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VIEIRA, Alberto (2004),

O Bordado da Madeira

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto (2004), O Bordado da Madeira, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em:
http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2004-av-bordado.pdf, data da visita: / /

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O BORDADO DA MADEIRA
O BORDADO DA MADEIRA
NA HISTÓRIA E QUOTIDIANO DO ARQUIPÉLAGO
TOADA BORDADA

Alma à roda
urde e Borda.

À vista turva
faz a curva.
Met´agulha
faz o ponto
ponto a ponto
do pesponto ...

<<caseado>>
<<cavaquinha>>
<<ponto corda>>...
.... ... ....
... <<vai ao centro»
<<faz por dentro ...>>
<<..faz por fora>>...
faz a fIora...
Elabora
a pasta toda
.... ... ....

Roda .... roda.


Lança e passa
<<garanito>>...

Lança-linha
...urdidura
miudinha...
põe bem dura...
"ta bonito".!...
... ... ... ...

vai-lá - pica
pica e fura
"fura” <<ílhó... >>

Faz sem medo


o furo a fundo
bem redondo
“pequenito" ....
---passa o dedo ...
"Assim..." tá bom>>
... ....

Passa ....
<<Passa o fio>>
leva a fio
de retrós
todo o "risco"
que é meu riscado .
... Se bordando
quem sois vós?

Mais faz .... e faz "solteira"


faz "Viuva"
faz "casada"
faz "canela"
faz "bastida"
faz "cavaca"
Bem à roda
Dessa borda
faz "a cheio"
“bico e folha”
e "caseia"
tudo à volta...

Nessa folha....
tira os fios.
Põe Cuidado
no cruzado
bem certinho...

Cruza o ponto
d’ “arrendado"...
- "Latadinha" ...?

...Ou faz "Olho de passarinho”


- Que fizeres
faz “certinho" ...
faz "Cruzinha"!...

Se quizeres
"faz qu’é bom...”
Faz assim ...
...isso assim
e <<tá bem bom>> !...
... ... ......

Tu que enches
Os broslados ...
ao “enchê-los"
vai fazendo
os quatro lados!

Já vai cheio
a mais de meio
os meus riscos...
...Feitos ...
dados... ... ...

De permeio,
Canta!
Conta a lenga...
faz toada ...
Sente a ida
dos negalhos
desfiando
ladainhas ...
sofre as linhas
goza as linhas
cobre as linhas
dos desenhos...
meus engenhos ...
meus trabalhos
a ti postos
na toalha
no teu colo
já bordada!

Maravilha !
Dessa, à roda
Ainda ficam
Mãos na borda.

Fica a mãe,
Fica a f ilha
Fica a tia
Fica a’miga
Fica outrém

Mais a prima...
E eu, também
nesta ilha
faço rima
e ando a roda
dessa moda
que já roda
O mundo à volta.
Faço o "risco"
e me arrisco
deste todo
já bordado
o legado
de fazê-lo
desenhado.

foi meu jeito


foi meu fado
É meu feito!
Se bem feito
Feito foi
Sob o peito
meu dobrado
Tal riscado... ... ....
Olho a toalha
alva na mesa
longa da vida
que se fez bordada.

A tarde cai
A noite vem
dânsias luada...

Desce a poalha
na álgida distancia
que fica na estrada
e à mente me traz
esta toada,
da alva toalha
bordada que dobro
de sobre a mesa
longo da vida
aqui desenhada
... .... ....
Sinta, sinta comigo
o feito que faz
sentirmo-nos em paz.

LEANDRO JARDIM, 1996

P.S.: Improviso para a exposição dos trabalhos


apresentados no final do Curso para "Bordadei-
ras de Casa", promovido pelo 1. B.T.A M.,
projectado e monotorizado por mim, no Es-
treito de Câmara de Lobos em 1996.

Recordo que a cadência da declamação sugere


o puxar da agulha, a linguagem usada, os no-
mes entre aspas, eram usuais entre as bordadei-
ras que às "rumas", bordavam "pegadas" as
toalhas que eu vi na vida. Hoje em dia, rara-
mente se ouve.
APRESENTAÇÃO

O bordado faz parte da nossa cultura. É uma marca que identifica a ilha,
tal como sucede com o vinho. A sua presença suplanta as barreiras da ilha
para se postar em mesa ou cama nobre. Foi criado em meio pobre mas a
sua presença é quase sempre em mesa nobre.
A afirmação do bordado como mercadoria no sistema de trocas da ilha
com o exterior aconteceu apenas a partir da segunda metade do século
XIX. Esta situação é considerada como uma iniciativa de Miss Phelps que
lhe terá aberto o caminho do mercado britânico. Foi só a partir deste mo-
mento que o bordado, até então uma actividade para uso e consumo ca-
seiro, se assume como um produto de grande procura e valorização pelo
mercado estrangeiro. Isto motivou uma profunda transformação. Aparece-
ram os exportadores especializados no seu comércio, provocando uma
mudança radical no sector produtivo.

A garantia e continuidade do processo será garantida pelas casas dos borda-


dos. Ao mesmo tempo aprimorou-se tecnicamente o produto e regulou-se
o trabalho da agulha de acordo com as exigências da nova clientela ou da
moda. Ao mesmo tempo o acto de bordar deixa de ser uma forma de lazer
para se transformar numa actividade de subsistência e lucrativa, que é, por
vezes, exercida a tempo inteiro.

Antes que o homem oitocentista descobrisse o bordado madeirense este


mantinha-se como uma actividade caseira e quase sempre restrita ao con-
sumo familiar. Bordava-se para fruição própria ou para presentear familia-
res e amigos. A tradição do enxoval de casamento era muitas vezes o mo-
tivo de tão paciente dedicação ao trabalho da agulha. Deste modo raras
eram as peças que saíam do circuito familiar. Estávamos perante um bor-
dado ancestral que seguia a tradição, adequando-se as formas ao gosto e
criação individual.

Interior casa de bordados. Fotografia de Museu Vicentes

A partir de meados da centúria oitocentista o aparecimento das Casas de


Bordados e o interesse cada vez maior de ingleses, alemães e sírios pelo co-
mércio do bordado conduziu à passagem do processo artesanal para o in-
dustrial. Os clientes definem o tipo de encomendas, enquanto as casas dis-
ciplinam o trabalho, as técnicas e os materiais.

O bordado deixa de ser uma livre criação da bordadeira, entrando num


processo de laboração que começa com o traçado das linhas e os desenhos
ajustados à solicitação do mercado. Aqui a criação está no desenhador,
ficando a forma final dependente da maestria das mãos da bordadeira.
Sendo este um trabalho feminino a sua concretização ocorre em casa de
forma a poder conjugar-se a azáfama caseira diária com o trabalho da
agulha.

Para a maioria dos madeirenses o bordado surgiu como a tábua de salva-


ção em face da situação difícil da agricultura da ilha em meados do século
XIX. A crise económica, provocada pela situação da viticultura, obrigou à
procura de novas formas de sobrevivência alternativas, de que o bordar
será uma delas. O quotidiano da ilha transformou-se levando a que a mul-
her se prendesse cada vez mais à casa e ganhasse importância social. As
lides da casa passaram a ser companheiras da arte de bordar. Na voz dos
inúmeros visitantes, que ao calcorrearem a ilha se aperceberam desta reali-
dade, este é mais um motivo de atenção. Por todo o lado é evidente o
amontoado de mulheres que bordam.
Mulheres bordando. Fotografia de Museu Vicentes

A presença do bordado no quotidiano é evidenciada por todos e até o


próprio madeirense tem consciência disso. A jovem bordadeira é alguém
de prestígio que rapidamente se afirma pela ostentação dos lucros do seu
novo labor. Por outro lado o acto de bordar tornou-se comum e não ape-
nas para o sexo feminino, pois segundo a quadra popular:

Borda o pai,
borda a filha
e borda a mãe.

No meio rural o contacto com o bordado faz-se através dos agentes e


caixeiros que calcorreiam todas as localidades à descoberta destas ágeis
mãos capazes de dar forma e relevo aos desenhos das peças.

Na cidade as casas de vinhos cederam lugar às dos bordados e a animação


comercial transfere-se para novos cenários e arruamentos. No porto os
navios, nomeadamente os chamados vapores do Cabo, são assediados por
minúsculas embarcações onde os bomboteiros exibem as toalhas borda-
das.
O século XX anunciou-se como uma época de prosperidade com origem
no bordado. Todavia as duas guerras mundiais(1914-19 e 1939-45) acaba-
ram com esta ilusão. Perderam-se mercados, encerram-se muitas das casas
e a concorrência do bordado doutras regiões, nomeadamente oriental, não
deu tréguas. Mesmo assim o bordado manteve-se na economia local,
sendo juntamente com o vinho a marca indelével que identifica a Madeira.
E enquanto houver que valorize o trabalho da agulha o bordado madei-
rense não morrerá, ficando na memória dos visitantes como a recordação
perdulária da sua visita.

Ainda hoje, passado os momentos de fulgor da produção e comércio do


bordado, a ilha continua a ser identificada por ele e pelo vinho. Apenas
mudou a possibilidade de acesso a estas autênticas obras de arte, que no
dizer de Horácio Bento de Gouveia, são as nossas Lágrimas correndo mundo.
A HISTÓRIA DO BORDADO

Ao contrário do que possa parecer a História do bordado não se esgota na


Madeira e tão pouco ela se resume ao período decorrente da sua afirmação
a partir de finais do século XIX. Tudo isto porque o bordado não é apenas
criação madeirense e o trabalho da agulha ocupou sempre o sexo feminino
nos cinco continentes.

