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SEP · REP · formulações mais precisas. Uma delas é
NDPR a seguinte: Como deve uma sociedade
Ingenta · JStor distribuir os seus bens? Qual é a maneira
Synergy eticamente correcta de o fazer? Trata-se
do problema da justiça distributiva. A
pergunta que o formula é a seguinte:
Quais são os princípios mais gerais que
regulam a justiça distributiva? A teoria
da justiça de John Rawls é a resposta
mais influente a este problema. Esta
lição irá sujeitar à tua avaliação crítica os
argumentos em que se apoia e algumas
objecções que enfrenta.

Teoria

A teoria de Rawls constitui, em grande


parte, uma reacção ao utilitarismo
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Lua Nova: Revista de Cultura e Política


Print ISSN 0102-6445

Lua Nova  no.55­56 São Paulo  2002

doi: 10.1590/S0102-64452002000100003

Republicanismo, liberalismo e racionalidade

Republicanism, liberalism, and rationality


Marcus André Melo*

Professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-


Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de
Pernambuco

RESUMO

Discute-se o conceito de racionalidade presente em três vertentes da


teoria democrática contemporânea: republicanismo, liberalismo e
escolha racional. A análise concentra-se no republicanismo, para
examinar seus microfundamentos e estabelecer por contraste suas
diferenças com as demais.

ABSTRACT

The concepts of rationality found in three branches of contemporary


democratic theory - republicanism, liberalism, and rational choice -
are discussed. The analysis focuses on republicanism, in order to
examine its micro-foundations and to establish by contrast its
differences with the others.

A teoria democrática contemporânea ramificou-se nos anos 70 e 80


em diversas teorias rivais. Neste ensaio discuto o conceito de
racionalidade presente em três dessas teorias: republicanismo,
liberalismo e escolha racional. O foco da discussão são as concepções
republicanas, cujos micro-fundamentos ou concepções de
racionalidade, que eu saiba, não foram ainda objeto de análises
sistemáticas. Entendo que essa discussão é importante porque o
republicanismo vem sendo um conceito cada vez mais invocado e
suas diferenciações internas tornam-se cada vez maiores. Por
economia de exposição, e por serem já bastante conhecidas, não farei
uma exposição sistemática em separado do liberalismo e da escolha
racional. A estratégia que adoto neste texto é de expor
sistematicamente as teses republicanas e por contraste apontar as
divergências com aquelas duas correntes teóricas.

Em ensaio instigante, Elster (1997) identificou o que seriam três


vertentes fundamentais e discutiu seus pressupostos e programa de
pesquisa. De uma parte estão as contribuições associadas à tradição
schumpeteriana e à teoria da escolha racional (embora ele não
acredite que a primeira se englobasse nesta última).1 Esta vertente
representaria a política como um mercado: um mecanismo de
agregação de preferências. De outra parte se situariam as concepções
de democracia deliberativa, a política como fórum: um mecanismo de
transformação de preferências mediante deliberação racional.
Escapou-lhe no entanto a emergência, nesse mesmo período, das
contribuições associadas à teoria republicana da democracia para
além de alguns autores clássicos. O republicanismo tem sido
crescentemente discutido como alternativa importante ao liberalismo.
A discussão dessas teorias por Elster é rápida - não poderia deixar de
sê-lo pelo número reduzido de contribuições existentes quando
escreveu2 — e excessivamente centrada em um só aspecto: a questão
da legitimidade. Aqueles que vêem a participação política como um
bem em si mesmo - o que chama de objetivos secundários ou
derivados (by-products) da democracia - incorrem em contradição
grave. Se a democracia não pode ser sustentada e defendida por
algum critério independente, ela não poderá sê-lo por critérios
derivados. No presente texto considero as divergências de fundo
entre as várias abordagens republicanas, sobretudo em termos de
pressupostos subjacentes de racionalidade, e as discuto em relação às
concepções da política como mercado e como fórum.

Meu objetivo é, após delinear de forma rápida e sumária os contornos


fundamentais do republicanismo, basicamente discutir em que medida
elas são subsumíveis em um dos dois pólos analíticos identificados
por Elster. Por outro lado, pretendo explorar também em que medida
essa concepção é consistente com as principais correntes do
liberalismo contemporâneo, representadas por Rawls e Dworkin. Duas
conclusões são discutidas ao final do trabalho. A primeira é que dois
conceitos de racionalidade estão presentes no chamado
republicanismo: o primeiro ligado à idéia de humanismo cívico e o
segundo à idéia do republicanismo clássico ou tese republicana
clássica. Enquanto o primeiro é incompatível com uma concepção
instrumental de racionalidade, o segundo abriga tal noção de forma
ampla, e é irreconciliável com o individualismo metodológico da
escolha racional. A segunda conclusão é que, enquanto o
republicanismo clássico é consistente com o liberalismo rawlsiano e
dworkiano, o mesmo não vale para o humanismo cívico.

REPUBLICANISMO: NEM MERCADO NEM FÓRUM?

As interpretações republicanas de questões centrais da teoria


democrática têm atraído grande interesse analítico, e é com
freqüência cada vez mais maior que os conceitos de república e de
valores ou virtudes republicanas são utilizados no léxico político. No
entanto, porque suas fontes fundamentais não estão em autores
contemporâneos - dos quais parecem existir apenas contribuições
esparsas - , o republicanismo contemporâneo não adquiriu o status de
teoria rival mais ou menos acabada na teoria política. A exposição que
se segue é bastante seletiva e parcimoniosa, centrada na exposição
das teses republicanas por autores díspares como Skinner, Taylor e
Pettit e no debate interno entre suas posições. Desconsiderarei os
estudos históricos e as fontes históricas do republicanismo,3 não só
por questões de especialização, mas sobretudo porque o foco da
questão é dado pelos conceitos de racionalidade subjacentes.
O ponto de partida para a discussão do republicanismo é o conceito
de liberdade, ou mais especificamente o conceito de liberdade
negativa, ao qual os republicanos se opuseram historicamente. Este
conceito emergiu em oposição ao republicanismo clássico, e se define
fundamentalmente como definindo a liberdade como ausência de
constrangimentos ou obstáculos. Essa fórmula hobbesiana
representou o núcleo duro a partir do qual se constituiu a tradição
liberal clássica.

Berlin (1969) estabeleceu distinções finas entre os dois conceitos de


liberdade - negativa e positiva - e ao mesmo tempo defendeu o
conceito de liberdade negativa como o elemento nucleador da
concepção de liberdade: os defensores da liberdade negativa querem
limitar a autoridade como tal, enquanto seus opositores a querem em
suas mãos. Para Berlin não se trata de duas interpretações de
diferentes de um só conceito mas de "duas atitudes profundamente
divergentes e irreconciliáveis quanto às finalidades da vida" (1969,
p.166).

Na mesma linha afirma que "a questão 'quem me governa?' é


logicamente distinta da pergunta 'até que ponto o governo interfere
comigo'?" (Berlin 1969, p.130).4 A idéia de "irreconciliabilidade" é
central na argumentação de Berlin, que caracteriza os trade offs entre
a liberdade positiva e a negativa como escolhas trágicas. Os
defensores da liberdade positiva padecem do que chama "monismo",
ao reduzir as duas dimensões a um princípio ou valor. A idéia de
tornar-se livre a partir da participação ativa e do autogoverno,
conectando dever com interesses, eqüivale para Berlin a "arremessar
um cobertor metafísico sobre o auto-engano ou a hipocrisia
deliberada" (Berlin 1969, p. 196).

Em seu texto original Berlin conclui que "o pluralismo, com a medida
de liberdade 'negativa' que traz em si, parece-me um ideal mais
humano e mais verdadeiro do que as metas daqueles que buscam,
nas estruturas grandes, disciplinadas e autoritárias, o ideal do
autodomínio 'positivo' por classes, por povos, e pelo conjunto da
humanidade" (Berlin 1969, p.171). Mais importante, para ele a noção
de liberdade positiva está intrinsecamente articulada com a idéia de
que os indivíduos devem agir de certas formas específicas de auto-
aperfeiçoamento (individual ou coletivo), e que eles podem ser
coagidos a persegui-las para que sua liberdade real ou superior possa
ser efetivamente alcançada.

A sustentação por Berlin de que os indivíduos podem desfrutar de


liberdade sob um déspota tolerante representa o argumento simétrico
e ponto de partida para a crítica republicana. "A liberdade neste
sentido [negativo], pelo menos do ponto de vista da lógica, não está
relacionada com democracia ou auto-governo". Ou em outro lugar: "A
relação entre democracia e liberdade individual é bem mais tênue do
que pareceu a muitos defensores de ambas" (1969, p.130)

Com exceção do anti-utilitarismo radical de Berlin e de sua


desconfiança dos especialistas, a argumentação anterior equivale, em
larga medida, a uma defesa eloqüente da democracia representativa
pluralista das poliarquias do pós-guerra. É também consistente -
embora não inteiramente redutível a - com o ideal schumpeteriano de
governo de elites políticas e burocracias especializadas na qual a
"democracia significa apenas que o povo tem a oportunidade de
aceitar ou recusar as pessoas designadas para governá-los"
(Schumpeter, p.284-285).

Quando Schumpeter defende sua teoria da representação afirmando


que "os eleitores de fora do parlamento devem respeitar a divisão de
trabalho entre eles e os políticos que elegem", não está
necessariamente abdicando do controle social, mas está assumindo
esse imperativo de divisão de trabalho em virtude do fato de que os
eleitores não têm opinião formada sobre a maioria das coisas e que
nas democracias de massa os eleitores respondem a uma competição
pela liderança política. A democracia define-se de modo
procedimental e não pelos objetivos maximalistas aos quais
supostamente deveria conduzir. A idéia de um controle social direto e
extensivo é estranha a essa concepção: "Entre as eleições [os
eleitores] não devem retirar a sua confiança muito facilmente e
devem entender que, uma vez que elegeram um indivíduo, a ação
política é deste e não deles. Isto significa que devem evitar instruí-los
sobre o que devem fazer" (1975, p.295).

Para os defensores de uma concepção republicana, pelo contrário, o


autogoverno e envolvimento com a res publica é precondição para a
democracia. As liberdades negativas só estão asseguradas por uma
cidadania ativa e mobilizada. Não perceber que as duas liberdades
constituem faces da mesma moeda é uma falha da tradição liberal
que vem de seu período formativo. Para Skinner (1993) os teóricos
liberais assumem um mecanismo de mão invisível.5 Se todos
perseguirmos nossos interesses próprios o resultado será o bem estar
da comunidade como um todo. Do ponto de vista da tradição
republicana, "esta é uma outra forma de descrever a corrupção", cuja
superação é uma condição para a maximização de nossa liberdade
individual. Sua análise está marcada pela discussão do
republicanismo, sobretudo naquele pensador que mais claramente o
exprimiu, Maquiavel. Em Skinner (1984), a história é utilizada
instrumentalmente para a construção de uma crítica às concepções
negativas de liberdade e a construção de uma alternativa conceitual.
Preliminarmente, deve-se enfatizar que Skinner, em seus trabalhos
históricos, chamou a atenção para um aspecto digno de registro: o
fato de que as interpretações da liberdade dos antigos por Constant e
Berlin são incorretas. Embora tenha se originado na Grécia o
republicanismo é fundamentalmente neo-romano, e não se assenta
exclusivamente na participação e cidadania ativa mas em um desenho
institucional específico de checks and balances (Constituição mista). A
questão que me interessa mais centralmente, no entanto, é a
concepção de racionalidade subjacente à participação ativa dos
cidadãos segundo o republicanismo.

Insurgindo-se contra aqueles que enxergam lixo metafísico nas


concepções de liberdade que não estejam ancoradas nas liberdades
individuais, ele insiste em demonstrar que o conceito de dever pode
ser deduzido do conceito de interesse. Embora este último conceito
não esteja te matizado claramente em Maquiavel, a idéia de
racionalidade individual está subjacente a toda sua análise. Para o
republicanismo, virtudes tais como coragem, temperança e prudência,
juntamente com o envolvimento ativo com a esfera pública, são pré-
condições para a preservação das liberdades individuais.6 O cidadão
prudente reconhece que a extensão das liberdades negativas que
desfruta só pode ser o resultado ou a recompensa para a busca do
bem público às expensas do interesse privado individual. Para essa
variedade de republicanismo a razão básica para os indivíduos
cultivarem virtudes e servirem o interesse público não é a noção de
dever. O paradoxo de deveres qua interesses se desfaz com a
concepção racional de natureza humana que está pressuposta em
Maquiavel: "A não ser que se conceda razões egoístas aos homens,
que são maus por natureza, para que se comportem virtuosamente, é
improvável que qualquer um deles irá se engajar em ações virtuosas"
(Skinner 1984, p. 219).

Em Skinner (1993) essa concepção de racionalidade da ação humana


é ambígua. Embora ele afirme não querer defender abertamente a
idéia de uma concepção perfeccionista da pessoas morais, a sua
argumentação sugere uma defesa velada de ideais de florescimento
ou excelência humana. Seu argumento explícito é de que a idéia de
que seja necessário identificar um conteúdo objetivo, não-metafísico,
para a idéia de florescimento humano é um pressuposto comum do
debate sobre a questão, nisso concordando tanto Berlin quanto Taylor,
com a diferença de que o primeiro nega que isso seja possível. No
entanto esse pressuposto está equivocado, sustenta, na medida que é
possível encontrar razões objetivas, plausíveis, que não recorram à
idéia de finalidades humanas. Ao longo da argumentação, contudo,
ele deixa entrever que a discussão nestes termos também é legítima.

A discussão sobre se é racional ser moral, sustenta, é uma questão


genuína e central da filosofia moral. Nesta visão nós somos pessoas
morais comprometidas pela nossa própria natureza com certos fins
normativos. "Podemos querer argumentar que essa teoria da
natureza humana é falsa. Mas dificilmente poderíamos argumentar
que sabemos a priori que ela nunca poderia ser em princípio
sustentada" (p. 298). Se nós necessitamos nos envolver com um
certo tipo de sociedade de forma a nos tornarmos mais realizados,
podemos imaginar tensões entre nossos interesses aparentes e os
deveres necessários para que nossa natureza possa florescer. Mas,
como afirma, dificilmente essa argumentação pode ser considerada
paradoxal.

SKINNER, PETTIT, TAYLOR

Skinner reformulou sua concepção de liberdade negativa


recentemente (Skinner 1999) - embora a base motivacional
instrumental continue a mesma. Ele reconhece ter assumido
erroneamente que a diferença entre os republicanos e seus críticos
liberais clássicos não era apenas uma divergência sobre o significado
da liberdade, "mas apenas sobre as condições que devem ser
cumpridas para que a liberdade seja assegurada".7 Se não pode
existir liberdade sob um tirano tolerante não-interventor, o seu
simétrico não é verdadeiro: que poderia haver perda de liberdade sob
uma intervenção consentida ou não arbitrária. A chave da questão
torna-se então a questão da não arbitrariedade ou ausência de
dominação (Pettit 1997).
Pettit inverte a discussão de liberdade negativa, tematizando-a como
não-dominação. Para ele, esse conceito seria o traço distintivo do
republicanismo. A liberdade republicana, ao contrário do que se
encontra difundido na literatura, não se confunde com a liberdade
positiva. O conceito de não-interferência é o conceito liberal clássico
que reduz a liberdade à concepção negativa, admitindo, portanto,
liberdade sob condições de não interferência mas sob subjugação ou
dominação. A especificidade do republicanismo é considerar como não
danosa a interferência não arbitrária. Para Pettit, ao contrário do que
sustentaram Hume e Bentham, que introduziram um desvio na
tradição republicana, as leis democráticas e não arbitrárias
representam paradigmaticamente esse tipo de situação de
interferência não-dominadora. Pettit insiste em que essa
argumentação não endossa uma visão rousseauniana de que
submissão à lei significa emancipação. Envolve uma recusa em aceitar
a equivalência entre o modo de restrição da liberdade através da lei
não arbitrária e a usurpação ilegítima. Esta formulação de Pettit
permanece, acredito, pouco persuasiva. Não há como distingui-la,
neste ponto específico, das visões de liberdade positiva criticadas por
Berlin.

Que diferenças existem entre o republicanismo de Skinner e o de


Pettit? A primeira diferença está na aceitação da visão de liberdade
como não interferência - recusada pelo segundo pelas razões
expostas - cuja obtenção só seria alcançada através da cidadania
ativa. A segunda é a base motivacional da participação dos cidadãos.
Para Skinner as liberdades negativas constituiriam o móvel da ação
dos cidadãos; para Pettit, este móvel é a não-dominação. Esta parece
ser sua posição, embora ele não deixe claro este ponto em sua longa
exposição do republicanismo. Para Pettit (1999, pós-escrito) a
principal diferença de sua posição frente à de Skinner é que para ele a
liberdade para os republicanos é uma questão de dominação - há uma
prioridade léxica de dominação em relação à não-interferência. Para
Skinner é igualmente uma questão de dominação e de não-
interferência.8

Taylor contesta a discussão da liberdade negativa em uma chave


bastante distinta de Skinner. Para ele, esse autor define
incorretamente a liberdade como o que chama valor convergente: são
as virtudes do interesse próprio que justificam a concepção positiva
de liberdade. O alinhamento entre interesse individual e coletivo é
invocado como conferindo plausibilidade a esta última (Taylor 2000,
p. 208). Daí Taylor esforçar-se em distinguir a tradição cívico-
humanista do que denomina "tese republicana" articulada por
Skinner. Essa tradição está assentada em uma visão não instrumental
do envolvimento nos negócios públicos, enquanto a tese republicana
recorre a uma concepção de racionalidade instrumental.

