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tear dA Jogamos os jogos da vida, obedecendo a livros de regras escritos com letra 41. Senso comum e bom senso Chamamos senso comum ao conhecimento adquitido por tiadigio, herdado dos antepassa [oS € a0 qual acrescentamos os resultados da experiencia vivida na coletividade a que per- “gencemos Trata-se de um conjunto de idéias que nos permite interpretar a realidade, bem como “eum corpo de valores que nos ajuda.a avaliar, TuRar e portanto, agi. Censo SOMT pe porém, niio @ refletido e se ericontra misturado a cren- Gs c preconceitos. E um conhecimento inge- “vo fofo-eitc),fagmentaro (Porque dis “assistematico ¢ mulffas VEzes sujeito a incoerén- Gis) € conservador (resistente 3s mudangas). — Comi isso nao queremos desmerecer a for- ma de pensar do individuo comum, mas apenas enfatizar que o primeiro nivel de conhecimen- to precisa ser stiperado em direcao a uma abor- cligem critica € coerente, caracteristicas qu que nio precisam se restringir necessariamente is for- mas mais requintadas de conhecer, tais como a ciéncia ow a filosofia. Em outras palavras, 0 senso comum precisa ser transformado em bom senso, entendido como elaboracio coerente do saber e como explici- facko das intengdes conscientes dos individuos livres, Segundo o filésoTo Gramsci, o bom sen- 50 &“0 nticleo sadio do senso comum”. Qual- quer pewou, estimulada no exercic pieensio e critica, torna-se capaz de juizos sé PIGS: poraue wt. 0 &, ovis co €, orientados para sua Tuumanizacio. Geralmente os obsticulos a passagem do senso comum ao bom senso resultam da exclu- "Go do individuo das decisOes importantes na “comunidade em que vive. Em sociedades nio- “democriticas, as informagdes nio circulam =o renee ee invisivel om com um cédigo secreto. ‘nur Koestr igualmente em todas as camadas sociais, por isso nem todos tém igual possibilidade de consumir e produzir cultura, No Brasil, por exemplo, muitas criangas em idade escolar estio excluidas da edu- cagiio, isso sem falar da pirimide educacional,dos que no conseguem permanecer na escola no decorrer do processo, fazendo restar uma por- ccentagem muito pequena de estudantes que atin- ‘gem 05 niveis superiores de escolarizacio. No entanto, nio so apenas as pessoas me- nos instruidas que nem sempre conseguem pas- sar do senso comum para o bom senso. Funcio- nirios de empresas, empresirios, sicerdotes, pro- fessores, cientistas,especialistas de qualquer area, podem estar restritos a formas fragmentérias do senso comum quando, em determinados seto- res de sua vida pessoal, encontram-se presos a preconceitos, a concepedes rigidas, sucumbin- do a agio massificante dos meios de comunica- Gio ou a0 peso da tradiczo. Outras vezes, renunciamos a0 exercicio do bom senso quando nos submetemos a0 poder dos tecnocratas, seduzidos pelo “saber do espe~ cialista” Basta observar a timidez. de decisio dos pais que, a0 educarem os filhos, delegam pode- res a psicélogos, pedagogos, pediatras. Ao dizer jsso, nao estamos desvalorizando a importante contribuicio de cientistas e técnicos, apenas res- saltamos que o leigo nio precisa permanecer passivo diante do saber do técnico, demitindo- se de certas ages quando ele proprio poderia exercé-las, Ele tem o dircito, por exemple, de informar-se ativamente a respeito do tratamen- to médico a que se acha submetido e sobre seus efeitos. Em iiltima anilise, convém desmistificar a tendéncia de cultuaras pesoas"estudadas” em detrimento das que so “sem letras” ou simples mente nio~ especial “ag vine, a dl inva, a7 Me. pad Mee Qualquer individuo, se_nio foi ferido em ‘7 ssalberdade c dignidade, sera capaz de desen- volver a autoconsciéncia, de elaborar criticamen- fe 0 proprio pensamento ¢ de analisar a situa— oem que vive.F sob esse aspecto que o bom senso se aproxima da filosofia, da filosofia de vida, teh a 8 —A tefle- > ‘xo filos6fica, Porém, nio é automitica a passa~ gem do senso comum ao bom senso e um dos obstaculos ao_processo encontra-se na difusio la_ideologia, entendida no seu sentido restrito, como abordaremos no item 3 deste capitulo, 2 {Ideslagia: sentido amplo) Hi virios significados para a palavra ideolo- _gia. Em sentido amplo, & 0 conjunto de Ta, concépG5es ow Opinides sobre algum ponto s * jeito-a discussie. Quando perguntamos qual @a ‘ideoogia de determinado pensador, estamos nos findo A doutrina a0 corpo Swtemnstico de idéias € 20 seu posicionamento interpretative dante dé liberal ou ideologia marxista. Ainda podemos considerar a ideologia como. feorid,n0 sentido de organizacio sistematica dos i, conheéimentos que antecedem a acio efetiva, fal como nos referimos 3 ideologia de uma es- cola, que orienta a pritica pedagdgica; & ideo logia religiosa, que dé regras de conduta aos fis; a ideologia de um partido politico, que fornece diretrizes de agio a seus filiados. A expressio “atestado ideolégico” nos remete 4 declara¢io cexigida sobre a filiagio partidéria de alguém. No Brasil, durante o recrudescimento do poder att- toritério da