Segundo a tradição o berço do bordado situa-se no Oriente, Médio Ori-


ente e Rússia. E parece que esta actividade se perde nos anais da História.
Em 1964 o achado arqueológico de um caçador do “Cro-Magnon”, datado
de cerca de 30.000 AC revelou-nos o primeiro registo fossilizado de um
pano bordado com pontos à mão. Todavia, o primeiro bordado que se
preserva em pano é chinês e data de 3500 AC. A China foi um dos espaços
de afirmação da arte de bordar, que remonta à dinastia Shang(1766-1122
AC. ) e tornou-se muito popular na dinastia Ming(1368-1644).

Bordado chines
No Mediterrâneo a divulgação do bordado esteve a cargo dos assírios,
egípcios, gregos e romanos. São inúmeros os registos arqueológicos onde é
possível testemunhar a importância do bordado para as civilizações do
mediterrâneo. Note-se que para os Gregos o bordado é considerado uma
invenção da deusa Minerva.

O cristianismo, por força da necessidade dos trajes de culto bordados a


ouro, defendeu e divulgou a arte de bordar em todo o mundo sob a sua
influência. Roma, como sede do papado, transformou-se a partir do século
XVI num dos mais importantes centros do trabalho da agulha, por força
da exigência das vestes de cerimónia do papa e cardeais.

O cristianismo encarregou-se de divulgar esta arte em todo o lado onde


chegou e os conventos femininos foram centros de relevo no incentivo da
tradição de bordar.

Em toda a Europa, cristã ou não, era conhecido o trabalho da agulha, po-


pularizando-se o bordado no século XVIII. Os séculos XVII e XVIII são
considerados a época de ouro do bordado europeu., numa vasta área que
vai desde a Itália à Holanda, passando pelos países eslavos. A segunda
metade do século XIX foi marcada por uma profunda transformação com
a mecanização do trabalho através da máquina de bordar, que foi uma sé-
ria ameaça para o bordado à mão de regiões como a Madeira. Ainda nesta
centúria tivemos uma maior divulgação dos motivos através da divulgação
dos desenhos em revistas, o que veio contribuir para o estabelecimento de
padrões da moda. Esta divulgação de desenhos impressos terá começado
no século XVI com a publicação dos primeiros livros sobre o tema.

O bordado aplicado nas peças de vestuário era uma tradição que desde a
Idade Média estava ligada à realeza e nobreza. Os bordados em seda e
ouro são o adorno principal das peças de vestuário, alcançando, por isso,
elevado preço. A tradição diz-nos que estavam reservados para oferta a
reis, imperadores e príncipes.

Em Portugal a arte de bordar está presente desde tempos muito recuados


afirmando-se em algumas regiões como Viana do Castelo, Guimarães,
Castelo Branco, Nisa, Caldas da Rainha e Tibaldinho. A presença na Ma-
deira de povoadores oriundos das diversas regiões do país, mas de forma
especial do norte, das áreas de grande tradição do bordado, deverá ter
contribuído para que se alargasse aos novos espaços de ocupação no
Atlântico. Um dos grupos significativos destes povoadores era oriundo de
Viana do Castelo. Deste modo a tradição de bordar deverá ser tão antiga
quanto o povoamento da ilha, uma vez que os primeiros portugueses que
pisaram o solo madeirense foram dignos representantes de uma tradição
cultural que projectou a sua terra de origem.
Bordado de uma das regiões referenciadas: Viana do castelo
FORMAS DE VESTIR E DE SE EXIBIR

O bordado está directamente ligado ao vestuário e desde o momento que


o Homem sentiu a necessidade de cobrir o corpo surgiram os tecidos, ela-
borados a partir de diversos produtos e com o recurso a diversas técnicas
de confecção, com aplicações de bordado.

Na Madeira as formas de vestir obedeceram ao padrão dos locais de ori-


gem dos colonos e às disponibilidades do meio e mercado. Aqui cultivou-
se o linho e do pastoreio resultou também a lã. Ambos os produtos foram
a matéria prima do vestuário rural.

De acordo com um relatório da indústria da Madeira em 1862 existiam


559 teares de linho e lã. A maior incidência destes ocorria em Santana e
Calheta, com 160 e 165 teares respectivamente. No Funchal a concentra-
ção de teares era menor, pois o porto abria-lhe a possibilidade de acesso
aos panos de importação.

A animação comercial provocada pelo comércio do açúcar de depois o


vinho atraíram os vendedores de tecidos da Flandres ou Inglaterra. A ri-
queza propiciada por ambos os produtos conduziu a que o luxo chegasse
também à Madeira, sendo as sedas, os brocados e as peças ricamente bor-
dadas uma presença na casa das principais famílias madeirenses. Um tes-
temunho desta opulência surge em 1566 com o assalto francês à cidade em
que estes levaram um valioso saque, referindo a propósito Gaspar Frutu-
oso que a cidade estava ... mui rica de muitos açúcares e vinhos e os moradores
prósperos, com muitas alfaias e ricos enxovais, muito pacífica e abastada, sem temor
nem receio do mal que não cuidavam.

Desde o século XV que a coroa procurou promover a cultura da seda mas


não obstante D. Manuel haver afirmado em 1485 que a dita ilha é muito
disposta para se nela fazer seda parece que as previsões não se cumpriram e de
certeza que a maioria da sede que se usou na ilha era importada.

O vestuário do homem integrava as bragas, a camisa, gibão, sainho, calças,


pelote, saio, jaqueta, roupeta ferragoulo, tabardo, capa. A isto juntava-se o
calçado de sapatos em bico e botas de couro. Para cobrir a cabeça temos
as carapuças. A mulher usa como roupa interior a camisa e fraldilha e um
vestido que cobria todo o corpo. O calçado era semelhante ao do homem,
apenas na cabeça acontecia um especial cuidado que as diferenciava. As
crianças das famílias pobres da cidade e meio rural parece que tinham sido
esquecidas quanto à indumentária. Os mais pequenos andavam totalmente
nus e os outros vestiam apenas uma camisa branca todo esburacada.
O enxoval de uma casa por norma era muito modesta reduzindo-se a pou-
cas peças de vestir, de abafo e dormir. Esta situação resultava do preço dos
tecidos e dos parcos meios das famílias pobres. Perante isto restava-lhe
pouco que vestir e a moda era palavra vã. A indumentária resumia-se ao
fato de ir à missa e ao de trabalho. O segundo vestia-se até se romper e
mesmo assim era remendado. Deste modo procurava-se disfarçar os re-
mendos com casacos(as) compridos(as). A estas peças juntavam-se a cara-
puça, considerada de origem africana, e raras vezes os sapatos. Os adornos
não faziam parte deste enxoval. Todavia na casa das famílias mais destaca-
das a situação era distinta. As festas, os saraus dançantes, os piqueniques
eram momentos de exibição da moda, seguindo os modelos franceses e
ingleses com tecidos importados. A isto juntava-se a riqueza dos adornos
diversos. Este contraste é bastante evidente para os forasteiros.
A partir do século dezoito temos informações muito claras sobre a indu-
mentária da cidade e do meio rural. As descrições e gravuras dos visitantes
estrangeiros são um testemunho precioso desta realidade. Assim o traje do
vilão era baseado numa jaqueta sem mangas que cobria uma camisa de
estopa grosseira, calções de linho apertados a partir do joelho, a que se
juntava na cabeça uma carapuça e botas de cano dobrado. Esta descrição
condiz com o testemunho de J. Foster(1772) e inúmeras das gravuras co-
nhecidas. Já no meio urbano o povo vestia-se à imitação da burguesia e
nobreza, sendo a distinção na qualidade dos tecidos e presença de ador-
nos. John Barrow em 1792 diz-nos que os lojistas e trabalhadores mecâni-
cos vestiam chapéu, sapatos e meias e um casaco comprido para esconder
os remendos das calças, trajando as mulheres de fato negro e capacete na
cabeça.

B1

O século XIX inicia uma revolução no modo de vestir, optando-se pela


simplicidade e aspecto prático da indumentária, ao mesmo tempo que se
iniciou a caminhada para a uniformização do vestuário. Ao mesmo tempo
impõe-se a moda vinda de França que apenas conquista adeptos entre as
classes abastadas, uma vez que o traje popular continua a manter as mes-
mas cores e formas. Assim, o homem veste camisa branca de linho ou es-
topa, calções e colete, carapuça e bota chã. Os calções e colete podem
ainda ser de cores distintas mas a tendência é para o branco. A indumentá-
ria da mulher consistia de camisa, saia listada, corpete, capa, carapuça e
bota chã.