Taylor caracteriza a noção de liberdade negativa como um conceito de


oportunidade (opportunity-concept): a ausência de obstáculos
externos potenciais ou interferências às ações dos indivíduos mesmo
que elas não sejam realizadas. A liberdade positiva consiste em um
conceito de exercício (exercise-concept) (Taylor 1979).

A construção do argumento liberal contra a liberdade positiva,


segundo Taylor, desenvolve-se em dois estágios. Em primeiro lugar,
passa-se da noção de liberdade para fazermos o que queremos para a
liberdade para fazermos o que realmente queremos, ou obedecermos
nossa real vontade ou dirigirmos verdadeiramente nossa vidas. O
passo seguinte é a introdução de alguma doutrina a respeito que
supostamente revele como não podemos fazer o que realmente
queremos, ou seguir nossa vontade efetiva, a não ser no quadro de
certas formas canônicas de auto-governo. Resulta que só podemos
ser livres nessas sociedades e que a liberdade equivale ao auto-
governo coletivo segundo essa formas canônicas. Para ele, o liberal
pára no primeiro estágio. No entanto, a idéia de auto-realização - que
pressupõe a existência de um eu verdadeiro ou superior e um inferior
ou falso - não pode ser descartada com base no argumento de que
ela exigiria um imposição externa de preferências.

O conceito de liberdade como oportunidade e ausência de


constrangimentos externos à ação é criticado por Taylor porque
muitos obstáculos são internos e não externos. Assim, os indivíduos
podem ter desejos irracionais que os impedem de realizar seus
desejos superiores - como no caso de avaliações irracionais sobre
riscos de decisões que permitirão aos indivíduos alcançar fins que
julgam superiores. Os liberais da concepção negativa defendem
corretamente que os indivíduos são o melhor árbitro de seus
interesses e que, por extensão, não podem ser "forçados a ser livres",
ou ter suas preferências verdadeiras identificadas ou selecionadas
externamente. Insistem, segundo ele equivocadamente, na
infalibilidade das preferências internas. Os desejos são de vários
tipos, e podemos ter desejos sobre desejos ou metadesejos -
identificáveis pelo que chama 'avaliação forte'. Os grilhões podem ser
internos e a idéia de auto-realização implica sua remoção. Em outro
nível, argumenta também que o próprio conceito de oportunidade é
inconsistente para Taylor porque ter a oportunidade de ser livre já
pressupõe o exercício da liberdade para remover as barreiras internas
à liberdade. A liberdade implica ser capaz de reconhecer
adequadamente meus objetivos mais importantes, e minha
capacidade de superar ou pelo menos neutralizar meus grilhões
emocionais, e ao mesmo tempo estar livre de obstáculos externos:
"Mas claramente a primeira condição [o reconhecimento de objetivos]
pressupõe que eu tenha atingido uma certa condição de
discernimento e de auto-compreensão. Eu devo estar exercendo a
auto-compreensão para poder ser verdadeiramente livre. Então eu
não posso entender a liberdade apenas como um conceito de
oportunidade" (p. 193).

Além disso o conceito de liberdade como ausência de obstáculos é


inconsistente com o conceito pós-romântico de pessoa, subjacente à
visão liberal moderna, que tem na auto-realização um dos seus
princípios ordenadores. Neste ponto a concepção liberal de liberdade
negativa é self-defeating, porque é contra-intuitiva em relação à sua
própria noção de pessoa no liberalismo.

Taylor (2000) discute o republicanismo com base nos conceitos de


patriotismo e bem comuns (em oposição ao de bens convergentes).9
"Bens comuns", ao contrário dos "bens convergentes" (que eqüivale
ao "bens públicos" da terminologia microeconômica), são aqueles
como a amizade, em que o que importa centralmente "é
precisamente haver ações e significados comuns" (p. 206). O bem é
aquilo que se partilha. Os bens convergentes são fruídos
coletivamente (a segurança, etc), mas o caráter coletivo refere-se
apenas ao fato de que sua provisão tem que ser pública ou coletiva
em virtude da não-exclusão ou consumo não rival. A segurança como
fim valorizado será sempre segurança para A, B ou C. Como
argumenta, não é o caso de um bem distinto ou mais valorizado,
porque ele é garantido coletivamente. Para Taylor, a "tese
republicana" reduz a questão da liberdade a um bem convergente e
não a um bem comum. A única maneira de defender minhas
liberdades está no engajamento nos negócios públicos, uma vez que
de outra forma estaria à mercê de outras pessoas que estão longe de
prezar meus interesses. A "tese republicana", portanto, prescinde por
inteiro de bens comuns, sendo a liberdade redefinida como bem
convergente. Nela, a motivação das comunidades auto-governadas é
resultado do medo da perda de liberdades, enquanto que para Taylor
ela vem da solidariedade republicana ou de identificação patriótica
profunda, cuja base é a existência de bens comuns.

Como vimos, esta argumentação é consistente com uma


compreensão da natureza humana como dotada de propósitos
associada a uma longa tradição na história do pensamento,
notadamente no humanismo cívico. Cabe neste ponto esclarecer o
ponto a respeito de sua consistência ou não com o liberalismo
rawlsiano. A questão de fundo que separa a análise ralwsiana de
autores republicanos como Taylor diz respeito ao conceito de
sociedade. Para Taylor, e os críticos comunitaristas de Rawls, o agente
em Rawls — ou mais propriamente self, diria Taylor - é desenraizado.
Essa visão. que Taylor denomina "atomista", está assentada em um
premissa de ação humana inadequada: o véu da ignorância não
despe os indivíduos de aspectos contingentes mas de seus traços
essenciais que os definem como pessoas. Este ponto será retomado
na seção seguinte, pois permite um esclarecimento da relação entre o
perfeccionismo dos republicanos (na crítica de Rawls) e o conceito de
racionalidade. Taylor defende o que chama de ontologia holista no
lugar do atomismo liberal: para ele os indivíduos são, para usar a sua
terminologia, ontologicamente enraizados ou "situados" e não
"libertos". Para essa defesa ele não precisa de argumentos morais ou
políticos. Os indivíduos são capazes de "patriotismo" - um meio termo
entre a amizade (que tem o particular como objeto) e o altruísmo
(que tem o universal como objeto)10. Essa identificação profunda os
capacita a se sentirem ultrajados quando o bem comum é violado
pela corrupção ou pelo uso privado da coisa pública. Esse ultraje não
pode ser explicado por nenhum cálculo utilitarista. O modelo de
capacidade ou dignidade dos cidadãos - ele usa os dois termos - dos
liberais procedimentais está assentado no poder de reivindicar direitos
e assegurar tratamento igual perante a lei, além da capacidade de
influenciar decisões públicas através de tribunais ou instituições
parlamentares. "O ideal não é 'governar e ser governado
alternativamente', mas ter voz ativa". Para ele isso é compatível com
o não engajamento público, desde que se possa fazer ameaças críveis
aos detentores do governo e forçá-los a ser responsivos. O modelo de
capacidade dos cidadãos no republicanismo é bastante distinto:

[Esse modelo] define a participação no autogoverno


como a essência da liberdade, como parte daquilo que
tem de ser assegurado... Uma sociedade em que a
relação dos cidadãos com o governo é normalmente
antagônica, e mesmo onde estes conseguem fazer o
governo render-se a seus propósitos, não garantiu a
dignidade dos cidadãos, permitindo apenas um baixo
grau de capacidade do cidadão. A plena participação no
autogoverno apenas significa ter (...) alguma
participação na formação de um consenso de governo,
com o qual podemos nos identificar junto com outros.
Governar e ser governado alternativamente significam
que ao menos parte do tempo os governantes podem
ser 'nós', não sempre 'eles'. Considera-se o sentido da
capacidade do cidadão incompatível com uma nossa
condição de partícipes de um universo político alheio
que talvez possamos manipular, mas com o qual nunca
poderemos identificar" (Taylor 2000, p.217).

Entre o modelo da participação ativa e o da "cidadania da via judicial"


- centrado na defesa de direitos - Taylor prefere o primeiro.

REPUBLICANISMO E PERFECCIONISMO

Em que medida o republicanismo de Skinner e Taylor é consistente


com a posição liberal de Rawls e Dworkin? Em que medida suas
concepções de racionalidade são consistentes? O ponto de partida
para essa reflexão é o conceito rawlsiano de justiça como eqüidade, e
mais especificamente as liberdades básicas, e as relações entre o
justo e as concepções do bem. Nessa variante do liberalismo o justo é
anterior ao bem. Antes de discutir esse ponto essencial deve-se
registrar que Rawls curiosamente não discute a questão da liberdade
negativa versus positiva em sua Teoria da Justiça, por acreditar que a
questão exigiria uma teoria do justo e da justiça. (Rawls 1999, p.
176). Para ele a controvérsia teria mais a ver com os valores relativos
das várias liberdades quando conflitam entre si do que com definições
distintas de liberdade.

Mas há seções da Teoria onde esta idéia já está presente, como


quando ele afirma que, se alguém fosse forçado a escolher entre
liberdades políticas e as outras, seria preferível o governo de um
soberano que reconhecesse as liberdades de consciência e garantisse
a prevalência da lei (Rawls 1979, p. 202). E neste contexto cita Berlin
com aprovação, numa conclusão de que o mérito principal da
participação seria garantir que os governos respeitassem os direitos
dos governados. Mas essa conclusão é aquela de Skinner. Ele afirma
curiosamente que a escolha entre os dois sentidos de liberdade não é
um caso de tudo ou nada, mas um equilíbrio: devemos estreitar ou
alargar a participação (liberdade política) até o ponto onde o perigo
para as liberdades negativas "resultante da perda marginal de
controle sobre aqueles que detêm o poder político compensa
exatamente a segurança de liberdade obtida com o maior uso de
dispositivos constitucionais" .

Em outros lugares, no entanto, ele sustenta que falar de igualdades


básicas iguais não significa que elas tenham que ser dispensadas ou
valorizadas da mesma forma.

[A concepção de] justiça como equidade concorda com


a linha de tradição liberal (representada por Constant e
Berlin) que considera as liberdades políticas iguais
[equal political liberties] (a liberdade dos antigos) como
tendo em geral menos valor intrínseco que, digamos, a
liberdade de pensamento e liberdade de consciência (a
liberdade dos modernos). Isto significa, entre outras
coisas, que, em uma sociedade democrática moderna,
tomar parte contínua e ativa na vida pública geralmente
tem, e certamente deve razoavelmente ter, um lugar
menor na concepção do bem (completo) de muitas
pessoas" (Rawls 2001a, p. 143).

Mas o cerne da inconsistência do liberalismo político com o


republicanismo tem a ver com seu antiperfeccionismo e a forma como
concebe as concepções do bem no marco da justiça como equidade. A
questão do perfecionismo é tratada amplamente por Rawls na Teoria
da Justiça. Por outro lado, a prioridade do justo é elaborada mais
sistematicamente e até redefinida em Liberalismo Político. O
perfecionismo é definido como qualquer concepção de excelências
humanas ou de virtudes como princípios orientadores da ação que
justifiquem o sacrifício de outras concepções por lhes serem
superiores. É visto como teleológico na medida que postula um
princípio único que dirige a sociedade a definir deveres e obrigações
de modo a maximizar a perfeição das realizações humanas. É
incompatível com a construção da posição original na medida que
nela, sob o véu da ignorância, os indivíduos têm noções distintas
sobre os ideais de perfeição, que não gostariam de por em risco como
pessoas morais racionais. Eles não reconhecem um padrão único e
portanto não podem por-se em acordo sobre esse padrão ou padrões
(Rawls 1999, pp. 287-288).

A prioridade do justo em relação ao bem significa na prática que os


interesses que exigem a violação da justiça não têm nenhum valor.
Este ponto foi desenvolvido por Rawls em resposta à objeção de seus
críticos de que a concepção de justiça como equidade em Teoria da
Justiça era o que ele denomina doutrina abrangente, e portanto
contraditória. A questão de fundo refere-se à questão da neutralidade
liberal (termo que Rawls evita): o liberalismo mantém-se neutro em
relação às concepções do bem das pessoas? Estas concepções podem
ser abrangentes ou parcialmente abrangentes, isto é elas podem
referir-se a um conjunto parcial ou amplo de questões morais,
políticas e religiosas. Ou podem apenas ser gerais restritas a uma
concepção política do bem. Dado o fato do pluralismo, o liberalismo
admite apenas a esta última, e exclui as concepções não-razoáveis,
ou seja aquelas que não são compatíveis com a idéia de cidadãos
considerados livres e iguais11 (o liberalismo político não ataca nem
critica nenhuma visão razoável). A justiça como eqüidade não é
portanto neutra no sentido procedimental. Seus princípios de justiça
são substantivos e estão baseados em um "consenso sobreposto",
isto é, numa base pública de justificação para o que Rawls denomina
"estrutura básica" (as estruturas políticas e sociais da sociedade
vistas como um sistema de cooperação).

O liberalismo político distingue-se portanto do liberalismo abrangente.


que fornece respostas a questões que não são só políticas. Se a
justiça como equidade implica, argumenta ele, menos chances de
sobrevivência para algumas concepções do bem, é algo a que apenas
devemos nos resignar, com base na idéia de que não há vida social
sem perdas.

Considerando-se essa exposição sumária da posição rawlsiana com


relação a estes dois pontos, passo a examinar em que medida ela é
consistente com o republicanismo. A resposta vem do próprio Rawls.
Como Taylor, ele diferencia o republicanismo clássico do humanismo
cívico12. Define o republicanismo clássico como a visão segundo a
qual, se os cidadãos em uma sociedade democrática pretendem
preservar seus direitos e liberdades básicos, inclusive as liberdades
civis que asseguram aquelas da vida privada, eles devem ter também
um grau suficiente de "virtudes políticas" (como as chamo) e estarem
dispostos a participar da vida pública. A idéia é semelhante à visão de
Skinner: sem uma participação ampla de uma cidadania vigorosa e
bem informada na política democrática até as instituições políticas
mais bem intencionadas cairão nas mãos daqueles que procuram
dominar e impor sua vontade por meio do aparato de Estado, por
razões que variam ao longo do tempo. A segurança das liberdades
democráticas requer a participação ativa dos cidadãos dotados das
virtudes políticas necessárias para a manutenção do que chama
regime constitucional. Em suas palavras:

Entendido o republicanismo clássico dessa maneira, a


justiça como equidade, enquanto uma forma de
liberalismo político, não tem nada a lhe opor. Pode
haver, no máximo, certas diferenças sobre questões de
molde institucional e da sociologia política dos regimes
democráticos. Essas diferenças, se existirem, nada
terão de trivial: podem ser extremamente importantes.
Mas não há uma oposição fundamental, porque o
republicanismo não pressupõe uma doutrina religiosa,
filosófica ou moral abrangente. Nada no republicanismo
clássico, tal qual como caracterizado acima, é
incompatível com o liberalismo político como o
descrevi.13

Rawls insiste, no entanto, em que o liberalismo político não pode


admitir o humanismo cívico. Este é entendido como uma forma de
perfeccionismo aristotélico segundo o qual o homem é um animal
social, ou político, cuja natureza essencial se realiza mais plenamente
numa sociedade democrática através do engajamento na esfera
pública. Ao contrário do republicanismo clássico a participação não é
incentivada como algo necessário à proteção das liberdades básicas
da cidadania democrática, ou como um bem entre outros. O
engajamento nos negócios públicos é "considerado o locus
privilegiado da vida digna de se vivida. Isso significa voltar a dar um
lugar central àquilo que Constant chamava de 'liberdades dos
antigos', e tem todos os seus defeitos."14 O republicanismo não
representa, portanto uma concepção abrangente e portanto é
consistente com o liberalismo político e com a concepção de justiça
como igualdade que ele abriga (Rawls 2001a, p.144).

Em outro ponto argumenta que as liberdades políticas são tratadas de


forma especial, tal como expressa pela garantia de seu valor
eqüitativo, não "porque a vida política e a participação de todos no
auto-governo democrático são consideradas bens proeminentes para
cidadãos plenamente autônomos."15 De modo consistente com o
conceito de concepção política do bem, esboçado anteriormente, ele
afirma que atribuir um lugar central à vida política é apenas uma
concepção do bem entre outras. E mais: sustenta que nas sociedades
contemporâneas, em virtude do próprio tamanho do Estado moderno,
o exercício de liberdades políticas "está fadado a ter um lugar menor
na concepção do bem da maioria dos cidadãos do que o exercício de
outras liberdades fundamentais16". O fato de que algumas pessoas
realizem sua concepção do bem a partir da participação ampla e
vigorosa na vida pública produz o bem da sociedade assim como o
fazem as pessoas que usam seus distintos talentos em atividades de
cooperação mútua. Neste ponto o argumento refere-se aos efeitos
positivos da divisão de trabalho (2001a, p. 145). A participação dos
cidadãos nas questões políticas, ou nas várias formas associativas
não-políticas, são bens de grande importância, mas que fazem parte
da gama de decisões individuais das pessoas.

