. Em outras palavras, não temos nenhum Estado-nação que tenha cumprido completamente
Por esse caminho, o processo de desopressão com os objetivos definidos nas diversas convenções em favor da eliminação de todas as formas
alcança um primeiro patamar de mudanças no campo de discriminação contra a mulher. Contudo, a Suécia, com o índice de eqüidade de gênero
legal, por meio da conquista de direitos pelas mulhe- no patamar de 89 pontos – faltando apenas 11 pontos para revelar uma situação equânime
res. A trajetória de efetivação desses direitos mantém –, classifica-se em 1º. lugar no ranking, encabeçando os países com melhor desempenho no
a área de conflito, que passa a ser redefinida pela computo dos três indicadores.
defesa do texto das leis e pelas resistências (as mu- O Brasil, com 68 pontos, classifica-se em 50º lugar, colocando-se junto daqueles países cujo
danças nele contidas) fundadas nas condicionantes desempenho está acima da média. Por último, vem o Iêmen, com 26 pontos. Entre os países com
culturais de gênero das esferas privada e comunitária, desempenho acima da média e os de pior desempenho encontra-se ainda um número relevante
assim como da esfera público-governamental. sob a classificação abaixo da média.
Nas duas primeiras, as resistências se estabe- Na América Latina, o IEG brasileiro é superado por quatro países: Colômbia com 77 pontos;
lecem pela ameaça que a situação das mulheres, Panamá com 72; Argentina com 71; e Uruguai com 70. Dessa forma, o Brasil assume o 5ª lugar no
como titulares de direitos, representa para a auto- continente. O que mais pesa positivamente na classificação geral do Brasil e o que o impede de obter
ridade masculina sobre elas mesmas, assim como um melhor lugar no ranking pode ser identificado na análise de cada um dos indicadores.
para a exclusividade dos homens nos lugares de
liderança. No espaço público-governamental, as
resistências operam mediadas pela histórica pre- sujeitos — produz a capacidade política de an- que as desigualdades entre mulheres e homens são
dominância masculina nos espaços de definição, tecipar ações voltadas para inibir a consolidação constrangedoras da justiça social, nos países ricos
planejamento e execução das políticas e se expres- de novas formas de desigualdades. O ponto de e pobres, e inibidoras das transformações políticas
sam pela negação da legitimidade das mulheres inflexão histórico nesse percurso se realiza com o e econômicas de cunho popular a que se pretenda
de constituírem-se como portadoras de propostas descondicionamento cultural do sistema de gênero, qualquer país. Dessa forma, as desigualdades de
próprias de interesse do conjunto da população. da perspectiva patriarcal. gênero presentes em todo o mundo – como revela
Das tensões desse processo surgem, em Assim, os caminhos para a efetivação da eqüi- a avaliação 2006 do índice de eqüidade de gênero
todas as esferas e de maneira combinada, avanços dade de gênero exigem a construção de mecanismos (IEG)1 – comprometem a razão democrática da
no sentido da eqüidade e novos mecanismos de muito complexos, pois esses devem ser variados, maioria dos Estados-nações.
reprodução das desigualdades entre homens e combinados e contínuos para fazer face ao papel
mulheres, paralelamente aos indicativos para novas estruturante e abrangente que um sistema de gênero Acesso ao saber, forma de superação
mobilizações em favor da eqüidade. — quando preso ao princípio patriarcal de mediação Historicamente, a primeira proposta de promoção
A aceleração na identificação desses indi- das relações humanas — joga como interdito das da eqüidade de gênero no Brasil esteve ligada ao
cativos — seja por parte dos governos, seja por transformações sociais, econômicas e políticas campo da educação e partiu das mulheres já em
parte da organização das mulheres ou de outros almejadas pela maioria das pessoas nas sociedades meados do século XIX, mediante a luta pelo direito
atuais, sejam elas mulheres ou homens.
O amplo reconhecimento da proposta feminista
* Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco. Secretária- de se construir a vida em sociedade com eqüidade de 1 Conforme informações do capítulo Medidas do Progresso,
executiva do Projeto Mulher & Democracia. gênero se baseia na compreensão contemporânea de no CD que acompanha este relatório.
de acesso à escola. Os caminhos para a efetivação quando se pondera que o curso superior é um acima da média. Esses dois últimos, também, se
desse direito nos diversos graus educacionais espaço de pessoas adultas, pode-se deduzir que encontram, como o Brasil, dentre os melhores
revelam como em dois séculos as resistências as mulheres apresentam grande disposição para no indicador educação.
foram se reprogramando e os avanços exigindo, investir na sua educação. Isso, a médio e longo
sempre mais, a definição e a implementação de prazos — dependendo dos investimentos no setor Empoderamento, ponto crucial
novos e específicos mecanismos, nem sempre voltados para a incorporação do gênero como Não obstante todas as diferenças entre países como
todos pertencentes aquele campo. categoria de análise e de referência às práticas o Brasil e a Suécia, inclusive nos indicadores de IEG
Hoje, está completamente assimilada à cultura educativas — poderá resultar numa educação – educação, atividades econômicas e empodera-
a idéia de que as mulheres fazem “bom uso” da transformadora, acelerando a produção da eqüi- mento –, a grande disparidade entre eles em relação
educação, sendo a sua formação reconhecida dade no conjunto da sociedade. ao IEG especificamente, se revela no campo do em-
como importante para a sociedade. No entanto, Sem dúvida, a educação é o indicador mais poderamento, com destaque para os itens mulheres
os conteúdos sexistas-pratriarcais do processo forte para que o Brasil tenha alcançado um IEG em posição de decisão política governamental e
educacional brasileiro se mantêm em todos os no valor de 68 pontos, devendo-se reconhecer mulheres com assento no parlamento. Esses, na
graus, operando como eficientes reprogramadores como um adendo a esse resultado o fato de as atualidade, são, sem dúvida, os pontos cruciais para
de desigualdades de gênero. mulheres, em todas as classes sociais no Brasil, a elevação ou rebaixamento do índice de eqüidade
Esse fenômeno se revela de forma transparen- defenderem, prioritariamente, o seu acesso ao de gênero em grande parte dos países.
te, por exemplo, no fato de as mulheres constituírem saber como caminho para a superação de sua A Tabela 12 mostra no indicador educação os
a maioria do corpo discente nas universidades, condição de opressão-exploração. dados de educação superior; no indicador empo-
correspondendo, assim, à sua participação ma- deramento, aqueles referentes à participação de
joritária na população, mas optarem por cursos Permanece a desvantagem no trabalho mulheres em posições de decisão governamental
mais ligados aos seus papéis tradicionais. Tais Na avaliação sobre as desigualdades na participa- e mulheres com assento nos parlamentos; e no in-
desigualdades se revelam na presença minoritária ção de mulheres nas atividades econômicas não- dicador atividades econômicas não-agrícolas foram
das mulheres nas carreiras técnicas e tecnológicas agrícolas e no acesso à renda, o Brasil se junta aos considerados dados para ocupação e renda.
e dos homens na maioria das outras carreiras, man- países abaixo da média. Observando-se a relação Tomando a Suécia como referência de uma
tendo um desequilíbrio na relação mulheres/homens em cada um desses dois componentes do indica- situação de paridade e o Iêmen como de disparidade
perante o mercado de trabalho. Dessa maneira, dor, temos, primeiro, que as mulheres continuam nos dois itens de empoderamento considerados;
diferentemente de outras componentes, a educação em desvantagem no acesso ao mercado de traba- e, como pano de fundo, o componente educação
não-sexista é um vetor estratégico imprescindível lho, mesmo que se registre uma certa tendência superior e os de atividades econômicas – pois existe
para gerar paridade, inclusive nos outros campos, à eqüidade expressa pela diferença decrescente um maior equilíbrio entre todos –, voltemos nossas
demandando, por isso, a mobilização de ações que entre as taxas de ocupação feminina e masculina observações para cotejar os dados do Brasil com os
venham permiti-la a exercer esse papel. dos anos de 1990 (40,2% para as mulheres contra dos demais quatro países da América Latina.