Alguns testemunhos dos autores nacionais e estrangeiros atestam que o


vestuário não era uniforme. A ideia de “farda” parece ser recente. Vestia-
se de acordo com as disponibilidades das lojas de fazendas que procura-
vam adequar-se às modas trazidas pelos ingleses. Por outro lado estas des-
crições são fruto de uma mera observação dos sítios visitados, não uma
visão global de toda a ilha. Apenas três destes textos mostram esta evidên-
cia. Em 1772 o ilhéu, segundo George Forster, vestia do seguinte modo:

Os trabalhadores no Verão, usam calças de linho, camisa grosseira, um grande chapéu


e botas; alguns trajavam um casaco curto de tecido e uma grande capa que muitas vezes
trazem dobrada, ao braço. As mulheres usam saia, corpete curto ou casaquinho, bem
justos às suas formas, o que constitui um vestido simples e muitas vezes nada desele-
gante. Também possuem curta mas ampla capa e as solteiras atam os cabelos ao alto
da cabeça, não usando qualquer véu.

No século XIX temos dois outros testemunhos distintos sobre o modo de


vestir. Em 1812 Nicolau Caetano Pitta:

as mulheres do campo usam saias azuis debruada com vermelho, um capote curto, ge-
ralmente vermelho ou azul claro, justo ao corpo, os quais formam uma vestimenta sim-
ples e às vezes não deselegante, e uma capa curta vermelha debruada com uma tira azul
e um barrete pontiagudo azul; as que são solteiras amarram o seu cabelo no alto da
cabeça, sobre a qual algumas não usam cobertura. Os trabalhadores usam calças de
linho, uma camisa grosseira, um barrete azul, botas brancas, jaqueta curta feita de te-
cido azul e no Inverno usam geralmente capas compridas, as quais, quando não chove
levam sobre o ombro.
Em 1840 Paulo Perestrelo da Câmara nota o aspecto particular do traje
madeirense o que desperta a atenção estrangeira:

Os trajes dos camponeses são muito diversos de outro qualquer país, e os estrangeiros
principalmente notão-lhe um gosto bizarro e extravagante. Consiste pois, em um par de
ceroulas largas, franzidas, mui curtas, que só chegão do embigo acima do joelho, muito
semelhante aos calções turcos; chamão-lhe cuecas e em geral são de serapilheira da parte
do Norte, e de pano de linho na do Sul; botas de canhão, amarellas, com um bico arre-
bitado, como o das sandálias chinesas; uma camisa de pano de linho, um gibão de cor e
um funil de pano azul com um bico comprido, com duas orelhas, o qual unicamente
tapa a coroa da cabeça. O traje das mulheres também não deixa de ser curioso e sim-
ples. Começa por quasi nunca usarem de calçado senão nas igrejas ou em ocasiões de
festejos; um saiote que pouco lhe desce dos joelhos, de uma fazenda de lã fabricada no
país a que chamão mafaruje, tingida com casaca de amoreira; um colete de cor mui pe-
queno, por fora da camisa, uma capinha encarnada, e igual funil ao que usão os ho-
mens, ainda diminuto, o qual para se sustentar na cabeça é necessário ser preso com
alfinete ao cabelo. Chamão-lhe carapuça.

Nos séculos XVII e XVIII o mercado madeirense foi alvo de profundas


alterações por força da influência britânica, sedimentada através de vários
tratados. Em 1703 o tratado de Methuen consolidou a hegemonia dos panos
ingleses no mercado português.

Durante o século XVII era comum os madeirenses trocarem os vinhos


por peças de roupa, muitas vezes já usadas, e tecidos. Esta prática, teste-
munhada por muitos dos ingleses que por cá passaram e deixaram o re-
gisto escrito das suas memórias, evidência a carência que se debatia a ci-
dade em termos de vestuário. A chegada ao meio rural dos tecidos de im-
portação acontecia por meio dos adelos, na sua maioria de Gaula.

A riqueza aliada à oferta de tecidos de importação de preços excessiva-


mente elevados conduzia ao luxo nos diversos estratos sociais. A coroa
intervêm no sentido de travar a ostentação no vestuário. Em 1686 D. Pe-
dro fez publicar uma pragmática contra isso. Aqui o principal alvo era “to-
dos os bordados que chamam de seda”, que não podiam levar prata ou
ouro, e “todas as rendas que se chamam bordados”. Já em 1749 D, João V
condescende com algumas peças de vestuário bordadas: “poderá usar-se
roupa branca bordada de branco ou de cores, contudo porém que seja
bordado nos meus domínios, não de outra manufactura.”. Todavia em
1780 as leis sumptuárias no concelho de Machico determinavam que a no-
breza e homens da governança não podiam usar botões bordados.

As leis sumptuárias, ao atacarem as peças de vestuário bordadas, eviden-


ciam que esta era uma tradição comum a todo o reino e que abrangia
muitas das peças de vestuário masculino(camisas, calções, etc.)e femi-
nino(saia, colete, manto, capa, etc.).

A partir da Revolução Liberal o comércio de venda a retalho dos tecidos


tornou-se livre destas peias sumptuárias, o que deverá ter contribuído para
uma reafirmação do bordado nas peças de vestuário.
DO BORDADO CASEIRO AO BORDADO INDUSTRIAL

O bordado está presente na ilha desde os primitivos tempos do povoa-


mento. A tradição de bordar, do local de origem destes povoadores,
acompanhou-os na travessia atlântica e instalou-se no novo espaço. Deste
modo desde o início do povoamento que se borda na ilha.

Borda-se em linho, algodão, seda e organdy para se fazerem toalhas de


mesa, peças decorativas, jogos de cama e peças de vestuário, nomeada-
mente feminino. A leitura dos testamentos revela-nos que muitas daquelas
peças de vestuário passam de pais para filhos, não apenas pelo valor sen-
timental, mas também, pela raridade das peças e riqueza do bordado.

O mais antigo testemunho sobre a maestria do bordado madeirense surge


em finais do século XVI no volume das “Saudades da Terra” que Gaspar
Frutuoso dedicou à Madeira. A propósito do casamento de Isabel de
Abreu, da Calheta, com António Gonçalves, o autor refere que as delicadas
mulheres da ilha da Madeira, que (além de serem comummente bem assombradas,
muito formosas, discretas e virtuosas) são estremadas na perfeição deles e em todalas
invenções de ricas coisas, que fazem, não tão somente em pano com polidos lavores....

O bordado Madeira manteve-se por muito tempo no segredo das arcas das
suas criadoras. Era trabalho de inestimável valor que por isso mesmo não
podia ser vendido, apenas era de usufruto familiar, prenda de enxoval ou
legado por morte. Por muito tempo o bordado foi considerado um pro-
duto não vendável, que raramente saia do circuito familiar.

Os estrangeiros que escreveram sobre a ilha até meados do século XIX


não fazem referência ao bordado. Aquilo que chamava a atenção eram as
flores artificiais feitas pelas freiras do Convento de Santa Clara. No relato
das três viagens(1768, 1772, 1776) de James Cook não surge qualquer refe-
rência ao bordado mas sim às ditas flores.

O Convento de Santa Clara foi uma referência para a maioria dos estran-
geiros que visitaram a ilha entre os séculos XVII e XIX. Era local de ro-
magem obrigatória. Aqui, para além da doçaria, realçava-se as flores de
penas, para muitos o principal “souvenir” da Madeira. A juntar a tudo isto
temos em princípios do século XIX uma verdadeira atracção para os visi-
tantes, a madre Maria Clementina.

Nos conventos femininos, como o de Santa Clara, o bordado era também


uma actividade que ocupava as freiras nos momentos de lazer, mas a maio-
ria dos estrangeiros apenas se detém nas flores artificiais e na doçaria.

A conjuntura madeirense da primeira metade de oitocentos, demarcada


pelos conflitos europeus, guerra de independência das colónias, associada
aos factores de origem botânica (oidio-1852, filoxera-1872) conduziram ao
paulatino degenerescimento da pujança económica do vinho. Como coro-
lário, desse inevitável processo, sucedem-se as fomes, nos anos quarenta, e
a sangria emigratória nas décadas de 50 e 80, para o continente americano,
onde o madeirense vai substituir o escravo nas plantações. Por um período
de mais de setenta anos a confusão institucional e económica alarga-se ao
domínio social e alimentar. Assim sucedem-se novos produtos de impor-
tação do Novo Mundo que ganham uma posição de relevo na culinária
madeirense. Destes destacam-se o inhame e a batata. A par disso definem-
se políticas de reconversão e ensaios de novos produtos com valor comer-
cial (tabaco, chá,...). É nesta conjuntura difícil que se afirma o bordado.

Até meados do século XIX não existe referência à venda ou exportação do


bordado Madeira. E nas diversas descrições das actividades artesanais não
aparece o bordado, como se poderá constatar na memória de 1822 de João
Pedro Drumond ou no livro publicado em 1841 por Paulo Perestrelo da
Câmara. Foi, na verdade, com a exposição das indústrias madeirenses rea-
lizada no Palácio de S. Lourenço desde 1 de Abril de 1850 que se desco-
briu o bordado. Foi a partir daqui que se procedeu ao aproveitamento ca-
pitalista, assumindo-se como um produto de grande rentabilidade econó-
mica.