Rawls aproxima-se neste ponto da visão de Berlin sobre o potencial


opressor de uma sociedade excessivamente mobilizada, que pode
facilmente ser interpretado como uma espécie de tirania da virtude:

Um homem pode afastar-se de um estado democrático


vigoroso e genuinamente 'participativo', no qual as
pressões sociais ou políticas sejam excessivamente
sufocantes para ele, em busca de um ambiente onde
hajamenos participação cívica, mas mais privacidade,
uma vida comunal menos dinâmica e menos
abrangente, menos gregarismo, mas também menos
restrições. Isto pode parecer indesejável para aqueles
que têm aversão pela vida pública ou pela sociedade
como um sistema de malaise e de profunda alienação
(Berlin, 1969, p. 57)

Neste ponto cabe perguntar qual o papel das virtudes - questão


central para os republicanos - no liberalismo político. Há lugar para as
virtudes no liberalismo político? A resposta é positiva. Certas formas
de caráter moral são superiores e devem ser encorajadas - a
civilidade, a cooperação social eqüitativa, etc. Mas isto não implica um
estado perfecionista de uma doutrina abrangente. Pois essas virtudes
políticas distinguem-se daquelas que caracterizam formas de vida que
fazem parte de concepções morais e filosóficas abrangentes.
Distinguem-se também das formas de vida vinculadas a ideais
associativos, à vida familiar ou às relações privadas entre indivíduos.

Seria um erro, com efeito, entender o liberalismo político como


privatista e hobbesiano. Na realidade, um seus valores fundamentais
é o de razão pública (o outro sendo os valores da justiça política).
Esta é entendida justamente como as diretrizes da indagação pública
que tornam essa indagação pública e livre, juntamente com as
virtudes que ajudam a tornar possível a discussão pública. Essa
indagação (inquiry no original) refere-se à investigação e debate de
uma questão pública. A razão pública não deve ser entendida
intuitivamente como tendo o seu oposto a razão privada - pois como
sustenta Rawls "uma razão privada é coisa que não existe" (2000, p.
269), mas como algo aplicável à cultura política pública. Ela não se
aplica à "cultura não-pública" da sociedade civil ou "cultura de fundo"
nos seus termos. O locus da razão pública é perfeitamente
delimitado: é o fórum político público composto do discurso dos juízes
em suas discussões; o discurso dos ocupantes de cargos executivos e
legisladores; e o discurso dos candidatos.17

Esta argumentação aproxima a argumentação rawlsiana da idéia da


política como fórum - em oposição à política como mercado - referida
no início deste artigo - mas ele permanece firmemente anti-
republicano, pelo menos no sentido do humanismo cívico, pelas
razões já expostas, e sobretudo pela sua ênfase em um espaço
circunscrito para o uso da razão pública.

A argumentação de Dworkin em relação à neutralidade do Estado é


distinta da de Rawls, mas leva a resultados semelhantes. A
neutralidade é pensada em termos de igualdade de tratamento
dispensado pelo Estado às pessoas como iguais. Sua teoria liberal da
igualdade exclui quaisquer considerações perfeccionistas sobre visões
do que é bom na vida. Em seus termos a moralidade constitutiva da
liberalismo exige a neutralidade entre teorias sobre o que é valioso na
vida. Portanto sua oposição ao humanismo cívico está ancorada neste
ponto:

O liberalismo não se apóia em nenhuma teoria especial


da personalidade nem nega que a maioria dos seres
humanos pensará que o que é bom para eles é que
sejam ativos na sociedade. O liberalismo não se
contradiz: a concepção liberal de igualdade é um
princípio de organização política exigido pela justiça,
não um modo de vida para indivíduos, e para os
liberais, como tais, é indiferente que as pessoas
prefiram manifestar-se em questões políticas.18

Para Dworkin os direitos são anteriores aos deveres - em oposição à


visão de que ambos são partes indissolúveis. (Dworkin 1977, pp.170-
177) Essa é uma forma diferente de dizer que as liberdades negativas
são mais importantes do que as liberdades positivas. A forma como
Dworkin discute as virtudes é semelhante, em moldes gerais, à
argumentação rawlsiana antiperfeccionista em relação às concepções
do bem. Mas há aqui um visão mais negativa das virtudes. A idéia de
virtude ou de uma sociedade virtuosa é vista como peça integral do
conservadorismo em oposição ao liberalismo. A idéia de virtude para
ele é um componente central da moralidade constitutiva do
conservadorismo, com implicações importantes sobre as noções de
igualdade e liberdade (Dworkin 2000, pp.296-299).

Dworkin (1989) é uma resposta aos críticos comunitaristas que


questionaram sua posição quanto à neutralidade do Estado liberal. É
curioso que ele indistintamente denomina os comunitaristas
"republicanos cívicos". Isto não é de todo injustificado, pois
comunitaristas importantes, como Sandel (1996, pp. 3-28), têm
recentemente defendido o republicanismo e criticado o seu oposto,
que ele denomina liberalismo procedimental. Os republicanos cívicos
são para Dworkin os defensores da tese da integração, que ele define
como a visão de que as vidas dos indivíduos e de suas comunidades
são integradas e que o sucesso dos indivíduos e suas realizações são
um aspecto dessas últimas e que portanto eles dependem do bem das
comunidades. Para os comunitaristas o liberalismo desvaloriza as
concepções abrangentes do bem quando recorre a idéia de um véu
espesso de ignorância (cuja conseqüência é que as partes não
conheçam as doutrinas abrangentes das pessoas) ou de neutralidade
em relação às concepções do bem. Esses pressupostos em si já fazem
parte de uma concepção liberal abrangente. Daí insistirem na
indivisibilidade dos indivíduos e comunidades, e portanto na
necessidade de uma concepção do bem. Por isso mesmo recusam
uma ética do direito em oposição a uma ética do bem. Dworkin
argumenta que é salutar insistir na dependência do bem individual do
bem da vida comunal mas acha que ela tem limites e pode incorrer
em "falácias antropomórficas". No argumento da integração a atitude
que os indivíduos assumem em relação à sua vida individual aplica-se
igualmente em relação à vida ética e moral da comunidade de que
dependem. Se para os liberais, observa, a questão da liberdade
sexual é posta em termos de se é legítimo impor convicções éticas a
outrem, para os republicanos cívicos a pergunta converte-se na
questão de se a vida comum da comunidade, de que eles tanto
dependem, deveria ser saudável ou degenerada.

O republicanismo, argumenta, tem como unidade de análise a


comunidade e apenas se pergunta como as decisões da comunidade
sobre liberdade e regulação afetam a vida dos indivíduos. Essa é uma
questão bastante distinta das situações do altruísmo ou do
paternalismo, nas quais a unidade de análise é o indivíduo que
expande suas preocupações para a comunidade. Ou do orgulho (ou
falta dele) em relação às realizações de outrem. Para Dworkin isso
sugere uma antropomorficação da comunidade, que passa a ser vista
como ontologicamente anterior aos indivíduos. Em forte contraste
com a análise de Taylor, o senso de pertença a um coletivo - uma
orquestra, por exemplo - é discutido como resultando de práticas
sociais concretas e não arbitrárias (como, por exemplo, um grupo de
pessoas cuja única coisa em comum sejam seus nomes próprios), de
natureza coletiva (a produção de música orquestral). Não há
anterioridade ontológica desse coletivo em relação a seus membros.

Dworkin reconhece com os republicanos cívicos que os cidadãos


identificam-se com sua comunidade política quando reconhecem que
a comunidade tem uma "vida comunal", e que as realizações ou
derrotas em seus projetos individuais são eticamente dependentes
das realizações e derrotas da vida da comunidade. A diferença para
Dworkin diz respeito à demarcação das fronteiras do que se entende
como vida comunal em relação à comunidade política. Para ele estas
fronteiras são restritas. Eles referem-se apenas a "atos políticos
formais": as práticas políticas coletivas envolvendo as atividades dos
governos, as ações legislativas e judiciárias. A concepção
antropomórfica vai além e inclui valores não-políticos. Mas apenas se
a vida da comunidade se restringir "a decisões políticas formais, se o
sucesso crítico de uma comunidade portanto depender só do sucesso
ou falhas de suas decisões legislativas, executivas e judiciárias, é que
podemos aceitar o primado ético da vida da comunidade sem
abandonar ou comprometer a tolerância e neutralidade sobre o que é
a boa vida" (Dworkin 1989, p. 502). Ele refuta a visão estereotipada
da pessoa no liberalismo, segundo a qual ela, embora possua um
senso de justiça, rejeita o ideal de integração com a comunidade: ela
só fará pela comunidade o que seu sentido de justiça exige, mas não
verá sua vida diminuída em valor se sua comunidade convive com
fortes desigualdades sociais ou discriminação. Em seu lugar propõe o
conceito do integrated liberal como o verdadeiro sentido do liberal. O
liberal integrado reconhece uma diminuição do valor de sua vida se
sua comunidade convive com tais desigualdades. A conclusão mais
importante a que o autor chega é que "a fusão da moralidade política
e o auto-interesse crítico me parece ser o verdadeiro nervo do
republicanismo cívico, a forma fundamental pela qual cidadãos
individuais fundem seus interesses e personalidades na comunidade
política".

Embora divirja de Rawls em pontos importantes, e a linguagem seja


distinta, essa análise mantém forte similitude com a argumentação de
Rawls em um sentido importante: a ênfase nos fatores
exclusivamente políticos como fundamento de uma moralidade
pública. Se em Rawls isso é alcançado com a idéia das concepções
políticas (não abrangentes) de justiça ou do bem, do consenso
sobreposto de natureza exclusivamente política, em Dworkin o
equivalente é uma visão exclusivamente política da vida comunal da
comunidade política.

Uma tentativa de definir o republicanismo de forma a conciliá-lo com


o liberalismo foi proposta por Pettit em vários trabalhos (Pettit 1997).
Pettit também endossa uma concepção antiperfeccionista: o
republicanismo não admite "o estado perfeccionista que adota alguns
bens específicos, sem considerar os interesses dos cidadãos". No
entanto, ao contrário do liberalismo rawlsiano, sua moralidade é
antideontológica e conseqüencialista. Pettit define o republicanismo
como conseqüencialista porque nele a liberdade como não-dominação
é um valor que o Estado deve promover, não um constrangimento que
ele deve honrar.19

Taylor reconhece precisamente a fronteira que separa os liberais dos


republicanos da tradição cívica. O liberais procedimentais tratam o
autogoverno como mero instrumento do regime de direito e de
igualdade. "Tratá-lo como o trata a tradição republicana, que o vê
como essencial a uma vida de dignidade, como sendo em si o bem
político mais elevado, nos faria ultrapassar as fronteiras do liberalismo
procedimental" (p.216).

A RACIONALIDADE NO REPUBLICANISMO E EM
RAWLS

Nesta seção passo a considerar o conceito de racionalidade, individual


e coletiva, que está subjacente às idéias republicanas, estendendo a
discussão para assinalar alguns aspectos do conceito de racionalidade
em Rawls. Esforço-me apenas em oferecer respostas a duas questões
colocadas inicialmente. A primeira é se é possível conciliar
republicanismo, pelo menos no autores discutidos anteriormente, e
escolha racional. Em outras palavras, as teorias de ação coletiva
informadas pela escolha racional são consistentes com o conceito de
participação política no republicanismo? A segunda é se os conceitos
de racionalidade no republicanismo e no liberalismo rawlsiano são
compatíveis.

A discussão que empreendo aqui é bastante parcimoniosa. Por


racionalidade quero apenas considerar o que Elster (1983) denomina
thin theory da racionalidade: racionalidade como consistência entre os
desejos de um ator e seu sistema de crenças - as suas razões para
agir de um certo modo ou tomar determinado curso de ação - e entre
as razões e as ações empreendidas em função das mesmas.20 Deixo
de lado várias dimensões importantes e controvertidas do conceito.

Como alerta preliminar devo registrar que, como assinalado, as


concepções de racionalidade subjacentes às idéias dos autores
republicanos citados são díspares. Discutirei primeiramente a questão
da racionalidade individual. Para Skinner a ação coletiva é
instrumental. Os cidadãos engajam-se em ação coletiva porque essa
seria a forma pelo qual poderiam obter um bem que prezam: suas
liberdades, ou a não interferência na esfera das liberdades básicas.
Para Pettit, de forma distinta, as preferências dos cidadãos voltam-se
para a busca da não-dominação. Essas visões são consistentes com a
idéia de uma escolha racional. As ações empreendidas são
consistentes com as crenças dos atores sobre como obter esses bens.
A evidência histórica nas repúblicas estudadas parece fornecer
evidências aos atores de que a melhor forma de evitar a tirania ou
dominação consiste em uma vida pública ativa e participante. A
história é invocada instrumentalmente, como reconhece Skinner
(1984), para fornecer evidências empíricas de que os indivíduos
podem considerar a participação como instrumental. A objeção de que
essas evidências não são consistentes com os sistemas políticos
contemporâneos é uma questão empírica e não teórica. Autores como
Taylor e Skinner insistem sobre a consistência dessas crenças nas
sociedades contemporâneas. Muito da argumentação sugere que a
dominação temida nas sociedades republicanas cedeu lugar, nas
atuais poliarquias, a um certo despotismo tecnocrático ou formas
corruptas de governo nas sociedades modernas. A participação e
autogoverno prestar-se-iam, dessa forma, a evitar que as
preferências dos atores sejam distorcidas nessas formas pervertidas.

Essa análise da ação coletiva é bastante distinta da análise ação


coletiva associada a autores na tradição da escolha racional, como
Olson, por várias razões. Em primeiro lugar, no que se refere à ação
de grupos, ela não é consistente com o individualismo metodológico.
Para Olson, a ação de grupos só pode explicar-se pela racionalidade
dos indivíduos. A análise apresentada em Skinner e Pettit assume
como dada a racionalidade de grupo. Embora sejam consistentes com
uma concepção de racionalidade, elas não o são com o individualismo
metodológico. A questão central para Olson (1971) é explicar quem
se organiza. O ponto de partida é a racionalidade dos indivíduos, que
os impele tendencialmente à inação mesmo quando existe
comunalidade ou convergência de interesses com outros indivíduos.
Quanto maior o tamanho do grupo tanto maior o desincentivo à ação
coletiva, porque o monitoramento dos free riders torna-se
crescentemente difícil. A ação coletiva tem custos individuais
concentrados e benefícios difusos porque muitos bens que estão na
agenda política têm características de bens públicos: seu consumo é
não rival e não exclusivo e, uma vez ofertados, é impossível excluir
alguém do seu consumo. Indivíduos racionais comportam-se
estrategicamente para obter os bens que valorizam. Se podem obtê-
los sem incorrer em custo algum eles tenderão a esperar que outros
se mobilizem para obtê-los. A ação coletiva só ocorre, portanto, como
subproduto da busca por bens privados, através da oferta de
incentivos seletivos ou pela ação de political entrepreneurs - para os
quais existem outros bens privados a serem desfrutados para além do
bem público.

A idéia de comportamento ou racionalidade estratégica é logicamente


distinta daquela relacionada à unidade básica de análise, se o
indivíduo ou o grupo. Pode-se assumir, como Skinner e Pettit, que
grupos podem comportar-se estrategicamente - ou seja
instrumentalmente - para a obtenção de seus objetivos comuns. Este
é o caso de autores filiados à escola da escolha racional, como
Przeworski21, em que a questão é explorada para sindicatos, partidos
ou grupos reformistas em situações de transição à democracia. Nesse
caso, entendo, faz-se a assunção draconiana de que tais atores
coletivos são atores unitários.22 A objeção fundamental é que tais
atores se deparam internamente com o problema do cumprimento
das regras para evitar a defecção individual - problema que em si
replica, internamente, o problema de ação coletiva que enfrentam
externamente.

A concepção de racionalidade dos autores republicanos discutidos


também não envolve pressupostos comportamentais de maximização,
optimalidade ou egoísmo. Os cidadãos republicanos adotam cursos de
ação que os levam a alcançar seus objetivos, não necessariamente o
melhor curso de ação, nem aquele que maximiza o seu bem estar
individual. Assume-se, mais uma vez draconianamente, que eles se
deparam com uma estrutura de incentivos em que suas preferências
estão alinhadas com as da comunidade.

Passo a considerar agora como a racionalidade coletiva é tratada por


estes autores. A racionalidade coletiva refere-se à tomada de decisão
coletiva e aos resultados agregados das decisões individuais. É nesse
ponto que a imagem da política como mercado se afirma mais
claramente nos marcos da escolha racional. Essa questão não se
coloca na argumentação republicana pelo próprio alinhamento de
preferências que está pressuposto entre interesses individuais e
coletivos.23 Não existe um problema de agregação, nem tampouco,
por extensão, pode-se falar de efeitos não antecipados dessa
agregação. Em certas variantes do republicanismo está implícita a
idéia de deliberação. Uma discussão desse ponto escapa ao escopo
deste ensaio. Quero ressaltar, no entanto, que a própria idéia de
agregação pressupõe interesses individuais ou preferências que serão
agregadas no processo político mediante algum mecanismo de
escolha coletiva. Nas democracias esses processos de agregação
envolvem um ou vários mecanismos majoritários.

