You are on page 1of 8

A pena e a Lei, de Ariano Suassuna.

Personagens:
Cheiroso, Cheirosa, Benedito, Marieta e Vicentão.

Entram Cheiroso e Cheirosa, cada um por um lado do palco, dançando xaxado. Benedito
embalado pela canção entra disfarçado e dança ao embalo da música sem ser percebido e se
esconde sempre que é quase descoberto.

Os dois_ Cadê seus homens, Maria? Cadê seus homens cadê?


Cheirosa_ Meus homens foram pra guerra ou estão brincando de se esconder.
Os dois_ Cadê seus homens Maria? Cadê seus homens cadê?
Cheirosa_ Meus homens foram pra guerra ou estão brincando de se esconder.
Os dois_ Ninguém sabe que marido Marieta escolherá. Todo mundo gosta
dela.
Cheirosa_ Eu de alguém hei de gostar.
Os dois_ Marieta é um problema.
Cheirosa_ Quem viver é quem verá.
Os dois_ Marieta é um problema, quem viver é quem verá. Marieta é um
problema quem viver é quem verá.

Terminada a introdução, Benedito se põe em posição de boneco e se mantém assim enquanto


cheiroso anuncia o espetáculo.

Cheiroso_ Atenção, respeitável público, vai começar o espetáculo!


Cheirosa_ Vai começar o espetáculo!
Cheiroso_ Vai começar o maior espetáculo teatral do país!
Cheirosa_ Vai começar o maior espetáculo músico-teatral do universo!
Cheiroso_ O presente presépio de hilaridade teatral denomina-se “A pena
e a lei” porque nele se verão funcionando algumas leis e castigos que se
inventaram para disciplinar os homens. E, como era de esperar, tudo isso tem
de começar por algumas transgressões da lei. Pois quando se traçam normas
e sanções, aparece logo alguém para transgredi-las e desafia-las!
Cheirosa_ Pedante não, aqueles pipocos!
Cheiroso_ Cachorra!
Cheirosa_ Safado!
Cheiroso_ Sai daí! O “Mamulengo de Cheiroso” tem o prazer de apresentar...
Cheirosa_ A grande tragicomédia lírico-pastoril!
Cheiroso_ O incomparável drama tragicômico em três atos!
Cheirosa_ A excelente farsa de moralidade!
Cheiroso_ A maravilhosa facécia de caráter bufonesco soberbamente
denominada...
Cheirosa_ A pena e a lei.
Cheiroso_ Isso é uma desgraça! Você não vai fazer o papel de Marieta peste?
Cheirosa_ Ah, vou! Eu gosto! Eu gosto porque Mariêta é uma mulher assim,
dessas da rede rasgada, todos os homens gostam dela e eu sou louca por
isso!
Cheiroso_ Então se posicione aí diabo e deixe de conversa que o negócio
vai começar!(cheirosa se veste e põe adereços de boneca enquanto cheiroso faz o mesmo
se pegando um chapéu de fazendeiro e continua falando.)Vai começar! Este Primeiro
ato denomina-se “ A inconveniência de ter coragem”, e nele se demonstra, de
modo insofismável, que a coragem é coisa improvável e carga pesada neste
mundo de surpresas e disparates. Vai começar!
Cheirosa_ Vai começar!(saindo do posicionamento de boneca).
Cheiroso_ (batendo em cheirosa) Essa peste só vai no catolé. Música! Mete
os peitos, maestro!

(Benedito aos poucos vai criando vida como boneco e entra dançando e cantando, Marieta
ainda imóvel observa, logo ela se põe também no jogo e ganha vida como boneca.)

