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PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO PROCESSO CIVIL

ACESSO À JUSTIÇA
GARANTIAS DO PROCESSO JUSTO
NOVO MODELO PROCESSUAL

ACESSO À JUSTIÇA

1. Direito à jurisdição
O art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que
“toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja
equitativa e publicamente julgada por um Tribunal independente e imparcial que
decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em
matéria penal que contra ela seja deduzida”.
Este direito à justiça sem qualquer discriminação por motivos económicos é
uma consequência do Estado social de direito que se encontra consagrado no
art. 2º CRP. O acesso à justiça não é, aliás, o único direito fundamental
assegurado ao cidadão na área da protecção dos direitos: adequadamente, o
art. 20º/1 CRP atribui, a par da garantia de acesso aos Tribunais, uma garantia
de acesso ao próprio direito. Sem este “direito ao direito”, a garantia do acesso
aos Tribunais poderia tornar-se vazia e ilusória, dado que não importa criar as
condições para aceder aos Tribunais se, simultaneamente, não se possibilitar o
conhecimento dos direitos que se podem defender através desses órgãos. Nesta
perspectiva, percebe-se que, nos termos do art. 20º/2 CRP, a garantia do
acesso ao direito envolva o direito à informação e consultas jurídicas e, em caso
de necessidade, ao patrocínio judiciário e que o art. 6º DL 387-B/87, de 29/12,
englobe o direito à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário num mais vasto
direito à protecção jurídica.

2. Garantias do acesso à justiça


Quando considerada na perspectiva do acesso à justiça, qualquer reforma
do processo civil deve orientar-se para a eliminação dos obstáculos que
impedem, ou, pelo menos, dificultam, esse acesso. Cappellitti considera os
seguintes obstáculos ao acesso à justiça: o obstáculo económico, se os
interessados não estiverem em condições de aceder aos Tribunais por causa da
sua pobreza; o obstáculo organizatório, porque a tutela de certos interesses
colectivos ou difusos impõe uma profunda transformação nas regras e institutos
tradicionais do direito processual; finalmente, o obstáculo propriamente

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processual, porque os tipos tradicionais de processo são inadequados para
algumas tarefas de tutela.
a) Obstáculo económico:
A garantia do acesso à justiça, para ser efectiva, pressupõe a não
discriminação por insuficiência de meios económicos (art. 20º/1 CRP). O art. 6º
DL 387-B/87 garante, no âmbito da protecção jurídica, o chamado apoio
judiciário, o qual compreende a dispensa, total ou parcial, ou o diferimento do
pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (art. 15º/1 DL 387-B/87).
Este apoio judiciário destina-se a evitar que os custos relacionados com o
processo seja utilizados pela parte economicamente mais poderosa como um
meio de pressão sobre a parte mais fraca.
b) Obstáculo organizatório:
O art. 26º-A regula a legitimidade para as acções e procedimentos
cautelares destinados à tutela de interesses difusos, como os que se referem à
saúde pública, ao ambiente e qualidade de vida, ao património cultural, ao
domínio público e ao consumo de bens e serviços.
O art. 26º-A contém apenas uma norma remissiva para a lei
regulamentadora da acção popular, mas, ainda assim, apresenta a vantagem de
integrar no âmbito do processo civil a legitimidade popular, isto é, a legitimidade
para a defesa dos interesses difusos através da acção popular prevista no art.
52º/3 CRP. Esclareça-se, a propósito, que, nos termos do art. 12º/2 Lei 83/95, a
acção popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de
Processo Civil, pelo que essa legitimidade abrange qualquer acção ou
procedimento admissível na área processual civil.
c) Obstáculo processual:
O processo declarativo segue uma tramitação, comum ou especial, fixada
pela lei (art. 460º/1 CPC). Abandonada qualquer correspondência entre o direito
subjectivo e a respectiva actio, são fundamentalmente motivos ligados à
necessidade prática de adaptar a tramitação processual a certas situações
específicas que conduzem à previsão de certos processos especiais. Mas, os
processos especiais previstos na lei só abrangem certas situações particulares,
o que significa que a grande maioria das acções propostas em Tribunal é
regulada para a tramitação comum (art. 460º/2 CPC).
Segundo o art. 265º-A CPC, quando a tramitação processual prevista na lei
não se adequar às especificidades da causa, o juiz deve, mesmo oficiosamente,
determinar, depois de ouvidas as partes, a prática dos actos que melhor se
ajustem ao fim do processo e definir as necessárias adaptações no seu
procedimento. Deve entender-se que a iniciativa da adaptação pode pertencer
quer ao juiz, quer a qualquer das partes. A adaptação pode consistir tanto na
realização de actos que não sejam previstos na tramitação legal e que se
mostrem indispensáveis ao apuramento da verdade e ao acerto da decisão,
como na dispensa de actos que se revelem manifestamente inidóneos para o fim
do processo.
O art. 265º-A CPC, não o diz, mas é claro que a tramitação sucedânea tem
de respeitar estritamente a igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e, em particular,
o princípio do contraditório (art. 3º/2/3 1ª parte CPC). Mesmo que, como o art.

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265º-A CPC, o exige, a parte tenha sido previamente ouvida, ela não fica
impedida de invocar o desrespeito daqueles princípios na tramitação sucedânea.
A prática ou a omissão de um acto que implica a ofensa daqueles princípios
traduz-se numa nulidade processual (art. 201º/1 CPC), pois que são
directamente violados os preceitos que os consagram (arts. 3º/2/3 1ª parte e 3º-
A CPC) e essa violação influi certamente no exame ou decisão da causa.
Nas hipóteses de cumulação de vários objectos processuais numa mesma
acção, o problema da inadequação formal surge numa outra vertente: sempre
que uma certa situação da vida jurídica comporte aspectos a que, quando
considerados parcelarmente, correspondam processos comuns e especiais ou
diferentes processos especiais, coloca-se o problema de saber se essa
diferença formal deve impedir o seu tratamento unitário num mesmo processo. É
evidente que é desejável que motivos formais não impliquem um
desmembramento de uma mesma situação jurídica por vários processos.

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GARANTIAS DO PROCESSO JUSTO

3. Direito ao processo justo


Não basta assegurar a qualquer interessado o acesso à justiça: tão
importante como esse acesso é garantir que o processo a que se acede
apresenta, quanto à sua própria estrutura, garantias de justiça. Este direito ao
processo justo encontra-se expressamente consagrado no art. 10º Declaração
Universal dos Direitos do Homem, no art. 14º/1 Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos e no art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do
Homem. Todos estes preceitos atribuem o direito a um julgamento equitativo,
que, aliás, eles próprios concretizam nas garantias de imparcialidade e de
independência do Tribunal, de igualdade das partes, de publicidade das
audiências, do juiz legal ou natural e de proferimento da decisão num prazo
razoável.
Estes princípios são, todos eles, susceptíveis, de moldar o regime
processual. Assim, é indispensável garantir àquele que recorre aos Tribunais um
julgamento por um órgão imparcial, uma plena igualdade das partes, o direito ao
contraditório, uma duração razoável da acção, a publicidade do processo e a
efectivação do direito à prova.

4. Imparcialidade do Tribunal
A administração da justiça não é possível sem um Tribunal independente e
imparcial: a imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do
processo justo. As garantias de imparcialidade do Tribunal podem ser vistas,
quer como garantias do Tribunal perante terceiros, quer como garantias das
partes perante o Tribunal. Naquela primeira perspectiva, as garantias de
imparcialidade costumam classificar-se em materiais e pessoais: as garantias
materiais respeitam à liberdade do Tribunal perante instruções ou quaisquer
intromissões de outro órgão do estado (art. 206º CRP, art. 4º/1 EMJ – Estatuto
dos Magistrados Judiciais, Lei n.º 21/85, de 30/7, alterada pelo DL n.º 342/88, de
28/9, e pelas Leis n.º 2/90, de 20/1, e 10/94, de 5/5); as garantias pessoais
protegem o juiz em concreto: são elas a irresponsabilidade (art. 5º EMJ) e a
inamovibilidade (art. 6º EMJ).
Na perspectiva das partes, as garantias de imparcialidade referem-se à
independência do juiz e à sua neutralidade perante o objecto em causa.
Constitui ainda uma garantia das partes a chamada independência interna
do juiz. Refere-se esta às influências a que o juiz está sujeito pela sua origem,
educação ou processo de socialização. É este aspecto da independência interna
que justifica a proibição da prática de actividade político-partidárias de carácter
público e de ocupação de cargos políticos pelos magistrados judiciais em
exercício de funções (art. 11º EMJ), bem como a proibição do desempenho
pelos mesmos de qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções

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docentes ou de investigação jurídica, desde que não remuneradas (art. 218º/3
CRP, art. 13º EMJ).

5. Igualdade das partes


Ambas as partes devem possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e
deveres, isto é, cada uma delas deve situar-se numa posição de plena igualdade
perante a outra e ambas devem ser iguais perante o Tribunal. Esta igualdade
das partes, que deve ser assumida como uma concretização do princípio da
igualdade consagrado no art. 13º CRP, é agora um princípio processual com
expressão legal no art. 3º-A CPC, este preceito estabelece que o Tribunal deve
assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das
partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso dos meios de defesa
e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
Um primeiro problema suscitado pelo art. 3º-A e pela referida igualdade
substancial entre as partes é o de nem sempre é viável assegurar essa
igualdade. Em certos casos, não é possível ultrapassar certas diferenças
substanciais na posição processual das partes; noutras hipóteses, não é
possível afastar certas igualdades formais impostas pela lei.
Devem ser respeitadas todas as situações de igualdade formal entre as
partes determinadas pela lei processual. Há que observar alguns preceitos que
visam directamente a igualdade formal entre as partes (arts. 42º/2 e 512º-A/1
CPC). Portanto, também neste campo não existe qualquer possibilidade de
assegurar uma igualdade substancial entre as partes.
O art. 3º-A tem como destinatário o Tribunal, pois que é a este órgão que o
preceito atribui a função de garantir a igualdade substancial das partes. Mas
esta função pode ser entendida de duas formas bastantes distintas: se essa
função for concebida com um conteúdo positivo, aquele preceito impõe ao
Tribunal o dever de promover a igualdade entre as partes e de, eventualmente,
auxiliar a parte necessitada; se, pelo contrário, essa função for entendida com
um conteúdo negativo, só se proíbe que o Tribunal promova a desigualdade
entre as partes.
O direito português concede ao Tribunal certos poderes instrutórios (arts.
535º/1, 612º/1 e 653º/1 CPC) e inquisitórios: quanto estes últimos, resulta do
disposto nos arts. 264º/2 e 265º/3 CPC, que o Tribunal pode investigar e
considerar os factos instrumentais relevantes para a decisão da causa. Mas o
uso destes poderes instrutórios e inquisitórios é orientado, não pela necessidade
de obter a igualdade entre as partes, mas pela de procurar proferir uma decisão
de acordo com a realidade das coisas.
A expressão do princípio da igualdade deve ser procurada fora daqueles
poderes instrutórios ou inquisitórios, o que de modo algum exclui um amplo
campo de aplicação desse princípio. Esta aplicação verifica-se tanto no referido
conteúdo positivo, que impõe ao Tribunal um dever de constituir a igualdade
entre as partes, como no conteúdo negativo, que o proíbe de originar, pela sua
conduta, uma desigualdade entre as partes.
A referência à igualdade substancial que consta no art. 3º-A não pode
postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que originam

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desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais. Quer
supressão dos factores de igualdade formal, mas através de um auxílio
suplementar a favor da parte carenciada do auxílio. Essa igualdade substancial
não é obtida através de um minus imposto a uma das partes, mas de um maius
concedido à parte necessitada.
O princípio da igualdade substancial não choca com o princípio da
imparcialidade do Tribunal. Esta imparcialidade traduz-se numa independência
perante as partes, mas, no contexto do princípio da igualdade, imparcialidade
não é sinónimo de neutralidade: a imparcialidade impõe que o juiz auxilie do
mesmo modo qualquer das partes necessitadas ou, dito de outra forma, implica,
verificadas as mesmas condições, o mesmo auxílio a qualquer delas; a
neutralidade determina a passividade do juiz perante a desigualdade das partes.
Portanto, o juiz tem de ser neutro perante as situações de desigualdade que
existam ou que se possam criar entre as partes, mas deve ser imparcial perante
elas, dado que, quando tal se justifique, deve auxiliar qualquer delas.
O conteúdo negativo do princípio da igualdade substancial destina-se a
impedir que o juiz crie situações de desigualdade substancial entre as partes.
Assim, por exemplo, esse princípio obsta a que o Tribunal fixe, para cada uma
das partes, prazos diferentes para o exercício da mesma faculdade ou o
cumprimento do mesmo ónus.
Quanto às decisões sobre o mérito da causa, elas são determinadas pelos
critérios resultantes da lei ou que por ela seja permitidos, como a equidade (art.
4º CC) e a discricionariedade própria dos processos de jurisdição voluntária (art.
1410º CPC). Assim, o Tribunal só pode introduzir na sua decisão as correcções
que a lei permita ou que resultem de qualquer daqueles critérios formais de
decisão.

6. Garantia do contraditório
O direito do contraditório – que é, em si mesmo, uma decorrência do princípio
da igualdade das partes estabelecido no art. 3º-A – possui um conteúdo
multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra
ele foi proposta uma acção ou requerida uma providência e, portanto, um direito
à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a
conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição
sobre elas, ou seja um direito de resposta.
a) Direito à audição prévia:
O direito à audição prévia encontra-se consagrado no art. 3º/1 (o Tribunal
não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a
resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente
chamada para deduzir oposição) CPC in fine, embora possa sofrer as
excepções genericamente previstas no art. 3º/2 (só nos casos excepcionais
previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem
que esta seja previamente ouvida) CPC: assim, num procedimento cautelar
comum, o Tribunal só ouvirá o requerido se a audiência não puser em risco sério
o fim ou a eficácia da providência (art. 385º/1 CPC); a restituição provisória da
posse e o arresto são decretados sem a audiência da parte requerida (arts. 394º

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e 408º/1 CPC). É ainda o direito à audição prévia que justifica todos os cuidados
de que há que revestir a citação do réu e a tipificação dos casos em que se
considera que ela falta (art. 195º CPC) ou é nula (art. 198º/1 CPC) e que está
subjacente à possibilidade de interposição do recurso extraordinário de revisão
contra uma sentença proferida num processo em que tenha faltado a citação ou
esta seja nula (art. 771º-f CPC) e de oposição e anulação da execução com
base nos mesmos vícios (arts. 813º-d e 921º CPC).
b) Direito de resposta:
O contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser
efectivado se a parte não tiver conhecimento da conduta processual da
contraparte. Quanto a este aspecto, vale a regra de que cumpre à secretaria
notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, elas
possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral,
exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz,
nem de prévia citação (art. 229º/2 CPC). Concretizações desta regra constam
dos arts. 146º/5, 174º/1, 234º/1, 542º e 670º/1 CPC.
O direito de resposta consiste na faculdade, concedida a qualquer das
partes, de responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação
ou acto probatório) da contraparte. Este direito tem expressão legal, por
exemplo, no princípio da audiência contraditória das provas constante do art.
517º CPC.
O art. 3º/3 1ª parte CPC, impõe ao juiz, de modo programático, o dever de
observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do
contraditório. Significativa é também, quanto a este aspecto, a supressão dos
processos sumários e sumaríssimos como processos cominatórios plenos (arts.
784º e 794º/1 CPC): neste caso, não é o contraditório que se garante, mas as
consequências do seu exercício que se atenuam.
A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades
processuais constante do art. 201º/1 (fora dos casos previstos nos artigos
anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de
um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade
quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no
exame ou na decisão da causa) CPC: dada a importância do contraditório, é
indiscutível que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no
exame ou decisão da causa. Uma concretização desta regra encontra-se no art.
277º/3 (são nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em
que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia
determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o
exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu) CPC.

7. Duração razoável do processo


A lentidão processual encontra causa endógenas e exógenas. Como causas
endógenas podem ser referidas as seguintes: a excessiva passividade – se não
legal, pelo menos real – do juiz da acção; a orientação da actividade das partes,
não pelos fins da tutela processual, mas por razões frequentemente dilatórias;
alguns obstáculos técnicos, como os crónicos atrasos na citação do réu e a

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demora no proferimento do despacho saneador devida às dificuldades inerentes
à elaboração da especificação e do questionário. Outras causas da morosidade
processual são exteriores ao próprio processo: falta de resposta dos Tribunais
ao crescimento exponencial da litigiosidade, dada a exiguidade dos meios
disponíveis; maior complexidade do direito material e crescente uso nele de
conceitos indeterminados e de cláusulas gerais, cuja concretização, deficiência
na preparação técnica dos profissionais forenses.
Uma consequência da morosidade da justiça é o recurso cada vez mais
frequente às providências cautelares como forma de solucionar os litígios,
especialmente quando elas podem antecipar a tutela definitiva ou mesmo vir a
dispensá-la.
São várias as soluções habitualmente seguidas (ou tentadas) para obviar à
morosidade processual. Salientam-se, entre ela, as seguintes soluções: o
estabelecimento entre as fases do processo, ou mesmo no seu interior, de
regras de preclusão, que obstam a que um acto omitido possa vir a ser realizado
fora do seu momento legalmente fixado; o reforço do controlo do juiz sobre o
processo; a concentração do processo numa audiência na qual a causa possa
ser discutida e, eventualmente, decidida.
O art. 2º/1 CPC, atribui à parte o direito de obter, num prazo razoável, a
decisão da causa, o que significa que o Estado tem do dever de disponibilizar os
meios necessários para assegurar a celeridade na administração da justiça.
Assim, a concessão deste direito à celeridade processual possui, para além de
qualquer âmbito programático, um sentido preceptivo bem determinado, pelo
que a parte prejudicada com a falta de decisão da causa num prazo razoável por
motivos relacionados com os serviços da administração da justiça tem direito a
ser indemnizada pelo Estado de todos os prejuízos sofridos. Esta
responsabilidade do Estado é objectiva, ou seja, é independente de qualquer
negligência ou dolo do juiz da causa ou dos funcionários judiciais.
Para obter a indemnização dos prejuízos causados pelo atraso no
proferimento da decisão tem sido utilizada, com alguma frequência, a petição
dirigida à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 25º/1), para que
esta solicite a apreciação da violação pelo Estado português da garantia da
decisão do processo num prazo razoável pelo Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem (arts. 44º e 48º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e, se for
caso, a atribuição ao lesado de uma reparação adequada (art. 50º Convenção
Europeia dos Direitos do Homem).

8. Publicidade do processo
O Processo Civil é – diz enfaticamente o art. 167º/1 CPC – público. A
publicidade do processo tornou-se possível com a introdução da oralidade e
contínua a possuir a justificação tradicional: ela é um meio para combater o
arbítrio e assegurar a verdade e a justiça das decisões judiciais. A essa
publicidade estão subjacentes os princípios fundamentais do Estado de direito,
nomeadamente a possibilidade de um controlo popular dos órgãos que – como
sucede com os Tribunais – exercem poderes de soberania (art. 110º/1 CRP). É
nesta perspectiva que se deve entender a garantia da publicidade das

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audiências dos Tribunais, que se encontra consagrada no art. 206º CRP e no
art. 656º/1 CPC, bem como a garantia do acesso aos autos por todos os
interessados estabelecida no art. 167º/2 CPC.
A publicidade das audiências dos Tribunais constitui uma importante
garantia numa dupla dimensão: em relação às partes, ela assegura a
possibilidade de um controlo popular sobre as decisões que as afectam
directamente; relativamente à opinião pública, essa publicidade permite
combater a desconfiança na administração da justiça.
A publicidade das audiências é, no entanto, excluída quando circunstâncias
ponderosas o aconselham. Esses motivos encontram-se constitucionalmente
tipificados (art. 206º CRP) e são repetidos no respectivo preceito da lei ordinária
(art. 656º/1 CPC): são eles a salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral
pública e a garantia do normal funcionamento da audiência (art. 9º lei 3/99).
A publicidade do processo implica o direito, reconhecido a qualquer pessoa
capaz de exercer o mandato judicial ou a quem nisso revele um interesse
atendível, de exame e consulta dos autos na secretaria do Tribunal e de
obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas pelas
partes (art. 167º/2 CPC). Este acesso aos autos é, porém, limitado nos casos em
que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas,
à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública ou pôr em causa a
eficácia da decisão a proferir (art. 168º/1 CPC).

9. Direito à prova
A prova é a actividade destinada à formação da convicção do Tribunal sobre
a realidade dos factos controvertidos (art. 341º CC), isto é, dos factos que
constituem a chamada base instrutória (art. 508º-A/1-e, 508º-B/2, e 511º/1 CPC).
Essa actividade incumbe à parte onerada (art. 342º CC), que não obstará uma
decisão favorável se não satisfazer esse ónus (art. 516º; art. 346º CC).
Para cumprir o ónus da prova, a parte tem de utilizar um dos meios de prova
legal ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das partes
(art. 345º CC). Dada a importância do cumprimento do ónus para a contraparte e
para terceiros, costuma falar-se de um direito à prova. Este direito é
habitualmente deduzido, para a generalidade dos processos jurisdicionais, do
disposto no art. 6º/3-d Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que
garante ao acusado o direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de
acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa
nas mesmas condições daquelas.
O direito à prova contém limites impostos pela protecção de direitos de
terceiros: aquele direito cede perante direitos de terceiros que mereçam do
ordenamento jurídico uma tutela mais forte. Em geral, os limites do direito à
prova consubstanciam-se nas chamadas provas proibidas, que podem ser tanto
provas que são materialmente lícitas mas processualmente proibidas, como
provas que são materialmente e processualmente proibidas.
Algumas provas são materialmente lícitas, mas, apesar disso, não são
processualmente admissíveis. Estas provas podem conduzir a uma proibição de

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produção ou de valoração. Noutros casos, a prova pode ser produzida num
processo, mas não pode ser valorada numa outra acção.
Outras provas são materialmente proibidas e, portanto, ilícitas. São exemplo
de provas ilícitas todas aquelas que são obtidas através dos métodos previstos
no art. 32º/8 CRP ou no art. 519º/3 CPC.
As provas ilícitas são, em regra, insusceptíveis de ser valoradas pelo
Tribunal, isto é, não podem servir de fundamento a qualquer decisão judicial.
Mas, quanto ao real âmbito destas provas insusceptíveis de valoração, parece
haver que distinguir entre aqueles meios de prova cuja produção é, ela própria,
um acto ilícito (é o caso das provas previstas no art. 32º/8 CRP e no art. 519º/3
CPC) e aquelas provas cuja produção não representa, em si mesma, qualquer
ilicitude.

NOVO MODELO PROCESSUAL

10. Premissas gerais


As características do processo liberal, dominado pela passividade judicial,
são essencialmente as seguintes; às partes é concedido o controlo sobre o
processo e os factos relevantes para resolução do litígio e é minimizado o
contributo do juiz e de terceiros para essa resolução; a decisão requer apenas
uma legitimação dependente da observância das regras e dos pressupostos
processuais. Em contrapartida, são as seguintes as linhas essências do
processo submetido ao activismo judiciário: as partes repartem com o Tribunal o
domínio sobre o processo e ela próprias são consideradas uma fonte de
informações relevantes para a decisão da causa; as partes e terceiros estão
obrigados a um dever de cooperação com o Tribunal; a legitimação da decisão
depende da sua adequação substancial e não apenas da sua correcção formal;
as regras processuais podem ser afastadas ou adaptadas quando não se
mostrem idóneas para a justa composição do litígio.
O processo é poder. Nas sociedades modernas, submetidas ao poder
político do Estado e organizadas em torno deste, o poder jurisdicional dos juízes
é expressão de posição que o sistema jurídico lhes concede para a resolução
dos conflitos de interesses públicos e privados (art. 202º/2 CRP). Isto reconduz a
análise para o problema da legitimação do processo jurisdicional, ou seja, para a
adequação da instituição processual para realizar os fins que o Estado e a
sociedade lhe atribuem.
Os processos jurisdicionais de natureza declarativa destinam-se a obter o
proferimento de uma decisão pelo Tribunal. A correcção desta decisão depende
da sua coerência com as premissas de facto e de direito que foram adquiridas
durante o processo e da própria não contradição entre essas premissas: se essa
decisão for correcta, será possível encontrar na sua fundamentação naquelas
premissas ou, pelo menos, reconstitui-las a partir dela. A esta coerência da
decisão com as sua premissas pode chamar-se legitimação interna.
Esta legitimação assegura a coerência da decisão com as suas premissas,
mas nada garante quanto à verdade ou aceitabilidade dessas premissas e,

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portanto, daquela decisão: do facto de esta ser coerente com as suas premissas
não se segue que ela corresponda à realidade das coisas, pois que, para tal, é
necessário que estas premissas estejam, elas próprias, de acordo com tal
realidade. A esta correspondência da decisão com a realidade extra-processual
pode chamar-se legitimação externa.
O Estado social de direito que se encontra plasmado no art. 2º CRP
pressupõe uma democracia económica, social e cultural. O processo
jurisdicional não pode deixar de reflectir essas preocupações sociais e de ser
impregnado por uma concepção social: a solução dos conflitos não é uma
matéria de mero interesse dos litigantes e estes não devem ser tratados como
titulares abstractos da situação litigiosa, mas antes como indivíduos concretos
com necessidades a que o direito e o processo devem dar resposta.
O Estado social de direito representa um compromisso entre a esfera do
Estado e a da sociedade, dos grupos e dos indivíduos. Também este
compromisso se reflecte em vários aspectos dos modernos processos
jurisdicionais.

11. Cooperação inter-subjectiva


O art. 266º/1 CPC, dispõe que, na condução e intervenção no processo, os
magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes devem cooperar entre
si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do
litígio. Este importante princípio da cooperação destina-se a transformar o
processo civil numa “comunidade de trabalho” e a responsabilizar as partes e o
Tribunal pelos seus resultados. Este dever de cooperação dirige-se quer às
partes, quer ao Tribunal, pelo que importa algumas consequências quanto à
posição processual das partes perante o Tribunal, deste órgão perante aquelas
e entre todos os sujeitos processuais em comum.
a) Posição das partes:
Dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância da
boa fé (art. 266º-A – As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de
cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior – CPC). A infracção do
dever do honeste procedere pode resultar de má fé subjectiva, se ela é aferida
pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objectiva, se resulta da
violação dos padrões de comportamento exigíveis. Segundo o art. 456º/2 CPC
proémio, essa má fé pressupõe quer o dolo, quer tão-só a negligência grave.
Qualquer das referidas modalidades da má fé processual pode ser
substancial ou instrumental: é substancial, se a parte infringir o dever de não
formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (art.
456º/2-a CPC), alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a
decisão da causa (art. 456º/2-b CPC), isto é, violar o dever de verdade; é
instrumental, se a parte tiver omitido, com gravidade, o dever de cooperação
(art. 456º/2-c CPC) ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso
manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir
a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem
fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (art. 456º/2-d e art. 720º
CPC).