Focando, objetivamente, os dados apresen- 59,2% para os homens) e 2003 (46,9% para as No que se refere ao percentual de mulheres em
tados por este relatório, o Brasil situa-se entre mulheres contra 53,1 para os homens). posições de decisão política e como ministras, o
os países que apresentam as melhores situações Já no componente renda, comparando-se Brasil, com 11,4%, situa-se melhor que a Argentina
educacionais entre mulheres e homens. Os dados os dados de 1993 e 2003, identificamos que a e o Uruguai. Contudo, se consultarmos os dados de
de 2005, compilados neste relatório, indicam que distância entre os ganhos de mulheres e homens 1995, vemos que o Brasil apresenta um retrocesso,
dentre a população alfabetizada, as mulheres apresenta-se estagnada em um patamar discrimi- visto que as avaliações daquele ano indicavam uma
apresentam uma razão positiva de 1,03 em rela- natório significativo, qual seja: as mulheres rece- participação das brasileiras da ordem de 13%. No
ção aos homens. Entretanto, como esse valor é bem apenas 43% do que os homens ganham. que diz respeito a assentos no parlamento e de acor-
o mesmo da avaliação de 1990, estamos diante Nesse indicador, nenhum dos países da do com o quadro acima, as brasileiras, com apenas
de um quadro de estagnação. América Latina se classificou entre os me- 8,6% de participação, apresentam a pior situação
No que se refere à participação de mulheres e lhores. Procedendo a uma rápida análise da de desvantagem em relação aos homens. Porém,
homens na educação primária, o quociente calcu- classificação do Brasil em relação aos seus
lado no ano 2000 é de 0,93, ou seja a desvantagem parceiros de continente, observamos que ele
das mulheres é mais presente. Para a educação se encontra em situação equivalente a outros 2 A Tabela 1 foi elaborada a partir de dados presentes no ca-
pítulo Medidas do Progresso, no CD que acompanha este
média em 2002, a relação de 1,09 é mais satisfa- nove países; melhor do que seis classificados relatório. Foram considerados, porém, apenas os dados
tória e na educação superior, com 1,32, infere-se na pior situação; e abaixo de dois, o Uruguai e das últimas avaliações, excluindo-se algumas informações
um avanço significativo das mulheres. Ademais, a Colômbia, que se encontram entre os países consideradas dispensáveis para as análises neste artigo.
A discussão sobre financiamento e desenvolvimento é antiga na literatura econômica brasileiraNR, por dizer respeito a
uma relação central na promoção do bem-estar da sociedade e uma questão ainda não resolvida na economia. Por isso,
é preciso debater o tema a partir de uma abordagem mais ampla, na qual desenvolvimento seja mais do que crescimento
econômico.
analisa o acesso bancário da população brasileira e São duas as explicações para tal fenômeno. De
Marco Crocco*
Fabiana Santos** suas implicações em termos de exclusão financeira um lado, a adoção generalizada do mecanismo da
de sua parcela mais pobre. correção monetária, inicialmente aceita apenas para
títulos públicos. Como esse incentivo estava sendo
Parte considerável da literatura sobre financiamento Sistema financeiro revisitado aplicado indistintamente para ativos de longo e curto
e desenvolvimento considera que desenvolvimento A primeira grande transformação do SFB ocorreu prazo, não existiriam vantagens para as aplicações
se resume ao crescimento econômico. Dessa com um conjunto de reformas empreendidas entre em longo prazo. Por outro lado, pressões políticas
forma, analisa a questão do financiamento apenas 1964 e 1967. Tais reformas pretenderam facilitar o por parte do sistema financeiro resultaram em uma
sob a ótica do volume de créditos concedidos pelo processo de financiamento da atividade produtiva flexibilização da legislação em relação aos bancos
sistema financeiro. por meio de duas medidas centrais: a Lei 4.380, de de investimento, acabando por permitir que esse
O problema desse tipo de abordagem é des- agosto de 1964, que instituiu a correção monetária segmento pudesse operar em mercados de curto
considerar o fenômeno da causação cumulativa, nos contratos imobiliários de interesse social, prazo. Isso foi uma descaracterização dos objetivos
no âmbito regional ou pessoal. O simples fato criou o Banco Nacional da Habitação (BNH) e iniciais da reforma, segundo a qual os bancos de
de se aumentar a oferta de crédito, mesmo que institucionalizou o sistema financeiro da habita- investimentos deveriam atuar, exclusivamente, no
signifique no agregado um maior crescimento, ção (SFH), e a Lei 4.595, de 31 de dezembro de financiamento de longo prazo. Para tanto, suas prin-
não garante que os benefícios serão distribuídos 1964, que estabeleceu as bases para a reforma cipais fontes de recursos seriam a emissão de títulos
de forma eqüitativa. do sistema bancário. de longo prazo com correção monetária no mercado
No entanto, se o termo desenvolvimento for O diagnóstico, na época, defendia que os interno e captações no mercado externo. Essa fle-
entendido dentro de uma concepção mais ampla, baixos patamares de financiamento privado do xibilização provocou uma alteração significativa na
que vai além do crescimento econômico, outras investimento eram conseqüência de uma inefi- estrutura patrimonial dos bancos de investimento,
variáveis podem e devem ser consideradas, como ciente geração e alocação de poupança no país, ou seja, um encurtamento de seu passivo.
distribuição de renda pessoal e espacial, constru- decorrente dos elevados índices inflacionários e Como resposta à emissão de obrigações com
ções de capacidades, cidadania bancária, progresso das taxas de juros nominais limitadas, pela Lei prazos de maturação menores, os bancos passaram
tecnológico, emprego, etc. de Usura, em 12%. Esses dois fatores determi- a ter necessidade de compatibilizar temporalmente
Nesse sentido, torna-se importante discutir o navam taxas de retorno reais de ativos de longo o seu ativo, por meio da emissão de créditos com
tema financiamento e desenvolvimento por meio de prazo baixas ou negativas, o que desestimularia a prazos de maturação menores, um segmento de
quatro perspectivas: a primeira resgata a história do formação de poupança. mercado destinado, na reforma, às financeiras.
desenvolvimento do sistema financeiro brasileiro Para enfrentar tais problemas, idealizou-se a No entanto, os bancos de investimento possuíam
(SFB), procurando mostrar a sua disfuncionalidade, formação de um SFB mais segmentado, com áreas melhores condições de competição nesse mercado
entendida como incapacidade de financiar o investi- de atuação bem definidas. No cerne dessa reforma, em relação às financeiras, uma vez que, além de
mento produtivo privado de longo prazo e promover estava a intenção de criar um sistema financeiro nos captarem recursos no mercado interno em igualda-
a universalização de seus serviços; a segunda busca moldes do sistema financeiro norte-americano, no de de condições daquele segmento, também eram
discutir em que medida as recomendações das qual o investimento produtivo privado de longo autorizados, pela Resolução 63 do Banco Central,
instituições financeiras internacionais – o Banco prazo seria financiado pelo mercado de capitais. de 1967, a captar no mercado externo, que operava
Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) Para tanto, várias medidas foram implementadas, com taxas mais baixas que as domésticas.