A exposição foi organizada pelo então Governador Civil, José Silvestre


Ribeiro, com o objectivo de promover junto dos madeirenses e visitantes
as diversas indústrias e artesanato do arquipélago. A escolha de Abril de-
veu-se ao facto de este ser o mês em que havia maior número de estrangei-
ros na ilha. O sucesso desta exposição industrial madeirense parece que se
ficou pela valorização comercial das obras de artesanato expostas, nomea-
damente o bordado.
02p42
Foto de José Silvestre Ribeiro

Graças ao empenho pessoal do governador a exposição foi um sucesso e a


mais completa amostra das potencialidades sócio-económicas do arquipé-
lago. No caso dos bordados o relatório sobre a exposição não podia ser
mais elogioso: ...bordados em seda a matiz com guarnições de froco, de mastro, e de
ouro, em diferentes quadros, tudo feito com muito asseio e beleza. Bordados de passe em
filó, bem acabados e de bom gosto. Bordados brancos diversos de muito merecimento.
Como forma de incentivo aos expositores distribuíram-se medalhas e lou-
vores. No sector dos bordados e lavores tivemos duas medalhas a premiar
os bordados brancos de Luísa e Carolina Teives.

O interesse britânico por esta exposição foi enorme, recebendo a Madeira


convite para estar presente em Londres na exposição universal que decor-
reu no ano seguinte de 1851. Mais uma vez sob o impulso do Governador
Civil, José Silvestre Ribeiro, a Madeira apresentou um rico bordado feito pela
senhora Breciano com reprodução de flores da Madeira, flores de penas das
freiras do Convento de Santa Clara. Os comentários às peças presentes
foram auspicioso: bordados a branco que foram geralmente aplaudidos e considerados
de uma perfeição inexcedível.

Estas exposições podem ser consideradas um marco na afirmação do bor-


dado no mercado local e londrino. O primeiro registo referenciado das
exportações é de 1849 e dá conta do envio para Lisboa de esguião de Linho
bordado, mas foi nas exportações para o mercado britânico, a partir de 1854
que começou a delinear-se um promissor mercado para o bordado Ma-
deira.
As primeiras exportações acontecem por iniciativa de Miss Elizabeth
Phelps, filha de Joseph Phelps, um destacado mercador de vinhos que se
havia instalado no Funchal em finais do século XVIII. Ela foi responsável
pela propaganda do bordado madeirense junto de algumas famílias, mas
também teve uma intervenção activa no ensino do trabalho da agulha. Em
meados da centúria a mesma com outras senhoras funchalenses criou uma
escola lancasteriana feminina. Aqui, para além do ensino básico, sem re-
curso à palmatória, ensinava-se as jovens a trabalhar com a agulha. Este
ensino das técnicas do bordado inglês influenciou de forma decisiva o bor-
dado Madeira nos primeiros anos, de tal forma que Émile Bayard afirmava
que este era também conhecido como bordado inglês.

A ligação de Miss Phelps ao bordado madeirense tem dado lugar a alguma


confusão. É comum dizer-se que foi esta donzela britânica que introduziu
o bordado na ilha. Pelo que atrás ficou dito parece estar demonstrado que
o bordado já existia na ilha muito tempo antes da sua chegada e que o seu
contributo mais significativo foi o de divulga-lo à sociedade britânica,
abrindo as portas para um promissor mercado.

Na segunda metade do século XVIII a ilha assumiu um outro papel com a


revelação da Madeira como estância para o turismo terapêutico, mercê das
então consideradas qualidades profiláticas do seu clima na cura da tubercu-
lose, o que cativou a atenção de novos forasteiros. A tísica propiciou-nos, ao
longo do século dezanove, o convívio com poetas, escritores, políticos e
aristocratas. Não obstante a polémica causada em torno das possibilidades
deste sistema de cura a ilha permaneceu por muito tempo como local de
acolhimento destes doentes, sendo considerada a primeira e principal estân-
cia de cura e convalescença do velho continente.

Foi a presença, cada vez mais assídua, deste doentes que provocou a ne-
cessidade de criação de infra-estruturas de apoio: sanatórios, hospedagens
e agentes, que serviam de intermediários entre os forasteiros e proprietá-
rios de tais espaços de acolhimento. Este último é o prelúdio do actual
agente de viagens. Então o turismo, tal como hoje o entendemos, dava os
seus primeiros passos. E foi como corolário disso que se estabeleceram as
primeiras infra-estruturas hoteleiras e que o turismo passou a ser uma acti-
vidade organizada e com uma função relevante na economia da ilha. E
mais uma vez o inglês é o principal protagonista.

No passado foram as condições do meio que fizeram da ilha um dos prin-


cipais motivos de atracção turística. Hoje o turista é outro e por isso tam-
bém as exigências são diferentes. Assim aos motivos ambientais aliam-se
os culturais, passando os dois a andar de braço dado. No fundo é a simbi-
ose do “grand tour” europeu com o turismo terapêutico insular.
Nos últimos anos a Madeira adquiriu uma posição desusada no “ranking”
da comunidade cientifica. A ilha continua a fascinar cientistas e visitantes.
O clima, o endemismo, as particularidades do processo histórico, o prota-
gonismo na História do Atlântico fazem dela, ontem como hoje, um pólo
chave para o conhecimento científico.

Hoje a ilha é tema de debate nos diversos areópagos científicos e cada vez
mais se sentem o apelo da comunidade cientifica para o seu conhecimento
e divulgação. Em certa medida esta próxima realidade vai ao encontro da-
quilo que foi a História do arquipélago. Na verdade, o passado histórico da
ilha, relevado quase sempre pelos aspectos económicos e sociais, esquece
uma componente fundamental da inovação e divulgação tecnológica que
transformou a rotina das tarefas económicas e revolucionou o quotidiano
dos nossos avoengos. Mais do que isso, o madeirense, além de exímio in-
ventor — na inevitável tarefa de encontrar solução para as questões e difi-
culdades do dia a dia —, foi também um eficaz divulgador da sua tecnolo-
gia. A Madeira foi a primeira terra revelada do novo mundo, escala para a
navegação e expansão dos produtos europeus no mundo atlântico. Com o
século XVIII a ilha transforma-se em escala obrigatória das expedições
científicas que fizeram saciar a curiosidade inata do Homem das Luzes.

A partir de meados do século XIX os visitantes ingleses passaram a dar


atenção ao bordado. Assim, entre 1853-54, Isabella de França no diário da
visita que fez à ilha dá conta de forma clara da presença do bordado na
indumentária madeirense. Na romagem de Santo António da Serra, em
Outubro, refere um homem com casaca azul recamada de magníficos bordados
a ouro. Quanto ao vestuário feminino destaca um corpete de fustão amarelo ou
material semelhante muito bem bordado a ponto branco. E na inevitável visita a
Maria Clementina no convento de Santa Clara desperta-lhe de novo a
atenção o bordado da camisa: ...tinha um peitilho franzido em volta do pescoço, de
cassa tão fina e clara que mostrava a extremidade bordada da camisa a despontar por
baixo [...]. Na mão sustinha um lenço bordado, da mesma casa,...

À medida que o produto foi ganhando mercado em Inglaterra surgiram os


primeiros intermediários, de que temos referência de Robert e Frank Wi-
lkinson como os primeiros ingleses envolvidos neste negócio. As relações
comerciais entre a Madeira eram desde o século XVII assíduas, fruto da
ligação madeirense ao processo de afirmação colonial britânica, onde o
porto do Funchal foi um dos centros de apoio no Atlântico. Deste modo a
presença de ingleses eram frequente no Funchal e o seu valor comercial
alargava-se a todos os produtos com valor mercantil. Deste modo, os bri-
tânicos, por força destas circunstâncias, são os primeiros a interessar-se
pelo comércio do bordado.
A valorização do bordado como mercadoria de exportação teve implica-
ções directas no processo de fabrico. Primeiro assinala-se a necessidade de
recrutamento de cada vez mais mão-de-obra de forma a atender às solici-
tações. Assim, em 1862 temos mais de mil bordadeiras em toda a ilha.

Paulatinamente o bordado vai conquistando novos mercados, fruto da


divulgação que dele fizeram os britânicos, nomeadamente nos roteiros e
literatura de viagens. Esta fama ultrapassou as fronteiras e chegou à Ale-
manha. As primeiras peças de bordado foram conduzidas em 1881 por
iniciativa de Otto von Streit, que se havia fixado no Funchal em Novem-
bro de 1880, na busca da cura para a tísica pulmonar. A sua presença
marca o início da intervenção alemã que perdurará até 1916, altura em que
Portugal entrou na primeira Guerra Mundial.

A intervenção dos industriais e comerciantes alemãs foi importante em


termos do bordado madeirense, com algumas inovações técnicas. A partir
da década de oitenta os alemães provocaram uma verdadeira revolução no
processo de fabrico do bordado. A primeira alteração ocorreu ao nível dos
tecidos e das linhas. A linha azul, usada até então, é substituída pela linha
branca. Ao mesmo tempo introduziu-se uma nova técnica de aplicação
directa dos desenhos sobre o tecido, acabando-se com os desenhos alinha-
vados por baixo. Sucede, ainda, que os desenhos eram até então criação
das bordadeiras, mas como esta nova técnica os desenhos eram feitos e
estampados no tecido antes de ser entregue às bordadeiras e para facilitar
o processo introduziram-se as máquinas de picotar. Esta situação está do-
cumentada em 1906 por artigo publicado por João Mota Prego no Heraldo
da Madeira:

(...) o comércio alemão transformou esta indústria numa verdadeira riqueza para a ilha.
Pouco a pouco, foi removendo as dificuldades inerentes a um pessoal trabalhador boçal
como é a mulher do campo; compreendeu bem o que podia exigir dela, não lhe pediu
desenhos nem ideias, simplificou-lhe a preparação do trabalho e aproveitou-lhe o que
realmente ela podia dar; a parte meramente mecânica, material. Procurou os desenhos
fornecendo-lhe já estampados nas fazendas e exigindo-lhe apenas uma execução minuci-
osa e perfeita.