11
A má fé processual obriga a parte ao pagamento de uma multa e, se a parte
contrária o pedir, de uma indemnização (art. 456º/1 CPC). Esta indemnização
pode consistir, segundo a opção do juiz (art. 457º/1-b 2ª parte CPC), no
reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte
contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (art. 457º/1-a
CPC), ou no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes
prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta
da má fé (art. 457º/1-b CPC).
O dever de cooperação das partes estende-se igualmente à importante área
da prova. O art. 519º/1 CPC, estabelece, na sequência do direito do Tribunal à
coadjuvação de outras entidades (art. 206º/3 CRP), que todas as pessoas,
sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a
descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-
se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os
actos que forem determinados. Este dever de colaboração é independente da
repartição do ónus da prova (arts. 342º a 345º CC), isto é, vincula mesmo a
parte que não está onerada com a prova.
A recusa da colaboração devida pela parte implica uma de duas
consequências: se a parte recusar a sua própria colaboração, o Tribunal aprecia
livremente, para efeitos probatórios, o valor desse comportamento (art. 519º/2 1ª
parte CPC); se a violação de dever de colaboração resultar da circunstância de
a parte ter culposamente tornado impossível a prova à contraparte onerada, o
ónus da prova (art. 519º/2 in fine CPC; art. 344º/2 CC). Como o dever de
colaboração pode recair sobre a parte que não está onerada com a prova do
facto, esta inversão do ónus da prova pode implicar, com base na regra do non
liquet (art. 516º CPC; art. 346º CC), o proferimento de uma decisão de mérito
contra a parte à qual não cabia inicialmente a demonstração do facto.
O dever de cooperação da parte também encontra expressão na acção
executiva: se o exequente tiver dificuldade em identificar ou localizar os bens
penhoráveis do executado, o Tribunal pode determinar que este preste todas as
informações indispensáveis à realização da penhora, sob a comunicação de ser
considerado litigante de má fé (art. 837º-A/2 CPC).
b) Posição das partes
Existe um dever de cooperação das partes com o Tribunal, mas também há
um idêntico dever de colaboração deste órgão com aquelas. Este dever
desdobra-se, para esse órgão, em quatro deveres essenciais:
1) Um é o dever de esclarecimento, isto é, o dever de o Tribunal se
esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas
alegações, pedidos ou posições em juízo (art. 266º/2 CPC), de molde a
evitar que a sua decisão tenha por base a falta de informação e não a
verdade apurada;
2) Um outro é o dever de prevenção, ou seja, o dever de o Tribunal
prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas
alegações ou pedidos (art. 508º/1-b, 508º-A/1-c, 690º/4 e 701º/1 CPC);
3) O Tribunal tem também o dever de consultar as partes, sempre que
pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas

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não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (art. 3º/3 CPC),
porque, por exemplo, o Tribunal enquadra juridicamente a situação de
forma diferente daquela que é a perspectiva das partes ou porque esse
órgão pretende conhecer oficiosamente certo facto relevante para a
decisão da causa;
4) Finalmente, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção
das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no
cumprimento de ónus ou deveres processuais (art. 266º/4 CPC).
O dever de esclarecimento implica um dever recíproco do Tribunal perante
as partes e destas perante aquele órgão: o Tribunal tem o dever de se
esclarecer junto das partes e estas têm o dever de o esclarecer (art. 266º-A
CPC). Encontra-se consagrado, quanto ao primeiro aspecto, no art. 266º/2 CPC:
o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir qualquer das partes, seus
representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os
esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem
pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.
O segundo dos referidos aspectos (dever de esclarecimento do Tribunal pelas
partes) está previsto no art. 266º/3 CPC: as pessoas às quais o juiz solicita o
esclarecimento são obrigadas a comparecer e a prestar os esclarecimentos que
lhe forem pedidos, salvo se tiverem uma causa legítima para recusar a
colaboração requerida. Deve considerar-se legítima a recusa baseada em
qualquer das circunstâncias referidas no art. 519º/3 CPC.
O dever de prevenção, é um dever do Tribunal perante as partes com uma
finalidade assistencial, pelo que não implica qualquer dever recíproco das partes
perante o Tribunal. O dever de prevenção tem uma consagração no convite ao
aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados (arts. 508º/1-b, e 508º-A/1-c
CPC) ou das conclusões das suas alegações de recurso (arts. 690º/4, e 701º/1
CPC). Aquele primeiro convite deve ser promovido pelo Tribunal sempre que o
articulado enferme de irregularidades (art. 508º/2 CPC) ou mostre insuficiências
ou imprecisões na matéria de facto alegada (art. 508º/3 CPC).
Mas o dever de prevenção têm um âmbito mais amplo: ele vale
genericamente para todas as situações em que o êxito da acção a favor de
qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. São
quatro as áreas fundamentais em que a chamada de atenção decorrente do
dever de prevenção se justifica: a explicitação de pedidos pouco claros, o
carácter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar
o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa actuação.
O dever de consulta, é um dever de carácter assistencial do Tribunal
perante as partes. Este dever encontra-se estabelecido no art. 3º/3 CPC: salvo
no caso de manifesta desnecessidade, o Tribunal não pode decidir uma questão
de direito ou de facto, mesmo que seja de conhecimento oficioso, sem que as
partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre ela. O escopo
deste preceito é evitar as chamadas “decisões surpresa”, isto é, as decisões
proferidas sobre matéria de conhecimento oficioso sem a sua prévia discussão
pelas partes.

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O dever de auxílio, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na
supressão das eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou
faculdades ou o cumprimento de ónus ou deveres processuais.
O princípio da cooperação determina, a imposição ao Tribunal, além de um
dever de auxílio, dos deveres de esclarecimento, de prevenção e de consulta.
Coloca-se então a questão de saber quais as consequências que resultam da
omissão pelo Tribunal de qualquer destes deveres. O problema é
particularmente complexo, porque a previsão destes deveres nem sempre é uma
situação completamente definida por lei, antes faz apelo, em muitos casos, a
uma ponderação do Tribunal.
Alguns desses deveres de cooperação assentam numa previsão “fechada”,
que não deixa ao Tribunal qualquer margem de apreciação quanto à sua
verificação; outros, pelo contrário, decorrem de uma previsão “aberta”, que
necessita de ser preenchida pelo Tribunal de acordo com a sua ponderação.
Esta distinção é importante quanto aos efeitos do não cumprimento dos referidos
deveres. Se o dever for estabelecido por uma revisão “fechada” – isto é, se a
situação em que ele tem de ser observado não deixar ao Tribunal qualquer
margem de apreciação –, a sua omissão constitui uma nulidade processual, se,
como em regra sucederá, essa irregularidade puder influir ou exame ou decisão
da causa (art. 201º/1 CPC).
A violação do dever de cooperação pela parte constitui, quando seja grave,
uma das situações que a lei tipifica com má fé processual (art. 456º/2-c CPC).
Aquela gravidade da omissão do dever de cooperação pressupõe o dolo ou a
negligência grave da parte (art. 456º/2 proémio CPC).

14
12. Objecto do processo
O processo civil é regido, quanto à relevância da vontade das partes, pelo
princípio dispositivo e da disponibilidade privada: aquele primeiro assegura a
autonomia das partes na definição dos fins que elas procuram obter através da
acção pendente; este último determina o domínio das partes sobre os factos a
alegar e os meios de prova a utilizar para conseguir aqueles objectivos. Pode
dizer-se que o princípio dispositivo representa a autonomia na definição dos fins
prosseguidos no processo e que o princípio da disponibilidade objectiva
assegura o domínio das partes sobre os meios de os alcançar.
O âmbito dos poderes do Tribunal e das partes relativamente à matéria de
facto relevante para a apreciação da causa constitui um dos aspectos essenciais
de qualquer regime processual.
a) Factos relevantes:
Como resulta do estabelecido no art. 264º CPC, a solução legal baseia-se
numa distinção, talvez demasiado esquemática, entre factos essenciais,
instrumentais e complementares ou concretizadores:
- Os factos essenciais: são aqueles que integram a causa de pedir ou o
fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção
ou da excepção;
- Os factos instrumentais, probatórios ou acessórios: são aqueles
que indicam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova
indiciária destes últimos;
- Os factos complementares ou concretizadores: são aqueles cuja
falta não constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção
complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção
ou excepção.
A cada um destes factos corresponde uma função distinta:
- Os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito
invocado pelo autor ou da excepção deduzida pelo réu: sem eles não se
encontra individualizado esse direito ou excepção, pelo qual a falta da sua
alegação pelo autor determina a ineptidão inicial por inexistência de causa
a pedir (art. 193º/2-a CPC);
- Os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos
essenciais de que são complemento, a procedência da acção ou da
excepção: sem eles a acção era julgada improcedente;
- Os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função
probatória dos factos essenciais ou complementares.
Importa acentuar que esta classificação não assenta num critério absoluto,
mas relativo: um mesmo facto pode ser essencial em relação a um certo objecto
e complementar ou instrumental perante outro objecto; por seu turno, um facto é
sempre complementar ou instrumental em relação a um certo facto essencial.
· Factos principais:

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A procedência da acção ou da execução pressupõe certos factos: os factos
necessários a essa procedência podem ser designados por factos principais.
Estes factos englobam, na terminologia do art. 264º CPC, os factos essenciais e
os factos complementares, cuja distinção se traça do seguinte modo: os factos
essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada
na acção ou na excepção; os factos complementares são aqueles que são
indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o
núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
Os factos essenciais são necessários à identificação da situação jurídica
invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da acção ou
da excepção.
· Factos instrumentais:
São utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principiais, isto é,
esses factos são aqueles de cuja a prova se pode inferir a demonstração dos
correspondentes factos principais. Portanto, o âmbito de aplicação dos factos
instrumentais coincide com a prova indiciária, pelo que esses factos não
possuem qualquer relevância na prova histórica ou representativa.
As presunções judiciais são aquelas em que a inferência do facto presumido
assenta em regras de experiência, isto é, são aquelas em que o Tribunal deduz,
com base nessas regras, o facto presumido. Podem ser qualificados como
factos instrumentais aqueles que constituem a base das presunções judiciais, ou
seja, aqueles que permitem inferir, através de regras de experiência, o facto
principal constante da base instrutória (arts. 508º-A/1-e, e 508º-B/2 CPC).
b) Disponibilidade e oficiosidade:
- Factos principais:
Assente a distinção entre factos essenciais, complementares e
instrumentais, o regime legal é o seguinte:
· Incumbe às partes alegar os factos essenciais que integram a causa de
pedir ou que fundamentam a excepção (art. 264º/1 CPC);
· O Tribunal pode considerar os factos complementares que resultem da
instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste
vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado,
quanto a eles, o exercício do contraditório (art. 264º/3 CPC);
· O Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos
instrumentais que resultem da instrução e julgamento da causa (art. 264º/2
CPC).
Deste enunciado resulta claramente que a disponibilidade objectiva vale
quanto aos factos essenciais e aos factos complementares, pois que o Tribunal
não os pode considerar, quanto àqueles primeiros, se eles não forem alegados
pelas partes e, quanto a estes últimos, se a parte interessada não manifestar
vontade de se aproveitar deles. Portanto, os factos principais estão sujeitos à
disponibilidade das partes.
- Factos instrumentais:
Há que reconhecer que não é totalmente claro o âmbito dos poderes que
são conhecidos ao Tribunal pelo art. 264º/2 CPC. É certo que este preceito
estipula que o Tribunal pode considerar oficiosamente os factos instrumentais;

16
mas isto pode significar que, se os factos surgirem na instrução e discussão da
causa, o Tribunal pode considerá-los na sua decisão ainda que nenhuma das
partes o requeira, como querer dizer que o Tribunal pode promover, por iniciativa
própria, a investigação desses factos durante a instrução e discussão da causa.
A favor do reconhecimento de poderes inquisitórios do Tribunal sobre os
factos instrumentais pode invocar-se, antes de mais, a comparação entre os ns.º
2 e 3 do art. 264º CPC: neste último concede-se ao Tribunal o poder de
considerar os factos complementares, mas sujeita-se esse poder à condição de
a parte interessada desejar o seu aproveitamento na acção pendente; naquele
primeiro, atribui-se ao Tribunal o poder de considerar os factos instrumentais e
não se submete o uso desse poder a qualquer condição. É, no entanto, na
conjugação entre os arts. 264º/2 e 265º/3 CPC, que se encontra o apoio mais
firme para entender que o Tribunal possui poderes inquisitórios sobre os factos
instrumentais.
Os factos sobre os quais o Tribunal pode exercer estes poderes inquisitórios
com a finalidade de apurar a verdade ou de obter a justa composição do litígio
são precisamente os factos instrumentais.
- Factos instrutórios:
O art. 265º/3 CPC, dispõe que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo
oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à
justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Os
factos sobre os quais o Tribunal possui poderes instrutórios são não só os factos
instrumentais alegados pelas partes ou investigados pelo Tribunal, como os
factos principais alegados pelas partes.
Da conjugação entre os poderes inquisitórios atribuídos pelo art. 264º/2
CPC, e os poderes instrutórios estabelecidos no art. 265º/3 CPC, resulta o
seguinte regime legal: os poderes inquisitórios respeitam exclusivamente aos
factos instrumentais (art. 264º/2 CPC); os poderes de instrução referem-se tanto
aos factos principais, como aos factos instrumentais, o Tribunal pode não só
investigá-los, com ordenar quanto a eles as actividades instrutórias que sejam
da sua iniciativa; pelo contrário, quanto aos factos principais, o Tribunal não
possui poderes inquisitórios, pelo que, relativamente a eles, só pode ordenar as
actividades oficiosas de instrução legalmente permitidas.
c) Ónus de alegação:
Segundo o estabelecido no art. 264º/1 CPC, cabe às partes alegar os factos
que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções:
estes factos devem ser alegados nos articulados das partes (arts. 467º/1-c,
489º/1, 502º/1, 503º/1, 785º, 793º e 794º/1 CPC). Todavia, o art. 264º/1 CPC,
não abarca a totalidade do ónus de alegações que deve ser cumprido nos
articulados. Este ónus não se restringe à indicação da causa de pedir ou do
fundamento da excepção, ou seja, aos factos essenciais: ele recai sobre todos
os factos necessários à procedência da acção ou da excepção, ou seja, sobre
os factos principais. Portanto, o art. 264º/1 CPC, refere-se apenas a uma fracção
do ónus de alegação que as partes devem cumprir nos seus articulados.

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Ao contrário dos factos principais – que são submetidos ao ónus de
alegação nos articulados –, os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados
numa função probatória e, por essa razão, não estão sujeitos a esse ónus.
Os factos instrumentais não estão submetidos a qualquer ónus de alegação
nos articulados. Aliás, como a alegação dos factos instrumentais é uma
actividade instrutória, esses factos, mesmo que sejam invocados nos
articulados, podem sempre ser alterados enquanto for possível requerer os
meios de prova (arts. 508º-A/2-a, 512º/1 e 787º CPC) ou alterar ou aditar o rol
de testemunhas (arts. 512º-A/1 e 787º CPC). Portanto, mesmo que a parte
invoque um facto instrumental no seu articulado, ela não está impedida de usar
qualquer outro facto na demonstração do respectivo facto principal.
- Preclusão:
A distinção entre factos essenciais, complementares e instrumentais é
relevante quanto a vários aspectos do tratamento da matéria de facto em
processo. É o que sucede quanto ao regime da sua preclusão: o art. 264º/2
CPC, mostra que podem ser considerados factos instrumentais não alegados e,
quanto aos factos complementares, é nítido que não existe em relação a eles
qualquer preclusão quando não sejam alegados nos articulados, precisamente
porque o art. 264º/3 CPC, permite a sua consideração quando eles só sejam
adquiridos durante a instrução e discussão da causa.
Os factos essenciais devem ser invocados nos articulados (art. 264º/1 CPC),
mas importa referir que a sua omissão não implica necessariamente a preclusão
da sua alegação posterior.
Mais discutível é saber se a alegação de um facto essencial depois dos
articulados é possível mesmo que a parte tenha agido de má fé, ou seja, ainda
que a omissão da invocação desse facto tenha resultado de negligência grave
ou dolo da parte (art. 456º/2-b CPC). Parece impor-se uma resposta negativa da
questão, dado o disposto no lugar paralelo da alegação dos factos
supervenientes. Com efeito, se esses factos podem ser considerados se a sua
alegação não atempada não for culposa (art. 506º/4 CPC), isto é, se, quanto a
esses factos, só se admite uma invocação extemporânea desde que ela não
seja culposa, o mesmo há que concluir, por maioria de razão, quanto aos factos
essenciais. Assim, a alegação destes factos fora dos articulados só deve ser
aceite quando a parte não tenha agido com negligência grave ou dolo.
Portanto, a má fé da parte na omissão do facto essencial nos seus
articulados tem como consequência, além da sua condenação no pagamento de
uma multa e de uma indemnização à contraparte (art. 456º/1 CPC), a
inadmissibilidade da sua alegação posterior do facto. Neste caso, verifica-se
uma preclusão decorrente da má fé processual.
O art. 264º/3 CPC, demonstra que os factos complementares podem ser
adquiridos durante a instrução e discussão da causa, pelo que a omissão da
alegação desses factos nos articulados não implica qualquer preclusão. Importa
acentuar, no entanto, que o art. 264º/3 CPC, não concede qualquer opção
quanto ao momento da alegação desses factos, mas apenas a oportunidade de
sanar uma insuficiência na alegação da matéria de facto que só foi detectada na
instrução e discussão da causa.

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Relativamente aos factos instrumentais, o problema da preclusão
equaciona-se de modo diverso. Estes factos não são nem constitutivos da
situação jurídica alegada pela parte, nem indispensáveis à procedência da
acção ou da excepção. A sua função é apenas a de servir de prova indiciária
dos factos principais, pelo que o momento da sua relevância processual não é o
da alegação da matéria de facto, mas o da apresentação ou requerimento dos
meios de prova: é neste momento que devem ser invocados os factos
instrumentais que se pretende demonstrar com esses meios de prova (arts.
552º/2, 577º/1, 612º, 633º e 789º CPC). Portanto, a preclusão da sua alegação
só ocorre quando não for possível indicar ou requerer os meios de prova (quanto
ao processo ordinário e sumário, arts. 508º-A/2-a, 512º/1 e 787º CPC) ou alterar
os que anteriormente foram apresentados ou requeridos (quanto aos mesmos
processos, arts. 512º-A/1 e 787º CPC).

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13. Prevalência da decisão de mérito
O art. 265º/2 CPC, estabelece que o juiz providenciará, mesmo
oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais
susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à
regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação
subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los. Esta sanação
oficiosa das excepções dilatórias visa diminuir, tanto quanto possível, os casos
de absolvição da instância e favorecer, sempre que isso seja viável, a
apreciação do mérito. Segundo a doutrina tradicional, os pressupostos
processuais devem ser apreciados antes do julgamento do mérito da causa. Ou
seja, segundo esta orientação nunca é possível o proferimento de uma decisão
de mérito antes da averiguação do preenchimento de todos os pressupostos
processuais. Essa posição redunda, assim, num dogma da prioridade da
apreciação dos pressupostos processuais. Na valoração crítica deste dogma
devem ser consideradas duas situações. Uma primeira refere-se aos casos em
que o Tribunal, no momento em que conclui pelo não preenchimento de um
pressuposto processual, ainda não pode proferir qualquer decisão sobre o
mérito da causa por falta de elementos suficientes. Uma segunda situação
engloba aquelas hipóteses em que o Tribunal, no próprio momento em que
aprecia a falta de um pressuposto processual, está em condições de julgar a
acção procedente ou improcedente. Em geral, os pressupostos processuais
podem realizar uma de duas funções: esses pressupostos podem destinar-se
quer a assegurar o interesse público da boa administração da justiça, quer a
garantir o interesse público na boa administração de uma tutela adequada e útil.
A generalidade dos pressupostos processuais visa acautelar os interesses das
partes, ou seja, assegurar que a parte possa defender convenientemente os
seus interesses em juízo e não seja indevidamente incomodada com a
propositura de acções inúteis ou destituídas de objecto. É para estas situações
que o art. 288º/3, 2ª parte CPC, estipula que, ainda que a excepção dilatória
subsista, não deverá ser proferida a absolvição da instância quando, destinando-
se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro
motivo obste, no momento da sua apreciação, a que se conheça do mérito da
causa e a decisão possa ser integralmente favorável a essa parte. Segundo o
disposto no art. 288º/3 (as excepções dilatórias só subsistem enquanto a
respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo
265.º; ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instância quando,
destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo
obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da
causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte) CPC, o
Tribunal pode pronunciar-se sobre o mérito da causa, ainda que se verifique
uma excepção dilatória sanável ou não sanável. A aplicação do art. 288º/3, 2ª
parte CPC, pressupõe uma distinção entre pressupostos processuais
dispensáveis e não dispensáveis. O art. 288º/3 CPC, refere-se aos pressupostos

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processuais e às excepções dilatórias, pelo que se pode perguntar se um
idêntico regime deve valer quanto aos pressupostos de actos processuais. A
resposta deve ser negativa, porque a consequência da falta do pressuposto do
acto processual é a ineficácia do acto e o Tribunal nunca pode decidir como se o
acto não fosse ineficaz.

O REGIME DO DIREITO PORTUGUÊS SOBRE A COMPETÊNCIA


INTERNACIONAL LEGAL

14. Função
As facilidades de deslocação de pessoas, bens e capitais potenciam o
surgimento de litígios que apresentam, através quer das partes interessadas,
quer do seu próprio objecto, conexões com várias ordens jurídicas. Quando
emerge um desses litígios plurilocalizados, coloca-se o problema de determinar
qual o Tribunal que, no âmbito das várias ordens jurídicas envolvidas, tem
competência para o dirimir. Esta selecção incumbe às regras sobre a
competência internacional directa, às quais cabe determinar, em cada uma das
jurisdições com as quais o litígio tem contacto, se os Tribunais de alguma delas
são competentes para resolver o conflito. Essas regras são, por isso,
verdadeiras normas de conflitos, semelhantes na função que desempenham às
regras próprias do Direito Internacional Privado.
As regras relativas à competência internacional utilizam certos elementos de
conexão para determinar a jurisdição nacional competente. Esses elementos
podem ser, por exemplo, o domicílio de uma das partes, o lugar de cumprimento
da obrigação ou o da ocorrência do facto ilícito. Coloca-se então o problema de
saber como se procede à qualificação desses elementos de conexão, sendo
duas as orientações possíveis: de acordo com uma delas, esses elementos são
qualificados pela lex cause, ou seja, por uma lei que é determinada pelas
normas de conflitos de foro.
As regras sobre competência internacional não são, consideradas em si
mesmas, normas de competência, porque não se destinam a aferir qual o
Tribunal concretamente para apreciar o litígio, mas apenas a definir a jurisdição
na qual se determinará, então com o recurso a verdadeiras regras de
competência, qual o Tribunal competente para essa apreciação. Dada esta
função, as normas de competência internacional podem ser designadas por
normas de recepção, pois que visam somente facultar o julgamento de um certo
litígio plurilocalizado pelos Tribunais de uma jurisdição nacional. É esta a
estrutura da generalidade dos critérios que constam do art. 65º/1 CPC, e de
muitas das regras contidas nos arts. 2º a 24º Convenção de Bruxelas e da
Convenção de Lugano.

15. Limites
Para orientar a escolha da jurisdição competente para resolver o conflito
plurilocalizado não existem na comunidade internacional regras fixas e, menos
ainda, uniformes. Apenas se pode esperar que, cada Estado actue de tal forma
que os critérios definidores da sua competência internacional possam valer

21
simultaneamente como princípios de uma legislação universal. Quer isto dizer
que cada Estado pode determinar quais os elementos de conexão que considera
relevantes para abrir a sua jurisdição ao julgamento de litígios plurilocalizados.
Esses elementos podem ser escolhidos pela lei do Estado, mas também é
frequente que se reconheça relevância à vontade das partes nesta matéria: é
esse o caso da competência internacional convencional (art. 99; art. 17º
Convenção de Bruxelas e da Convenção de Lugano).

A COMPETÊNCIA E AS PARTES DA ACÇÃO DECLARATIVA

A) QUESTÕES RELATIVAS À COMPETÊNCIA


B) QUESTÕES RELATIVAS ÀS PARTES

A)QUESTÕES RELATIVAS À COMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

16. Normas de recepção


As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de
conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos Tribunais
do foro para o conhecimento de uma certa questão. As normas de conflitos que
definem as condições em que os Tribunais do foro são competentes para a
apreciação de um objecto que apresenta uma conexão com várias ordens
jurídicas podem designar-se por normas de recepção. É essa a função dos
vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A competência internacional dos
tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes
circunstâncias:

22
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo
tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de
competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de
pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção
proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua
propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem
jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou
real).
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos
Tribunais de uma certa ordem jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a
qual, quando, o caso em apreciação apresenta uma conexão relevante com uma
ordem jurídica, os seus Tribunais devem ser competentes para a acção, como
do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os Tribunais
daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que isso pode
equivaler a uma denegação de justiça. Note-se que a conexão com uma certa
ordem jurídica pode ser mais fraca do que aquela que determina a aplicação do
direito nacional ao caso sub iudice, porque não há qualquer paralelismo
necessário entre a atribuição da competência internacional e a aplicação da lei
material do foro.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no
seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da
ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com
outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que
apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que os
Tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma
relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque
não a atribuem a um Tribunal, antes se limitam a determinar as condições em
que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um
certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção preenchem,
no âmbito processual, uma função paralela àquela que as normas de conflitos
realizam no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma
relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas
aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa
ordem jurídica.
a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no
âmbito da competência internacional (porque o objecto em apreciação é uma
relação jurídica plurilocalizada) implica a utilização dos critérios específicos da
competência internacional para a atribuição de competência aos Tribunais de
uma certa ordem jurídica. Para que haja necessidade de aferir a competência
internacional dos Tribunais de um certo Estado, é indispensável que se verifique

23
um de dois factores: que a conexão com a ordem jurídica nacional seja
estabelecida através de um elemento que não é considerado relevante por
nenhuma das normas da competência territorial e que, portanto, não possa ser
atribuída competência aos Tribunais de um certo Estado utilizando
exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que o
Estado do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras de
competência internacional.
b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas
normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de
uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais
de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a
apreciação dessa mesma questão por um Tribunal estrangeiro.
c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do
processo, ou subjectiva, referida às partes em causa, com uma ou várias ordens
jurídicas estrangeiras, pode ser necessário determinar a competência
internacional dos Tribunais portugueses. Essa aferição deve restringir-se às
situações em que os Tribunais portugueses não são competentes segundo as
regras da competência interna, pois que, como se verificou, só importa averiguar
a competência internacional quando os Tribunais de uma certa ordem jurídica
não sejam competentes para apreciar uma relação jurídica plurilocalizada
segundo as suas regras de competência territorial. Essa é a função dos critérios
constantes do art. 65º/1 CPC.
A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é determinada,
segundo uma ordem decrescente de aplicação pratica, pelos critérios da
exclusividade (art. 65º/1-b CPC), do domicílio do réu (art. 65º/1-a CPC), da
causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

17. Critério da exclusividade


Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal
quando os Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes para a
apreciação da causa (arts. 65º/1-b, 65º-A CPC). A competência internacional
resulta, assim, da coincidência com as regras de competência exclusiva
constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados
interesses através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania.
Nesse sentido, ela é semelhante à reserva de ordem pública do Estado do
reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f
CPC).
O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses
para as seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
bens imóveis sitos em território português;

24
b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência,
relativamente a pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas
ou sociedades cuja sede esteja situada em território português;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo ou
ao decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que
tenham a sua sede em território português, bem como para as destinadas a
apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da
validade da inscrição em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a
registo em Portugal.
A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses
reside no seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a
competência de nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma
decisão proferida numa jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão
proferida numa jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou
se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.
Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio,
imediatamente eficaz na ordem jurídica portuguesa; para que se lhe conceda
essa eficácia é necessária a sua revisão e confirmação, nos termos e nas
condições do correspondente processo de revisão de sentenças estrangeiras
(arts. 1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art.
1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que
essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português (que é uma das
Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda a
competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

18. Critério do domicílio do réu


Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos
Tribunais portugueses quando o réu ou algum dos réus tenha domicílio em
território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou
pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).
Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação
das regras da competência territorial não resultar a atribuição de competência a
um Tribunal português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC)
só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes
segundo aquelas regras.
Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou
gerais (arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts.
85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for
aplicável o critério territorial geral e se da sua aplicação resultar a atribuição de
competência a um Tribunal português, está determinado, sem necessidade de
aplicação do critério do domicílio do réu, o Tribunal que é territorial e
internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério de
competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu não
tem domicílio em Portugal), essa competência também nunca poderá resultar do

25
critério de competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a
CPC).
Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a
competência internacional nunca pode ser determinada pelo critério do domicílio
do demandado, seja porque aplicação daquele critério territorial torna
dispensável a aferição da competência internacional, seja porque, quando é
impossível empregar o critério territorial, também é impossível aplicar aquele
critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais,
também aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses critérios
resulta a atribuição de competência a um Tribunal português, não importa
averiguar a competência internacional deste Tribunal segundo nenhum dos
critérios enunciados no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação concreta
for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a atribuição
de competência a um Tribunal português, justifica-se aferir a competência
internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio do demandado
(art. 65º/1-a CPC).
O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art.
65º/1-a CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio do
réu e também não pode ser aplicado quando um critério territorial especial
atribua competência a um Tribunal português. Em conclusão: o critério de
domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso
concreto for aplicável um critério territorial especial e da aplicação deste não
resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à
determinação da competência segundo o critério do domicílio do demandado
não pode operar no âmbito de aplicação material das Convenção de Bruxelas e
de Convenção de Lugano: nesta situação, a única competência exclusiva
relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas
e de Convenção de Lugano.
O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do
domicílio do demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa
colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se localize em território português
ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.