–, relativas à implementação do padrão anglo- mas as principais foram a autorização dada a insti- De forma semelhante, os incentivos ao mer-
saxão de financiamento, são capazes de conciliar tuições de crédito para emitirem débitos indexados cado de capitais não foram capazes de torná-lo um
o crescimento e o desenvolvimento nos países em pela correção monetária, a adoção de incentivos mecanismo de financiamento do investimento de
desenvolvimento, em particular, no Brasil; a terceira fiscais para as operações de mercado aberto e a longo prazo. Apesar de um bom início, o crash de
perspectiva pretende mostrar como o sistema abertura para investimento direto e empréstimos 1971 afetou sua credibilidade, tornando-se basica-
bancário contribui para o aprofundamento das estrangeiros (Hermann, 2002). mente um mercado especulativo, pela negociação
desigualdades regionais do Brasil; a quarta e última Apesar de essa reforma ter alcançado parte de títulos no mercado secundário.
de seus objetivos em um primeiro momento, com Nesse contexto, o financiamento brasileiro
um aumento na diversificação do SFB e maior nas décadas de 1960 e 1970 se manteve centrado
segmentação, a operacionalidade do sistema no setor público e no capital externo. As boas
* Professor adjunto do Centro de Desenvolvimento e financeiro não mudou, e o financiamento de longo condições macroeconômicas externas permitiram
Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal
prazo não passou a ser efetuado pelo mercado de que esse modelo se sustentasse e garantisse
de Minas Gerais (UFMG).
capitais ou pelos bancos de investimentos. Além significativas taxas de crescimento da economia,
** Pesquisadora associada do Cedeplar/UFMG.
disso, no fim desse processo, a estrutura do SFB consubstanciadas no chamado “milagre brasileiro”
NR Interessados(as) em receber a versão completa deste
artigo, com todas as referências bibliográficas, devem se tornou mais concentrada comparativamente e na expansão econômica impulsionada pelo II
enviar e-mail para <observatorio@ibase.br>. àquela anterior a reforma. Plano Nacional de Desenvolvimento.
demonstram o papel relevante que a concentração Ceará 1,94 Ceará 1,06 Goiás 1,45
creditícia e a preferência pela liquidez exercem sobre Pernambuco 2,34 Norte 1,27 Norte 1,59
os desequilíbrios regionais no Brasil. Santa Catarina 2,68 Distrito Federal 1,80 Santa Catarina 1,93
A desigualdade regional na distribuição do Rio Grande do Sul 3,44 Santa Catarina 1,94 Bahia 1,94
crédito pode ser vista na Tabela 1, que fornece a Paraná 4,32 Bahia 2,72 Distrito Federal 2,35
participação percentual de cada unidade da federa- Bahia 4,47 Paraná 3,59 Paraná 3,42
ção (UF) e região, nos anos de 1991, 1997 e 2003, Distrito Federal 6,94 Rio Grande do Sul 3,93 Rio Grande do Sul 4,96
no total do crédito, ou seja, empréstimos e títulos
Minas Gerais 8,60 Minas Gerais 4,49 Centro-Oeste 5,13
descontados e financiamentos.
Centro-Oeste 9,95 Centro-Oeste 4,54 Minas Gerais 5,37
Fica visível a forte predominância da região
Sul 10,44 Nordeste 7,13 Nordeste 6,85
Sudeste e o concomitante crescimento dessa con-
Nordeste 10,95 Rio de Janeiro 7,87 Rio de Janeiro 8,67
centração, que variou, durante o período analisado,
de 66,87% para 75,62%. Ainda mais clara é a Rio de Janeiro 14,86 Sul 9,46 Sul 10,30
constatação de que se encontra no estado de São São Paulo 42,72 São Paulo 64,52 São Paulo 61,10
Paulo grande parte desse crédito, que, em 2003, Sudeste 66,87 Sudeste 77,60 Sudeste 75,62
equivalia a mais de 60 % do total do Brasil. Brasil 100,00 Brasil 100,00 Brasil 100,00
Salta aos olhos o fato de que, no período de Fonte: Sisbacen Elaboração própria
alta inflação (e isso pode estar refletindo problemas
de indexação), a concentração do crédito era bem
menor do que no período após a estabilização
monetária. Vale lembrar que esse processo de es- demonstra a existência de uma concentração geo- crédito para as regiões mais desenvolvidas. Apesar
tabilização representou um aumento na participação gráfica maior das atividades financeiras relacionadas da produção que possa ocorrer em uma determi-
das operações de crédito nas operações ativas dos à concentração das demais atividades econômicas. nada região, parte da relação financeira se dá nos
bancos. No entanto, o aumento se deu de maneira Além disso, houve um aumento do grau de concen- grandes centros, como São Paulo, pelo fato de
fortemente concentrada. As regiões Nordeste, tração da atividade financeira. o sistema financeiro no Brasil ser centralizado e
Norte e Centro-Oeste, por exemplo, vêem cair suas Isso ocorre pelo fato de o setor de serviços destituído de bancos regionais (exceto os bancos de
participações relativas, respectivamente, de 12%, financeiros se concentrar fortemente nos grandes investimento). Isso corrobora o argumento teórico
1,8% e 9,9% para 6,8%, 1,6% e 5,5%. Além da forte centros econômicos. No Sudeste, a concentração de que os vazamentos no setor financeiro tendem
concentração bancária observada pós-Plano Real econômica variou de 57,7%, em 1998, para a agravar os desequilíbrios regionais.
(Alves Jr., 2002), acrescentou-se uma concentração 57,2% em 2001, ao passo que a concentração A Tabela 3 demonstra que a desigualdade na dis-
na oferta de crédito. financeira passou de 61,6%, em 1998, para 69%, tribuição espacial da atividade financeira produz reflexos
A Tabela 2 demonstra a divisão entre as em 2001. Na região Norte, a de menor expressão sobre o grau de desenvolvimento da região. São Paulo
UFs e o Distrito Federal da participação em todas no âmbito nacional, a concentração econômica é o estado onde a intermediação financeira apresenta
as atividades econômicas e da participação da variou de 4,5% a 4,7%, enquanto a concentração maior peso com relação ao total das atividades produ-
intermediação financeira. A Tabela 3 apresenta, financeira passou de 1,5% para 1,7% no mesmo tivas e de serviços, 9,5%, em 2001, contra 8,2%, em
por sua vez, o peso, dentro de cada UF e do DF, período. Certamente, a Zona Franca de Manaus e as 1998. Na região Norte, em contraste, encontram-se os
da atividade de intermediação financeira no total atividades extrativistas respondem pelo resultado estados em que a relevância da intermediação financeira
de suas atividades econômicas. encontrado nessa região. na economia é menor. Todos os estados, com exceção
É interessante notar que essa concentração A menor participação de intermediação financeira de Tocantins (4,1% em 2001), apresentam, ao término
na distribuição do crédito não é reflexo apenas da se explica, como de resto para outros estados menos do período, participação da atividade financeira inferior
concentração espacial da produção. A Tabela 2 desenvolvidos da federação, pelos vazamentos de a 3% do total de atividades.
Rio Grande do Sul 7,8 5,6 7,8 6 7,8 5,9 7,9 5,4
13 Os processos de exclusão financeira mais conhecidos seriam
Centro-Oeste 7,1 17,9 6,8 15,2 7,2 11,1 7,3 9
o racionamento de crédito, redlines e blockbusting. Sobre os
Mato Grosso dois primeiros, diz Leyshon: “[…] reforçam a segregação étnica
1,1 0,6 1,1 0,6 1,1 0,6 1,1 0,6 de classes na cidade ao negar crédito a indivíduos e famílias de
do Sul
certas partes da cidade, e às vezes impede a mistura de classes
Mato Grosso 1,1 0,5 1,2 0,5 1,2 0,8 1,2 0,8 étnicas, expulsando certos grupos de algumas áreas para
preservar “o caráter” da vizinhança. O blockbusting encorajava a
Goiás 1,9 1 1,8 0,9 1,9 1,4 2 1,3
mistura étnica na expectativa de que o movimento de minorias
Distrito Federal 3 15,8 2,7 13,2 3 8,3 2,9 6,4 étnicas para mercados imobiliários locais particularmente
inativos gerasse rotatividade, à medida que famílias de classes
Fonte: IBGE Contas Regionais Brasil, 2001
médias fugissem para novas áreas suburbanas.” (2003).
Santa Catarina 2 1,8 2,8 3,1 raram crédito, dentre os quais um terço teve o pedido
Rio Grande do Sul 4,6 4,6 3,9 4,2 reprovado e 57% não tinham conta bancária – sendo
que, entre esses, 64% demonstraram interesse em
Mato Grosso do Sul 3,4 3 2,9 3,1
possuí-la –, 20 % possuíam cartão de crédito e 26%
Centro-oeste
Mato Grosso 2,9 2,5 3,4 3,9 cartão de débito (Kumar, 2004).