Benedito_ Sou negro, sou negro esperto, sounegro magro e sambudo, sou
negro fino e valente, negro de passo miúdo: branca, morena ou mulata, eu
ajeito e enrolo tudo!
Marieta_ Benedito é mesmo fino, é mestre de geringonça: enrola branca
e mulata com essa fachada sonsa. Mas com toda essa esperteza, negro é
comida de onça.
Benedito_ Lá vem as gracinhas bestas!
Marieta_ Rá, rá, rá! Benedito moreno de ouro! Acha graça em tudo, menos
nisso! Por que será que o povo diz que onça gosta de comer negro?
Benedito_ Isso é invenção desse povo ignorante! Isso me dá uma raiva!
Marieta_ Calma, calma! Que é que você tinha para me dizer?
Benedito_ é o negócio do metido a valente.
Marieta_ Ah meu comida-de-onça, você continua apaixonado por mim?
Benedito_ E que é que eu posso fazer? Tu tem todas as qualidades: ingrata,
cruel, fingida, cheia de ternuras e de malícias, ingênua, cabotina, sincera, leal,
incapaz de uma traição, falsa, traidora, bonita, sem escrúpulos... é maravilhosa!
Queria era saber se tu corresponde. Fera! Onça desapiedada e selvagem! Ás
vezes eu penso que sim, ás vezes que não... um inferno, um inferno! E pra
você ter idéia de minha desgraça basta eu lhe lembrar que meus rivais mais
importantes são o delegado, Cabo Rosinha, e o valentão fazendeiro, Vicentão
Borrote!
Marieta_ Saia dessa dança Benedito, que é que você quer se metendo com
esses dois.
Benedito_ O que eu quero? Quero você mulher! E o pior é que Vicentão jurou
matar qualquer um que se meta no caminho, começando por Cabo Rosinha,
que também topa o desafio, segundo ele. Tudo por causa de tu.
Marieta_ Benedito, meu filho, não repare eu perguntar não, mas você já
mandou fazer os convites?
Benedito_ Convites pra quê?
Marieta_ Pra sua missa de sétimo dia! Meter-se numa briga desses dois é
morte certa!
Benedito_ Que nada! Eu enfrento os dois. Não é possível que eu passe o
tempo ajeitando a vida dos outros e comigo dê errado toda vez. Porque parece
que é um azar meu: sempre que me arranjo com alguma coisa em benefício
de mim dá errado. Mete-se uma falhazinha no meio e estraga o negócio. Mas
contigo vai ser diferente minha flor. Você vai ver uma coisa!
Marieta_ Benedito, você é um homem morto!
Benedito_ Sou nada!
Marieta_ Isso vai dar um defuntinho preto e tão duro que Ave-Maria! E outra
coisa: quando estiver junto de mim, acabe com esse negócio de chamar seu
Vicentão de “Borrote” e Cabo Rangel de “Rosinha”: uma vez, em Serra Branca,
dois camaradas morreram num dia só, por causa disso. Dizem que antes de
esfaquear, eles obrigaram os atrevidos a cavarem a cova, como se faz com os
Cangaceiros.
Benedito_ Mas minha filha, eu não estou lhe dizendo que vou desmoralizar o
tal do Vicentão que é o mais metido a valente? Fique aqui que você vai ver.
Marieta_ Fico coisa nenhuma, não tenho vocação nenhuma pra vê defunto!
Pelo menos você ta armado?
Benedito_(Mostrando o revolver e um cacete) Bom, em último caso, tenho aqui
esses cinco contos de “lá-vai-chumbo” e esse “birro-de-quina”, esse pedaço
de “Deus-me-perdoe”.
Marieta_ Ta certo então, mas me diga... onde andava esse ingrato, que há três
dias não me aparece?
Benedito_ Ah, uma chapulatado com o “Deus-me-perdoe”! Você não me botou
pra fora de casa, mulher? Não disse que quem gostava de negro era onça,
Marieta, mulher sem coração?
Marieta_ Você não sabe que sõ insulto as pessoas de quem eu gosto?
Benedito_ Ai, que com essa eu descangoto!
Marieta_ Pare com isso! Mas me diga... você vai mesmo enfrentar Vicente, ai
meu Deus, Vicente com aquele gênio...
Benedito_ Você gosta dele, Marieta?
Marieta_ Lá vem besteira, a gente não pode nem falar noutro homem!