19. Critério da causalidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos
que a constituem, tiver sido praticado em território português (art. 65º/1-c CPC).
Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses são internacionalmente
competentes quando, apesar de o facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte
dos danos se produziram em Portugal (RC – 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o
contrato de seguro foi celebrado em território português (Assentos/Supremo
Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).

20. Critério da necessidade

26
Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa
conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida
em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse critério
procura-se obstar à denegação de justiça decorrente da impossibilidade de
encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se então
um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.
O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por
inexistência de Tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de
competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele
apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática,
derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição
competente.

21. Tribunal territorialmente competente


Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os
Tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério
da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações
previstas no art. 65º-A. Exceptua-se desta análise a hipóteses prevista no art.
65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art. 16º/1
Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível de
ser usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial especial
(arts. 73º a 84º e 89º CPC) e da aplicação deste não resultar a atribuição de
competência a um Tribunal português.
Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo
critério da causalidade ou da necessidade, também há que averiguar qual dos
Tribunais portugueses é o territorialmente competente. Para a determinação
deste Tribunal só podem ser utilizados critérios aos quais não possa ser
concedida a dupla funcionalidade característica das normas sobre a
competência territorial, porque, de outro modo, a competência internacional dos
Tribunais portugueses já teria decorrido dessa competência territorial. Está
nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país
estrangeiro, será demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se
encontrando em território português, será demandado no do domicílio do autor,
e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente para a causa
o tribunal de Lisboa) CPC.
Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se
encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do
local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do
autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português e se o autor também tiver domicílio em território

27
estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in fine
CPC).

28
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

22. Pactos de competência


A competência interna é determinada através de um pacto de competência
(pactum de foro prorrogando). Em regra, o pacto de competência refere-se a
uma questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens jurídicas,
mas isto não significa que não haja pactos de competência referidos a relações
jurídicas plurilocalizadas.
O pacto de competência só pode incidir sobre a competência em razão do
valor e do território (art. 100º/1 CPC).
O pacto de competência só é válido se acompanhar a forma de contrato
substantivo, se este for normal, ou se tiver a forma escrita, se aquele for
consensual (art. 100º/2 CPC). Mas considera-se reduzido a escrito o acordo
constante de documentos assinados pelas partes ou o resultante de troca de
cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova
escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles
conste uma cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja
contido (arts. 110º/2, 1ª parte, e 99º/4 CPC). Além disso, o pacto de
competência deve designar as questões submetidas à apreciação do Tribunal e
o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a competência (art.
100º/2, 2ª parte CPC).
O pacto de competência contém implicitamente uma renúncia antecipada –
isto é, anterior à propositura da acção – à arguição da excepção de
incompetência relativa (art. 108º CPC), pois que é atribuída competência
territorial a um Tribunal que, sem esse contrato processual, não seria
competente. Essa renúncia exige, como requisito ad substantiam, a forma
escrita (art. 100º/2, 1ª parte CPC), pois que condiciona as possibilidades de
defesa do réu na acção proposta naquele Tribunal e, concretamente, exclui a
invocação da excepção de incompetência relativa.
A competência convencional interna é vinculada para as partes (art. 100º/3
CPC), pelo que a sua infracção determina a incompetência relativa do Tribunal
onde a acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).

23. Pactos de jurisdição


A competência convencional internacional pode ser determinada através de
um pacto de jurisdição (art. 99º/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando
considerado pela perspectiva da ordem jurídica portuguesa, atributivo ou
privativo.
O pacto é atributivo, quando concede competência a um Tribunal ou a
vários Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou
exclusiva.

29
O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais
portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art.
99º/2 CPC).
Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em
relação à ordem jurídica portuguesa, a validade de um desses pactos não é
vinculativa para os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.
O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas disponíveis
(art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a celebração de
um pacto de jurisdição sobre a generalidade das situações patrimoniais.
O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de
ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva
inconveniente grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se
essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.
O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos
Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A
CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais portugueses da sua
competência exclusiva.
Se as partes, através de uma convenção de arbitragem (art. 1º Lei da
Arbitragem Voluntária – lei 31/86, de 29/8), atribuírem competência para o
julgamento de certo litígio ou questão emergente de uma relação jurídica
plurilocalizada a um Tribunal Arbitral (funcionando em território português ou no
estrangeiro), é igualmente aplicável a esse negócio o requisito respeitante à
observância da competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-d
CPC).
O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art. 99º/3-
e in fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à ordem
jurídica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser feita
directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal específico.
Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente através de uma
remissão para o Tribunal que for competente segundo as regras de competência
vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as partes designam
globalmente os Tribunais de uma jurisdição.
O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado
por escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se reduzido a escrito o
acordo que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de
troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique
prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer
deles conste uma cláusula que remeta para algum documento que o contenha
(art. 99º/4 CPC).
Como a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da
competência internacional é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia
oficiosamente (arts. 102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração
tácita de um pacto atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela
excepção num processo pendente.

30
MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar determinada
causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da
competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa
apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência
jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição
de Tribunal Arbitral.

25. Incompetência absoluta


Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência em
razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional,
salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de jurisdição, determina a
incompetência absoluta do tribunal) CPC, a incompetência absoluta provém da
infracção das regras da competência internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC)
e da competência interna material (arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei
Orgânica dos Tribunais Judiciais) e hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A
incompetência absoluta referida no art. 101º CPC, é, naturalmente, apenas
aquela que se verifica no âmbito do processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a relação
jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do art. 65º.
A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num Tribunal de
1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou vice-versa.
Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no Tribunal comum
de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da instauração de
uma acção num Tribunal de competência especializada incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta
num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser
arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito em
julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência absoluta
deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1, 234º-A/1
CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é realizado, em
regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de
citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-A/1
CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz à
absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

26. Incompetência relativa

31
O art. 108º (A infracção das regras de competência fundadas no valor da
causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou
decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º,
determina a incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que
originam a incompetência relativa: esta incompetência resulta da infracção das
regras da competência fundadas no valor da causa (art. 68º CPC; arts. 47º e 49
LOTJ), na forma do processo aplicável (art. 68º CPC; art. 48 LOTJ), na divisão
judicial do território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de
competência ou de jurisdição (arts. 99º e 100º CPC).
Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-
se não só na competência interna, quando são infringidas as regras que
definem, de entre os vários Tribunais, qual o territorialmente competente, mas
também na competência internacional.
Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto à
competência internacional directa, a infracção de um pacto privativo de
jurisdição. Esta violação verifica-se quando, apesar de as partes terem
estipulado a competência exclusiva de um Tribunal estrangeiro para apreciar
certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.
Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competência relativa (art.
100º CPC), a correspondente incompetência não é, em princípio, de
conhecimento oficioso (art. 495º CPC). Neste caso, a incompetência pode ser
arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1
CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não havendo lugar
a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à notificação
da entrega do articulado do réu (art. 109º/2 CPC). Conjuntamente com a
alegação da incompetência relativa, as partes devem apresentar as respectivas
provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual é o Tribunal
competente para a acção (art. 111º/1 CPC).
São várias as situações em que a incompetência relativa é de conhecimento
oficioso. É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas acções relativas
a direitos reais sobre imóveis, a responsabilidade civil extra-contratual e
naquelas em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certas partes, nos processos
de recuperação da empresa e de falência, nos procedimentos cautelares e
diligências antecipadas, na determinação do Tribunal ad quem, bem como na
acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais portugueses e nas
acções executivas para a entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real.
A incompetência relativa também é de conhecimento oficioso quando
decorra da infracção das regras da competência respeitantes à forma do
processo ou do valor da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts.
48º e 49º LOTJ. Como a competência em razão do valor da causa (art. 49º
LOTJ) se reflecte na competência do Tribunal de círculo (art. 81º LOTJ) e do
Tribunal singular (art. 83º LOTJ), o art. 110º/2 (a incompetência em razão do
valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre do conhecimento
oficioso do tribunal, seja qual for a acção em que se suscite) CPC, engloba
igualmente a violação da competência destes Tribunais.

32
Finalmente, a incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos
processos em que não se verifique a citação do demandado ou requerido (art.
110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da lista do art. 234º/4
CPC, e nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro
processo (art. 110º/1-c CPC), como sucede, por exemplo, com o incidente de
habilitação (art. 372º/2 CPC).
A decisão de procedência sobre a incompetência relativa determina, em
regra, a remessa do processo para o Tribunal competente (art. 111º/3 CPC).
Exceptua-se a hipótese de a incompetência resultar da violação de um pacto
privativo de jurisdição, dado que o Tribunal português não pode enviar o
processo para o Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a consequência
desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição do
réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).

27. Preterição de Tribunal Arbitral


A preterição de Tribunal Arbitral resulta da infracção da competência de um
Tribunal Arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado
objecto. A preterição pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessário,
quando for proposta num Tribunal comum uma acção que pertence à
competência de um Tribunal Arbitral imposto por lei (art. 1525º - se o julgamento
Arbitral for prescrito por lei especial, atender-se-á ao que nesta estiver
determinado. Na falta de determinação, observar-se-á o disposto nos artigos
seguintes – CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando for
instaurada num Tribunal comum uma acção que devia ter sido proposta num
Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1º LAV).

B)QUESTÕES RELATIVAS À COMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

16. Normas de recepção

33
As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de
conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos Tribunais
do foro para o conhecimento de uma certa questão. As normas de conflitos que
definem as condições em que os Tribunais do foro são competentes para a
apreciação de um objecto que apresenta uma conexão com várias ordens
jurídicas podem designar-se por normas de recepção. É essa a função dos
vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A competência internacional dos
tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes
circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo
tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de
competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de
pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção
proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua
propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem
jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou
real).
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos
Tribunais de uma certa ordem jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a
qual, quando, o caso em apreciação apresenta uma conexão relevante com uma
ordem jurídica, os seus Tribunais devem ser competentes para a acção, como
do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os Tribunais
daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que isso pode
equivaler a uma denegação de justiça. Note-se que a conexão com uma certa
ordem jurídica pode ser mais fraca do que aquela que determina a aplicação do
direito nacional ao caso sub iudice, porque não há qualquer paralelismo
necessário entre a atribuição da competência internacional e a aplicação da lei
material do foro.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no
seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da
ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com
outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que
apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que os
Tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma
relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque
não a atribuem a um Tribunal, antes se limitam a determinar as condições em
que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um
certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção preenchem,
no âmbito processual, uma função paralela àquela que as normas de conflitos
realizam no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma
relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas

34
aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa
ordem jurídica.
a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no
âmbito da competência internacional (porque o objecto em apreciação é uma
relação jurídica plurilocalizada) implica a utilização dos critérios específicos da
competência internacional para a atribuição de competência aos Tribunais de
uma certa ordem jurídica. Para que haja necessidade de aferir a competência
internacional dos Tribunais de um certo Estado, é indispensável que se verifique
um de dois factores: que a conexão com a ordem jurídica nacional seja
estabelecida através de um elemento que não é considerado relevante por
nenhuma das normas da competência territorial e que, portanto, não possa ser
atribuída competência aos Tribunais de um certo Estado utilizando
exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que o
Estado do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras de
competência internacional.
b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas
normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de
uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais
de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a
apreciação dessa mesma questão por um Tribunal estrangeiro.
c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do
processo, ou subjectiva, referida às partes em causa, com uma ou várias ordens
jurídicas estrangeiras, pode ser necessário determinar a competência
internacional dos Tribunais portugueses. Essa aferição deve restringir-se às
situações em que os Tribunais portugueses não são competentes segundo as
regras da competência interna, pois que, como se verificou, só importa averiguar
a competência internacional quando os Tribunais de uma certa ordem jurídica
não sejam competentes para apreciar uma relação jurídica plurilocalizada
segundo as suas regras de competência territorial. Essa é a função dos critérios
constantes do art. 65º/1 CPC.
A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é determinada,
segundo uma ordem decrescente de aplicação pratica, pelos critérios da
exclusividade (art. 65º/1-b CPC), do domicílio do réu (art. 65º/1-a CPC), da
causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

17. Critério da exclusividade


Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal
quando os Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes para a
apreciação da causa (arts. 65º/1-b, 65º-A CPC). A competência internacional
resulta, assim, da coincidência com as regras de competência exclusiva
constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados
interesses através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania.

35
Nesse sentido, ela é semelhante à reserva de ordem pública do Estado do
reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f
CPC).
O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses
para as seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
bens imóveis sitos em território português;
b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência,
relativamente a pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas
ou sociedades cuja sede esteja situada em território português;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo ou
ao decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que
tenham a sua sede em território português, bem como para as destinadas a
apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da
validade da inscrição em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a
registo em Portugal.
A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses
reside no seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a
competência de nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma
decisão proferida numa jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão
proferida numa jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou
se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.
Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio,
imediatamente eficaz na ordem jurídica portuguesa; para que se lhe conceda
essa eficácia é necessária a sua revisão e confirmação, nos termos e nas
condições do correspondente processo de revisão de sentenças estrangeiras
(arts. 1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art.
1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que
essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português (que é uma das
Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda a
competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

18. Critério do domicílio do réu


Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos
Tribunais portugueses quando o réu ou algum dos réus tenha domicílio em
território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou
pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).
Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação
das regras da competência territorial não resultar a atribuição de competência a
um Tribunal português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC)
só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes
segundo aquelas regras.
Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou
gerais (arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts.
85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for

36
aplicável o critério territorial geral e se da sua aplicação resultar a atribuição de
competência a um Tribunal português, está determinado, sem necessidade de
aplicação do critério do domicílio do réu, o Tribunal que é territorial e
internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério de
competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu não
tem domicílio em Portugal), essa competência também nunca poderá resultar do
critério de competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a
CPC).
Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a
competência internacional nunca pode ser determinada pelo critério do domicílio
do demandado, seja porque aplicação daquele critério territorial torna
dispensável a aferição da competência internacional, seja porque, quando é
impossível empregar o critério territorial, também é impossível aplicar aquele
critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais,
também aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses critérios
resulta a atribuição de competência a um Tribunal português, não importa
averiguar a competência internacional deste Tribunal segundo nenhum dos
critérios enunciados no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação concreta
for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a atribuição
de competência a um Tribunal português, justifica-se aferir a competência
internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio do demandado
(art. 65º/1-a CPC).
O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art.
65º/1-a CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio do
réu e também não pode ser aplicado quando um critério territorial especial
atribua competência a um Tribunal português. Em conclusão: o critério de
domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso
concreto for aplicável um critério territorial especial e da aplicação deste não
resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à
determinação da competência segundo o critério do domicílio do demandado
não pode operar no âmbito de aplicação material das Convenção de Bruxelas e
de Convenção de Lugano: nesta situação, a única competência exclusiva
relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas
e de Convenção de Lugano.
O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do
domicílio do demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa
colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se localize em território português
ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.

19. Critério da causalidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos
que a constituem, tiver sido praticado em território português (art. 65º/1-c CPC).
Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses são internacionalmente

37
competentes quando, apesar de o facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte
dos danos se produziram em Portugal (RC – 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o
contrato de seguro foi celebrado em território português (Assentos/Supremo
Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).

20. Critério da necessidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa
conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida
em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse critério
procura-se obstar à denegação de justiça decorrente da impossibilidade de
encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se então
um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.
O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por
inexistência de Tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de
competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele
apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática,
derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição
competente.

21. Tribunal territorialmente competente


Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os
Tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério
da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações
previstas no art. 65º-A. Exceptua-se desta análise a hipóteses prevista no art.
65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art. 16º/1
Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível de
ser usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial especial
(arts. 73º a 84º e 89º CPC) e da aplicação deste não resultar a atribuição de
competência a um Tribunal português.
Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo
critério da causalidade ou da necessidade, também há que averiguar qual dos
Tribunais portugueses é o territorialmente competente. Para a determinação
deste Tribunal só podem ser utilizados critérios aos quais não possa ser
concedida a dupla funcionalidade característica das normas sobre a
competência territorial, porque, de outro modo, a competência internacional dos
Tribunais portugueses já teria decorrido dessa competência territorial. Está
nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país
estrangeiro, será demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se
encontrando em território português, será demandado no do domicílio do autor,
e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente para a causa
o tribunal de Lisboa) CPC.
Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se
encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do
local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).

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Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do
autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português e se o autor também tiver domicílio em território
estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in fine
CPC).

39
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

22. Pactos de competência


A competência interna é determinada através de um pacto de competência
(pactum de foro prorrogando). Em regra, o pacto de competência refere-se a
uma questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens jurídicas,
mas isto não significa que não haja pactos de competência referidos a relações
jurídicas plurilocalizadas.
O pacto de competência só pode incidir sobre a competência em razão do
valor e do território (art. 100º/1 CPC).
O pacto de competência só é válido se acompanhar a forma de contrato
substantivo, se este for normal, ou se tiver a forma escrita, se aquele for
consensual (art. 100º/2 CPC). Mas considera-se reduzido a escrito o acordo
constante de documentos assinados pelas partes ou o resultante de troca de
cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova
escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles
conste uma cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja
contido (arts. 110º/2, 1ª parte, e 99º/4 CPC). Além disso, o pacto de
competência deve designar as questões submetidas à apreciação do Tribunal e
o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a competência (art.
100º/2, 2ª parte CPC).
O pacto de competência contém implicitamente uma renúncia antecipada –
isto é, anterior à propositura da acção – à arguição da excepção de
incompetência relativa (art. 108º CPC), pois que é atribuída competência
territorial a um Tribunal que, sem esse contrato processual, não seria
competente. Essa renúncia exige, como requisito ad substantiam, a forma
escrita (art. 100º/2, 1ª parte CPC), pois que condiciona as possibilidades de
defesa do réu na acção proposta naquele Tribunal e, concretamente, exclui a
invocação da excepção de incompetência relativa.
A competência convencional interna é vinculada para as partes (art. 100º/3
CPC), pelo que a sua infracção determina a incompetência relativa do Tribunal
onde a acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).

23. Pactos de jurisdição


A competência convencional internacional pode ser determinada através de
um pacto de jurisdição (art. 99º/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando
considerado pela perspectiva da ordem jurídica portuguesa, atributivo ou
privativo.
O pacto é atributivo, quando concede competência a um Tribunal ou a
vários Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou
exclusiva.

40
O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais
portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art.
99º/2 CPC).
Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em
relação à ordem jurídica portuguesa, a validade de um desses pactos não é
vinculativa para os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.
O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas disponíveis
(art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a celebração de
um pacto de jurisdição sobre a generalidade das situações patrimoniais.
O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de
ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva
inconveniente grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se
essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.
O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos
Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A
CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais portugueses da sua
competência exclusiva.
Se as partes, através de uma convenção de arbitragem (art. 1º Lei da
Arbitragem Voluntária – lei 31/86, de 29/8), atribuírem competência para o
julgamento de certo litígio ou questão emergente de uma relação jurídica
plurilocalizada a um Tribunal Arbitral (funcionando em território português ou no
estrangeiro), é igualmente aplicável a esse negócio o requisito respeitante à
observância da competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-d
CPC).
O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art. 99º/3-
e in fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à ordem
jurídica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser feita
directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal específico.
Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente através de uma
remissão para o Tribunal que for competente segundo as regras de competência
vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as partes designam
globalmente os Tribunais de uma jurisdição.
O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado
por escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se reduzido a escrito o
acordo que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de
troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique
prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer
deles conste uma cláusula que remeta para algum documento que o contenha
(art. 99º/4 CPC).
Como a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da
competência internacional é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia
oficiosamente (arts. 102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração
tácita de um pacto atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela
excepção num processo pendente.

41
MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar determinada
causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da
competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa
apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência
jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição
de Tribunal Arbitral.

25. Incompetência absoluta


Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência em
razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional,
salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de jurisdição, determina a
incompetência absoluta do tribunal) CPC, a incompetência absoluta provém da
infracção das regras da competência internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC)
e da competência interna material (arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei
Orgânica dos Tribunais Judiciais) e hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A
incompetência absoluta referida no art. 101º CPC, é, naturalmente, apenas
aquela que se verifica no âmbito do processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a relação
jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do art. 65º.
A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num Tribunal de
1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou vice-versa.
Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no Tribunal comum
de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da instauração de
uma acção num Tribunal de competência especializada incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta
num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser
arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito em
julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência absoluta
deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1, 234º-A/1
CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é realizado, em
regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de
citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-A/1
CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz à
absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

26. Incompetência relativa

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O art. 108º (A infracção das regras de competência fundadas no valor da
causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou
decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º,
determina a incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que
originam a incompetência relativa: esta incompetência resulta da infracção das
regras da competência fundadas no valor da causa (art. 68º CPC; arts. 47º e 49
LOTJ), na forma do processo aplicável (art. 68º CPC; art. 48 LOTJ), na divisão
judicial do território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de
competência ou de jurisdição (arts. 99º e 100º CPC).
Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-
se não só na competência interna, quando são infringidas as regras que
definem, de entre os vários Tribunais, qual o territorialmente competente, mas
também na competência internacional.
Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto à
competência internacional directa, a infracção de um pacto privativo de
jurisdição. Esta violação verifica-se quando, apesar de as partes terem
estipulado a competência exclusiva de um Tribunal estrangeiro para apreciar
certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.
Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competência relativa (art.
100º CPC), a correspondente incompetência não é, em princípio, de
conhecimento oficioso (art. 495º CPC). Neste caso, a incompetência pode ser
arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1
CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não havendo lugar
a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à notificação
da entrega do articulado do réu (art. 109º/2 CPC). Conjuntamente com a
alegação da incompetência relativa, as partes devem apresentar as respectivas
provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual é o Tribunal
competente para a acção (art. 111º/1 CPC).
São várias as situações em que a incompetência relativa é de conhecimento
oficioso. É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas acções relativas
a direitos reais sobre imóveis, a responsabilidade civil extra-contratual e
naquelas em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certas partes, nos processos
de recuperação da empresa e de falência, nos procedimentos cautelares e
diligências antecipadas, na determinação do Tribunal ad quem, bem como na
acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais portugueses e nas
acções executivas para a entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real.
A incompetência relativa também é de conhecimento oficioso quando
decorra da infracção das regras da competência respeitantes à forma do
processo ou do valor da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts.
48º e 49º LOTJ. Como a competência em razão do valor da causa (art. 49º
LOTJ) se reflecte na competência do Tribunal de círculo (art. 81º LOTJ) e do
Tribunal singular (art. 83º LOTJ), o art. 110º/2 (a incompetência em razão do
valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre do conhecimento
oficioso do tribunal, seja qual for a acção em que se suscite) CPC, engloba
igualmente a violação da competência destes Tribunais.

43
Finalmente, a incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos
processos em que não se verifique a citação do demandado ou requerido (art.
110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da lista do art. 234º/4
CPC, e nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro
processo (art. 110º/1-c CPC), como sucede, por exemplo, com o incidente de
habilitação (art. 372º/2 CPC).
A decisão de procedência sobre a incompetência relativa determina, em
regra, a remessa do processo para o Tribunal competente (art. 111º/3 CPC).
Exceptua-se a hipótese de a incompetência resultar da violação de um pacto
privativo de jurisdição, dado que o Tribunal português não pode enviar o
processo para o Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a consequência
desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição do
réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).

27. Preterição de Tribunal Arbitral


A preterição de Tribunal Arbitral resulta da infracção da competência de um
Tribunal Arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado
objecto. A preterição pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessário,
quando for proposta num Tribunal comum uma acção que pertence à
competência de um Tribunal Arbitral imposto por lei (art. 1525º - se o julgamento
Arbitral for prescrito por lei especial, atender-se-á ao que nesta estiver
determinado. Na falta de determinação, observar-se-á o disposto nos artigos
seguintes – CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando for
instaurada num Tribunal comum uma acção que devia ter sido proposta num
Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1º LAV).

