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compilada por
Hegúmeno Chariton de Valamo
traduzida por
E. Kadloubovsky e E. M. Palmer
INTRODUÇÃO
PREFÁCIO
II - O QUE É ORAÇÃO?
(i) O Teste de Todas as Coisas
(ii) Graus de Oração
IV – OS FRUTOS DA ORAÇÃO
(i) Atenção e Temor a Deus
(ii) Graça Divina e Esforço Humano
(iii) A Combustão do Espírito
V - O REINO DO CORAÇÃO
(i) O Reino Dentro de Nós
(ii) A União da Mente e do Coração
OUTRAS LEITURAS
ÍNDICE REMISSIVO
INTRODUÇÃO
comunidade monástica.
4 Stárets (plural startsi), literalmente um ‘ancião’: um monge (ocasionalmente uma
pessoa leiga) que se distingue por sua santidade, longa experiência na vida espiritual,
Jesus, e ao mesmo tempo em outras formas de oração e
esforços ascéticos. Com a morte de seu stárets, Chariton – na
ausência de um professor vivo – procurou por direção nos
livros. Ele tinha o costume de copiar num distinto caderno de
notas as passagens que particularmente o impressionavam e
assim, ao longo do tempo, compilou uma antologia sobre a
arte da prece. Veio a ele a idéia de que as palavras que lhe
foram úteis também seriam de ajuda para outros – não
apenas aos monges mas às pessoas leigas do mundo – e
assim, em 1936, decidiu publicar o material de seu caderno
de notas. Deliberadamente discreto, não adicionou
comentários nem conexões associativas próprias – ‘não
ousando a presunção’, como ele mesmo coloca, de que tivesse
‘alcançado a Oração Interior’5 – mas deixou que os autores
falassem inteiramente por eles mesmos.
A Arte da Prece, então, representa o fruto de cuidadosa
leitura através de muitos anos de vida monástica. Contêm
autores de épocas amplamente distintas, estendendo-se do
quarto ao vigésimo século, mas o grosso das citações vem de
escritores russos da segunda metade do século IXX. Tomada
como um todo, a antologia do Padre Chariton expõe diante do
leitor o ensinamento espiritual da Igreja Ortodoxa na sua
forma clássica e tradicional. Existem outros livros que
tentam, em diversas maneiras, cumprir a mesma meta, mas
poucos deles são emoldurados em termos tão inusitados,
diretos e vívidos.
Vivendo no grande monastério de Valamo, Padre
Chariton não poderia deixar de sentir-se como o herdeiro de
uma rica e antiga tradição que se estendia através de muitos
séculos passados. Quando entrou na comunidade, Valamo
ainda estava no cume de sua prosperidade, com 300-400
monges e quatro igrejas dentro do recinto principal, ao lado
de muitas capelas menores: era um lugar de peregrinação
honrado por toda a Rússia, com uma imensa casa de
hóspedes suficiente para abrigar 200 visitantes ao mesmo
tempo. Mas não era tanto a glória exterior que atraia um
monge como Chariton; seu interesse pousava mais na
tradição do ascetismo e da oração interior pela qual Valamo
se mantinha, e é esta herança invisível e espiritual que ele
e dom especial para guiar a alma dos outros.
5 p. 40. Cap. I (3). (3 é o número da página no arquivo ‘pdf’ em português, 40 a página
do trecho em inglês.)
busca tornar disponível para outros através de sua antologia.
Valamo por muito tempo foi um famoso centro
missionário: durante a Idade Média membros do monastério
viajaram através do distrito circundante de Karelia pregando
às tribos pagãs, enquanto que em 1794 foram nove monges
de Valamo os escolhidos para ir ao Alaska como os primeiros
missionários Ortodoxos no Novo Mundo. Embora fale aos
Cristãos, não pagãos, em seu próprio modo o Hegúmeno
Chariton também é um missionário – não através da
pregação direta, mas através da palavra impressa. Ele fala
daquele reino interno do coração, desconhecido à maioria dos
Cristãos, que todo membro batizado do Corpo de Cristo pode
descobrir dentro de si mesmo através da arte da prece.