Goiás 3,3 3,1 3,7 3,9 Enfrentar o problema é tão central quanto
Distrito Federal 33,4 28,8 14,7 13,5
aumentar a oferta agregada de crédito no país.
Essa, juntamente com a questão da concentração
Fonte: IBGE - Contas Regionais do Brasil, 2001
como privada, que se beneficiam do caráter especu- BARNES, T. (ed.). A companion to economic geography. TOBIN, James. On efficiency of the financial system. Lloyds
Oxford: Blackwell Publishing, 2003. Bank Review, London, p. 1-15, 1984.
lativo e curto-prazista desse sistema.
LEYSHON, Andrew; THRIFT, Nigel. Financial exclusion and the ZYSMAN, John. Government, markets and growth. Ithaca:
shifting boundaries of the financial system. Environment Cornell University Press, 1983.
Referências and Planning A, v. 28, p. 1.150-1.156, 1996.
ALESSANDRINI, Pietro; ZAZZARO, Alberto. A ‘possibilist’
approach to local financial system and regional development:
the Italian experience. In: MARTIN, R. (Ed.). Money and the
space economy. New York: John Wiley and Sons, 1999.
A LÓGICA DO PRIVADO NO vocação inaugural e, seguindo a orientação
ALVES JR., Antônio José. Sistematização do debate sobre
“Sistema de Financiamento do Desenvolvimento”.
FINANCIAMENTO PÚBLICO neoliberal dominante, protagonizou o processo
In: Desenvolvimento em debate: novos rumos dos
de privatização no Brasil.
desenvolvimentos no mundo. Rio de Janeiro: BNDES, Luciana Badin* Porém, apesar de o BNDES ser uma institui-
2002. v. 2, p. 331-398. ção pública de fomento, capaz de oferecer crédito
AOKI, M. Toward an economic model of the japanese firm. a uma taxa de juros bem abaixo do mercado e
Journal of Economic Literature, Pittsburgh, American No Brasil, o financiamento público do de- com amortizações e prazos de carência compa-
Economic Association Publications, v. 28, p. 1–27, 1990.
senvolvimento tem um peso significativo. tíveis com investimentos de longo prazo, não
AOKI, M.; PATRICK, H. (Ed.). The Japanese main bank system:
Apesar de o Estado ter perdido a capacidade tem cumprido bem o seu papel. O BNDES vive
its relevance for developing and transforming economies.
Oxford: Clarendon Press, 1994. de investimento e de os recursos públicos uma ambigüidade, que se manifesta basicamente
BERLE, Adolph; MEANS, Gardiner. The modern corporation
direcionados para obras de infra-estrutura por atuar como um banco de investimento,
and private capital. New York: Macmillan, 1993. estarem minguados, a participação estatal com lucratividade e taxa de inadimplência14
BOLTHO, Andrea. Japan: an economic survey, 1953–1973. se faz presente, fundamentalmente, pelo que refletem o seu bom funcionamento como
London: Oxford University Press, 1975. BNDES, principal financiador de longo prazo. instituição financeira, mas que deixam a desejar
CROCCO, Marco. O financiamento do desenvolvimento Em 2005, esse banco público desembolsou em relação a sua missão institucional de pro-
regional no Brasil: diagnósticos e propostas. In: SICSÚ, R$ 47 bilhões, muito acima dos R$ 9,7 bi- mover programas e linhas de financiamento
João; OREIRO, José Luís; PAULA, Luiz Fernando de (Org.). lhões investidos diretamente pelo governo. voltados para o apoio a um desenvolvimento
Agenda Brasil. São Paulo: Manole, 2004.
O BNDES representa, hoje, 19% do crédito com eqüidade social e regional.
CROCCO, M.; CAVALCANTE, A.; CASTRO, C. The behaviour
total do país. As poucas informações disponíveis sobre o
of liquidity preference of banks and public and regional
development: the case of Brazil. Journal of Post Keynesian O BNDES foi criado na década de 1950, conjunto dos seus financiamentos, uma vez que
Economics, New York, v. 28, n. 2, 2005. em um contexto político e histórico no qual não há qualquer política de informação pública e
DEMIRGUÇ-KUNT, A.; MAKSIMOVIC, V. Stock market o Estado ocupava um papel central na pro- compromissos com a transparência, apontam que
development and firm financing choices. World Bank moção do desenvolvimento. Essa instituição o BNDES reproduz a lógica do mercado privado,
Economic Review, v. 10, n. 2, May 1996. por exemplo, no que diz respeito à distribuição
pública nasceu com a orientação e a missão
______. Funding growth in bank-based and market based de financiar a infra-estrutura e a indústria de regional dos seus recursos. Em 2005, confirman-
financial systems: evidence from firm level data. Washington,
base e viabilizar a consolidação do processo do a tendência nos últimos anos, o volume de
2000 (World Bank Policy Research Working Paper, 2432).
de industrialização do Brasil. Ao longo de desembolso para o Norte e o Nordeste, as regiões
sua trajetória institucional, passou por várias de menores índices de desenvolvimento humano,
orientações, priorizando setores e etapas do ficou em 4% e 8% respectivamente, ao passo que
processo de substituição de importações. Na a região mais rica, o Sudeste, recebeu 60%. O
14 O BNDES lucrou R$ 3,2 bilhões em 2005, e 90,1% de sua década de 1990, o BNDES se afastou de sua baixo desembolso também pode ser observado
carteira de operações de crédito está classificada entre os na sua área de inclusão social: em 2005, apenas
níveis de risco AA e B. 2,4%NR do orçamento do BNDES foi investido em
NR Mais informações sobre o BNDES são encontradas em projetos classificados pelo próprio banco como
artigo de Luciana Badin sobre o Brasil, publicado na edição
* Economista, pesquisadora do Ibase. de caráter social.
internacional 2006 do Social Watch, nas versões em inglês e
espanhol, incluídas no CD que acompanha este relatório.
Marcelo Paixão* médios, novas seitas religiosas, intelectuais), em vez denotando pouco interesse no estudo de assuntos
de servirem como elementos de ruptura em relação reportados às relações entre grupos étnicos e raciais.
às antigas classes dirigentes, convergiram para elas. Para diversos autores e autoras, essas questões são
Assim, a sociedade brasileira acabou evoluindo por tidas como epifenomênicas. Finalmente, em outras
Amor é tema tão falado. Mas ninguém seguiu,
circuitos fechados. vertentes – keynesiana, schumpeteriana, neo-ri-
nem cumpriu a grande lei. Cada qual ama a si
Nessa última reflexão, encontram-se os principais cardiana e cepalina –, a existência de inflexões que
próprio. Liberdade, igualdade. Onde estão? Não
pontos que animam a discussão proposta neste texto. remetam aquele tema é virtualmente nulo.
sei. (Candeia, “Filosofia do samba”)
Considerando as seculares dificuldades de nosso país Entretanto, seria um equívoco desprezar os estu-
A partir do “milagre econômico”,1 o debate em forjar a associação virtuosa entre modernização dos existentes no seio do pensamento econômico que
sobre o desenvolvimento econômico brasileiro econômica e democratização social, pergunta-se: puseram em tela a problemática das relações raciais.
transitou das dúvidas sobre se o país seria ou não quais foram os mitos e as utopias que animaram o Mais uma vez, serão destacados alguns exemplos das
gabaritado ao progresso, indo na direção do tipo de longo ciclo de modernização da sociedade brasileira, duas principais correntes de pensamento em econo-
modelo de desenvolvimento adotado. A concentração que se prolongou da década de 1930 à de 1970? Até mia: as tradições neoclássica e marxista.