A representação histórica, na teoria liberal desses processos, tende a


ser negativa, como amplamente demonstra Berlin (1969), porque
associada ao risco da tirania da maioria nas democracias. Como
sabemos, a democracia foi pelo menos até o século XIX pensada
como forma degenerada de regime. As salvaguardas das liberdades
negativas foram pensadas historicamente em relação a este
problemas e guardam a marca do constitucionalismo antimajoritário.
No entanto as liberdades positivas foram pensadas como forma de
emancipação política e como forma de identificação do interesse
comum. Seja pela participação ativa, republicana, seja pela simples
manifestação da maioria, não necessariamente importando em
democracia direta, a democracia passou a ser vista como virtuosa e
como um método de descobrir o bem comum ou o interesse coletivo.
Segundo essa concepção epistêmica de democracia, este último
existe e a democracia é o mecanismo que o revela (Przeworski 1999).
A partir dos achados dos vários teoremas da impossibilidade, e pouco
antes deles da crítica schumpeteriana à idéia de bem comum como
falácia, variantes centrais da teoria democrática de inspiração liberal
abandonaram essa concepção e concentraram-se na irracionalidade
dos mecanismos majoritários a partir de argumentos técnicos
oriundos da teoria da escolha social.24 Na forma em que foi formulada
por Arrow e outros, os métodos majoritários de agregação de
preferências ou violam vários supostos importantes, como o princípio
da não-ditadura (um ator não pode impor suas preferências sobre
outros), ou estão sujeitos a problemas de instabilidade (maiorias
cíclicas, etc).

Como os autores republicanos citados se colocam em relação à


questão da racionalidade (coletiva, por definição) da democracia? Na
realidade não existe uma resposta única. Taylor é o que mais se
aproxima de uma visão epistêmica da democracia. Para a concepção
republicana que defende, a participação ocorre e dá sustentação ao
que chama de bens mediatamente comuns. A democracia republicana
produz uma forma superior de racionalidade. Mas usar o termo
racionalidade aqui talvez não inteiramente consistente com o uso de
racionalidade coletiva que estamos utilizando quando falamos de
situações que a teoria da escolha racional denominaria pareto-
inferiores ou sub-ótimas. Porque, para Taylor, a mobilização dos
cidadãos republicanos não produz conseqüências perversas não
antecipadas, mas sim conseqüências virtuosas. Sua racionalidade
individual não é maximizadora e egoísta, portanto não surgem
problemas de ação coletiva ou fenômenos tipo mão invisível.

Sob o risco de ser acusado de tratar muito apressadamente um tema


demasiadamente complexo, mas para que o confronto com o
liberalismo rawlsiano não fique incompleto, passo a considerar a
seguir o conceito de racionalidade no liberalismo rawlsiano. A primeira
advertência a ser feita, no entanto, é que não se trata de um
confronto nos mesmos níveis, e a própria idéia de confronto deve ser
substituída pela de discussão em níveis distintos de explicação, que
são muito provavelmente incomensuráveis. Enquanto a discussão do
republicanismo é feita em relação a referentes empíricos concretos,
cidadãos das repúblicas italianas ou de democracias contemporâneas,
a discussão de justiça com equidade é um construto mental, um
recurso analítico. Rawls não se cansa de repetir isso. As referências à
racionalidade e à escolha racional são abundantes na Teoria da
Justiça. Um dos pontos em que esse conceito é mais explorado é em
relação à racionalidade das partes na posição original. Nela os
indivíduos, sob o véu da ignorância, fazem escolhas racionais. A
própria racionalidade é assumida quando fazem escolhas sobre bens
primários e em relação aos dois princípios de justiça.

Embora na Teoria da Justiça o conceito seja ambíguo25, Rawls em


vários pontos de suas obras subseqüentes deixa claro que a noção de
racionalidade que utiliza está longe do conceito de racionalidade
instrumental ou estratégica associada à ciência econômica. Ele
reconhece que

Aqui corrijo uma observação de Teoria... segundo a


qual a teoria da justiça é uma parte da teoria da
escolha racional. A partir do que acabamos de dizer,
isso é simplesmente incorreto e implicaria que justiça
como equidade é no fundo hobbesiana (da forma que
Hobbes é freqüentemente interpretado) e não kantiana.
O que deveria ter sido dito é que a interpretação das
partes, e de seu raciocínio, usa a teoria da decisão
racional, embora apenas de forma intuitiva. (Rawls
2001, 82).

Justiça como eqüidade não admite que a moralidade seja derivada da


racionalidade. Os agentes de Rawls são racionais embora não
egoístas: podem querer maximizar o interesse de outrem. Isto é
consistente com a teoria da escolha racional no sentido thin da teoria.
Mas eles são também razoáveis e dotados de um senso de justiça.
Isto não significa altruísmo: eles não são movidos pelo bem comum
mas apenas por um sentimento de reciprocidade em um mundo
cooperativo. As partes na posição original são mutuamente
desinteressadas - elas não se interessam pelo bem dos outros mas
são dotadas de um senso de justiça. Mas no seu construto teórico o
componente que exclui qualquer racionalidade auto-interessada em
um plano empírico, e portanto qualquer comensurabilidade com a
noção de racionalidade dos agentes republicanos, é a noção do véu da
ignorância. Este despe os indivíduos de quaisquer referências
empíricas, colocando-os em um nível de racionalidade universalizante,
que deve, no entanto, ser distinguido de um cálculo racional sob
incertezas - como ele próprio sugere ainda que de modo ambíguo, e
como entenderam seus primeiros críticos utilitaristas.

O mais importante a ser ressaltado, todavia, é que a argumentação


rawlsiana é um esforço construtivista de definição de um conceito de
justiça. Ele não é uma descrição de "nenhum processo político
concreto e muito menos da forma como um regime constitucional
funciona" (Rawls 2000, p. 397).

Rawls recusa em muitos lugares qualquer analogia entre o processo


político e o mercado. Para ele uma peculiaridade do processo de
mercado ideal, que é distinto do processo político ideal, conduzido por
legisladores imparciais e racionais, é o fato de que o mercado alcança
um resultado eficiente mesmo que todos busquem seu próprio
benefício (Rawls 1979, p. 316). Para além da analogia superficial
entre mercados e eleições, o mercado ideal e o procedimento
legislativo ideal divergem, para ele, em aspectos cruciais. O mercado
conduz à eficiência, enquanto a deliberação política conduz
idealmente à justiça. Mas, embora o mercado competitivo conduza
invariavelmente à eficiência, a deliberação não necessariamente
produz resultados que os agentes consideram justos. A discussão
legislativa deve ser concebida não como um competição de interesses
mas como a busca da melhor política definida pelos princípios de
justiça. Como a conduta humana é informada por um senso de
justiça, o homem econômico não representa adequadamente o
processo. Na análise econômica não se considera a razão porque os
compradores e os vendedores se comportam de acordo com as regras
das leis que governam a atividade econômica; ou como as
preferências se formam ou se estabelecem as normas legais. Em sua
maioria estas questões são assumidas a priori. Na política, pelo
contrário, não se pode assumir que as regras são dadas ou que serão
seguidas (pp. 431-432). A política é a formação pública de
preferências ou deliberação. Esta discussão nos leva, todavia, para
longe do foco deste trabalho.

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* Acaba de publicar Reformas constitucionais no Brasil - Instituições


políticas e processo decisório (Ed. Revan).
1 Como corretamente assinala Elster no mesmo ensaio, a discussão
da "vontade manufaturada" por Schumpeter, onde as preferências dos
eleitores são moldadas pelos políticos torna sua análise incompatível
com a noção de escolha racional.
2 Na realidade, Elster refere-se a Mill, Pateman e Arendt. A sua
exposição sobre republicanismo em Elster (1997), na realidade, é
uma reprodução de uma seção de Elster (1983, pp. 91-101).
3 As referências essenciais são os trabalhos historiográficos de Pocock
e Skinner - que não serão resenhados aqui
4 Ou de outra forma: "O sentido 'positivo' da liberdade vem à luz se
tentarmos responder à pergunta não "o que estou livre para fazer ou
ser'?, mas sim 'por quem sou governado?' ou "quem vai dizer o que
sou, vou ser ou fazer?'(P. 130). A tradução brasileira do texto é
totalmente incorreta nesse e em outros pontos essenciais do texto. O
mesmo vale para Rawls (1979).
5 Essa acusação é feita mesmo em relação a Rawls. Para além de
uma convergência geral entre o republicanismo e as concepções de
Rawls e Dworkin, há divergências em vários níveis - como será
discutido neste texto. Para uma referência crítica à primazia dos
direitos sobre deveres em Dworkin, cf Skinner (1993. p. 307.)
6 Seria correto considerar que a concepção schumpeteriana prescinde
totalmente de virtudes? Acredito que não. Ele próprio reconhece isto
ao falar que o autocontrole democrático implica em virtudes morais
de um tipo negativo: não só a virtude da subordinação voluntária a
decisões legais que emanem de autoridades competentes, mas
também civilidade na apresentação de propostas legislativas e
renúncia à tentação de transtornar o governo sempre que a
oportunidade se apresentar (Schumpeter 1975, p. 294).
7 Skinner (1999, p.62). Ele afirma que essa reformulação deve-se às
críticas de Pettit.
8 "Se Skinner estiver correto significa que os republicanos não terão
nenhuma razão para preferir um regime onde há interferência sem
dominação a um regime onde há dominação sem interferência." (id.
ibid. p. 301)
9 Para economia de exposição não distinguimos entre os 'bens
mediatamente comuns' dos 'imediatamente comuns'.
10 É interessante notar que Dworkin (1989) faz a observação que o
republicanismo não se confunde com o altruísmo que é a preocupação
com o bem estar dos outros indistintamente, o interesse individual é
percebido como dependente do bem da comunidade de que o
indivíduo faz parte.
11 Estas idéias estão desenvolvidas nos ensaios "A idéia de um
consenso sobreposto" (1987) e "A prioridade do justo e as idéias do
bem" (1988), reproduzidos em Rawls (2000)
12 Como representante desta última concepção Rawls refere-se a
Hannah Arendt.
13 Do ensaio "As prioridades do justo e as idéias do bem", de 1988,
reproduzido em Rawls, 2000, p 254).
14 Id.ibid. pp. 253-254
15 id. ibid. p. 254
16 Do ensaio "as liberdade fundamentais e sua prioridade", de 1982,
reproduzido em Rawls, 2000, p.386.
17 "A idéia de razão pública revisitada" (1996), reproduzido em Rawls
(2001b)
18 Do ensaio "Liberalismo", reproduzido em Dworkin (2000, p. 303).
19 Para a complexa distinção entre honrar e promover nos marcos de
uma ética consequencialista cf. Pettit (2001)
20 As preferências dos atores racionais devem também ser
transitivas, completas e fixas. Elas devem ser capazes de escolher x a
y, ou serem indiferentes na escolha; ser objeto de um ordenamento
do tipo se x é preferível a y, e y é preferível a z, então a é preferível a
z; e não devem ser possíveis de mudanças (independente de algum
processo de aprendizagem.que a teoria pode endogeneizar). Essas
premissas asseguram possibilidade de previsão à teoria.
21 Ver, por exemplo, suas análises das reformas econômicas e
políticas na Europa do Leste e América Latina, ou seus estudos sobre
a social democracia.
22 Elster continua insistindo que salvo em casos excepcionais o
individualismo metodológico é o único modelo consistente com a
escolha racional. Cf. sua crítica devastadora da escolha racional sem
individualismo metodológico em Elster (2000).
23 Na realidade, a noção de racionalidade coletiva torna-se suspeita
se involve um apelo à coletividade por cima dos indivíduos que a
compõem, com base na renúncia das pessoas a seus interesses
individuais em benefício de uma entidade coletiva mítica, como o
povo ou a comunidade. Cf Elster 1983, p. 26.
24 Dahl (1956) é um tratamento pioneiro deste ponto. Ele discute
quatro objeções técnicas à concepção populista da democracia como
ele denomina o majoritarianismo, numa terminologia que ele atribui a
Shils, e que se tornou mais difundida com Riker (1983). Dahl (1956,
p. 34) afirma que Madison utiliza o termo 'republicano' para denotar
majoritarianismo. Para Riker a instabilidade da regra majoritária
deveria desautorizar proposições de engenharia política que
correspondem a formatos populistas ou de democracia direta.
25 Cf por exemplo Rawls (1999, pp.123-130)

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RAWLS E A CRÍTICA COMUNITARISTA


Heloísa da Silva Krol∗
Sumário: 1 Considerações iniciais; 2 A teoria de John Rawls; 2.1 Justiça como equidade e
liberalismo político; 2.2. Princípios da justiça; 2.3 Posição original e véu da ignorância; 3 Crítica
comunitarista; 3.1 Comunitarismo; 3.2 Principais objeções à teoria de John Rawls; 3.3
Universalismo e particularismo: a questão dos direitos humanos; 4 Considerações finais: a
proposta de Chantal Mouffe.
RESUMO
Aborda-se um dos mais importantes debates da filosofia constitucional contemporânea, que é o
travado entre liberalismo e comunitarismo. Como representantes destes eixos teóricos, elegeu-se,
respectivamente John Rawls e Michel Walzer. Um dos principais pontos de discussão é o tocante
ao universalismo liberal contraposto ao relativismo cmunitarista.
Palavras-chave: LIBERALISMO - COMUNITARISMO - UNIVERSALISMO
ABSTRACT
This papers analyses one of the most important questions of the philosophy of human rights is the
debate between liberalism and communitarianism. Rawls was elected as a representative author of
liberal theory and Walzer as a theorist of communitarianism. One of main discussions refers to
liberal universalism against the relativism defended by communitarianism authors.
Keywords: LIBERALISM – COMMUNITARIANISM – UNIVERSALISM
1
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Neste trabalho, primeiramente, serão abordadas algumas concepções de John Rawls, importante
autor norte-americano representante da corrente de pensamento liberal que com suas construções
teóricas ensejou um debate entre distintas vertentes da filosofia1.
A obra Uma teoria da justiça, publicada em 1971, reascendeu, após um período de predomínio do
pensamento positivista, o debate sobre as imbricações entre direito e moral, bem como sobre a
inclusão da idéia de justiça no conceito de direito.
Várias questões desenvolvidas em Uma teoria da justiça sofreram objeções, sendo muitas
respondidas por Rawls na obra O liberalismo político, publicada originalmente em 1993 e fruto de
uma série de trabalhos anteriores do autor.
Neste artigo, serão trabalhadas em conjunto as idéias desenvolvidas por Rawls em Uma teoria da
justiça e O liberalismo político, apresentando eventuais reformulações na concepção teórica
inicial do autor.
Num segundo momento, serão apresentadas de forma geral as principais objeções do
movimento comunitarista ou “contextualista” – enfatizando principalmente a posição de Michel
Walzer – à teoria de Rawls.
Com efeito, um dos grandes debates da filosofia constitucional contemporânea é
justamente o realizado entre os representantes do liberalismo e do comunitarismo. E, conforme
será analisado, o cerne da divergência entre o liberalismo de John Rawls e o comunitarismo é a
tendência ao universalismo presente na obra do primeiro contrariada pelo particularismo
defendido pelos comunitaristas.
Para demonstrar a atualidade da temática, apresenta-se como a discussão travada entre
universalismo e particularismo se reflete no âmbito dos direitos humanos, para sua caracterização
e efetivação.
Neste ponto, apresenta-se a interessante proposta de Wolfgang Kersting no sentido de
buscar um “universalismo sóbrio” no que concerne aos direitos humanos. Mas note-se que não há
qualquer pretensão de fechar definitivamente o debate entre liberalismo e comunitarismo, mas
apenas de demonstrar a relevância da discussão do tema.