As fontes da antologia
Alemanha, nas duas margens do médio e baixo Reno, rio do qual tira seu nome.
ele ainda está trabalhando somente com as reservas do
intelecto humano, e neste nível nunca obterá um imediato e
pessoal encontro com Deus. Pelo uso do seu cérebro, ele irá
na melhor das hipóteses saber sobre Deus, mas ele não
conhecerá a Deus. Pois não pode existir conhecimento direto
de Deus sem um amor extremamente grande, e tal amor deve
vir não apenas do cérebro, mas da plenitude do homem – isto
é, do coração. É necessário, então, que o asceta desça da
cabeça ao coração. Não é requerido que abandone seus
poderes intelectuais – a razão, também é um dom de Deus –
mas ele é chamado a descer com a mente ao seu coração.
Ao coração, então, desce – ao seu coração natural
primeiro, e de lá ao coração ‘profundo’ – naquele ‘quarto
interno’ do coração que não é mais de carne. Aqui, nas
profundezas do coração, descobre de início o ‘espírito divino’
que é a Sagrada Trindade implantada no homem na criação,
e com este espírito vem a conhecer o Espírito de Deus, que
habita dentro de todo Cristão desde o momento do batismo,
muito embora a maioria de nós seja ignorante de Sua
presença. De um ponto de vista, a plena meta da vida
ascética e mística é a redescoberta da graça do batismo. O
homem que avança ao longo do caminho da oração interior
deve, deste modo, ‘retornar a si mesmo’ encontrando o reino
do céu que está dentro e, assim, atravessar a misteriosa
fronteira entre o criado e o incriado.
29 Veja p. 66 Cap II(ii, 7); e compare com p. 156 Cap. IV(iii, 15), onde Teófano fala da
‘espiritualização da alma e do corpo’.
30 p.71. Cap. II (ii, 14)
31 p. 65 Cap. II (ii, 4) (Teófano).
32 Mystic Treatises, ed. A. J. Wensinck, Amsterdam, 1913, p. 174. [Veja Pequena
As paixões e a imaginação
termo exato e equivalente a este no inglês moderno. É uma forma de apatia, falta de
entusiasmo, e depressão.
38 Esta lista vem de Evágrios Pôntico, um monge do Egito do século IV. Tomado pelo
A Oração de Jesus
misericórdia de nós!’
59 Sobre isto, veja p. 75. Cap. III (I, 1-2)
60 Recomendado por S. Macário (morto 390): Apophtegmata 19 (P.G. xxxiv. 249A).
Filho de Deus, tenha misericórdia de mim,’62 ‘Eu pequei como
um homem, Tu como Deus tenha misericórdia.’63 Nos
períodos monásticos iniciais havia uma considerável
variedade destas preces ejaculatórias.
Tal era o meio no qual a Oração de Jesus desenvolveu-
se. Inicialmente era apenas uma entre muitas fórmulas
curtas, mas tinha uma incomparável vantagem sobre todas
as restantes – o fato de que continha dentro dela o Nome
Sagrado. Por isso, não é uma surpresa que no curso do
tempo passou a ser cada vez mais utilizada em detrimento às
outras. Mesmo assim – pois a Ortodoxia é uma religião de
liberdade – a variedade original nunca cessou inteiramente e
em certa ocasião em A Arte da Prece Teófano recomenda
outras fórmulas curtas, observando: ‘A força não está nas
palavras, mas nos pensamentos e sentimentos.’64 Em outro
lugar, entretanto, ele a qualifica, atribuindo uma eficácia
especial ao Nome Sagrado: ‘As palavras “Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tenha piedade de mim” são apenas o
instrumento e não a essência do trabalho; mas elas são um
instrumento muito forte e efetivo, pois o Nome do Senhor
Jesus é apavorante para os inimigos da nossa salvação e uma
benção para todo aquele que O busca.’65 ‘A Oração de Jesus é
como qualquer outra prece. Ela só é mais forte que todas as
outras em virtude do todo-poderoso Nome de Jesus, Nosso
Senhor e Salvador.’66
Em que data o texto desenvolvido da Oração de Jesus
surgiu pela primeira vez em uma forma claramente
reconhecível? As fontes monásticas mais remotas (séc. IV),
enquanto mencionam outras fórmulas, não falam da
Invocação do Nome. Os primeiros escritores a se referirem