Benedito_ Por que é que você o recebe todo sábado?
Marieta_ Porque gosto de conversar com ele, para poder ouvir as valentias!
Ele já matou mais de dez, Benedito! Mas isso não quer dizer que eu goste de
vicentão, não, eu não recebo o Cabo Rangel também? E você? Eu recebo você
mais do que a todo mundo!
Benedito_ Então você gosta de mim?
Marieta_ Lá vem besteira! “Gosta de Vicentão? Gosta de Rangel? Gosta de
mim?” Arre lá, a toda hora é isso! Como eu sofro! Ninguém me compreende!
Ninguém gosta de mim!
Benedito_ Marieta não diga uma coisa dessa minha flor! Eu sou louco por
você!
Marieta_ Você é louco por mim: e o que é que adicanta isso? Se ao menos
você se destacasse! Por enquanto você não passa de comida de onça! Se ao
menos fosse valente como diz!
Benedito_ Se eu fosse valente? Marieta, é preciso que você saiba que eu sou
o sujeito mais valente de Taperoá!
Marieta_ É nada! Valente mesmo, aqui em Taperoá só Vicente.
Benedito_ Pois vou desmoralizar esse tal na sua frente! Um meganha safado
daquele se meter com a mulher que eu adoro! Você vai ver uma coisa! Eu sou
assim, calmo, ponderado, mas quando me espalho, o negócio fede!
Marieta_ Pois então vou saindo que o negócio vai começar a feder!
Benedito_ Que há?
Marieta_ Vicente vem vindo aí.
Benedito_ Pois é agora que eu vou mostrar quem é Benedito a esse tal de
Vicente Borrote.
Marieta_ Já lhe disse que não chame Vicente de Borrote Benedito! Você
morre!
Benedito_ Não chamo? Ora não chamo! Chamo! Chamo, pra desmoralizar!
Borrote, Borrote, Borrote...
Marieta_ Meu Deus, vai haver sangue!
Benedito_ Meu gênio é assim, calmo, ponderado, mas quando me espalho...
Borrote, Borrote, Borrote...
Marieta_ (saindo amedrontada) Aaaaaaaai...
(entra Vicentão Borrote(cheiroso)e Benedito desfaça numa canção)
Benedito_ ...Borrote... Borrote... Borrote é o...
Pau pereiro dá barrote, dá barrote e dá mourão. Todo pau floresce e cai, só
o pau pereiro, não. Pau pereiro, não. Pau pereiro, pau pereiro, pau de minha
opinião: Todo pau bom dá barrote, só o pau pereiro, não.
Ó, senhor Vicentão, senhor fazendeiro, como vai essa simpatia? Está
bonzinho? Como vai a família?
Vicentão_ Vá pra lá, moleque! Eu hoje amanheci azeitado! Do jeito que estou
não quero nem que olhem pra mim! Vá logo ficando de costas, viu? Olhou pra
mim hoje, morre!
Benedito_ Mas o senhor, azeitado e de mau humor, exatamente quando pode
desmoralizar o Cabo Rozinha e ficar com Marieta, de uma vez, sem precisão
de briga?
Vicentão_ Heim?
Benedito_ Não sei se o senhor sabe que eu sou o confidente de Marieta! Ela
me fez certas confidencias!
Vicentão_ Ah, foi? E o que é que ela pensa, Benedito, sobre... Bem, sobre
a beleza da vida, sobre... Eu não gosto de falar nessas coisas não, que eu
encabulo! Mas o que é que ela pensa, por exemplo... Rim, rim, rim! Que é que
ela pensa sobre... o amor?
Benedito_ Ah, ela me disse que está apaixonada, Borrote, e que era pelo
homem mais valente daqui.
Vicentão_ Nossa Senhora! Só pode ser por mim, você não acha, Benedito?
Benedito_ Acho Borrote!
Vicentão_ O quê Benedito?
Benedito_ Vicente, você não repare não, mas eu tenho esse vício. Quando
gosto de uma pessoa, só sei tratar pelo apelido!
Vicentão_ Mas comigo não, você se desgraça! Mas você falou aí em resolver
a questão e arranjar Marieta sem briga, foi? Como?
Benedito_ Por cinco contos eu arranjo tudo. Está vendo este anel e estes
brincos? Zé Ourives me deu pra eu vender, e Marieta disse que o homem que
lhe der estas belezuras conquista o coração dela.
Vicentão_ E custam cinco contos? Zé ouvires tinha me falado em três!