AS FORMAS DE COMPOSIÇÃO DA ACÇÃO

COMPOSIÇÃO PROVISÓRIA: PROVIDÊNCIAS CAUTELARES

50. Aspectos gerais


Nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar o
proferimento da decisão do Tribunal que resolve, de modo definitivo, aquele
conflito. Por vezes, torna-se necessário obter uma composição provisória da
situação controvertida antes do proferimento da decisão definitiva. Essa
composição justifica-se sempre que ela seja necessária para assegurar a
utilidade e a efectividade da tutela jurisdicional (art. 2º/2, in fine CPC) e, na
medida em que contribui decisivamente para o êxito dessa tutela, encontra o seu

44
fundamento constitucional na garantia do acesso ao direito e aos Tribunais (art.
20º/1 CRP).
A composição provisória realizada através das providências cautelares pode
prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de
garantir um direito, toma-se providências que garantem a utilidade da
composição definitiva; de definir uma regulação provisória, as providências
definem uma situação provisória ou transitória; ou de antecipar a tutela
pretendida ou requerida, as providências atribuem o mesmo que se pode obter
na composição definitiva.
As providências cautelares fornecem uma composição provisória. A
provisoriedade destas providências resulta quer da circunstância de elas
corresponderem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é
obtida na acção principal de que são dependentes (art. 383º/1 CPC), quer a sua
necessária substituição pela tutela que vier a ser definida nessa acção.
A tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes
do direito substantivo, porque o direito processual é o meio de tutela dessas
situações. A composição provisória realizada através das providências
cautelares não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque ela também
serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional.
Não, contudo, de uma forma imediata, porque aquela composição provisória
destina-se a garantir a eficácia e a utilidade da própria tutela processual, pelo
que é instrumental perante esta tutela e só mediante as próprias situações
jurídicas.
O objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou
tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação
provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respectivo
procedimento.
Para atingir a finalidade de evitar a lesão ou a sua continuação, a
composição provisória tem de ser concedida com celeridade: as vantagens
dessa composição serão tanto maiores quanto mais cedo ela puder garantir o
direito, regular provisoriamente a situação ou antecipar a composição definitiva.
Por isso, as providências cautelares implicam necessariamente uma apreciação
sumária (summaria cognitio) da situação através de um procedimento
simplificado e rápido.
A summaria cognitio justifica que certas providências cautelares possam ser
decretadas sem a prévia audição da contraparte, isto é, sem ser concedida a
esta parte o uso do contraditório. Esta possibilidade – que é coberta pelo desvio
ao princípio do contraditório admitido pelo art. 3º/2 CPC – encontra-se prevista
em dois níveis: num deles, proíbe-se a audição do requerido (arts. 394º e 408º/1
CPC; 1279º CC); no outro, permite-se (mas não se impõe) que a providência
seja decretada sem a audição do requerido (art. 385º/1 CPC).
Aos procedimentos cautelares são subsidiariamente aplicáveis as
disposições gerais sobre os incidentes da instância (art. 384º/3 CPC). Existem,
todavia, algumas especialidades, mesmo nos procedimentos onde são
apreciadas as providências comuns. Os procedimentos cautelares constituem
uma das situações em, que a citação do réu depende de prévio despacho

45
judicial (art. 234º/4-b CPC). Por conseguinte, o juiz, em vez de ordenar a citação,
pode indeferir liminarmente o requerimento, quando o pedido seja
manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções
dilatórias insanáveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (art. 234º-A/1
CPC).

51. Pressupostos
A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora
na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja
situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada. A finalidade específica das
providências cautelares é, por isso, a de evitar a lesão grave e dificilmente
reparável (art. 381º/1 CPC) proveniente da demora na tutela da situação jurídica,
isto é, obviar ao chamado periculum in mora. Esse dano é aquele que seria
provocado quer por uma lesão iminente quer pela continuação de uma lesão em
curso, ou seja, de uma lesão não totalmente consumada.
Se faltar o periculum in mora, ou seja, se o requerente da providência não se
encontrar, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a
necessidade da composição provisória e a providência não pode ser decretada.
Quer dizer: esse periculum é um elemento constitutivo da providência requerida,
pelo que a sua inexistência obsta ao decretamento daquela.
Nas providências cautelares existem apenas a prova sumária do direito
ameaçado, ou seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do
direito alegado (arts. 403º/2, 407º/1 e 423º/ CPC), bem como do receio da lesão
(arts. 381º/1, 384º/1, 387º/1, 406º/1, 407º/1, 421º/1 e 423º/1 CPC). As
providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação,
embora a repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente observe
as regras gerais (art. 342º/1/2 CC).
Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a
prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é
suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.
O fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem
qualquer tradução numa discricionaridade do Tribunal quanto aos fundamentos
da providência; se isso não suceder, o Tribunal não a pode decretar, ainda que
isso se pudesse justificar por outros factores.
As providências cautelares exigem todos os pressupostos processuais
gerais. Especificamente quanto ao interesse processual, importa referir que ele
falta sempre que o requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação
provisória ou a antecipação da tutela através de um meio mais adequado que o
procedimento cautelar, ou seja, quando, em função das circunstâncias, aquele
procedimento não for meio mais célere e económico para obter a tutela dos
interesses do requerente.
52. Providências especificadas
A regulamentação legal das providências cautelares assenta na seguinte
dicotomia: a lei define várias providências nominadas e admite, sempre que
nenhuma delas seja aplicável, uma providência comum de âmbito residual (art.
381º/3 CPC). As providências nominadas são a restituição provisória da posse

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(arts. 393º a 395º CPC), a suspensão de deliberações sociais (arts. 396º a 398º
CPC), os alimentos provisórios (arts. 399º a 402º CPC), o arbitramento de
reparação provisória (arts. 403º a 405º CPC), o arresto (arts. 406º a 411º CPC),
o embargo de obra nova (arts. 412º a 420º CPC) e o arrolamento (arts. 421º a
427º CPC).
No grupo das providências nominadas, algumas visam garantir a realização
de um direito, outras destinam-se a regular provisoriamente uma situação e
outras ainda procuram antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter
através da acção principal.
a) Providências de garantia
· Arresto
O arresto e o arrolamento são providências cautelares cuja finalidade
específica é garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua
execução. O arresto pode ser requerido pelo credor que demonstre a
probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua
garantia patrimonial (arts. 406º/1 CPC; 601º e 619º/1 CC). O arresto consiste na
apreensão judicial de bens do devedor (arts. 406º/2 CPC; 619º/1 CC) ou de bens
transmitidos pelo devedor a um terceiro (arts. 407º/2 CPC; 619º/2 CC)
· Arrolamento
Enquanto o arresto visa assegurar a garantia patrimonial do credor, o
arrolamento destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens, móveis ou
imóveis, ou de documentos (art. 421º/1 CPC), que, para esse efeito, são
descritos, avaliados e depositados (art. 424º/1 CPC). Essa providência visa a
conservação de bens ou documentos determinados (art. 422º/1 CPC), sendo por
isso que os credores só a podem requerer quando haja necessidade de
proceder à arrecadação de herança ou dos próprios bens (arts. 422º/2 e 427º/2
CPC; 90º e 2048º/2 CC).
b) Providências de regulação
· Restituição provisória da posse
O possuidor que for esbulhado com violência, isto é, que for violentamente
privado do exercício, da retenção ou da fruição do objecto possuído, tem o
direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, desde que alegue e prove
os factos que constituem posse, o esbulho e a violência (arts. 393º CPC; 1279º
CC). A reconstituição provisória da posse é justificada não só pela violência ou
ameaças contra as pessoas, mas também por aquela que é dirigida contra
coisas, como muros e vedações.
· Embargo de obra nova
O embargo de obra nova pode ser judicial ou extrajudicial. O embargo
judicial pode ser requerido por quem se sentir ofendido no seu direito de
propriedade (ou de compropriedade), num outro direito real ou pessoal de gozo
ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause
ou ameace causar prejuízo (art. 412º/1 CPC).
· Suspensão de deliberações sociais
Se alguma associação ou sociedade tomar, em assembleia-geral,
deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode
requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja

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suspensa, desde que, além de provar a sua qualidade de sócio, mostre que
essa execução pode causar dano apreciável (art. 396º/1 CPC).
O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de
difícil reparação. Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, não
pode ser requerida a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de
dividendos.
c) Providências de antecipação
· Alimentos provisórios
A providência de alimentos provisórios pode ser requerida como
dependência da acção em que, principal ou acessoriamente, seja pedida uma
prestação de alimentos (arts. 399º/1 CPC; 2007º/1 CC). Essa causa pode ser,
por exemplo, uma acção de reconhecimento da maternidade ou paternidade
(arts. 1821º, 1873º e 1884º/1 CC). Os alimentos provisórios são fixados numa
quantia mensal (art. 399º/1 CPC), tomando em consideração o que for
estritamente necessário para o sustento, a habitação e o vestuário do
requerente e ainda para as despesas da acção, se o autor não puder beneficiar
de apoio judiciário (art. 399º/2 CPC).
· Arbitramento de reparação
Como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão
corporal, pode o lesado, bem como aqueles que lhe podiam exigir alimentos ou
aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural,
requerer o arbitramento de uma quantia certa, sob a forma de renda mensal,
como reparação provisória do dano (art. 403º/1 CPC). O mesmo pode ser
requerido nos casos em que a pretensão indemnizatória se funda em dano
susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado (art.
403º/4 CPC).
A providência requerida é decretada se se verificar uma situação de
necessidade em consequência das lesões sofridas e se estiver indiciada a
existência da obrigação de indemnizar a cargo do requerido (art. 403º/2 CPC). O
montante da reparação provisória é fixado equitativamente e é subtraído ao
quantitativo indemnizatório que vier a ser apurado na acção principal (art. 403º/3
CPC).

53. Providências comuns


Não cabendo nenhuma das providências nominadas, a garantia da
execução da decisão final, a regulação provisória e a antecipação da tutela
podem ser obtidas através de uma providência cautelar não especificada (art.
381º/3 CPC). As providências não especificadas só podem ser requeridas
quando nenhuma providência nominada possa ser utilizada no caso concreto:
nisto consiste a subsidiariedade dessas providências.
Esta subsidiariedade pressupõe que nenhuma providência nominada seja
abstractamente aplicável e não que a providência aplicável em abstracto deixe
de o ser por motivos respeitantes ao caso concreto.
Para que uma providência cautelar não especificada possa ser decretada
são necessários, além do preenchimento das condições relativas à referida
subsidiariedade (art. 381º/3 CPC), vários pressupostos específicos:

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- O fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na
pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do
requerente (arts. 381º/1 e 387º/1 CPC);
- A adequação da providência concretamente requerida à efectividade do
direito ameaçado (art. 381º/1 CPC);
- O excesso considerável do dano que se pretende evitar com a
providência sobre o prejuízo resultante do seu decretamento (art. 387º/2
CPC).
As providências cautelares comuns destinar-se-ão primordialmente a regular
provisoriamente uma situação e a antecipar a tutela definitiva. O art. 381º/1
CPC, refere explicitamente providências com eficácia conservatória e
antecipatória do efeito da decisão principal, mas isso não parece revestir-se de
qualquer significado limitativo.
As providências cautelares não especificadas também podem ser utilizadas
para obter a antecipação da tutela de uma situação jurídica.

54. Características
a) Dependência
As providências cautelares têm por função obter uma composição provisória.
Essas providências são decretadas em processos especiais próprios (os
procedimentos cautelares, arts. 381º a 427º CPC) e, porque visam compor
provisoriamente a situação das partes, são dependência de uma acção cujo
objecto é a própria situação acautelada ou tutelada (arts. 383º/1, 399º/1, 403º/1
e 421º/2 CPC). Essa acção pode ser declarativa ou executiva (art. 383º/1 in fine
CPC), embora, nesta última, não sejam frequentes as hipóteses em que está
assegurado o interesse processual no decretamento da providência. A acção
principal pode decorrer perante um Tribunal estadual ou Arbitral.
Dada esse dependência, as providências caducam se a acção principal vier
a ser julgada improcedente (art. 389º/1-c CPC) ou se o réu for nela absolvido da
instância e o autor não propuser, dentro do prazo legal, uma nova acção (art.
389º/1-d; sobre esse prazo art. 289º/2 CPC). Se a acção principal for julgada
procedente, verifica-se, em regra a substituição da composição provisória pela
definitiva resultante dessa decisão.
As providências cautelares podem ser requeridas antes da propositura da
acção principal ou durante a pendência desta última (art. 383º/1, 2ª parte CPC),
mas nunca após o trânsito em julgado da decisão dessa acção. Como
dependência da mesma causa não pode ser requerida mais do que uma
providência relativa ao mesmo objecto, ainda que uma delas seja julgada
injustificada ou tenha caducado (art. 381º/4 CPC).
As providências cautelares podem ser solicitadas mesmo quando não esteja
pendente nenhuma acção (art. 383º/1, 2ª parte CPC). Isso possibilita a situação
em que a providência é requerida, mas a acção principal nunca chega a ser
proposta pelo requerente.
b) Celeridade
As providências cautelares são apreciadas e decretadas nos procedimentos
cautelares. Dada a celeridade indispensável a essas providências, estes

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procedimentos revestem sempre carácter urgente e os respectivos actos
precedem qualquer outro serviço judicial não urgente (art. 382º/1 CPC); como
consequência desta urgência, os prazos processuais neles previstos não se
suspendem sequer durante as férias judiciais (art. 144º/1 CPC).

c) Modificação
O Tribunal não está adstrito à providência requerida (art. 392º/3, 1ª parte
CPC), isto é, pode decretar uma providência distinta daquela que foi solicitada
(art. 661º/3 CPC). Esta faculdade concedida ao Tribunal decorre da não
vinculação deste órgão à indagação, interpretação e aplicação das regras de
direito (art. 664º, 1ª parte CPC) e pressupõe, naturalmente, que os factos
alegados pelo requerente possibilitem essa conversão. Desse regime também
decorre que uma idêntica modificação da providência pelo próprio requerente
não é condicionada pelo disposto no art. 273º/1/2 CPC.
d) Cumulação
O requerente pode solicitar o decretamento de várias providências
cautelares num mesmo procedimento cautelar, desde que a tramitação para
cada uma delas não seja absolutamente incompatível e essa cumulação
corresponda a um interesse relevante ou seja indispensável para a justa
composição do litígio (art. 392º/3, 2ª parte CPC). Isso significa que se podem
cumular tanto diferentes providências especificadas, como providências
nominadas e providências comuns.
Podem cumular-se duas ou mais providências cautelares se, na acção de
que são dependentes (art. 383º/1 CPC), for admissível a cumulação dos
respectivos pedidos.
e) Proporcionalidade
A provisoriedade cautelares e a sua finalidade de garantia, de regulação ou
de antecipação justificam que as medidas tomadas ou impostas devam ser as
adequadas às situações que se pretende acautelar ou tutelar. As relações entre
aquelas medidas e estas situações devem orientar-se por uma regra de
proporcionalidade: as medidas provisórias não podem impor ao requerido um
sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente
deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (arts. 387º/2; 397º/2, 408º/2/3 e 419º
CPC).
f) Eficácia relativa
Uma das consequências da summaria cognitio e da suficiência da mera
justificação no julgamento da providência é a insusceptibilidade de a decisão
proferida na procedimento cautelar produzir qualquer efeito de caso julgado na
respectiva acção principal: o julgamento da matéria de facto e a decisão final
proferida no procedimento cautelar não têm qualquer influência no julgamento
da acção principal (art. 383º/4 CPC). Como a providência decretada caduca se a
acção vier a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado (art.
389º/1-c CPC), também isso demonstra que o seu decretamento, não é
vinculativo na acção principal (que, apesar desse decretamento, vem a ser
julgada improcedente).

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Pela mesma razão, a desistência da providência e a confissão do pedido
(art. 293º/1 CPC) realizadas no procedimento cautelar não podem condicionar a
apreciação da acção principal.
g) Substituição por caução
As providências cautelares destinam-se a obter uma composição provisória
que tutela ou acautela o interesse na efectividade da tutela jurisdicional. Isso não
impede, contudo, que esse interesse possa ser acautelado de outra forma. Uma
delas consiste na prestação de uma caução pelo requerido em substituição do
decretamento da providência: é o que é admissível nas providências cautelares
não especificadas (art. 387º/3 CPC) e no embargo de obra nova (art. 419º/1
CPC).
A substituição da providência cautelar pela prestação de caução pelo
requerido pressupõe, no entanto, que através desta se pode obter o mesmo
efeito a que se destina aquela providência. Normalmente, a providência cautelar
pode ser substituída por caução, sempre que ela vise evitar um prejuízo
patrimonial.
h) Garantia e execução
De molde a assegurar a efectividade da providência cautelar decretada, é
admissível a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, se a providência
impuser uma prestação de facto infungível e esta não exigir especiais
qualidades científicas ou artísticas do requerido (arts. 384º/2 CPC; 829º-A/1 CC).

55. Caducidade
As providências cautelares fornecem, uma composição provisória, pelo que
elas caducam se a decisão que vier a ser proferida na acção principal não for
compatível com a medida provisória decretada. É o que acontece quando essa
acção for julgada improcedente por uma sentença transitada em julgado (art.
389º/1-c CPC).
A caducidade da providência cautelar decorrente da extinção do direito
acautelado (art. 389º/1-e CPC) é apenas uma das situações possíveis de
inutilidade superveniente dessa providência (art. 287º-e CPC), pelo que essa
inutilidade pode decorrer de outros fundamentos.
Normalmente a caducidade da providência abrange-a na totalidade, mas
também são pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por
exemplo, a acção for julgada parcialmente improcedente no despacho saneador
(art. 510º/1-b CPC), a providência decretada só caduca na parte respectiva (art.
389º/1-c CPC); o mesmo sucede se o direito acautelado se extinguir apenas em
parte (art. 289º/1-e CPC).
A caducidade da providência não opera automaticamente e nem sequer é de
conhecimento oficioso. O levantamento da providência com fundamento na sua
caducidade depende de solicitação do requerido, que é apreciada após a
audição do requerente (art. 389º/4 CPC).

56. Responsabilidade do requerente


Pode suceder que a providência requerida venha a mostrar-se injustificada
pela falta quer do próprio direito acautelado ou tutelado, quer do fundamento do

51
seu decretamento; também pode acontecer que a providência decretada,
inicialmente justificada, venha a caducar por facto imputável ao requerente (art.
389º/1 CPC). Em todos estes casos, o requerente, se não tiver agido com a
prudência normal, é responsável pelos danos causados ao requerido (art.
390º/1; quanto ao arresto, art. 621º CC). Essa responsabilidade está instituída
na lei como uma contrapartida da provisoriedade das providências cautelares e
é garantida pela caução que o Tribunal, mesmo sem solicitação do requerido,
pode exigir ao requerente (art. 390º/2 CPC).
A responsabilidade do requerente pressupõe que a providência é
injustificada no momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela
decisão proferida na acção principal.

COMPOSIÇÃO POR REVELIA

57. Noção
A composição da acção pode ser decisivamente influenciada pela omissão
de um acto processual: trata-se da revelia do réu, que consiste na abstenção
definitiva da contestação.
A contestação – na qual o réu pode impugnar as afirmações do autor ou
deduzir uma excepção (art. 487º/1 CPC) – constitui um ónus da parte, não
existindo, assim, qualquer dever de contestar. Daí decorre que a revelia não
determina a aplicação ao réu de qualquer sanção (pecuniária, nomeadamente),
mas antes certas desvantagens quanto à decisão da acção.

58. Modalidades
a) Revelia absoluta e relativa
A revelia é absoluta quando o réu não pratica qualquer acto na acção
pendente; é relativa se o réu não contesta, mas pratica em juízo qualquer outro
acto processual, designadamente a constituição de mandatário judicial.
b) Revelia operante e inoperante
A revelia – quer a relativa, quer a absoluta – pode ser operante ou
inoperante. É operante quando produz efeitos quanto à composição da acção; é
inoperante quando esses efeitos não se realizam, isto é, quando a falta de
contestação nada implica quanto à decisão da causa (arts. 233º/1; 484º/1; 485º-
b, 2ª parte; 233º/6 e 248º; 485º-a; 485º-c CPC; art. 354º-b CC; art. 485º-d CPC;
art. 364º CC). As situações que conduzem à inoperância da revelia são comuns
ao processo ordinário, sumário e sumaríssimo, pois, na falta de uma
regulamentação específica, vale para estes últimos o que se encontra estipulado
para o processo ordinário (arts. 463º/1 e 464º CPC).

59. Efeitos
A revelia operante implica uma importante consequência quanto à decisão
da acção. Essa consequência, que se produz ex lege e não ex voluntate,
consiste no seguinte: a revelia operante implica a confissão dos factos
articulados pelo autor (art. 484º/1 CPC; quanto à aplicação dessa regra ao
processo sumário e sumaríssimo, arts. 463º/1 e 464º CPC).

52
O efeito cominatório realizado pela revelia não prevalece sobre a matéria de
conhecimento oficioso, nomeadamente as excepções dilatórias de que o
Tribunal deva conhecer ex officio (art. 495º CPC) e que obstem à apreciação do
mérito da causa (art. 288º/3 CPC).
O efeito cominatório da revelia operante também não pode prevalecer sobre
os efeitos ilegais pretendidos pelo autor. Se a confissão ficta ou presumida que
resulta da revelia respeitar a factos impossíveis ou notoriamente inexistentes ou
se o autor tiver formulado um pedido ilegal ou juridicamente impossível, essa
confissão não é admissível (art. 354º-c CC) e o Tribunal não os deve considerar
admitidos por um acordo e deve abster-se de apreciar esse pedido.

53
COMPOSIÇÃO PELO TRIBUNAL

60. Decisão judicial


A decisão é o acto do Tribunal no qual este órgão julga qualquer matéria que
lhe compete apreciar por iniciativa própria, quer mediante solicitação das partes.
A decisão é, assim, o acto processual que exprime, por excelência, o exercício
da função jurisdicional pelo Tribunal.
Toda a decisão comporta dois elementos essenciais: os fundamentos e a
conclusão ou decisão em sentido estrito. Os fundamentos incluem a matéria de
facto relevante e o regime jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido
estrito contém a conclusão que se extrai da aplicação do direito aos factos. Para
a individualizar, a decisão inicia-se com um relatório, em que se identificam o
processo a que respeita e as questões a resolver (art. 659º/1 CPC), e, para
assegurar a sua genuinidade, ela deve ser assinada e datada (arts. 157º/1 e 2;
668º/1-a CPC).
O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo
constitucional, embora restringido aos casos e termos previstos na lei ordinária
(art. 205º/1 CRP).

61. Modalidades
A principal diferenciação nas decisões judiciais distingue-as em sentenças e
despachos (art. 156º/1 CPC). As sentenças são, em regra, as decisões sobre o
mérito da causa ou sobre um incidente com a estrutura de uma causa (art.
156º/2 CPC), mas também podem conhecer de aspectos processuais (art.
660º/1 CPC); das sentenças que conhecem do mérito da causa pode interpor-se
recurso de apelação (art. 691º/1 CPC). Os despachos são, em princípio,
decisões sobre aspectos processuais e, por isso, são, em regra, decisões
interlocutórias, embora também possam incidir sobre o mérito (art. 510º/1-b
CPC) e, mesmo fora destes casos, possam ser decisões finais (art. 510º/1-a
CPC); dos despachos que não conhecem do mérito da causa cabe recurso de
agravo (art. 733º CPC) e daqueles que apreciam esse mérito pode apelar-se
(art. 691º CPC).
Às decisões dos Tribunais colectivos atribui-se a designação especial de
acórdãos (art. 156º/3 CPC). Quando o acórdão da Relação conhece do mérito
da causa, dele cabe revista (art. 721º/2 CPC); quando isso não sucede, cabe
agravo (art. 754º/1 CPC).
Alguns despachos incidem somente sobre aspectos burocráticos do
processo e da sua tramitação e, por isso, não possuem um conteúdo
característico do exercício da função jurisdicional, nem afectam a posição
processual das partes ou de terceiros. São os chamados despachos de mero
expediente, que são aqueles que se destinam a prover ao andamento regular do
processo e nada decidem quanto ao conflito de interesses entre as partes (art.
156º/4, 1ª parte CPC)

54
Os despachos discricionários são aqueles cujo conteúdo é determinado pelo
prudente arbítrio do julgador (art. 156º/4, 2ª parte CPC), ou seja, por critérios de
conveniência e oportunidade. Assim, são despachos discricionários todos
aqueles que estabelecem prazos judiciais (art. 144º/1 CPC), com ou sem limites
legais (arts. 24º/2; 25º/1; 33º 40º/2; 486º/4 e 5; 508º/2 e 3 CPC).
Os despachos de mero expediente e os despachos discricionários não
admitem recurso (art. 679º CPC), nem reclamação (art. 700º/3 CPC)

O PROCEDIMENTO EM 1ª INSTÂNCIA:

A) DINÂMICA DA INSTÂNCIA
B) PROCESSO ORDINÁRIO
C) PROCESSO SUMÁRIO E SUMARÍSSIMO

A)

DINÂMICA DA INSTÂNCIA

VICISSITUDES

FASES DO PROCESSO

VICISSITUDES

62. Início
A instância inicia-se com a propositura da acção, entendendo-se que esta se
considera proposta, intentada ou pendente quando for recebida na secretaria
(art. 150º/3 CPC) a respectiva petição inicial ou, se esta tiver sido enviada pelo
correio, na data do seu registo postal (arts. 267º/1; 150º/1 CPC). No entanto, em
relação ao réu, os efeitos decorrentes da pendência da causa só se produzem,
em regra, após a sua citação (art. 267º/2 CPC; sobre uma excepção a esta
regra, art. 385º/6 CPC).

55
63. Suspensão
São várias as circunstâncias que determinam a suspensão da instância:
· Quando falecer ou se extinguir alguma das partes (arts. 276º/1-a; 277º/1
CPC), salvo se já tiver começado a audiência final ou se o processo já tiver
inscrito em tabela para julgamento, hipótese em que a instância só se
suspende depois de ser proferida a sentença ou o acórdão (art. 277º/1 CPC);
· Nos processos em que for obrigatória a constituição de advogado (arts.
32º/1 e 3; 276º/1-b; 278º; 284º/1-b CPC);
· Sempre que o Tribunal a ordene (arts. 276º/1-c; 279º/1; 97º/1; 284º/1-c
CPC);
· Sempre que a lei o determine (arts. 276º/1-d – 12º/2 e 5; 24º/2; 25º/1;
39º/3; 356º; 549º/3; 550º/3; e 551º-A/4; no art. 1940º/3 CC; no art. 14º/3 DL
329-A/95, de 12/12; no art. 24º/1-b, DL 387-B/87, de 29/12, e ainda no art.
3º/2, CRegP.);
· A vontade das partes também constitui uma causa de suspensão da
instância: as partes podem acordar nessa suspensão por um prazo não
superior a seis meses (art. 279º/4 CPC).
Durante a suspensão da instância só se podem praticar os actos urgentes
destinados a evitar o dano irreparável (art. 283º/1, 1ª parte CPC) e os prazos
judiciais não correm enquanto ela se mantiver (art. 283º/2, 1ª parte CPC). Mas a
suspensão não impede a desistência, confissão ou transacção, desde que estas
não se tornem impossíveis ou não sejam afectadas pelo fundamento da
suspensão (art. 283º/3 CPC).