explicitamente a tal invocação ou ‘lembrança’ do Nome de
Jesus são S. Diádocos de Photike (muitas vezes citado em A
Arte da Prece) e S. Neilos de Ancara (ambos do séc. V); eles,
entretanto, não explicam exatamente qual forma esta
invocação tomou. Já o texto inteiro – ‘Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tenha piedade de mim’ – é encontrado em um
trabalho de data levemente posterior (séc. VI–VII.:
67 O padre Chariton cita a passagem decisiva (pp. 76-77, Cap III(i, 4-5)). Outras
antigas autoridades, importantes para a história da Oração de Jesus, são a Vida de
Santo Dositéos (Palestina, início do séc. VI), as cartas espirituais de S. Barsanúfio e
João (Palestina, início do séc. VI), e os trabalhos de S. João Clímaco e Hesíquio (Sinai,
sécs. VI e VII): nenhum destes, entretanto, dá a Oração exatamente em sua forma
desenvolvida. Também de importância são as vidas Coptas de S.Macário (ver E.
Amelineau Histoire des monastères de la Basse-Ègjpte, Annales du Musée Guimet, vol.
xxv, Paris, 1894, pp. 142, 152-3, 160, 161, 163).
Sobre a história antiga da Oração de Jesus, veja B. Krivocheine, ‘Date du texte
traditionnel de la ‘Priere de Jesus’’, Messager de l'Exarchat du Patriarche russe en
Europe occidental, 7-8 (1951), pp. 55-59.
68 Do grego ήσυχία, significando ‘quietude’, ‘repouso’. Hesicasmo, a rigor, abarca todas
as formas de oração interna, e não apenas a Oração de Jesus; mas na prática muito
do ensinamento Hesicasta ocupa-se com a Oração de Jesus.
amar a Oração de Jesus.69
Três coisas na Oração de Jesus evocam um comentário
especial e ajudam a explicar o seu apelo extraordinariamente
amplo. Primeiro, a Oração de Jesus traz juntos, em uma
curta sentença, dois ‘momentos’ essenciais da devoção Cristã:
adoração e compunção. A adoração é expressa na sentença
inicial: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus’; compunção, na
oração por misericórdia que se segue. A glória de Deus e o
pecado do homem – ambos estão vividamente presentes na
Oração; é um ato de agradecimento pela salvação que Jesus
traz, e uma expressão de pesar pela fraqueza de nossa
resposta. A Oração é tanto penitencial como plena de alegria
e de confiança amorosa.
Em segundo lugar, é uma prece intensamente
Cristológica – uma oração endereçada a Jesus, concentrada
sobre a Pessoa do Senhor Encarnado, enfatizando de uma só
vez tanto a Sua vida na terra – ‘Jesus Cristo’- e Sua
Divindade – ‘Filho de Deus’. Aqueles que usam esta prece são
constantemente lembrados da Pessoa histórica que
permanece no coração da revelação Cristã, e assim são salvos
do falso misticismo que não dá um lugar apropriado ao fato
da Encarnação. Mas embora Cristológica, a Oração de Jesus
não é uma forma de meditação sobre particulares episódios
na vida de Cristo: aqui também, como em outras formas de
oração, o uso de imagens mentais e conceitos intelectuais são
fortemente desencorajados. ‘Permanecendo com consciência e
atenção no coração’, ensina Teófano ‘invoque
incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha
piedade de mim’, sem ter na sua mente qualquer conceito ou
imagem visual, acreditando que o Senhor o vê e o ouve.70
Em terceiro lugar, a Invocação do Nome é uma oração
da maior simplicidade. É um caminho de oração que
qualquer um pode adotar, nenhum conhecimento especial é
requerido e nenhuma elaborada preparação. Como um
recente escritor coloca, tudo que devemos fazer é
‘simplesmente começar’: ‘Antes de começar a pronunciar o
Nome de Jesus, estabeleça paz e recordação dentro de si
mesmo e peça por inspiração e orientação do Espírito
69 Muitos grandes santos do ocidente medieval – S. Bernardo de Clairvaux, por
exemplo, São Francisco de Assis e S. Bernardino de Siena— tinham uma fervente
devoção ao Sagrado Nome de Jesus; mas não parece que tenham conhecido a Oração
de Jesus em sua forma Bizantina.