Esta técnica obrigou ao estabelecimento de casas comerciais no Funchal


com a função de proceder ao trabalho de preparação e à distribuição do
tecido e linhas pelas bordadeiras. Junto destas actuavam os caixeiros que
procediam à entregue dos panos e que os depois os recolhiam bordados.
Toda a tarefa de acabamento, lavagem, engomar e embalar dos bordados
estava reservada à casa no Funchal.

Casa bordados alemã


Os industriais e as casas alemãs

Os alemães intervêm no comércio do bordado a partir da década de oi-


tenta, fazendo-o entrar no circuito internacional através do porto franco
de Hamburgo. A Casa Grande de Otto Von Streit começou por enviar os
bordados em bruto para Hamburgo, onde eram depois preparados para a
exportação com destino aos Estados Unidos da América, facultando aos
alemãs um fácil controlo dos ciclos produtivo e comercial. Assim, se por
qualquer motivo o trabalho das bordadeiras não satisfizesse os seus inte-
resses procuravam outros mercados de mão-de-obra, uma vez que eram
detentores dos padrões usados.

A situação de 1916, fruto das represálias da guerra, foi duplamente preju-


dicial para a ilha, pois a fuga destes não os impediu de continuar o seu
comércio de bordado, mas apenas desviou a atenção para novos mercados
de mão-de-obra barata.

A presença da comunidade alemã a partir das duas últimas décadas do sé-


culo XIX era importante, disputando mano a mano com os ingleses o
domínio da Madeira. A ilha era neste momento um espaço aberto de aco-
lhimento de inúmeros europeus, incluídos os alemãs, que procuravam no
clima ameno a cura para a tísica pulmonar. E foi do seio deste grupo que
surgiu muitas vezes empreendedores comerciantes e industriais.
No sentido de melhorar o serviço de acolhimento aos doentes avançou-se
com um projecto de construção de sanatórios. Deste modo em 1903 o
príncipe Frederico Carlos de Hohenlohe foi o promotor da iniciativa. Mas
o Governo Português, por influência dos britânicos, foi forçado a rescindir
a concessão outorgada à dita companhia dos Sanatórios, mediante uma
indemnização pesada, travando-se definitivamente a plena implantação no
Funchal.

O afrontamento das duas comunidades deverá ter pesado na pronta fuga


dos alemães em 1916 e nos dois bombardeamentos à cidade do Funchal, a
3 de Dezembro de 1916 e 12 de Dezembro de 1917. Não obstante a ani-
mosidade britânica, os alemães conseguiram firmar uma posição de desta-
que no comércio do bordado entre 1890 e 1914. Esta hegemonia tornou-
se notória a partir de 1895, altura em que a Alemanha recebeu 33173 Kg
de bordados, contra os 2751 Kg da Inglaterra. Note-se que estes valores
não reflectem a realidade no sentido de que estavam excluídos os borda-
dos enviados para o porto franco de Hamburgo, um dos principais desti-
nos das exportações.

Casa bordados alemã

A afirmação da comunidade alemã no comércio do bordado só foi possí-


vel com a presença de um influente grupo directamente implicado no fa-
brico e exportação do bordado. Em 1912 o negócio estava assegurado por
seis casas: Wilhelm Marum (1898), Georg Wartenberg, R. Kretzschomar,
Otto von Streit, Dutting & Gaa, Wolflenstein & Horwitz.
A saída dos alemães em 1916 foi compensada com a chegada dos sírios
que rapidamente dominaram o mercado do bordado madeirense até 1925.
Aqui, o mercado norte-americano que desde 1910 vinha ganhando im-
portância, domina as exportações. Mas o século XX, uma esperança segura
para o comércio do bordado, trouxe à ilha mercadores franceses, ingleses e
americanos.

Máquina picotar

A cada vez maior procura de bordado implicou as necessárias inovações


técnicas devidas aos alemães e o aumento da mão-de-obra no bordado,
através do recrutamento no meio rural e do aperfeiçoamento da rede de
agentes de distribuição e recolha. O facto de os panos a bordar serem
apresentados às bordadeiras já estampados com os desenhos facilitou a
adesão de muitas mulheres a esta actividade que poderia ser partilhada
com a vida diária.

Os primeiros anos do século XX foram ainda marcados pela concorrência


desenfreada. Internamente envolveu os industriais envolvidos no fabrico e
comércio do bordado, enquanto externamente a Madeira teve que compe-
tir com os mercados produtores da Boémia, Alsácia, Irlanda e Suiça No
caso da Suiça, o processo de mecanização em curso desde a década de ses-
senta do século XIX, trazia vantagens acrescidas, uma vez que reduzia
drasticamente os custos de produção. A única garantia para a Madeira
continuava a ser os custos baixos da mão-de-obra, que permitia manter o
produto competitivo.

Mesmo assim em 1909, segundo Vitorino Santos, é evidente um incre-


mento do bordado madeirense: Cada vez se borda mais na Madeira, multipli-
cam-se os estabelecimentos de venda de bordados, e têm também aumentado, em número
e em trabalho, as principais casas exportadoras com oficinas de preparação de roupas
bordadas.

Esta concorrência interna é considerada prejudicial à manutenção da qua-


lidade do bordado e pode ser o princípio do seu fim: ...é tamanha a concorrên-
cia e procura de bordados e de operárias, que não podem prevalecer as exigências de bom
acabamento na grande produção de trabalhos encomendados à indústria rural, resul-
tando daqui uma depreciação que com o tempo deverá desacreditar esta bela indústria
madeirense.

As inovações tecnológicas no sentido da mecanização do processo de fa-


brico do bordado, que ocorreram a partir da segunda metade do século
XIX, não impediram a Madeira de manter a procura do seu bordado, não
só pela qualidade do trabalho, mas acima de tudo pelo baixo custo da
mão-de-obra que foi durante muito tempo a garantia concorrencial face ao
processo de mecanização do processo noutras regiões.
A CRISE DO BORDADO

A situação mundial da primeira metade do século XX, provocada pelas


duas guerras mundiais (1914-19, 1929-35) condicionou a evolução do mer-
cado do bordado. A guerra isolou a ilha, impedindo-a de contactar com os
mercados fornecedores de matéria-prima ou consumidores do bordado.
Mas pior que isso foi a crise económica que lhe andou associada e que
condicionou o poder de compra dos potenciais clientes do bordado. E,
como o bordado madeirense era considerado um produto caro, não era
fácil encontrar saída para a sua produção.

A primeira guerra mundial afugentou os alemães e trouxe-nos os sírios que


consolidaram as exportações para o mercado americano, que se afirmou
como a principal esperança. Sucedeu, entretanto em 1929 o golpe fatal
com o “crush” da Bolsa de Nova York que arrastou os Estados Unidos
para uma das piores crises da História. E esta situação abalou fortemente o
comércio do bordado Madeira. A crise do mercado norte-americana foi
contrabalançada com a valorização do mercado brasileiro que se manterá
até 1956.

O movimento autonomista dos anos vinte manteve-se atento aos borda-


dos e nos planos de autonomia dedicava espaço ao debate e defesa do
bordado regional, que continuava a ser considerado uma indústria funda-
mental, que mais não seja na preservação da identidade regional. A verda-
deira autonomia tardou muito tempo a ser alcançada, dando aos madeiren-
ses a possibilidade de encontrar soluções para o problema desta actividade.

Perante tais condições de crise do bordado o governo da ditadura, saído da


Revolta de 28 de Maio de 1926, estabeleceu algumas medidas de apoio a
esta actividade. A 9 de Setembro o Governo permite a importação de teci-
dos de seda e linho para o bordado em regime de drawback. A mesma me-
dida alarga-se em 1928 aos fios de tecido.

Os anos trinta foram muito complicados para a sociedade madeirense e a


sobrevivência do bordado. Deste modo o governo saído da Revolta da Ma-
deira de 4 de Abril de 1931 procurou intervir na salvaguarda do sector
abrindo a 20 de Abril uma linha de crédito de mil contos a favor da indús-
tria.
Edifício do IBTAM

Em 1935 o sector dos bordados continuava a ser um sector sob a vigilân-


cia e especial protecção do governo, tal como o refere Salazar em carta que
escreveu ao Dr. João Abel de Freitas, Presidente da Junta Geral. Assim a
juntar-se à criação do Grémio para o sector em 1936, tivemos no ano ime-
diato a isenção de direitos de importação e de todas as imposições locais
sobre a matéria prima necessária à industria do bordado.

Nos anos quarenta, de novo o período da guerra provocou redobradas


dificuldades ao sector dos bordados e à economia familiar, uma vez que
neste momento as mulheres estavam quase por completo entregues ao
bordado e os homens ao vime. Ao mesmo tempo a emigração para o Bra-
sil, Venezuela, África do Sul e Austrália veio a dar o golpe mortal na in-
dústria. Primeiro saíram os homens, deixando todos os afazeres do casal a
cargo da mulher que passa a dispor de menos tempo para bordar. Depois
foi a restante família que se foi juntar, fazendo diminuir drasticamente a
mão-de-obra disponível.