64. Interrupção
A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de
um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum
incidente do qual dependa o seu andamento (art. 285º CPC). A interrupção da
instância é, assim, consequência do incumprimento do ónus de impulso
subsequente das partes (art. 265º/1 CPC). A interrupção cessa se o autor
requerer algum acto do processo ou do incidente de que dependa o andamento
dele (art. 286º CPC).
A interrupção da instância provoca um importante efeito substantivo – é ele,
aliás, que justifica a ressalva feita no art. 286º in fine CPC. Quando a
caducidade se refere ao exercício jurisdicional de um direito potestativo, a
interrupção da instância implica que não se conta, para efeitos dessa
caducidade, o prazo decorrido entre a propositura da acção e aquela interrupção
(art. 332º/2 CC). Isto é, o prazo de caducidade começa a correr de novo com a
interrupção da instância, pelo que pode suceder que ele se esgote antes de
cessar essa interrupção.

65. Extinção
O meio normal de extinção da instância na acção declarativa é o julgamento
(art. 287º-a CPC), que, aliás, pode decorrer de uma sentença de mérito ou de
absolvição da instância (arts. 288º e 289º CPC). Mas existem outras causas de
extinção da instância. São elas:

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- A celebração de um compromisso Arbitral (arts. 287º-b; 290º CPC; art.
1º/1 e 2 LAV), ou seja, a atribuição da competência para o julgamento da
acção pendente a um Tribunal Arbitral;
- A deserção da instância (art. 287º-c CPC), isto é, a interrupção da
instância durante dois anos (art. 291º/1 CPC);
- A desistência, confissão ou transacção (art. 287º-d; 293º a 295º CPC);
- A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art. 287º-e CPC).
Com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e
substantivos da pendência da acção (art. 481º CPC; arts. 323º/1 e 2; 805º/1; e
1292º CC). A desistência, absolvição e deserção da instância, bem como a
caducidade do compromisso Arbitral (art. 4º LAV), implicam que o prazo
prescricional – cujo decurso fora interrompido pela citação do réu (art. 323º/1
CC) ou passados 5 dias depois de esta ter sido requerida (art. 323º/2 CC) –
começa a correr de novo (e desde o início) a partir desse acto interruptivo (arts.
327º/2 e 326º/1 CC).

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FASES DO PROCESSO

66. Noção
A tramitação da acção comporta uma sequência de actos que pode ser
decomposta em várias fases. A fase processual pode ser construída através de
um critério cronológico ou lógico: naquela primeira acepção, a fase engloba os
actos temporalmente contíguos na marcha do processo, mesmo que realizem
finalidades distintas; em sentido lógico, a fase abrange todos os actos, qualquer
que seja o momento em que sejam praticados, que prossigam uma mesma
finalidade.
Assim, a fase do processo integra todos os actos que realizam uma mesma
função, ainda que eles sejam praticados antes do início ou depois do termo da
respectiva fase em sentido cronológico.

B)

PROCESSO ORDINÁRIO

FASES DOS ARTICULADOS

FASE DA CONDENSAÇÃO

FASE DA INSTRUÇÃO

FASE DA AUDIÊNCIA FINAL

FASE DA SENTENÇA

FASES DOS ARTICULADOS

67. Função da fase


A fase dos articulados é aquela em que as partes da acção – o autor e o réu
– apresentam as razões de facto e de direito que fundamentam as posições que
defendem em juízo e solicitam a correspondente tutela judicial. É através dos
articulados que as partes iniciam o seu diálogo na acção.

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68. Articulados
São as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da
defesa e formulam os pedidos correspondentes (art. 151º/1 CPC). Essas peças
recebem o nome de articulados, porque, em princípio, nas acções, nos
incidentes e nos procedimentos cautelares é obrigatória a dedução por artigos
dos factos que interessam à fundamentação do pedido ou da defesa (art. 151º/2
CPC), isto é, cada facto deve ser alegado separadamente num artigo numerado.
O processo ordinário comporta, na tramitação normal, quatro articulados: a
petição inicial (art. 467º CPC), a contestação (art. 486º CPC), a réplica (art. 502º
CPC) e a tréplica (art. 503º CPC); em determinadas situações, podem ainda ser
apresentados articulados supervenientes (art. 506º CPC).

69. Apoio judiciário


O apoio judiciário é, em conjunto com a consulta jurídica, uma das
modalidades da protecção jurídica (art. 6º DL 387-B/87, de 29/12; art. 20º/2
CRP). Têm direito à protecção jurídica as pessoas singulares e colectivas que
demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os
honorários dos profissionais da causa (art. 7º/1 e 4, DL 387-B/87), ou seja, as
pessoas para as quais esses encargos possam constituir motivo inibitório do
recurso ao Tribunal (art. 7º DL 391/88, de 26/10). Gozam da presunção de
insuficiência económica aqueles que requeiram alimentos ou que os estejam a
receber por necessidade económica, que reúnam as condições exigidas para a
atribuição de quaisquer subsídios em razão da sua carência de rendimentos,
que tenham rendimentos mensais provenientes do trabalho iguais ou inferiores a
uma vez e meia o salário mínimo nacional, bem como o filho menor para efeitos
de investigar ou impugnar a sua maternidade ou paternidade (art. 20º/1, DL 387-
B/87).
A protecção jurídica – e, portanto, o apoio judiciário – é concedido para as
causas em que o requerente tenha um interesse próprio e que versem sobre
direitos lesados ou ameaçados de lesão (art. 8º DL 387-B/87). O apoio judiciário
aplica-se em todos os Tribunais, qualquer que seja a forma processual do
requerente e da sua concessão à parte contrária (art. 17º/1, DL 387-B/87), e, se
for atribuído, compreende a dispensa, total ou parcial, de taxas de justiça e do
pagamento das custas, ou o seu diferimento, assim como a dispensa do
pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (art. 15º/1, DL 387-B/87).
Essa dispensa abrange as despesas com os exames requeridos a organismos
oficiais e as multas que condicionam o exercício de uma faculdade processual.

70. Petição inicial


A petição inicial é o primeiro articulado do processo, no qual o autor alega os
fundamentos de facto e de direito da situação jurídica invocada e formula o
correspondente pedido contra o réu.
A entrega da petição inicial é o resultado de uma actividade prévia do
advogado do autor e, frequentemente, de várias opções quanto à estratégia a
adoptar. Aquela actividade inclui a indagação dos factos relevantes para a

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fundamentação da posição do seu mandante e a averiguação dos meios de
prova susceptíveis de ser utilizados por esta parte (art. 456º/2-a), b) CPC).
A petição inicial contém, em termos formais, quatro partes: o intróito ou
cabeçalho, a narração, a conclusão e os elementos complementares. A petição
inicial começa por um intróito ou cabeçalho, no qual é designado o Tribunal onde
a acção é proposta (art. 467º/1-a CPC), se identificam as partes através dos
seus nomes, residências, profissões e locais de trabalho (art. 467º/1-a CPC) e
se indica a forma do processo (art. 467º/1-b CPC). Se a petição inicial não
contiver estes elementos, a secretaria deve recusar o seu recebimento (art.
474º-a), b), c) CPC).
Na narração, o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem
de fundamento à acção (art. 467º/1-c CPC). Esta parte da petição inicial contém
a exposição dos factos necessários à procedência da acção, isto é, a alegação
dos factos principais, bem como dos factos instrumentais para os quais seja
oferecida prova documental que deva ser junta à petição inicial (art. 523º/1
CPC). Os factos devem ser deduzidos por artigos (art. 151º/2 CPC) e, se faltar
qualquer facto essencial, a petição é inepta por falta de causa de pedir (art.
193º/2-a CPC).
À narração dos factos e das razões de direito segue-se a conclusão. É nesta
parte da petição inicial que o autor deve formular o pedido (art. 467º/1-d CPC),
isto é, definir a forma de tutela jurídica que pretende a situação jurídica alegada.
A falta de indicação do pedido ou a contradição deste com a causa de pedir
apresentada na narração importam a ineptidão da petição inicial (art. 193º/2-a, b
CPC).
A petição inicial termina com algumas indicações complementares (arts.
467º/1-e/2; 474º-d, e; 523º/1; 255º/1; 32º/1-a, b; 40º CPC).
A petição inicial deve ser entregue ou enviada à secretaria judicial do
Tribunal competente (art. 150º/1 e 3 CPC). A acção considera-se proposta,
intentada ou pendente logo que aquele articulado seja recebido na secretaria
(art. 267º/1 CPC).
O art. 234º/4 CPC, enumera as hipótese em que a citação do réu é
precedida de despacho judicial e o art. 234º-A/1 CPC, estabelece os casos em
que o juiz é chamado a proferir aquele despacho pode indeferir liminarmente a
petição. O indeferimento limiar pode basear-se na improcedência manifesta da
acção ou na existência de uma excepção dilatória insanável e de conhecimento
oficioso (art. 234º-A/1 CPC). Esse indeferimento pode ser parcial, tanto quanto a
um dos objectos cumulados, como quanto a um dos vários autores ou réus.
O indeferimento liminar extingue a instância (art. 287º-a CPC), e produz
caso julgado quanto ao seu fundamento. Por aplicação analógica do art. 476º
CPC, o autor pode entregar, no prazo de 10 dias após a notificação do
indeferimento liminar, uma nova petição inicial.
O art. 234º-A/1 CPC, coloca o problema de saber se o único despacho
admissível nesse momento é o de indeferimento liminar. Pode perguntar-se se,
perante uma petição irregular ou deficiente, o juiz está impedido de solicitar a
sanação da irregularidade ou de convidar o autor a aperfeiçoar esse articulado.

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71. Citação do réu (art. 480º - art. 233º CPC)
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta
contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (art.
228º/1, 1ª parte – 480º CPC). Em regra, a citação é posterior à distribuição, mas,
quando aquela não deva realizar-se editalmente (art. 233º/6 CPC), o autor pode
requerer, invocando os respectivos motivos, que a citação preceda a distribuição
(art. 487º/1 CPC).
A citação do réu está submetida aos princípios da oficiosidade e da
celeridade (arts. 234º/1 e 479º CPC).
A citação pode ser pessoal ou edital (art. 233º/1 CPC). A citação pessoal é
aquela que é feita através de contacto directo com o demandado ou que é
efectuada em pessoa diversa do citando, mas encarregada de lhe transmitir o
conteúdo do acto (art. 233º/4; sobre estas situações: arts. 233º/5, 236º/2 e
240º/2, 2ª parte CPC). A citação pessoal pode ser realizada através da entrega
ao cintando de carta registada com aviso de recepção, nos casos de citação
postal (art. 233º/2-a CPC), mas também pode ser efectuada através de contacto
pessoal do funcionário judicial (art. 233º/2-b CPC) ou do mandatário judicial do
autor com o citando (art. 233º/3 CPC). Em regra, a citação é pessoal (art. 233º/6
CPC) e, em regra também, é realizada pela via postal (arts. 239º/1 e 245º/2
CPC).
Modalidades de citações:
* Citação postal (art. 236º/1 CPC);
* Citação por funcionário judicial (arts. 235º; 239º/1; 240º/2, 4 – art. 348º CP –
art. 241º CPC);
* Citação por mandatário judicial (art. 245º/2 CPC)
* Citação edital (art. 233º/6 CPC)
* Citação no estrangeiro (art. 247º/1 CPC).
A citação pode ser impossível por três circunstâncias: a incapacidade de
facto do citando (art. 242º CPC), a ausência do citando em parte certa e por
tempo limitado (art. 243º CPC) e a ausência dele em parte incerta (art. 244º
CPC). No primeiro caso, se o juiz reconhecer a incapacidade do réu, é-lhe
nomeado um curador provisório (art. 242º/3 CPC); no segundo, faculta-se ao
Tribunal a opção entre proceder à citação postal ou aguardar o regresso do
citando (art. 243º CPC); por fim, no terceiro, procura-se obter, junto de quaisquer
entidades, serviços ou autoridades policiais, informações sobre paradeiro ou a
ultima residência conhecida do citando (art. 244º/1 CPC), utilizando, em seguida,
se essa ausência for confirmada, a citação edital (arts. 233º/6, e 248º CPC).
A citação pode faltar (art. 195º CPC) e ser nula (art. 198º CPC). Segundo o
disposto no art. 195º CPC, verifica-se a falta de citação quando o acto tenha
sido completamente omitido, quando tenha havido erro de identidade do citado,
quando se tenha empregado indevidamente a citação edital (arts. 233º/6 e 251º
CPC), quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou
da extinção deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação
deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não
chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, ou
seja, quando ele tenha ilidido a presunção estabelecida no art. 238º CPC, ou

61
quando a citação tenha sido realizada apesar da sua incapacidade de facto (art.
242º CPC). A falta de citação considera-se sanada se o réu ou o Ministério
Público intervierem no processo e não arguirem o vício (art. 196º CPC).
A citação é nula quando, na sua realização, não hajam sido observadas as
formalidades prescritas na lei (art. 198º/1 CPC) – arts. 235º e 246º/1 CPC),
desde que essa inobservância possa prejudicar a defesa do citado (art. 198º/4
CPC)

72. Contestação
A contestação é a resposta do réu à petição inicial do autor, ou seja, é a
manifestação da posição do réu perante aquele articulado do autor. Pode ser
entendida num sentido material ou formal. A contestação em sentido material é
qualquer acto praticado pelo réu, no qual essa parte mostre a sua oposição ao
autor e ao pedido formulado por esta parte (arts. 486º/2 e 487º/1 CPC).
A contestação em sentido formal é o articulado de resposta do réu à petição
inicial do autor: à contestação em sentido formal referem-se por exemplo os arts.
488º e 489º/1 CPC.
O réu pode tomar uma de duas atitudes fundamentais perante a petição
inicial: opor-se ao pedido do autor ou não se opor a ele. A opção por uma destas
condutas depende dos factos indagados pelo mandatário do réu e das provas de
que esta parte possa dispor, havendo, naturalmente, que observar o dever de
verdade que recai sobre essa parte (art. 456º/2-a, b CPC) e o dever de não
advogar contra a lei expressa e de não usar meios ou expedientes ilegais que
obriga o mandatário (art. 78º-b EOA).
A contestação do réu marca a sua oposição relativamente ao pedido do
autor. A contestação pode consistir na impugnação dos factos articulados pelo
autor ou na invocação de uma ou várias excepções dilatórias ou peremptórias
(art. 487º CPC). A escolha da modalidade da defesa (por impugnação ou por
excepção) é condicionada pela posição que o réu pretende assumir na acção
(arts. 487º/2 e 493º/2 e 3 CPC).
Em conjunto com a contestação ou independente dela, o réu pode formular
um pedido reconvencional contra o autor (art. 501º CPC). Sempre que o pedido
reconvencional não esteja sujeito a qualquer preclusão se não for formulado na
acção pendente, a opção pela sua formulação nessa acção só deve ser tomada
quando for possível coligir, no prazo de contestação, todos os elementos
necessários para a sua procedência.
A reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, na qual
devem ser expostos os seus fundamentos, formulado o correspondente pedido e
indicado o seu valor (art. 501º/1 e 2 CPC).
O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da sua citação (art. 486º
CPC). A esse prazo acresce uma dilação de 5 dias quando a citação não tenha
sido realizada na própria pessoa do réu (arts. 236º/2 e 240º/2 e 3 CPC) e
quando o réu tenha sido citado fora da comarca sede do Tribunal onde pende a
acção (art. 252º-A/1 CPC).
O articulado de contestação apresenta o mesmo conteúdo formal da petição
inicial (art. 488º CPC).

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A contestação (em sentido material) está submetida a uma regra de
concentração ou de preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na contestação
(art. 489º/1 CPC), ou melhor, no prazo da sua apresentação (art. 486º/1 CPC),
pelo que fica precludida quer a invocação dos factos que, devendo ter sido
alegados nesse momento, não o foram, quer a impugnação, num momento
posterior, dos factos invocados pelo autor. Se aqueles factos forem invocados
fora do prazo determinado para a contestação, o Tribunal não pode considerá-
los na decisão da causa; se o fizer, incorre em excesso de pronúncia, o que
determina a nulidade daquela decisão (art. 668º/1-d, 2ª parte CPC).
Para determinar a incidência desta regra de concentração ou de preclusão,
importa ter presente que, na contestação, o réu tanto pode alegar factos novos
que fundamentam uma excepção dilatória ou peremptória, como limitar-se a
impugnar os factos invocados pelo autor na petição inicial (art. 487º/2 CPC).

73. Conteúdo material


A contestação pode revestir as modalidades de defesa por impugnação e
por excepção (art. 487º/1 CPC). A defesa por impugnação pode ser directa ou
de facto ou indirecta ou de direito:
– A impugnação directa ou de facto consiste na contradição pelo réu dos
factos articulados na petição inicial (art. 487º/2, 1ª parte CPC);
– A impugnação é indirecta ou de direito quando o réu afirma que os
factos alegados pelo autor não podem produzir o efeito jurídico pretendido
por essa parte (art. 487º/2, 1ª parte in fine CPC).
A impugnação directa é um meio de defesa do réu; como o Tribunal conhece
oficiosamente a matéria de direito (art. 664º, 1ª parte CPC), este órgão, mesmo
sem essa impugnação, deve controlar se os efeitos jurídicos pretendidos pelo
autor podem decorrer dos factos alegados por esta parte. A delimitação entre a
impugnação indirecta e a excepção peremptória faz-se, por isso, através do
seguinte critério:
- Se o réu se limita a negar o efeito jurídico pretendido pelo autor, isto é,
a atribuir uma diferente versão jurídica dos factos invocados pelo autor, há
impugnação indirecta;
- Se, pelo contrário, o réu opõe a esse efeito a alegação de um facto
impeditivo, modificativo ou extintivo, verifica-se a dedução de uma
excepção peremptória.
a) Defesa por excepção:
Consiste na invocação de factos que obstam à apreciação do mérito da
acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito
invocado pelo autor, importam a improcedência total ou parcial do pedido (art.
487º/2, 2ª parte CPC). No primeiro caso, o réu alega a falta de um pressuposto
processual e invoca uma excepção dilatória (art. 493º/2 CPC); no segundo, o réu
opõe uma excepção peremptória (art. 493º/3 CPC).
b) Defesa por impugnação:
A impugnação directa deve abranger os factos principais articulados pelo
autor na petição inicial (art. 490º/1 CPC); se assim não suceder, consideram-se

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admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (art. 490º/2, 1ª parte
CPC).
A contestação produz efeitos processuais, inclui-se a possibilidade,
admitida em certos casos, de réplica do autor (art. 502º/1 e 2 CPC). E
substantivos, importa referir que a contestação torna litigioso o direito afirmado
ou a coisa discutida em juízo, o que revela, por exemplo, para a proibição da
cessação daquele direito (art. 579º CC) e da venda desse direito ou coisa (art.
876º CC).

74. Réplica
É a resposta do autor à contestação do réu. A réplica pode ser entendida
num sentido formal ou material: naquela primeira acepção, a réplica é o
articulado que o autor apresenta em resposta à contestação do réu; em sentido
material, a réplica consiste na contestação de uma excepção oposta pelo réu ou
na dedução de uma excepção contra o pedido reconvencional formulado pelo
réu (art. 502º/1 e 2 CPC). Se aquele articulado contiver aquela impugnação ou a
dedução daquela excepção, a réplica em sentido formal é-o também em sentido
material.
A réplica é admissível sempre que o réu deduza alguma excepção ou
formule um pedido reconvencional (art. 502º/1 CPC): naquele primeiro caso, a
réplica destina-se a possibilitar a impugnação pelo autor da excepção invocada
pelo réu ou a alegação de uma contra-excepção; no segundo, a réplica permite
a apresentação pelo autor de qualquer contestação, por impugnação ou por
excepção (art. 487º/1 CPC), do pedido reconvencional. A réplica encontra a sua
justificação nos princípios da igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e do
contraditório (art. 3º/1 e 3 CPC).
A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu
implica, em regra, a admissão por acordo dos factos não impugnados (art. 505º
CPC). Esta admissão não se verifica nas situações previstas do art. 490º/2 CPC,
e, além disso, há que conjugar o conteúdo da réplica com o da petição inicial,
pelo que devem considerar-se impugnados os factos alegados pelo réu que
forem incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer desses articulados
do autor.
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional, a falta de réplica implica
a revelia do reconvindo quanto a esse pedido (art. 484º/1 CPC). Essa revelia é
inoperante nas condições referidas no art. 485º CPC, mas, se for operante,
determina a confissão dos factos articulados pelo réu como fundamento do seu
pedido reconvencional (art. 484º/1 CPC).
Acessoriamente a estas funções, a réplica pode ser utilizada para o autor
alterar unilateralmente o pedido ou a causa de pedir (art. 273º/1 e 2 CPC)

75. Tréplica
É a resposta do réu à réplica do autor. Também a tréplica pode ser referida
numa acepção formal ou material: em sentido formal, a tréplica é o articulado de
resposta do réu à réplica do autor; a tréplica em sentido material é a contestação
pelo réu das excepções opostas à reconvenção na réplica, a impugnação da

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admissibilidade da modificação do pedido ou da causa de pedir realizada pelo
autor na réplica (art. 273º/1 e 2 CPC) ou a contestação da nova causa de pedir
ou do novo pedido apresentado pelo autor na réplica (art. 503º/1 CPC).
A tréplica só é admissível em duas situações (art. 503º/1 CPC):
- Quando o autor tiver modificado na réplica o pedido ou a causa de pedir
(art. 273º/1 e 2 CPC) e o réu pretender contestar quer a admissibilidade
dessa modificação, quer o novo pedido formulado ou a nova causa de pedir
invocada;
- Quando o réu tiver deduzido um pedido reconvencional, o autor tiver
alegado contra esse pedido uma excepção e o réu desejar contestá-la por
impugnação ou pela invocação de uma contra-excepção. A tréplica destina-
se, por isso, a assegurar o contraditório do réu a essas matérias.
O ónus de impugnação também vale na tréplica. Assim, a falta da tréplica, a
não impugnação da nova causa de pedir e a não contestação da excepção
alegada pelo autor na réplica determinam, em regra, a admissibilidade por
acordo desses factos e dessa excepção (art. 505º CPC).
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional (art. 501º/1 CPC), o autor
pode contestar na réplica esse pedido através da dedução de uma excepção, à
qual o réu pode responder na tréplica com a alegação de uma contra-excepção.

76. Articulados supervenientes


Os articulados supervenientes são utilizados para a alegação de factos que,
dada a sua superveniência, não puderam ser invocados nos articulados normais
(art. 506º/1 CPC). Essa superveniência pode ser objectiva ou subjectiva:
- É objectiva quando os factos ocorrem posteriormente ao momento da
apresentação do articulado da parte (art. 506º/2, 1ª parte CPC);
- É subjectiva quando a parte só tiver conhecimento de factos ocorridos
depois de findar o prazo de apresentação do articulado (art. 506º/2, 2ª parte
CPC).
A superveniência objectiva é facilmente determinável: se o facto ocorreu
depois da apresentação do articulado da parte, ele é necessariamente
superveniente. Mais complexa é a aferição da superveniência subjectiva, porque
importa verificar em que condições se pode dar relevância desconhecimento do
facto pela parte. O art. 506º/4 CPC, estabelece que o articulado superveniente
deve ser rejeitado quando, por culpa da parte, ele for apresentado fora de
tempo, isto é, quando a parte não tenha tido conhecimento atempado do facto
por culpa própria (art. 506º/3 CPC). Portanto, a superveniência subjectiva
pressupõe o desconhecimento não culposo do facto.

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FASE DA CONDENSAÇÃO

77. Função da fase


Realiza duas funções primordiais: uma respeitante aos aspectos jurídico-
processuais da acção e uma outra relativa ao seu objectivo. Naquela primeira
função, cabe a verificação da regularidade do processo e, sempre que possível,
a sanação das excepções dilatórias e das nulidades processuais: é a função de
saneamento. Na segunda, inclui-se o convite à correcção e ao aperfeiçoamento
dos articulados e a determinação das questões de facto a resolver: é a função
de concretização.
A função de saneamento visa resolver os impedimentos à apreciação do
mérito da acção e sanar as nulidades processuais e a função de concretização
permite delimitar as questões de facto relevantes para a decisão da causa.

78. Despacho pré-saneador


É proferido pelo juiz sempre que importe obter a sanação das excepções
dilatórias (art. 508º/1-a CPC) ou a convidar as partes ao aperfeiçoamento ou à
correcção dos articulados das partes (art. 508º/1-b CPC).
Ao Tribunal incumbe providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento
da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, quer
determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância,
quer convidando as partes a praticá-los (art. 265º/2 CPC). Se o Tribunal ainda
não tiver promovido essa sanação (tal como permite o art. 265º/2 CPC), o
momento adequado para o fazer é o despacho pré-saneador (art. 508º/1-a
CPC).
O Tribunal pode utilizar o despacho pré-saneador para convidar as partes,
dentro de prazos por ele fixados (art. 508º/2 e 3 CPC), a corrigirem ou a
aperfeiçoarem os seus articulados (art. 508º/1-b CPC). Este despacho nunca é
recorrível (art. 508º/6 CPC).
São de dois tipos os vícios de que podem padecer os articulados das partes:
a irregularidade e a deficiência. O articulado é irregular quando não observe os
requisitos legais ou quando não seja acompanhado de documento essencial ou
de qual a lei faça depender o prosseguimento da causa (art. 508º/2 CPC).
O articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou impressões na
exposição ou concretização da matéria de facto (art. 508º/3 CPC), isto é, quando
nele se encontrem todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou
obscura. A deficiência respeita, por isso, ao conteúdo do articulado e à
apresentação da matéria de facto; esse vício pode traduzir-se, por exemplo, na
insuficiência dos factos alegados ou em lacunas ou saltos na sua exposição.
Os factos alegados pela parte para o suprimento dessa deficiência não
podem implicar uma alteração da causa de pedir ou da defesa anteriormente
apresentadas (art. 508º/5 CPC) e, por isso, o réu não pode deduzir no novo
articulado uma reconvenção que anteriormente não formulara.

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79. Audiência preliminar
É marcada pelo Tribunal para os 30 dias subsequentes ao termo da fase dos
articulados, ao suprimento das excepções dilatórias ou à correcção ou
aperfeiçoamento dos articulados (art. 508º-A/1 proémio CPC). O despacho que
a convoca deve indicar o seu objecto e finalidade (que é qualquer das previstas
no art. 508º-A/1 CPC), mas não exclui a possibilidade de o Tribunal conhecer do
mérito da causa no despacho saneador (arts. 508º/3; 510º/1-b CPC).
Se a audiência preliminar for convocada, a falta das partes ou dos seus
mandatários não constitui motivo do seu adiamento (art. 508º-A/4 CPC). A falta
do mandatário pode reflectir-se, de modo significativo, na defesa dos interesses
do seu constituinte, pelo que é susceptível de o fazer incorrer em
responsabilidade perante a parte (art. 83º/1-d EOA).
A audiência preliminar é dispensável quando, destinando-se à fixação da
base instrutória, a simplicidade da causa não justifique a sua convocação (art.
508º-B/1-a CPC)
A audiência preliminar também é dispensável quando a sua realização
tivesse por finalidade facultar a discussão de excepções dilatórias (art. 508º-A/1-
b CPC) e estas já tenham sido debatidas nos articulados, a sua apreciação se
revista de manifesta simplicidade (art. 508º-B/1-b CPC) ou, segundo um outro
critério legal, a sua discussão prévia seja manifestamente desnecessária (art.
3º/3 CPC).