de renda e da terra, os padrões culturais de consumo que ponto os problemas derivados do capitalismo à No caso da corrente neoclássica, ainda que
importados dos países mais avançados, os danos ao brasileira, de algum modo, não seriam identificáveis não seja hegemônica, existem diversos estudos que
meio ambiente, o crescimento desordenado das me- desde as antigas teorizações provenientes de nossa trataram do tema da discriminação, inclusive étnica e
trópoles, entre outras mazelas, ensinaram ao Brasil a elite intelectual em sua angústia em prol de um país racial, no mercado de trabalho e no acesso aos serviços
importância de refletir sobre a qualidade do próprio moderno? Seria factível que construíssemos pro- públicos. Esses estudos se filiam à teoria do capital
crescimento econômico, que, por si mesmo, deixava postas alternativas de desenvolvimento mantendo as humano e – quando interpretam os principais determi-
de guardar um valor intrínseco. A necessidade de reflexões sobre o modelo de relações raciais praticado nantes das desigualdades sociais ou salariais, apesar
um novo modelo de desenvolvimento tornava-se no Brasil à margem de todo o debate? de conferirem maior importância à posse de capitais
indissociável de um projeto alternativo de país, pessoais como a escolaridade ou os anos de experiência
projeto esse cujas variáveis não poderiam ser mais Economia e relações raciais na profissão – acabam igualmente reconhecendo o peso
mensuradas unicamente, ou primordialmente, por Uma superficial leitura dos temas que, afinal, são dos determinantes discriminatórios sobre as trajetórias
aspectos econômicos e financeiros, mas dialogando tratados pela teoria econômica talvez sugira a desau- ocupacionais e de remuneração das pessoas vinculadas
com vetores políticos, sociais, culturais, ambientais torização da associação entre o tema do desenvolvi- às coletividades usualmente discriminadas como mu-
e, também, éticos. mento econômico e o das relações raciais. No caso lheres, negros(as), indígenas e demais grupos étnicos
Alternativamente, a partir do milagre econômico, da teoria neoclássica, a mera definição da economia (cf. Ehenberg; Smith, 2000). No Brasil, o pioneiro dessa
uma das questões mais relevantes a serem compreen- como a ciência que trata da alocação eficiente de sorte de interpretação foi Nelson do Valle Silva (1980;
didas era, justamente, os motivos pelos quais, desde recursos escassos com finalidades alternativas já a 1992), posteriormente acompanhado por autores
a Independência, os processos de modernização do colocaria distante de um assunto nem sempre passí- como Sergei Soares (2000).
país insistiam em se fazer valer conservando fun- vel de ser compreendido mediante o puro plano das Do mesmo modo, ao se analisar a tradição
damentalmente intactas as tradicionais hierarquias ações estratégicas no aspecto material e financeiro,2 marxista, encontram-se diversos autores que en-
sociais. Retornando aos termos clássicos de Florestan englobando, em grande medida, aspectos históricos, tenderam o racismo e a discriminação racial como
Fernandes (1976; 2000), a revolução burguesa no culturais, psicológicos e até psiquiátricos. A teoria estruturais ao sistema capitalista, como Oliver Cox,
Brasil ocorrera sem sobressaltos revolucionários, tal marxista, por outro lado, que aparentemente poderia Jean Paul Sartre, Franz Fannon, Herbert Blaumer, Paul
como na Grã-Bretanha puritana e na França jacobina. ser mais aberta para semelhante inflexão, também Baran e Paul Sweezy. Resgatando a contribuição de
Antes, ao longo da história brasileira, os novos setores se mostrou refratária, tendo em vista a primazia intelectuais marxistas brasileiros, também podem ser
emergentes (diversas frações burguesas, originadas existente no interior dessa tradição das contradições mencionados Leôncio Basbaum e Florestan Fernandes
dos renovados períodos de modernização, setores estruturais do sistema capitalista, ou seja, as crises (cf. Buonicore, 2005). De resto, a necessidade de
geradas pelo próprio sistema econômico e as con- uma reflexão mais detida sobre o papel do racismo
tradições entre capital e trabalho. Assim, para além no interior das sociedades capitalistas torna-se, no
* Professor adjunto do Instituto de Economia da Univer- da historiografia econômica, o aporte marxista vem mínimo, uma imperiosa exigência, pois ele foi a
sidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ) e coordenador do
ideologia mestra do colonialismo e do imperialismo.
Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas
das Relações Raciais (Laeser) da UFRJ. Como menciona Eric Hobsbawm, argumentando
1 Sobre esse assunto, a referência a Celso Furtado (1974) é 2 Nesse ponto, o conceito clássico do sociólogo Max Weber sobre a expansão do sistema capitalista pelo mundo
obrigatória. (1996) é relevante para o debate. na segunda metade do século XIX:
Fonte: Microdados do Censo 2000. Fonte: Microdados do Censo 2000. Tabulações Laeser / IE / UFRJ Fonte: Microdados do Censo 2000. Tabulações Laeser / IE / UFRJ
Tabulações Observatório Afrobrasileiro / Laeser
Gilberto Freyre, entender que a democracia racial era um É muito importante prestar atenção à glori- negros e as negras. De acordo com os dados contidos
fato presente em nossa realidade. Nesse caso, o autor ficação que autores como César Benjamin e Darc nos Gráficos 2 e 3, vê-se que, entre os intervalos cen-
acreditava piamente em uma idéia e a seguiu, a despeito Costa fazem da obra de Gilberto Freyre e do mito sitários de 1980 e 2000, a presença negra no interior
de tantas evidências empíricas em contrário. da democracia racial. Recuperando o que já foi da população abaixo da linha de pobreza permaneceu
Outro ponto é saber, como Benjamin, que a debatido sobre a lenda da modernidade encantada, em torno de 60%; no interior da população abaixo da
democracia racial, como a formulada pelos cultura- sabe-se que o modelo brasileiro de relações raciais linha de indigência, em torno de 65%.
listas clássicos, é ilusória e, ainda assim, insistir em consagra o princípio do convívio entre pessoas de Quando se analisam os centis de rendimento dos
manter-se fiel a essa idealização. Nesse caso, há uma marcas raciais diferentes, desde que algemadas aos grupos de raça/cor (enfileirados em ordem crescente,
troca entre um mito e uma realidade de assimetrias, grilhões das hierarquias raciais. Portanto, um modelo qual o formato de uma Parada de Pen), pode-se ver no
violências e privações verdadeiras, principalmente para de desenvolvimento que se funde nessa sorte de uto- Gráfico 4 que, no ano 2000, em todas as cem faixas
suas vítimas. Assim, se as empiricamente constatáveis pia necessariamente acabará gerando, como produto desagregadas dos rendimentos de todas as fontes,
desigualdades raciais, eternamente prorrogadas, não final, o que já estava previsto em sua origem mítica: a remuneração média dos(as) afrodescendentes
podem ter desdobramentos no plano normativo, por desigualdades raciais e, por conseguinte, sociais. chegava a, no máximo, 75% da remuneração média
que uma realidade inexistente (em suma, uma mentira) Em vez de uma longa listagem, algumas evidên- dos(as) brancos(as). Eram justamente nos centis
o pode? Seria porque as idealizações democrático-ra- cias empíricas de indicadores sociais que retratam as de rendimento mais elevados que os percentuais da
ciais apontam para um mundo equânime entre os(as) disparidades raciais no Brasil contemporâneo podem remuneração média mensal dos negros e das negras
diferentes? Ora, mas se isso é realidade, por que tanta ser úteis. Por intermédio do Gráfico 1, pode-se ver tendiam a ser menores. Assim, se no primeiro centil o
intolerância à adoção do princípio da igualdade racial? que a participação de negros e negras na formação rendimento médio das pessoas negras chegava a 60%
Por que esse princípio acaba sendo entendido como da renda disponível, ao longo do período compreen- das pessoas brancas, no último centil (centésimo mais
potencialmente demolidor da paz racial brasileira? dido entre 1980 e 2000, permaneceu praticamente rico), essa mesma proporção caia para 44,7%.