Mestranda em Direito do Estado/Universidade Federal do Paraná. Bolsista da CAPES.
1
Observa Carlos Maria Cárcova que antes da obra Uma teoria da justiça, os liberais discutiam com os
liberais, os marxistas com os marxistas, os utilitaristas com utilitaristas. Contudo, Rawls propiciou um debate
entre estas distintas tendências e orientações filosóficas (Justicia como equidad o sociedad como conflicto:
uma lectura crítica del liberalismo político).
2
Por fim, expõe-se as considerações finais, que são embasadas notadamente nos
apontamentos de Chantal Mouffe acerca do debate entre os liberais e os comunitaristas.
2 A TEORIA DE JOHN RAWLS
2.1 Justiça como equidade e liberalismo político
Em Uma teoria da justiça, Rawls trabalhou a noção de justiça como equidade, sendo esta teoria
assim denominada porque os princípios de justiça são escolhidos em condições de liberdade e
igualdade.
Trata-se também de uma releitura da teoria contratualista de Rousseau e Kant
desenvolvida com o objetivo de sustentar uma democracia constitucional.
Com efeito, Rawls (1997, p.24) buscou desenvolver uma teoria deontológica da justiça que fosse
também uma alternativa às concepções intuicionistas e utilitaristas predominantes até então na
tradição filosófica.
Conforme definição de Rawls (1997, p. 130), a justiça como equidade é uma teoria de
nossos sentimentos morais, que se manifestam por nossos juízos ponderados, em estado de
equilíbrio refletido.
Já em O liberalismo político, Rawls (2000, p. 38) apresentou a justiça como equidade
como uma forma de liberalismo político. Esta reformulação se deu em razão de um problema
interno da concepção inicial de justiça como equidade trazida em Uma teoria da justiça
consistente na idéia pouco realista de sociedade bem ordenada.
Na definição formulada em Uma teoria da justiça, uma sociedade bem-ordenada seria
aquela que não apenas planeja promover o bem de seus membros, mas também que é
efetivamente regulada por uma concepção política de justiça. Assim, trata-se de uma sociedade na
qual: 1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça e 2) as
instituições sociais básicas geralmente satisfazem esses princípios.
Esta noção de sociedade bem-ordenada associada à justiça como equidade caracteriza-se
pelo fato de todos os cidadãos endossarem essa concepção com base no que Rawls (2000, p. 24)
denominou de doutrina filosófica abrangente.
Contudo, numa sociedade democrática nenhuma doutrina abrangente é professada por
todos os cidadãos, nem se pode esperar que isso ocorra.
Então, o liberalismo político pressupõe uma pluralidade de doutrinas abrangentes
razoáveis e muitas vezes incompatíveis como resultado normal do exercício da razão humana
dentro da estrutura das instituições livres de um regime democrático constitucional.
3
Desta forma, o problema do liberalismo político passa a ser compreender como é possível
existir uma sociedade estável e justa de cidadãos livres e iguais, porém divididos por doutrinas
religiosas, filosóficas e morais razoáveis e incompatíveis.
Portanto, o liberalismo político não nega o fato do pluralismo razoável, mas pretende
formular uma concepção de justiça política para um regime democrático constitucional que possa
ser endossada pela pluralidade de doutrinas razoáveis.
E Rawls (2000, p. 53-58) define uma concepção política de justiça pelas seguintes
características: i) trata-se de uma concepção moral elaborada para um tipo específico de objetivo,
ou seja, para instituições políticas, sociais e econômicas; ii) a concepção política é um módulo,
uma parte constitutiva essencial que se encaixa em várias doutrinas abrangentes razoáveis,
diferenciando-se, assim, das muitas concepções morais abrangentes; iii) uma concepção política
de justiça tem seu conteúdo expresso por meio de certas idéias fundamentais, vistas como
implícitas na cultura pública de uma sociedade democrática; iv) e essas idéias podem ser
trabalhadas numa concepção política de justiça capaz de conquistar o apoio de um consenso
sobreposto.
Assim, há que se separar os elementos da concepção política de justiça dos elementos das
doutrinas abrangentes. Estabelece-se uma distinção entre a razão pública e as muitas razões não
públicas, sendo que a razão pública deve ser imparcial em relação aos pontos de vista das
doutrinas abrangentes.
Para chegar aos princípios de justiça política, Rawls (2000, p. 138-139) usa o método do
construtivismo político. O construtivismo político apresenta quatro características que o
distinguem do intuicionismo racional.
A primeira característica é que os princípios da justiça política podem ser representados
como resultado de um procedimento de construção. A segunda é que o procedimento de
construção baseia-se na razão prática, que, por sua vez, se preocupa com a produção de objetos de
acordo com uma concepção destes objetos.
A terceira característica é que o construtivismo utiliza uma concepção complexa de pessoa
e sociedade para dar forma e estrutura à sua construção. Assim, vê a pessoa como membro de uma
sociedade política entendida como um sistema eqüitativo de cooperação social.
Como quarta característica, tem-se que o construtivismo político especifica uma idéia do
razoável e aplica essa idéia a vários objetos.
4
Desta forma, os princípios são o resultado de um procedimento de construção no qual
pessoas racionais (ou seus representantes), adotam esses princípios para regular a estrutura básica
da sociedade.
Segundo o autor (RAWLS, 2000, p. 143), somente endossando uma concepção
construtivista – que é política, não metafísica – que os cidadãos podem encontrar princípios que
podem ser aceitos por todos.
Ademais, para manter estável esta sociedade Rawls (2000, p. 180) utiliza a noção
consenso justaposto de doutrinas abrangentes e razoáveis. Neste tipo de consenso, as doutrinas
razoáveis endossam a concepção política cada qual a partir de seu ponto de vista especifico.
Ou seja, o consenso justaposto se dá quando os cidadãos razoáveis endossam e
publicamente justificam a concepção política de justiça, associando-a as suas diversas visões
razoáveis acerca da vida digna.
2.2. Princípios da justiça
Rawls (1997, p. 03) considera que cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que
nem mesmo o bem-estar geral da sociedade pode ignorar. Assim, os direitos assegurados pela
justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais.
Para o autor o objeto da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou seja, a maneira pela
qual as instituições sociais mais importantes – constituição política e os principais acordos
econômicos e sociais - distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de
vantagens provenientes da cooperação social.
Os princípios de justiça social regulam a escolha de uma constituição política e os elementos
principais do sistema econômico e social. Estes princípios são os escolhidos na posição original e
resultam de uma situação de escolha racional.
Os dois princípios fundamentais de justiça que se aplicam às instituições são: 1) todas pessoas têm
igual direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para
todos, projeto este compatível com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas
deverão ter seu valor eqüitativo garantido 2) as desigualdades econômicas e sociais devem ser
satisfazer dois requisitos: primeiro, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos,
em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades;
5
e, segundo, devem representar o maior beneficio possível aos membros menos privilegiados da
sociedade.
Estes princípios não devem ser confundidos com os princípios que se aplicam aos indivíduos –
que são livres para seguir suas doutrinas racionais e razoáveis - e às suas circunstâncias
particulares.
Um dos princípios que se aplica aos indivíduos é o da equidade, que afirma que uma
pessoa deve fazer a sua parte conforme definem as regras de uma instituição quando duas
condições são observadas: primeiro que a instituição seja justa e, segundo, que a pessoa
voluntariamente tenha aceitado os benefícios da organização ou tenha aproveitado as vantagens
das oportunidades que ela oferece para promover os seus próprios interesses.
O princípio da equidade explica as obrigações, ao passo que os deveres naturais positivos
e negativos não podem ser resumidos num único principio.
Já os princípios referentes às instituições orientam a atribuição de direitos e deveres nas
instituições e determinam a distribuição adequada dos benefícios e encargos da vida social.
Com efeito, Rawls (1997, p. 70-79) considera que o segundo principio das instituições é melhor
interpretado a partir da noção de igualdade democrática, na qual se chega através da combinação
do principio da igualdade eqüitativa de oportunidades com o princípio da diferença.
Desta forma, chega-se a idéia intuitiva de que ordem social não deve estabelecer e assegurar as
perspectivas mais atraentes dos que estão em melhores condições a não ser que, fazendo isso,
traga também vantagens aos menos afortunados.
Ainda, Rawls (1997, p. 65) considera que esses princípios devem obedecer a uma ordenação
serial, na qual o primeiro antecede o segundo. Assim, as violações às liberdades básicas não
poderão ser justificadas nem compensadas por maiores vantagens econômicas, pois estas
liberdades só poderão ser limitadas quando entram em conflito com outras liberdades básicas.
Nota-se, assim, que um traço característico da teoria de Rawls é a afirmação da prioridade do
direito sobre o bem, o que significa que os direitos individuais não podem ser sacrificados em prol
do bem-estar geral.
Por este motivo, os princípios da justiça tem que ser originados independentemente de qualquer
concepção de bem, respeitando uma pluralidade de concepções a fim de ser aceitos por todos.
6
Justamente para sustentar estas posições, Rawls trabalha com a noção de posição original e véu da
ignorância, abordadas a seguir.
2.3 Posição original e véu da ignorância
Com efeito, em Rawls, a base do construtivismo encontra-se no fato de que os representantes das
pessoas, em situações adequadas, podem construir os termos mínimos para constituição de uma
sociedade justa, ou seja, estabelecem os princípios da justiça.
Deste modo, Rawls equipara na justiça como equidade a posição original de igualdade ao estado
de natureza na teoria tradicional do contrato social.
Mas, em Rawls, a posição original não é tida como uma situação histórica real ou como
uma condição primitiva da cultura, mas sim como uma situação puramente hipotética
caracterizada de modo a conduzir a uma certa concepção de justiça.
Afirma, o autor, que apesar da posição original ser puramente hipotética, devemos nos interessar
por esses princípios na medida em que as premissas incorporadas na descrição da posição original
são de fato aceitas.
Assim, uma forma de considerar a posição original é vê-la como um recurso de exposição
e outra é considerá-la como uma noção intuitiva que sugere sua própria elaboração de modo que
somos levados a definir mais claramente o ponto de vista a partir do qual podemos melhor
interpretar as condutas morais de forma mais adequada.
Uma das características essenciais deste artifício de representação é considerar os representantes
sob o véu da ignorância. Desta forma, presume-se que ninguém conhece seu lugar na sociedade, a
posição de sua classe ou o status social, bem como não conhece sua sorte na distribuição de dotes
e habilidades naturais.
O objetivo de Rawls é caracterizar essa situação de modo que os princípios escolhidos sejam
aceitáveis de um ponto de vista moral. Define-se, assim, a posição original como um status quo
no qual qualquer consenso atingido é justo.
Com efeito, a justiça como equidade é uma forma de justiça procedimental pura. O
conceito de justiça procedimental pura é melhor entendido se comparado ao de justiça
procedimental perfeita e de imperfeita.
O que caracteriza a justiça procedimental perfeita é a existência de um padrão
independente para decidir qual resultado é justo e um procedimento que conduza certamente a
este resultado.
7
Já a justiça procedimental imperfeita tem como nota característica o fato de que embora
exista um critério independente para produzir o resultado correto, não há processo factível que
com certeza leve a ele.
A justiça procedimental pura, por sua vez, define-se quando não há critério independente
para o resultado correto, mas sim quando existe um procedimento correto ou justo de modo que o
resultado será também correto ou justo, qualquer que seja ele, contanto que o procedimento tenha
sido corretamente aplicado.
Assim, a posição original possibilita um caso de justiça puramente procedimental, pois
qualquer princípio selecionado pelas partes será considerado justo desde que tenha obedecido a
certos limites.
Trata-se de um estado de coisas, no qual as partes são igualmente representadas como
pessoas dignas e o resultado não é condicionado por contingências arbitrárias.
Portanto, os princípios da justiça são o resultado de um consenso ou ajuste eqüitativo, pois os
indivíduos são tomados como pessoas éticas, como seres racionais com objetivos próprios e com
senso de justiça.
Supõe-se, também, que as partes na posição original são iguais, tendo os mesmos direitos no
processo de escolha dos princípios. Estas condições, junto com o véu de ignorância, definem os
princípios da justiça como sendo aqueles que pessoas racionais preocupadas em promover seus
interesses aceitariam em condições de igualdade nas quais ninguém é consciente de ser favorecido
ou desfavorecido por contingência sociais e naturais.
Ademais, a autonomia racional permite que as partes na posição original definam uma concepção
política de justiça que possa ser aceita em uma sociedade democrática por cidadãos livres e iguais,
mas que estão comprometidos com diferentes doutrinas compreensivas razoáveis.
Com efeito, na posição original, as partes não têm autonomia plena, mas sim autonomia racional.
A autonomia racional baseia-se nas faculdades intelectuais e morais das pessoas. Expressa-se no
exercício da capacidade de formular, revisar e procurar concretizar uma concepção do bem, bem
como de deliberar de acordo com ele e de entrar em acordo com os outros.
A autonomia racional permite que as partes definam uma concepção política de justiça que
possa ser aceita, em uma sociedade democrática, por cidadãos livres e iguais, mas que estão
comprometidos com diferentes doutrinas compreensivas razoáveis.
Deste modo, a justiça como equidade começa com uma das mais genéricas escolhas que as
pessoas podem fazer em conjunto, que é justamente a escolha dos primeiros
8
princípios de uma concepção de justiça que deve regular todas as subseqüentes críticas e reformas
das instituições.
3 CRÍTICA COMUNITARISTA
3.1 Comunitarismo
O movimento comunitarista abarca uma variedade de vertentes e posições, razão pela qual não se
pode tomar o pensamento de um autor específico como representativo do comunitarismo como
um todo.
Na definição de Ricardo Almeida Ribeiro da Silva (2001, p. 198), o movimento configura-se
como uma verdadeira amálgama de posturas doutrinárias, encontrando-se entre os que receberam
o rótulo desde conservadores – como Robert Nisbet, Michael Oakshott, Alasdair MacIntyre, Eric
Volgelim e Leo Strauss –, neo-republicanos – Michael Sandel, Michael Warner – e liberais
comunitários – Bruce Ackerman, Michael Walzer, Charles Taylor, Cass Sunstein.
Não obstante esta diversidade de autores e concepções é possível traçar algumas linhas gerais
sobre a escola comunitarista, que se desenvolveu no final da década de setenta num contexto de
crítica ao modelo liberal norte-americano.
Assim, o comunitarismo tem dois temas dominantes. Primeiro, a noção de que os indivíduos não
existem isoladamente, mas são moldados por valores e pela cultura da comunidade em que vivem
e, segundo, que os direitos individuais precisam ser balanceados com responsabilidades sociais.
Desta forma, o principal ponto de divergência entre as doutrinas liberais – entre elas a de Rawls –
e as doutrinas comunitaristas é a tendência ao universalismo presente nas primeiras contrariada
pelo particularismo defendido pelos comunitaristas.
Neste sentido, sintetiza Chantal Mouffe (2004, p. 381) que autores como Dworkin, Rawls e
Habermas afirmam que o objetivo da teoria política é o de estabelecer verdades universais, válidas
para todos e independentes de contexto. De outro lado, a posição comunitarista ou
“contextualista” de Michel Walzer nega a existência de um ponto de vista que possa estar situado
fora das práticas sociais e instituições de uma cultura particular e a partir de onde juízos
universais possam ser produzidos.
3.2 Principais objeções à teoria de John Rawls
9
Tem-se que o liberalismo – notadamente o de Rawls – restringiu a democracia ao espaço público
na medida em que distingue razão pública das muitas razões não públicas. Ademais, considerou o
indivíduo abstratamente, ou seja, desvinculado de uma comunidade.
Esta noção abstrata de indivíduo é o alvo das críticas formuladas por Walzer. Na obra Esferas da
Justiça, Walzer desenvolve a teoria da igualdade complexa a partir de uma concepção de homem
diferente da liberal.
O autor (WALZER, 2003, p.19) reconhece a existência de uma dimensão individual e
universal em cada indivíduo decorrente de sua própria humanidade, mas procura enfatizar a
dimensão social ou coletiva que se forma no âmbito da comunidade política com a qual o
indivíduo compartilha memórias, valores e perspectivas de futuro.
Neste sentido, Gisele Cittadino (2004, p. 86) observa que em Walzer os sujeitos primários dos
valores são as comunidades históricas especificas – e a correção destes valores é resultado
exclusivo de sua efetiva aceitação – sendo que os indivíduos estão integralmente vinculados às
culturas que eles criam e compartilham.
Partindo desta valorização do âmbito da comunidade, Walzer (2003, p.06-11) defende a
possibilidade de que os indivíduos cheguem a um consenso não apenas em relação a um
procedimento para atingir um resultado, mas também a valores materiais do grupo social.
Walzer (2003, p. 10) não defende a universalidade deste consenso, pois tanto o procedimento para
alcançar o justo como o injusto propriamente dito são noções que decorrem dos valores
compartilhados e do sentido social atribuído aos bens no âmbito de cada comunidade
individualmente considerada.
A grande crítica que se fez à concepção particularista de Walzer (1995, p.10) é a
possibilidade de se redundar num relativismo exacerbado. Então, na obra Thick and thin: moral
argument at home and abroad, o autor procurou amenizar este relativismo.
Nesta obra, Walzer descreve e defende um certo tipo de universalismo. Pressupõe que
existem dois tipos diferentes de argumentos morais, sendo o primeiro denso (thick) e referente aos
valores das pessoas que compartilham histórias comuns. Já o segundo argumento moral é
designado como delgado (thin) e se refere aos valores comuns compartilhados por qualquer ser
humano, independente da cultura que professa.
Mas note-se que esta moralidade mínima não é independente do particularismo, pois ela
revela a existência de uma justaposição de aspectos comuns das moralidades densas.
Ou seja, a moralidade mínima seria uma espécie de consenso justaposto, porém diferente
do consenso justaposto de Rawls, que legitima uma concepção de justiça, uma
10
moralidade densa. Já Walzer entende que este consenso justaposto não pode tomar lugar
de uma moralidade densa tendo em vista que a eficácia social de tais princípios vai depender da
forma como sejam interpretados no interior de sistemas culturais densos.
Segundo Walzer a forma com que Rawls constrói a idéia de imparcialidade que assegura
uma moralidade mínima pressupõe uma série de condições que já integra uma moralidade densa.