80. Finalidades essenciais


A audiência preliminar realiza-se com as seguintes finalidades essenciais,
muitas das quais encontram a sua justificação no princípio da cooperação
recíproca entre o Tribunal e as partes (art. 266º/1 CPC):
- Tentativa de conciliação das partes (art. 508º-A/1-a CPC);
- Discussão e produção de alegações pelas partes, se o juiz tiver de
apreciar excepções dilatórias que as partes não hajam suscitado e discutido
nos articulados ou tencionar conhecer, no todo ou em parte, do mérito da
causa no despacho saneador (art. 508º-A/1-b CPC);
- Discussão das posições das partes, com vista à delimitação do litígio, e
suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de
facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate
(art. 508º-A/1-c CPC);
- Proferimento do despacho saneador (art. 508º-A/1-d CPC);
- Finalmente, se a acção tiver sido contestada, selecção, após debate, da
matéria de facto relevante para a apreciação da causa e decisão sobre as
reclamações deduzidas pelas partes contra ela (art. 508º-A/1-e CPC).
A audiência preliminar prossegue, assim, múltiplas funções: as principais
são as da conciliação das partes, de audição prévia das partes, de saneamento
do processo, de concretização do objecto do litígio e de selecção da matéria de
facto (art. 508º-A/1-a, b, c, d, e CPC).

81. Concretização do litígio

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Visa-se atingir com essa função uma dupla finalidade: por um lado, procura-
se circunscrever as divergências entre as partes, distinguindo-se aquilo que é
essencial do que é acessório nas suas posições; por outro, pretende-se evitar
que as insuficiências e imprecisões dos articulados na exposição da matéria de
facto possam criar uma realidade processual distinta da verdade das coisas.
Para a delimitação do objecto do litígio relevam elementos de direito e de
facto. Quanto àqueles primeiros, é sempre admissível uma modificação da
qualificação jurídica que seja compatível com os factos alegados pelas partes.
Relativamente aos elementos de facto, o problema que se coloca é o de
saber se a discussão realizada para a delimitação do objecto do litígio pode ser
acompanhada da modificação da causa de pedir. A resposta é positiva, mas não
há qualquer motivo para entender que tal modificação deva ser admitida fora das
condições legalmente previstas, isto é, para além dos casos enquadráveis na
previsão do art. 272º CPC (quanto à modificação consensual) e 273º CPC
(quanto à alteração unilateral).

82. Selecção da matéria de facto


Escolher os factos que se devem considerar assentes e aqueles que devem
ser julgados controvertidos: também esta importante tarefa se cumpre na
audiência preliminar (art. 508º-A/1-e CPC). Quanto a esta selecção, a audiência
visa não só prepará-la, mas também realizá-la efectivamente. A conjugação do
disposto no art. 508º-A/1-e CPC, com o estabelecido no art. 511º/1 CPC, poderia
levar a entender que a selecção da matéria de facto seria realizada pelo juiz
depois da audiência preliminar, isto é, poderia conduzir ao entendimento de que
essa audiência visaria somente a preparação da selecção a realizar
posteriormente pelo juiz.
A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de
direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei
ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica.

83. Finalidades acessórias


Sempre que a audiência preliminar se deva realizar, ela prossegue
complementarmente as seguintes funções:
- A indicação pelas partes dos meios de prova e a decisão sobre a
admissão e preparação das diligências probatórias, salvo se alguma das
partes requerer a sua apresentação posterior (art. 508º-A/2-a CPC);
- Se o processo estiver em condições de prosseguir para julgamento (se o
processo não dever terminar no despacho saneador, art. 510º/1 CPC), a
designação da data de realização da audiência final (art. 508º-A/2-b CPC) e,
em certas acções não contestadas, a solicitação da intervenção do Tribunal
colectivo (art. 646º/2-a CPC);
- Finalmente, a apresentação do requerimento da gravação da audiência
final (art. 508º-A/2-c; arts. 522º-B e 522º-C CPC).
Conjuntamente com a indicação dos meios de prova (art. 508º-A/2-a CPC),
as partes, quando não pretenderem provar os próprio facto principal
seleccionado na base instrutória, têm o ónus de indicar os factos instrumentais

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que desejam utilizar para a prova desse facto. Isto é, como todas as provas
constituendas exigem a preferência do facto com que se pretende provar com
elas (arts. 552º/2; 577º/1; 612º e 633º CPC), a parte, se não quiser demonstrar
com essas provas o próprio facto principal seleccionado, tem o ónus de alegar
os factos instrumentais que pretende demonstrar com a prova requerida.
Uma outra finalidade acessória da audiência preliminar é o exercício do
contraditório. Se, em virtude da limitação legal do número de articulados, alguma
das partes não puder responder a uma excepção deduzida no último articulado
admissível, ela pode responder à matéria desta na audiência preliminar (art. 3º/4
CPC).

69
84. Despacho saneador
O despacho saneador pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais
da acção, como o mérito desta (art. 510º/1 CPC). Nestas funções atribuídas ao
despacho saneador, a apreciação daqueles aspectos constitui a sua finalidade
primária e o seu conteúdo essencial, enquanto o conhecimento do mérito é uma
finalidade eventual. O julgamento do mérito realiza-se normalmente na sentença
final (art. 658º CPC), pelo que quando o estado da causa o permitir (art. 510º/1-b
CPC), ele pode ser antecipado para o despacho saneador.
O despacho saneador destina-se, antes de mais, a verificar a
admissibilidade da apreciação do mérito e a regularidade do processo (art.
510º/1-a CPC); havendo toda a vantagem em que o controlo dessa
admissibilidade não seja relegada para uma fase adiantada da tramitação da
acção, é ela que justifica a atribuição daquela função de saneamento àquele
despacho.
O momento do proferimento do despacho saneador depende da tramitação
da causa em concreto. Se não houver que proceder à convocação da audiência
preliminar (art. 508º-B/1 CPC), o despacho saneador é proferido no prazo de 20
dias a contar do termo da fase dos articulados (art. 510º/1 proémio CPC).
No despacho saneador, o Tribunal deve conhecer das excepções dilatórias
e das nulidades processuais que haja sido suscitadas pelas partes ou que, face
aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente (art. 510º/1-a
CPC). Quanto àquelas nulidades, o Tribunal pode apreciar oficiosamente a
ineptidão da petição inicial, a falta de citação, o erro na forma do processo e a
falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória (art. 202º
CPC). mas estas nulidades só são apreciadas no despacho saneador se o
Tribunal ainda não tiver conhecido delas (art. 206º/1 e 2, 1ª parte CPC).
Também as nulidades que não são de conhecimento oficioso deverão ser
julgadas logo que sejam reclamadas (art. 206º/3 CPC), pelo que a sua
apreciação não se realizará, em regra, no despacho saneador.
Quando o despacho saneador conheça de uma excepção dilatória ou de
uma nulidade processual, ele só adquire força de caso julgado formal quanto às
questões concretamente apreciadas (art. 510º/3 1ª parte CPC). Assim, apenas o
julgamento concreto sobre a inexistência de uma excepção ou nulidade impede
que essa matéria possa voltar a ser apreciada no processo pendente (art. 660º/1
CPC).
Pelo contrário, a referência genérica no despacho saneador à inexistência
de qualquer excepção dilatória ou nulidade processual não adquire força de
caso julgado (art. 510º/3, 1ª parte CPC) e, por isso, não impede que o Tribunal
venha a apreciar, na sentença final, uma dessas excepções ou nulidades (art.
660º/1 CPC).
A apreciação do mérito e o proferimento da decisão sobre a sua pendência
ou improcedência é realizada, em regra, na sentença final (art. 658º CPC). Mas,
em certas condições, essa apreciação pode ser antecipada para o despacho

70
saneador: Tribunal pode conhecer do mérito da acção nesse despacho sempre
que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a
apreciação do pedido, de algum dos pedidos cumulados, do pedido
reconvencional ou ainda da procedência ou improcedência de alguma excepção
peremptória (art. 510º/1-b CPC). Neste caso, o despacho saneador fica tendo,
para todos os efeitos, o valor de sentença (art. 510º/3, 2ª parte CPC) e dele cabe
recurso de apelação (art. 691º/1 CPC).
Nas condições referidas no art. 288º/3 CPC, o Tribunal pode conhecer do
mérito ainda que verifique que falta um pressuposto processual. Esta situação
será certamente mais frequente no despacho saneador do que na sentença
final, dado que são raras as situações em que a falta do pressuposto se detecta
apenas na fase da sentença ou em que a sua apreciação é relegada para esse
momento (art. 510º/4 CPC).

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FASE DA INSTRUÇÃO

85. Função da fase


Os factos incluídos na base instrutória, porque são controvertidos ou porque
nele foram inseridos por iniciativa do Tribunal (art. 264º/2 CPC), necessitam de
ser provados (art. 513º CPC). A fase da instrução realiza uma função distinta
consoante sejam utilizadas para a demonstração desses factos provas
constituendas ou provas pré-constituídas. A produção de uma prova
constituenda é realizada, em regra, na audiência final (art. 652º/3-a, b, c, d,
CPC), mas essa actividade tem de ser previamente preparada: esta é uma das
funções da fase da instrução, na qual são praticados os actos preparatórios da
produção das provas constituendas.

86. Princípios estruturantes


A fase da instrução rege-se pelo princípio da cooperação (art. 266º/1 CPC),
tanto nas relações das partes e de terceiros com o Tribunal (art. 266º/1 e 519/1
CPC), como nas do Tribunal com as partes (art. 266º/4 CPC). Naquele primeiro
aspecto, o princípio da cooperação impõe a todas as pessoas, mesmo que não
sejam partes na causa, o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta
da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às
inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos
que forem determinados (art. 519º/1 CPC). A recusa de colaboração implica a
condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem admissíveis
(art. 519º/2, 1ª parte CPC; sobre essa multa, art. 102º-b CCJ).
Este dever de colaboração é independente da repartição do ónus da prova
(arts. 342º a 345º CC), pelo que abrange mesmo a parte que não está onerada
com a prova do facto.
A recusa de colaboração é legítima se esta implicar a violação da
integridade física ou moral das pessoas (art. 519º/3-a CPC).
A actividade de instrução também assenta na colaboração do Tribunal com
as partes da acção (arts. 266º/4; 519º-A/1 CPC).
Apesar de o objecto do processo se encontrar, em geral, submetido à
disponibilidade das partes (arts. 264º/1; e 664º in fine CPC), a instrução
comporta importantes poderes instrutórios do Tribunal. Esses poderes podem
recair sobre factos essenciais, complementares e instrumentais e justificam-se
pela necessidade de evitar que, pela falta de prova, a decisão da causa seja
imposta pelo non liquet (art. 516º CPC; art. 346º CC) e não pela realidade das
coisas averiguada em juízo. Nenhum facto relevante para a decisão da causa
deve ficar por esclarecer.
A actividade de instrução comporta importantes poderes inquisitórios do
Tribunal sobre os factos instrumentais. Segundo o estipulado no art. 264º/2
CPC, o Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais
e utilizá-los na sentença quando resultem da instrução e julgamento da causa.

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Uma das consequências destes poderes inquisitórios sobre os factos
instrumentais é a possibilidade de o Tribunal investigar factos que permitam
provar os factos principais que constam da base instrutória (arts. 508º-A/1-e e
508º-B/2 CPC) e que constituem o objecto da instrução (art. 513º CPC).
O princípio do contraditório (art. 3º/1 a 3 CPC) também releva na instrução
da acção. Assim, as provas não são admitidas (nem produzidas) sem a
audiência contraditória da parte a quem sejam opostas (art. 517º/1 CPC). Essa
contrariedade concretiza-se de modo diferente nas provas pré-constituídas.
Relativamente às provas pré-constituídas, qualquer das partes tem a
faculdade de impugnar tanto a respectiva admissão, como a sua força probatória
(art. 517º/2, 2ª parte CPC).
Quanto às provas constituendas, a parte deve ser notificada, sempre que
não seja relevante, para todos os actos de preparação e produção da prova e é
admitida a intervir nesses mesmos actos (art. 517º/2, 1ª parte CPC).

87. Meios de prova


Os meios de prova podem ser indicados ou requeridos na petição inicial (art.
467º/2 CPC) e, por analogia, em qualquer outro articulado. Se isso não tiver
acontecido, esses meios devem ser apresentados ou requeridos na audiência
preliminar, salvo se alguma das partes requerer, com motivos justificados, a sua
apresentação ulterior (art. 508º-A/2-a CPC); se essa audiência não se realizar,
os meios de prova devem ser apresentados ou requeridos nos 15 dias
subsequentes à notificação do despacho saneador (art. 512º/1 CPC). Neste
mesmo prazo, as partes podem alterar os requerimentos probatórios que hajam
feito nos articulados (art. 512º/1, 2ª parte CPC).
Depois deste prazo, o rol de testemunhas ainda pode ser alterado ou
aditado até 20 dias antes da data da realização da audiência final (art. 512º-A/1
CPC), sendo a parte contrária notificada para usar, se quiser, de igual faculdade
no prazo de 5 dias (art. 512º-A/1 in fine CPC). A apresentação das novas
testemunhas incumbe às partes (art. 512º-A/2 CPC), isto é, o Tribunal não
procede à sua notificação. Meios de prova:
a) Prova por confissão (arts. 552º segs. CPC);
b) Prova documental (arts. 523º segs. CPC)
c) Prova pericial (arts. 568º segs. CPC);
d) Prova testemunhal (arts. 616º segs. CPC);
e) Inspecção judicial (arts. 612º segs. CPC);
f) Apresentação de coisas.

73
FASE DA AUDIÊNCIA FINAL

88. Função da fase


A fase da audiência final compreende as actividades de produção da prova
(constituenda), de julgamento da matéria de facto e de discussão sobre a
matéria de direito. Como resulta deste enunciado, esta fase realiza duas funções
primordiais – que são a produção da prova e o consequente julgamento da
matéria de facto – e uma função preparatória da sentença final – que é
prosseguida pelas alegações de direito.

89. Princípios estruturantes


Segundo o princípio da imediação, os meios de prova devem ser
apresentados directamente perante o Tribunal, ou seja, o Tribunal deve ter um
contacto directo com esses meios. É este princípio que orienta o disposto no art.
652º/3 CPC, quanto à realização da prova perante o Tribunal da audiência final.
Sempre que a prova seja transmitida por pessoas, a imediação na produção da
prova implica a oralidade nessa realização.
a) Publicidade
As audiências dos Tribunais são públicas, salvo quando o próprio Tribunal
decidir, em despacho fundamentado, excluir essa publicidade para salvaguardar
a dignidade das pessoas e a moral pública ou para garantir o seu normal
funcionamento (art. 206º CRP; sobre essa publicidade, também art. 10º
Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 14º/1 Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos; art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do
Homem). A audiência final deve ser, com essas mesmas excepções, públicas
(art. 656º/1 CPC).
Mesmo quando a audiência seja pública, a publicidade pode ser excluída
quando se proceda à exibição de reproduções cinematográficas ou de registos
fonográficos (art. 652º/3-b, 2ª parte CPC). Dado que a lei não define os critérios
para a exclusão da publicidade neste caso, deve entender-se que valem aqueles
que se encontram enunciados no art. 206º CRP (bem como no art. 656º/1 CPC).
b) Continuidade
A audiência final é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de
força maior, por absoluta necessidade ou nos casos regulados na lei (art. 656º/2,
1ª parte CPC), como sucede naqueles que estão previstos nos arts. 650/4;
651º/3; 654º/2 CPC. Se não for possível conclui-la num dia, o presidente
marcará a sua continuação para o dia útil imediato, ainda que compreendido em
férias, e assim, sucessivamente (art. 656º/2, 2ª parte CPC).
c) Plenitude
Segundo o princípio da plenitude da assistência dos juízes, só podem
intervir na decisão da matéria de facto aqueles que tenham assistido a todos os
actos de instrução e discussão praticados na audiência final (art. 654º/1 CPC). A
violação desta regra origina uma nulidade processual (art. 201º/1 CPC).

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Se durante a audiência, algum dos juízes falecer ou se impossibilitar
permanentemente, os actos já realizados são repetidos perante um Tribunal com
uma nova composição (art. 654º/2, 1ª parte CPC). Se a impossibilidade for
temporária, interrompe-se a audiência ou, se parecer mais aconselhável,
repetem-se perante um novo Tribunal os actos já praticados (art. 654º/2, 2ª parte
CPC). Se o juiz for transferido, promovido ou aposentado, conclui-se, em
princípio, o julgamento antes da efectivação dessa deslocação ou aposentação,
excepto se esta se fundamentar na incapacidade física, moral ou profissional
para o exercício do cargo (art. 654º/3, 1ª parte CPC).
d) Documentação
A audiência final e os depoimentos, informações e esclarecimentos nela
prestados são gravados, sempre que alguma das partes o requeira (arts. 508º-
A/2-c, e 512º/1 CPC) ou o Tribunal o determine (art. 522º-B CPC). A gravação é
efectuada por sistema sonoro, excepto quando possa ser realizada por meios
audiovisuais ou semelhantes (art. 522º-C CPC), e abrange a discussão da causa
(art. 652º/1 CPC), a tentativa de conciliação entre as partes (art. 652º/2 CPC), a
produção da prova (art. 652/3-a, b, c, d, CPC), os debates sobre a matéria de
facto (art. 652º/3-e; n.º 5 CPC), a leitura do acórdão de julgamento da matéria de
facto e as eventuais reclamações deduzidas pelas partes (art. 653º/4 CPC) e
ainda a discussão oral do aspecto jurídico da causa (arts. 653º/5 e 657º CPC).
Se algum depoimento houver de ser prestado fora do Tribunal (art. 652º/4 CPC),
também ele deverá ser gravado.
e) Efectivação
A produção da prova orienta-se por um princípio de efectividade, através do
qual se procura evitar que essa actividade se torne impossível por não ter sido
realizada no momento oportuno. Com vista a assegurar a efectividade da
produção da prova, permite-se que, se houver justo receio de vir a tronar-se
impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de
certos factos por meio de arbitramento ou inspecção, a produção destas provas
possa ser antecipada ou mesmo realizada antes da propositura da acção (art.
520º CPC). É o que se chama produção antecipada da prova (ou prova ad
perpetuam rei memoriam), que como pressuposto especifico o receio da
impossibilidade ou da dificuldade da realização da prova no momento normal.

90. Tribunal da audiência


A discussão e o julgamento da causa são realizados, em regra, com a
intervenção do Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC). Esse Tribunal é um Tribunal
de círculo (art. 81º/1-b LOTJ) ou uma vara cível (art. 72º LOTJ); onde não os
houver, é competente um Tribunal colectivo strictu sensu (art. 79º-b LOTJ).
Mas, em certas situações, a audiência final decorre perante um Tribunal
singular. Quanto às situações de revelia inoperante, há que distinguir três
hipóteses:
- Se a revelia for inoperante por qualquer das circunstâncias previstas no
art. 485º-b, c, d, CPC, a audiência final decorre perante o Tribunal singular
excepto se as partes requererem a intervenção do Tribunal colectivo na

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audiência preliminar ou nos 15 dias subsequentes à notificação do despacho
saneador (art. 646º/2-a; art. 512º-1 CPC);
- Se a inoperância da revelia resultar da contestação de algum dos
litisconsortes (art. 485º-a CPC), a audiência final realiza-se perante o Tribunal
colectivo (art. 646º/2-a CPC);
- Se a revelia for inoperante porque a citação do réu não foi pessoal (art.
484º/1 CPC), a audiência final decorre perante o Tribunal colectivo (art.
646º/1 CPC).
Se o julgamento for realizado por um Tribunal singular quando deveria ter
intervindo um Tribunal colectivo, é aplicável – diz o art. 646º/3 CPC – o disposto
no art. 110º/4 CPC, do qual resulta que aquela incompetência do Tribunal
singular pode ser suscitada pela partes ou ser conhecida oficiosamente até ao
termo da audiência final. Note-se que, apesar desta remissão, a incompetência
prevista no art. 646º/3 CPC, é, como categoria processual, totalmente distinta
daquela que é regulada pelo art. 110º/4 CPC: aquela é uma incompetência
funcional, porque se refere à distribuição de poderes dentro do Tribunal
competente para a apreciação da acção; esta última é uma incompetência
jurisdicional. Assim, aquela incompetência do Tribunal singular não conduz à
consequência da incompetência relativa (art. 111º/3 CPC), mas à nulidade do
acto processual realizado pelo Tribunal singular, isto é, do julgamento da matéria
de facto (art. 201º/1 CPC).

91. Realização da audiência


A audiência inicia-se com a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), isto é,
com a apresentação por cada um dos advogados das partes os fundamentos
das suas posições quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de
direito. Se o objecto da acção for uma situação disponível, o presidente
procurará conciliar as partes (art. 652º/2 CPC).
Sempre que alguma das partes, em consequência da limitação legal do
número de articulados, não possa responder a uma excepção deduzida pela
outra no último articulado admissível, aquela parte pode exercer o contraditório
no início da audiência final, se não se realizou a audiência preliminar (art. 3º/4
CPC). Produção de prova:
a) Depoimento de parte, a produção de prova começa pela prestação de
depoimento de parte (art. 652º/3-a CPC), quando ele tiver sido ordenado pelo
Tribunal ou requerido pela outra parte, por uma comparte (arts. 552º/1, e
553º/3 CPC) ou pelo assistente (arts. 339º e 332º/1 CPC).
b) Prova documental, embora deva ser apresentada, em regra, antes da
audiência final (art. 523º/1 CPC), essa audiência é o momento adequado
para a exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos
(art. 652º/3-b, 1ª parte; 527º CPC; arts. 206º CRP, 656º/1 CPC).
c) Prova pericial, o resultado da perícia consta de um relatório (art. 596º/1
CPC), pelo que, em regra, os peritos não são chamados a depor na
audiência final. Mas a presença dos peritos nesta audiência pode ser
ordenada oficiosamente pelo Tribunal ou requerida por qualquer das partes,

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para que eles possam prestar os esclarecimentos verbais que lhes forem
solicitados (art. 652º/3-c CPC).
d) Prova testemunhal, as testemunhas são inquiridas na audiência final
(arts. 621º proémio e 652º/3-d CPC), excepto se for requerida a sua
inquirição antecipada (arts. 621º-a e 520º CPC) ou por carta (art. 621º-b
CPC). A parte pode requerer a inquirição da testemunha por carta quando ela
resida fora da área do círculo judicial ou da ilha (art. 623º/1 CPC) ou da área
metropolitana da sede do Tribunal (art. 623º/4 CPC). Contra a prova
testemunhal pode reagir-se por impugnação, contradita ou acareação:
- A impugnação questiona a admissibilidade do depoimento (arts. 636º;
637º CPC), ou seja, tem por fundamento a incapacidade natural ou a
inabilidade legal da testemunha (arts. 616º e 617º CPC);
- A contradita baseia-se na alegação de qualquer circunstância capaz
de abalar a credibilidade do depoimento, quer por efectuar a razão da
ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa
merecer (arts. 640º; 641º CPC);
- A acareação consiste no confronto das testemunhas, ou das
testemunhas e das partes, cujos depoimentos mostrem uma oposição
directa acerca de determinado facto (arts. 642º; 643º CPC).
e) Debates, após a produção da prova, realizam-se os debates sobre a
matéria de facto (art. 652º/3-e CPC). Estes debates definem um importante
momento na tramitação da acção. Eles marcam o termo ou encerramento da
discussão, o qual determina o limite temporal da alteração do pedido (art.
273º/2 CPC), da apresentação dos articulados supervenientes (art. 506º/2
CPC), da junção de documentos (art. 523º/2 CPC), da ampliação da base
instrutória pelo presidente do Tribunal colectivo (art. 650º/2-f CPC) e da
consideração pelo Tribunal dos factos constitutivos, modificativos e extintivos
(art. 663º/1 CPC).

92. Princípios do julgamento


a) Aquisição processual
Segundo o princípio da aquisição processual, o Tribunal deve tomar em
consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham
sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova
(art. 515º, 1ª parte CPC).
Uma das consequências deste princípio é a impossibilidade de retirar do
processo uma prova apresentada (art. 542º/3 e 4 CPC). O mesmo processo
justifica a inadmissibilidade da desistência da prova pericial pela parte
requerente sem a anuência da parte contrária (art. 576º CPC).
Exceptuam-se a submissão a este princípio da aquisição processual as
situações em que a lei declare irrelevante a alegação e a prova de um facto
quando não sejam feitas por uma certa parte (art. 515º, 2ª parte CPC). É o que
sucede com a confissão, que só pode ser feita pela parte para a qual o facto
reconhecido é desfavorável (art. 352º CC), e, mais casuisticamente, com a prova
da maternidade na respectiva acção de investigação, a qual só pode ser
realizada pelo filho investigante (art. 1816º/1 CC).

77
b) Livre apreciação da prova
Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto
controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final
(art. 652º/3-b, c, d, CPC) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (art. 65º/1
CPC): é o caso da prova pericial (art. 389º CC; art. 591º CPC), da inspecção
judicial (art. 391º CC) e da prova testemunhal (art. 396º CC).
A prova livre está excluída sempre que a lei conceda um valor legal a um
determinado meio de prova (arts. 358º/1 e 2, 371º/1, 376º e 377º CC), assim
como quando a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer
formalidade especial (art. 655º/2 CPC).
c) Fundamentação
Na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os
fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova
(ou falta de prova) dos factos (art. 653º/2 CPC). Como, em geral, as provas
produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (arts. 655º/1 e
652º/3-b, c, d, CPC), o Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para
que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa
controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como
provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a
obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a
permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através
dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.
A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada
separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe
conhecer o seu conteúdo, determinar a sua relevância e proceder à sua
valoração.

93. Procedimento do julgamento


Encerrada a discussão (art. 652º/3-e CPC), o Tribunal recolhe à sala das
conferências para ponderar e decidir (art. 653º/1, 1ª parte CPC). Se não se
julgar suficientemente esclarecido, pode voltar à sala da audiência, ouvir as
pessoas que entender e ordenar quaisquer diligências necessárias (art. 653º/1,
2ª parte CPC).
A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o
julgamento incumbir a Tribunal singular (art. 653º/2, 1ª parte CPC). A decisão do
Tribunal colectivo é tomada por maioria e o acórdão é lavrado pelo presidente,
podendo qualquer dos juízes assinar vencido quanto a qualquer ponto da
decisão ou formular declaração divergente quanto à sua fundamentação (art.
653º/4 CPC). Aquela decisão deve declarar quais os factos que o Tribunal julga
provados e quais os que considera não provados e especificar, quanto a todos
eles, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art.
653º/2 CPC). As partes podem reclamar contra a falta dessa motivação (art.
653º/4, 2ª parte CPC) e ela pode ser exigida pela Relação (art. 712º/5 CPC).
Ao Tribunal compete, no julgamento da matéria de facto, analisar
criticamente as provas (art. 653º/2 CPC). Esta análise refere-se às presunções

78
legais e judiciais das quais pode ser inferida a prova do facto controvertido (arts.
349º a 351º CC).
O Tribunal de audiência não pode pronunciar-se sobre matéria de direito,
isto é, não pode ocupar-se da aplicação do direito aos factos provados.
Considera-se inexistente qualquer resposta desse Tribunal sobre essa matéria
(art. 646º/4, 1ª parte CPC).