Benedito_ Os outros dois são pra dar pra Cabo Rosinha. O Cabo está doido
pra não brigar: Insinuou que, por dois contos, deixa Marieta de lado. Com a
fama de valente que você tem, todo mundo vai pensar que ele correru com
medo de você. Ele fica desmoralizado, você dá as belezuras e Marieta ta no
papo.
Vicentão_ Você acha que vale a pena?
Benedito_ Eu acho! Agora, você gosta de briga, talvez prefira beber o sangue
do Delegado!
Vicentão_ Não, tome! Não é que eu queira enjeitar briga não, mas, assim, é
melhor evitar essa agonia a Marieta, E o anel mais os brinco?
Benedito_ Amigo Borrote, é melhor você pedir a uma pessoa para entregar.
O acordo não está feito ainda: Se o delegado avistar você dando as jóia a
Marieta, vai haver sangue! Tome, até logo!
Vicentão_ Por quê? Ele não quer desistir?
Benedito_ é, mas o acordo não foi selado, e, assim, pode ser que ele não
goste. Procure uma pessoa valente e de confiança e mande entregar a ela,
é mais seguro! Agora, veja a quem confia, porque entrando muita gente na
história, o negócio do acordo se espalha e vai tudo d’água abaixo. Fico por
aqui. Até logo Borrote!
Vicentão_ Espere Benedito, entregue as jóia a Marieta. Você podia me fazer
esse favor?
Benedito_ Está doido? Cabo Rosinha me mata e, ainda por cima, vão dizer
que sou leva-e-traz!
Vicentão_ Faça isso pela amizade que me tem!
Benedito_ Bem, por uma questão de amizade ao velho Borrote... Mas tem
uma coisa: O Delegado vem aí.
Vicentão_ Eu não ví nada! O que eu jurei foi matar o delegado se avistasse o
Delegado, mas eu não avistei o delegado.
(Marieta aparece atraz deles)
Benedito_ Então aproveite e corra enquanto é tempo!
Vicentão_ O quê Benedito? Você ta pensando qu eu tenho medo? Vicentão
velho é peia, Benedito!
Benedito_ Benedito também é peia, Borrote!
Vicentão_ Vicentão é sangue Benedito!
Benedito_ Benedito também é sangue Borrote!
Vicentão_ Vicentão é Raça Benedito!
Benedito_ Benedito também é raça, Borrote! Mas o delegado vem ali!
Vicentão_ Pois eu saio por aqui!
Benedito_ (Enquando Vicentão se distancia e Marieta se aproxima) Vá, vá logo! Puxe
por ali! Safado! Borrote! Ai, Marieta, você estava aí?
Marieta_ Mas Benedito, como você é valente!
Benedito_ Ora, deixe isso de lado! Eu sou valente só com os homens, para
você sou o mais manso, o mais generoso, o mais apaixonado dos namorados!
Para os homens, sou uma fera, para você sou como um borrego e digo como o
poeta cearense:
Deixa-me triste cuidado, da minha lembrança vou. Deixa-me esquecer essa
ingrata, essa fera, essa leoa.
Ai! Mas espere, deixe ver a partilha: Um conto, comissão, o outro é pra pagar
os brincos a Zé Ourives.
Marieta_ O que foi que ouvi você dizer, Benedito? Uns brincos?
Benedito_ Sim, trouxe uns brincos de presente para você. Mas não sei se
aceita presente de um “comida de onça” pouco destacado como eu”...
Marieta_ Que pouco destacado que nada, Benedito! Você provou que tem
raça, chamando Vicente de Borrote! Deixe ver os brincos! Ai que beleza! Mas
será que posso usá-los?
Benedito_ Quem iria impedir? Vicentão eu já desmoralizei e vou desmoralizar
mais. Maas... agora o anel... um conto pra minha comissão, dois pra Zé
Ourives.
Marieta_ anel? Que anel?
Benedito_ Vendo a acolhida que você deu aos brincos, trouxe este anel que
combina com eles. Tome!
Marieta_ Benedito querido!
(beija-o)
Benedito_ (frio) Obrigado.
Marieta_ Mas, Benedito, que frieza! Inda agora, bastava uma palavra mais
carinhosa minha e você só faltava arriar os quartos!
Benedito_ Meu bem, agora não tenho tempo para essas coisas não! Amor a
toda hora enfastia, enche, e eu estou decidindo uma parada de vida ou morte.