Outra crítica que se faz a Rawls é no seguinte sentido. Ainda que Rawls (1997, p. 218) refute a
distinção entre liberdade dos antigos (liberdades positivas) e dos modernos (liberdades negativas),
a sua doutrina enfatiza a idéia de que a comunidade política deve ser capaz de proteger os direitos
do cidadão em face do Estado e dos demais indivíduos, ou seja, aproxima-se mais da noção de
liberdade negativa.
Assim, a filosofia liberal de Rawls acaba não se preocupando com a participação do indivíduo na
formação de valores comuns.
Analisando a questão da cidadania a partir da posição de Rawls e da crítica da corrente
comunitarista, Mouffe (1999, p. 84) enfatiza que Rawls concebe o cidadão como titular de direitos
iguais tomando como referência os princípios da justiça. Assim, se os indivíduos forem capazes
de perceber a si mesmo como livres e iguais verão que precisam dos mesmos bens primários.
Dentro desta noção individualista não se desenvolvem verdadeiros vínculos de cooperação
social e de solidariedade, não existindo uma verdadeira obrigação política do cidadão para com a
comunidade.
Já a posição comunitarista, conforme observação de Mouffe (1999, p. 85), renova o
republicanismo cívico na política, enfatizando a idéia de solidariedade com uma noção substancial
de bem comum, anterior e independente dos interesses e desejos individuais.
Desta forma, percebe-se que a concepção comunitarista está centrada na idéia de
participação do individuo na administração da comunidade política. A partir do estabelecimento
de uma única noção de bem comum, os indivíduos passariam a ser cidadãos de uma comunidade
política estruturada para realização desta idéia de bem.
Assim, ao contrário do que propugna Rawls, a vertente comunitarista admite o sacrifício
da liberdade individual em prol da comunidade política, prevalecendo o cidadão em detrimento do
indivíduo. Entendem ainda que a prevalência absoluta do direito é impossível, pois apenas através
da participação do indivíduo numa comunidade política concreta é possível chegar a uma
concepção de justiça.
11
3.3 Universalismo e particularismo: a questão dos direitos humanos
Não obstante existam outros pontos de divergência, verifica-se que a questão central entre
liberalismo e comunitarismo refere-se a discussão entre universalismo e particularismo.
O debate entre universalismo e particularismo tem significativa relevância quando se trata de
direitos humanos.
Na definição de Arthur Kaufmann (1998, p. 12), “por derechos humanos se entiende comúnmente
todo elemento ético y jurídico básico, conceptualmente universalizable y valido para todos los
seres humanos”2.
Contudo, esta universalidade abstrata dos direitos humanos que é questionada pelos
comunitaristas. Desta forma, apesar dos direitos humanos constituírem o núcleo duro da ética
social do nosso tempo, há ainda muito a se debater.
O tema é bastante complexo. Como já exposto, a grande polêmica reside na caracterização
ou não dos direitos humanos como universais, na medida em que se assim considerados podem
ser definidos como direitos cujos titulares são todos os homens sem exceção, independentemente
do contexto cultural em que estejam inseridos.
Com efeito, nos últimos anos, vários fatores têm concorrido para tornar o tema dos direitos
humanos ainda mais complicado.
Nestes termos, Carlos Massini (2003, p. 66) arrola duas razões significativas. A primeira
decorre do surgimento de correntes filosóficas que questionam seus fundamentos3. A segunda
relaciona-se com a inclusão no âmbito dos direitos humanos de novas questões e relações, entre
estas a problemática do multiculturalismo.
O autor caracteriza a problemática do multiculturalismo como o conjunto de “dificultades,
obstáculos, complejidades y desafíos que han cobrado importância, principalmente desde el
surgimento del capitalismo moderno, a raíz de las migraciones de
2
Tradução livre: “por direitos humanos se entende comumente todo o elemento ético e jurídico básico,
conceitualmente universalizável e válido para todos os seres humanos”.
3
Roberto Adorno define esta questão como um fator ideológico presente no pensamento pós-moderno que
contribuiu para a negação da universalidade dos direitos humanos (Universalidad...., p. 35).
12
masas laborales, ya sea dentro de una misma comunidad política, como entre dos comunidades
políticas diversas”4.
Ainda, agrega-se a este fenômeno o deslocamento forçado de conjuntos humanos – também
numerosos – devido às perseguições de conteúdo político-ideológico.
Estas migrações impuseram a coexistência dentro de uma mesma sociedade de uma
multiplicidade de grupos culturalmente diversos. Além disto, com o fim da guerra fria, diminuiu a
subordinação de países às superpotências e, assim, muitos povos redescobriram suas
particularidades ocultas por motivos estratégicos.
Desta forma, ao valorizar sua própria identidade, os povos passam a resistir ao processo de
globalização e o discurso dos direitos humanos universais acaba sendo visto como uma forma de
imperialismo.
Com uma certa freqüência, afirma-se que quando se fala em direitos humanos universais recorre-
se ao padrão ocidental, bem como que estes direitos são fruto de uma consolidação histórica
própria do Ocidente.
Assim, não se considera o fato de que os direitos humanos não emergiram da mesma forma nas
outras culturas. Neste sentido, há autores (RENTTO, p. 110) que definem a ideologia dos direitos
humanos “as a kind of cultural imperialism wich threatens the integrity of non-Western cultures
and promotes a worldwide hegemony of Western individualism, liberalism and consumerism”5.
Ataca-se, portanto, a definição de que determinados direitos são universais porque
pertencem ao ser humano enquanto tal. Principalmente, se para tanto se adotar um modelo de “ser
humano enquanto tal” ocidental. Desta maneira, a implementação destes direitos universais pode
servir de justificativa para ações que ignoram questões culturais.
Também não se pode tolerar e justificar determinadas práticas apenas porque estão
inseridas num determinado contexto cultural.
O debate sobre a caracterização dos direitos humanos como universais ou relativos está aberto.
Existem posições intermediárias ao liberalismo de Rawls e o comunitarismo de Walzer
como a de Wolfgang Kiersting.
Para embasar sua concepção, o autor defende que não se pode confundir relativismo,
particularismo ou contextualismo com multiculturalismo ou com relativismo cultural.
4
Tradução livre: “dificuldades, obstáculos, complexidades e desafios que tem ganhado importância,
principalmente com o surgimento do capitalismo moderno, em razão das migrações de massas de trabalhadores,
seja dentro de uma mesma comunidade política ou entre duas comunidades diversas”.
13
O multiculturalismo é um fato que pode ensejar o relativismo ético, mas não o
fundamenta, tendo em vista que do fato da coexistência de diferentes sistemas morais não se pode
derivar a tese de que não haveria princípios de validade universal.
Nestes termos, propõe Kersting (2003, p. 89) um “universalismo sóbrio” no tocante aos
direitos humanos. Assim, o conceito de direitos humanos adquire resistência contra o relativismo
e o particularismo e também dissipa o “temor de um missionarismo hipermoral e disposto à
violência, relacionado aos direitos humanos e à democracia do Ocidente”.
Para Kersting (2003, p. 91) um conceito válido de direitos humanos em termos de
fundamentação teórica é o resistente ao particularismo e ao relativismo. E este o é quando, numa
situação multiculturalista, possui chances de ser reconhecidos além-fronteiras.
Para chegar a este conceito de direitos humanos, é necessário perquirir quem é o ser
humano dos direitos humanos. Neste sentido, Kersting (2003, p. 92-93) considera que só com
auxílio de argumentos antropológicos se pode chegar a esta resposta e assim fundamentar os
direitos humanos.
Desta maneira, o “ser humano como tal constitui a fórmula de atribuição do direito
humano”(KERSTING, 2003, p. 93-94) e esta fórmula está na esfera pré-cultural. Ainda, o único
ser humano relevante para a fundamentação teórica dos direitos humanos é um ser finito, mortal,
vulnerável e capaz de sofrer.
Nestes termos, a proteção dos direitos humanos – que só poder ser concedida num Estado
- baseia-se na evidente vulnerabilidade humana e na preferencialidade de um estado de ausência
de assassinato e homicídio, dor e violência, tortura, miséria e fome, opressão e exploração.
Com efeito, Kersting (2003, p. 94) busca o cerne da noção de direitos humanos numa
distinção presente na doutrina dos deveres do direito natural do século XVII e XVIII. Trata-se da
distinção entre uma orientação dos deveres consoante o esse humano e outra orientação de acordo
com o bene esse humano.
Desta maneira, a pretensão universal do direito humano só é plausível diante da diferença
cultural se interpretado como direito do esse humano, sendo que formulação do ser humano bem-
sucedido ficaria a cargo da cultura.
Para dar precisão maior a esta separação, Kersting (2003, p. 94-95) apresenta a distinção
entre elementos condicionais e programáticos dos direitos humanos. Os primeiros abrangem o
direito à vida, à incolumidade física e à segurança básica. Estes direitos
5
Tradução livre: “uma forma de imperialismo cultural que ameaça a integridade das culturas não-
ocidentais e promove a hegemonia mundial do individualismo ocidental, do liberalismo e consumismo”.
14
asseguram os pressupostos coletivo-institucionais de uma vida que tenha sentido e possa
esperar que termine por morte natural.
Já os direitos humanos programáticos são o direito à liberdade e à igualdade política, à
democracia e autodeterminação política, ao Estado de direito e constitucionalismo, ao
abastecimento básico suficiente e a uma condição assegurada de membro numa república
mundial.
Quando os direitos programáticos são realizados as condições políticas de vida melhoram,
mas os direitos condicionais se referem às condições que têm que estar preenchidas para que os
seres humanos tenham oportunidade de viver de forma pacífica e livres de violência.
Sintetizando, os direitos condicionais atendem a necessidade antropológica e existencial,
ao passo que os programáticos prevêem um marco institucional do cumprimento em termos de
ética cidadã, representado o máximo do que se pode realizar coletivamente.
A prática dos direitos humanos programáticos é bem mais complexa. Nestes as
particularidades históricas e peculiaridades culturais interferem. Já as normas relativas aos direitos
condicionais são normas de interpessoalidade negativa. São cumpridas quando se evitam certas
ações e possuem validade e aplicabilidade universal.
Kersting (2003, p. 97) considera que no conceito de natureza humana nos deparamos com
necessidades básicas em cujo cumprimento as pessoas têm um interesse fundamental. Assim, por
trás dos direitos humanos emergem os interesses que dão aos direitos o fundamento e conteúdo.
A convergência do direito humano e interesse humano não se limita a esfera de liberdade
negativa, pois o conceito de natureza humana pode ser empregado até mesmo para fundamentar
obrigações distributivas internacionais.
Assim, por uma questão de coerência, a proteção dos direitos humanos precisa ir além da
coexistência negativa e ser estendida a uma dotação com bens para suprir as necessidades básicas.
Aponta, ainda, um terceiro fator antropológico que independe do contexto cultural,
embora só designe um desejo que só pode ser realizado num âmbito cultural determinado. Trata-
se do direito ao desenvolvimento, pois as pessoas são seres que podem se desenvolver e as suas
vidas tornam-se mais significativas quando se é possível desenvolver as capacidades e talentos.
Conclui, Kersting (2003, p. 101), que se levarmos em consideração os pressupostos que
precisam estar cumpridos para levar uma vida com sentido, seja qual for o contexto
15
cultura, certamente se chegará aos fatores antropológicos interesse na existência, interesse
na subsistência e interesse no desenvolvimento.
Esta tríade de interesses constitui o contraforte material de um universalismo sóbrio, sendo
que este é sóbrio por se restringir à esfera do direito, por não recorrer ao valor e a dignidade do ser
humano como fundamento e por ser compatível com o particularismo moral.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: a proposta de Chantal Mouffe
A título de considerações finais, propõe-se, com amparo na obra de Chantal Mouffe, que se
conjugue as virtudes das vertentes liberal e comunitarista. A autora o faz com vista a desenvolver
sua noção de cidadania na ótica da democracia radical. Devido aos contornos propostos para este
trabalho, não se entrará nesta discussão, mas se acolhe a posição de Mouffe com o objetivo de
fechar provisoriamente o debate entre Rawls e os comunitaristas.
Com efeito, um dos problemas de Rawls conceber o pluralismo como uma pluralidade de
concepções sobre o bem é que isto implica conceber que as diferenças que podem acabar em
conflito são diferenças de crenças e valores.
Desta forma, Rawls concebe estas diferenças apenas como uma questão de escolha individual, não
se preocupando com várias questões referentes a grupos ou movimento sociais e como as
diferenças entre eles podem ser reconhecidas no espaço público.
Segundo Mouffe (2004, p. 390), para que estas questões possam ser efetivamente levadas em
consideração faz-se necessária uma concepção diferente sobre o pluralismo – um pluralismo de
grupos sociais, de membros de identidades coletivas. Assim, o conflito não poderá ser reduzido a
um simples choque entre valores e escolhas individuais, pois estas questões referem-se à inclusão,
reconhecimento e não-discriminação.
Por exemplo, no âmbito dos direitos humanos é um problema apresentar estes como
universalmente válidos e unicamente europeus em sua origem e inspiração. Desta maneira, a
universalização dos direito humanos depende da sociedade adotar ou não as instituições
ocidentalizadas.
Assim, a democracia ocidental é apresentada como o único regime que é justo, legítimo e
adequado à realização dos direitos humanos porque escolhido por indivíduos racionais, em
situações ideais como o véu da ignorância de Rawls.
16
Mouffe (2001, p. 391), por sua vez, entende que a teoria democrática precisa abrir espaço para a
pluralidade de culturas e formas de vida existentes não apenas em razão do pluralismo de
interesses existentes ou diferentes concepções individuais sobre bem.
Para a autora (MOUFFE, 2004, p. 391), as instituições democrático-liberais e a formulação
ocidental dos direitos humanos devem ser concebida como uma forma possível de jogos de
linguagem entre muitas formas possíveis, não devendo pretender nenhuma afirmação de
superioridade com fundamentos racionais.
Assim, sem cair num relativismo – tendo em vista que sempre existirão condições determinadas e
que deverão ser preenchidas para que uma forma de sociedade política possa ser considerada boa
– deve-se aceitar diferentes respostas justas e legítimas.
De fato, há problemas em se adotar sem ressalvas as concepções comunitaristas. Conforme
Mouffe (1999, p. 85), há que se rejeitar a tradição comunitarista no ponto que propugna
construção de um bem comum substantivo a partir de uma concepção compreensiva e abrangente
de bem, pois esta é incompatível com a democracia moderna caracterizada pela valorização do
pluralismo e significada por uma concepção de política e sociedade que separa o poder da lei e do
conhecimento, deixando o lugar do poder vazio.
Neste passo, verifica-se que é necessário manter algumas conquistas do pensamento liberal (idéia
de separação dos poderes, separação entre Estado e Igreja e aceitação do valor pluralismo), mas
reformular a distinção entre esfera pública e privada e demonstrar como o pluralismo pode ser
defendido dentro de uma comunidade que incentiva a participação cívica.
Já no que toca o comunitarismo, há que se fixar a importância das noções de participação cívica,
desenvolvimento comum de normas e valores, a noção de identidade do indivíduo constituída a
partir da comunidade, mas rejeitar aportes como a noção de bem comum substantivo.
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18
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WALZER, Michael. Thick and Thin: the moral argument at home and abroad. Indiana:
University of Notre Dame Press, 1995.
19
RAWLS E A CRÍTICA COMUNITARISTA
Heloísa da Silva Krol∗
Sumário: 1 Considerações iniciais; 2 A teoria de John Rawls; 2.1 Justiça como equidade e
liberalismo político; 2.2. Princípios da justiça; 2.3 Posição original e véu da ignorância; 3 Crítica
comunitarista; 3.1 Comunitarismo; 3.2 Principais objeções à teoria de John Rawls; 3.3
Universalismo e particularismo: a questão dos direitos humanos; 4 Considerações finais: a
proposta de Chantal Mouffe.
RESUMO
Aborda-se um dos mais importantes debates da filosofia constitucional contemporânea, que é o
travado entre liberalismo e comunitarismo. Como representantes destes eixos teóricos, elegeu-se,
respectivamente John Rawls e Michel Walzer. Um dos principais pontos de discussão é o tocante
ao universalismo liberal contraposto ao relativismo cmunitarista.
Palavras-chave: LIBERALISMO - COMUNITARISMO - UNIVERSALISMO
ABSTRACT
This papers analyses one of the most important questions of the philosophy of human rights is the
debate between liberalism and communitarianism. Rawls was elected as a representative author of
liberal theory and Walzer as a theorist of communitarianism. One of main discussions refers to
liberal universalism against the relativism defended by communitarianism authors.
Keywords: LIBERALISM – COMMUNITARIANISM – UNIVERSALISM
1
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Neste trabalho, primeiramente, serão abordadas algumas concepções de John Rawls, importante
autor norte-americano representante da corrente de pensamento liberal que com suas construções
teóricas ensejou um debate entre distintas vertentes da filosofia1.
A obra Uma teoria da justiça, publicada em 1971, reascendeu, após um período de predomínio do
pensamento positivista, o debate sobre as imbricações entre direito e moral, bem como sobre a
inclusão da idéia de justiça no conceito de direito.
Várias questões desenvolvidas em Uma teoria da justiça sofreram objeções, sendo muitas
respondidas por Rawls na obra O liberalismo político, publicada originalmente em 1993 e fruto de
uma série de trabalhos anteriores do autor.
Neste artigo, serão trabalhadas em conjunto as idéias desenvolvidas por Rawls em Uma teoria da
justiça e O liberalismo político, apresentando eventuais reformulações na concepção teórica
inicial do autor.
Num segundo momento, serão apresentadas de forma geral as principais objeções do
movimento comunitarista ou “contextualista” – enfatizando principalmente a posição de Michel
Walzer – à teoria de Rawls.
Com efeito, um dos grandes debates da filosofia constitucional contemporânea é
justamente o realizado entre os representantes do liberalismo e do comunitarismo. E, conforme
será analisado, o cerne da divergência entre o liberalismo de John Rawls e o comunitarismo é a
tendência ao universalismo presente na obra do primeiro contrariada pelo particularismo
defendido pelos comunitaristas.
Para demonstrar a atualidade da temática, apresenta-se como a discussão travada entre
universalismo e particularismo se reflete no âmbito dos direitos humanos, para sua caracterização
e efetivação.
Neste ponto, apresenta-se a interessante proposta de Wolfgang Kersting no sentido de
buscar um “universalismo sóbrio” no que concerne aos direitos humanos. Mas note-se que não há
qualquer pretensão de fechar definitivamente o debate entre liberalismo e comunitarismo, mas
apenas de demonstrar a relevância da discussão do tema.