70 p. 96. Cap III (iii, parte 1, 20)
Santo.... Então, simplesmente comece. Para caminhar deve-
se dar um primeiro passo; para nadar uma pessoa deve
atirar-se na água. É o mesmo com a invocação do Nome.
Comece a pronunciá-lo com adoração e amor. Apegue-se a
ele. Repita-o. Não pense que você está invocando o Nome;
pense apenas no Próprio Jesus. Diga Seu Nome lentamente,
levemente e calmamente.’71
Este elemento de simplicidade é muitas vezes
sublinhado por Teófano: ‘O trabalho de Deus é simples: é a
oração – crianças conversando com seu Pai, sem quaisquer
subterfúgios72.... A prática da Oração de Jesus é simples73….
A prática da oração é denominada como uma ‘arte’, e é uma
arte muito simples. Permanecendo com consciência e atenção
no coração, invoque incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tenha piedade de mim’’.74
Ao iniciante, portanto, é aconselhado a recitar a Oração
‘lentamente, levemente e calmamente’. Cada palavra deveria
ser dita com lembrança e sem pressa, mas ao mesmo tempo
sem indevida ênfase. A Oração não deveria ser labutada ou
forçada, mas deveria fluir em um modo gentil e natural. ‘O
Nome de Jesus não é para ser gritado ou moldado com
violência, mesmo internamente.’75 Devemos sempre orar com
atenção interna e concentração, mas ao mesmo tempo não
deve haver nenhum sentido de tensão, nenhuma intensidade
auto-induzida ou emoção artificial.
No fim de cada Oração, é bom deixar uma curta pausa
antes de começar novamente, pois isto ajuda a manter a
mente atenta. De acordo com o Bispo Ignatii, deveria levar
cerca de meia hora para dizer a Oração de Jesus uma
centena de vezes: algumas pessoas, ele acrescenta, levam
ainda mais tempo. Outros textos sugerem que a Oração
possa ser dita mais rapidamente: nos Relatos de um Peregrino
Russo – como Ignatii, do século dezenove – é dito ao
Peregrino, pelo seu stárets, para recitar a Oração 3000 vezes
por dia, no início, então 6000 e finalmente 12000, depois do
que ele pára de contar76 Esses valores elevados implicam um
71 ‘A Monk of the Eastern Church’, On the invocation of the Name of Jesus, London,
1950, pp.5-6. Em português, publicado pela Ed. Paulus na coleção ‘A Oração do
Pobres’.
72 p. 106. Cap III (iii, parte 2, 6).
73 p. 89. Cap III (iii, parte 1, 5)
74 p. 96. Cap III (iii, parte 1, 20)
75 'A Monk of the Eastern Church', op. cit., p. 6.
76 Relatos de um Peregrino Russo, traduzido para o Francês por Jean-Yves Leloup.
ritmo mais acelerado do que aquele recomendado por
Brianchaninov.
Além destas regras básicas e muito simples para recitar
a Oração, os Hesicastas também desenvolveram – como um
auxílio à concentração – certo ‘método físico’. Uma postura
corporal particular foi recomendada – cabeça inclinada,
queixo apoiado no peito, olhos fixos no lugar do coração; ao
mesmo tempo em que a respiração era cuidadosamente
regulada, de modo a manter o passo com a Oração. Estes
‘exercícios físicos’ foram claramente descritos pela primeira
vez em um texto intitulado: Sobre os três métodos da atenção
e prece, atribuído a S. Simeão, o Novo Teólogo (séc. XI), mas
quase que certamente não por ele; o provável autor é S.