Saia, Borrote vem aí.
Marieta_ Ai meu Deus, será que vai haver sangue?
Benedito_ Deixe de fricote e obedeça! Saia, saia!
(Vicentão aparece cuidadoso, de costas, Benedito dá-lhe um tapa nas costas)
Benedito_ Pou!
Vicentão_ Ai!(recompõ-se.) Benedito, nunca mais faça isso! Você escapou de
morrer! E então, falou com ele? O que foi que ele disse? Quer desistir? Aceitou
o dinheiro?
Benedito_ Calma, Borrote! Rosinha recebeu o dinheiro e marcou um encontro
aqui.
Vicentão_ Aqui? Um encontro? Com quem?
Benedito_ Ora com quem, com você, queria bem que fosse comigo? Mas fique
descansado, o que ele quer é acertar as condições da desistência. Um pouco
antes das seis horas, o sacristão não dá um toque de aviso, com uma batida no
sino?
Vicentão_ Dá.
Benedito_ Foa a hora que Rosinha marcou. Assim que ele der o primeiro
toque, você vem se encontrar com ele. Ele está assombrado, doido pra sair
dessa briga.
Vicentão_ Se é assim, venho. E Marieta? O que disse das jóia?
Benedito_ Disse que vai ter um encontro, sozinha com você, mas só depois
que o Delegado estiver desmoralizado! Não se preocupe homem. Marieta será
sua e o Delegado ficará com fama de frouxo. Saia e que Deus o ajude em seu
encontro!
Vicentão_ Amém, Benedito, Amém! Nossa Senhora do Bom Parto nos ajude
pra tudo dar certo!(sai.)
Benedito_ Marieeeeeeeta! (Marieta aparece)
Marieta_ Benedito, é você? Houve sangue? Não lhe aconteceu nada?
Benedito_ Que é que podia me acontecer meu bem? Mal algum. A ele sim há
de acontecer. O desafiei para um duelo de morte comigo!
Marieta_ Meu Deus, e onde vai ser isso?
Benedito_ Aqui, diante de sua pessoa, depois do toque do sino da igreja!
Quero mata-lo diante de você, ou então morrer vendo seu rosto, meu amor!
Marieta_ Mas Benedito pelo amor de Deus num precisa disso!
Benedito_ Claro que precisa, ele quer disputar comigo a mulher que eu adoro.
Pois vai ter o que merece.
Marieta_ Benedito, você vai morrer! E por minha causa, meu Deus, na minha
frente!
Benedito_Não tenha medo, você não correrá perigo algum e é o que basta
para mim! Ficará com você meu amigo fiel, Pedro, que já me prometeu
protege-la enquanto eu enfrento a morte.
Marieta_ Pedro! Mas Benedito...
Benedito_ O sacristão subiu na torre! Saia, Pedro a espera lá fora. Vamos
Marieta não há tempo!
(empurra-a e ela sai, ele faz o mesmo. Batidas de sino. Aparece Borrote com um revólver na
mão, tremulo de pavor.)
Vicentão_ Meu Deus, eu lhe juro não ser mais valente, não mais bancar
brabo dentro da cidade, vou dar pra rezar e fazer caridade, batendo no sino e
curando doente. Eu deixo essa vida de cabra insolente se o tal do Rosinha não
me assassinar. Minha vocação é criar passarinho, cuidar do alpiste e limpar
a gaiola: canário, xexéu e campina-patola, concriz, curió e o salta-caminho:
cardeal, patativa, biziu, verde-linho, eu crio se dessa eu puder escapar. Já sinto
um negócio na perna esquentar, que eu não sou de briga, que eu não sou de
nada, aqui, desgraçado, com a calça melada, com a calça breada na beira do
mar!
(Benedito aparece por trás dele, com um chapéu de abas largas igual ao de Vicentão, e
encosta o revólver nas costas do valente imitando a voz de Cabo Rosinha.)
Benedito_ Borrote, não se mexa não, que morre!
Vicentão_ Ai, seu Delegado, pelo amor de Deus, não me mate não!
Benedito_ É o que vou decidir! Você vai me esperar bem aí de joelho e com a
cara no chão! Se tentar fugir, morrer! Quando eu der um assovio, levante um
pouquinho com a cabeça baixa ainda e jogue o revólver no chão esperando a
sentença. E você vai deixar Marieta de lado, viu?
Vicentão_ Eu obedeço, mas tenho uma condição!