ditadura militar, érgios como 0 Deops (Departamento Estadual de Ordem Po- litica e Social) exigiam em certas circunstincias ~ inclusive para ser contratado para o servigo piiblico, como professor, por exemplo — a apre- sentagio de atestados desse tipo, a fim de con- trolar a adesio as ideologias marxistas, entio consideradas perigosas 3 seguranga nacional, aideoto © conceito de ideologia tem outros senti- dos mais especificos,elaborados por autores como Destutt de Tracy, Comte, Durkheim, Weber, : sentido restrito 0 [SCA | Uvpave Il ConnecmenTo Aires $hort ‘Manheim. Mas € sobretudo com Marx que a ex- plicitagio do conceito veio enriquecer o debate em torno do assunto e de sua aplicagio, Pata cle, diante da tentativa de explicar a realidade e dar Fegias de agio, € preciso considerar também as Tormas de conhecimento ilusorio que Ievam 20 “Rascaramento dos conflitos socials. Segundoa concep¢io marxista,a ideologia adquire um sen- ‘ido negative, como instrumento de dominacio, Tso significa que a ideologia tem influé cia marcante nos jogos do poder ¢ na manuten- Gio dos privilégios que plasmam a maneira de pensar ¢ de agir dos individuos na sociedade. A ideologia seria de tal forma insidiosa que até aqueles em favor de quem ela é exercida nio_ perceberiam o seu cardterilusdrio. Yody = A concepgao de Gramsci a Segundo 0 filésofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937), é preciso distinguir entre ideologias. orgiinicas ¢ ideologias dfbindrias.As primeiras io. deologias drbitrrias istoricamente neces porguc “organiza as massas humanas, formam o terreno sobre 0 qual os homens se movimentam, adquirem / \ consciéncia de sua posigio, Iutam cte.”, Para Gramsci, pode-se dat ao conceito de ideotogia “o significado mais alto de uma concepeio de mundo que se manifesta implicitamente na arte, ra 3 no direito, na atividade econdmica, em todas as a8 manifestagdes de vida individuais e coletivas” € que tem por fungio conservar a unidade de todo GS © bloco social Portanto, Gramsci considera que, em um primeiro momento, como concepgio de mun- do, a ideologia tem a fizngo positiva de atuar como cimento da estrutura social. Quando in- corporada ao senso comum, ela ajudari a estabe- lecer 0 consenso, conferindo hegemonia a deter- ‘minada classe, que passard a ser dominante. Evi- tando a concep¢io mecanicista, Gramsci consi- dera que os dominados nio permanecem sub- missos indefinidamente, j4 que podem desen- volver elementos de bom senso e de valores de pertencimento a classe, que, por sua vez, forma~ Ho aos poucos a sua ideologia. Daf a necessida- de de intelectuais da propria classe subalterna capazes de organizar coerentemente a concep- G0 de mundo dos dominados. 1. GRAMSCI, A. Concepedo dialética da histéria, 6, ed. Rio de Janeiro, Civilizagao Brasileira, 1986. p. 16. vere Otee ( i > dahsnenr. dyes tor 3 | S| diferencas & dvisio da sociedade S Vejamos agora a definigio dada pela pro- fessora Marilena Chant: "a idgologia & um conjunto légico, sistematico e coerente de repras (de conduta) que indicam ¢ prescrevem aosimembros da sociedade o que devem pensar como devem pensar, o que deve valorizar e como devem valorizar, 0 que devem sentir € como devem sentir, 0 fae doe fevem fazer e como | devem fazer-Ela-€, portanto, um corpo | explicativo Fe eanebe) epee ornas, \| régnis, preceitos) de carater_prescritivo, | irormativo, Tegulador, cuja fungio é dar 20s. | miembros de uma sociedade dividida em classes | | uimia explicagio racional para as diferencas soctais, | politicas e culturais Soar jamais atuibuit tas em chassesya . {Par “ir das divisoes na esfera da producto. Pelo | | contFirio,a fungio da ideologia ¢ a de apagat as | | | lasses, e de Fornecer a03 | | | tesa nm da-sociedade o sentimento da) {ddentidade social, encontrando certos referenciais | | | ‘dentificadores de todos e para todos, como, pat exemplo, a Humanidade,a Liberdade, a Tgual-| | dade, a Nagio, ou o Estado”? ' Tervamos entio que a ideologia € apre- ‘sentada com as seguintes caracteristicas funda- mentais: @— © constitu um corpo sistematico de repre- “sentagies que nos “ensinam”a pensar ede orm @ue nos“ensinam” a agir; — gq © assegura determinada relagio dos indivi- ‘duos entre si e com suas condiges de existéncia, adaptando-os 3s tarefas prefixadas pela sociedade; €— © asdiferencas de classe ¢ 0s contlitos sociais sio camuflados, ora com a descricio: da“socieda- de una e harménica”, ora com a justificagio das diferencas existentes; + assegura a coesio social e a aceitagiio sem crt- icas das tarefis mais penosas ¢ poUuco TECoM- “Densadoras, em nome da““vontade de Deus” ou do “dever moral” ou simplesmente como de- corréncia da “ordem natural das coisas”; + mantém a dominacio de uma classe sobre outa, ar £ interessante observar que a ideologia nto uma mentira que os individuos da classe domi- XN Pines, : ante Tiventam para subjugar a classe domina- CHAU M. O que é tdeoiogta. Sa0 Paulo, Brasiliense, 1980. P1191 H oy \

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