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O Bordado da Madeira
VIEIRA, Alberto (2004), O Bordado da Madeira, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em:
http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2004-av-bordado.pdf, data da visita: / /
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O BORDADO DA MADEIRA
O BORDADO DA MADEIRA
NA HISTÓRIA E QUOTIDIANO DO ARQUIPÉLAGO
TOADA BORDADA
Alma à roda
urde e Borda.
À vista turva
faz a curva.
Met´agulha
faz o ponto
ponto a ponto
do pesponto ...
<<caseado>>
<<cavaquinha>>
<<ponto corda>>...
.... ... ....
... <<vai ao centro»
<<faz por dentro ...>>
<<..faz por fora>>...
faz a fIora...
Elabora
a pasta toda
.... ... ....
Lança-linha
...urdidura
miudinha...
põe bem dura...
"ta bonito".!...
... ... ... ...
vai-lá - pica
pica e fura
"fura” <<ílhó... >>
Passa ....
<<Passa o fio>>
leva a fio
de retrós
todo o "risco"
que é meu riscado .
... Se bordando
quem sois vós?
Nessa folha....
tira os fios.
Põe Cuidado
no cruzado
bem certinho...
Cruza o ponto
d’ “arrendado"...
- "Latadinha" ...?
Se quizeres
"faz qu’é bom...”
Faz assim ...
...isso assim
e <<tá bem bom>> !...
... ... ......
Tu que enches
Os broslados ...
ao “enchê-los"
vai fazendo
os quatro lados!
Já vai cheio
a mais de meio
os meus riscos...
...Feitos ...
dados... ... ...
De permeio,
Canta!
Conta a lenga...
faz toada ...
Sente a ida
dos negalhos
desfiando
ladainhas ...
sofre as linhas
goza as linhas
cobre as linhas
dos desenhos...
meus engenhos ...
meus trabalhos
a ti postos
na toalha
no teu colo
já bordada!
Maravilha !
Dessa, à roda
Ainda ficam
Mãos na borda.
Fica a mãe,
Fica a f ilha
Fica a tia
Fica a’miga
Fica outrém
Mais a prima...
E eu, também
nesta ilha
faço rima
e ando a roda
dessa moda
que já roda
O mundo à volta.
Faço o "risco"
e me arrisco
deste todo
já bordado
o legado
de fazê-lo
desenhado.
A tarde cai
A noite vem
dânsias luada...
Desce a poalha
na álgida distancia
que fica na estrada
e à mente me traz
esta toada,
da alva toalha
bordada que dobro
de sobre a mesa
longo da vida
aqui desenhada
... .... ....
Sinta, sinta comigo
o feito que faz
sentirmo-nos em paz.
O bordado faz parte da nossa cultura. É uma marca que identifica a ilha,
tal como sucede com o vinho. A sua presença suplanta as barreiras da ilha
para se postar em mesa ou cama nobre. Foi criado em meio pobre mas a
sua presença é quase sempre em mesa nobre.
A afirmação do bordado como mercadoria no sistema de trocas da ilha
com o exterior aconteceu apenas a partir da segunda metade do século
XIX. Esta situação é considerada como uma iniciativa de Miss Phelps que
lhe terá aberto o caminho do mercado britânico. Foi só a partir deste mo-
mento que o bordado, até então uma actividade para uso e consumo ca-
seiro, se assume como um produto de grande procura e valorização pelo
mercado estrangeiro. Isto motivou uma profunda transformação. Aparece-
ram os exportadores especializados no seu comércio, provocando uma
mudança radical no sector produtivo.
Borda o pai,
borda a filha
e borda a mãe.
Bordado chines
No Mediterrâneo a divulgação do bordado esteve a cargo dos assírios,
egípcios, gregos e romanos. São inúmeros os registos arqueológicos onde é
possível testemunhar a importância do bordado para as civilizações do
mediterrâneo. Note-se que para os Gregos o bordado é considerado uma
invenção da deusa Minerva.
O bordado aplicado nas peças de vestuário era uma tradição que desde a
Idade Média estava ligada à realeza e nobreza. Os bordados em seda e
ouro são o adorno principal das peças de vestuário, alcançando, por isso,
elevado preço. A tradição diz-nos que estavam reservados para oferta a
reis, imperadores e príncipes.
B1
as mulheres do campo usam saias azuis debruada com vermelho, um capote curto, ge-
ralmente vermelho ou azul claro, justo ao corpo, os quais formam uma vestimenta sim-
ples e às vezes não deselegante, e uma capa curta vermelha debruada com uma tira azul
e um barrete pontiagudo azul; as que são solteiras amarram o seu cabelo no alto da
cabeça, sobre a qual algumas não usam cobertura. Os trabalhadores usam calças de
linho, uma camisa grosseira, um barrete azul, botas brancas, jaqueta curta feita de te-
cido azul e no Inverno usam geralmente capas compridas, as quais, quando não chove
levam sobre o ombro.