Enfim, como acreditar que a democracia racial a mesma, correspondendo a não mais que 30% da Por fim, na Tabela 1, vê-se que os índices de desen-
possa ser considerada uma meta a ser alcançada, formação da renda disponível das famílias. volvimento humano (IDH) de grupos de raça/cor preta,
se os autores e as autoras que formulam essa No que tange à evolução dos indicadores de parda, negra, que é a soma de pretos(as) e pardos(as),
sentença, normativamente, discordam da validade pobreza e indigência desagregados por raça/cor, e indígenas, em 2000, apareciam nitidamente inferiores
da adoção de medidas que possam justamente levar observa-se que, ao longo do tempo, eles invaria- aos mesmos índices dos grupos de raça/cor branca e
ao alcance da meta? velmente se apresentam mais impactantes sobre os amarela. Caso formassem países diferenciados, o hiato
cuja natureza é eminentemente setorial. A outra dos conselhos gestores, tanto de políticas setoriais
Ibase
Equipe da pesquisa Pronaf * adota o princípio do desenvolvimento rural, com a como das políticas gerais de desenvolvimento nas
integração de atividades agrícolas e não agrícolas, esferas federal, estaduais e municipais.
rurais e urbanas, multissetoriais e territoriais. Nesse cenário foi criado, em 1996, o Pronaf,
O Brasil rural comporta uma diversidade de ambien- Ao longo dos últimos anos, é inegável que para atender a uma antiga reivindicação das
tes físicos, recursos naturais, agroecossistemas, o aumento da competitividade do agronegócio, organizações de trabalhadores(as) rurais. Essas
sistemas agrários, etnias, culturas, relações sociais, por meio da especialização produtiva, da adoção organizações demandavam a formulação e a
padrões tecnológicos, formas de organização social de tecnologias de ponta e da produção em larga implantação de políticas de desenvolvimento rural
e política, linguagens e simbologias. Essa diversi- escala, tem sido fundamental para obter saldos específicas para o maior segmento da agricultura
dade demonstra que o espaço rural brasileiro não no comércio exterior e para ajudar a equilibrar as brasileira, porém o mais fragilizado em termos de
é uniforme, mas plural e heterogêneo. contas externas do país. No entanto, nas regiões capacidade técnica e de inserção nos mercados
Historicamente, essa heterogeneidade se ocupadas predominantemente pelo agronegócio, agropecuários. Deve-se ressaltar que, nesse pro-
traduz na convivência, lado a lado, de projetos observa-se também uma fragilidade das redes cesso, os atores sociais rurais, por meio de suas
contraditórios que concorrem desigualmente num formadas por micro e pequenas empresas, deten- organizações e lutas, desempenharam um papel
mesmo espaço social. De um lado, a agricultura toras de inegáveis potencialidades para revitalizar decisivo na implantação do programa, considerado
patronal reproduz, no país, um modelo embasado as dinâmicas econômicas locais. uma bandeira histórica dos(as) trabalhadores(as)
na monocultura e no latifúndio, que freqüentemente Paralelamente ao modelo anteriormente citado, rurais, pois lhes permitiria o acesso aos diversos
gera degradação ambiental, exploração do trabalho destaca-se o surgimento de uma nova proposta de serviços oferecidos pelo sistema financeiro nacio-
agrícola, exclusão social e concentração da terra e desenvolvimento rural com enfoque nas diferentes nal, até então praticamente inacessíveis aos(às)
da renda. Essa matriz produtiva baseia-se em prin- dimensões da sustentabilidade (econômica, social, agricultores(as) familiares.
cípios que ignoram os conhecimentos tradicionais política, cultural, ambiental e territorial). De acordo A Lei da Agricultura Familiar e dos Empreendi-
e não aproveitam a riqueza dos ecossistemas, o que com os princípios e as práticas dessa proposta, o meio mentos Familiares Rurais (Lei 11.326), sancionada
resulta em desperdícios de energia, elevação dos rural tem um papel central na construção de um novo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 24 de
custos de produção e empecilhos para a promoção projeto de sociedade. Ele é visto como um espaço para julho de 2006, vem coroar um longo e conflituoso
do desenvolvimento sustentável. diversificar e multiplicar os sistemas de produção (não processo de consolidação de uma política pública
De outro lado, encontra-se a agricultura fami- os uniformizando) e desenvolver atividades rurais não inovadora para o meio rural brasileiro. Com essa
liar, que, apesar de muitas vezes sofrer perdas de agrícolas; viabilizar novas estratégias de conservação lei, a categoria social de agricultor familiar passa a
renda e ter dificuldades de acesso aos benefícios ambiental compatíveis com a produção sustentável; ser reconhecida legalmente – o que lhe assegura o
das políticas públicas, procura estabelecer sistemas estimular dinâmicas de inclusão social e promoção direito indiscutível de acesso a políticas públicas dife-
de produção focados na valorização do trabalho da igualdade; e gerar alternativas tecnológicas que renciadas que deverão estar articuladas em um Plano
familiar, na produção de alimentos para o próprio favoreçam a disseminação da autonomia relativa de Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
consumo e indispensáveis à segurança alimentar e produtores(as) familiares. Familiares Rurais. Por seu caráter de conquista his-
nutricional da população em geral. Além disso, pelas tórica das organizações e dos movimentos sociais
suas características, propicia a democratização do Bandeira histórica de agricultores(as) familiares e por sua importância
acesso à terra e aos demais meios de produção. Nesse embate de projetos, é preciso considerar a estratégica, o Pronaf ocupará um lugar de relevância
Esse processo histórico permite, hoje, apontar importância estratégica das políticas públicas. De um nesse elenco de políticas públicas para a sustentabi-
duas grandes tendências no que diz respeito à modo geral, pode-se dizer que, até o início da década lidade da agricultura familiar no Brasil.
implementação de projetos de desenvolvimento de 1990, não existia nenhum tipo de política pública, Desde então, a implementação do Pronaf
do espaço rural brasileiro. Uma é baseada no de- com abrangência nacional, voltada ao atendimento vem favorecendo o reconhecimento público da
senvolvimento agrícola, centrada no agronegócio, das necessidades específicas do segmento social de categoria social de agricultor familiar, bem como
agricultores(as) familiares – caracterizado de modo sua expressão econômica e social na sociedade
meramente instrumental e bastante impreciso no brasileira, na qual a agricultura familiar passou a
âmbito das entidades e órgãos públicos. representar, junto com as cadeias produtivas a ela
* Este artigo foi elaborado pela equipe da pesquisa Pronaf Com a promulgação da Constituição de 1988, interligadas, em torno de 10% do produto interno
– Resultados da etapa Paraná, organizada e executada
ocorreu um reordenamento do Estado brasileiro. A bruto (PIB) em 2003.1
pelo Ibase, em parceria com o Instituto Paranaense
de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), em orientação da nova Constituição, de descentraliza-
consultoria para a Secretaria da Agricultura Familiar ção das ações estatais, introduziu outros mecanis-
do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA). mos de gestão social das políticas públicas com
Integram a equipe: Cândido Grzybowski, Eugênia Motta, 1 GUILHOTO, Joaquim J. M.; SILVEIRA, Fernando G.; AZZO-
o objetivo de democratizar o acesso de beneficiá-
João Roberto Lopes Pinto, Lauro Mattei, Leonardo Méllo, NI, Carlos R.; ICHIHARA, Silvio M. Agricultura familiar na
Luciano Cerqueira, Márcia Tibau, Marco Antonio Aguiar, rios(as) aos recursos públicos. Em grande medida, economia. Brasil e Rio Grande do Sul. Brasília: MDA, 2005.
Nelson Giordano Delgado e Sebastião Soares. esse movimento conduziu a um aumento crescente (Estudos Nead, n. 9).