No post guerra tudo fazia indicar que o mercado do bordado da Madeira


estava definitivamente perdido e que dificilmente retornaria aos tempos
dourados de princípios da centúria. Neste contexto surgiram novas difi-
culdades nos anos sessenta provocadas pela instabilidade económica dos
principais mercados: Estados Unidos da América, África do Sul e Rodésia.
A tudo isto havia que juntar a concorrência dos bordados à mão da China,
Filipinas, Tailândia e Coreia, e à máquina da Suiça e Hong Kong.

A Revolução do 25 de Abril de 1974 aconteceu num dos mais difíceis


momentos da História do bordado da Madeira e apenas o processo auto-
nómico a partir de 1976 conduziu à definição de uma política para o se-
ctor. Em 1977 foi criado o Instituto do Bordado e Tapeçarias e Artesanato da
Madeira (IBTAM) com o objectivo de intervir no sentido da valorização,
preservação e promoção do artesanato madeirense. Das actividades do
IBTAM nos últimos anos destacam-se a criação da marca Bordado Madeira,
o Núcleo Museológico do Bordado e o Centro de Moda e Design.

Museu do Bordado-aspecto
Hoje, passados os anos difíceis da segunda metade do século XX, a pers-
pectiva é de crescimento, não obstante a tendência para a diminuição e
envelhecimento da mão-de-obra.
AS CASAS DE BORDADO

Interior casa de bordados. Fotografia Museu Vicentes

Era verdade que os ingleses contribuíam hoje, como nenhum outro povo,
para o turismo na Madeira e fora até uma inglesa que tornara conhecidos,
no estrangeiro os bordados da ilha. Mas os alemães, que também gostavam
de viver no Funchal e lá tinham deixado muitas quintas e melhoramentos,
haviam dado à indústria uma expressão inteligente, valorizando-a e enri-
quecendo-a cada vez mais. Se não fosse a questão dos sanatórios, que,
hoje, todos lamentavam, e que obrigara os alemães a abandonarem a Ma-
deira, a indústria dos bordados estaria próspera como nenhuma outra. Os
sírios, que, depois, se instalaram na ilha ou já lá tinham os seus agentes,
haviam estragado o negócio, criando uma tal barafunda que, hoje, nin-
guém se entendia. Os bordados desvalorizaram-se, empobrecendo a eco-
nomia da Madeira. Tudo estava; não havia industrial que se encontrasse
satisfeito”

[Ferreira de Castro, Eternidade, sd.(1933?)]

O mercado do bordado na Madeira foi marcado ao longos dos últimos


cento e cinquenta anos por uma elevada instabilidade que denuncia a fra-
gilidade da indústria no mercado mundial. Para isso contribuiu, não só, a
conjuntura internacional, mas também, a precariedade das casas de borda-
dos criadas por estrangeiros, nomeadamente ingleses, alemães e sírios. A
cada grupo corresponderá uma forma de intervenção e mercado distintos.
Os ingleses foram os primeiros a intervir no processo. Mas foram os ale-
mães que deram o impulso decisivo na diversificação dos mercados. O seu
avanço foi travado apenas por influência dos ingleses e acabou por ser in-
terrompido com a Primeira guerra Mundial. Estes transmitiram os seus
negócios aos sírios.

A partir de 1890 processa-se uma profunda transformação através da afir-


mação das casas de bordado em detrimento dos exportadores. A diferença
está que estes últimos se limitavam a adquirir o bordado às bordadeiras,
enquanto os segundos passam a intervir directamente no processo produ-
tivo dando às bordadeiras o tecido já com os desenhos estampados. Para
isso montaram uma rede de agentes em toda a ilha, que procedia à distri-
buição dos panos e depois recolhiam já bordados. Esta mudança incre-
mentada pelos alemães conduziu à afirmação das chamadas Casa de Bor-
dado. No primeiro quartel do século XX são referenciadas as seguintes
casas: A. J. Fróes, Casa Bradwil, Casa Grande, Casa Hougas, Casa Maru,
Casa Suiça, Companhia Portuguesa de Bordados, H. C. Payne, Hamú, José
Clemente da silva, Mallouk Bros, M. R. Silva Diniz, Wagner, Schinitzer,
União Madeirense de Bordados, Casa Americana.

A guerra reflectiu-se de forma directa nas casas de bordados, como nos


elucida A. Marques Caldeira (1964):

Haviam antes da guerra de 1914 diversas Casas de Bordados de propriedade alemã


entre elas algumas que acima mencionamos e que cessaram a sua actividade no período
da primeira Conflagração Mundial.

Terminada a guerra, algumas destas fábricas passaram à posse de firmas americanas,


orientadas no Funchal por súbditos sírios que, aparentemente, deram certo movimento
ao comércio e bordados abandonando depois essa indústria, à excepção de alguns que
ainda se encontram a dirigir diversas firmas no Funchal, exportadoras de bordados da
Madeira.

Mesmo assim em 1923 são referenciadas 1000 casas de bordado, o que


atesta a vitalidade da indústria. O peso das pautas aduaneiras levou a partir
de 1924 à saída dos sírios que entregaram as suas casas aos madeirenses,
passando o sector para o controlo dos madeirenses. Mesmo assim nos
anos seguintes manteve-se o número elevado de empresas do sector. Em
1953, um relatório do Grémio do sector anota a existência de 103 casas,
mas sucede que 61 destas não ultrapassam os 50 contos de exportações
mensais, sendo assim casas de pequena dimensão. Apenas 12 casas factu-
ravam mensalmente mais de sete mil contos.
Casa de bordados

Em 1969 são referenciadas 88 casas de bordados de que se relevam as


mais importantes: António Gomes de Oliveira Sucr., Arte Fina, Brazão &
Freitas Lda, C. A. Pereira Lda, Exportadora Insular de Bordados Lda, Fer-
reira Ornelas & Cª Lda, G. Farra & Cª Lda, Imperial de Bordados lda, João
C. Silva, João Eduardo de Sousa Lda, Leacock Bordados Lda, Madeira Art
Hand Embroidey & Cª Lda, Madeira Superbia Lda, Maria Lubélia Kieke-
ben, Miguéis Lda, Nóbrega Irmãos, Patrício & Gouveia Sucs Lda, The
Madeira House Cª Lda.

A política de associação e classe do Estado Novo também atingiu a indús-


tria dos bordados. Assim pelo decreto–lei nº. 25643 de 20 de Julho de
1935 foi criado o Grémio dos industriais de Bordados da Madeira, com a
missão de orientar a indústria no campo da produção e comércio. Tal
como enuncia um folheto publicitário do Grémio de 1958 a defesa dos
interesses do sector estava assegurada, pois não se repetiram na vigência do
grémio, as crises periódicas que, no passado, tanto afligiram a economia da indústria e
dos seus trabalhadores.

De acordo com a portaria 8337 foi estabelecida uma taxa sobre o valor das
exportações e as vendas locais para acudir às despesas da agremiação. Foi
com os fundos resultantes desta taxa que se construiu a sede, o actual edi-
fício do IBTAM, inaugurado nos anos cinquenta. Aqui o grémio dispunha
de armazéns para reserva de tecidos e linhas, situação que é ainda hoje ga-
rantida no mesmo edifício.

O grémio, para além da função reguladora do sector, actuava no sentido


da defesa do sector, promovendo o ensino do bordo às jovens, com as
escolas criadas em Câmara de Lobos e Machico. Ao mesmo tempo esta-
belecia os preços mínimos da mão-de-obra baseada numa unidade de me-
dida conhecida como pontos industriais. De acordo com o relatório que
citamos, entre 1935 e 1958 houve uma melhoria significativa na valoriza-
ção do trabalho da bordadeira, passando-se de 35 centavos por 100 pontos
para 2420 em 1958. Esta melhoria atingiu também as 750 operárias das
Casas que em 1935 recebiam entre 3$00 a 6$00 de salário e passaram a
auferir em 1958 entre 11$00 e 20$00.

A missão do Grémio é definida no boletim de propaganda do mesmo, do


seguinte modo:

À indústria de bordados cumpria, naturalmente, como actividade integrada na organi-


zação corporativa, ordenar a produção, valorizar o trabalho conferir novos direitos aos
trabalhadores, defender a qualidade dos produtos, possibilitar a criação de novos merca-
dos de consumo, dignificar o comércio e promover a expansão das vendas.

O 25 de Abril de 1974 destronou o regime e as estruturas económicas cri-


adas como seu sustentáculo. Os grémios do regime deram lugar às Associ-
ações, surgindo no caso do Bordado Madeira a Associação de Produtores
de bordado Tapeçarias e Artesanato e Obra de Vimes da Madeira.