Nicéforo, o Solitário77; embora possa estar descrevendo uma
prática já bem estabelecida muito tempo antes de sua própria
época.78
Em uma série de passagens de A Arte da Prece, Teófano
e Ignatii referem-se a estas técnicas respiratórias. Quando
eles as mencionam, entretanto, é quase sempre com
desaprovação e, cuidadosamente, evitam quaisquer
descrições detalhadas. Esta reticência irá, sem dúvida,
desapontar uma boa parte dos leitores ocidentais que vêem
no Hesicasmo uma espécie de Yoga Cristã; aquilo que atraiu
muitos não-Ortodoxos à Oração de Jesus em anos recentes, e
fascinou a maioria deles, foi precisamente os exercícios
corporais. Tal abordagem à oração interior certamente não
ganharia a aprovação de Ignatii e de Teófano: qualquer uso
indiscriminado dos exercícios respiratórios eles consideram
como altamente perigoso.
Para apreciar o lugar do método físico, três pontos
devem ser mantidos na mente de forma clara:
Primeiro, os exercícios respiratórios não são nada mais
do que um acessório – um auxílio à memória, útil para alguns
mas não obrigatório para todos. Em nenhum sentido eles são
uma parte essencial da Oração de Jesus, que pode ser
praticada em sua plenitude sem eles.
tradução para o português de Karin Andrea de Guise. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. pp.
44-46.
77 Veja p. 104. Cap III (iii, parte 2, 2)
78 Escritores mais antigos – por exemplo, S. Hesíquio (p. 103. Cap III (iii, parte 1, 35)) –
nos dão conselhos gerais como: ‘deixe a Oração de Jesus unir-se à sua respiração.’
Mas não há evidência de que conhecessem os exercícios respiratórios em suas formas
evoluídas.
Em segundo lugar, estes exercícios respiratórios devem
ser usados com a máxima prudência, pois eles podem se
revelar extremamente prejudiciais se utilizados de maneira
errada. Por si mesmos, repousam sobre um princípio
teológico que soa perfeitamente – que o homem é um único
todo integrado, uma unidade de corpo e alma e, portanto, o
corpo tem um papel positivo a desempenhar no trabalho da
prece. Mas, ao mesmo tempo, tais técnicas físicas, se
aplicadas incorretamente, podem danificar gravemente a
saúde e até mesmo levar a insanidade como alguns
recentemente descobriram a seus próprios custos. Por esta
razão os escritores Ortodoxos normalmente insistem que
qualquer um que pratique o método físico deveria estar sob
estrita orientação de um guia espiritual experimentado. Na
ausência de tal stárets – e mesmo nos países Ortodoxos
existem poucos guias com o conhecimento requisitado – é
muito melhor simplesmente praticar a Oração por si mesma,
sem se incomodar de modo algum a respeito das complicadas
técnicas físicas. Para citar Bispo Ignatii: ‘Nós aconselhamos
nossos amados irmãos a não tentar a prática desta técnica
mecânica a menos que ela se estabeleça por si própria
neles.... O método mecânico descrito nestes escritos é
plenamente substituído por uma tranquila repetição da
prece, com breve pausa depois de cada uma, uma respiração
calma e constante, e um envolvimento da mente nas palavras
da Oração.’79
Em terceiro lugar, a prática da Oração de Jesus (com ou
sem a técnica respiratória) pressupõe uma plena e ativa
participação na Igreja. Se a Oração é algumas vezes descrita
como um ‘método fácil’ ou ‘caminho rápido’, tal expressão não
deve ser mal-entendida: salvo em casos muito excepcionais, a
Oração de Jesus não nos dispensa das normais obrigações da
vida Cristã. Teófano e os outros autores em A Arte da Prece
tomam por garantido que seus leitores são Cristãos
Ortodoxos praticantes, admitidos na Igreja através do
sacramento do batismo, que assistem regularmente à
Liturgia, realizando frequentemente a confissão e a santa
comunhão. Se eles dizem pouco a respeito destas coisas, não
é porque consideram-nas sem importância, mas porque
assumem que quem quer que se proponha a usar a Oração
de Jesus já está apropriadamente instruído nos
79 p. 104. Cap. III (iii, parte 2, 2-3)
ensinamentos comuns da Igreja.