Inúmeras pesquisas – levantamentos com dados oficiais, surveys sobre vitimização etc. – indicam, para além de quaisquer
problemas com a fidedignidade do registro de dados dessa natureza, que a quantidade de crimes violentos praticados nas
grandes cidades brasileiras vem crescendo enormemente nas últimas décadas. Embora haja flutuações, temporais e espaciais,
no ritmo desse aumento nas cidades e no que diz respeito à sua distribuição intra-urbana, não há dúvida de que o crescimento
tem sido ininterrupto e atinge todo o sistema urbano do país.
Luiz Antonio Machado da Silva* sua materialidade, novas), envolvendo direta ou fundamente o lugar das favelas e das pessoas
indiretamente a força física, foi acompanhado de que nelas moram, tanto em sua objetividade
sua reunião e ressignificação no plano cognitivo, material como no plano do imaginário social.
Com razão, o ex-presidente Fernando Henrique Car- gerando um campo discursivo articulado pela Por suas implicações explosivas, introduzir
doso disse várias vezes, referindo-se aos problemas polissêmica representação de “violência urbana”. essa questão no debate não é trivial. Torna-se
que aqui serão discutidos, que “o Rio é o farol da É compreensível que, em torno desse novo tema necessário, então, qualificar a relação entre as
nação”. Assim, apesar de o crime violento ser um da agenda pública, venha se produzindo um amplo favelas e o consumo final das drogas ilícitas,
fenômeno nacional, será a partir do Rio de Janeiro e acalorado debate a respeito de variadas possibili- iniciando por um alerta: o fato de que os “ter-
– como um caso particular, mas bom para pensar dades de criação e modalidades de implementação ritórios da pobreza”, de uma maneira geral,
o conjunto das grandes cidades brasileiras – que de políticas de segurança, sempre visando recu- tendem a ser, mundo afora, mais diretamente
ele será discutido e analisado.1 perar a ordem pública, percebida como ameaçada afetados (talvez fosse melhor dizer penalizados)
Assassinatos, roubos, assaltos, seqüestros, – ou mesmo desfeita, nas posturas mais radicais pelo comércio de drogas não indica nenhuma
arrastões nas praias, brigas de jovens em bailes que insistem em um caos urbano – pelos agentes conexão causal com as referências cognitivas e
funks, confrontos armados entre quadrilhas rivais da “violência urbana”. morais que orientariam a conduta do conjunto
(ou entre elas e a polícia) e chacinas policiais contra Nesse quadro, nada mais natural que o de habitantes. Há três motivos que afastam essa
integrantes das populações de baixa renda ganharam foco das atenções esteja dirigido aos apare- conexão. Em primeiro lugar, as linhas de comando
as ruas de uma forma inusitada por sua freqüência, lhos policiais e às funções de controle social, da cadeia produtiva das drogas ilícitas estão fora
magnitude, localização espacial, potencial de ameaça controle este entendido de maneira restrita em dessas áreas e, até mesmo, do território nacional.
e repercussão na mídia local e nacional. sua dimensão coercitiva de repressão ao crime Em segundo lugar, é sabido que a localização
Esse crescimento do crime violento e seu violento. Realizar uma descrição crítica desse física do varejo está muito longe de se restringir
desbordo para áreas antes razoavelmente pro- modo de construção coletiva do problema da aos espaços urbanos mais desfavorecidos que
tegidas transformaram-no em um dos principais expansão do crime violento nas grandes cidades respondem apenas por uma maior concentração
problemas públicos contemporâneos, construído brasileiras, utilizando-se do Rio de Janeiro como desse tipo de atividade, tornando-a mais visível.
a partir da sensação de insegurança pessoal e pa- caso particular, revela que, por uma espécie de Em terceiro, tanto a estratégia locacional como
trimonial que passou a dominar as preocupações efeito bumerangue, o próprio enquadramento do o pessoal ocupado dependem do tipo de merca-
de amplas camadas da população carioca. Esse debate é um dos elementos que reproduz o pro- doria transacionada. No caso do Rio de Janeiro,
movimento de publicização de um abrangente e blema que se quer resolver. Entretanto, o centro parece estar em início uma profunda modificação
variado conjunto de condutas (nenhuma delas, em do argumento focaliza, especificamente, um dos nas características socioeconômicas do tráfico,
mais perversos efeitos dessa forma de construir o que muito provavelmente afetará sua redistri-
o crime violento como problema público. buição na geografia da cidade. Um exemplo é a
rápida expansão do comércio de drogas ilícitas
Relação problemática sintéticas (como o ecstasy, entre outras) – da
A expansão da “violência urbana” parece estar qual quase sempre participam traficantes de
* Professor e pesquisador do Instituto Universitário de umbilicalmente ligada à economia internacional classe média. Tais drogas têm a possibilidade
Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), do Programa de da droga (no caso do Rio de Janeiro, especial- de serem desterritorializadas e desconcentradas
Pós-graduação em Sociologia e Ciência Política da Univer-
mente à cocaína, que vem se acrescentar à cadeia na produção e no varejo.
sidade Candido Mendes (Ucam) e do Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio produtiva, muito mais modesta, da maconha). O Essas ressalvas, entretanto, não devem
de Janeiro (UFRJ). Contato: <lmachado@iuperj.br>. tráfico, ao mesmo tempo em que, sendo ilegal, obscurecer o reconhecimento de que, nas últimas
1 O argumento central se fundamenta, em sua maior não pode prescindir em seu funcionamento do décadas, as favelas têm sido uma espécie de base
parte, em duas pesquisas com moradores(as) de favelas recurso à violência privada, permite uma ati- de operações do crime violento relacionado ao
no Rio de Janeiro, ambas em estágio final de realização,
vidade continuada de acumulação que fornece
desenvolvidas por investigadores(as) ligados a diversas
instituições e coordenados(as) por mim, no quadro de estabilidade e permanência a essa forma de
uma colaboração entre o Iuperj, do Programa de Pós- “capitalismo aventureiro”, para usar a expressão
graduação em Sociologia e Ciência Política da Ucam e de Max Weber. Por isso, muitas outras atividades
o Ibase e financiadas, respectivamente, pela Fundação 2 Neste texto, não cabe detalhar e demonstrar empiricamen-
ilícitas violentas que raramente têm a capacidade
Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado te essa afirmativa sobre a segregação das áreas de favela.
do Rio de Janeiro (Faperj) e pela Organização das de se reproduzir sem interrupção tendem, direta Posso apenas indicar que ela ocorre pela conjugação de
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ou indiretamente, a ser absorvidas por ele. diferentes processos econômicos, políticos, jurídicos,
(Unesco). Agradeço as contribuições de Itamar Silva, Em virtude da histórica segregação espacial sociais, simbólicos etc., sobre os quais há ampla literatura.
Márcia Pereira Leite, Luís Carlos Fridman, Pedro Paulo Eles produzem um imaginário dualizado sobre a cidade
das favelas, 2 a ponta do circuito do tráfico rela-
Oliveira, Jussara Freire, Wânia Mesquita, Lia De Matos que provoca, entre outros resultados, um tratamento dife-
Rocha e Juliana Farias. A responsabilidade pelos erros, cionada ao comércio a varejo para o consumo renciado das populações faveladas por parte do conjunto
evidentemente, é minha. final tem se concentrado nelas. Isso afeta pro- das agências governamentais.
mente alarmantes porque estudos mostram que a parte em favor do bem público, de forma alinhada CENTER ON BUDGET AND POLICY PRIORITIES – CBPP.
Background on the federal budget and the return of
juventude que abandona a escola tem mais chances com a maioria dos governos europeus das décadas
the budget deficits. 2006. Disponível em: <www.cbpp.
de ficar desempregada, juntar-se a gangues, usar de 1970 e 1980. org/budget-slideshow.htm>.
drogas ilícitas e ir para a prisão. Em 2004, por exem- Com altos índices de emprego, os serviços de CHILDREN’S DEFENSE FUND. The road to dropping out. 2004.
plo, 72% de afrodescendentes do sexo masculino saúde que dependiam de seguros garantidos pelo Disponível em: <www.childrendefense.org/education/
que abandonaram a escola estavam desemprega- pagamento de empregadores(as) cobriam boa parte dropping_out.pdf>.
dos, enquanto seis em cada dez já haviam passado da população. Hoje, esses marcos da política social DAO, J. Study says 80 percent of New Orleans blacks may not
pela prisão (Eckholm, 2006). foram reduzidas a pó. Muitos(as) trabalhadores(as) return. The New York Times, 27 Jan. 2006.