O sector do bordado conta com 44 empresas, maioritariamente de matriz


familiar: Abreu & Araújo Lda, Adília Liliana Fernandes Santos, Aiborda-
Bordados da Madeira Lda, Alegria Verissimo Nunes de Abreu, António G.
Jardim Sucrs Lda, António Gomes D’Oliveira, Sucrs Lda, Atelier de Bor-
dados lda, Bordal- Bordados da Madeira Lda, Bordados Cruzeiro do Sul
Lda, Bordados Maga Lda, Botama-Fábrica de Bordados e Tapeçarias Lda,
Brazão & Freitas lda, Décio da Silva, Elma Cristina Muller Camara, Freitas
& Cardoso Lda, Fernandes & gouveia Lda, Gouveia & Alves Sucrs Lda,
Henke Lda “La Bela Cobra”, Idalina & Gouveia Lda, Imperial Bordados
Lda, Ivo da Silva, Isabel Anacleta Vieira dos Santos Teixeira, J. A. Tei-
cxeira & Ca Lda, João Baptista Ribeiro, João Caldeira Leal & Ca Lda, João
de Sousa Viola Lda, João Eduardo de Sousa Lda, Lino & Araújo Lda, Luís
de Sousa Lda, M. P. Gouveia, Madeira Supérbia Lda, Manuel Hugo Luís
da Silva & Filhos Lda, Maria Alice G. Abreu Lda, Maria de Fátima An-
drade Zilhão, Maria Nunes Lda, Mundo Novo Coop. De Bordados da
Madeira Lda, Patricio & Gouveia Sucrs Lda, Paiva & Sousa Sucrs Lda,
Rosa Maria Fernandes da Silva, Silva Andrade & Ca Lda, Soebol-Socie-
dade Exp. De bordados Lda, Sociedade de Fabricantes de Bordados Lda,
Teixeira & Mendoça Lda, Telo- Fab. E Exp. Bordados da Madeira Lda.

A defesa do bordado foi uma das atribuições do Grémio dos bordados


desde 1935. Para isso criou-se por decreto-lei de 8 de Dezembro de 1938 a
obrigatoriedade de o bordado para venda dispor de um selo de garantia.
Com a criação por decreto regional do IBTAM em 1977 veio a atribuir
uma nova dinâmica e intervenção do Governo Regional no sector. A de-
fesa da qualidade do bordado continuou a ser uma aposta definindo-se a
partir de 200 o uso do selo holográfico como forma de evitar a sua falsifi-
cação. Por outro lado a aposta na inovação levou o Governo Regional a
criar o Centro de Moda e Design. Dos seus objectivos fazem parte a
aposta na criação de novos produtos, servindo-se das tecnologias de
ponta, com a introdução do Design, Imagem e Marketing.

A partir daqui abriu-se uma nova oportunidade para o sector do bordado.


E hoje é evidente que o bordado Madeira conquistou um lugar cativo na
moda, surgindo vários estilistas madeirenses que apostaram com sucesso
na utilização do bordado no vestuário.
AS BORDADEIRAS

Bordadeiras. Fotografia Museu Vicentes

Minha Madeira ou meu encanto


Por ti quanto e sou profano
Jóia que Deus num dia santo
Deixou cair no oceano
Como tu não há nenhuma
E nas noites sonhadoras
Bordam das ondas a espuma
Os dedos das bordadouras.

(canção de MAX(1918-1980)
Em todos os momentos da História do bordado a referência mais comum
prende-se com a bordadeira. É ela, que com mãos de fada, dá o toque de
beleza aos pontos do bordado. A sua maestria, dedicação e sacrifício são
motivo constante de panegírico e admiração por todos os que descobrem
o bordado. Preservou na ilha a ancestral tradição de bordar e, antes que
em meados do século XIX, interviessem os estrangeiros a dominar o cir-
cuito de produção e foi ela que criou os desenhos que tão graciosamente
esculpia à linha sob o pano.

O incansável labor da bordadeira, em delongas noites, está testemunhado


nas peças bordadas que encantam naturais da ilha e visitantes, embelezam
quem veste as suas peças de vestuário, engrandece as recepções e repastos
e enriquece o aconchego dos lençóis e travesseiros. A marca indelével do
seu trabalho está presente em todo o lado.

O quadro da bordadeira sentada em frente do casebre que a abriga durante


a noite é uma imagem frequente na retina dos visitantes da ilha desde fi-
nais do século XIX. A este labor isolado junta-se outra imagem dos grupos
de mulheres que se juntam à beira de caminhos e atalhos. Por toda a ilha
era habitual estes ajuntamentos de mulheres casadas, donzelas, idosas e
crianças, cujas mãos bordam mas o pensamento está no quotidiano pró-
prio e alheio. Borda-se mas também discorre-se sobre a vida de um e de
outro. Raras vezes alguém entoa uma cantiga popular, daquelas que andam
de boca em boca, ou se ouvem na rádio.

O bordado é o testemunho da arte da mulher madeirense, como também


das dificuldades quotidianas. Borda-se, não por prazer, mas por necessi-
dade de forma a garantir-se o magro sustento da casa.

A sobrevivência do bordado continua ainda hoje a depender do seu paci-


ente labor. Durante muito tempo foi uma actividade garantida pelo seu
paciente labor e dedicação. Ela tinha liberdade de escolha dos tecidos, li-
nhas e padrões a bordar. Concluído o trabalho calcorreava a cidade ou ia
de porta em porta a oferecer o seu lavor por uns magros tostões que ga-
rantissem a sua sobrevivência e da família. Muitos estrangeiros, que foram
cativados por estas autênticas obras de arte testemunham-no, referindo
que era aqui que se encontrava o melhor bordado feito na ilha.

As exigências das exportações conduziram ao aparecimento de novos


agentes no processo, implicando uma mudança radical na confecção do
produto. A bordadeira perdeu o controlo do processo, passando a actuar
como mero executante do bordado sobre tecidos já estampados. Em troca
receberá uma magra recompensa contabilizada em pontos. A precariedade
e instabilidade deste trabalho estão evidenciadas num inquérito feito à si-
tuação das indústrias da Madeira em 1888:

As obras de verga e bordados são todas de indústria caseira. Estes produtos vêm para
cidade, ou directamente pelos produtores, ou por agentes que os vão buscar ao produtor, e
os pagam por preços que realmente espantam; só a indústria caseira pode fazer destes
milagres. Quando o produtor os vem trazer à cidade, vende-os aos negociantes especiais
que tratam deste negócio, e por preços sempre baixos. É este quem faz os preços da
venda aos passageiros em trânsito, aos que invernam na ilha, ou os manda de conta
própria para os mercados de Inglaterra e Brasil, e alguns outros; preços que lhes dão
lucros altamente remuneradores.

Embora o trabalho da bordadeira seja ancestral a primeira referência ao


número de mulheres dedicadas ao bordado surge só em 1863 no relatório
de Francisco de Paula Campos e Oliveira sobre as indústrias do arquipé-
lago. Aqui considera-se o bordado já como uma indústria caseira muito impor-
tante que ocupa 1029 mulheres em toda a ilha. Não obstante esta ser uma
actividade caseira usual era na cidade e freguesias vizinhas do recinto ur-
bano que se notava uma maior incidência de mulheres dedicadas a esta
actividade. Apenas o Funchal e Câmara de Lobos totalizam mais de 97%
do total. Isto resulta certamente da proximidade do local de venda e de
ainda não estar montada a rede de distribuição e recolha organizada pelas
casas comerciais. Deste modo o Norte da ilha não assumia ainda qualquer
importância nesta actividade.

Bordadeiras
BORDADEIRAS- 1863
CONCELHO BORDADEIRAS POPULAÇÃO
Nº % Nº
Funchal 844 4,7 17677
C. de Lobos 152
Ponta de Sol 10
Calheta 7
Santa Cruz 8
Porto Moniz 4
S. Vicente 4
Total 1029 0,9 110.249

900
800
700
600
500 S. Vicente
Porto Moniz
400
Santa Cruz
300 Calheta
200 Ponta de Sol
100 C. de Lobos
Funchal
0

Bordadeiras em 1863

O período que decorre da segunda metade do século XIX até meados do


seguinte foi marcado por um movimento ascendente de mão-de-obra fe-
minina indispensável para a afirmação do bordado. O relatório das indús-
trias feito por Vitorino Santos para o ano de 1906, em plena época de
afirmação desta indústria, evidência esta realidade, apresentando um total
de 32.000 bordadeiras. O Funchal e Câmara de Lobos, com 58% conti-
nuam a dominar, mas as bordadeiras estão presentes em todos os conce-
lhos.
BORDADEIRAS- 1906
CONCELHO BORDADEIRAS POPULA-
Nº % (em rela- ÇÃO
ção popula- (1910)
ção)
Funchal 12.400 28,3 43710
C. Lobos 6.100 34,9 17467
Ponta de Sol 2.300
Calheta 4.500 24,6 18270
Machico 600 5 11824
Santa Cruz 3.500 21,3 16358
Porto Moniz 400 9,5 4201
S. Vicente 1100 13,5 8121
Santana 800 8,5 9339
Porto Santo 300 12,9 2311
TOTAL 32.000 18,8 169783

20.000

10.000
Porto Santo
Santana
S. Vicente
Porto Moniz
Santa Cruz
Machico
Calheta

0
Ponta de Sol
C. Lobos
Funchal

BORDADEIRAS EM 1906

Para o demais período do século XX os dados que dispomos sobre o nú-


mero das bordadeiras são avulsos. Note-se que o mais elevado valor destas
acontece em 1950 com a presença de 60.000 mulheres dedicadas ao bor-
dado, o que representa 21,2 % da população. A informação disponível diz-
nos que o valor médio de bordadeiras era de cerca de trinta mil. Os últi-
mos dados de 1983 apontavam para 33.000 e no primeiro ano do novo
milénio o seu valor ronda apenas......