Benedito_ O quê atrevido?
Vicentão_ Pelo amor de Deus, é coisa pouca! Eu vou lhe confessar uma coisa:
tenho horror a violência e sou louco por passarinho. O senhor num tem um
galo-de-campina na Delegacia? Foi por vaidade que me meti nessa briga. Eu
obedeço! Mas o senhor não conta a ninguém e me dá esse galo-de-campina!
Benedito_ Pois fique aí! Se eu resolver não mata-lo, não conto nada e o galo-
de-campina será seu. Agora ponha essa cabeça no chão antes que eu me
arrependa!
(Entra Marieta abismada, Benedito ta com seu revólver e dá um assobio, Vicentão dá um grito
e joga o revólver no chão, Benedito pega o outro e fica com os dois, um em cada mão, Marieta
perplexa)
Benedito_ Borrote safado!
Vicentão_ Ai!
Benedito_ Vou te matar cabra safado!
Vicentão_ Ai! Ai num me mate não, pelo amor de Deus! Marieta é sua, pode
ficar com ela eu quero é meu galo-de-campina.
Benedito_ Vou dar o primeiro tiro!
Vicentão_ Oh homem de Deus, num me mate não. Num quero Marieta não,
pode ficar com ela, eu quero é criar passarim e planta rosa no jardim.
Benedito_ Cabra frouxo!
Vicentão_ Sou frouxo mermo. Fique com Marieta, num quero essa mulher
não, quero é meu galo-de-campina. Ai! Não me mate não! Deixe eu viver, pra
criar meu galinho-de-campina! Eu juro que não quero nada com Marieta, Fique
com aquela desgraça, essa mulher não me interessa, quero é meu galo-de-
campina, quero é meu galo-de-campina!
Benedito_ Vai morrer e quem vai matar sou eu!
Vicentão_ Ai! Pelas trinta e três chagas de Cristo!
Marieta_ Muito bem! Então é esse o valentão de Taperoá! Aí ajoelhado,
inteiramente desmoralizado por Benedito!
Vicentão_ (ainda chorando) Sim Marieta, por Benedito...(num pulo caindo em si e se
pondo de pé) Como?
Benedito_ Assim com os revolve na tua cara! Fale aí, pra ver se não conto a
todo mundo o cagaço que Borrote tem! Trate de calar a boquinha viu? Se essa
história se espalha! O valentão aqui, ajoelhado, pedindo misericórdia.
Marieta_ E ainda por cima, negociando a namorada, feito turco! Não to pra isso
não, viu? Você vá vender a mãe! E puxe por ali.
Benedito_ Até a vista seu Borrote! Junte o galo-de-campina com seu Rosinha
e sejam felizes para sempre!( ele sai dando banana a Benedito)Bem, agora nós,
Marieta! Fiz tudo isso por você e lhe dei uma mostra de minha coragem. Posso
alimentar alguma esperança?
Marieta_ Benedito aconteceu um acaso infeliz. Tu me pediu pra ficar protegida
do sangue nos braços de teu amigo Pedro, o caminhoneiro? Descobri que esse
Pedro teu amigo, tinha sido um ex-noivo meu. Nós estávamos brigados, mas
você mandou que eu ficasse lá com ele, e, você sabe, naquela confusão...
Benedito_ Não! Não é possível!
Marieta_ Naquela confusão, a gente se reconciliou. Agora ele vai tomar a
benção da mãe e volta pra casar comigo.
Benedito_ Mas Marieta!
Marieta_ Benedito é o jeito: Se Pedro não aparece, eu terminava me casando
com você. Mas Pedro apareceu! Você não disse que toda arrumação sua
terminava numa falhazinha que estragava o resto? Dessa vez a falhazinha foi
seu amigo. (Sai Marieta pra voltar como Cheirosa)
Benedito_ Não tem jeito não, essa vida é um fiofó de vaca!
(desfalece e volta a ser um boneco inanimado)
Cheiroso_ A vida traiu Rosinha, traiu Borrote também.
Ela trai a todos nós, quando vamos, ela vem, quando se acorda, adormece,
quando se dorme, estremece, que a vida é morte também.
Cheirosa_ Os dois procuraram tanto sua coragem provar! Perdeu-se a pouca
que tinham e a mulher pra completar. Provei que é inconveniente ter a fama de
valente, difícil de carregar!

Fim do Primeiro Ato.

You might also like