O Censo 2005 do Departamento de Comércio norte-americanos(as) não têm acesso a seguro- DE LA TORRE, U. Workers abroad transform life at home.
dos Estados Unidos mostra que a pobreza aumen- saúde (e, conseqüentemente, a cuidados médicos), Suns [e-mail edition], n. 6.049, 19 June 2006.
tou substancialmente. Entre 2000 e 2004, mais porque a combinação de salários estagnados e DEEN, T. South-south flows on the rise, says UN. Suns [e-mail
edition], n. 6.042, 8 June 2006.
de 5 milhões de pessoas entraram na pobreza custos estratosféricos impede o pagamento desse
ECKHOLM, E. Plight deepens for black men, studies warn. The
(US Census Bureau, 2004). De acordo com o Insti- benefício. As escolas públicas se deterioraram, e
New York Times, 20 Mar. 2006.
tuto de Pesquisa e Políticas para Mulheres (IWPR, escolas privadas estão sendo mantidas no lugar
INSTITUTE FOR WOMEN’S POLICY RESEARCH – IWPR.
na sigla em inglês), mais de 40% de pobres vivem delas, com dinheiro do(a) contribuinte. Persistent inequalities: poverty, lack of health coverage and
em situação crítica, ganhando 50% ou menos da O Congresso aprovou um orçamento federal wage gaps plague economic recovery. 2005.
renda da linha nacional de pobreza, estabelecida permitindo que as forças políticas definam a AOD. SIROTA, D. Supply and demand solutions. The San Francisco
em US$ 20 mil anuais para uma família de quatro Ao mesmo tempo, cortou programas sociais na- Chronicle, 9 Apr. 2006.
pessoas, com duas crianças. Do ponto de vista de cionais. Essas tendências refletem indiferença em UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME – UNDP.
gênero, baixos índices de seguro-saúde, programas relação às crises emergentes e são um mau pres- Human development report 2005: international cooperation
de atenção à criança inadequados e salários baixos ságio para os esforços internos pela erradicação da at a crossroads – Aid, trade and security in an unequal
world. New York: UNDP, 2005.
estão entre os fatores que tornam mais difícil a saída pobreza e redução da exclusão social.
US CENSUS BUREAU. Income, poverty and health insurance
da pobreza para mulheres (IWPR, 2005). Mais de
coverage in the United States. 2004.
20% das crianças dos Estados Unidos vivem na
WELLNER, A. S. No exit. MotherJones, 13 Sept. 2005.
pobreza (UNDP, 2005). Disponível em: <http://www.motherjones.com/news/
update/2005/09/no_car_emergency.html>.
Perspectivas sombrias
De acordo com o Centro de Prioridades em Polí-
ticas e Orçamento (CBPP, na sigla em inglês), o
déficit do governo federal em 2005 foi de US$ 318
bilhões. O déficit projetado de 2002 a 2011 é de
US$ 3,4 trilhões, do qual muito pode ser atribuído
a cortes de impostos, aumento dos gastos com
defesa (particularmente na guerra ilegítima contra
o Iraque) e gastos em “segurança interna” e na
“guerra contra o terror”.
As perspectivas de longo prazo para a re-
dução do déficit são sombrias. Se os cortes de
impostos do governo Bush tornarem-se perma-
nentes, serão somados ao déficit mais US$ 9,6
trilhões nos próximos 20 anos, incluídos os paga-
mentos dos volumosos juros da dívida nacional. Para
reduzir esse déficit, o Congresso iniciou o corte
de US$ 39 bilhões do orçamento para os próximos
cinco anos – incluídos cortes ao auxílio-saúde, vá-
rios programas de atenção infantis e financiamento
estudantil. Tais cortes enfraquecerão ainda mais o
acesso aos serviços de saúde das famílias mais
pobres, cortando bilhões de dólares dos programas
dirigidos às pessoas de baixa renda do orçamento
fundiária, hospitais públicos, eletricidade e o pro- TRANSPARENCY INTERNATIONAL. The 2005 Transparency
International Corruption Perceptions Index. 2005.
grama de rações alimentares do Sistema Público de
Disponível em: <ww1.transparency.org/cpi/2005/cpi2005.
Distribuição. Chega a 62% o percentual de cidadãos sources.en.html>.
e cidadãs que tiveram experiência direta com o paga- TRANSPARENCY INTERNATIONAL INDIA. India Corruption
mento de suborno ou feito “uso de contato pessoal” Study 2005. 2005. Disponível em: <www.tiindia.in/data/
para conseguir um atendimento público, enquanto files/India%20Corruption%20Study-2005.pdf>.
três quartos afirmavam acreditar que a corrupção
nos serviços públicos tinha crescido durante o ano
anterior (entre 2004 e 2005).
Pesquisas, a mídia e a opinião pública têm
enfatizado que a rede de corrupção envolve não
somente funcionários(as) governamentais ao longo
de toda a hierarquia, como também políticos em
todas as esferas. Um relatório de 2006 publicado
pelo Social Watch da Índia revelava que quase 25%
de integrantes da Câmara Baixa do Parlamento (Lok
Sabha) tinham antecedentes criminais. Um grande
número de ministros do governo central e dos
governos estaduais tem enfrentado acusações de
corrupção de vários tipos recorrentemente.
O aspecto mais deprimente desse cenário pes-
simista é que a população está convencida de que
os “grandes e poderosos” sempre escaparão ilesos
desses atos de corrupção. Esse senso de aceitação
passiva é um sinal de alarme para uma boa governan-
ça e para a saúde da sociedade organizada.
Custódio Duma*
Índice de capacidades básicas (ICB) Índice de eqüidade de gênero (IEG)
Crianças que Empoderamento
Em termos de receitas previu-se para o ano de ICB = 61 atingem a 5ª série IEG = 57
2006 que o Estado arrecadasse 27.016,8 milhões
de contos (mdc), equivalente a US$ 1,077 bilhão,
dos quais 97,3% seriam referentes às receitas
correntes e 2,7% às receitas de capital. Em termos
de despesas totais o Estado prevê aplicar, em 2006,
52.530 mdc (US$ 2,095 bilhões). Desses, 50,9%
de despesas correntes; 41,5% de despesas de
investimento; e 7,6% em despesas com operações Partos assistidos por Mortalidade de
Educação Atividade econômica
financeiras.1 pessoal qualificado menores de 5 anos
de Moçambique. O governo moçambicano obriga-se a e cidadãs – uma vez que existe o potencial para A falta de critérios objetivos na distribuição dos recur-
implementar as ações descritas e com datas para sua re- atingir algumas das MDMs –, falta ética na admi- sos demonstra como esse programa será um fracasso,
alização num memorando conjunto assinado a 6 de abril nistração de recursos; falta clareza e objetividade na medida em que alguns administradores já saíram a
de 2004, com meta sobre a redução da pobreza absoluta no que realmente se pretende alcançar; e falta público declarando não saber como usar o valor numa
e melhorias na gestão das finanças públicas.16 também uma política de fiscalização e responsa- situação de pobreza extrema em que vivemos.
Embora o ambiente sociopolítico e econômico bilização de cada agente do Estado.
moçambicano seja realmente favorável a uma A alocação do orçamento descentralizado para
rápida e crescente melhoria de vida de cidadãos os distritos, mais do que um interesse de desenvolver
as áreas recônditas, demonstra a fraqueza do governo
17 Cfr. Orçamento Geral do Estado para 2006, documento para
central em abranger e atingir esses lugares, onde de fundamentação: www.npad.gov.mz.
16 Cfr. www.ipad.mne.gov.pt. fato reside a maioria da população moçambicana. CGE: Conta Geral do Estado.