Mestranda em Direito do Estado/Universidade Federal do Paraná. Bolsista da CAPES.
1
Observa Carlos Maria Cárcova que antes da obra Uma teoria da justiça, os liberais discutiam com os
liberais, os marxistas com os marxistas, os utilitaristas com utilitaristas. Contudo, Rawls propiciou um debate
entre estas distintas tendências e orientações filosóficas (Justicia como equidad o sociedad como conflicto:
uma lectura crítica del liberalismo político).
2
Por fim, expõe-se as considerações finais, que são embasadas notadamente nos
apontamentos de Chantal Mouffe acerca do debate entre os liberais e os comunitaristas.
2 A TEORIA DE JOHN RAWLS
2.1 Justiça como equidade e liberalismo político
Em Uma teoria da justiça, Rawls trabalhou a noção de justiça como equidade, sendo esta teoria
assim denominada porque os princípios de justiça são escolhidos em condições de liberdade e
igualdade.
Trata-se também de uma releitura da teoria contratualista de Rousseau e Kant
desenvolvida com o objetivo de sustentar uma democracia constitucional.
Com efeito, Rawls (1997, p.24) buscou desenvolver uma teoria deontológica da justiça que fosse
também uma alternativa às concepções intuicionistas e utilitaristas predominantes até então na
tradição filosófica.
Conforme definição de Rawls (1997, p. 130), a justiça como equidade é uma teoria de
nossos sentimentos morais, que se manifestam por nossos juízos ponderados, em estado de
equilíbrio refletido.
Já em O liberalismo político, Rawls (2000, p. 38) apresentou a justiça como equidade
como uma forma de liberalismo político. Esta reformulação se deu em razão de um problema
interno da concepção inicial de justiça como equidade trazida em Uma teoria da justiça
consistente na idéia pouco realista de sociedade bem ordenada.
Na definição formulada em Uma teoria da justiça, uma sociedade bem-ordenada seria
aquela que não apenas planeja promover o bem de seus membros, mas também que é
efetivamente regulada por uma concepção política de justiça. Assim, trata-se de uma sociedade na
qual: 1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça e 2) as
instituições sociais básicas geralmente satisfazem esses princípios.
Esta noção de sociedade bem-ordenada associada à justiça como equidade caracteriza-se
pelo fato de todos os cidadãos endossarem essa concepção com base no que Rawls (2000, p. 24)
denominou de doutrina filosófica abrangente.
Contudo, numa sociedade democrática nenhuma doutrina abrangente é professada por
todos os cidadãos, nem se pode esperar que isso ocorra.
Então, o liberalismo político pressupõe uma pluralidade de doutrinas abrangentes
razoáveis e muitas vezes incompatíveis como resultado normal do exercício da razão humana
dentro da estrutura das instituições livres de um regime democrático constitucional.
3
Desta forma, o problema do liberalismo político passa a ser compreender como é possível
existir uma sociedade estável e justa de cidadãos livres e iguais, porém divididos por doutrinas
religiosas, filosóficas e morais razoáveis e incompatíveis.
Portanto, o liberalismo político não nega o fato do pluralismo razoável, mas pretende
formular uma concepção de justiça política para um regime democrático constitucional que possa
ser endossada pela pluralidade de doutrinas razoáveis.
E Rawls (2000, p. 53-58) define uma concepção política de justiça pelas seguintes
características: i) trata-se de uma concepção moral elaborada para um tipo específico de objetivo,
ou seja, para instituições políticas, sociais e econômicas; ii) a concepção política é um módulo,
uma parte constitutiva essencial que se encaixa em várias doutrinas abrangentes razoáveis,
diferenciando-se, assim, das muitas concepções morais abrangentes; iii) uma concepção política
de justiça tem seu conteúdo expresso por meio de certas idéias fundamentais, vistas como
implícitas na cultura pública de uma sociedade democrática; iv) e essas idéias podem ser
trabalhadas numa concepção política de justiça capaz de conquistar o apoio de um consenso
sobreposto.
Assim, há que se separar os elementos da concepção política de justiça dos elementos das
doutrinas abrangentes. Estabelece-se uma distinção entre a razão pública e as muitas razões não
públicas, sendo que a razão pública deve ser imparcial em relação aos pontos de vista das
doutrinas abrangentes.
Para chegar aos princípios de justiça política, Rawls (2000, p. 138-139) usa o método do
construtivismo político. O construtivismo político apresenta quatro características que o
distinguem do intuicionismo racional.
A primeira característica é que os princípios da justiça política podem ser representados
como resultado de um procedimento de construção. A segunda é que o procedimento de
construção baseia-se na razão prática, que, por sua vez, se preocupa com a produção de objetos de
acordo com uma concepção destes objetos.
A terceira característica é que o construtivismo utiliza uma concepção complexa de pessoa
e sociedade para dar forma e estrutura à sua construção. Assim, vê a pessoa como membro de uma
sociedade política entendida como um sistema eqüitativo de cooperação social.
Como quarta característica, tem-se que o construtivismo político especifica uma idéia do
razoável e aplica essa idéia a vários objetos.
4
Desta forma, os princípios são o resultado de um procedimento de construção no qual
pessoas racionais (ou seus representantes), adotam esses princípios para regular a estrutura básica
da sociedade.
Segundo o autor (RAWLS, 2000, p. 143), somente endossando uma concepção
construtivista – que é política, não metafísica – que os cidadãos podem encontrar princípios que
podem ser aceitos por todos.
Ademais, para manter estável esta sociedade Rawls (2000, p. 180) utiliza a noção
consenso justaposto de doutrinas abrangentes e razoáveis. Neste tipo de consenso, as doutrinas
razoáveis endossam a concepção política cada qual a partir de seu ponto de vista especifico.
Ou seja, o consenso justaposto se dá quando os cidadãos razoáveis endossam e
publicamente justificam a concepção política de justiça, associando-a as suas diversas visões
razoáveis acerca da vida digna.
2.2. Princípios da justiça
Rawls (1997, p. 03) considera que cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que
nem mesmo o bem-estar geral da sociedade pode ignorar. Assim, os direitos assegurados pela
justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais.
Para o autor o objeto da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou seja, a maneira pela
qual as instituições sociais mais importantes – constituição política e os principais acordos
econômicos e sociais - distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de
vantagens provenientes da cooperação social.
Os princípios de justiça social regulam a escolha de uma constituição política e os elementos
principais do sistema econômico e social. Estes princípios são os escolhidos na posição original e
resultam de uma situação de escolha racional.
Os dois princípios fundamentais de justiça que se aplicam às instituições são: 1) todas pessoas têm
igual direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para
todos, projeto este compatível com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas
deverão ter seu valor eqüitativo garantido 2) as desigualdades econômicas e sociais devem ser
satisfazer dois requisitos: primeiro, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos,
em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades;
5
e, segundo, devem representar o maior beneficio possível aos membros menos privilegiados da
sociedade.
Estes princípios não devem ser confundidos com os princípios que se aplicam aos indivíduos –
que são livres para seguir suas doutrinas racionais e razoáveis - e às suas circunstâncias
particulares.
Um dos princípios que se aplica aos indivíduos é o da equidade, que afirma que uma
pessoa deve fazer a sua parte conforme definem as regras de uma instituição quando duas
condições são observadas: primeiro que a instituição seja justa e, segundo, que a pessoa
voluntariamente tenha aceitado os benefícios da organização ou tenha aproveitado as vantagens
das oportunidades que ela oferece para promover os seus próprios interesses.
O princípio da equidade explica as obrigações, ao passo que os deveres naturais positivos
e negativos não podem ser resumidos num único principio.
Já os princípios referentes às instituições orientam a atribuição de direitos e deveres nas
instituições e determinam a distribuição adequada dos benefícios e encargos da vida social.
Com efeito, Rawls (1997, p. 70-79) considera que o segundo principio das instituições é melhor
interpretado a partir da noção de igualdade democrática, na qual se chega através da combinação
do principio da igualdade eqüitativa de oportunidades com o princípio da diferença.
Desta forma, chega-se a idéia intuitiva de que ordem social não deve estabelecer e assegurar as
perspectivas mais atraentes dos que estão em melhores condições a não ser que, fazendo isso,
traga também vantagens aos menos afortunados.
Ainda, Rawls (1997, p. 65) considera que esses princípios devem obedecer a uma ordenação
serial, na qual o primeiro antecede o segundo. Assim, as violações às liberdades básicas não
poderão ser justificadas nem compensadas por maiores vantagens econômicas, pois estas
liberdades só poderão ser limitadas quando entram em conflito com outras liberdades básicas.
Nota-se, assim, que um traço característico da teoria de Rawls é a afirmação da prioridade do
direito sobre o bem, o que significa que os direitos individuais não podem ser sacrificados em prol
do bem-estar geral.
Por este motivo, os princípios da justiça tem que ser originados independentemente de qualquer
concepção de bem, respeitando uma pluralidade de concepções a fim de ser aceitos por todos.
6
Justamente para sustentar estas posições, Rawls trabalha com a noção de posição original e véu da
ignorância, abordadas a seguir.
2.3 Posição original e véu da ignorância
Com efeito, em Rawls, a base do construtivismo encontra-se no fato de que os representantes das
pessoas, em situações adequadas, podem construir os termos mínimos para constituição de uma
sociedade justa, ou seja, estabelecem os princípios da justiça.
Deste modo, Rawls equipara na justiça como equidade a posição original de igualdade ao estado
de natureza na teoria tradicional do contrato social.
Mas, em Rawls, a posição original não é tida como uma situação histórica real ou como
uma condição primitiva da cultura, mas sim como uma situação puramente hipotética
caracterizada de modo a conduzir a uma certa concepção de justiça.
Afirma, o autor, que apesar da posição original ser puramente hipotética, devemos nos interessar
por esses princípios na medida em que as premissas incorporadas na descrição da posição original
são de fato aceitas.
Assim, uma forma de considerar a posição original é vê-la como um recurso de exposição
e outra é considerá-la como uma noção intuitiva que sugere sua própria elaboração de modo que
somos levados a definir mais claramente o ponto de vista a partir do qual podemos melhor
interpretar as condutas morais de forma mais adequada.
Uma das características essenciais deste artifício de representação é considerar os representantes
sob o véu da ignorância. Desta forma, presume-se que ninguém conhece seu lugar na sociedade, a
posição de sua classe ou o status social, bem como não conhece sua sorte na distribuição de dotes
e habilidades naturais.
O objetivo de Rawls é caracterizar essa situação de modo que os princípios escolhidos sejam
aceitáveis de um ponto de vista moral. Define-se, assim, a posição original como um status quo
no qual qualquer consenso atingido é justo.
Com efeito, a justiça como equidade é uma forma de justiça procedimental pura. O
conceito de justiça procedimental pura é melhor entendido se comparado ao de justiça
procedimental perfeita e de imperfeita.
O que caracteriza a justiça procedimental perfeita é a existência de um padrão
independente para decidir qual resultado é justo e um procedimento que conduza certamente a
este resultado.
7
Já a justiça procedimental imperfeita tem como nota característica o fato de que embora
exista um critério independente para produzir o resultado correto, não há processo factível que
com certeza leve a ele.
A justiça procedimental pura, por sua vez, define-se quando não há critério independente
para o resultado correto, mas sim quando existe um procedimento correto ou justo de modo que o
resultado será também correto ou justo, qualquer que seja ele, contanto que o procedimento tenha
sido corretamente aplicado.
Assim, a posição original possibilita um caso de justiça puramente procedimental, pois
qualquer princípio selecionado pelas partes será considerado justo desde que tenha obedecido a
certos limites.
Trata-se de um estado de coisas, no qual as partes são igualmente representadas como
pessoas dignas e o resultado não é condicionado por contingências arbitrárias.
Portanto, os princípios da justiça são o resultado de um consenso ou ajuste eqüitativo, pois os
indivíduos são tomados como pessoas éticas, como seres racionais com objetivos próprios e com
senso de justiça.
Supõe-se, também, que as partes na posição original são iguais, tendo os mesmos direitos no
processo de escolha dos princípios. Estas condições, junto com o véu de ignorância, definem os
princípios da justiça como sendo aqueles que pessoas racionais preocupadas em promover seus
interesses aceitariam em condições de igualdade nas quais ninguém é consciente de ser favorecido
ou desfavorecido por contingência sociais e naturais.
Ademais, a autonomia racional permite que as partes na posição original definam uma concepção
política de justiça que possa ser aceita em uma sociedade democrática por cidadãos livres e iguais,
mas que estão comprometidos com diferentes doutrinas compreensivas razoáveis.
Com efeito, na posição original, as partes não têm autonomia plena, mas sim autonomia racional.
A autonomia racional baseia-se nas faculdades intelectuais e morais das pessoas. Expressa-se no
exercício da capacidade de formular, revisar e procurar concretizar uma concepção do bem, bem
como de deliberar de acordo com ele e de entrar em acordo com os outros.
A autonomia racional permite que as partes definam uma concepção política de justiça que
possa ser aceita, em uma sociedade democrática, por cidadãos livres e iguais, mas que estão
comprometidos com diferentes doutrinas compreensivas razoáveis.
Deste modo, a justiça como equidade começa com uma das mais genéricas escolhas que as
pessoas podem fazer em conjunto, que é justamente a escolha dos primeiros
8
princípios de uma concepção de justiça que deve regular todas as subseqüentes críticas e reformas
das instituições.
3 CRÍTICA COMUNITARISTA
3.1 Comunitarismo
O movimento comunitarista abarca uma variedade de vertentes e posições, razão pela qual não se
pode tomar o pensamento de um autor específico como representativo do comunitarismo como
um todo.
Na definição de Ricardo Almeida Ribeiro da Silva (2001, p. 198), o movimento configura-se
como uma verdadeira amálgama de posturas doutrinárias, encontrando-se entre os que receberam
o rótulo desde conservadores – como Robert Nisbet, Michael Oakshott, Alasdair MacIntyre, Eric
Volgelim e Leo Strauss –, neo-republicanos – Michael Sandel, Michael Warner – e liberais
comunitários – Bruce Ackerman, Michael Walzer, Charles Taylor, Cass Sunstein.
Não obstante esta diversidade de autores e concepções é possível traçar algumas linhas gerais
sobre a escola comunitarista, que se desenvolveu no final da década de setenta num contexto de
crítica ao modelo liberal norte-americano.
Assim, o comunitarismo tem dois temas dominantes. Primeiro, a noção de que os indivíduos não
existem isoladamente, mas são moldados por valores e pela cultura da comunidade em que vivem
e, segundo, que os direitos individuais precisam ser balanceados com responsabilidades sociais.
Desta forma, o principal ponto de divergência entre as doutrinas liberais – entre elas a de Rawls –
e as doutrinas comunitaristas é a tendência ao universalismo presente nas primeiras contrariada
pelo particularismo defendido pelos comunitaristas.
Neste sentido, sintetiza Chantal Mouffe (2004, p. 381) que autores como Dworkin, Rawls e
Habermas afirmam que o objetivo da teoria política é o de estabelecer verdades universais, válidas
para todos e independentes de contexto. De outro lado, a posição comunitarista ou
“contextualista” de Michel Walzer nega a existência de um ponto de vista que possa estar situado
fora das práticas sociais e instituições de uma cultura particular e a partir de onde juízos
universais possam ser produzidos.
3.2 Principais objeções à teoria de John Rawls
9
Tem-se que o liberalismo – notadamente o de Rawls – restringiu a democracia ao espaço público
na medida em que distingue razão pública das muitas razões não públicas. Ademais, considerou o
indivíduo abstratamente, ou seja, desvinculado de uma comunidade.
Esta noção abstrata de indivíduo é o alvo das críticas formuladas por Walzer. Na obra Esferas da
Justiça, Walzer desenvolve a teoria da igualdade complexa a partir de uma concepção de homem
diferente da liberal.
O autor (WALZER, 2003, p.19) reconhece a existência de uma dimensão individual e
universal em cada indivíduo decorrente de sua própria humanidade, mas procura enfatizar a
dimensão social ou coletiva que se forma no âmbito da comunidade política com a qual o
indivíduo compartilha memórias, valores e perspectivas de futuro.
Neste sentido, Gisele Cittadino (2004, p. 86) observa que em Walzer os sujeitos primários dos
valores são as comunidades históricas especificas – e a correção destes valores é resultado
exclusivo de sua efetiva aceitação – sendo que os indivíduos estão integralmente vinculados às
culturas que eles criam e compartilham.
Partindo desta valorização do âmbito da comunidade, Walzer (2003, p.06-11) defende a
possibilidade de que os indivíduos cheguem a um consenso não apenas em relação a um
