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CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE OMISSÃO DE RECEITA

(Artigo elaborado em junho/2004)

Euler Jansen1

O crime cognominado pela doutrina e jurisprudência de Omissão está previsto no


art. 2º, inciso II, da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define os Crimes Contra a
Ordem Tributária. Segundo essa norma, constitui crime “deixar de recolher, no prazo
legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de
sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.
Sem dúvida, tal delito é um dos mais praticados contra a ordem tributária. Ora,
toda vez que o comerciante omite-se de emitir nota fiscal de saída da mercadoria, de
faturar a saída dela, ele leva à crença de que tal produto ainda consta de seu estoque e,
como não foi alienado para o consumidor final – que realmente paga pelo tributo, em
especial pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS – não haveria,
portanto, o fato gerador da receita e, em decorrência, a obrigação de recolhimento. O
crime só se consuma, pela sua própria redação, com a expiração do prazo legal para o
recolhimento do tributo.
Quando constatada a omissão de receita, o comerciante infrator é autuado pelos
fiscais e inicia-se procedimento que visa à inscrição daquela dívida apurada, com multas
e juros legalmente previstos, para a execução fiscal (Lei nº 6.830/80) da certidão de
dívida ativa, a CDA.
Uma forma eficaz de constatar o não-recolhimento dessa receita é o confronto
entre o livro de estoque ou inventário e os materiais que efetivamente constam no lugar
designado como estoque da firma comercial. Certamente, o livro conterá muito mais
mercadorias do que contem o estoque físico.
Além do procedimento executório fiscal, onde se almeja o ressarcimento do
erário da quantia que dolosamente deixou de ser recolhida, toda omissão de receita, nos
moldes referidos, por satisfazer a conduta típica descrita na norma penal incriminadora, é
crime de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público dar início à
persecução criminal, após reunir indícios da materialidade do delito e de sua autoria, via
de regra fornecidos pelo órgão estatal competente, e que podem se constituir no auto
circunstanciado de infração, termo de fiscalização, depoimentos dos agentes fiscais, etc.
Mesmo que se trate de uma sociedade comercial, os seus representantes que
tinham algum poder de administração ou gerência e por isso lhes cabia a obrigação
tributária, respondem penalmente pela omissão de receita, não ocorrendo o mesmo com
sócios sem poder gerencial do negócio, como os cotistas ou acionários.
“Em tema de crime de sonegação de tributos, a responsabilidade, em tese, é dos
dirigentes da empresa, não se exigindo na peça acusatória inicial a precisa
individualização da conduta dos agentes, remetendo-se para a instrução criminal a
apuração completa da culpa, o que não acarreta ofensa aos princípios do contraditório
e da ampla defesa”2
“PROCESSUAL PENAL. Habeas Corpus. Crime Contra a Ordem Tributária. Inépcia da
denúncia. Individualização da conduta delituosa.

1
Euler Paulo de Moura Jansen é Juiz de Direito da 3ª Vara de Bayeux-PB, professor da ESMA-PB de Direito
Processual Penal e Técnica de Elaboração de Decisões Cíveis, professor da FESMIP-PB nos módulos de Princípios do
Processo Penal e de Sentença Criminal, especialista latu sensu em Direito Processual Civil (PUC-RS) e em Gestão
Jurisdicional de Meios e de Fins (UNIPÊ-PB) e autor do livro “Manual de Sentença Criminal” - Editora Renovar-RJ
em 2006.
2
STJ - RHC 5094 / RS – 6ª T – Rel. Min Vicente Leal – Pub. no DJU de 20.05.1996, pg. 16742 – j. 11.12.1995
Idêntico em: STJ - RHC 5805 / SP – 6ª T – Rel. Min Vicente Leal – Pub. no DJU de 02.12.1996, pg 47723 e na RT
740/564. V. U. – J. 08.10.1996.
1. Nos crimes societários complexos, desde que a denúncia narre o fato delituoso de
forma clara, propiciando o exercício da ampla defesa, é dispensável a descrição
minuciosa e individualizada da conduta de cada acusado.
2. Habeas Corpus conhecido. Pedido indeferido”3.
“PENAL - Recolhimento das contribuições previdenciárias – Crime omissivo próprio -
Individualização das condutas - Desnecessidade.
(...)
- No tocante à necessidade de individualização da conduta de cada acusado em crimes
de autoria coletiva, ressalto que não se faz indispensável, bastando a narrativa genérica
do delito, sem que se tolha, evidentemente, o exercício da defesa. Este tem sido o
posicionamento pacífico desta E. Corte.”4.
Em sede de processos-crime para a apuração de tais infrações é comum que os
comerciantes aleguem genericamente as dificuldades financeiras do comércio ou, em
especial, o setor ligado à sua atividade comercial, dizendo que foram praticamente
forçados ao não recolhimento do tributo pelas dificuldades financeiras por que passava.
Esse argumento visa à tese de que a sua omissão dolosa – não recolhimento do
imposto – estaria acobertada pela excludente de ilicitude do estado de necessidade (art.
23, I, e art. 24, ambos do Código Penal). É claro que dificuldades financeiras cabalmente
demonstradas podem se constituir em estado de necessidade que levem a firma
recolhedora à sonegação ou, como amenizam os praticantes, à inadimplência.
“O ônus de provar a inexistência do delito, com fulcro em circunstâncias que afastam
sua antijuridicidade, incumbe ao demandado, não podendo o magistrado conferir valor
absoluto à palavra do réu proclamada em interrogatório, sob pena de subverter-se toda
a essência da sistemática instrutória preconizada pelo ordenamento jurídico pátrio”5.
“ESTADO DE NECESSIDADE. Ônus da prova. O ônus da alegação incumbe a quem a
fizer. Assim, quem apresenta tese exculpante deve prová-la, sob pena de resultar sem
efeito a justificativa. Ainda que o acusado esteja passando por dificuldades, se não
houver prova da extrema necessidade, descabido o reconhecimento da excludente”6.
“Dificuldades financeiras muito graves podem justificar a conduta de quem não cumpre
a obrigação de recolher as contribuições devidas no prazo legal, tendo em vista o
interesse social, igualmente relevante, de manter a empresa em funcionamento. Nessa
hipótese, em casos extremos, parece aceitável dar prioridade ao pagamento da folha de
salários e dos fornecedores, em detrimento dos tributos. O ônus da prova, contudo, é
inteiramente da defesa. Entretanto, o réu não logrou demonstrar a absoluta
incapacidade de pagamento das contribuições previdenciárias descontadas do salário
dos empregados durante o período referido na denúncia”7.
Alguns julgados dos tribunais pátrios entendem que não é o caso de estado de
necessidade, mas de inexigibilidade de conduta diversa, circunstância que exclui a
punibilidade. De qualquer forma, tanto o entendimento supra quanto esse resultam na
absolvição do réu (art. 386, V, do Código de Processo Penal) e pedem prova plena
desses problemas financeiros, a qual se constitui em ônus da defesa que a alega.
“PENAL. Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. Dificuldades
financeiras. Inexigibilidade de conduta diversa. (...)
Para que seja reconhecida a excludente de culpabilidade baseada na inexigibilidade de
conduta diversa é preciso que fique devidamente comprovado nos autos a total
impossibilidade de adimplemento da obrigação, cuja prova incumbe ao réu”8.
Simples afirmações genéricas acerca dos problemas econômicos do nosso país
ou da área de comércio ou prestação de serviços da firma que se omitiu em recolher o
tributo não geram a prova suficiente para o reconhecimento do estado de necessidade.