94. Discussão da matéria de direito


A fase da audiência final termina com a discussão da matéria de direito, que
se destina a discutir a interpretação e aplicação da lei aos factos julgados
provados (arts. 653º/5 in fine, e 657º in fine CPC) e que se pode realizar
oralmente ou por escrito. Em regra, a discussão do aspecto jurídico da causa
realiza-se oralmente perante o juiz a quem caiba lavrar a sentença final (arts.
653º/5, 1ª parte e 657º CPC), isto é, no caso do Tribunal colectivo, perante o seu
presidente (art. 80º-c LOTJ). Mas se as partes não prescindirem da discussão
escrita do aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o
julgamento da matéria de facto, faculta o processo para exame do advogado ao
autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10 dias a cada um, a fim de alegarem
por escrito sobre a interpretação e aplicação da lei aos factos que tiverem sido
considerados provados e àqueles que deverem ser tidos por assentes (art. 657º
CPC).

79
FASE DA SENTENÇA

95. Função da fase


A fase da sentença é aquela em que é proferida a decisão final do
procedimento em 1ª instância. O proferimento da sentença final depende da
forma da discussão do aspecto jurídico da causa:
- Se essa discussão se realizou por escrito (art. 657º CPC), o processo é
concluso ao juiz, para o proferimento da decisão no prazo de 30 dias (art.
658º CPC);
- Se essa discussão tiver sido oral (art. 653º/5 CPC), a sentença pode
ser logo lavrada por escrito ou ditada para a acta (art. 659º/4 CPC).
A sentença é proferida pelo juiz da causa ou pelo presidente do Tribunal
colectivo (art. 80º-c LOTJ) ou do Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ).

96. Conteúdo da sentença


A sentença comporta os seguintes elementos: relatório, fundamentos,
decisão e aspectos complementares. No relatório, o Tribunal identifica as partes
e o objecto do litígio e fixa as questões que lhe cumpre solucionar (art. 659º/1
CPC). Ao relatório seguem-se os fundamentos, nos quais o Tribunal deve
discriminar os factos que considera provados e admitidos por acordo e indicar,
interpretar e aplicar as correspondentes normas jurídicas (art. 659º/2, 3 CPC). A
sentença termina com a parte decisória ou dispositiva (art. 659º/2 in fine CPC),
na qual se contém a decisão de condenação ou de absolvição, e deve ser
assinada e datada (arts. 157º/1, e 668º/1-a CPC).
A sentença deve ser motivada (art. 208º/1 CRP; art. 158º/1 CPC) através da
exposição dos fundamentos de facto – respeitam aos factos relevantes para a
decisão que foram adquiridos durante o processo – e de direito – à interpretação
e aplicação das normas jurídicas aplicáveis a esses factos – (art. 659º/2 CPC).
Como fundamentos de facto devem ser utilizados todos os factos que foram
adquiridos durante a tramitação da causa. Nos termos do art. 659º/3 CPC,
integram esses fundamentos:
- Os factos admitidos por acordo, ou seja, os factos alegados por uma
parte e não impugnados pela contraparte (arts. 490º/2, e 505º CPC),
mesmo que não tenham sido considerados assentes;
- Os factos provados por documentos juntos ao processo por iniciativa
das partes (arts. 523º e 524º CPC) ou do Tribunal (arts. 514º/2, e 535º
CPC);
- Os factos provados por confissão reduzida a escrito, seja ela uma
confissão judicial ou extrajudicial (arts. 356º e 358º CC; art. 563º/1 CPC);
- Os factos julgados provados pelo Tribunal singular ou colectivo na fase
da audiência final (art. 653º/2 e 3 CPC);

80
- Os factos que resultam do exame crítico das provas, isto é, aqueles
que podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos
provados (arts. 349º a 351º CC).
A estes factos acrescem ainda os factos notórios (art. 514º/1 CPC) e os de
conhecimento oficioso (art. 660º/2 in fine CPC).
O sentido da decisão depende dos factos fornecidos pelo processo (com
consideração do princípio da aquisição processual, art. 515º CPC) e da análise
do cumprimento do ónus da prova (art. 516º CPC; art. 346º, 2ª parte CC).

97. Conteúdo do julgamento


A sentença começa por conhecer das excepções dilatórias que conduzem à
absolvição da instância, segundo a ordem da sua precedência lógica (art. 660º/1
CPC). Estas excepções podem ser tanto aquelas que o Tribunal deixou de
apreciar no despacho saneador, por entender que, nesse momento, o processo
ainda não fornecia os elementos necessários (art. 510º/4 CPC), como aquelas
que não foram apreciadas concretamente nesse despacho e sobre as quais não
há, por isso, qualquer caso julgado (art. 510º/3, 1ª arte CPC). Dado que o
despacho saneador genérico não produz caso julgado quanto à existência ou
inexistência de qualquer excepção dilatória (art. 510º/3, 1ª parte CPC), o
Tribunal não está impedido de a apreciar na sentença final.
Entre o despacho saneador e o termo da discussão (art. 652º/3-e CPC) pode
verificar-se a sanação ou a cessação de uma excepção dilatória. Aquelas
eventualidades não podem deixar de ser consideradas na sentença final,
podendo invocar-se a analogia com o disposto no art. 663º/1 CPC, quanto à
consideração nessa sentença dos factos constitutivos, modificativos ou
extintivos ocorridos até ao encerramento da discussão. Assim, na acção
pendente na 1ª instância, é relevante qualquer sanação ou cessação de uma
excepção dilatória, desde que ocorra até ao encerramento da discussão.
O art. 660º/1 in fine CPC, impõe o conhecimento das excepções dilatórias
segundo a ordem da sua precedência lógica. São dois os preceitos que contêm
enumerações de excepções dilatórias – os arts. 288º/1 e 494º CPC –, mas elas
não se subordinam a nenhuma ordenação lógica, porque, por exemplo, as
excepções de litispendência e de caso julgado (art. 449º-i CPC, e que cabem na
enumeração residual do art. 288º/1-e CPC) são referidas depois de outras
excepções dilatórias, sendo certo que, se algumas destas excepções merecem
uma apreciação prévia perante as demais, as excepções de litispendência e de
caso julgado estão claramente entre elas.
A apreciação de qualquer excepção dilatória na sentença final cede perante
a possibilidade de um julgamento de mérito favorável à parte que seria
beneficiada com a verificação do pressuposto processual que não está
preenchido (art. 288º/3 CPC).
Como consequência da disponibilidade das partes sobre o objecto da causa
(arts. 264º/1 e 3, e 664º in fine CPC), o âmbito do julgamento comporta dois
limites. Um limite mínimo decorre do dever de conhecimento na sentença de
todas as questões submetidas pelas partes à apreciação do Tribunal,
exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras

81
(art. 60º/2, 1ª parte CPC). A falta de apreciação de qualquer dessas questões
conduz à nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 668º/1-d, 1ª parte
CPC).

98. Formalidades complementares


A sentença é registada num livro especial (art. 157º/4 CPC; art. 17º/1 LOSJ).
Se a parte vencida pretender interpor recurso da decisão, deve fazê-lo por meio
de requerimento dirigido ao Tribunal que a proferiu (art. 687º/1 CPC). Passados
três meses após o trânsito em julgado da sentença (art. 677º CPC), o processo é
arquivado (art. 24º/1-b LOTJ).

C) PROCESSO SUMÁRIO E SUMARÍSSIMO

PROCESSO SUMÁRIO

99. Regime aplicável


Ao processo são aplicáveis as disposições que lhe são próprias (constam
dos arts. 783º a 792º CPC) e as disposições gerais e comuns (estabelecido nos
arts. 137º a 459º; 463º/1, 1ª parte CPC); em tudo quanto não estiver regulado
numas e noutras, deve observar-se o que se encontra estabelecido para o
processo ordinário (ou seja, o disposto nos arts. 467º a 782º; 463º/1, 2ª parte
CPC). Dada esta aplicação subsidiária do regime do processo ordinário, só
interessa analisar as especialidades do processo sumário.
Depois da apresentação da petição inicial, o réu é citado para contestar no
prazo de 20 dias (arts. 183º, 785º, 784º - 158º/2; 786º; 484º/1 CPC).

PROCESSO SUMARÍSSIMO

100. Regime aplicável


Ao processo sumaríssimo são aplicáveis as disposições próprias (arts. 793º
a 796º CPC) e as gerais e comuns (arts. 137º a 459º; 464º, 1ª parte CPC). O art.
464º, 2ª parte CPC, determina que, quando umas e outras sejam omissas ou
insuficientes, observar-se-á primeiramente o que estiver estabelecido para o
processo sumário (arts. 783º a 792º CPC) e depois o que estiver estabelecido
para o processo ordinário (arts. 467º a 782º CPC). Considerando esta
subsidiariedade das regulamentações dos processos sumário e ordinário.
A petição inicial dispensa a forma articulada, mas conjuntamente com ela
devem ser oferecidas as provas dos factos alegado (art. 793º; 151º/2 CPC). Isto
significa que, ao contrário do que sucede no processo ordinário e sumário, o
autor tem o ónus de alegar na petição inicial os factos instrumentais que
pretenda demonstrar através dessas provas.
O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias, exigindo-se-lhe também a
apresentação ou o requerimento dos meios de prova (art. 794º/1 CPC).

82
A IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

ASPECTOS COMUNS

CONSIDERAÇÕES GERAIS

101. Formas de impugnação


As decisões judiciais podem ser impugnadas mediante reclamação ou
recurso. A reclamação consiste num pedido de reapreciação de uma decisão
dirigido ao Tribunal que a proferiu, com ou sem a invocação de elementos novos
pelo reclamante. Os embargos constituem uma modalidade de reclamação e
são um meio de reacção contra medidas de carácter executivo.
Os recursos podem ser ordinários ou extraordinários (art. 676º/2, 1ª parte
CPC). O recurso ordinário é um pedido de reapreciação de uma decisão ainda
não tramitada, dirigido a um Tribunal de hierarquia superior, fundamentado na
ilegalidade da decisão e visando revogá-la ou substitui-la por uma outra mais
favorável ao recorrente. No direito português, os recursos ordinários são a
apelação, a revista e o agravo (art. 676º/2 CPC). O recurso extraordinário
pode incidir sobre uma decisão transitada em julgado e desdobra-se num pedido
de anulação dessa decisão (juízo rescindente) e numa solicitação de repetição
dos actos invalidados (juízo rescisório). No direito português, os recursos
extraordinários são a revisão e a oposição de terceiro (art. 676º/2 in fine CPC).
Assim, enquanto os recursos ordinários visam o controlo da aplicação do
direito ao caso concreto e recaem, por isso, sobre uma sententia iniusta ou
iniqua, os recursos extraordinários destinam-se a anular uma decisão com
fundamento em vícios próprios ou do respectivo procedimento, isto é, têm por
objecto uma sententia nulla. Desta forma, os recursos ordinários incidem sobre o
juízo ou julgamento realizado pelo Tribunal na decisão; os recursos
extraordinários recaem sobre a própria decisão enquanto acto processual.
A reclamação e os recursos ordinários, como meios de impugnação de
decisões não transitadas, produzem um efeito suspensivo do caso julgado da
decisão impugnada, porque este só se verificará quando a reclamação ou o
recurso forem definitivamente julgados. Mas, enquanto a reclamação não produz
qualquer efeito devolutivo, isto é, não devolve a reapreciação da questão a um
Tribunal de hierarquia superior, ao recurso ordinário é conatural, no direito
português, esse efeito devolutivo (arts. 28º/3-a; 41º/1-a LOTJ; arts. 71º/2 e 72º/2
CPC). É por isso que, apesar de o art. 688º CPC, a qualificar como a

83
reclamação, a impugnação do indeferimento ou da retenção do recurso pelo
Tribunal a quo é realmente um recurso, porque ela é dirigida ao presidente do
Tribunal superior que seria competente para conhecer do recurso não admitido
ou retido (art. 688º/1 CPC).
Diferentemente dos recursos ordinários, os recursos extraordinários não
produzem qualquer efeito devolutivo, pois que a revisão e a oposição de terceiro
são dirigidas ao próprio Tribunal que proferiu a decisão impugnada (arts. 772º/1,
778º/2 e 782º/1 CPC). Assim, no direito português, as decisões judiciais estão
sujeitas a um controlo vertical, no caso dos recursos ordinários, e a um controlo
horizontal, quanto às reclamações e aos recursos extraordinários.
O recurso ordinário é a forma normal de impugnação das decisões judiciais,
como se pode inferir do disposto no art. 670º/1 CPC. A reclamação só pode ser
utilizada quando a lei o preveja especialmente (arts. 123º/2, 511º/2, 650º/5,
653º/4, 668º/3, 700º/3 e 725º/5 CPC), havendo que considerar que, em algumas
situações, essa reclamação aparece sob a designação de oposição (art. 388º/1-
b CPC). Portanto, a reclamação é um meio de impugnação especial
relativamente ao meio geral ou comum, que é o recurso ordinário.
A caracterização da reclamação como meio de impugnação especial perante
o recurso ordinário implica duas consequências importantes:
- Quando a reclamação for admissível, não pode ser o recurso ordinário,
ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes;
- Se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão
através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa
mesma decisão.
Possível é, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e,
perante a sua rejeição pelo Tribunal, a continuação da impugnação através de
recurso ordinário.

102. Finalidades da impugnação


a) Recursos ordinários e reclamações
Os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de
apreciação e de julgamento da acção por um Tribunal superior ou como um
meio de controlo da decisão recorrida. Naquele primeiro caso, o objecto dos
recursos coincide com o objecto da instância recorrida, pois que o Tribunal
superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence
então à categoria dos recursos de reexame. No segundo caso, o objecto dos
recursos é a decisão recorrida, dado que o Tribunal ad quem só pode controlar
se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi
correctamente proferida, ou seja, é conforme com esses elementos: nesta
hipótese, o recurso integra-se no modelo dos recursos de reponderação.
b) Recursos extraordinários
Os recursos extraordinários, porque podem incidir sobre decisões
transitadas em julgado, prosseguem finalidades distintas dos demais meios de
impugnação: do que se trata é de apurar se algum fundamento justifica a
anulação da decisão e, em caso afirmativo, de refazer a decisão impugnada.
Assim, enquanto visam determinar se se verifica algum dos fundamentos

84
taxativos que justificam a anulação da decisão, isto é, quanto ao chamado juízo
rescindente (arts. 771º e 779º/1 CPC), os recursos extraordinários são
equiparáveis a qualquer acção constitutiva (art. 4º/2-c CPC) e os poderes do
Tribunal nessa apreciação coincidem com aqueles que lhe são reconhecidos do
caso julgado e da respectiva decisão, abre-se o chamado juízo rescisório, no
qual esse Tribunal reconstitui a decisão anulada (arts. 776º e 778º/1 CPC).

DIREITO À IMPUGNAÇÃO

103. Direito ao recurso


A impugnação das decisões judiciais satisfaz um interesse da parte
prejudicada, que assim pode obter a correcção de uma decisão que lhe é
desfavorável. Aquela impugnação também corresponde aos interesses gerais da
comunidade, porque a eliminação de decisões erradas ou viciadas não só
combate os sentimentos de insegurança e injustiça, como favorece o prestígio
dos Tribunais e a uniformização jurisprudencial. Esta faculdade de impugnação
é uma consequência da possibilidade de reacção dos particulares contra os
actos públicos que ofendem os seus interesses e o conhecimento dessa
impugnação pelos próprios Tribunais é uma imposição da sua independência
(arts. 206º CRP; 4º/1, 1ª parte EMJ).
A impugnação da decisão perante um Tribunal de hierarquia superior
assenta no pressuposto de que aquele Tribunal se encontra em melhores
condições de apreciar o caso sub iudice do que o Tribunal recorrido.

104. Exclusão legal


Como a admissibilidade da reclamação depende de uma previsão legal
específica, não se pode esperar que a lei consagre explicitamente a exclusão da
reclamação, pois que esta não seja admissível, basta que não esteja prevista.
Por isso, há que considerar como uma previsão meramente enfática a sua
exclusão expressa nos arts. 606º/6 e 653º/4 in fine CPC, que parece justificar-se
pela necessidade de marcar a diferença perante lugares paralelos em que tal
impugnação é admissível (arts. 511º/2 e 653º/4, 2ª parte CPC). Assim, a análise
subsequente recai apenas sobre a exclusão do recurso.
O art. 679º CPC, exclui o recurso dos despachos de mero expediente e
daqueles que forem proferidos no uso de um poder discricionário. Encontram-se
alguns exemplos destes últimos no exercício dos poderes instrutórios
concedidos ao Tribunal (arts. 519º-A/1, 552º/1, 569º/1-a, 589º/2, 612º/1, 622º,
645º/1, 652º/3-c e 653º/1, 2ª parte CPC).
Todavia, a circunstância de os despachos discricionários não serem
recorríveis só impede o controlo pelo Tribunal superior do conteúdo do
despacho.
A ilegalidade imputada pelo recorrente ao despacho pode resultar de
diversos factores:

85
- Da não verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o uso
do poder discricionário (por ex. art. 519º-A/1 CPC);
- Da inobservância pelo Tribunal das opções de decisão que lhe são
abertas pela lei (por ex. art. 552º/1 CPC);
- De desvio de poder, isto é, do uso do poder pelo Tribunal para fins
distintos dos legalmente definidos ou pressupostos.

105. Renúncia à impugnação


A renúncia à impugnação é o acto ou acordo pelo qual uma ou ambas as
partes aceitam não reclamar ou não recorrer de uma decisão proferida ou das
decisões que vierem a ser preferidas num determinado processo. A lei trata
apenas de uma das modalidades possíveis desta renúncia – que é a renúncia ao
recurso (art. 681º CPC) –, mas o seu regime é facilmente extensível às demais
formas de impugnação.
A renúncia à impugnação distingue-se quer da omissão de impugnação,
quer da desistência desta. Aquela renúncia não se confunde com a omissão da
impugnação, porque ela pressupõe uma manifestação de vontade de não
impugnar uma decisão. Essa renúncia é igualmente distinta da desistência da
impugnação, porque aquela é sempre anterior à impugnação e esta verifica-se
sempre na pendência da impugnação.
A renúncia à impugnação pressupõe a disponibilidade da parte tanto sobre a
própria impugnação, como sobre os seus fundamentos. Quanto àquela
disponibilidade, há que distinguir entre a reclamação e os recursos ordinários,
por um lado, e os recursos extraordinários, por outro:
- Quanto à reclamação e aos recursos ordinários, a regra é a
admissibilidade da sua renúncia (art. 681º/1 CPC);
- Quanto aos recursos extraordinários, pelo contrário, a renúncia é
inadmissível, não só porque a revisão é indisponível (art. 771º CPC), mas
também porque nenhum acordo entre as partes pode impedir a terceiros
prejudicado de interpor um recurso de oposição de terceiro (art. 778º
CPC).
A renúncia à impugnação só é admissível quanto a fundamentos
disponíveis, ou seja, essa renúncia nunca pode afastar a faculdade de impugnar
uma decisão com base num fundamento indisponível.
As partes podem renunciar aos recursos ordinários e às reclamações. É
questão relativa à interpretação da vontade das partes determinar o âmbito
dessa renúncia, isto é, verificar-se se elas renunciaram apenas aos recursos ou
também às próprias reclamações.
A renúncia à impugnação torna-a inadmissível. No caso da renúncia ao
recurso, isso constitui fundamento para que o Tribunal a quo o rejeite (art. 687º/3
CPC) e para que o Tribunal ad quem se recuse a conhecer do seu objecto (art.
701º/1 – arts. 726º, 749º, 762º/1 CPC). Esta inadmissibilidade é, assim, de
conhecimento oficioso, o que também parece dever valer para a renúncia à
reclamação.
A renúncia à impugnação pode ser, atendendo ao momento em que é
realizada, anterior ou posterior ao proferimento da decisão. A renúncia

86
antecipada só é eficaz se provier de ambas as partes (art. 681º/1 CPC), isto é,
se for bilateral. Esta renúncia não exige, contudo, um encontro simultâneo de
vontades das partes; ela também pode resultar de declarações unilaterais
sucessivas.
A renúncia posterior pode ser unilateral ou bilateral e, em qualquer destas
modalidades, tácita ou expressa. Em regra, não pode recorrer a parte que tiver
aceitado a decisão de ela ter sido proferida (art. 681º/2 CPC), podendo essa
aceitação resultar de uma declaração tácita ou expressa (art. 681º/3, 1ª parte
CPC). A aceitação tácita é a que deriva de qualquer facto inequivocamente
incompatível com a vontade de recorrer (art. 681º/3, 2ª parte CPC; art. 217º, ª
parte CC) ocorrido depois do proferimento da decisão.
A renúncia à impugnação pode ser total ou parcial. É total se abrange toda a
decisão, todos os possíveis fundamentos de impugnação e todos os eventuais
recorrentes e recorridos; é parcial se vale apenas numa certa medida objectiva
ou subjectiva, isto é, se atinge apenas uma parcela da decisão ou dos
fundamentos da impugnação ou somente algumas das partes da acção. A mais
importante renúncia parcial subjectiva é a que só atinge uma das partes da
acção (o autor ou o réu), mas, também é possível uma renúncia que respeita
somente a alguns dos litisconsortes.

106. Caducidade da impugnação


De modo a evitar uma permanente insegurança sobre a eficácia da decisão
proferida, todos os meios de impugnação estão submetidos a prazos
peremptórios. As regras são as seguintes:
- As reclamações devem ser deduzidas no prazo de 10 dias a contar da
notificação ou do conhecimento da decisão (art. 153º/1 CPC);
- Em geral, os recursos ordinários devem ser interpostos igualmente no
prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão (art. 685º/1, 1ª parte
CPC);
- O recurso de revisão deve ser interposto dentro de 5 anos seguintes ao
trânsito em julgado da decisão e, dentro destes, nos prazos referidos no
art. 772º/2;
- Os recursos de oposição de terceiro devem ser interposto dentro dos 3
meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão final da acção de
simulação (art. 780º/1 CPC).
Como todos estes prazos são peremptórios, o seu decurso implica a
caducidade da impugnação (art. 145º/3 CPC). A caducidade do recurso ordinário
é de conhecimento oficioso (art. 687º/3 CPC); o mesmo vale para a caducidade
dos recursos extraordinários, à qual se aplica, dada a indisponibilidade das
partes sobre esses recursos e a natureza substantiva daquele prazo, o regime
estabelecido no art. 333º/1 CC.

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RECURSOS ORDINÁRIOS

GENERALIDADES

107. Enunciado dos recursos


a) Sistematização da lei
A regulamentação dos recursos consta dos arts. 676º a 782º CPC.
A ordem da regulamentação dos recursos ordinários não acompanha
completamente os graus hierárquicos dos Tribunais recorridos, antes obedece a
um critério respeitante ao objecto da decisão impugnada. A ordem é a seguinte:
- Primeiro, são reguladas a apelação (arts. 691º a 720º CPC) e a revista
(arts. 721º a 732º-B CPC), que são os recursos que cabem das decisões
relativas ao mérito;
- Surgem depois os regimes do agravo em 1ª instância (arts. 733º a 753º
CPC) e do agravo em 2ª instância (arts. 754º a 762º CPC), que são os
recursos admissíveis das demais decisões.
b) Recursos na 1ª instância
Os recursos ordinários interpostos de decisões proferidas pela 1ª instância
são a apelação e o agravo. A apelação cabe da sentença final e do despacho
saneador que decidam do mérito da causa (art. 691º/1 CPC); também nos
processos especiais se consideram de apelação os recursos interpostos da
sentença ou de quaisquer despachos que decidam desse mérito (art. 463º/4º
CPC). O âmbito do agravo em 1ª instância delimita-se perante o da apelação:
ele cabe das decisões, susceptíveis de recurso, de que não possa apelar-se (art.
733º CPC)
c) Recursos na 2ª instância
Os recursos ordinários que cabem das decisões proferidas pela Relação são
a revista e o agravo em 2ª instância. O âmbito da revista é definido pelo seu
objecto e pelo seu fundamento específico: cabe recurso de revista do acórdão
da Relação que decide do mérito da causa e do qual se recorre com fundamento
na violação da lei substantiva (art. 721º/1 e 2 CPC). O agravo em 2ª instância
possui um âmbito residual perante a revista: ele cabe dos acórdãos da Relação
dos quais não se possa recorrer de revista (art. 754º/1 CPC), seja porque o
acórdão não conheceu do mérito da causa, seja porque dele se recorrer com um
fundamento processual (art. 755º/1 CPC).
d) Recurso para o Tribunal Constitucional
O recurso para o Tribunal Constitucional é igualmente um recurso ordinário,
porque deve ser interposto antes do trânsito em julgado da decisão (arts. 70º/2,
75º/1 LTC). Esse recurso pode ter por fundamento a inconstitucionalidade de
uma norma (art. 280º/1 CRP; art. 70º/1-a, b, g, h, LTC). Para esse efeito,
entende-se como norma, segundo um conceito funcional e formal, qualquer acto
de um poder normativo do Estado (lato sensu), ainda que de conteúdo individual
e concreto.

88
e) Erro na espécie de recurso
O erro na espécie do recurso verifica-se sempre que o recurso interposto
não seja o apropriado à decisão recorrida ou ao fundamento invocado. Este erro
constitui uma nulidade sanável: o próprio Tribunal no qual é interposto o recurso
manda seguir, no despacho que o admite, os termos do recurso adequado (art.
687º/3, 2ª parte CPC). O controlo da propriedade do recurso também compete
ao Tribunal ad quem: se o relator do recurso de apelação entender que o
recurso apropriado é o agravo, ouvirá, antes de decidir, as partes e julgará
depois qual o recurso adequado (arts. 701º/1-b, 702º/1 CPC). Este regime é
aplicável, com as necessárias adaptações, ao agravo em 1ª instância (art. 749º
CPC), à revista (art. 726º CPC) e ao agravo em 2ª instância (art. 762º/1 CPC).