Mas no ocidente dos dias de hoje a situação é muito
diferente. Alguns daqueles que se atraem pela Oração de
Jesus não são, de fato, Cristãos praticantes. Na verdade, o
que faz despontar o interesse deles é precisamente o fato de
que a Oração de Jesus aparece como algo fresco, excitante e
exótico, enquanto que as práticas mais familiares da vida da
Igreja comum lhes saltam como aborrecidas e sem
inspiração. Mas a Oração de Jesus não é enfaticamente um
‘caminho curto’ neste sentido. Uma casa não pode ser
construída sem fundações. Sob condições normais, uma vida
sacramental equilibrada e regular é uma condição sine qua
non para qualquer um que pratique a Oração. ‘O caminho
mais certo para obter esta união com o Senhor,’ escreve o
Bispo Justin, ‘próxima a comunhão de Sua Carne e Sangue, é
a interna Oração de Jesus’.80 A comunhão deve vir primeiro, e
então a Oração; a Invocação do Nome não é um substituto
para a Eucaristia, mas um adicional enriquecimento.
Sendo assim curtíssima e simples, a Oração de Jesus
pode ser recitada em qualquer momento e em qualquer lugar.
Pode ser dita em filas de ônibus, ao se trabalhar no jardim ou
na cozinha, vestindo-se ou caminhando, quando se sofre de
insônia, em momentos de aflição ou tensão mental quando
outras formas de oração são impossíveis: deste ponto de
vista, é uma oração particularmente bem adaptada às
tensões do mundo moderno. É uma oração especialmente
recomendada para monges, a quem é dado um rosário como
parte do hábito em sua profissão 81; mas é igualmente uma
oração para pessoas leigas, quaisquer que sejam suas
ocupações no mundo. É uma oração para o eremita e para o
recluso, mas ao mesmo tempo uma oração para aqueles
envolvidos em trabalho social ativo, cuidando, ensinando,
fazendo visitas a prisões. É uma prece que cabe em cada
estágio da vida espiritual, desde aquele mais elementar
àquele mais avançado.
A Presente Edição
HIEROMONGE KALLISTOS
(Timothy Ware)
Outubro 1965 - Maio 1966
OUTRAS LEITURAS
S. Teófano, o Recluso e S. Ignatii Brianchaninov não
viam a si mesmos como inovadores, mas buscaram
fundamentar seus ensinamentos nos Padres Gregos. Alguém
que se interesse por explorar o plano de fundo Patrístico da
teologia ascética deles, deveria consultar diretamente a
grande coleção de textos espirituais conhecida como The
Philokalia, editada por S. Nicodemos da Sagrada Montanha e
S. Macário de Corinto. Uma completa tradução desta coleção,
feita do original grego, está em processo de publicação: The
Philokalia: The Complete Text, traduzido por G. E. H. Palmer,
Philip Sherrard e Kallistos Ware. Os volumes 1-4 já
apareceram (Faber, London/Boston, 1979-95); um quinto e
último volume está sendo preparado. Há uma antiga
tradução em dois volumes de trechos selecionados, baseada
na versão russa de A Filocalia feita por S. Teófano: Writings
from the Philokalia on Prayer of the Heart (Faber, London,
1951), e Early Fathers from the Philokalia (Faber, London,
1954), ambos traduzidos por E. Kadloubovsky e G. E. H.
Palmer.
Certo número de escritos de S. Teófano foram
traduzidos para o inglês. Entre os mais recentes volumes
surgidos estão The Path of Prayer e The Heart of Salvation,
ambos traduzidos por Esther Williams e publicados pelo
‘Praxis Institute Press (Newbury, MA/Robertsbridge)’; e The
Spiritual Life and how to be attuned to it, traduzido por
Alexandra Dockham ‘(St Herman of Alaska Brotherhood,
Platina, 1995)’. A adaptação de Teófano dos trabalhos de
Lorenzo Scupoli Spiritual Combat e Path to Paradise surgiram
em inglês com o título de Unseen Warfare, traduzido por E.
Kadloubovsky e G. E. H. Palmer, com uma interessante
introdução de H. A. Hodges (Faber, London, 1952).