3
STJ - HC 13170/RJ – 5ª T. – Rel. Min Edson Vidigal – Pub. no DJU de 11/12/2000, pg. 221 – J. 13/11/2000.
4
STJ - RESP 218986/AL – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Scartezzini – Pub. no DJU de 18/12/2000, pg. 225 - J. 13/09/2000.
5
TJPB – Ap. Crim. Nº 2001.010196-6 – CCrim. – Rel. Des. Wilson Pessoa da Cunha.
6
TJRS – Ap. Cr. nº 70002905032 – Câm. Esp. Crim. – Rel. Des. Mª da Graça Carvalho Mottin, J. 23/10/01 – V. U.
7
TRF 4ª Reg. - APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.042297-3/RS – 8ª T – Rel. Des. Amir Sarti – j. 08.04.02 –
Pub no DJ2 nº 102, 29.05.02, p. 636 – V.U.
8
TRF 4ª Reg. – Ap. Crim. Nº 97.04.47833-0/RS – 1ª T. – Rel. Juiz Guilherme Beltrami – J. 24.04.00 – Pub. no DJ2 nº
94-E, 17.05.2000, p. 52. – V.U.
Há a necessidade da trazida de testemunhas, balancetes que comprovem essa situação,
demonstrativos de bens dos acusados de sonegação e, lembrando o que assevera o
mestre tributarista Hugo de Brito Machado:
“Em uma empresa, grande ou pequena, em crise financeira, na qual o não-pagamento
do tributo é a única forma de permitir o pagamento de empregados e fornecedores, e
assim a única alternativa para manter a empresa funcionando e tentar a superação da
crise, nem sempre se configura o estado de necessidade. Este configurado estará apenas
nos casos em que o empresário, o agente, depende da empresa para sobreviver, por isto
mesmo equiparáveis ao do tradicional exemplo do furto para matar a fome”9.
Não se admite que o comerciante continue a ter carro de luxo, imóveis e contas
bancárias abastardas diante de tais dificuldades financeiras, relegando a segundo plano
as suas obrigações tributárias.
Na prática, os bens pessoais do comerciante restam intocáveis e não se
preocupa ele com sacrificar o seu comércio, pois abre outro, em seu próprio nome ou
com um “testa-de-ferro” ou, como tem se popularizado, um “laranja”, deixando aquele
com dívidas tributárias, civis e trabalhistas.
O melhor remédio para a Justiça ir ao encalço daquele sonegador ou devedor,
quando se trata de dívidas civis, é a utilização, ainda tímida, do instituto da
despersonalização da pessoa jurídica, que persegue os bens particulares daquele
comerciante para a quitação das obrigações do seu comércio.
Por fim, lembramos da importância da conscientização da população, desde
jovem, de que o tributo pago reverte-se na forma de benfeitorias e serviços estatais para
o próprio contribuinte e toda a sociedade e não, como propalam alguns mais injuriosos,
para o chefe do Poder Executivo.

9
MACHADO, Hugo de Brito. Algumas questões relativas aos Crimes Contra a Ordem Tributária. Disponível na
Internet, na http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d13.htm, em 03.03.2003.

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