Em 1840 Paulo Perestrelo da Câmara nota o aspecto particular do traje
madeirense o que desperta a atenção estrangeira:
Os trajes dos camponeses são muito diversos de outro qualquer país, e os estrangeiros
principalmente notão-lhe um gosto bizarro e extravagante. Consiste pois, em um par de
ceroulas largas, franzidas, mui curtas, que só chegão do embigo acima do joelho, muito
semelhante aos calções turcos; chamão-lhe cuecas e em geral são de serapilheira da parte
do Norte, e de pano de linho na do Sul; botas de canhão, amarellas, com um bico arre-
bitado, como o das sandálias chinesas; uma camisa de pano de linho, um gibão de cor e
um funil de pano azul com um bico comprido, com duas orelhas, o qual unicamente
tapa a coroa da cabeça. O traje das mulheres também não deixa de ser curioso e sim-
ples. Começa por quasi nunca usarem de calçado senão nas igrejas ou em ocasiões de
festejos; um saiote que pouco lhe desce dos joelhos, de uma fazenda de lã fabricada no
país a que chamão mafaruje, tingida com casaca de amoreira; um colete de cor mui pe-
queno, por fora da camisa, uma capinha encarnada, e igual funil ao que usão os ho-
mens, ainda diminuto, o qual para se sustentar na cabeça é necessário ser preso com
alfinete ao cabelo. Chamão-lhe carapuça.
O bordado Madeira manteve-se por muito tempo no segredo das arcas das
suas criadoras. Era trabalho de inestimável valor que por isso mesmo não
podia ser vendido, apenas era de usufruto familiar, prenda de enxoval ou
legado por morte. Por muito tempo o bordado foi considerado um pro-
duto não vendável, que raramente saia do circuito familiar.
O Convento de Santa Clara foi uma referência para a maioria dos estran-
geiros que visitaram a ilha entre os séculos XVII e XIX. Era local de ro-
magem obrigatória. Aqui, para além da doçaria, realçava-se as flores de
penas, para muitos o principal “souvenir” da Madeira. A juntar a tudo isto
temos em princípios do século XIX uma verdadeira atracção para os visi-
tantes, a madre Maria Clementina.
Foi a presença, cada vez mais assídua, deste doentes que provocou a ne-
cessidade de criação de infra-estruturas de apoio: sanatórios, hospedagens
e agentes, que serviam de intermediários entre os forasteiros e proprietá-
rios de tais espaços de acolhimento. Este último é o prelúdio do actual
agente de viagens. Então o turismo, tal como hoje o entendemos, dava os
seus primeiros passos. E foi como corolário disso que se estabeleceram as
primeiras infra-estruturas hoteleiras e que o turismo passou a ser uma acti-
vidade organizada e com uma função relevante na economia da ilha. E
mais uma vez o inglês é o principal protagonista.
Hoje a ilha é tema de debate nos diversos areópagos científicos e cada vez
mais se sentem o apelo da comunidade cientifica para o seu conhecimento
e divulgação. Em certa medida esta próxima realidade vai ao encontro da-
quilo que foi a História do arquipélago. Na verdade, o passado histórico da
ilha, relevado quase sempre pelos aspectos económicos e sociais, esquece
uma componente fundamental da inovação e divulgação tecnológica que
transformou a rotina das tarefas económicas e revolucionou o quotidiano
dos nossos avoengos. Mais do que isso, o madeirense, além de exímio in-
ventor — na inevitável tarefa de encontrar solução para as questões e difi-
culdades do dia a dia —, foi também um eficaz divulgador da sua tecnolo-
gia. A Madeira foi a primeira terra revelada do novo mundo, escala para a
navegação e expansão dos produtos europeus no mundo atlântico. Com o
século XVIII a ilha transforma-se em escala obrigatória das expedições
científicas que fizeram saciar a curiosidade inata do Homem das Luzes.
(...) o comércio alemão transformou esta indústria numa verdadeira riqueza para a ilha.
Pouco a pouco, foi removendo as dificuldades inerentes a um pessoal trabalhador boçal
como é a mulher do campo; compreendeu bem o que podia exigir dela, não lhe pediu
desenhos nem ideias, simplificou-lhe a preparação do trabalho e aproveitou-lhe o que
realmente ela podia dar; a parte meramente mecânica, material. Procurou os desenhos
fornecendo-lhe já estampados nas fazendas e exigindo-lhe apenas uma execução minuci-
osa e perfeita.
Máquina picotar
Museu do Bordado-aspecto
Hoje, passados os anos difíceis da segunda metade do século XX, a pers-
pectiva é de crescimento, não obstante a tendência para a diminuição e
envelhecimento da mão-de-obra.