A distribuição geográfica das bordadeiras nas décadas de setenta e oitenta


do século XX demonstra que houve uma mudança na configuração geo-
gráfica dominante em épocas anteriores. Assim o Funchal e C. de Lobos
perdem em favor de concelhos como a Ribeira Brava e Machico.

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DAS BORDADEIRAS(1977-1981)


1977 1978 1979 1980 1981
% % % % %
Funchal 30,6 30,2 29,0 27,0 27
C. de Lo- 23 23,3 26,5 26,7 26,7
bos
R. Brava 17,2 16,8 15,6 16 16
Machico 10,6 11,3 11,2 11 11
Santa Cruz 7,6 6,9 6,5 6,1 6
Calheta 4 4 4,1 4,9 4,9
S. Vicente 1,9 2,3 1,9 2,4 2,5
Santana 1,9 2,2 2,2 24 2,4
Ponta de 2,5 2,1 1,9 2,2 2,2
sol
Porto 0,7 0,8 0,9 1,1 1,1
Santo
Porto 0 0,1 0,2 0,2 0,2
Moniz

35
30
25
20
15
10
Porto Moniz
Porto Santo
Ponta de sol

5
Santana
S. Vicente
Calheta
Santa Cruz
Machico

0
R. Brava
C. de Lobos
Funchal

Em plena euforia da indústria do bordado, que ocupava mais de trinta mil


mulheres, o aparecimento de epidemias como a colera morbus em 1911 teve
reflexos evidentes na indústria. Note-se que em 1910 a despesa com a
mão-de-obra havia sido de 760.000$00, descendo no ano imediato para
480.000$00, o que reflecte uma diminuição acentuada da mão-de-obra dis-
ponível, uma vez que não se assinalou qualquer alteração no valor dos
pontos pagos e tão pouco houve uma quebra da procura.

No primeiro registo da mão-de-obra relacionada com o bordado de 1862


surgem apenas dados sobre as bordadeiras, mas em1906 diferencia-se estas
dos demais trabalhadores das casas de bordados, que neste momento são
2000. Aqui incluía-se todos os profissionais necessários para a última fase
do processo de preparação do bordado a exportar e os que se ocupavam
da preparação dos desenhos e tecidos a entregar às bordadeiras. Esta situ-
ação quer significar que a instalação e pleno funcionamento das casas de
bordados ocorreu apenas a partir da década de sessenta do século XIX.

A técnica de produção de bordado, imposta pelos alemães a partir da dé-


cada de oitenta do século XIX, retirou à bordadeira o domínio exclusivo
do processo de fabrico. Entrou-se num ciclo de produção em que inter-
vêm diversos agentes, como os desenhadores, estampadores, agentes, veri-
ficadoras e engomadeiras. Ao lado da bordadeira caseira surgiu a profissi-
onal que trabalha nas casas de bordados. Esta realidade é-nos dada por
Victorino Santos(1907):

Há nesta ilha duas classes de bordadeiras perfeitamente distintas: a das bordadeiras


rurais e a das bordadeiras profissionais.

As primeiras existem disseminadas por todo o distrito, embora muito mais intensa-
mente na costa do sul da Madeira e na ilha do Porto Santo, e as segundas residem prin-
cipalmente no concelho do Funchal e sobretudo nas freguesias de Santa Maria Maior e
S. Gonçalo, onde se produzem os mais finos bordados de todo o distrito.

A estas juntam-se ainda outros trabalhadores que intervêm no processo.


Todavia este grupo é diminuto. Em 1922 eram 2500 que trabalhavam nas
70 casas, enquanto em 1968 as 88 casas empregavam apenas 450 e estavam
servidas de 1500 agentes.

Um dos aspectos que chama à atenção de todos que descrevem esta in-
dústria e elogiam o trabalho primoroso das bordadeiras é o baixo preço do
seu trabalho. Já em 1863 a bordadeira era entre, todas as actividades que se
ocupavam as mulheres, a mais mal paga sendo apenas de 100 reis no Fun-
chal, enquanto as demais recebiam salários médios superiores a 300 reis.
Esta situação é testemunhada em 1901 por José Cupertino Faria:
Não há muitos anos que os trabalhos da bordadeira eram muitíssimo mal pagos; e, não
obstante as agências que uma sociedade alemã estabeleceu por toda a ilha, estas conti-
nuam a sê-lo da mesma forma.

A forma de pagamento do trabalho às bordadeiras sofreu alteração a partir


dos anos vinte do século XX. Até então o trabalho era pago ao palmo,
passando desde esta data a ser feito ao ponto, fazendo-se a contagem com
o curvímetro.
curvímetro

A persistência de um pagamento baixo do trabalho da bordadeira de casa


resulta do facto de este ser um trabalho executado nos intervalos das lides
caseiras ou nas longas noites, não sendo, em muitas casos uma actividade
que as ocupasse o dia inteiro. Deste modo os magros centavos dos pontos
eram sempre bem vindos. Note-se que em 1952 os 47.252 contos con-
templavam mais de cinquenta mil famílias em toda a ilha, o que represen-
tava 18% do total da população.

CONCELHOS DESPESA FAMÍLIAS POPULAÇÃO


MÃO-DE- Nº 1950
OBRA
CONTOS
Funchal 16.293 19.095 93.983
C. de Lobos 10.305 5.270 27.420
R. Brava 7.251 4.020 2o.762
Ponta de sol 2.202 3.042 15.735
Calheta 3.494 4.950 24.078
Porto do Moniz 263 1.276 6.422
S. Vicente 1.503 2.465 12.521
Santana 1.380 3.132 15,543
Machico 4.837 4.305 22.218
Santa Cruz 5.118 5.475 28.070
Porto Santo 582 587 3.017
18.000
16.000
14.000
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000

Porto Santo
Santa Cruz
Machico
Santana
2.000

S. Vicente
Porto do Moniz
Calheta
Ponta de sol

0
R. Brava
C. de Lobos
Funchal

DESPESA DE MÃO DE OBRA EM CONTOS

A protecção e apoio aos profissionais do sector aconteceu já em 1894 com


a criação da Sociedade José Júlio Rodrigues de Protecção às Bordadeiras
Madeirenses. Sobre esta associação de beneficência pouco se sabe. A partir
de Dezembro de 1907 por iniciativa dos alemãs. Nesta data as casas Wi-
lhelm Marum, R. Kretzchan, George Wartenberg criaram uma Caixa de
Socorros para os cerca de dois mil trabalhadores que empregavam. Todos
eles passam a usufruir de assistência médica e de medicamentos gratuitos,
sendo os fundos para a manutenção deste serviço resultantes do desconto
mensal de 50 réis por trabalhador, feito por cada casa. O alargamento
deste sistema de protecção social só sucedeu a partir de 1946 com a cria-
ção da Caixa de Previdência.

O Grémio dos Industriais dos Bordados, criado em 1935, teve também


uma acção de relevo no apoio ao sector e às bordadeiras. Em Câmara de
Lobos e Machico criaram-se escolas infantis que permitiram o ensino do
trabalho da agulha a mais de 691 crianças. E, mais tarde em 1961, apoiou-
se as bordadeiras através da construção de um bairro residencial com 30
moradias.
Bairro do grémio. Funchal

O século XX foi marcado pela dispersão os madeirenses por diversos des-


tinos de acolhimento. A crise e as dificuldades provocadas pelas guerras
mundiais e pela situação de abandono e subdesenvolvimento conduziram
a esta forte pressão da emigração, nomeadamente nos anos cinquenta e
sessenta. Muitos madeirenses rumo ao Brasil, Venezuela e África do sul
em busca de melhores condições de vida. Primeiro saem os homens, mas
depois acompanham-nos os restantes elementos do casal. A todo o lado
onde chegou a mulher madeirense chegou também o bordado. A arte e
tradição do bordado são-lhe inseparáveis.

No caso do Brasil é conhecido o facto de nos anos cinquenta existir um


apelo e promoção da imigração das bordadeiras madeirenses para o Brasil.
No Rio de Janeiro, S. Paulo, Santos e Ceará é notória a presença bordado
madeirense. No morro de São Bento, em Santos o bordado já não tem a
qualidade dos anos sessenta e está em vias de desaparecimento. Todavia
em Itapajé, no Ceará em Fortaleza, mantém-se vivo. Aqui a cidade é co-
nhecida como a capital do bordado, porque o mesmo é uma das principais
actividades económicas.
Na Venezuela, os testemunhos de muitas das mulheres madeirenses que
saíram da ilha nos anos cinquenta revelam que não se perdeu o hábito de
bordar, havendo casos em que se enviavam as peças desde o Funchal e
que depois eram devolvidas já bordadas.

A homenagem ao trabalho da bordadeira, insistentemente louvado por


todos os que conheceram o seu trabalho, só aconteceu a 30 de Junho de
1986 com a inauguração da estátua do escultor Anjos Teixeira nos jardins
do IBTAM.

Aqui não poderá esquecer-se a homenagem de Maria Soledade em “os


Bordados da Madeira”(1957):

Bordadeira, eu me curvo reverentemente, perante a tua figura de mulher madeirense e te


destaco como símbolo do trabalho feminino, apontando-te a todas as mulheres portugue-
sas como motivo de orgulho e de carinho !...

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