108. Finalidades dos recursos


As decisões proferidas pelos Tribunais de recurso – e, em especial, pelos
Tribunais supremos – podem realizar uma de duas finalidades: eles podem visar
exclusivamente a decisão do caso concreto ou destinar-se a obter, além da
resolução deste, a uniformização jurisprudencial sobre a interpretação e a
aplicação da lei. Na primeira destas situações, a decisão do Tribunal superior só
se torna vinculativa no caso apreciado, pelo que o recurso onde é proferida pode
ser designado como um recurso casuístico; na segunda, a decisão do Tribunal
torna-se um critério de decisão de casos semelhantes, isto é, é aplicável sempre
que os Tribunais se devam pronunciar sobre uma questão idêntica à apreciada:
o recurso que conduz ao proferimento dessa decisão pode chamar-se recurso
normativo.
No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da
decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o
Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra,
o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que
não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela
foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e
não meios de julgamento de questões novas. Excluída está, por isso, a
possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso, embora isso
não resulte de qualquer proibição legal, mas antes da ausência de qualquer
permissão expressa.
O julgamento de uma causa pressupõe a aplicação de uma lei a certos
factos, isto é, esse julgamento conjuga matéria de direito e de facto. A
competência decisória de recurso pode abranger ambas essas matérias ou
restringir-se à matéria de facto.
A possibilidade de o Tribunal de recurso conhecer de matéria de facto
pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas
condições que estão asseguradas ao Tribunal recorrido.
Ao Tribunal superior pode ser concedido apenas o poder de revogar a
decisão recorrida ou o poder de a revogar e de a substituir por uma outra: no
primeiro caso, o recurso pertence ao modelo de cassação e comporta somente
um juízo rescindente; no segundo, o recurso integra-se no modelo de
substituição e contém um juízo rescindente e um juízo rescisório. Estes modelos

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não são verdadeiramente incompatíveis, porque todo o recurso comporta um
juízo rescindente e é, portanto, cassatório. O que pode suceder é que, além do
juízo rescindente, o recurso também contenha um juízo rescisório, ou seja,
permita que o Tribunal ad quem substitua a decisão revogada: nesta hipótese, o
recurso integra-se no modelo de substituição.
O recurso de cassação favorece a harmonização jurisprudencial sobre a
interpretação da lei, porque o Tribunal ad quem se limita a controlar o respeito
da lei pelas instâncias, mas, ao pressupor uma separação entre a interpretação
e a aplicação da lei, é dificilmente coadunável com as modernas tendências da
metodologia jurídica. Em contrapartida, o modelo do recurso de substituição
favorece a adequação da decisão ao caso concreto, embora dificulte a
harmonização jurisprudencial sobre a interpretação da lei.

109. Instância de recurso


O recurso é interposto no Tribunal que proferiu a decisão recorrida (art.
687º/1 CPC), pelo que, por analogia com o disposto no art. 267º/1 CPC, ele
deve considerar-se interposto logo que seja recebida na secretaria desse
Tribunal o respectivo requerimento do recorrente. A esse Tribunal compete
controlar a admissibilidade do recurso (art. 687º/3 CPC); se o recurso for
considerado admissível, ele sobe posteriormente ao Tribunal ad quem (arts.
699º, 724º/1, 744º/2, 760º e 761º/1 CPC). Portanto, o procedimento do recurso
reparte-se entre o Tribunal a quo e o Tribunal ad quem.
O dever de litigância de boa fé (art. 266º-A CPC) também vale na instância
de recurso. Assim, qualquer das partes pode ser condenada como litigante de
má fé por ter actuado quer com má fé substancial (art. 456º/2-a, b, c, CPC), quer
com má fé instrumental (art. 456º/2-d CPC). Além disso, em sede de recursos,
há que contar com o regime especial que se encontra previsto no art. 720º CPC
(aliás aplicável a todos os demais recursos ex vi dos arts. 726º, 749º, 762º/1
CPC).

110. Efeitos de interposição


A interposição do recurso realiza efeitos no próprio processo pendente e
pode ainda produzi-los fora desse processo: na primeira hipótese, pode falar-se
de efeitos intraprocessuais; na segunda, de efeitos extraprocessuais.
a) Efeitos intraprocessuais
Comportam um efeito suspensivo, efeitos translativos e um efeito
suspensivo. O efeito suspensivo, refere-se à circunstância de a decisão
recorrida não transitar em julgado e de, por isso, não receber o valor de caso
julgado antes da sua confirmação pelo Tribunal de recurso ou de nem sequer vir
a obter esse valor se for revogada por esse Tribunal.
Os efeitos translativos, respeitam à transferência dos efeitos decorrentes da
instância recorrida para a instância de recurso e são consequência da
continuação da pendência do processo.
A interposição do recurso também produz em efeito devolutivo. Esse efeito
caracteriza-se pela atribuição do Tribunal superior do poder de confirmar ou

90
revogar a decisão recorrida, sendo ele que justifica a chamada expedição ou
subida do recurso (arts. 699º, 724º/1, 74º0/2, 760º e 761º/1 CPC).
b) Efeitos extraprocessuais
Traduzem-se segundo as expressões tradicionais, num efeito devolutivo ou
suspensivo, mas estes possuem um recorte completamente diferente dos
homónimos efeitos intraprocessuais. Existe, além de tudo o mais, uma distinção
fundamental entre ambos: o efeito devolutivo e o efeito suspensivo, enquanto
efeitos intraprocessuais, são essenciais aos recursos ordinários regulados no
direito português e, por isso, coexistem em qualquer recurso; pelo contrário, o
efeito devolutivo e o efeito suspensivo, enquanto efeitos extraprocessuais, são
características secundárias desses recursos, que são escolhidas pelo legislador
para cada recurso e que são necessariamente alternativas.
O efeito (extra-processual) devolutivo significa que a interposição do recurso
não obsta à produção de efeitos da decisão recorrida fora do processo em que
foi proferida.
O efeito (extra-processual) suspensivo impede a produção de efeitos da
decisão recorrida fora do processo em que foi proferida e, nomeadamente, a sua
exequibilidade, mesmo provisória (art. 47º/1 CPC).
A instância de recursos pode suspender-se nas circunstâncias referidas no
art. 276º/1 CPC, e interrompe-se quando o processo estiver parado durante
mais de um ano por negligência de qualquer das partes (art. 285º CPC). Mas se
essa parte for o recorrente ou o autor de um incidente suscitado em recurso,
verifica-se a deserção do recurso (art. 291º/2, 3 CPC) e a consequente extinção
da instância por simples despacho do juiz ou do relator (arts. 287º-c e 291º/4
CPC).

ESTUDO ANALÍTICO

111. Fundamentos dos recursos


a) Tipologia do erro judiciário
A lei processual estabelece, a propósito do recurso de revista, que a
violação de lei (substantiva ou processual) pode consistir no erro de
interpretação ou de aplicação da norma ou no erro de determinação da norma
aplicável (art. 721º/2, 1ª parte CPC). A distinção entre estes erros não é fácil,
porque muito frequentemente o erro na determinação da norma aplicável resulta
de um erro na sua interpretação.
a) Erro na previsão
O erro na determinação da norma aplicável consiste num equívoco quanto à
norma que deve ser aplicada ao caso concreto. Este erro pode ocorrer em duas
modalidades distintas: o erro na qualificação e o erro na subsunção. Aquele erro
na qualificação verifica-se quando o Tribunal selecciona mal a norma aplicável
ao caso concreto, isto é, quando esse órgão, ao procurar a lei reguladora desse
caso, escolhe a norma errada.

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O erro na subsunção verifica-se quando os factos apurados são subsumidos
a uma norma errada, ou seja, quando o Tribunal integra na previsão de uma
norma factos ou situações que ela não comporta.
b) Erro na estatuição
Diferente de qualquer dos erros sobre a previsão é o erro na aplicação da
norma, que decorre de um entendimento erróneo das consequências
determinadas pela norma aplicada.
b) Tipologia da violação da lei
A violação da lei que resulta de um erro sobre a previsão ou de um erro
sobre a estatuição respeita à própria norma que define o conteúdo da decisão
proferida, situação em que o controlo exercido pelo Tribunal ad quem se traduz
em aplicar correctamente a norma de decisão adequada. A esta violação da
própria norma de decisão pode chamar-se violação primária.
Mas também pode suceder que a violação da lei não incida sobre a norma
que define, ou devia definir, o conteúdo de decisão, mas sobre uma norma que
tem por objecto a norma de decisão ou o acto jurídico que determina aquele
conteúdo. Estas normas sobre normas de decisão ou sobre actos jurídicos que
definem o conteúdo da decisão podem designar-se por normas secundárias e à
respectiva violação pode chamar-se, por isso, violação secundária.
A distinção entre violação primária e secundária da lei traça-se, em suma, do
seguinte modo:
- Há violação primária do critério de decisão se o Tribunal recorrido
aplicou um critério distinto daquele que era o adequado ao caso concreto
ou errou na aplicação desse critério, ou seja, se o caso foi resolvido por
um critério errado ou pela aplicação errada do critério adequado;
- Há violação secundária, se o recorrente alega, não o erro sobre o
critério aplicável ou sobre a aplicação do critério adequado, mas a violação
pelo Tribunal recorrido de uma norma secundária sobre o critério decisão,
nomeadamente a violação de uma norma que determina a inexistência, a
invalidade ou a ineficácia daquele critério.

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112. Apelação
Cabe apelação da sentença final e do despacho saneador que decidam do
mérito da causa (art. 691º/1 CPC). Assim, a apelação é o recurso admissível das
decisões sobre o mérito proferidas pela 1ª instância, pelo que são apeláveis
todas as decisões que nela absolvam ou condenem o réu no pedido. A decisão
que conhece do mérito e que, por isso, é apelável pode não ser uma decisão
final do processo (art. 695º/1 CPC).
O recurso de apelação delimita-se exclusivamente pelo seu objecto, que é a
decisão proferida em 1ª instância sobre o mérito da causa (art. 691º/1 CPC),
sendo irrelevante o fundamento invocado pelo apelante. Isso significa que, ainda
que o recorrente pretenda alegar um fundamento processual contra a decisão
recorrida, o recurso admissível é a apelação.

113. Agravo em 1ª instância


O âmbito do agravo em 1ª instância delimita-se negativamente perante o do
recurso de apelação: cabe agravo das decisões susceptíveis de recurso de que
não possa apelar-se (art. 733º CPC), isto é, das decisões dos Tribunais de 1ª
instância que não conhecem do mérito da causa.
Dada a delimitação negativa do agravo perante a apelação (art. 73º CPC),
pode dizer-se que aquele recurso é aplicável sempre que uma decisão for
recorrível, mas dela não couber apelação por não ser uma decisão sobre o
mérito. Cabe igualmente agravo, das decisões secundárias sobre as custas da
acção (art. 46º/1 CPC; art. 62º CCJ), sobre a condenação em multa e
indemnização como consequência da litigância de má fé (art. 456º/1 CPC) e
ainda sobre a concessão ou denegação do apoio judiciário (art. 39º/1 DL 387-
B/87, de 29/12).

114. Revista
O campo de aplicação do recurso de revista delimita-se duplamente pelo
objecto e pelo fundamento:
- O objecto da revista é o acórdão da Relação que decide do mérito da
causa (art. 721º/1 CPC), isto é, que prenuncia uma condenação ou
absolvição do pedido;
- O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei
substantiva (art. 721º/2, 1ª parte CPC), embora, acessoriamente, o
recorrente também possa alegar a violação da lei processual (arts. 721º/2
in fine, 722º/1 CPC). Note-se que, como a revista cabe do acórdão da
Relação sobre o mérito da causa (art. 721º/1 CPC), ela é igualmente
admissível da decisão que conhece desse mérito no agravo em 1ª
instância (art. 753º/1 CPC) e que é impugnada com fundamento na
violação da lei substantiva (art. 721º/2 CPC).
A revista é o recurso ordinário pelo qual se impugna uma decisão de mérito
da 2ª instância com fundamento na violação de lei substantiva. A revista deve
ser admissível, por isso, sempre que um Tribunal de 2ª instância se pronuncie
sobre o mérito da causa e a decisão seja recorrível. Como, em certos casos,

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essa decisão da Relação se pode verificar depois do julgamento de um outro
recurso pelo Supremo, existem algumas situações de revista diferida e outras de
segunda revista.
Encontram-se também situações em que é admissível a interposição de uma
segunda revista. Tal sucede nos casos em que, como resultado da procedência
de uma revista pendente, o supremo manda baixar o processo à Relação e esta
profere uma decisão sobre o mérito da causa: desta última decisão pode
interpor-se uma nova revista.

115. Agravo em 2ª instância


O agravo em 2ª instância possui um âmbito de aplicação residual perante os
recursos de revista e de apelação (art. 754º/1 CPC). Dado que a revista cabe do
acórdão da Relação que conheça do mérito da causa (art. 721º/1 CPC) e do
qual seja interposto recurso com fundamento na violação da lei substantiva (art.
721º/2 CPC), o recurso de agravo em 2ª instância é admissível nas seguintes
situações:
- Quando o acórdão da Relação não aprecie o mérito da causa (ex. art.
493º/2 CPC);
- Quando o acórdão da Relação conheça do mérito da causa, mas o
recorrente pretenda impugnar dessa decisão exclusivamente com um
fundamento processual (ex. arts. 493º/2, 494º-a CPC).
Em certos casos, a Relação funciona como Tribunal de 1ª instância: no
âmbito civil, tal sucede quanto às acções de indemnização propostas contra
juízes de direito, procuradores da República e delegados do Procurador da
República e baseadas em actos praticados durante o desempenho das suas
funções (art. 41º/1-b LOTJ; art. 1083º/1 CPC). Do acórdão da Relação que
conheça do objecto dessas acções cabe recurso de apelação para o Supremo
(art. 1090º/1 CPC), pelo que, dada a delimitação negativa do agravo em 2ª
instância perante a apelação (art. 754º/1 CPC), aquele agravo cabe apenas das
decisões que, naquelas acções, não se pronunciem sobre o mérito da causa.
Como o agravo em 2ª instância incide sobre decisões que não conhecem do
mérito (art. 754º/1 CPC), nem sempre é exigível assegura-lhes um controlo pelo
Supremo: é essa a justificação para a exclusão, imposta pelo art. 754º/2, 1ª
parte e 3º CPC, da admissibilidade de recurso para o Supremo do acórdão da
Relação que confirme, ainda que por diverso fundamento mas sem voto de
vencido, a decisão interlocutória proferida na 1ª instância. O regime não vale,
contudo, quando, nos termos do art. 678º/2/3 CPC, o recurso seja admissível
independentemente dos valores da causa e da sucumbência da parte.

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OBJECTO DOS RECURSOS ORDINÁRIOS

116. Constituição
O objecto do recurso é constituído por um pedido e um fundamento. O
pedido consiste na solicitação de revogação da decisão impugnada e o
fundamento na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou
no julgamento (error in iudicando).
O pedido de revogação fundamenta-se num error in procedendo ou in
iudicando, mas importa salientar um aspecto especialmente importante. Para
que o recurso seja procedente não basta que o Tribunal ad quem verifique
qualquer desses erros; é ainda indispensável que a decisão impugnada, apesar
de padecer do vício invocado pelo recorrente, não possa ser confirmada por um
fundamento diferente do utilizado pelo Tribunal recorrido.
O pedido do recorrente deve ser formulado no requerimento de interposição
do recurso, no qual, em certos casos, também devem ser apresentados os
respectivos fundamentos (art. 687º/1 CPC). Esse pedido pode ser restringido
nas conclusões das alegações do recurso (art. 684º/3 CPC) através, por
exemplo, da exclusão de um dos recorridos ou da aceitação da decisão quanto a
um dos pedidos cumulados, mas não pode ser ampliado em relação àquele que
consta do requerimento de interposição, porque qualquer restrição realizada
neste último vale como aceitação da decisão não impugnada e, portanto, como
renúncia ao recurso (art. 681º/2 e 3 CPC).

117. Âmbito
O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Antes do mais, esse âmbito é
determinado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados
na instância recorrida. Dado que o direito português consagra o modelo do
recurso de reponderação, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente
limitado pelas questões colocadas ao Tribunal recorrido, pelo que, em regra, não
é possível solicitar ao Tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão
que não se integra no objecto da causa tal como for apresentada na 1ª instância.
Dentro do objecto do processo e com observância dos casos julgados
formados na acção, o âmbito do recurso delimita-se objectivamente pela parte
dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art. 684º/2, 2ª parte
CPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art. 684º-
A/1 e 2 CPC). Quer dizer: o objecto do recurso não é sequer a totalidade da
decisão, mas apenas o que nela for desfavorável ao recorrente ou recorrido, o
que, aliás, implica que o Tribunal de recurso não pode apreciar a parte da
decisão que não foi impugnada.
Finalmente, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente.
Sempre que a parte dispositiva da sentença contenha decisões distintas sobre
vários objectos, o recorrente pode distinguir o recurso a qualquer delas (art.
684º/2, 1ª parte CPC).

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118. Limites
A função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não
um novo julgamento da causa. Dessa circunstância decorre a proibição da
reformatio in melius e in peius. A proibição da reformatio in melius tem o
seguinte enunciado: como o objecto do recurso é delimitado pela impugnação do
recorrente, esta parte não pode alcançar através do recurso mais do que a
revogação e eventual substituição da decisão recorrida. A proibição da
reformatio in peius (que se encontra consagrada no art. 684º/4 CPC) traduz-se
no seguinte: a decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável
ao recorrente que a decisão impugnada.
A violação das proibições da reformatio in melius e in peius pressupõe que o
Tribunal de recurso conhece de matéria que não podia apreciar, porque excede
o âmbito da sua competência decisória. Assim, é nulo, por excesso de
pronúncia, o acórdão do Tribunal de recurso que não observa aquelas
proibições (arts. 668º/1-d, 2ª parte CPC, 716º/1, 732º, 752º/3, 762º/1 CPC).
A proibição da reformatio in melius é uma consequência da vinculação do
Tribunal superior à impugnação do recorrente: por isso, esse Tribunal não pode
conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto.
Esta proibição da reformatio in melius mantém-se mesmo quando o Tribunal
de recurso tem de apreciar matéria de conhecimento oficioso.
Não viola a proibição da reformatio in melius a circunstância de o Tribunal de
recurso confirmar a procedência da acção no quantitativo total do pedido do
autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas.
A decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao
recorrente do que a decisão recorrida: é nisto que consiste a proibição da
reformatio in peius (art. 684º/4 CPC).
A possibilidade de o Tribunal de recurso conhecer oficiosamente de certa
matéria não o isenta da sujeição à proibição da reformatio in peius.

119. Decisão
O âmbito da competência decisória do Tribunal depende do tipo de recurso.
Se esse recurso pertence ao modelo de cassação, o Tribunal ad quem só pode
revogar a decisão impugnada; se o recurso se integra no modelo de
substituição, o Tribunal ad quem pode não só revogar a decisão impugnada,
mas também substitui-la por outra. Esta substituição nem sempre é limitada pelo
objecto do recurso: se a Relação considera procedente o agravo interposto,
esse Tribunal pode substituir a decisão de forma impugnada por uma decisão
sobre o mérito (art. 753º/1 CPC).
Se o Tribunal superior, só podendo julgar segundo o modelo de cassação e,
portanto, podendo apenas revogar a decisão recorrida, substitui essa decisão
por uma outra, verifica-se um excesso de pronúncia, porque esse Tribunal
conhece de uma matéria que não pode apreciar. Tal excesso determina a
nulidade da sua decisão (arts. 668º/1-d, 2ª parte, 716º/1, 732º, 752º/3, 762º/1
CPC).
A improcedência do recurso e a consequente confirmação da decisão
recorrida podem resultar da modificação pelo Tribunal ad quem do fundamento

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dessa mesma decisão. Isto é, o Tribunal superior pode aceitar a procedência do
recurso, mas encontrar um outro fundamento, distinto daquele que foi utilizado
pelo Tribunal recorrido, para confirmar a decisão recorrida.
Tal hipótese sempre que a decisão possa comportar vários fundamentos.
Esta pluralidade pode resultar, quanto a uma decisão de mérito, de um concurso
de pretensões ou de excepções peremptórias e, quanto a uma decisão de
forma, de um concurso de excepções dilatórias. No entanto, esta possibilidade
depende de duas condições:
- Uma delas é que o Tribunal de recurso possa conhecer do fundamento
que justifica a confirmação da decisão recorrida;
- Uma outra é que a procedência do recurso não impeça a confirmação
da decisão com base noutro fundamento.

97
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

120. Enunciado
Na instância de recurso relevam três tipos de pressupostos processuais: os
gerais, os especiais e os específicos. Os pressupostos gerais são comuns à
acção no seu todo: é o caso, por exemplo, da competência do Tribunal a quo e
da legitimidade das partes; os pressupostos especiais são adaptações à
instância de recurso dos pressupostos gerais: são eles a competência do
Tribunal ad quem e o patrocínio judiciário obrigatório do recorrente; finalmente,
os pressupostos específicos são restritos à instância de recurso: esses
pressupostos são a recorribilidade da decisão e a legitimidade para recorrer.

121. Apreciação
Os pressupostos processuais específicos condicionam a admissibilidade do
conhecimento do objecto do recurso, o que significa que, se eles não se
encontrarem preenchidos, o Tribunal ad quem não se pronuncia sobre a
procedência ou improcedência do recurso.
Os pressupostos específicos podem tornar-se, eles próprios, objecto de um
recurso. Esta solução é ditada pelo princípio da auto-suficiência do processo,
segundo o qual a aparência vale como realidade até se averiguar se
efectivamente ela corresponde a qualquer realidade.
Os pressupostos específicos da instância de recurso beneficiam, embora
não exclusivamente, a parte recorrida, dado que definem as condições em que o
recurso é admissível e em que pode ser impugnada uma decisão favorável a
essa parte. Isso significa que lhes é aplicável a dispensa, estabelecida no art.
288º/3, 2ª parte CPC, da necessidade da sua apreciação prévia relativamente ao
conhecimento do mérito do recurso.
Os pressupostos específicos devem ser controlados oficiosamente pelo
próprio Tribunal a quo (art. 687º/3, 1ª parte CPC). Mas a decisão desse Tribunal
não vincula o Tribunal ad quem (art. 687º/4 CPC), pois que lhe incumbe
controlar aqueles pressupostos (arts. 701º/1, 704º/1 CPC, aplicáveis à revista –
art. 726º CPC – e aos agravos – arts. 749 e 762º/1 CPC). Esta duplicidade de
momentos de apreciação dos pressupostos específicos implica que há que
considerar eventuais alterações entre o momento da apreciação no Tribunal a
quo e o julgamento no Tribunal ad quem.
Além dos pressupostos processuais específicos, na instância de recuso
também devem estar preenchidos os pressupostos gerais. Quanto ao seu
controlo pelo Tribunal de recurso, há que considerar duas situações. Esses
pressupostos podem constituir o próprio objecto do recurso, isto é, a
impugnação pode incidir sobre uma decisão relativa a esses pressupostos. Mas,
ainda que esses pressupostos não constituam o objecto de recurso, o Tribunal
ad quem pode sempre apreciar aqueles que forem de conhecimento oficioso
(art. 495º CPC) e absolver o réu da instância com base na falta de qualquer
deles (art. 493º/2 CPC). Pode assim dizer-se que os pressupostos de

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conhecimento oficioso constituem um objecto implícito do recurso, porque o
Tribunal ad quem pode apreciá-los em qualquer recurso.
Em qualquer destes casos, ou seja, tanto na hipótese em que o objecto do
recurso é um pressuposto processual geral, como na eventualidade em que o
Tribunal superior pode controlar um pressuposto de conhecimento oficioso, este
Tribunal não deve ocupar-se desse pressuposto se a decisão sobre o mérito
puder ser favorável à parte que beneficiaria com o seu preenchimento: é a
solução imposta pelo art. 288º/3, 2ª parte CPC. É por isso que, se estiverem
simultaneamente pendentes uma apelação relativa à decisão de mérito
desfavorável ao autor e um agravo relativo à decisão sobre os pressupostos
processuais interposto pelo réu, o art. 710º/1 CPC (aplicável à revista ex vi do
art. 726º CPC), determina que este agravo só deva ser apreciado se a decisão
sobre o mérito não for confirmada.
Os pressupostos especiais dos recursos são a competência do Tribunal ad
quem (arts. 71º e 72º CPC; arts. 27º-a, 28º/1-a, 41º/1-a LOTJ) e o patrocínio
judiciário obrigatório do recorrente (art. 32º/1-c CPC). Quanto à possibilidade de
o Tribunal superior conhecer do mérito do recurso numa situação em que esses
pressupostos não se encontram preenchidos, há que verificar, segundo o critério
subjacente à desnecessidade da apreciação prévia dos pressupostos
processuais estabelecida o art. 288º/3, 2ª parte CPC, se aqueles pressupostos
são disponíveis e, em caso afirmativo, se a sua falta não prejudica a parte que
seria beneficiada com a sua verificação.

122. Recorribilidade da decisão


A recorribilidade da decisão pressupõe o esgotamento de outras eventuais
formas de impugnação, como é o caso da reclamação (arts. 123º/2, 511º/2,
650º/5, 653º/4, 668º/3, 700º/3, 725º/5 CPC). É nisto que consiste a
subsidiariedade do recurso perante a reclamação (art. 700º/3 e 5 CPC). Se a
parte recorrer em vez de reclamar, há falta de interesse processual, porque a
parte não utilizou o meio mais célere e menos dispendioso para a impugnação
da decisão. Mas o art. 688º/5 CPC, permite a conversão do recuso
indevidamente interposto na reclamação dirigida ao presidente do Tribunal
superior e, mediante aplicação analógica do disposto no art. 687º/3, 2ª parte
CPC, quanto ao erro na espécie de recurso, pode entender-se que o Tribunal
perante o qual foi interposto o recurso indevido deve mandar seguir os termos
da reclamação apropriada: obtém-se desta forma a sanação dessa falta de
interesse processual.
A decisão recorrida pode ser tanto uma decisão final, como uma decisão
interlocutória. A recorribilidade das decisões interlocutórias apresenta vantagens
e inconvenientes: ela revela-se útil, se o Tribunal de recurso vier a revogar a
decisão recorrida, porque, nesse caso, a impugnação permite evitar as
repercussões da decisão impugnada na acção pendente; mas se o Tribunal de
recurso confirmar a decisão recorrida, o recurso pode contribuir para atrasar o
andamento e decisão do processo.

123. Legitimidade para recorrer

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A legitimidade para recorrer pode ser aferida segundo um critério formal ou
material. Segundo o critério formal, tem legitimidade para recorrer a parte que
não obteve o que pediu ou requereu; portanto, não pode recorrer a parte que
consegui na acção aquilo que solicitou ou que está de acordo com a sua
conduta na acção. Diferentemente, segundo o critério material, tem legitimidade
para recorrer a parte para a qual a decisão for desfavorável, qualquer que tenha
sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos
pedidos por ela formulados no Tribunal a quo.
A legitimidade ad recursum é, apesar da sua designação, uma modalidade
do interesse processual e não uma concretização, no âmbito dos recursos, da
legitimidade processual.
Também na legitimidade para recorrer se observa a correlatividade que
caracteriza o interesse processual. Se a uma das partes for reconhecido um
interesse a recorrer, isto é, um interesse em obter a tutela decorrente da
procedência do recurso, à contraparte é automaticamente atribuído um interesse
em contradizer, ou seja, um interesse em evitar o prejuízo relevante daquela
procedência.
O art. 68º/3 CPC (aplicável às decisões proferidas na 2ª instância ex vi dos
arts. 716º/1, 752º/3 CPC) estabelece que, quando for admissível interpor recurso
ordinário da decisão, a nulidade desta pode constituir um dos fundamentos
desse recurso; o recurso interposto pode mesmo ter como único fundamento
aquela nulidade (arts. 722º/3, 1ª parte, 755º/1-a CPC).

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