procedimento para atingir um resultado, mas também a valores materiais do grupo social.
Walzer (2003, p. 10) não defende a universalidade deste consenso, pois tanto o procedimento para
alcançar o justo como o injusto propriamente dito são noções que decorrem dos valores
compartilhados e do sentido social atribuído aos bens no âmbito de cada comunidade
individualmente considerada.
A grande crítica que se fez à concepção particularista de Walzer (1995, p.10) é a
possibilidade de se redundar num relativismo exacerbado. Então, na obra Thick and thin: moral
argument at home and abroad, o autor procurou amenizar este relativismo.
Nesta obra, Walzer descreve e defende um certo tipo de universalismo. Pressupõe que
existem dois tipos diferentes de argumentos morais, sendo o primeiro denso (thick) e referente aos
valores das pessoas que compartilham histórias comuns. Já o segundo argumento moral é
designado como delgado (thin) e se refere aos valores comuns compartilhados por qualquer ser
humano, independente da cultura que professa.
Mas note-se que esta moralidade mínima não é independente do particularismo, pois ela
revela a existência de uma justaposição de aspectos comuns das moralidades densas.
Ou seja, a moralidade mínima seria uma espécie de consenso justaposto, porém diferente
do consenso justaposto de Rawls, que legitima uma concepção de justiça, uma
10
moralidade densa. Já Walzer entende que este consenso justaposto não pode tomar lugar
de uma moralidade densa tendo em vista que a eficácia social de tais princípios vai depender da
forma como sejam interpretados no interior de sistemas culturais densos.
Segundo Walzer a forma com que Rawls constrói a idéia de imparcialidade que assegura
uma moralidade mínima pressupõe uma série de condições que já integra uma moralidade densa.
Outra crítica que se faz a Rawls é no seguinte sentido. Ainda que Rawls (1997, p. 218) refute a
distinção entre liberdade dos antigos (liberdades positivas) e dos modernos (liberdades negativas),
a sua doutrina enfatiza a idéia de que a comunidade política deve ser capaz de proteger os direitos
do cidadão em face do Estado e dos demais indivíduos, ou seja, aproxima-se mais da noção de
liberdade negativa.
Assim, a filosofia liberal de Rawls acaba não se preocupando com a participação do indivíduo na
formação de valores comuns.
Analisando a questão da cidadania a partir da posição de Rawls e da crítica da corrente
comunitarista, Mouffe (1999, p. 84) enfatiza que Rawls concebe o cidadão como titular de direitos
iguais tomando como referência os princípios da justiça. Assim, se os indivíduos forem capazes
de perceber a si mesmo como livres e iguais verão que precisam dos mesmos bens primários.
Dentro desta noção individualista não se desenvolvem verdadeiros vínculos de cooperação
social e de solidariedade, não existindo uma verdadeira obrigação política do cidadão para com a
comunidade.
Já a posição comunitarista, conforme observação de Mouffe (1999, p. 85), renova o
republicanismo cívico na política, enfatizando a idéia de solidariedade com uma noção substancial
de bem comum, anterior e independente dos interesses e desejos individuais.
Desta forma, percebe-se que a concepção comunitarista está centrada na idéia de
participação do individuo na administração da comunidade política. A partir do estabelecimento
de uma única noção de bem comum, os indivíduos passariam a ser cidadãos de uma comunidade
política estruturada para realização desta idéia de bem.
Assim, ao contrário do que propugna Rawls, a vertente comunitarista admite o sacrifício
da liberdade individual em prol da comunidade política, prevalecendo o cidadão em detrimento do
indivíduo. Entendem ainda que a prevalência absoluta do direito é impossível, pois apenas através
da participação do indivíduo numa comunidade política concreta é possível chegar a uma
concepção de justiça.
11
3.3 Universalismo e particularismo: a questão dos direitos humanos
Não obstante existam outros pontos de divergência, verifica-se que a questão central entre
liberalismo e comunitarismo refere-se a discussão entre universalismo e particularismo.
O debate entre universalismo e particularismo tem significativa relevância quando se trata de
direitos humanos.
Na definição de Arthur Kaufmann (1998, p. 12), “por derechos humanos se entiende comúnmente
todo elemento ético y jurídico básico, conceptualmente universalizable y valido para todos los
seres humanos”2.
Contudo, esta universalidade abstrata dos direitos humanos que é questionada pelos
comunitaristas. Desta forma, apesar dos direitos humanos constituírem o núcleo duro da ética
social do nosso tempo, há ainda muito a se debater.
O tema é bastante complexo. Como já exposto, a grande polêmica reside na caracterização
ou não dos direitos humanos como universais, na medida em que se assim considerados podem
ser definidos como direitos cujos titulares são todos os homens sem exceção, independentemente
do contexto cultural em que estejam inseridos.
Com efeito, nos últimos anos, vários fatores têm concorrido para tornar o tema dos direitos
humanos ainda mais complicado.
Nestes termos, Carlos Massini (2003, p. 66) arrola duas razões significativas. A primeira
decorre do surgimento de correntes filosóficas que questionam seus fundamentos3. A segunda
relaciona-se com a inclusão no âmbito dos direitos humanos de novas questões e relações, entre
estas a problemática do multiculturalismo.
O autor caracteriza a problemática do multiculturalismo como o conjunto de “dificultades,
obstáculos, complejidades y desafíos que han cobrado importância, principalmente desde el
surgimento del capitalismo moderno, a raíz de las migraciones de
2
Tradução livre: “por direitos humanos se entende comumente todo o elemento ético e jurídico básico,
conceitualmente universalizável e válido para todos os seres humanos”.
3
Roberto Adorno define esta questão como um fator ideológico presente no pensamento pós-moderno que
contribuiu para a negação da universalidade dos direitos humanos (Universalidad...., p. 35).
12
masas laborales, ya sea dentro de una misma comunidad política, como entre dos comunidades
políticas diversas”4.
Ainda, agrega-se a este fenômeno o deslocamento forçado de conjuntos humanos – também
numerosos – devido às perseguições de conteúdo político-ideológico.
Estas migrações impuseram a coexistência dentro de uma mesma sociedade de uma
multiplicidade de grupos culturalmente diversos. Além disto, com o fim da guerra fria, diminuiu a
subordinação de países às superpotências e, assim, muitos povos redescobriram suas
particularidades ocultas por motivos estratégicos.
Desta forma, ao valorizar sua própria identidade, os povos passam a resistir ao processo de
globalização e o discurso dos direitos humanos universais acaba sendo visto como uma forma de
imperialismo.
Com uma certa freqüência, afirma-se que quando se fala em direitos humanos universais recorre-
se ao padrão ocidental, bem como que estes direitos são fruto de uma consolidação histórica
própria do Ocidente.
Assim, não se considera o fato de que os direitos humanos não emergiram da mesma forma nas
outras culturas. Neste sentido, há autores (RENTTO, p. 110) que definem a ideologia dos direitos
humanos “as a kind of cultural imperialism wich threatens the integrity of non-Western cultures
and promotes a worldwide hegemony of Western individualism, liberalism and consumerism”5.
Ataca-se, portanto, a definição de que determinados direitos são universais porque
pertencem ao ser humano enquanto tal. Principalmente, se para tanto se adotar um modelo de “ser
humano enquanto tal” ocidental. Desta maneira, a implementação destes direitos universais pode
servir de justificativa para ações que ignoram questões culturais.
Também não se pode tolerar e justificar determinadas práticas apenas porque estão
inseridas num determinado contexto cultural.
O debate sobre a caracterização dos direitos humanos como universais ou relativos está aberto.
Existem posições intermediárias ao liberalismo de Rawls e o comunitarismo de Walzer
como a de Wolfgang Kiersting.
Para embasar sua concepção, o autor defende que não se pode confundir relativismo,
particularismo ou contextualismo com multiculturalismo ou com relativismo cultural.
4
Tradução livre: “dificuldades, obstáculos, complexidades e desafios que tem ganhado importância,
principalmente com o surgimento do capitalismo moderno, em razão das migrações de massas de trabalhadores,
seja dentro de uma mesma comunidade política ou entre duas comunidades diversas”.
13
O multiculturalismo é um fato que pode ensejar o relativismo ético, mas não o
fundamenta, tendo em vista que do fato da coexistência de diferentes sistemas morais não se pode
derivar a tese de que não haveria princípios de validade universal.
Nestes termos, propõe Kersting (2003, p. 89) um “universalismo sóbrio” no tocante aos
direitos humanos. Assim, o conceito de direitos humanos adquire resistência contra o relativismo
e o particularismo e também dissipa o “temor de um missionarismo hipermoral e disposto à
violência, relacionado aos direitos humanos e à democracia do Ocidente”.
Para Kersting (2003, p. 91) um conceito válido de direitos humanos em termos de
fundamentação teórica é o resistente ao particularismo e ao relativismo. E este o é quando, numa
situação multiculturalista, possui chances de ser reconhecidos além-fronteiras.
Para chegar a este conceito de direitos humanos, é necessário perquirir quem é o ser
humano dos direitos humanos. Neste sentido, Kersting (2003, p. 92-93) considera que só com
auxílio de argumentos antropológicos se pode chegar a esta resposta e assim fundamentar os
direitos humanos.
Desta maneira, o “ser humano como tal constitui a fórmula de atribuição do direito
humano”(KERSTING, 2003, p. 93-94) e esta fórmula está na esfera pré-cultural. Ainda, o único
ser humano relevante para a fundamentação teórica dos direitos humanos é um ser finito, mortal,
vulnerável e capaz de sofrer.
Nestes termos, a proteção dos direitos humanos – que só poder ser concedida num Estado
- baseia-se na evidente vulnerabilidade humana e na preferencialidade de um estado de ausência
de assassinato e homicídio, dor e violência, tortura, miséria e fome, opressão e exploração.
Com efeito, Kersting (2003, p. 94) busca o cerne da noção de direitos humanos numa
distinção presente na doutrina dos deveres do direito natural do século XVII e XVIII. Trata-se da
distinção entre uma orientação dos deveres consoante o esse humano e outra orientação de acordo
com o bene esse humano.
Desta maneira, a pretensão universal do direito humano só é plausível diante da diferença
cultural se interpretado como direito do esse humano, sendo que formulação do ser humano bem-
sucedido ficaria a cargo da cultura.
Para dar precisão maior a esta separação, Kersting (2003, p. 94-95) apresenta a distinção
entre elementos condicionais e programáticos dos direitos humanos. Os primeiros abrangem o
direito à vida, à incolumidade física e à segurança básica. Estes direitos
5
Tradução livre: “uma forma de imperialismo cultural que ameaça a integridade das culturas não-
ocidentais e promove a hegemonia mundial do individualismo ocidental, do liberalismo e consumismo”.
14
asseguram os pressupostos coletivo-institucionais de uma vida que tenha sentido e possa
esperar que termine por morte natural.
Já os direitos humanos programáticos são o direito à liberdade e à igualdade política, à
democracia e autodeterminação política, ao Estado de direito e constitucionalismo, ao
abastecimento básico suficiente e a uma condição assegurada de membro numa república
mundial.
Quando os direitos programáticos são realizados as condições políticas de vida melhoram,
mas os direitos condicionais se referem às condições que têm que estar preenchidas para que os
seres humanos tenham oportunidade de viver de forma pacífica e livres de violência.
Sintetizando, os direitos condicionais atendem a necessidade antropológica e existencial,
ao passo que os programáticos prevêem um marco institucional do cumprimento em termos de
ética cidadã, representado o máximo do que se pode realizar coletivamente.
A prática dos direitos humanos programáticos é bem mais complexa. Nestes as
particularidades históricas e peculiaridades culturais interferem. Já as normas relativas aos direitos
condicionais são normas de interpessoalidade negativa. São cumpridas quando se evitam certas
ações e possuem validade e aplicabilidade universal.
Kersting (2003, p. 97) considera que no conceito de natureza humana nos deparamos com
necessidades básicas em cujo cumprimento as pessoas têm um interesse fundamental. Assim, por
trás dos direitos humanos emergem os interesses que dão aos direitos o fundamento e conteúdo.
A convergência do direito humano e interesse humano não se limita a esfera de liberdade
negativa, pois o conceito de natureza humana pode ser empregado até mesmo para fundamentar
obrigações distributivas internacionais.
Assim, por uma questão de coerência, a proteção dos direitos humanos precisa ir além da
coexistência negativa e ser estendida a uma dotação com bens para suprir as necessidades básicas.
Aponta, ainda, um terceiro fator antropológico que independe do contexto cultural,
embora só designe um desejo que só pode ser realizado num âmbito cultural determinado. Trata-
se do direito ao desenvolvimento, pois as pessoas são seres que podem se desenvolver e as suas
vidas tornam-se mais significativas quando se é possível desenvolver as capacidades e talentos.
Conclui, Kersting (2003, p. 101), que se levarmos em consideração os pressupostos que
precisam estar cumpridos para levar uma vida com sentido, seja qual for o contexto
15
cultura, certamente se chegará aos fatores antropológicos interesse na existência, interesse
na subsistência e interesse no desenvolvimento.
Esta tríade de interesses constitui o contraforte material de um universalismo sóbrio, sendo
que este é sóbrio por se restringir à esfera do direito, por não recorrer ao valor e a dignidade do ser
humano como fundamento e por ser compatível com o particularismo moral.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: a proposta de Chantal Mouffe
A título de considerações finais, propõe-se, com amparo na obra de Chantal Mouffe, que se
conjugue as virtudes das vertentes liberal e comunitarista. A autora o faz com vista a desenvolver
sua noção de cidadania na ótica da democracia radical. Devido aos contornos propostos para este
trabalho, não se entrará nesta discussão, mas se acolhe a posição de Mouffe com o objetivo de
fechar provisoriamente o debate entre Rawls e os comunitaristas.
Com efeito, um dos problemas de Rawls conceber o pluralismo como uma pluralidade de
concepções sobre o bem é que isto implica conceber que as diferenças que podem acabar em
conflito são diferenças de crenças e valores.
Desta forma, Rawls concebe estas diferenças apenas como uma questão de escolha individual, não
se preocupando com várias questões referentes a grupos ou movimento sociais e como as
diferenças entre eles podem ser reconhecidas no espaço público.
Segundo Mouffe (2004, p. 390), para que estas questões possam ser efetivamente levadas em
consideração faz-se necessária uma concepção diferente sobre o pluralismo – um pluralismo de
grupos sociais, de membros de identidades coletivas. Assim, o conflito não poderá ser reduzido a
um simples choque entre valores e escolhas individuais, pois estas questões referem-se à inclusão,
reconhecimento e não-discriminação.
Por exemplo, no âmbito dos direitos humanos é um problema apresentar estes como
universalmente válidos e unicamente europeus em sua origem e inspiração. Desta maneira, a
universalização dos direito humanos depende da sociedade adotar ou não as instituições
ocidentalizadas.
Assim, a democracia ocidental é apresentada como o único regime que é justo, legítimo e
adequado à realização dos direitos humanos porque escolhido por indivíduos racionais, em
situações ideais como o véu da ignorância de Rawls.
16
Mouffe (2001, p. 391), por sua vez, entende que a teoria democrática precisa abrir espaço para a
pluralidade de culturas e formas de vida existentes não apenas em razão do pluralismo de
interesses existentes ou diferentes concepções individuais sobre bem.
Para a autora (MOUFFE, 2004, p. 391), as instituições democrático-liberais e a formulação
ocidental dos direitos humanos devem ser concebida como uma forma possível de jogos de
linguagem entre muitas formas possíveis, não devendo pretender nenhuma afirmação de
superioridade com fundamentos racionais.
Assim, sem cair num relativismo – tendo em vista que sempre existirão condições determinadas e
que deverão ser preenchidas para que uma forma de sociedade política possa ser considerada boa
– deve-se aceitar diferentes respostas justas e legítimas.
De fato, há problemas em se adotar sem ressalvas as concepções comunitaristas. Conforme
Mouffe (1999, p. 85), há que se rejeitar a tradição comunitarista no ponto que propugna
construção de um bem comum substantivo a partir de uma concepção compreensiva e abrangente
de bem, pois esta é incompatível com a democracia moderna caracterizada pela valorização do
pluralismo e significada por uma concepção de política e sociedade que separa o poder da lei e do
conhecimento, deixando o lugar do poder vazio.
Neste passo, verifica-se que é necessário manter algumas conquistas do pensamento liberal (idéia
de separação dos poderes, separação entre Estado e Igreja e aceitação do valor pluralismo), mas
reformular a distinção entre esfera pública e privada e demonstrar como o pluralismo pode ser
defendido dentro de uma comunidade que incentiva a participação cívica.
Já no que toca o comunitarismo, há que se fixar a importância das noções de participação cívica,
desenvolvimento comum de normas e valores, a noção de identidade do indivíduo constituída a
partir da comunidade, mas rejeitar aportes como a noção de bem comum substantivo.
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