AS CASAS DE BORDADO
Era verdade que os ingleses contribuíam hoje, como nenhum outro povo,
para o turismo na Madeira e fora até uma inglesa que tornara conhecidos,
no estrangeiro os bordados da ilha. Mas os alemães, que também gostavam
de viver no Funchal e lá tinham deixado muitas quintas e melhoramentos,
haviam dado à indústria uma expressão inteligente, valorizando-a e enri-
quecendo-a cada vez mais. Se não fosse a questão dos sanatórios, que,
hoje, todos lamentavam, e que obrigara os alemães a abandonarem a Ma-
deira, a indústria dos bordados estaria próspera como nenhuma outra. Os
sírios, que, depois, se instalaram na ilha ou já lá tinham os seus agentes,
haviam estragado o negócio, criando uma tal barafunda que, hoje, nin-
guém se entendia. Os bordados desvalorizaram-se, empobrecendo a eco-
nomia da Madeira. Tudo estava; não havia industrial que se encontrasse
satisfeito”
De acordo com a portaria 8337 foi estabelecida uma taxa sobre o valor das
exportações e as vendas locais para acudir às despesas da agremiação. Foi
com os fundos resultantes desta taxa que se construiu a sede, o actual edi-
fício do IBTAM, inaugurado nos anos cinquenta. Aqui o grémio dispunha
de armazéns para reserva de tecidos e linhas, situação que é ainda hoje ga-
rantida no mesmo edifício.
(canção de MAX(1918-1980)
Em todos os momentos da História do bordado a referência mais comum
prende-se com a bordadeira. É ela, que com mãos de fada, dá o toque de
beleza aos pontos do bordado. A sua maestria, dedicação e sacrifício são
motivo constante de panegírico e admiração por todos os que descobrem
o bordado. Preservou na ilha a ancestral tradição de bordar e, antes que
em meados do século XIX, interviessem os estrangeiros a dominar o cir-
cuito de produção e foi ela que criou os desenhos que tão graciosamente
esculpia à linha sob o pano.
As obras de verga e bordados são todas de indústria caseira. Estes produtos vêm para
cidade, ou directamente pelos produtores, ou por agentes que os vão buscar ao produtor, e
os pagam por preços que realmente espantam; só a indústria caseira pode fazer destes
milagres. Quando o produtor os vem trazer à cidade, vende-os aos negociantes especiais
que tratam deste negócio, e por preços sempre baixos. É este quem faz os preços da
venda aos passageiros em trânsito, aos que invernam na ilha, ou os manda de conta
própria para os mercados de Inglaterra e Brasil, e alguns outros; preços que lhes dão
lucros altamente remuneradores.
Bordadeiras
BORDADEIRAS- 1863
CONCELHO BORDADEIRAS POPULAÇÃO
Nº % Nº
Funchal 844 4,7 17677
C. de Lobos 152
Ponta de Sol 10
Calheta 7
Santa Cruz 8
Porto Moniz 4
S. Vicente 4
Total 1029 0,9 110.249
900
800
700
600
500 S. Vicente
Porto Moniz
400
Santa Cruz
300 Calheta
200 Ponta de Sol
100 C. de Lobos
Funchal
0
Bordadeiras em 1863
20.000
10.000
Porto Santo
Santana
S. Vicente
Porto Moniz
Santa Cruz
Machico
Calheta
0
Ponta de Sol
C. Lobos
Funchal
BORDADEIRAS EM 1906
35
30
25
20
15
10
Porto Moniz
Porto Santo
Ponta de sol
5
Santana
S. Vicente
Calheta
Santa Cruz
Machico
0
R. Brava
C. de Lobos
Funchal
As primeiras existem disseminadas por todo o distrito, embora muito mais intensa-
mente na costa do sul da Madeira e na ilha do Porto Santo, e as segundas residem prin-
cipalmente no concelho do Funchal e sobretudo nas freguesias de Santa Maria Maior e
S. Gonçalo, onde se produzem os mais finos bordados de todo o distrito.
Um dos aspectos que chama à atenção de todos que descrevem esta in-
dústria e elogiam o trabalho primoroso das bordadeiras é o baixo preço do
seu trabalho. Já em 1863 a bordadeira era entre, todas as actividades que se
ocupavam as mulheres, a mais mal paga sendo apenas de 100 reis no Fun-
chal, enquanto as demais recebiam salários médios superiores a 300 reis.
Esta situação é testemunhada em 1901 por José Cupertino Faria:
Não há muitos anos que os trabalhos da bordadeira eram muitíssimo mal pagos; e, não
obstante as agências que uma sociedade alemã estabeleceu por toda a ilha, estas conti-
nuam a sê-lo da mesma forma.
Porto Santo
Santa Cruz
Machico
Santana
2.000
S. Vicente
Porto do Moniz
Calheta
Ponta de sol
0
R. Brava
C. de Lobos
Funchal